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O Código Civil de 2002 positivou sobre a origem de um dever jurídico

denominado de responsabilidade civil que define a condição ao qual uma pessoa, física
ou jurídica, pode ser considerada responsável em reparar obrigatoriamente danos
causados a terceiro, em decorrência de atos ilícitos (artigo 186, do CC) e de abuso de
direito (artigo 187, CC).

Em exemplo, a anotação feita por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona1:

(...) na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ilícito tem


a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado,
buscando restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não
for mais possível, é convertida no pagamento de uma
indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano)
ou de uma compensação (na hipótese de não se poder estimar
patrimonialmente este dano).
Neste sentido, o legislador estabeleceu na Seção III do Capítulo III, do
Marco Civil da Internet – Lei 12.965/2014, sobre a responsabilidade por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. O artigo 18 da lei citada traz o seguinte
texto: “o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”.

Primeiramente, a lei busca a segurança da empresa provedora de conexão à


internet por atos praticados pelos usuários, pois sob o contexto de inviolabilidade e livre
acesso dos usuários, bem como o princípio da liberdade de expressão, o provedor não
pode restringir prematuramente o que é publicado por seus usuários. Desta forma, em
sinergia com entendimento de Damásio de Jesus, “o Maro Civil colocou uma pá de cal
sobre o tema, definindo no art. 18 que o provedor de conexão não tem responsabilidade
alguma sobre o conteúdo de internet”.

Em uma explicação mais completa, Vitor Hugo Gonçalves2 explica:

Provedor de Conexão fornece um caminho lógico do aparelho


do usuário (computador, celular, tablet etc.) para a internet. O
caminho lógico constitui-se da atribuição do endereço IP para
navegar na internet, bem como da infraestrutura de
telecomunicações necessárias para realizar o envio (upload) e a
baixa (download) de dados na rede. Por conta desse serviço que
oferece, o Provedor de Conexão à internet não tem, nem poderia
ter, condições de ter acesso sobre os conteúdos lançados por
1
STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil — Parte Geral, 2. ed., São Paulo:
Saraiva, 2002, v. 1, p. 462.
2
GONÇALVES, Victor H. Marco civil da internet comentado. Grupo GEN, 11/2016. p. 136.
terceiros, pois apenas oferece o canal de comunicação para os
usuários.
Assunto este, consolidado anteriormente à Lei n.º 12.965/2014 pela
decisão do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR.


PROVEDOR. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO.
RETIRADA. REGISTRO DE NÚMERO DO IP. DANO
MORAL. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.
1. – No caso de mensagens moralmente ofensivas, inseridas no
site de provedor de conteúdo por usuário, não incide a regra de
responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único
do Cód. Civil/2002, pois não se configura risco inerente à
atividade do provedor. Precedentes. 2. – É o provedor de
conteúdo obrigado a retirar imediatamente o conteúdo ofensivo,
pena de responsabilidade solidária com o autor direto do dano. .
3 – O provedor de conteúdo é obrigado a viabilizar a
identificação de usuários, coibindo o anonimato; o registro do
número de protocolo (IP) dos computadores utilizados para
cadastramento de contar na internet constitui meio de
rastreamento de usuários que ao provedor compete,
necessariamente, providenciar. 4. – Recurso Especial provido.
Ação de indenização por danos morais julgada improcedente.
(STJ – Resp: 1306066 MT 2011/0127121-0, Relator: Ministro
SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 17/04/2012, T3 –
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/05/2012)
No mesmo sentido, do Tribunal de Justiça de São Paulo, baseando-se na
Lei n.º 12.965/2014:

OBRIGAÇÃO DE FAZER – YouTube – Provedor de


aplicações de hospedagem – Remoção de vídeo – Falta de
interesse recursal – Se por um lado o recorrente não responde
pelo conteúdo dos vídeos, como deflui do art. 18 da Lei
12.965/2014, por outro, não tem interesse recursal para a
discussão acerca da ausência de abusividade e ilicitude e
existência de interesse público, ou mesmo da prevalência dos
princípios da livre manifestação de pensamento, da liberdade de
expressão, criação e divulgação, não importando a ordem de
remoção, em censura ao provedor de hospedagem, restringindo-
se o direito de propagação da informação àquilo que é lícito,
sendo o interesse de recorrer de quem o publicou ou dele
participa, não podendo a provedora se opor à ordem judicial
específica nos limites do §4º do art. 19 do Marco Civil da
Internet – Cabe ao juiz, havendo pedido de remoção ou bloqueio
do audiovisual, ainda que de ofício, quando o responsável não
for conhecido, nem integrar a lide, a análise do conteúdo e da
ocorrência de violação a direitos constitucionalmente garantidos
pela sua permanência ou exclusão – Recurso não conhecido.
(TJ-SP – AC: 10523929520178260100 SP 1052392-
95.2017.8.26.0100, Relator: Alcides Leopoldo, Data de
Julgamento: 30/01/2020, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 05/02/2020) (grifo nosso)
O Marco Civil da Internet traz positivado o entendimento que vinha sendo
aplicado pelo STJ, e tribunais de primeira instância, apresentando o conceito de
Responsabilidade de Intermediário. Esta responsabilidade esta prevista no artigo 19 da
Lei n.º 12.965/2014 que em seu texto expressa:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e


impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente
poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica,
não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos
do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível
o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as
disposições legais em contrário.
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob
pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo
apontado como infringente, que permita a localização
inequívoca do material.
§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a
direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal
específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e
demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.
§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos
decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet
relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade,
bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por
provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas
perante os juizados especiais.
§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida
no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e
considerado o interesse da coletividade na disponibilização do
conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de
verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação.
É explicado por Damásio de Jesus3 que anteriormente ao Marco Civil:

Em muitos casos, mesmo colaborando com a autoridade


judicial, identificando a autoria do crime eletrônico e removendo
o conteúdo do ar, ainda assim provedores eram condenados por
terem “disponibilizado o meio” para a divulgação do conteúdo

3
JESUS, Damásio de. Marco civil da internet: comentários à lei n.12965. de 23 de abril de 2014. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 65.
ou mesmo por “não terem fiscalizado os conteúdos que
hospedavam” [...].
A responsabilidade de intermediário nada mais é que o procedimento
aplicado na remoção de conteúdo existente no artigo 19. Em síntese, conforme o texto
da lei, caso seja identificado material que gere danos expressados por terceiros, após
ordem judicial não cumprida, o provedor de acesso à internet ou aplicações poderá ser
responsabilizado por manter esses dados na internet. Isto converge em sintonia com os
dizeres de Vitor Hugo Gonçalves4:

(...) a adoção de critério de que o provedor somente será


responsabilizado se, notificando judicialmente, não realizar as
medidas necessárias determinadas dentro e nos limites do
mandado judicial é o mais correto. Sente sentido, o Marco Civil
estabeleceu que a responsabilidade civil do provedor de
aplicações se inicia-se a partir do recebimento da ordem judicial,
que, ao cumpri-la, afasta uma possível responsabilização de
ilícitos por terceiros.
Em seu parágrafo primeiro, traz os requisitos que a ordem judicial deve
preencher ao exigir a exclusão dos dados, sob pena de nulidade. Nos casos do parágrafo
2º, deverá ser respeitada a legislação específica que trata dos direitos autorais no Brasil,
assim se abstendo de tratar dos conteúdos referentes à autoria de determinado material
intelectual. O legislador também apresenta no artigo 31 do Marco Civil da Internet,
como forma consolidar esta abstenção sobre o mesmo assunto.

O parágrafo terceiro esclarece que sobre a competência da utilização dos


Juizados Especiais para dirimir casos referentes a responsabilidade civil presente no
conteúdo do Marco Civil da internet.

Ao final do artigo da lei, o 4º parágrafo estabelece sobre a tutela


antecipada dos pedidos de remoção de conteúdos da internet, onde expõe que em todas
as competências, inclusive a do Juizado Especial, com a existência de prova inequívoca
do conteúdo e sua disponibilização, possa antecipadamente, solicitar sua retirada. O
Magistrado deve verificar a presença dos requisitos para concessão de uma tutela
antecipada, sendo o principal, a constatação superficial do fundado dano irreparável ou
de difícil reparação.

4
GONÇALVES, Victor H. Marco civil da internet comentado. Grupo GEN, 11/2016. p. 139.
O artigo 205 da lei busca esclarecer a obrigatória comunicação a ser feita
ao responsável pelo conteúdo removido. O dispositivo do artigo citado entrega a
obrigação do provedor em notificar o titular do conteúdo que está sendo removido,
possibilitando ao usuário exercer o direito fundamental de contraditório e ampla defesa,
salvo se existir decisão judicial fundamentada em contrário. Como forma de
complemento, o legislador editou o parágrafo único do artigo supracitado, apenas
afirmando que será substituído o conteúdo que se tornou indisponível pela motivação ou
ordem judicial que deu a causa.

É importante ressaltar que o Marco Civil da Internet apresenta uma


exceção à regra de retirada de conteúdo somente por ordem judicial. Trata-se essa
exceção de conteúdos de cunho sexual presente no artigo 21 6. Desta forma expõe
Damásio de Jesus7:

Em casos de conteúdos gerados por terceiros envolvendo


divulgação sem autorização de seus participantes, de imagens,
vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de
atos sexuais de caráter privado, o próprio participante ou seu
representante legal poderão, diretamente e sem a necessidade de
ordem judicial, notificar o provedor de aplicações que hospeda o
conteúdo.
O artigo proclama em seu parágrafo único que a notificação feita pelo
representante legal ou participante deverá ser totalmente detalhada contendo vários
elementos que permitam a identificação específica do material. Além do preenchimento

5
Lei 12.965/2014. Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável
pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os
motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o
contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial
fundamentada em contrário.
Parágrafo único. Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível, o
provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada, profissionalmente e
com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial
que deu fundamento à indisponibilização.
6
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será
responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização
de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos
sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu
representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu
serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que
permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a
verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
7
JESUS, Damásio de. Marco civil da internet: comentários à lei n.12965. de 23 de abril de 2014. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 70.
dos requisitos para encontrar o conteúdo, como expõe Gonçalves8, “deve o ofendido
justificar a sua legitimidade ativa para requerer a retirada do conteúdo”.

Além do mais, caso o provedor de conexão de internet ou de aplicações


não cumpra com o solicitado, visto o preenchimento da legitimidade ativa para exigir a
retirada do material e dos requisitos da notificação, o mesmo responderá
subsidiariamente pela violação causada.

Concluindo o Capítulo III, a seção IV trata da requisição judicial de


registros. Em seu artigo 229 é estabelecido o procedimento da requisição dos dados
(segurança estabelecida no artigo 13 do Marco Civil da Internet) como forma de criar
um conjunto probatório para um processo judicial.

Assim entende Vitor Hugo Gonçalves10, “O Marco Civil, prevendo a


urgência da requisição de dados, em razão da sua volatilidade física e lógica, determina
que o interessado possa produzir provas cautelares antecipatórias, a fim de que não se
torne impossível a investigação do possível ilícito”. No parágrafo único do artigo é
apresentado os requisitos legais que devem ser preenchidos para admissibilidade do
requerimento.

O artigo 2311 traz informações sobre a obrigação funcional do juiz para que
cumpra com as garantias necessárias de sigilo das informações recebidas por ele como
conteúdo probatório para o processo do qual compõe a lide.

Estes aspectos apresentados sobre a responsabilidade de intermediários, a


atuação do Magistrado em determinadas situações, bem como os requisitos que devem
ser preenchidos pelo usuário ao solicitar a exclusão de determinado conteúdo geram
uma segurança à liberdade de expressão e a prerrogativa de acesso total do usuário,
8
GONÇALVES, Victor H. Marco civil da internet comentado. Grupo GEN, 11/2016. p. 158.
9
Lei n.º 12.965/2014. Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto
probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que
ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a
aplicações de internet.
Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de
inadmissibilidade:
I - fundados indícios da ocorrência do ilícito;
II - justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução
probatória;
III - período ao qual se referem os registros.
10
GONÇALVES, Victor H. Marco civil da internet comentado. Grupo GEN, 11/2016. p. 160.
11
Lei n.º 12.965/2014. Art. 23. Cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das
informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do
usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro.
sendo o único filtro desta liberdade, as determinações da justiça ou de direitos de
imagens que devem ser totalmente atendidos, tanto pelo usuário, quanto pelos
provedores.

Todos os dispositivos deste Capítulo III são voltados à preservação dos


princípios de liberdade do usuário, fazendo com que a responsabilidade sobre o
conteúdo exposto por ele, recaia somente sob sua responsabilidade.

Também é tratada a preservação à intimidade e a vida privada de seus


usuários, disponibilizando mecanismos que assegurem, por via judicial ou não, a
remoção de conteúdos danosos à imagem destes usuários afetados.

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