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A LOUCURA DO
VISCONDE
ATHERBOURNE
SINOPSE
Esse livro é dedicado à mamãe e papai: Porque quando disse que queria
escrever livros para ganhar a vida, nenhum riu.
Porque mamãe se ofereceu a ser minha primeira leitora, e papai se ofereceu
para posar para a capa.
Porque ainda se veem um ao outro como se um “felizes para sempre”, fosse a
conclusão óbvia.
Porque são meus melhores amigos.
Dou graças a Deus todos os dias por ser sua filha.
Prólogo
12 de junho, 1815
LONDRES
18 de junho, 1815
Hampstead Heath
A pistola caiu da mão do Duque de Blackmore com um ruído surdo
sobre o chão coberto de erva, fumegando pelo tiro que ainda ressonava em
sua cabeça.
— Isto não deveria ter ocorrido. Como tinha acontecido?
— Disparou-o. Acredito... — gaguejou seu padrinho, Henry Thorpe,
Conde de Dunston, seus olhos escuros bem abertos na luz rosa do amanhecer.
Ambos se aproximaram do corpo estendido na erva a uma dúzia de metros de
distância.
— Harrison, acredito que pode estar morto.
— Minha intenção era feri-lo no braço—, disse Harrison com voz rouca
enquanto observava a forma de Gregory Wyatt, visconde Atherbourne,
dobrado de modo caprichoso... — moveu-se subitamente à esquerda. Não
tenho ideia do por que.
Lorde Tannenbrook, um homem loiro, corpulento, de traços toscos e
atitude sombria, a quem Atherbourne tinha apresentado como seu padrinho,
levantou a vista para Harrison de onde estava ajoelhado ao lado do corpo
estendido e sangrante do visconde.
— De fato, está morto—, disse firmemente. — Um disparo no coração.
As palavras chegaram a Harrison de uma grande distância. Deu um passo
atrás lentamente e ficou olhando o vil poço de sangue escuro, expandindo-se
por baixo do torso de Atherbourne. Era quase negro. Estranho, pensou
distante. Quando há muito sangue se vê negro em vez de vermelho.
Harrison nunca tinha matado a um homem em um duelo ou de qualquer
outra forma, antes deste dia. Este horrível, sangrento dia. Passou a mão pela
cara e sacudiu a cabeça para limpar-se. Tinha tirado uma vida. Ele, o oitavo
Duque de Blackmore, era... um assassino.
A bílis subiu por sua garganta em violenta rebelião contra sua vontade.
Voltou-se instintivamente afastando-se da visão do corpo do outro homem.
Cambaleando aproximou onde umas sarças cresciam entre árvores
imponentes. Tomando grandes baforadas de ar, encheu seus pulmões com o
aroma da erva triturada e terra úmida, uma pausa do sabor metálico do
sangue, do mau aroma da morte.
Uma mão agarrou seu ombro. A suave voz de Henry murmurou: — Não
terá que preocupar-se, velho amigo. Atherbourne te desafiou, e tudo se
realizou corretamente. Os processos para este tipo de coisas são tão estranhos
como encontrar virgens em Madame DeChatte. O que diz o bastante.
Harrison sempre tinha desfrutado do gracioso senso de humor de seu
amigo, mas não encontrava nada divertido nestas circunstâncias.
— Ele é… — Esticou a mandíbula enquanto olhava o chão... — Ele era
um visconde. Crê que sua morte será descartada tão facilmente?
— Sim, ele era um visconde. E você, um duque. Privilégios de hierarquia
e tudo o mais.
Um assobio deixou seus pulmões e se afastou com desgosto. Henry o
tomou pelo braço. Embora o homem fosse mais baixo e mais leve que
Harrison, sua pegada era extremamente forte, urgente.
— Eu não sabia que albergava tal ingenuidade, Blackmore. Esta
desagradável situação chegou a uma natural, embora inesperada conclusão.
Sugiro que aceite o acontecido e considere que a causa de honra foi satisfeita.
Raras vezes tinha ouvido o afável Conde de Dunston utilizar um tom tão
contundente. Seu amigo, obviamente, temia que Harrison seguisse sua
consciência para a autodestruição. Mas isso seria imprudente. E se havia algo
que Harrison não era, era imprudente.
De fato, o consideravam geralmente como sem emoção, um peixe frio, e
mais constrito. Seu irmão Colin lhe havia dito em numerosas ocasiões, que
sua mera presença em uma sala baixava a temperatura abaixo do
congelamento. Embora isso fosse um pouco exagerado, Harrison sabia que
seus padrões pessoais de controle e estrita adesão à correção poderiam ser
intimidantes para alguns. Correto poderia ser, e sim talvez outros o vissem
como frio. Mas isso era porque não sabiam nada do que era a verdadeira
frieza.
A contragosto, voltou-se para onde estava Atherbourne, imóvel e sem
vida. Tannenbrook estava parado sobre o homem, olhando sombrio como o
cirurgião se ajoelhava ao lado do corpo e assentia com a cabeça em
confirmação. Assentou-se então, a verdade do que havia feito. Dunston tinha
razão. A lei provavelmente nunca procurasse por ele, mas um homem não
podia matar sem consequências.
Sentiu um frio desdobrar-se e estender-se por suas vísceras.
Possivelmente passariam meses ou inclusive anos. Mas um dia pensou,
girando para o sol nascente, um dia, o diabo iria reclamar sua dívida.
Capítulo 1
20 de abril, 1816
Mayfair
Se fosse possível desmaiar de aborrecimento, Vitória Lacey pensava que
agora estaria deitada sobre o chão de mármore cinza do salão de baile de Lady
Gattingford, sucumbindo a um ataque de nervos.
— Querida, teremos que organizar uma visita ao imóvel de Lorde
Gattingford depois das bodas. Um grande tipo. Tem um par de cachorros
que me assegura que são os melhores de toda a Inglaterra. Bom, só posso te
dizer que tenho que ver isso eu mesmo.
Vitória contemplou os traços arrumados de seu prometido: cabelo
castanho claro com uns poucos cachos encantadores, doces olhos azuis com
longas pestanas, e, inclusive revelava os dentes quando sorria, o que acontecia
com frequência. Ela só desejava sentir algo mais que um terno afeto. Um
único, solitário formigamento, demônios. Talvez inclusive dois ou três. Mas
não. Ele era cômodo. Igual a um vestido gasto pela lavagem, o tecido
descolorido, mas suave e familiar.
— Posto que vamos estar na região, Dunston nos convidou para
acompanhá-lo a Fairfield Park. Sua caça anual é em novembro, acredito.
Murmurou sua concordância e deu uma olhada para quais bailarinos
giravam no centro do salão. Um bando. A imagem a fez sorrir. As mulheres
com seus vestidos em cores pastéis e os cavalheiros com seus escuros ternos de
noite. Talvez devesse ter aceito o convite de Sir Barnabus Malby para dançar
esta vez . Era um cavalheiro corpulento com a desafortunada tendência a
emitir aromas ofensivos, quando se movia vigorosamente. Mesmo assim, teria
sido mais agradável que estar parada aqui discutindo caça e cachorros.
— Limonada, querida?
Mais uma vez, assentiu com ar ausente. Durante o último mês à medida
que seu compromisso avançava, tinha adotado uma estratégia de
conformidade: só movimento de cabeça, um murmúrio, ou alguma maneira
que indicasse aceitação, e realmente escutar era (felizmente) quase
desnecessário. Sentindo uma pontada de culpa por seus maus pensamentos,
tinha que admitir que achava o Marquês de Stickley (Timothy, devia recordar
chamá-lo Timothy) um mortal aborrecido. Suspirou. E ele era dela para toda
a vida. O bonito, considerado, suave, gentil, aborrecido Timothy.
Tinha sido o favorito de seu irmão de todos seus pretendentes. E quem
poderia estar em desacordo com a avaliação de Harrison? Como um homem
cujas maiores paixões na vida giravam em torno de cavalos, cães e caça.
Stickley era pouco provável que gastasse sua fortuna no jogo, bebida, e outras
atividades nefastas. Ele era confiável. Como um cão bem educado. E quase
igualmente estimulante.
Observando distraidamente como uma jovem perdia um passo da dança e
avermelhava como um morango, suspirou de novo. Primeiro o comparava
com um velho e gasto vestido e em seguida com um cão. De verdade, estava
obcecando-se com seus defeitos de uma maneira das mais inapropriadas. Que
impróprio da "Flor de Blackmore", pensou.
Ela endireitou as costas e observou Sir Barnabus dar uma leve reverência
ao seu par, pouco profunda porque sua circunferência não permitiria muito
mais. Sem lugar a dúvidas, Stickley era um bom partido, e suas razões para
aceitar converter-se em sua esposa seguiam sendo tão válidas hoje, como
foram há um mês. Um: Era jovem, em forma, e bonito. Dois: Era um
marquês por seu próprio direito e herdeiro de um relativamente novo, mas
sem dúvida respeitável ducado. Três... Oh, qual era a terceira razão?
De vez em quando perdia a pista depois do ponto número dois.
Olhou à sua direita, esperando encontrá-lo ali, ainda divagando sobre
visitar vários imóveis durante a temporada de caça. Seus olhos abriram mais,
quando não o encontrou.
Onde teria ido?
—Querida menina, me atreveria a dizer que ainda não mencionei o quão
bonita essa cor se vê em ti. Posso te perguntar por esse tom? — A cálida voz
familiar chegou à esquerda de Vitória. — Devo dizer a minha costureira que
adquira esse tecido nesse tom exato de azul. Combina com seus olhos.
A matrona que era acompanhante de Vitória esta noite era redonda em
quase todos os aspectos: sua cara, sua figura, inclusive seu nariz era um pouco
arredondado. Mais baixa que Vitória vários centímetros, embora Vitória fosse
só de estatura média, Meredith Huxley, a condessa de Berne, parecia-se com
um castanho pássaro gordinho. Mas seu sorriso generoso e seu humor alegre a
convertiam em uma das pessoas favoritas de Vitória.
Uma amiga de infância da mãe de Vitória, a condessa se converteu em
uma mãe substituta, depois que os Duques de Blackmore morreram três anos
antes. Logo que Vitória saiu do luto, Lady Berne aceitou o manto do
patrocínio, acompanhando-a a uma vertiginosa série de funções, oferecendo
uma direção impecável através do redemoinho de Londres. Emocionada por
seu êxito como patrocinadora, Lady Berne tinha voltado agora toda sua
atenção para a busca de maridos para as duas mais velhas de suas cinco filhas.
— Você é muito amável, milady—, respondeu Vitória com gosto,
juntando as mãos estendidas da mulher e as apertando com afeto.
— Acredito que o tom se chama água-marinha.
— A minha nova costureira, senhora Bowman, gosta muito, e eu estou de
acordo com ela.
— Senhora Bowman, diz? Talvez vá lhe fazer uma visita.
— Agora, onde está este bonito cavalheiro com o qual logo vais casar-te?
Antes que Vitória tivesse a oportunidade de sentir-se envergonhada pelo
fato de não saber bem onde estava seu prometido, Annabelle Huxley a filha
mais velha da condessa, aproximou-se. A alegre morena estava acompanhada
por duas garotas loiras e magras idênticas, ambas vestindo um tom rosa muito
pálido para realçar sua tez cítrica. As gêmeas Aldridge. Oh, céus. Stickley
poderia ser um companheiro menos que estimulante, mas de repente desejava
sua volta. Este par à caça de marido era determinado, implacável e
manipulador, e sua presa estava relacionada com ela pelo sangue.
As três garotas ofereceram saudações agradáveis a Vitória, e sem mais
preâmbulos, as gêmeas se lançaram a seu assalto. A senhorita Lucinda
Aldridge, a que sempre levava brincos pendentes, golpeou primeiro.
— Lady Vitória, notei que o duque não está presente esta noite.
— Temo que não pôde vir.
As sobrancelhas da garota se elevaram com fingida surpresa.
— Oh? Que pena.
Sua irmã, Margaret, agarrou a deixa e empreendeu com ímpeto.
— Espero que não esteja se sentindo mal.
A declaração se formulou mais como uma pergunta. Uma que esperava
que lhe respondesse.
Resignada no que se converteu em um interrogatório familiar, Vitória
respondeu: — Não. Sua Graça está em excelente estado de saúde. Com o
Parlamento em sessão, seu tempo é muito demandante.
Lucinda levou uma mão enluvada a seu peito e professou: — Faz só dois
dias, vimos Blackmore montando no parque, não é assim, Margaret?
Um gesto exagerado de acordo foi seguido por: — É um cavaleiro muito
imponente.
— Do mais imponente.
— É difícil imaginar que algo pudesse abatê-lo.
— É óbvio que quando casar, sua esposa poderá cuidar dele
adequadamente, para que nada de mau lhe ocorra.
— Todo homem deveria ter uma esposa para cuidar dele.
— Com certeza. Especialmente um tão bonito e distinto.
— Merece uma pessoa exemplar, me atreveria a dizer. Inclusive iria mais
longe, para sugerir que você poderia ser uma boa candidata, querida Lucinda.
Os brincos da garota brilharam à luz das velas enquanto girava os olhos
muito abertos para sua irmã.
— Eu? Eu ia dizer o mesmo de ti.
Sinceramente pensou Vitória, internamente fechando os olhos. Conheci
meninos de quatro anos de idade com mais sutileza. Faz um ano, quando fez
sua estreia, tinha levado semanas para dar-se conta por que dezenas de jovens
pulavam a seu redor. Apanhar ao Duque de Blackmore seria um golpe de
enormes proporções. Com o tempo, deu-se conta que os fios de todas suas
conversações levavam a seu irmão. Qual era sua cor favorita? Prefere o cabelo
escuro ou claro? A que horas do dia prefere montar?
À princípio, tinha sido doloroso dar-se conta que suas "amigas" estavam
mais interessadas em seu irmão, do que em sua companhia. Mas uma vez que
aceitou a verdade, se converteu simplesmente em outro feito de sua vida em
Londres, um tédio. Esta conversa era um exemplo perfeito: as gêmeas
Aldridge não queriam nada dela, a não ser uma recomendação à seu irmão
para casar-se com uma delas. Com qual aparentemente não importava.
— Que eu saiba, não procura uma esposa na atualidade—, respondeu
Vitória. — No entanto, estão corretas ao dizer que merece alguém de caráter
exemplar. Uma pessoa genuína. — O pequeno sarcasmo era o que podia se
permitir.
— Ooohhh, só estava dizendo outro dia quão genuína é, não é verdade
Margaret? Completamente sem malícia.
— De fato, querida. Faz-me sentir humilde com tal descrição.
Esgotada pelo desdobramento, Vitória permitiu que sua mente vagasse
longe das gêmeas e seu ridículo intercâmbio. Ao seu redor, a multidão se fez
mais ruidosa, um zumbido geral de interesse se moveu sobre eles como uma
onda. Dando uma olhada à esquerda, observou Lady Annabelle retornar
depois de uma breve ausência. A garota pôs uma mão no cotovelo de sua mãe
e lhe sussurrou algo ao ouvido.
As sobrancelhas de Lady Berne se elevaram a uma altura alarmante.
— De verdade? Ele está aqui? — Sua cabeça girou para a entrada, e o
olhar de Vitória seguiu automaticamente o seu. Parecia que quem quer que
fosse "ele", sua presença provocava ondas de atônitos olhares e murmúrios
escondidos atrás de mãos enluvadas. Dois dos bailarinos se detiveram para
captar a nova chegada, provocando um momento de caos na pista de baile.
Do arco de entrada que estava uns degraus mais alto que o salão de baile,
qualquer um que entrasse podia ver-se facilmente de qualquer ponto do lugar.
De todas as partes claro, exceto de onde Vitória estava parada. Um cavalheiro
de ombros encurvados, magro como um pau e quase igualmente alto,
bloqueava sua visão. Curiosa para saber quem poderia causar tal sensação,
preocupada de que talvez Harrison tivesse decidido assistir depois de tudo,
afastou-se um pouco para sua direita. E o viu.
O tempo paralisou. As vozes se desvaneceram na sombra. Sua respiração
se deteve. Ele era... formoso. Cabelo negro, verdadeiramente escuro sem
nenhum rastro de castanho. Sob as sobrancelhas, uns olhos penetrantes, não
podia dizer de que cor eram daquela distância. Um nariz reto refinado,
mandíbula definida e quadrada, e um queixo perfeitamente proporcionado
com apenas o traço de uma fenda. Oh, mas sua boca. Essa era sem dúvida, a
criação mais sensual jamais concebida. Um carnudo lábio inferior, o superior
mais fino e belamente desenhado, e tudo com um leve sorriso sardónico, que
de um lado se inclinava ligeiramente para cima. Os dedos de Vitória morriam
para desenhá-lo. Nunca havia sentido uma compulsão assim. Parecia um
anjo, só que mais escuro, mais melancólico.
Alguém lhe golpeou o braço. Era Stickley, voltando para o seu lado com
um copo de limonada.
— Quem é esse cavalheiro, Vitória? — Perguntou, e lhe entregou o copo.
Ela sacudiu a cabeça e murmurou que não sabia.
A condessa se voltou para ela com uma expressão de surpresa, mas ao dar-
se conta de Lorde Stickley, começou a conversar sobre o tempo inusualmente
frio de Londres. A multidão se moveu e outra vez lhe tampou a visão. Ela
queria parar nas pontas dos pés, esticar o pescoço, dar outra olhada. Em troca,
obrigou-se a permanecer onde estava ao lado de Stickley. Não seria bom
comer com os olhos a um estranho.
Um par de senhores mais velhos se uniu a seu círculo, e Lady Berne se
separou com Annabelle e as gêmeas Aldridge. Quase dez minutos se passaram
nos quais os homens debateram sobre os méritos das chuvas abundantes, os
problemas da queda da produção de cultivos no norte, e a necessidade de
mais lã em Londres este ano. Mas isso foi antes que Stickley começasse com o
tema dos cães de caça com Lorde Gattingford.
Incrível, não tinha imaginado que seu aborrecimento poderia piorar. Em
seu desespero, permitiu que seus pensamentos vagassem, e como uma abelha
tentada por uma floração vistosa, sua mente se desviou novamente ao
misterioso cavalheiro. Sua cara. Sua forma alta, de ombros largos. Quem era
ele? Ela nunca o tinha visto antes. Mas era extraordinariamente bonito. Se
não estivesse atada sentimentalmente, ela podia imaginá-lo desejando evitar o
rebanho voraz de jovens caça maridos e mães casamenteiras que desciam sobre
ele a cada oportunidade. Por isso Harrison resistia em acompanhá-la a eventos
como este. No dia que ela tinha aceito casar-se com Stickley, seu irmão tinha
deixado de fazê-lo por completo.
Seus olhos procuraram discretamente o lugar onde ele tinha estado, mas
ele tinha desaparecido. É obvio, repreendeu-se a si mesma, ele não ficaria ali
posando para ela, esperando que fosse em busca de seu caderno de desenho.
Obviamente, agora estaria circulando entre os convidados. Ela estava
surpreendida por sua própria fascinação. Adorava pintura e desenho, mas a
incontrolável necessidade de vê-lo, de explorar seus traços e formas em
detalhes, estava além de todo sentido comum.
Uma mulher de meia idade empurrou o braço de Vitória, derrubando o
copo em sua mão. Suspirou e tomou um sorvo de limonada, fazendo uma
careta ante o sabor ácido e aquoso. O salão de baile de Lady Gattingford era
uma obra prima de mármore claro, seus músicos eram bons, mas sua
limonada deixava muito a desejar. No meio do calor de tal multidão, uma
bebida passável não seria ruim. Por que esteve de acordo em vir esta noite?
A seu lado, Stickley riu, seus dentes brancos brilhando à luz das velas. Oh,
sim. Vou me converter na nova Marquesa de Stickley. Requeria-se assistir a
estes eventos, por certo.
Ante o pensamento, trocou sutilmente de um pé ao outro,
inexplicavelmente inquieta. Tinha tido uma ampla prática em manter uma
máscara serena para este tipo de festas, por isso confiava que ninguém se desse
conta de sua crescente urgência por escapar. Mas a sentia. Oh, sim. Debaixo
de sua pele, avermelhava e picava. O interior de seu estômago, esticando-se
com a necessidade de afastar-se.
Ar. Seus olhos percorreram o lugar com ansiedade, aterrissando nas portas
de cristal na parte traseira do salão de baile. Ela desesperadamente necessitava
de ar.
Agora entabulado em uma conversação com um barão de idade avançada
que se gabava da quantidade assombrosa de faisões esperando serem
depenados em seu pavilhão de caça, Stickley pouco pareceu dar-se conta
quando Vitória se desculpou discretamente.
— É óbvio, querida—, disse ele, lhe dando pequenos golpes na mão com
ar ausente e girando imediatamente de novo para o barão e suas aves de caça
"obscenamente gordinhas".
Deslizando-se entre a multidão tão rápido como o decoro lhe permitia,
logo chegou às portas e deslizou para fora na escuridão.
Estava surpreendentemente gelado depois do calor do salão de baile, e ela
havia esquecido seu xale. Mas aqui pelo menos, podia sentir algo que não
fosse um tédio sufocante, inclusive tremores causados pelo frio insuportável.
Suspirou e abraçou seu peito, andando sem pressa para a balaustrada, vendo o
bafo de seu fôlego frente a ela sob a tênue luz que se filtrava através do cristal.
Perguntou-se, elevando os olhos para a meia lua brilhando suavemente
em um céu escuro, se talvez isto fosse toda a emoção que experimentaria em
sua vida a partir de agora. Estar comprometida. Desfrutar de uma temporada
em Londres. Esperar umas bodas, o matrimônio e depois os filhos e depois as
temporadas para aqueles filhos e depois os netos e depois a velhice. Seu
estômago se contraiu ante o futuro que se estendia frente a ela.
Não a parte da família. Isso era algo que tinha desejado desde que uma
feroz tormenta tinha tragado o navio de seus pais, deixando Harrison, Colin e
Vitória para cuidar-se entre eles. Mas, de verdade, o coração lhe doía ao
pensar em intermináveis dias e noites com um marido que nunca significaria
para ela mais que um lar confortável, um título e o conhecimento de que
tinha feito o que se esperava dela.
Nada de fantasiar com um fantasma escuro que aparecia de repente no
meio de um baile. Nada de perguntar o que poderia ser e só por uma vez, ser
beijada por um homem assim. Alguém que a deixasse sem fôlego. Alguém que
a fizesse desejar... mais.
Sacudiu a cabeça enfaticamente. Algo assim não era para ela. Ela era a flor
de Blackmore, depois de tudo. Seu futuro foi escrito muito antes de ter
chegado a Londres. Antes de nascer, na verdade. O que ela poderia ter
sonhado para sua vida era bastante… Oh, qual era a palavra? Irrelevante. Sim,
era essa.
Um sopro de ar passou veloz através do nó de sua garganta em uma risada
sem humor, ante o absurdo de seu desespero. Estava sendo uma parva, isso
era tudo.
Assim Lorde Stickley… Timothy maldição, não era o herói escuro e
galhardo da arte e da poesia. Assim nunca tinha declarado seu amor por ela
em um arrebatamento de paixão, nem sequer tinha falado dela com o mesmo
fervoroso afeto como o fazia ao falar de seu cavalo. O fato de que a aborrecia
até o ponto da inconsciência em realidade era um bom presságio, assegurou-
se. Era sensato, um bom homem e uma opção sólida para o matrimônio. Isso
era tudo o que importava, sem dúvida.
— Morrerá de frio aqui, sabe. — Disse uma voz profunda e ressonante
junto a seu ouvido. Ela soltou um grito pouco feminino e saltou a um lado,
girando para fazer frente à forma escura que apareceu a seu lado. Um homem.
Alto. Grande. Seu rosto estava nas sombras, mas lhe resultava familiar. A
arrogante inclinação de sua cabeça, o corte quadrado da mandíbula. Deu um
passo para ela, para o feixe de luz do salão de baile.
— Você! — Gritou. Era ele. Seu anjo escuro. O que? Espera. Não dela. O
anjo escuro. Ela nem sequer sabia seu nome, assim como poderia ser seu algo?
Oh, mas seu coração reconhecia-o. A coisa tola bombeava de forma frenética
contra seu esterno.
Ele fez uma profunda e exagerada reverência.
— Sim, sou eu. Ao seu serviço, milady.
Capítulo 2
"A virtude é sua própria recompensa. Por outro lado, o mesmo poderia se
dizer do pecado."
A Marquesa Viúva de Wallingham à condessa de Berne sobre a negativa
de dita dama a um quarto torrão de açúcar.
Ele estava se burlando dela. Ela sabia e, entretanto, não podia dizer nada
porque estava ridiculamente hipnotizada. Esse leve sorriso havia se convertido
em um sorriso completo. O Parlamento deveria declarar seu sorriso ilegal,
pensou. É letal para todas as mulheres.
—Eu… eu o vi antes, quando entrou no salão de baile —, disse
finalmente querendo dar-se umas palmadas pela expressão estúpida.
—Sim, cheguei um pouco tarde. Causou um grande rebuliço, entendo.
Mas a única coisa que a sociedade desfruta mais que suas regras, é a febre
criada por aqueles que as rompem.
Sua voz de barítono era suficiente para debilitar os joelhos de uma ansiosa
solteirona.
Acrescentando a sutil elevação de uma sobrancelha escura e um meio
sorriso adornando seus lábios pecadores, não era estranho que um visível
calafrio percorresse a superfície de sua pele.
Sem dizer uma palavra, ele se aproximou e a segurou nos ombros,
roçando as palmas de suas mãos enluvadas ao longo da pele da parte superior
de seus braços, entre a borda das mangas curtas de seu vestido até onde
começavam suas luvas. Era uma ruptura tão impactante da etiqueta que a
tocasse sem sequer haver-se apresentado, e menos ainda, obtido sua
permissão.
Ficou imóvel durante vários segundos, incapaz de falar. Isso tinha sido
por que não deu um passo atrás e não o repreendeu imediatamente por sua
insolência. Não poderia ter sido pela emoção efervescente em seu ventre ao tê-
lo tão perto, sentindo o calor de suas mãos sobre sua pele, seus polegares
acariciando-a suavemente e fazendo com que pequenos estremecimentos se
disparassem dos braços às suas costas e, o mais preocupante, a seus seios. Não,
certamente não.
—Deve conseguir um xale se tiver a intenção de passar muito tempo aqui,
milady. Chamar a isto primavera seria generoso, de fato.
Ela piscou, sentindo-se débil e torpe… cativada. Inclusive de pé tão perto,
não podia distinguir a cor de seus olhos, só que eram escuros e brilhavam sob
a lua. Era tão alto que a parte superior de sua cabeça lhe chegava apenas à
clavícula.
Com Lorde Stickley, sua testa chegava até seu nariz. Por um momento,
tinha pensado que ele tinha a altura ideal, não tendo que esticar o pescoço
para olhá-lo. Como benefício adicional, moviam-se muito bem juntos na
pista de baile, suas passadas combinando com as suas mais curtas. Entretanto,
agora estava menos segura a respeito de como se ajustavam perfeitamente ela e
seu prometido a um nível físico. Algo sobre a altura deste homem e seu físico
de maior tamanho, e mais musculoso a fazia sentir-se estranhamente segura.
Comparar Stickley com um estranho não era sensato, repreendeu-se. Ela
estava comprometida e agora devia tirar o melhor proveito das coisas, em
lugar de procurar falha em seu prometido a cada passo. Entretanto, não pôde
evitar dar-se conta de que ele estava à sombra deste homem de muitas formas.
O errante pensamento pareceu romper o feitiço que o desconhecido tinha
jogado sobre ela. Afastou-se bruscamente, respirando vergonhosamente
rápido, o coração acelerado.
—Senhor, você se extrapola. Nem sequer sei seu nome.
—Chame-me Lucien.
Ela retrocedeu um passo mais, seu quadril se chocando com a balaustrada.
Endireitando as costas e levantando o queixo, replicou: —Sua familiaridade é
um insulto. Não nos apresentaram corretamente. Não poderia chamá-lo por
seu primeiro nome.
—Deve me chamar de algum modo se quisermos continuar nossa
conversa.
—Talvez devesse chamá-lo presunçoso. Parece adequado.
Seu lento e malicioso sorriso parecia falar um idioma estrangeiro, um que
não entendia, mas que provocou que a enchesse uma onda de calor.
—Não comecei a presumir, querida.
Por um momento, ficou desconcertada, a mandíbula aberta movendo-se
de uma maneira não muito diferente de um peixe fora d’água. Nunca lhe
tinham falado assim. Como filha e irmã de um duque, ninguém se atrevia a
mostrar tão pouco respeito por sua classe e a simples cortesia que lhe
correspondia. Ninguém, exceto este descarado, ao que parecia.
Por fim, encontrou sua voz, embora fosse gaguejando, e resultasse
ineficaz.
—Eu… eu não sou sua querida!
—Minha deusa, então?
—Menos ainda, seu tom implica um conhecimento muito mais
significativo…
Lucien inclinou a cabeça e falou como se ela não tivesse falado.
—Tenho-o. Meu anjo. .… pelo que eu alguma vez permitiria.
Terá que saber que estou comprometida para me casar…
—Embora ainda não conseguisse lhe fazer justiça. Você é muito bela.
—E seu comportamento é totalmente inadequado... — Sua respiração
entrecortada deteve-se por completo quando digeriu o que ele havia dito. Seu
tom tinha sido tão natural que tomou um momento para assimilá-lo. —
Você... você pensa que sou bela?
—Hmm. Sim, bastante. Ninguém nunca lhe disse?
Ela sacudiu a cabeça e logo se corrigiu imediatamente.
—Bem, vários de meus pretendentes disseram que achavam meu cabelo
atrativo. E um cavalheiro disse que meus olhos eram como poços. Do que,
não estou segura. Mas suponho que era um idiota.
Ele curvou a boca divertido.
—E seu prometido? O que disse?
Ele estava mais perto que antes? Perguntou-se Vitória com ar ausente.
Sim, assim era. Seu enorme corpo quase a rodeava agora, a só centímetros de
distância. Ele despedia tanto calor que já não sentia a picada do ar frio e
úmido. Sua voz saiu afogada e em um tom alto.
—Lorde Stickley? Oh, bom, não é muito dado à poesia ou à adulação.
—Não lhe disse que sua pele brilha com a pureza da nata fresca? — Ele
passou com delicadeza um dedo ao longo de sua bochecha, seu olhar escuro
sustentando o encantado dela... — Ou que seu cabelo rivaliza com os últimos
gloriosos raios do sol justo antes do anoitecer? — Seus dedos procuraram
entre os cachos soltos atrás de sua orelha... — Não mencionou sequer seus
lábios, carnudos e deliciosos que são, como um pêssego amadurecido? Vamos.
Ele deve ter feito isso ao menos uma dúzia de vezes.
Ela fez um som inarticulado que foi vagamente embaraçoso, mas estava
totalmente impotente para evitá-lo. Se pudesse introduzir ar em seus
pulmões, teria gemido. Oh, era simplesmente divino. Divino e diabólico.
Os lábios de Lucien revoavam tão perto dos seus, sentia seu fôlego com
cada palavra.
—Certamente a beijou, não é assim?
—Sim—, sussurrou olhando sua boca.
Ele inclinou a cabeça.
—E se sentiu assim?
Isto era o céu. Ele ajustou com mestria sua boca à dela, seus lábios
quentes e firmes, deslizando-se sensualmente, sem um momento de vacilação.
Não era o beijo suave e gentil de um homem preocupado em ofendê-la.
Tampouco era o seco beijo obrigatório de seu prometido. Quando uns braços
fortes rodearam sua cintura e pressionaram seus peitos contra sua forma dura,
maravilhou-se ante sua confiança. Então todos os pensamentos de avaliar o
beijo foram voando como um dente de leão ao vento, quando sua língua
quente e escorregadia deslizou ao passar pela borda de seus lábios.
Lucien afastou-se por um instante.
—Abra para mim anjo—, sussurrou, tocando seu lábio inferior com o
dedo. Quando ela obedeceu, precipitou-se de novo, desta vez colocando a
língua dentro de sua boca e acariciando a dela. Sentia-se arder, sentia-se
agitada, a audácia do beijo lhe impactando, pouco familiar em sua
intimidade.
Ela gemeu contra sua boca e o agarrou pelas lapelas. Ele a atraiu com mais
força contra seu corpo, suas mãos agarrando seus quadris e deslizando-se ao
longo de seu traseiro enquanto um rio transbordando de calor a percorria.
Seus peitos se sentiam pesados onde estavam pressionados contra seu torso,
doía-lhe abaixo em seu ventre, e os músculos no lugar íntimo entre suas coxas
se contraíram, como se tivessem grande necessidade de... algo.
Ao longe, deu-se conta de um objeto duro e bastante grande pressionado
contra seu abdômen. Mas um momento depois, distraiu-se quando uma de
suas mãos se moveu subindo por sua caixa torácica e cavando em seu peito
direito. Os formigamentos mais prazenteiros, sim formigamentos,
erupcionaram de seu centro quando ele roçou ligeiramente seu peito com a
palma da mão, e logo voltou a acariciá-lo insistentemente com o polegar.
Realmente estava inundada de formigamentos de todo tipo, em cada
lugar que podia imaginar e alguns nos quais tratava de não pensar. Ela se
sentiu ofegar, as sensações afligindo qualquer leve noção da inapropriedade
que poderia ter passado por sua cabeça. De fato, a cabeça não funcionava e
dava voltas, cada sentido cantando ao tom que só ele podia tocar.
Bruscamente, tanto a mão como a boca se retiraram de sua pessoa. Mas
não era uma pausa.
—Devo sentir sua pele. Agora —, disse com a mandíbula apertada.
Com os dentes tirou pela ponta uma de suas luvas, liberando uma mão,
jogando a luva ao chão e imediatamente passando a gema de seus dedos ao
longo de sua clavícula. Então, enquanto ela estava ali pendurada indefesa em
seu abraço, sem saber o que esperar, ele girou a mão de maneira que as pontas
de seus dedos riscassem seu caminho ao longo do topo de seus seios.
Apanharam o decote de seu sutiã, deslizaram-se por baixo das capas de seda, e
o puxou lentamente para baixo. Seu seio direito apareceu livre, o mamilo
duro e avermelhado.
Ela deu uma olhada em seu rosto, vendo os músculos rígidos de sua
mandíbula e nenhum indício de seu sorriso sardônico anterior. Estava
zangado? Ela não podia dizer por que de repente estava tão tenso. Logo ele
deixou cair a cabeça para diante, sua mão tocou seu peito debaixo e sua boca
cobriu seu mamilo, sugando como se fosse um bebê.
Em nome do céu, o que estava fazendo? Isto era... isto era uma doce
loucura. Ela mesma se ouviu emitir um grasnido, mas não podia encontrar
ânimo para que se importasse, com sua boca ardente trabalhando tão
prazerosamente sobre seu mamilo. Lambeu e acariciou, inclusive deslizou seus
dentes suavemente ao longo da ponta, fazendo com que suas pernas se
debilitassem de forma alarmante. Temia que pudesse paralisar se não fosse
pelo braço de ferro envolto firmemente ao redor de sua cintura.
Trocou-a de posição para que a parte alta de sua coxa encaixasse entre a
dela enquanto trabalhava e lambia seu mamilo. À princípio, isto pareceu
acalmar a dor infernal que sentia muito em seu interior. Então, como um
demônio malvado, causou um vazio e tensão ainda mais profundos. De vez
em quando, sua coxa roçava um lugar oculto e um estalo agudo de prazer
entrava em erupção, o que a fazia gritar e esfregar-se contra ele. Isto se repetiu
uma e outra vez quase ritmicamente, e cada vez, a espiral dentro dela se
esticava com mais força.
A boca de Lucien se afastou por um momento, enquanto puxava seu
outro peito para liberá-lo e prendeu seu mamilo esquerdo, lhe dando o
mesmo tratamento que ao direito.
Ela gemeu e jogou a cabeça para trás, agarrando-se desesperadamente a
seu cabelo quando a dor tortuosa entre suas pernas se elevou a uma altura
insuportável. Ele pressionou a coxa com mais força contra esse centro sensível.
Sem prévio aviso, a tensão deu passo a uma espiral explosiva.
—Oh, céus, Lucien! — gritou enquanto seu corpo se contraía em um
crescente prazer ressonante.
Um grito das portas do salão de baile a trouxe bruscamente dos céus à
terra.
—Santo céu, Lady Vitória! Perdeu o juízo?
Uma quente letargia debilitava seus músculos, enchia sua cabeça como
uma nuvem de vapor. Vagamente, sabia que algo estranho tinha acontecido,
mas estava aturdida, tremendo depois do ocorrido. Lucien se afastou um
pouco, mas ainda agarrando-a pela cintura. Seus peitos nus esfriaram
repentinamente, expostos de uma maneira que não tinham estado quando ele
os havia colhido com a boca e as mãos. Lentamente, piscando, olhou seu
rosto e se deu conta de que ele respirava pesadamente, estava ruborizado e
tinha um cenho feroz. Ele sacudiu a cabeça como um cão desprendendo-se da
água depois de um banho.
Ao longe, um fio de prudência se ancorou na borda de sua mente, e se
deu conta do que devia ter acontecido: tinham sido interrompidos. Ficou
imóvel, vendo a mesma compressão na cara de Lucien. Ao mesmo tempo se
voltaram na direção da estridente exclamação.
E ali estava Lady Gattingford, a venerável anfitriã de um dos melhores
bailes da temporada e uma célebre fofoqueira, olhando-a da porta aberta. A
expressão no rosto da dama era atônita, horrorizada, escandalizada.
Nesse momento, enquanto Lucien girava de modo que suas costas
bloqueassem a vista de Lady Gattingford e com calma puxava o sutiã de
Vitória para restaurar sua modéstia, todo o horror do que tinha ocorrido, que
tinha permitido que ocorresse, golpeou-a com força lhe paralisando. Tinha
deixado que um homem desconhecido a tocasse e a agradasse de várias
maneiras, que nem sequer tinha considerado permitir a seu prometido.
Isto tinha sido presenciado nada menos que por sua anfitriã, que sem
dúvida, desfrutaria ao notificar o acontecido a cada membro da alta
sociedade, com a esperança de consagrar seu baile como o evento do ano. O
escândalo se estenderia com a rapidez do fogo pela erva seca. Dentro de uma
semana, todo mundo saberia. Todo mundo. Inclusive Lorde Stickley, que
certamente cancelaria o compromisso. E seu irmão, é óbvio.
Oh, meu deus. O duque se enfureceria. Ela tinha envergonhado a toda a
família.
Harrison dava grande importância à honra e a reputação. Seu outro
irmão, Colin, seria muito mais pormenorizado. Claro que ele mesmo não era
alheio a um comportamento menos que digno.
Não havia dúvida disto: Sua vida tinha mudado irremediavelmente esta
noite. E não para melhor.
—Lady Gattingford — disse Lucien quando se voltou, seu tom
indiferente, inclusive zombador... —Uma agradável noite para dar um passeio
pelo terraço, não lhe parece?
Os olhos da alta mulher se estreitaram, sua boca uma linha fina.
—Não creia que o libere da culpa, milord. Você é um descarado!
Embora Vitória o tivesse definido com o mesmo termo antes, encontrou-
se arrepiando-se pelo insulto para Lucien. Juntos tinham experimentado um
momento de paixão incontrolável. Suspeitava que ele havia se sentido tão
miserável como ela, cegos a seu entorno, e jogados no meio de uma forte
tormenta. Não havia necessidade de pintá-lo como um vilão.
—Minha querida senhora—, começou ela, — compreendo sua
consternação pelo que tenha visto. Mas, por favor, compreenda que nós dois
fomos apanhados pelo momento. Se tratou simplesmente de um engano de
julgamento. Se… se pudesse ver…
—Engano de julgamento? Embora isso possa ser uma descrição aceitável
de seu comportamento milady, de maneira nenhuma desculpa a libertinagem
vergonhosa de que fui testemunha.
Outros convidados começaram a dar-se conta da intrigante e acalorada
conversa ocorrendo no terraço, e abriram as quatro portas restantes. Em
pouco tempo, um número alarmante de pessoas, umas vinte e cinco,
rodearam Lady Gattingford, inclusive Lady Berne, suas duas filhas, as gêmeas
Aldridge, e Lorde Stickley. Oh, céus ajude-me pensou, um terror gelado
apertando suas vísceras. Stickley não merece o que está a ponto de acontecer.
Antes que pudesse dizer outra palavra, Lady Gattingford presenteou o
grupo de pessoas com um resumo de suas observações. Fragmentos do
monólogo da matrona repetiam-se na cabeça de Vitória: beijos, impactante,
inapropriado. Como apanhada em um pesadelo, Vitória ficou imóvel, só
sendo capaz de ver e suportar. A mulher parecia saborear cada palavra, suas
descrições tornando-se cada vez mais detalhadas com cada ofego de sua
audiência. Manuseio, busto exposto. Um rubor de pura vergonha acalorava
por baixo da pele de Vitória, ardendo e palpitando em sua cara e em seu
peito. A humilhação era quase impossível de suportar.
Logo ficou pior.
Lady Berne empalideceu a um branco doentio, enquanto seus olhos se
moviam entre Vitória, Lucien, e voltava para Stickley. Bandeiras de cor
vermelha sinalizavam a ira e a vergonha do marquês enquanto fulminava
Vitória com o olhar. Quando Lady Gattingford chegou triunfante a seu
ponto culminante, e os murmúrios de assombro da multidão explodiram,
simplesmente lhe deu as costas e se afastou, caminhando através das portas e
saindo do salão de baile, jogando a vários cavalheiros para o lado à sua
passagem. O estrondo do bate-papo da multidão a impediu de chamá-lo, lhe
rogar que se detivesse e a escutasse para que pudesse defender-se.
Não que tivesse alguma defesa. Ela era de fato, bastante culpada.
Lady Berne, bendita ela, vagarosamente se aproximou de Vitória,
arriscando-se muito ao associar-se a uma jovem arruinada. Tomou os dedos
gelados de Vitória em suas mãos.
—Está bem, Vitória? — perguntou com suavidade.
Vitória assentiu, e logo baixou a vista às lajes, já não mais capaz de
sustentar o olhar pormenorizada de sua amiga. Tragou saliva, incomodada
pela opressão em sua garganta. Se negava a chorar. Simplesmente não o faria.
—Ele não te fez mal, então? Não te forçou? — As suaves palavras foram
impressionantes, Vitória não tinha imaginado que alguém pudesse chegar a
essa conclusão.
—Não. Por que você sugere...?
—Porque querida, ele mais que nenhum outro tem razões para te
prejudicar, a ti ou a tua família.
Ela sacudiu a cabeça.
—Isso tem pouco sentido.
—Ainda não sabe quem é, menina?
Vitória olhou os amáveis olhos castanhos de Lady Berne, e soube que não
gostaria disto.
—Não. Quem é? — sussurrou com voz rouca.
A condessa respirou fundo e apertou as mãos de Vitória, para prepará-la
para uma grande comoção.
—Ele é o novo visconde Atherbourne. Herdou o título depois que seu
irmão, o duque, matou ao seu irmão em um duelo na temporada passada.
Vitória cambaleou, os sons da multidão desvanecendo-se, sua cabeça
girando com as possíveis implicações. Ela tinha sabido sobre o duelo, mas
Harrison não havia explicado por que tinha ocorrido, só lhe informando que
se tratou de uma questão de honra que tinha sido resolvida, e tinha terminado
com a morte do visconde Atherbourne. Negou-se a discutir mais sobre o
assunto. O incidente tinha gerado um terremoto entre a aristocracia, mas
devido que havia acontecido no final da temporada passada, justo antes que a
maioria das famílias saíssem de Londres com destino ao campo, o escândalo
se apagou antes de realmente começar. Poucos de seus conhecidos tinham
falado do tema depois disso, um testemunho do considerável poder de seu
irmão, e ela assumiu que o assunto havia sido esquecido.
Mas aqui havia um homem que tinha todas as razões para recordar, todas
as razões para procurar vingança. Poderia ter planejado isto? Seu abraço
apaixonado, ela tragou com força afogando uma onda de náuseas, não era
mais que uma farsa cruel desenhada para arruiná-la? Não, certamente que
não. Ele devia ter sentido a mesma poderosa maré varrendo toda a razão; ela
não poderia ter sido a única. Não poderia ter sido tão tola.
Imediatamente procurou consolo no olhar de Lucien, elevando o olhar
para onde ele se encontrava a uns poucos metros de distância, escutando sua
conversa.
—Você…?
O sorriso zombador e o brilho de triunfo em seus olhos confirmaram suas
piores suspeitas.
—Sim, querida. Sou Lucien Wyatt, visconde Atherbourne. — Ele fez
uma graciosa reverência, sua luva descartada agora de novo em seu lugar,
como se nada de significativo tivesse ocorrido. — E devo dizer que conhecê-la
foi o maior dos prazeres.
Capítulo 3
— Golpear um homem parece ser uma forma das mais desagradáveis para
começar uma conversa, não lhe parece, Sua Graça? — perguntou
Atherbourne ironicamente, fazendo uma careta enquanto tocava a mandíbula
machucada.
Por desgraça, pensou Harrison, qualquer dano que pudesse haver causado
em seu punho, não tinha sido suficiente para apagar da cara do outro homem
esse arrogante e presunçoso sorriso. Quando Harrison tinha entrado no salão
da Casa Clyde-Lacey, o imbecil havia apoiado casualmente seu braço no
respaldo de uma cadeira de veludo vermelho, a favorita de Judith Clyde-
Lacey, a mesma onde Vitória gostava de aconchegar—se quando trabalhava
em seu bordado. Harrison não tinha sido capaz de reprimir sua reação
instantânea e violenta. Não era próprio dele, mas tinha sido imensamente
satisfatório.
—Possivelmente. Mas se sentia bastante razoável no momento.
— Agora bem, falemos claramente. — Harrison puxou as mangas de seu
fraque feito à medida.
—O fato de que continue respirando se deve mais a minha moderação
que a sua coragem. Portanto, diga por que está aqui sem preâmbulos ou
evasivas, e faça-o agora. Antes que minha paciência chegue ao fim.
O onipresente meio sorriso de Atherbourne se desvaneceu por um
momento, seu rosto endureceu e seus olhos cintilaram antes que sua expressão
se convertesse em uma intenção calculada. Deixou cair a mão que tinha
pressionada contra sua mandíbula.
—Muito bem. Vim com uma oferta.
—Envolve você em um montão de sangue no chão? — perguntou
Harrison cortesmente.
Esse sorriso infernal estava de volta.
—Temo que não, Sua Graça.
—Então não posso ver por que estaria interessado.
—Oh, acredito que vai está-lo. Depois de tudo, você se importa com
Lady Vitória, não?
Harrison apertou os dentes e manteve sua fúria pendendo por um fio.
Como se atrevia este canalha sequer a pronunciar o nome de Vitória, depois
de tudo o que fez para machucá-la?
—Você faria bem em conter sua língua no que se refere a minha irmã,
Atherbourne.
A tranquila declaração foi recebida com um momento de pausa, um
toque de cautela que pareceu diminuir um pouco a arrogância do homem.
—Sua irmã é o centro de minha oferta, Sua Graça. Portanto, devo
mencioná-la, não parece-lhe?
—De que diabos está falando?
—Lady Vitória, para dizê-lo sem rodeios, está arruinada. O dano causado
pela fofoca bastante dramática de Lady Gattingford só se agravou pelos
intentos de Stickley para salvar sua vaidade e orgulho. — O último ponto
pareceu incomodar Atherbourne, suas fossas nasais dilatadas em um
momento de ira… desconcertante para um homem que havia
intencionalmente conseguido este mesmo resultado.
—Sim, certamente você obteve seu objetivo, — Harrison disse com
secura. — Felicidades por enganar a uma garota ingênua para que confiasse
em você e logo destruir suas possibilidades de um matrimônio apropriado.
Todo um ato de coragem, esse.
Em circunstâncias normais, uma acusação tão flagrante de covardia e de
conduta injuriosa poderia ter terminado em outro duelo ao amanhecer entre
o Duque de Blackmore e o visconde Atherbourne. Entretanto, o homem
parecia muito concentrado em sua missão, fazendo caso omisso dos insultos e,
em troca, inclinando a cabeça e respondendo ao olhar de Harrison com outro
depreciador.
—O que você pode pensar de mim ou de minhas ações, não apaga o fato
de que qualquer esperança de um matrimônio respeitável para sua irmã foi
destruída.
—Não mencionei a falta de tolerância para o preâmbulo?
—Nenhum par do reino a aceitará, — continuou Atherbourne. — E de
fato, inclusive se um pudesse ser persuadido em aceitá-la, o escândalo
acossaria a ela e a seu marido para sempre. Há, entretanto, uma exceção: Se
ela casasse com rapidez com o homem com o qual foi surpreendida, e a
história se dirigisse com cuidado, o escândalo poderia ser reorientado como
uma mera intriga romântica, e os rumores passariam para a próxima
temporada. Como eu sou esse homem, proponho que ela e eu nos casemos.
Imediatamente.
Harrison esperou em atônito silêncio que o visconde muito bonito e
vingativo risse ou de algum jeito revelasse sua "proposta" como uma
brincadeira cruel. Os motivos de Atherbourne não poderiam ter sido mais
claros, e eram inclusive compreensíveis: Queria castigar Harrison por matar a
seu irmão. Sua sedução de Vitória era uma obra de vingança, pura e simples.
O que fazia da proposta de hoje, no melhor dos casos, estranha. Por que
diabos queria resgatar Vitória da ruína social, uma aflição que ele mesmo
tinha maquinado?
—O que é que quer, Atherbourne?
—Desejo fazer Lady Vitória minha esposa. Simples assim.
Harrison negou com a cabeça.
—Nada é simples no que concerne a você. Por que deveria lhe confiar o
bem-estar da minha irmã? Demonstrou ser indigno do cuidado de meu cavalo
durante uma hora, muito menos de um membro de minha família por toda a
vida.
—Talvez porque, embora possa ter administrado o veneno, também
posso proporcionar o antídoto—, respondeu em voz baixa. — De verdade
acredita que ela estará contente de viver em desgraça? — O visconde se deteve
e levantou a vista para uma pintura que sobressaía por cima da chaminé.
Mostrava a mãe de Harrison como tinha sido, justo depois de seu
matrimônio com o sétimo Duque de Blackmore.
Ela era a imagem de Vitória.
Atherbourne encontrou o olhar de Harrison e continuou: — É obvio, em
caso de que rechace minha oferta, ela nunca poderá voltar para Londres, ao
menos não durante muitos anos, nem na condição que uma vez desfrutou.
Você se veria obrigado a desterrá-la ao campo, ou talvez ao continente ou à
América. Sua família sofreu escândalos antes, mas aqueles eram seus e de seu
irmão. A sociedade perdoa os defeitos dos homens muito mais facilmente que
os das mulheres. Você sabe que isto é certo.
Harrison juntou as mãos às costas e começou a caminhar lentamente, de
vez em quando olhando para o canalha frente a ele. Deteve-se, olhou-o
fixamente por um momento e disse em seguida: — Sou muito consciente das
vantagens que essa união poderia oferecer a Vitória. Mas o que obtém você
disto, Atherbourne? E não diga que é a própria Vitória, porque isso é absurdo.
Ela é seu peão, não sua rainha.
A resposta do visconde foi um lento sorriso e uma sutil inclinação de sua
cabeça para reconhecer, se não conceder, o ponto do Harrison.
—O que é que busca qualquer cavalheiro quando faz uma oferta de
matrimônio?
O ácido queimava o estômago de Harrison à medida que minguava sua
paciência com o jogo do homem.
—Um dote, conexões sociais, uma mãe para seus filhos, e em casos
estranhos, amor. — Espetou, cada ponto da lista disparada como uma bala
contra este vilão que havia escolhido fazer mal a sua irmã e, de fato a toda sua
família. Não ia ser tolerado. — Nada da qual se aplica nesta situação. Você
não está necessitado de recursos. O dote de Vitória equivale a menos de um
mês dos ganhos do imóvel Atherbourne. Apenas o suficiente para considerar
um incentivo.
Um minuto de silêncio precedeu à resposta de Atherbourne.
—Vejo que mantém uma estreita vigilância sobre as coisas. Não tinha
ideia de que tinha tomado um interesse nas taxas de produção financeiras das
propriedades de minha família.
—Uma coisa que você aprenderá a meu respeito é que deixo muito pouco
ao azar.
Atherbourne assentiu com calma, logo retomou sua discussão anterior.
—Ela é a irmã de um duque. Talvez a queira para assegurar aos meus
filhos um maior legado.
—Possivelmente. Mas você e eu sabemos que não é por isso que deseja
casar-se com esta irmã de um duque. Deseja casar-se com ela porque ela é
minha irmã. E por essa razão, não posso estar de acordo com este
matrimônio. Uma vez que se casem, você poderia abusar dela do modo mais
abominável…
Os olhos de Atherbourne se estreitaram e se voltaram mortais, sua voz tão
tranquila e mordaz como a do próprio Harrison.
—Nunca poria as mãos sobre uma mulher dessa forma.
—Não posso correr o risco. Se permitir que se casem, e você lhe faz mal,
veria-me obrigado a matá-lo. E odiaria ser o responsável pela morte de dois
viscondes Atherbourne.
Por um momento, Harrison esteve seguro de que o homem investiria
contra ele. A cara de Atherbourne se endureceu intensamente, sua alta figura
se enroscou como se estivesse a ponto de saltar. Harrison estava mais que
preparado. Desfrutava da ideia de golpear a seu inimigo até fazê-lo picadinho.
Os móveis da sala poderiam requerer algumas reparações depois, mas bem
que valeria a pena o gasto.
A tensão se rompeu quando um estrondo soou justo fora das portas da
sala. Os dois homens franziram o cenho e giraram suas cabeças para olhar
como o ruído foi seguido por um chiado feminino e um repentino silêncio.
Então Harrison escutou a voz baixa de Digby. Irritado pela interrupção,
dirigiu-se à porta e a abriu de repente. Ali estava Vitória, que deteve sua
acalorada e sussurrada conversação com o mordomo imediatamente e elevou
o olhar para Harrison com olhos envergonhados.
—Só estava... hã… mudando um vaso daqui à mesa da biblioteca. Por
desgraça, me escapou e... e bem... — Suas palavras diminuíram até deter-se
por completo. Os olhos de Vitória se moveram por cima de seu ombro e
aterrissaram em Atherbourne. Ela abriu a boca e seus olhos aumentaram.
Harrison esticou a mandíbula ao dar-se conta de que, apesar do que
deveria ser impossível, este dia estava a ponto de piorar.
Capítulo 4
Ela tinha pensado que talvez tinha imaginado como mais bonito, mais
perversamente sensual do que ele era na realidade, que para justificar seu
próprio comportamento insensato, tinha desenhado um retrato irresistível em
sua mente injustificada pela realidade.
Estava muito, muito equivocada.
Ele era magnífico. A plena luz do dia só melhorava sua atração,
igualmente ao esplêndido fraque azul escuro, colete bordado dourado, e as
calças de montar de cor anterior ao que usava. Além do estranho
obscurecimento em um lado da mandíbula, era uma visão de perfeição
masculina.
Depois de ter sabido um pouco mais sobre seu passado nos últimos dias,
Vitória agora entendia por que Lucien era mais musculoso e estava mais em
forma que muitos outros homens da alta sociedade, seus ombros largos, sua
cintura mais estreita, e suas coxas... Oh, suas coxas. As damas se supunha que
não devessem dar-se conta dessas coisas, mas não podia evitá-lo. Em qualquer
caso, ela agora reconhecia esses atributos físicos como prova de seu serviço
como capitão no exército. De acordo com Lady Berne, tinha atuado muito
heroicamente em Waterloo, ganhando elogios do próprio Wellington. Não é
que ele fizesse alarde disso. A maioria dos cavalheiros que voltavam da batalha
usavam seus uniformes com orgulho e escolhiam que se dirigissem a eles por
sua patente militar, como era o apropriado. Não ele. Lucien Wyatt se negava
a responder a seu título bem ganho de capitão, e em eventos formais onde os
homens com uniformes de cor carmesim se convertiam em objetos de
celebração e admiração, ele em troca, usava o negro liso civil. Precisamente
por que, ninguém sabia.
Justo então, ela se voltou dolorosamente consciente do espesso silêncio,
sentindo um rubor de vergonha enchendo-a enquanto ambos, Harrison, que
não se moveu da porta, e Lucien, esperavam espectadores que se explicasse.
Finalmente, sem saber que outra coisa fazer, recorreu à cortesia, saudando
Lucien com uma reverência e um "milord".
Em um primeiro momento ele piscou, arqueando as sobrancelhas com
surpresa. Mas rapidamente, adotou sua expressão distinta: levemente divertida
mesclada com sardônica sensualidade. Executou uma vênia perfeita e
respondeu suavemente: — Lady Vitória.
Sentiu-se enjoada quando uma onda de desejo se estendeu por seu corpo.
Oh, isto não era bom.
Ele é um descarado, recordou-se. Um canalha de primeira ordem. Ou
teria de ser de sob ordem? Ela sacudiu a cabeça mentalmente. Não importava.
O ponto era o mesmo: tinha-lhe feito um dano irreparável. Deliberadamente
e a sangue frio.
Endireitando a coluna ante o aviso, perguntou com o que esperava fosse
um tom severo: —Seu propósito ao vir aqui inclui uma longa desculpa, Lorde
Atherbourne?
—Vitória, faria bem em te manter à margem disto—, advertiu Harrison.
Ela o olhou e disse: — Temo que já estou muito dentro da margem,
Harrison. — Empurrando seu irmão e entrando mais na sala, voltou-se para
encontrar os olhos de Lucien, notando que seu sorriso se desvaneceu um
pouco.. Bem?
—Não, milady. Vim aqui com uma oferta…
—Que rechacei—, interrompeu Harrison. — Lorde Atherbourne já saia.
Mantendo os olhos fixos no rosto de Lucien, Vitória esticou uma mão
atrás dela para colocá-la com firmeza no braço de seu irmão.
—Eu gostaria de saber qual foi essa oferta—, disse com suavidade.
—Não vale a pena… — começou Harrison.
—Lorde Atherbourne? — insistiu, observando sua expressão enquanto
movia seu olhar entre ela e seu irmão. Não estava sorrindo. De fato, parecia
extremamente sério.
—Vim lhe oferecer matrimônio.
Foi como se um cavalo lhe tivesse dado uma patada no peito. Como
desejou haver podido ouvir mais do que se dizia quando tinha estado
escutando às escondidas atrás das portas da sala. Pelo menos então, a comoção
de sua proposta haveria se moderado um pouco. Por desgraça, tudo o que
tinha ouvido tinham sido murmúrios masculinos. Apenas úteis para prepará-
la para... bom, isto.
—Você…? — Ela abriu a boca para recuperar o fôlego... — Você quer
casar-se comigo? Depois de tudo o que fez?
O mais débil brilho de algo. Culpa, talvez? Leve desgosto? passou por seus
olhos, mas desapareceu antes que pudesse identificá-lo.
—Como expliquei a seu irmão, é a única maneira de garantir que o
escândalo seja contido e as consequências para seu futuro se reduzam ao
mínimo.
Ela o olhou em silêncio durante um longo momento, tratando de
entender este homem formoso, vil, e contraditório. O altruísmo não o havia
trazido aqui hoje, isso estava claro. Mas qual poderia ser sua motivação? E o
que importava? Ele a tinha posto em uma situação bastante desesperada. Por
definição, isso significava que suas opções eram poucas e indesejáveis.
Sentiu as mãos de Harrison em seus ombros e sua alta figura flutuando
atrás dela.
—Vitória, compreendo por que isto poderia parecer uma solução
conveniente a um problema difícil, — lhe murmurou ao ouvido... — Mas
este homem é perigoso. Ele já demonstrou uma assombrosa falta de
consciência no que a ti concerne, e não posso permitir…
Elevando uma mão para tocar a de Harrison, que descansava em seu
ombro, ela assentiu com a cabeça para indicar que entendia. Sussurrando,
perguntou se poderia falar a sós com Atherbourne por um momento.
Harrison naturalmente resistiu com bastante veemência no princípio, mas
depois de uns minutos de discussão, em que ela assinalou que eram sua vida e
seu futuro que estavam em jogo, ele aceitou.
—Cinco minutos—, espetou. — Nem um segundo mais. E as portas
permanecem abertas.
Ela assentiu e lhe agradeceu enquanto ele se dirigia ao corredor para falar
com Digby. Cruzando a habitação, ela fez um gesto para um par de cadeiras
em frente ao fogo.
—Sentamo-nos, milord? — Disse e em seguida se encaminhou à cadeira
da direita e se deixou cair nela, feliz de dar às suas pernas trementes um
descanso.
Quando Lucien se instalou na cadeira em frente, ela quase riu ante o
contraste de um corpo tão grande, abertamente masculino sentado
incomodamente em uma decorada cadeira Luis XV. Talvez fosse o dourado
que o fazia uma imagem tão cômica. Sufocando seus pensamentos errantes,
começou: — Agora bem, por que deveria considerar me casar com você,
milord?
Ele abriu a boca para falar, mas ela agitou a mão e esclareceu
imediatamente: — Além de resolver o escândalo que utilizou como arma
contra meu irmão.
Ele piscou e fez uma pausa, claramente surpreso por sua franqueza.
—Antecipou meu argumento mais persuasivo, Lady Vitória. — Esse
sorriso malicioso voltou lentamente. Ele se voltou para trás em seu assento e
cruzou os braços, lhe dirigindo um olhar especulativo.
— Está perguntando como seria ser minha esposa?
Sua voz se tornou um pouco baixa e sussurrante, tal como o tinha sido no
terraço de Lady Gattingford. Por desgraça, saber que o estava fazendo
deliberadamente para conseguir meter-se sob sua pele não impediu que
estremecesse de prazer.
—Não... não temos tempo para jogos, milord.
—Quem disse que estava jogando?
A respiração de Vitória se acelerou. Os olhos de Lucien eram tão
formosos, da cor cinza escuro de tormenta, mais claros para o centro, com
anéis negros ao redor das íris. Finalmente sabia de que cor eram seus olhos.
Isso pareceu importante, de alguma maneira.
Sacudindo a cabeça para dissipar a repentina névoa de consciência
sensual, tragou saliva e disse: — Estou perguntando por que me casar com
você seria melhor que outras alternativas, Lorde Atherbourne. Não estou sem
opções, sabe.
—Oh, sim. Suas opções. O exílio no continente ou na América, talvez?
Uma vida isolada como solteirona no campo? Isso é o que sonhou quando
menina quando imaginava seu futuro?
—Você sabe muito bem que não, — espetou ela.
Ele se endireitou em seu assento, inclinando-se para ela com as mãos
sobre as coxas, desaparecendo qualquer rastro de indolência quando toda a
intensidade de sua personalidade passou ao primeiro plano.
—E o que há a respeito de ser a marquesa de Stickley, humm? Você se
imaginava como a esposa de um homem que nem sequer se incomodou em
beijá-la apropriadamente?
—Deixe Lorde Stickley fora disto.
—Muito bem. Você perguntou o que implicaria ser minha esposa. A
resposta é muito parecida com o que implicaria ser a esposa de Stickley.
Exceto, como minha esposa, não duvidará nem por um momento que eu a
desejo.
Impressionada por sua declaração, sentiu-se ofegante, o ar entrando e
saindo a um ritmo embaraçoso. Mas ela não podia ouvi-lo por cima dos
batimentos de seu coração, o som tão forte em seus ouvidos como o oceano
na costa rochosa.
—Você… você me deseja? — perguntou fracamente.
Fazendo caso omisso de sua pergunta, ele continuou: — Nunca escolheria
passar o tempo caçando ou deleitando aos cavalheiros do Boodle com meus
cachorros quando poderia passá-lo fazendo amor com minha nova esposa.
—Oh, isso não é... você fazendo... Oh.
—Mais ainda, se se casar comigo, nunca mais voltaria a ser vulnerável à
classe de escândalo faz umas noites.
Suas mãos, úmidas e trementes, apertaram os braços da cadeira onde
estava sentada.
—Acredito que já tínhamos estabelecido que isto ajudaria a diminuir o
escândalo.
Ele sorriu.
—Ah, mas não é por isso que não voltaria a ocorrer. Como seu marido,
seria meu dever lhe dar tanto prazer que nenhum outro homem tivesse nada
que lhe oferecer. Portanto, você não estaria tentada a envolver-se em algum
encontro ilícito ou em algum momento de paixão roubada. Exceto comigo, é
óbvio.
Nervosa e sem fôlego, levantou-se e se mudou a um ponto entre um sofá
e uma mesa baixa, com superfície de mármore. Ele é um diabo, pensou. Um
diabo com o rosto de um anjo. E eu sou uma parva, pior uma louca por
completo, por cair presa de suas palavras intoxicantes. Porque não só se sentia
atraída por ele, por este condutor de sua destruição. Ela o desejava, desejava o
direito a riscar seus lábios com seus próprios dedos, acariciar essa bochecha
ferida, sentir sua língua deslizar-se perversamente dentro de sua boca, da
forma que ele o tinha feito antes.
Girando-se para enfrentá-lo, ela se surpreendeu ao encontrá-lo a menos
de um metro de distância. Era tão alto, que virtualmente se abatia sobre ela,
bastante perto para tocá-lo. Respira, Vitória. Apesar de uma voz interna lhe
recriminando por isso, tomou um momento responder a sua lista de
contrastes entre o que teria sido seu matrimônio com Lorde Stickley e o que
significaria ser Lady Atherbourne. Sua esposa.
—E se eu fosse surpreendida com outro homem, milord? — perguntou,
não porque ela pensasse que fosse uma possibilidade real, a não ser
simplesmente para ver o que diria.
Não pareceu gostar da pergunta. Não. Seu rosto endureceu e se fechou,
seu sorriso se desvaneceu, os lábios apertando-se em uma linha sombria.
—Acredito que o melhor é não contemplar o que faria nesse caso.
Por um momento, todo seu ser se deteve, esperando a resposta a sua
seguinte pergunta.
— Machucaria-me por isso?
Sua resposta foi imediata e contundente: — Não. Nunca.
Acreditou nele. Não sabia por que, mas era verdade. Algo em sua cara,
um brilho de indignação, como se mesmo o pensamento fosse aberrante, deu-
lhe a resposta mais que suas palavras. Parecia que não tinha intenção de lhe
fazer dano, ao menos não fisicamente.
—Então, deixe-me entender isto corretamente, — disse ela dando um
passo atrás e retrocedendo para a chaminé. Ele estava muito perto. Não a
deixava pensar com clareza. — Você tramou minha ruína para vingar-se do
Harrison…
—Disparou em meu irmão…
—Sim bem, acredito que todos entendemos seus motivos—, replicou ela
delicadamente.
—Entende-o? — Sua voz era estranha. Triste. — Não foi minha intenção
que você sofresse desnecessariamente.
—Talvez devesse ter considerado isso antes de…
—Mas eu não estava sozinho no terraço, milady.
As palavras ditas suavemente a sacudiram terrivelmente, não porque
fossem falsas, mas porque eram certas. Este escândalo era tanto culpa dela
como dele. Mais dela, talvez. Ela era a que tinha estado comprometida com
outro homem. Ela era a que tinha permitido que fantasias tolas e românticas a
debilitassem. Ele tinha chegado à sua porta com intenções tortuosas sim. Mas
tinha sido ela que a tinha aberto completamente.
—Você acredita que nosso matrimônio vai acalmar o escândalo—, disse.
Durante muito tempo, ele não respondeu. Seus olhos exploraram o rosto
de Vitória, sua expressão quase preocupada.
—Acredito que sem ele, sua reputação nunca se recuperará
completamente. E eu não desejo isso para você.
Tampouco ela. Realmente, o que lhe oferecia era um presente. Ela teria
preferido que viesse sem suspeitas aderidas, mas era uma oferta que não podia
descartar com facilidade, ou não descartá-la para nada.
—Poderia me casar com outro. Se esperasse um ano...
Ele negou com a cabeça, lhe dedicando um escuro olhar. Levantou três
dedos, movendo cada um à medida que falava.
—Compromisso. Aventura escandalosa. Bodas. — Deixou cair o braço e
inclinou a cabeça ligeiramente. — Diga-me Lady Vitória. O que diriam a
respeito de seu marido se ele não fosse parte dos dois primeiros?
Ela o odiava. Odiava seu pequeno gesto zombador, odiava a arrogante
inclinação, a segurança em sua voz, mas, sobretudo odiava que ele tivesse
razão.
—Bem. Digamos que estou de acordo em casar-me com você.
Seu meio sorriso retornou.
—Vamos.
—Onde se celebraria as bodas?
Dando uma olhada ao redor da sala, ele disse: — Por que não aqui?
—Quando?
—Logo que se possa arrumar. Necessitarei só uns poucos dias para
adquirir uma licença especial.
Uns poucos dias? O sangue se precipitou de sua cabeça a seu coração, que
duplicou seu ritmo.
—Tão… tão cedo?
Ele ficou quieto por um momento, e em seguida se aproximou dela
lentamente.
Cautelosamente. Um dedo se elevou para acariciar sua bochecha. Ela se
voltou para trás, surpreendida. Esse dedo capturou brevemente um cacho na
parte superior de sua mandíbula, e logo desapareceu.
—Não te arrependerá de ser minha esposa Vitória, — sussurrou. Soava
como uma promessa.
Sentia-se acossada, encurralada em um canto onde não havia
escapamento. E o caçador também era o alimento. Tentador. Sedutor. Mais
que isso, entretanto sentia as paredes do dever empurrando-a para ele. Tinha
cometido um terrível erro. Um cujo preço devia pagar. Ela levantou a vista
para o retrato de sua mãe, serena, dourada e perfeita. Uma mulher com
elegância, embora não uma grande beleza. Uma mulher que sempre fazia o
correto.
—Você seria meu marido. — Foi um sussurro para si mesma, mas ele o
ouviu.
—Em todos os sentidos. — Veio sua rouca confirmação.
Assentindo com a cabeça, ela juntou as mãos na cintura, e logo baixou o
olhar a seus dedos enroscados.
—Poderíamos ter filhos, Lucien?
—Sim. — Seu tom foi mais suave, gentil.
Levantando a cabeça mais uma vez, ela ficou olhando pelo que lhe
pareceram anos esses formosos olhos, da cor de nuvens de tormenta. Nos
poucos momentos em que estiveram olhando um ao outro, Vitória se
imaginou uma vida inteira com este homem. Suas bodas. As noites em que
faria amor com ela. Meninos com o cabelo negro azeviche e talvez os olhos
azuis dela. Filhos que seriam altos e fortes e bonitos como seu pai. Filhas que
seriam adoradas e mimadas. Uma família.
—Então essa é minha resposta.
Lucien aumentou os olhos, concentrando-se em seu rosto, procurando
uma confirmação.
—Sim milord, casarei-me com você.
Capítulo 5
“O amor? Que disparate. Netos para sua pobre e afligida mãe. Esse sim é uma
boa razão para casar-se."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu único filho, Charles, depois de
sua negativa a entrar no Almack’s.
“Nunca confiem em um homem cuja beleza seja maior ou sua fortuna seja
menor que a dela. Para alguns, isto significará desconfiar de toda a população
masculina. Mesmo assim, considerem-no um bom conselho.”
A Marquesa Viúva de Wallingham a Jane e Annabelle Huxley ao inteirar-
se da notícia da precipitada partida de Londres de Beau Brummell para evitar
a prisão de devedores.
Ele não começou com os lábios, a não ser com seu pescoço. Deslizando
sua boca suavemente ao longo da pele de Vitória, desde justo debaixo de sua
orelha para baixo, até o colar de pérolas de sua mãe, seu fôlego quente lhe
causando calafrios por todo o corpo. Ele a rodeava, seu tamanho e seu calor e
seu aroma a especiarias fazia dar voltas em sua cabeça.
Sem fôlego, à espera de seu seguinte movimento, seu ventre se esticou e
ela mordeu o lábio inferior.
—Lucien?
—Mmm?
O coração lhe deu um tombo quando sua língua deslizou por baixo das
pérolas e seus lábios morderam o caminho a sua outra orelha. Ela gemeu
quando um formigamento de prazer ondulou sob sua pele, endurecendo seus
mamilos.
—Não acredito que possa estar em silêncio.
Ele não respondeu em troca, dedicou-se a sugar um pouco da carne onde
o pescoço encontrava-se com seu ombro e passar suas mãos ao longo de suas
costas, pressionando os quadris de Vitória entre suas coxas duras de maneira
que sob seu ventre aninhasse ali a dura protuberância.
—Quero dizer, — continuou ela procurando seu próximo fôlego, a boca
e as mãos de Lucien enchendo suas veias como um vinho quente e delicioso.
— Vou tratar de não fazer um alvoroço de maneira que possa desfrutar de um
pacífico interlúdio, mas... Oh! — Ela deu um coice e estremeceu de prazer
quando sua mão tocou seu peito e acariciou seu rígido mamilo através do
tecido de seu sutiã. — Realmente milord, quando me toca, perco a
capacidade de concentração, e os sons escapam sem minha permissão.
—Vitória.
—Sim?
—De que falas?
Ela piscou e fez uma pausa, ofegando quando ele desprendeu umas
forquilhas de seu cabelo.
—Oh. Bem, Lady Berne foi de grande ajuda no assessoramento de meus
deveres de esposa.
Lhe tirou os caules dos lírios dos vales, deixou-os cair no chão, e
desenrolou as longas mechas de cachos dourados que tinham estado fixados
no alto de sua cabeça. Seus olhos escuros brilhavam e ardiam parecendo estar
fascinado. Durante um longo momento, ele se limitou a olhá-los sem piscar.
Na realidade, pensou ela. É só cabelo.
—Seus deveres de esposa.
—Mmm. Sim. A condessa disse que devia de…deitar contigo se quisesse
filhos. E que devo tratar de me manter ca..calada porque os maridos tendem a
preferir…
Ele franziu o cenho.
—Que disparate, — murmurou.
—Milord?
Seus olhos brilhavam com um fogo impaciente, sua boca tensa em uma
linha reta.
—Não tenho ideia do que lady Berne te disse. É possível que a tenha mal-
entendido ou ela seja uma maldita bob… — Se deteve, sacudindo a cabeça.
— Basta dizer que eu não prefiro o silêncio quando faço amor. Bem ao
contrário.
Ante isto, os nós em seu estômago se afrouxaram, e ela se sentiu mais
relaxada do que tinha estado nos últimos dois dias. Suspirou de alívio e sorriu
brilhantemente.
—De verdade? Oh, isso é maravilhoso, Lucien.
Ele piscou várias vezes, tragando de forma visível, e os músculos de sua
mandíbula trabalharam como tratando de controlar uma reação. Depois de
uns momentos, passou com suavidade uma mão ao lado de sua cabeça,
tomou um comprido friso loiro que descansava sobre seu ombro, e o esfregou
sensualmente entre seus dedos.
—Se tiver perguntas a respeito de seus deveres de esposa, deve vir a mim,
entendido? A ninguém mais.
—É óbvio, eu…
De repente, ele a agarrou pelos ombros e a fez girar para ficar de costas a
ele. Então o sentiu jogar seu cabelo a um lado e começar a desabotoar os
botões situados na parte posterior de seu vestido. Tendo em conta que era um
homem, tinha sido soldado, e provinha de uma família nobre, estava um
pouco surpreendida pela rapidez e destreza com que levou a cabo a tarefa. De
verdade, era mais hábil que sua antiga donzela, Delphine, uma jovem e altiva
francesa, que tinha deixado seu emprego após estalar o escândalo. Vitória
tinha se visto obrigada a conformar-se com duas das criadas do piso superior
da Casa Clyde-Lacey, um fato que lhe recordava a necessidade urgente de
encontrar uma nova donzela.
Embora, tendo em conta as habilidades de Lucien nesta área, talvez não
fosse tão urgente, pensou ironicamente. Em questão de segundos, tinha
terminado com os botões e desatado seu espartilho. Ela agarrou o sutiã ao
peito, quando desabou sobre seu corpo. Logo ele voltou a girá-la para
enfrentá-lo.
—Agora, seus deveres são os seguintes.
Desabotoou seu fraque e o colete, e estava tirando ambos, seu cabelo
como asas de corvo caindo desenfreadamente ao longo de sua testa.
—Primeiro, se entregará a seu marido.
Era tão bonito que ela simplesmente se perdeu durante vários segundos.
Desejava riscar sua boca com os dedos, retirar essa mecha negra de sua testa, e
passar os lábios ao longo de suas sobrancelhas retas, para onde baixavam sobre
seus olhos brilhantes.
—E… me entregar?
—Sim. Isso significa que me deixará te tocar, te beijar e fazer amor
contigo cada vez que o deseje.
Rapidamente ele se desfez da gravata que rodeava seu pescoço em um par
de voltas hábeis e a jogou sobre a cadeira onde tinha jogado seus outros
objetos. Levou uma mão atrás da cabeça e tirou a camisa de linho branco em
um movimento rápido, acrescentando—a a pilha de roupa.
Ela aumentou os olhos soltando um suspiro. Seu peito amplo e nu era…
Oh, Senhor. Tão formoso. Uma criação magistral de duros músculos
definidos, tensos em cadeias ao longo de um ventre plano, e coberto com um
triângulo negro de pelo encaracolado. Embora vestido, Lucien era uma figura
de homem imponente, grande, seus ombros mais largos e seus braços mais
grossos que a maioria dos outros cavalheiros; nu, era ainda mais magnífico, a
potência e a força de seu corpo claramente sem nenhuma necessidade de
recheio.
Enquanto lutava para não desmaiar em uma onda de desejo, porque esses
braços rodeassem-na mais uma vez, ele continuou exortando-a em um
murmúrio descontente.
—Segundo, você não moderará suas respostas absolutamente. Quando te
der prazer, quero ouvi-la. Se não puder te fazer gritar, não sou um bom
marido.
Esses braços chegaram a ela, e, pensando que tinha a intenção de abraçá-
la, deu um passo adiante com entusiasmo, quase tropeçando. Mas em troca,
limitou-se a agarrá-la pelos pulsos e afastar suas mãos de onde tinha o sutiã
agarrado, fazendo com que seu vestido caísse de seus peitos e mais abaixo dos
braços. Com rápida eficiência, a despojou de seu vestido, espartilho, regata e
anágua.
Estava nua de repente na fria habitação, salvo por suas meias e ligas. Ele
deixo-a por um momento, seus olhos queimando sua pele dos pés à garganta,
fazendo uma pausa durante um longo momento na união de suas coxas e em
seus avermelhados e rígidos mamilos.
À luz branca fluida que brilhava através das janelas, ela temia que se desse
conta de todos seus defeitos. O lunar em seu quadril. As estranhas covinhas
em seus joelhos. A carne extra em suas coxas e nádegas que nem o muito
caminhar nem montar à cavalo parecia diminuir.
Perguntando-se por seu repentino silêncio, ela se moveu incômoda e
tratou de cobrir o que podia com seu comprido cabelo e suas mãos. Esses
olhos, ardendo com uma ferocidade que enviou um comichão de alarme por
sua espinha dorsal, dispararam até encontrar-se com os seus. Sem dizer uma
palavra, ele a agarrou pelos pulsos para tirar os braços longe de seu corpo em
uma repetição da ação anterior, mas desta vez a puxou para diante até seus
peitos ficarem esmagados contra seu torso, seus braços fechando-se
firmemente ao redor de suas costas nuas. O prazer de tanto calor e pressão e
textura contra sua pele, mas, sobretudo em seus peitos, era indescritível.
—Terceiro nunca te esconda de mim, — grunhiu junto ao seu ouvido, as
vibrações retumbando desde seu peito até o dela, por isso as sentiu até os
ossos. De fato, até em seu centro feminino, que estava como lava quente,
pulsando de necessidade. — Eu gosto de olhar seu corpo.
Já que ele tinha a cabeça inclinada convenientemente ao lado da sua, ela
girou sua bochecha para acariciar contra a dele, incapaz de resistir a sentir o
leve roce de sua barba e aspirar o aroma do que devia ser seu sabão de barbear.
Era fresco, natural e cheirava à especiarias, semelhante ao aço e à árvore de
folha perene. Curiosa de como seria sua pele, colocou os lábios sobre seu
pescoço e se atreveu a tirar a língua para acariciá-lo suave e brevemente.
Tal como suspeitava. Sal e especiarias. Mas havia algo mais ali, justo
abaixo. Um matiz escuro que recordava a sua boca. Só podia chegar à
conclusão que era simplesmente o sabor de Lucien.
—Anjo, — se queixou como se estivesse dolorido. — Isto não vai durar
muito se continua...
Ela o fez de novo, desta vez sugando um pouco como ele tinha feito com
ela.
Uma mão forte agarrou a parte posterior de seu pescoço, afastando-a de
modo que sua boca pudesse encontrar e invadir a de Vitória. Sua língua
deslizou para dentro, pulsando dentro e fora, empurrando contra a dela. Seu
braço se esticou ao redor de sua cintura e levantou-a do chão. Em questão de
segundos, o mundo se inclinou enquanto ela ia de vertical à horizontal em
um movimento vertiginoso. A suave roupa de cama do leito de plumas
acolheu suas costas quando o peso duro de seu marido a esmagou na frente.
Sua boca abandonou a dela e imediatamente se fixou em um mamilo maduro,
endurecido. Cravando os calcanhares na cama e agarrando ambos os lados de
seu pescoço, ela gemeu: — Lucien! Oh, isso é divino.
Ele sugou com força, a pressão incrementando sua sensibilidade e
centrando sua existência nessa pequena porção de carne. Logo sua mão
apertou seu outro peito, acariciou o outro mamilo, e seu mundo se dividiu
entre essas duas fontes de prazer.
Manobrando as pernas para colocá-las a cada lado dos quadris de seu
marido, ela esfregou seu centro contra sua vara dura como pedra, ainda
contida dentro de suas tensas calças.
—Oh, sim. Isso me faz sentir bem. Melhor que bem. Espetacular.
Sua boca, agora mordiscando e mordendo suavemente seu outro mamilo,
deixou-a por um momento para sorrir com malícia e dizer: — Me alegro que
o ache, amor.
Espera. Havia dito isso em voz alta?
Sua boca voltou para sua tarefa, mas logo ele riscou beijos com sua língua
dançando ao longo de seu ventre, deslizando seu tamanho para baixo
enquanto a segurava pela cintura e a obrigava a deslizar-se mais acima na
cama. Com dedos ágeis, desabotoou-lhe as ligas e lhe baixou as meias
lentamente pelas pernas, colocando as partes de seda a um lado e acariciando
suas coxas na parte interna com um toque delicado. Quando ela perdeu o
agarre de sua cabeça, alcançou a colcha em ambos os lados de seu próprio
corpo, agarrando o tecido em um esforço por liberar a tensão que se
desenrolava em seu interior.
—Lucien, — ofegou. — O que… o que está... fazendo? — A última
palavra saiu como um chiado quando um dedo quente deslizou pelas
escorregadias dobras entre suas coxas estendidas, encontrando a pequena e
poderosa protuberância, da qual emanava um intenso prazer em espiral. O
dedo continuou baixando, internando-se em seu canal e acariciando
suavemente onde ninguém a havia tocado antes. Nem sequer a própria
Vitória.
—É tão estreita, anjo. Tão úmida, — grunhiu, seu polegar circulando a
pequena protuberância na parte superior de seu sexo, inclusive quanto mais
abaixo seu dedo se deslizava dentro e fora em um ritmo exasperantemente
constante. Era tão bom, tão maravilhosamente satisfatório. E, entretanto, não
o suficiente. Desejava mais, mas não sabia como pedi-lo. Quão único podia
fazer era gemer suplicante seu nome uma e outra vez.
Beijou-a na parte interior da perna, justo por cima do joelho, e
murmurou: — Sim, agora. Ia a... mas maldição, Vitória, já não posso esperar.
Com isto, tirou sua maravilhosa talentosa mão, e ficou de pé junto à
cama, seu rosto tenso e sério, seus olhos entrecerrados.
Oh Deus. Ia deixá-la?
—Não! — gritou com voz rouca. — Lucien, por favor, se tiver feito algo
errado…
—Shh amor, — disse com voz áspera. — Tudo está bem. — Ele se
sentou na borda da cama tempo suficiente para tirar as botas, logo parou
outra vez para fazer um trabalho rápido com suas calças. Ela teve pouco mais
que um breve olhar de algo grande, obscuramente avermelhado, e que se
estendia para cima de seu corpo de modo alarmante, antes que ele ficasse
sobre ela de novo, e todo esse peso maravilhoso, pressão e calor a rodeasse.
Sua boca voltou para ela como um saqueador apaixonado, esmagando
seus lábios e lhe introduzindo a língua. Ela envolveu seus braços ao redor de
seu pescoço, esfregou ansiosamente seus seios contra seu peito, e alegremente
deu as boas-vindas a sua volta.
Ele grunhiu, movendo uma mão ao peito, logo para baixo para apanhar
sua perna e abri-la mais para dar capacidade aos seus quadris. Podia sentir a
pele quente e suave de seu estranho e duro apêndice, deslizando-se através das
dobras de seu sexo. O pânico se acendeu brevemente, quando considerou que
ele poderia ter a intenção de fazer com isso o que tinha feito antes com seu
dedo.
Não. É óbvio que não. Nunca se ajustaria.
Ele afastou sua boca, ofegando como um fole. Dando a seu mamilo uma
última carícia, e usando esse braço para sustentar-se em um cotovelo por cima
dela, agarrou-se a si mesmo com a outra mão e colocou a ponta quente,
grande e arredondada em sua entrada.
—Lucien?
Com a cara avermelhada, os olhos frágeis pela luxúria, ele pressionou para
frente. À princípio, foi simplesmente estranho, um objeto muito grande
estirando sua carne, tratando de enterrar-se dentro dela. Enquanto com o
dedo havia se sentido bem, inclusive tinha satisfeito sua infernal inquietação
até certo ponto, isto logo se tornou incômodo. Então quando ele pressionou
mais, bastante doloroso.
Ela gemeu e se retorceu, entrando em pânico ante a invasão. Pressionou
as mãos contra seus ombros, instintivamente tratando de empurrá-lo.
—Acalme-se Vitória. Só temos que passar esta primeira... parte. — Suas
palavras eram tensas, apertando os dentes de uma maneira que a fez pensar
que isto poderia ser tão incômodo para ele como era para ela. — Logo será
bom. Prometo-o.
Vitória fez uma pausa, a preocupação filtrando-se em sua mente enquanto
pensava na resplandecente tensão de seus músculos, de seu rosto. Ele parecia
estar nas garras de uma significativa agonia. Elevando uma mão para acariciar
sua bochecha, lhe perguntou com suavidade: — Está bem?
Com seus olhos em chamas, ficou olhando-a com incredulidade.
—Eu deveria estar te perguntando isso.
Ela fez uma careta quando ele continuou com seus impulsos.
—Oh bom, é só que te vi tão tenso que pensei que poderia ser doloroso
para ti também.
Lucien deixou cair a cabeça e se sacudiu parecendo surpreso.
—Não. Não da maneira que quer dizer. — Ele trocou de posição de
modo que uma mão pudesse acariciá-la suave e ritmicamente, justo por cima
de onde estavam unidos. — Quero tanto estar todo dentro de ti, que está me
matando. Mas se me movo muito rápido, poderia te machucar mais do que o
necessário.
Ela soprou e se retorceu contra a cama.
—Dói muito, marido. Quanto considera "necessário"?
Ele permaneceu em silêncio durante um momento e em seguida
respondeu: — Ainda não violamos sua virgindade. Será doloroso durante um
tempo, mas logo vai melhorar.
Essa foi a única advertência que teve antes que ele empurrasse para a
frente e a dolorosa pressão e o ardente estiramento estivesse acompanhado
pela forte dor de algo rasgando-a por dentro. Ela gritou e se arqueou contra
ele, mas ele não afrouxou, pressionando para frente, centímetro após
comprido centímetro, afundando-se profundamente em seu interior.
—Já aconteceu, — ofegou ele. — Agora vem a parte boa.
Ela soluçou uma risada ante a absurda declaração e o golpeou no ombro
com indignação.
—Dói, Lucien.
—Sei amor, — sussurrou. Ele roçou sua boca com suavidade por cima de
sua orelha e logo com ternura sobre seus lábios. — Tenha paciência comigo.
Então começou a mover-se, lentamente à princípio. Quando começou os
embates constantes, pacientes, ela simplesmente o suportou. A dor não era tão
má como o tinha sido na primeira vez que a atravessou, mas ele era muito
grande, a pressão sobre os músculos internos e a carne em sua abertura
provocava uma dor ardente que fazia que o prazer de antes parecesse um
fantástico sonho febril. Logo, entretanto, enquanto ele mordiscava seu
pescoço e seu polegar acariciava em pequenos círculos ao redor da pequena
protuberância secreta, sua passagem se umedeceu pela nova excitação,
suavizando seu caminho enquanto ele investia dentro e fora.
Dentro e fora.
Dentro e fora.
Seus mamilos, duros de novo e ansiosos de serem acariciados, estavam
docemente agradados também, já que seu peito com seu pelo encaracolado os
esfregava com cada impulso de seus quadris. Ela beijou seu pescoço e gemeu
quando ele acelerou seus movimentos. Em pouco tempo, o ritmo se tornou
bastante agressivo, seus quadris golpeando contra ela enquanto uma crescente
pressão surgia em seu interior. Seu corpo paradoxalmente amava cada parte: a
ardente fricção, a pancada de sua carne contra a dela, o agarre de suas mãos,
uma debaixo de seu pescoço e a outra em seu quadril, o que a mantinha à sua
mercê.
Quando o prazer passou de uma tensão em espiral à uma borbulha
gigante enchendo-se rapidamente, ela cravou os calcanhares nos glúteos de
Lucien e as unhas em suas costas, soluçando: —Por favor, Lucien. Oh, por
favor. Não posso suportá-lo.
Isso pareceu estimulá-lo a um frenesi luxurioso, um profundo grunhido
emanou de seu peito.
—Fará-o. Tomará tudo de mim. Agora. — Ele empurrou sua virilidade
ainda mais profundo dentro dela, até mesmo a raiz, reforçando o agarre em
seu pescoço e quadril para impedi-la de resistir.
Seu corpo respondeu a sua ferocidade estalando em chamas. Ela gritou
seu nome quando um resplendor de incrível prazer explodiu, agarrando seus
músculos e propagando-se por sua pele em ondas atrás de ondas de calafrios
de êxtase. Os músculos de seu sexo o agarravam com ferocidade, ordenhando-
o e contraindo-se em espasmos enquanto ele continuava com suas implacáveis
e profundas investidas.
Depois de quatro estocadas mais, ele gritou: "Cristo, Vitória!", antes que
cada músculo de seu corpo se esticasse, e ela sentisse que a enchia um jorro de
cálida explosão no profundo de seu interior, enquanto ele gemia de agrado ao
chegar ao clímax.
Minutos mais tarde, ele jazia sobre ela, sua virilidade ainda dentro dela,
agora mais suave, embora não de todo suave, seus lábios brincando com os
dela e uma de suas mãos acariciando seu cabelo com suavidade, quase com
doçura.
Sem forças pela sorte letárgica, Vitória se sentia como um gato que
acabava de comer um prato cheio de nata e vadiava sob a cálida luz do sol.
Mas seu marido não queria que fizesse uma sesta.
—Lucien? — murmurou.
—Mmm?
—Ainda não terminamos?
Ele sorriu contra sua boca, endurecendo-se e aumentando-se dentro dela.
—Oh não anjo, — disse movendo a cabeça à modo de suave reprimenda
quando os olhos de Vitória aumentaram soltando uma exclamação afogada.
— Só acabamos de começar.
Capítulo 10
"Se valoriza seu posto ou sua vida, mais vale não falar comigo antes do café
da manhã."
A Marquesa Viúva de Wallingham para sua criada mais recente, a quinta
em cinco meses.
"Um escândalo é como um lobo que ficou muito tempo sem comida. Primeiro
deve lhe dar outra coisa para comer além de ti mesma. Só então tem uma
possibilidade de domá-lo."
A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Berne ao inteirar-se das
lamentáveis consequências de não cumprir com os deveres de acompanhante
da dita dama.
"Ah, clube de cavalheiros. Uma boa e venerável instituição. Muito útil para
eliminar os incômodos da presença de uma mulher todos os dias durante várias e
gloriosas horas."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho, Lorde Wallingham, depois
que ele compartilhou a contragosto informação encontrada no livro de
apostas do White.
Ao chegar em casa duas horas mais tarde, Lucien entregou seu cavalo a
Connell, chofer e principal moço dos estábulos. O cabelo vermelho e as
sardas de Connell davam a ele aspecto de um estudante, quando de fato tinha
idade suficiente para estar casado com uma das criadas da casa e pai de três
filhos pequenos. Ainda assim, era jovem para um posto de tal
responsabilidade, mas seu dom com os cavalos fez com que ganhasse primeiro
o respeito de Gregory, logo o de Lucien. Hugo, o cavalo de Lucien, era de
grande tamanho e vigoroso, requerendo passar várias vezes os jornais para
mantê-lo calmo. Mas nas mãos capazes de Connell, o cavalo se derretia e
virtualmente sorria com afeto. Hoje, o jovem tinha uma expressão apreensiva,
os olhos e o rosto tenso. Deteve-se para tomar as rédeas como se quisesse
falar.
—O que acontece, Connell? — perguntou Lucien com impaciência.
—É sua senhoria, milord. Ela …se instalou no estábulo.
Lucien piscou.
—Perdão?
O moço assentiu vigorosamente e assinalou para a estrutura de tijolo de
dois pisos atrás dele.
—Disse a sua senhoria que esse não era lugar adequado para…
—E o que te disse? — perguntou Lucien com gravidade, agora dirigindo-
se com passo irado para o estábulo.
Riu milord.
Ele se deteve e virou para olhar Connell, que se deteve também. Hugo ia
na retaguarda dele como um gigante cão.
—Riu?
Connell assentiu e esfregou o nariz do cavalo de modo ausente.
—Disse que era uma tolice e que eu podia ir, já que ela tinha trabalho
para fazer. — Os olhos do homem eram redondos como moedas, seu alarme
aumentando claramente ante a ideia da senhora da casa desejando entrar em
seu domínio, e mais até manchando suas mãos com o trabalho.
Lucien compartilhava sua consternação, mas por razões ligeiramente
diferentes. Ela não pertencia a esse lugar, isso era certo. Além disso, ele não
queria que lhe surgissem ideias estranhas a respeito de tomar um de seus
cavalos para um passeio, talvez à sua antiga casa. Se tinha que assegurar-se que
cumprisse suas ordens, precisava controlar seus movimentos enquanto
estavam em Londres, e não podia fazer isso se metia na cabeça desafiá-lo.
Felizmente até o momento, Vitória tinha demonstrado ser uma purista da
propriedade, um produto da influência de Blackmore sem dúvida, e nunca se
aventurava por aí sem sua donzela ou outro acompanhante. Quase sempre
usava a carruagem para ir a Mayfair, já que teria que cruzar o esmagador
rebuliço de Oxford Street para chegar lá, e a pé não era um passeio rápido e
tranquilo. Mas não era impossível que de repente ela tivesse a ideia de esticar
as proverbiais asas, bem sabia ele. Era um ser de espírito sua esposa, debaixo
da obediente superfície.
—Leve Hugo para dar um passeio. Eu falarei com Lady Atherbourne.
—Sim, milord. — Connell tirou o gorro e se afastou com o cavalo.
Quando Lucien entrou nos limites escuros e poeirentos dos estábulos,
deteve-se um momento para deixar que seus olhos se acostumassem. Ao longo
de um lado, uma fila de baias continham seis cavalos, placidamente comendo
feno, soprando e bufando para chamar sua atenção. As últimas baias estavam
vazias. Uma pertencia a Hugo. As outras faltavam ocupar-se, e já que tinha a
intenção de abandonar Londres muito antes disto, não tinha achado que fosse
necessário. É óbvio, tampouco havia previsto tomar uma esposa tão cedo.
Ainda fazia falta um pouco de ajuste.
Avançando com passo pausado, agora era capaz de ver nas profundidades
do espaço fedorento. Justo depois de passar uma fila de cadeiras de montar e
arreios, perto da entrada da garagem, uma franja arredondada de musselina
estampada de flores se balançava e se retorcia atrás de um poste de madeira.
—Vamos meu amor, — sussurrou uma doce voz feminina, — não quer
que lhe acaricie? Prometo que desfrutará.
Tudo em seu corpo se deteve, seu coração, sua respiração, seus pés. Tudo
se paralisou quando se deu conta do que estava olhando, a quem estava
ouvindo dizer essas palavras provocadoras. Vitória. Estava inclinada,
aparecendo atrás de uma caixa. Seu arredondado e delicioso traseiro deu outro
rebolado quando estendeu um braço para sua presa.
—É tímido, verdade? Só me deixe tocar sua pequena cabeça. Serei suave
como um sopro. Se for bom, talvez o beije. Você gostaria disso?
Não pôde evitá-lo, grunhiu audivelmente, seu corpo passou de atento a
intensamente excitado em meio segundo. Maldita seja. Estava louco de
luxúria. Seu encantador traseiro se retorceu de um modo bastante atrativo
quando se virou, tratando de dar uma olhada em sua direção por cima do
ombro.
—Quem est…? — Se ergueu, cambaleando-se para trás. — Ai! Isso doeu,
pequeno diabo!
Ela cambaleou para trás, perdendo o equilíbrio e agitando uma mão
loucamente como se a tivessem queimado. Antes que pudesse golpear a porta
da baia, que estendeu-se torpemente para o corredor, ele correu para ela e a
agarrou pela cintura. Suas nádegas encontraram sua haste endurecida com um
golpe transcendental, fazendo-o grunhir de novo, esta vez devido ao
considerável desconforto. Suas costas chocaram contra o poste de madeira
entre duas baias.
—Oh! Pelo amor do céu, — chiou ela saindo dos braços de Lucien,
repentinamente flácidos, e girando para ele. Avermelhada e despenteada, ela
apoiou as mãos nos quadris e soprou uma baforada de ar para cima para
separar de seu olho um cacho solto. Lucien?
Ele grunhiu. Falar realmente era impossível nesse momento.
—Que está fazendo aqui?
Várias respirações profundas pareceram ajudar a retroceder as ondas de
dor, ao menos o suficiente para formar palavras.
—Poderia te perguntar o mesmo, esposa. Este não é um lugar apropriado
para que a Flor de Blackmore passe as horas.
Ela se encolheu como se ele a tivesse insultado, e logo respondeu com
tranquila dignidade: —Possivelmente. Entretanto, como bem sabe, esse
apelido não tem o mesmo significado há muito tempo.
—Desde que me conheceu, quer dizer. — A amargura em sua voz
surpreendeu, inclusive a ele mesmo. Estava cansado de seu ressentimento,
cansado de não poder tocá-la.
—Se esperas que negue sua parte em minha ruína, ficará decepcionado.
Ele suspirou.
—Os avisos constantes são…
—Não é minha intenção discutir Lucien, — disse ela com calma. —
Simplesmente gostaria de terminar minha tarefa. Passou ambas as mãos por
sua saia para tirar o pó. Logo fez uma careta e embalou sua mão direita com a
esquerda.
—Está ferida? — perguntou, sua própria dor quase esquecida.
Ela sacudiu a cabeça e murmurou: —Não é nada. — Mas ele se separou
do poste e agarrou seu pulso com suavidade. Um trio de sangrentos arranhões
arruinavam a parte carnuda da base do polegar. — De verdade. É só um
arranhão.
—O que aconteceu?
Com as bochechas um pouco ruborizadas, lhe dirigiu um olhar tímido
por baixo das pestanas.
—Fiz uns avanços não desejados e me deram uma reprimenda
decididamente severa. — Ela enrugou o nariz. — Minha culpa por certo. O
pequeno diabo é obviamente, muito particular com seus pretendentes.
Confundido por um momento, ele a fez ficar de um lado para olhar atrás
das caixas. Ali, aconchegado em uma cama de feno, estava um gatinho rajado
laranja. Elevou o olhar para ele com seus olhos dourados e alertas. E gritou.
Ele franziu o cenho e se voltou para Vitória.
—Essa maldita coisa é selvagem. O que estava pensando?
Vitória pôs as mãos nos quadris e encolheu os ombros exasperada.
—Quero desenhá-lo, mas está decidido a permanecer oculto. É do mais
irritante.
Uns cachos loiros que normalmente eram perfeitamente disciplinados,
haviam escapado de suas forquilhas, fazendo com que seu penteado se
inclinasse para um lado. Uma pequena mancha de terra lhe manchava o
queixo. E seu vestido parecia como se tivesse sido pisoteado pelo estábulo.
Coisa que na realidade, fazia. Tossiu para dissimular um sorriso.
—Está rindo de mim?
Apertando os lábios, murmurou: —Não. Não.
Observou que os próprios lábios de sua esposa tremiam, uma comissura
curvando-se sem remédio em um sorriso. Ela sacudiu a cabeça.
—Suponho que mereço isso. — Sacudiu outra vez suas saias poeirentas.
— Me atreveria a dizer que pareço um espantalho. Não é de estranhar que me
rechace.
Aproximando-se, tomou sua mandíbula e passou o polegar pela pequena
mancha em seu queixo.
—Inclusive quando parece um espantalho, segue sendo a mulher mais
bela que vi em minha vida.
Os olhos suavizando-se, os lábios entreabrindo-se, por um momento
pareceu que Vitória poderia derreter-se. O desejo feroz, insistente e sinuoso o
percorreu. Mas justo quando se movia para envolver um braço ao redor de
sua cintura, as mãos dela agarraram suas mãos e o empurraram.
—Não comece Lucien.
—Começar o que? — perguntou inocentemente.
Seu queixo se elevou, sua boca apertando-se em sinal de desaprovação.
—Não tenho paciência nem tempo para suas tolices. Devo terminar meu
esboço esta tarde enquanto tenha luz suficiente. É um presente para Lady
Berne. Ela adora gatos, mas não pode ter um porque fazem Lorde Berne
espirrar de um modo terrível.
Passando uma mão pelo cabelo, ele suspirou.
—Quanto tempo durará este processo?
Ela se deu uns golpezinhos com o dedo nos lábios.
—Depende.
—Do que?
—Do cooperativo que seja meu sujeito. Levou quinze minutos para me
aproximar o suficiente para fazer os traços. — Deu em sua mão um olhar
ressentido... — Esboçar é a parte fácil.
Sem dizer uma palavra, ele se despojou de seu fraque e pegou um balde
próximo, logo se aproximou resolutamente ao esconderijo do gato.
—O que está…?
Fez um sinal à Vitória para que ficasse em silêncio levando um dedo aos
lábios. Pouco a pouco com cuidado, colocou o balde à esquerda das caixas,
bloqueando a rota de escapamento do gatinho. Continuando, esticou a
jaqueta como uma rede ao longo do lado direito e se inclinou para fazer sair a
pequena besta de seu ninho. Gritando e cuspindo, o gato arranhou sem
piedade a mão de Lucien, sua pelagem de cor laranja arrepiada, seu diminuto
corpo retorcendo-se em protesto. Não obstante, Lucien foi capaz de apanhar
o cangote do animal entre o polegar e os dedos e mantê-lo no alto tempo
suficiente para recuperar seu casaco. Envolveu o gato firmemente em seu
interior, rodeando com as mangas o pequeno vulto, de modo que só
sobressaía sua cabeça.
—Uma façanha magnífica milord, — disse sua esposa, sua voz
impregnada de riso. — De verdade, as pessoas poderiam supor que
atravessaste as selvas da África caçando animais selvagens. — Estava tirando
sarro, mas podia ver que estava contente que tinha segurado a pequena
criatura que lhe tinha dado tantos problemas. O coração deu um tombo
peculiar.
—É assombroso o que um marido é capaz de fazer quando lhe dá a
motivação adequada. — Suas palavras atraíram os olhos de Vitória de novo
aos seus. Azul-verde luminosos, apanharam-no e o mantiveram em um agarre
implacável, suspenso sem fôlego dentro de um momento estranho, congelado.
Uma sensação vertiginosa, como cair de costas na água, expandiu-se dentro
dele. Era confuso, desorientador, estimulante. Fez-lhe querer tomá-la e levá-la
à cama. Fez-o querer cair de joelhos e lhe pedir perdão. Fez-o querer gritar
triunfante que ela era sua para sempre.
Meu Deus pensou, não pela primeira vez. O que é isto? Era como um
invasor estranho, uma beberagem perigosa de gratidão, culpa e obsessão, tudo
centrado nesta pequena mulher. Tinha experimentado indícios disso antes de
seu matrimônio. Mas só parecia voltar-se cada vez pior.
Vitória acariciou a cabeça peluda do gatinho que ele sustentava para ela,
seus dedos acariciando suave e ritmicamente.
Sim. Muito, muito pior.
—Obrigada, — disse ela, a relutância evidente em seu tom. — Agora, se
o mantiver quieto, talvez por aqui junto à porta, — assinalou a entrada do
pátio, a qual permanecia aberta. Com sua distintiva eficiência, Vitória tomou
seu caderno de desenho da parte superior de outro conjunto de caixas,
recolheu o balde que ele tinha usado antes, e o guiou à zona que tinha
indicado, junto à porta, onde a luz entrava abundante. Pôs o balde de barriga
para baixo e se sentou como se fosse um trono real, tirando um lápis da
manga e folheando as páginas até que encontrou uma folha em branco.
—Tem que ver o resto dele? — perguntou Lucien, olhando seu lápis voar
sobre a página com traços rápidos e decisivos.
—Não ainda. A cara é sempre a parte mais difícil para mim. — Seus
olhos encontraram brevemente os dele, e logo se deslizaram para sua boca,
uma misteriosa expressão velando seus traços suaves. — Bem. Talvez não
sempre. Entretanto, para esta peça, estou decidida a dar a Lady Berne algo
que entesourará. Deve ficar bom.
O gatinho miou lastimamente. Ele esfregou um dedo sobre sua cabeça
para acalmá-lo.
—Então, você gosta de animais?
—Mmm. Não particularmente.
—O que pensa dos cavalos? Muitos artistas adoram pintá-los. Ou isso é o
que ouvi.
Ela deteve a mão elevando o lápis por um momento.
—Os cavalos têm seus usos, suponho.
Arqueando uma sobrancelha ante a tensão em sua voz, ele respondeu: —
Útil sim. Não desfruta montar à cavalo?
O desenho começou de novo, seus movimentos agora quase ferozes. Se
não tomasse cuidado, ia romper o papel.
—Não.
—Por que?
Suspirando audivelmente, ela soprou para cima outra vez, como o tinha
feito anteriormente, para tirar o cabelo dos olhos. Podia ver a frustração
enrugando sua face.
—Se quer sabê-lo, derrubaram-me uma vez. Eu era bastante pequena, e
quebrei a perna. Depois, ficar prostrada na cama durante meses foi bastante
desagradável. Só há um cavalo que sou capaz de montar, e essa é minha égua,
Bitsy. Ficou em Blackmore Hall esta temporada, já que se esperava que fosse
parir.
O coração de Lucien se retorceu ante a ideia de Vitória sofrendo dor. Ela
era uma mulher leve, delicada. Encontrou-se imaginando-a menina, sua perna
quebrada e dobrada em um ângulo estranho enquanto ela gritava em uma
agonia difícil de suportar.
—Assim como vê, não vou tomar um de seus cavalos para uma excursão à
Casa Clyde-Lacey. Pode estar tranquilo nesse aspecto, marido. — Deixando
de lado seu tom mordaz, ele não pôde evitar sentir um pouco de alívio.
Embora mantê-la longe do Duque enquanto estavam em Londres não era
estritamente necessário. Poderia ter permitido que se desenvolvessem os
eventos e começar o castigo do bastardo depois do fim da temporada, tinha
decidido que era necessária uma dose mais imediata de vingança, uma que
pudesse presenciar pessoalmente. Enviar uma mensagem inequívoca a
Blackmore: Vitória pertencia a Lucien agora. Ele controlava onde ia, a quem
via, o que fazia. Ela estava à sua mercê, e não havia nada que Sua Graça
pudesse fazer a respeito.
Agora, se tão somente pudesse convencer a sua esposa do mesmo, tudo
estaria bem. Tinha um plano para isso, na realidade. Bom, não um plano
precisamente. Mas bem uma ideia. Oh, muito bem, uma fantasia recorrente
que envolvia a boca dele e a entusiasta entrega de Vitória.
—Está ronronando.
Piscando confundido, olhou para baixo, dando-se conta de que ela se
referia ao gato. A criatura, em efeito, estava emitindo um tranquilo ronrono.
—Acredito que lhe agrada, — disse Vitória. A luz se moveu sobre seu
rosto e, por um momento, iluminou-a com uma auréola gloriosa. Iluminou o
pequeno sulco de concentração entre suas sobrancelhas. O travesso meio
sorriso que curvava seus lábios. O brilho dourado de seus cachos
despenteados. Tirou-lhe o fôlego.
—Mmm, — grunhiu Lucien, já que nada mais eloquente pôde articular.
Ainda não está terminado?
—A paciência milord, é uma virtude.
—Nunca tive muito apego à virtude. Terrivelmente aborrecida.
Sua mão se deteve sobre o papel e seus olhos grandes se encontraram com
os seus, como se ele houvesse dito algo profundo.
—Possivelmente tenha razão. — Tendo chegado ao que parecia a algum
tipo de conclusão, ela baixou o olhar de novo a seu esboço, passando
lentamente seu lápis sobre os bigodes do gatinho. — Mas a alternativa é pior.
— Uma estranha tristeza escureceu seu rosto, como se tivesse perdido algo
precioso.
Mulheres, pensou ele com desconcerto. Confusas criaturas todas elas.
—Bem, isso deveria servir para seu rosto. — Pelos seguintes dez minutos,
Lucien desembrulhou o gatinho um pouco de cada vez, primeiro uma perna,
logo duas. Vitória esboçou cada parte que era revelada, preenchendo os
detalhes tais como as listras e as garras. Logo, todo o corpo esteve livre de seu
casaco, mas o gatinho ainda estava ronronando. Finalmente, ela terminou o
esboço e o sustentou no alto para que o visse.
—Excelente. Uma perfeita semelhança.
—Crê que Lady Berne vai gostar? — perguntou com ansiedade.
—É óbvio — murmurou, apressando-se a colocar o gato de volta em seu
ninho atrás da caixa e sacudindo seu casaco. Maldição. A ligeira lã verde
estava coberta de pelagem laranja. A pôs sobre o braço. — Agora, acredito
que estávamos discutindo sobre a virtude, ou o prazer da carência da virtude.
— Girando para lhe dirigir um sorriso malicioso, ficou consternado ao ver
Connell voltando com Hugo. O moço se deteve atrás de Vitória, que tinha se
perdido em seus pensamentos, riscando com ar ausente um dedo sobre uma
página de seu caderno de desenho.
Mais tarde, o incidente pareceu quase previsível. Hugo entrou atrás de
Connell, o castanho puro sangue, uma presença gigantesca ficando junto de
Vitória. De repente, o cavalo relinchou, moveu-se para um lado golpeando
com força o ombro de Vitória, desestabilizando-a. Ela gritou, deu um recuo e
se curvou tensa contra a parede.
—Connell! — bradou Lucien, correndo para eles. — Controle-o!
—Sim, milord. — O moço puxou os arreios, fazendo sons calmantes
tratando de acalmar o enorme cavalo. Eventualmente, arrumou para
convencer ao agitado Hugo a colocar as quatro patas no chão e levá-lo
diretamente à sua baia.
—Vitória? — perguntou Lucien em voz baixa, acariciando seus ombros,
suas costas, seu cabelo. Ela pegava com força o caderno de desenho no peito,
os braços envoltos ao redor de si mesma. Estava tremendo e não o olhava.
Mas estava agradecido que o permitisse aproximá-la. — Está bem?
Ela assentiu. Mas não lhe acreditou. Rodeou-a com seus braços,
abraçando-a com força e sentindo seu estremecimento rodar através dele
como se fosse nele próprio.
—É tão parvo, — disse Vitória com um fio de voz. — A maioria dos
cavalos não me assustam absolutamente. Ele me surpreendeu.
—Shh, amor. Tudo está bem. Está à salvo. — Em um primeiro
momento, quando seu tremor se acalmou, pensou em liberá-la. Mas logo ela
se apoiou nele como se ainda necessitasse sua força para sustentá-la.
—Não deveria ter saído à cavalo nesse dia, — sussurrou ela, pousando
um ouvido contra seu peito. — Papai me advertiu que nunca montasse seus
cavalos de caça. Mas estava aborrecida. Só tinha montado pôneis e cavalos
mais velhos, castrados e os mais lentos do estábulo de Blackmore. Balthazar
era magnífico, uma besta negra, grande e brilhante. Eu sabia que juntos
poderíamos voar. — Ela encostou seu rosto ainda mais em seu peito, a
lembrança claramente dolorosa.
—E o fizeram, anjo? — sua voz saiu estranhamente estrangulada.
Ela assentiu.
—Foi maravilhoso. Nunca tinha sonhado ir tão rápido. Então, ele já não
estava debaixo de mim. Assim sem mais. Depois descobri que tinha passado
em um buraco e sua perna... simplesmente se quebrou. É por isso que
desapareceu. Eu segui e aterrissei muito mal. Nós dois quebramos as pernas,
imagina? — Sua risada soou seca e forçada e foi apagando em um longo
silêncio. Papai teve que disparar em Balthazar. Estava muito furioso. Tive
sorte de que não considerasse o mesmo remédio para mim.
Lucien simplesmente a abraçou e lhe acariciou as costas, perguntando-se
como um pai podia mostrar mais preocupação por seu cavalo que por sua
filha.
Ela suspirou e se agitou, endireitando-se e afastando-se à medida que
lentamente se recuperava do susto.
—Pensa que sou uma parva…
—Não. — Deslizou suas mãos ao redor de suas costas para evitar que
escapasse e a manteve no lugar. Onde ela pertencia. — Não era mais que uma
menina.
—Papai disse que com sete anos era bastante crescida para ter juízo. E
tinha razão. Deveria tê-lo tido.
Ele sacudiu a cabeça com incredulidade. Sete anos. Realmente, estava
começando a ver de onde provinha a raiz do coração de pedra de Harrison
Lacey.
—Hãhã Milord, Hugo está em sua baia—, disse Connell atrás dele. — Se
me permite, senhor, eu gostaria de pedir desculpas a sua senhoria.
Ele se voltou para olhar com fúria ao ruborizado moço das cavalariças.
—Então faz-o.
Connell assentiu e tirou a boina antes de enfrentar Vitória.
—Milady, suplico-lhe seu perdão. Não a vi ali quando entramos…
—Tolices — respondeu ela, seu queixo elevando-se em um ângulo de
orgulho.
—To… tolices, milady?
—Não se desculpe, já que não foi sua culpa absolutamente.
Connell piscou, suas mãos retorcendo sua boina em um cilindro
apertado.
—Não foi minha culpa?
Lucien olhou sua esposa, que parecia toda uma viscondessa de cabo à
rabo, embora desalinhada.
—Não foi? — perguntou ele com receio.
—Certamente que não. O cavalo me empurrou de forma inesperada e me
surpreendeu. Não é culpa sua ou do cavalo, a não ser minha. — Dirigiu a
ambos um sorriso valente. — Não me fez nenhum dano.
Ao mesmo tempo, Lucien e Connell protestaram, mas ela levantou uma
mão para exigir silêncio.
—Não escutarei mais nada a respeito. — Com um braço agarrando seu
caderno de desenho, ela se voltou rapidamente sobre seus calcanhares e se
afastou dele, seus quadris balançando-se de uma forma que estava começando
a suspeitar fora desenhado para torturá-lo.
Maldita seja pensou, a tensão e endurecimento de sua virilha provocando
uma dor muito familiar. Se isto fosse uma enfermidade, então só havia um
remédio: tenho que seduzir a minha esposa. Ele observou seu doce e
arredondado traseiro burlando-se dele do outro lado do pátio. Pelo bem de
sua prudência, deveria tê-la de novo. E logo.
Capítulo 15
"Não posso suportar uma criada faladora, como não posso suportar uma roda
de carruagem chiando. Ambas são intoleráveis e devem ser silenciadas ou
substituídas. Eu prefiro 'substituídas ".
A Marquesa Viúva de Wallingham à sua nova donzela, a sexta em seis
meses.
"Com frequência, referem-se a nós como o sexo frágil. Que ideia mais tola.
Nós mulheres somos muito mais desumanas que os homens. Simplesmente o
dissimulamos melhor. "
A Marquesa Viúva de Wallingham à condessa de Berne depois de um
almoço das quintas-feiras especialmente rancoroso.
"Céus, moço, quem vem ao teatro para ver a peça? O entretenimento real não
se encontra no palco. Todo mundo sabe isso."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho Charles, ante sua consulta
sobre uma produção do Rei Lear a que recentemente tinham assistido.
"O pesadelo terminou? Tolo. As pessoas não apagam uma escuridão como essa.
Deve ser extinta sem possibilidade de reparação."
A Marquesa Viúva de Wallingham ao Duque de Wellington um ano
antes da batalha de Waterloo.
Vitória não estava segura do que a despertou. Poderia ter sido o braço de
Lucien roçando seu ombro. Ou o deslocamento do colchão quando ele se
esticou e ficou de barriga para cima. Mas suspeitava que tinha sido o gemido.
Tal som incomum procedente de seu forte e imponente marido. O grito
silencioso enviou uma vibração gelada através de sua carne.
—Lucien, —chamou suavemente, girando sobre seu flanco para poder
vê-lo melhor na luz mortiça. Apoiando-se em um cotovelo, moveu-se sob as
mantas e lentamente se aproximou para acariciar seu ombro nu com os dedos.
Úmido. Sua pele estava empapada de suor.
Ele se retorceu e girou a cabeça, como se padecesse de uma terrível dor.
—Não, — gemeu. — Não. — Sua respiração acelerou e lhe esticaram
todos os músculos.
O peito de Vitória se apertou ao redor de seu coração. Acariciou-lhe o
braço onde estava, aparentemente imobilizado em seu flanco. Seus músculos
estavam duros como pedra. Jogando para trás as mantas, viu que todo seu
torso vibrava de tensão.
Que diabos? Pensou, a preocupação inundando-a com força. Vitória
considerou a sabedoria de despertá-lo. Ser despertado em meio de um
pesadelo poderia ser desconcertante e embaraçoso, especialmente se ele sabia
que o tinha visto em um estado tão vulnerável. Por outra parte, não podia
suportar ver sofrer a ninguém assim, inclusive se se tratava de um sonho. De
repente ele suspirou, e como se uma corrente se quebrasse, expeliu o ar em
uma onda. Seu cenho suavizou, e em poucos minutos seus músculos
relaxaram completamente.
Ela murmurou palavras tranquilizadoras sem sentido, sem deixar de
acariciar seu ombro. Horas antes, tinham chegado em casa depois de fazer
amor na carruagem, ambos calados e pensativos. Quando ele se colocou na
cama junto a ela, havia esperado plenamente sentir seus braços lhe rodeando a
cintura, e então ter que explicar por que, depois de deixar que ele a seduzisse
em uma sala às escuras, mais uma vez rechaçaria-o em sua própria cama. Mas
ele não a havia abordado, só tinha suspirado e dormido, sua respiração
profunda e longa.
Ela não foi tão afortunada. Enquanto jazia junto a ele na escuridão, não
podia enganar-se: ele era uma tentação constante, o melhor dos nove pratos
de um jantar inimaginável devotado a uma mulher morta de fome. A amizade
não tinha aliviado seu desejo, ou o tinha mantido à distância de um braço.
Então, o que você gostaria de fazer agora, Vitória? A resposta não se fez
esperar: ser sua esposa em todos os sentidos. Mas isso era muito custoso,
verdade? A confusão a tinha mantido acordada até bem tarde da noite.
Finalmente, o sono tinha chegado, só para ser interrompido pelo homem
intranquilo ao seu lado.
Lentamente, baixou a cabeça sobre o travesseiro, mas se manteve
vigilante, atenta a qualquer mudança. Chegou minutos mais tarde em um
sussurro que quase passou por cima. Imediatamente, levantou-se na cama,
olhando atentamente seu rosto. Tinha a boca aberta, movendo-a como se
estivesse falando, mas nenhum som saía. Parecia como se estivesse dizendo
"não" uma e outra vez. A súplica sem som em meio de tal quietude a gelou
até os ossos. Falava de uma dor tão profunda, que não poderia ser curada.
Instintivamente, aproximou-se mais dele, agarrando seu braço e envolvendo-o
ao redor dela, e logo abraçando seu flanco com seu corpo. Ela apoiou a
bochecha contra seu peito, acariciou seu ventre, e pronunciou seu nome
suavemente. Uma e outra vez e outra vez.
Repetiu-o uma dúzia de vezes antes que ela o sentisse despertar. Soube
porque esse sussurro sem ar, deteve-se. Mas ele não se moveu, mas sim ficou
deitado em perfeita quietude.
—Marido? — murmurou. — Está bem?
Quando ele não respondeu, ela levantou para sentar-se ao seu lado e
procurou seu rosto com olhos preocupados. O braço de seu marido caiu sobre
a cama, como se ele já não tivesse forças. Estava pálido, mas talvez fosse a luz
cinza nublada que entrava pelas janelas.
—Lucien, estava tendo um pesadelo. — Com cuidado, ela estendeu a
mão e o acariciou na bochecha, necessitando o contato provavelmente mais
do que ele necessitava do seu. Já terminou. Por favor, me diga que está bem.
Passaram vários minutos, várias batidas de seu débil coração, antes que
seus olhos escuros e inquietos encontrassem os dela. Eram ilegíveis, mas
brilhavam à luz débil. Ele deu a volta para respirar um pouco, mas logo se
voltou negando-se a olhá-la, porém em troca estendeu uma mão para lhe
acariciar a parte baixa das costas através de sua camisola.
—Estou bem. Deve voltar a dormir.
Ela sacudiu a cabeça.
—Seu sonho, deve ter sido terrível.
Ele se afastou, jogando para trás as cobertas e sentando-se na borda da
cama. Ela viu como suas fortes costas nuas se curvavam e deixava cair a cabeça
uns momentos, antes que levantasse e se dirigisse para o vestuário. Não
respondeu à sua pergunta. Não disse mais uma palavra. Simplesmente
colocou seu traje de montar, retornou à cama para depositar um beijo suave
em sua testa e logo a deixou sozinha, perguntando-se o que tinha acontecido.
Capítulo 19
"Uma mulher tem necessidades, Charles. Por desgraça para ti, as principais
são as mais caras."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho, Lorde Wallingham, ao ser
confrontada com a fatura de um dia de extravagância na loja da senhora Bell
em Upper King Street.”
"Hei-o dito antes, e o direi mais uma vez: os homens inteligentes são perigosos.
É bom que hajam muito poucos."
A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Berne depois de reunir-se em
privado com o primeiro-ministro.
"Os ciúmes podem ser tediosos, mas úteis. E, ocasionalmente, graciosos. "
A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Colchester, sobre sua queixa de
que Lady Reedham tinha levado seu novo cozinheiro francês.
"A violência raras vezes resolve os problemas sem criar uns novos. Mas os
homens são excessivamente aficionados a ela, e isso me parece uma fonte
inesgotável de diversão."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu sobrinho depois de um dia
particularmente ruim no Clube de Cavalheiros Jackson.
"Não envolva suas más escolhas com fio dourado e enfeites, e depois espere que
eu elogie-te. Posso ser velha, mas não cega. "
A Marquesa Viúva de Wallingham à sua costureira, ao lhe mostrar um
casaco com um terrível excesso de adornos.
" Fomos assim parvas quando tínhamos essa idade, Meredith? Acredito que
não. Talvez seja algo na água."
A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Berne ao ver um jovem lorde
cair no lago Serpentine.
"Há alguns segredos que é melhor que sigam sendo segredos. Não me refiro,
por suposto. A não ser em termos gerais."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho, Lorde Wallingham, ao
inteirar-se de seu incrível esconderijo de conhaque francês.
A luz de Londres era sempre um pouco fraca, mas hoje era realmente
tênue. A névoa cobria as ruas, fazendo com que o término da manhã se
sentisse mais como o anoitecer. Vitória suspirou enquanto olhava o retrato de
Lucien. Apesar da pouca luz, notou com satisfação que o colete agora era de
um azul intenso, muito atrativo, graças a seu pigmento azul ultramar.
Na semana da confrontação na Casa Clyde-Lacey, tinha visitado seu
antigo lar duas vezes, uma para recuperar seus materiais de arte e outra para
falar com Harrison. Felizmente, Lucien tinha perdido o interesse em lhe
impedir de ver seus irmãos.
Infelizmente também tinha perdido o interesse nela. Depois de voltar
nesse dia à Casa Wyatt, ela tinha se retirado à sua sala de estar necessitando
algumas horas de solidão para digerir o que tinha ocorrido. Lucien não tinha
voltado a tocá-la ou a falar com ela. De fato, ele tinha se trancado na
biblioteca até bem depois da meia-noite.
Ficou dormindo sem ele. Ainda não tinha voltado para sua cama.
Abraçando-se para amortecer um calafrio, aproximou-se das janelas de seu
estúdio, seu olhar perdido no cinza do dia. O estalo surdo das rodas de uma
carruagem podia ouvir-se através do cristal, mas a única coisa que ela podia
ver era a névoa. Era estranho de verdade; saber que algo estava tão perto, mas
ser incapaz de vê-lo. Respirando fundo para tentar acalmar a sensação de
desespero, pôs rígida a coluna. Lucien a tinha evitado durante a última
semana, passando a maioria dos dias fora de casa, suas noites em um dos
quartos de convidados.
Em duas ocasiões o tinha surpreendido em sua saída, tinha tratado de
falar com ele a respeito de Colin e Harrison, discutir o que aconteceria com
seu matrimônio. Em ambas as ocasiões, comportou-se como um estranho:
distante, educado, inclusive aborrecido, tirando-lhe de cima como o faria com
um vendedor de fruta muito agressivo. À princípio, foi compreensível.
Depois, irritante. Agora, ela estava zangada. Se pensava que podia ignorá-la
para sempre, era o maior dos parvos.
Na noite passada foi a quinta noite que Cook tinha servido pescado para
o jantar. Ele não havia dito nada, embora a intenção de Vitória tinha sido
suscitar algum tipo de reação. Tragou saliva contendo uma onda de náuseas.
Inclusive ela começava a cansar-se dessas coisas.
Requeria-se uma mudança de tática, isso era tudo. Ele teria que falar com
ela, maldição. Sim, iam resolver isto de uma forma ou de outra. Deviam fazê-
lo. Do contrário, ela temia muito que seu matrimônio continuaria
deteriorando-se até converter-se em pó. Possivelmente essa era sua intenção,
pensou. Ainda era possível que ele não sentisse nada por ela, que a vingança
tinha sido sua única razão para estar com ela, e ela já não era útil para ele.
Depois de tudo, agora que Colin tinha confessado sua participação na morte
de Marissa, tudo tinha mudado.
Ou não? Lucien poderia, neste momento, seguir com a intenção de fazer
justiça com Colin. Uma parte dela o entenderia se o fazia. O que tinha feito
Colin tinha sido desprezível, e como sua irmã, estava ao mesmo tempo
envergonhada e furiosa com ele. Não só aproveitou-se de Marissa, mas tinha
permanecido em silêncio enquanto Harrison participava de um duelo pelas
consequências de suas ações.
Olhando para trás, estava claro que Colin se sentia culpado pelo
incidente. Suas bebedeiras tinham aumentado dramaticamente durante esse
tempo, e tinha sido uma desgraça a seguir. De verdade, a imprudência de seu
irmão e sua falta de honra tinham posto uma série de desastres em
movimento. E isso era difícil de perdoar, inclusive para as pessoas mais
próximas a ele.
Mas era ele o único culpado? Marissa tinha certa responsabilidade, sem
dúvida. Vitória tratou de imaginar-se a si mesma na mesma situação:
profundamente apaixonada por um homem que a tinha abandonado. Caída
em desgraça. Solteira. Grávida.
Sua mão se moveu à seu ventre.
Ela Vitória, optaria por tomar sua própria vida e a de seu filho não
nascido?
Não, decidiu imediatamente. Nem em um milhar de vidas ela se
entregaria voluntariamente a tal dor fazendo sofrer àqueles que a amavam, ou
privaria a seu filho da oportunidade de nascer. Tão desolada como estaria se
Lucien a tratasse dessa maneira, sempre escolheria a vida sobre a morte.
Marissa fez uma escolha diferente, e isso tinha sido devastador.
A mão que tinha em seu ventre se fechou em um punho. Imaginou um
bebê crescendo dentro de seu corpo. O filho de Lucien. Talvez com seu
cabelo escuro e traços fortes. Uma onda de amor e desejo a percorreu em um
quente formigamento. Endireitando-se, apertou os dentes e levantou o
queixo. Talvez seu matrimônio fosse uma farsa. Talvez à Lucien ela
importava-lhe nada. Mas em algum ponto entre a decisão de desafiar a ordem
de Lucien e decidir acompanhá-lo de retorno à Casa Wyatt, deu-se conta de
que provavelmente ele era o único marido que teria, o único que poderia lhe
dar filhos. Podia ser que não a amasse, mas ele se casou com ela, e não ia
escapar de suas responsabilidades com tanta facilidade. Ele não escaparia dela
com tanta facilidade.
Voltou-se surpreendida quando Billings gritou da porta: —Milady, Lorde
Tannenbrook chegou. Digo-lhe que entre?
—Por favor, Billings. Obrigada.
Ele assentiu e desapareceu. Vitória cobriu rapidamente o retrato e
recolheu seu caderno de desenho da mesa de trabalho. Passou uma mão por
sobre sua suave capa de couro, esboçando um meio sorriso. Se Lucien não
queria falar com ela, ela faria o que devia.
Momentos mais tarde, Lorde Tannenbrook enchia a porta de seu
estúdio… literalmente. Seus ombros roçavam a ombreira de qualquer lado. O
homem era tão grande como uma montanha. Vestido simplesmente com um
casaco de lã de cor marrom escuro, colete verde e calças de montar de cor
canela, ela imaginou que ele preferia usar as cores individualmente. James
Kilbrenner lhe recordava as Terras Altas da Escócia que tinha visitado quando
menina: incondicional, intimidante e inescrutável.
Ela sorriu em sinal de boas-vindas, agradecendo por vir.
Salvo pela forma ligeiramente incômoda que se parecia na porta, era tão
ilegível como sempre.
—Sua nota dizia que Lucien requeria minha ajuda. — Olhou fixamente
ao redor da habitação. — Ele vai chegar tarde, Lady Atherbourne?
Pergunta direta implicava que ela tinha feito algo indevido. Talvez o
houvesse feito. Convidar um homem que não era seu marido para reunir-se
com ela em privado. Mas maldito seja, devia ter respostas, respostas que
Lucien não estava disposto a proporcionar.
Houve um tempo quando simplesmente tinha aceito as regras da
sociedade, desempenhando o papel que lhe atribuíram por nascimento,
posição e expectativa. Mas depois do escândalo, tinha começado a dar-se
conta de quão arbitrário às vezes eram essas normas, em particular para as
mulheres.
Curiosamente, foi seu matrimônio com Lucien que lhe tinha dado
coragem para lutar por aquilo que queria, em vez de permitir aos outros
escolherem seu destino. E se os últimos dias de cortesia fria tinham sido de
alguma utilidade, é que a tinham obrigado a reconhecer o que mais desejava:
ao próprio Lucien.
A esse diabo exasperante, manipulador, galhardo, inteligente, romântico e
asquerosamente bonito.
Ela sacudiu a cabeça, irritada consigo mesma. Nem sequer podia sustentar
uma boa crítica contra o homem em sua própria cabeça.
Tannenbrook tomou seu gesto como uma resposta à pergunta a respeito
de se Lucien se uniria a eles, e se moveu como se se preparasse para ir-se.
—Não estou seguro de que entendo então. Talvez devêssemos esperar
para falar disto até que Lucien esteja disponível.
Ela se dirigiu para o amigo de Lucien, abraçando seu caderno de desenho
contra seu peito com uma mão e fazendo um gesto para um par de cadeiras
com a outra.
—Por favor, Lorde Tannenbrook. Não quer sentar-se e falar comigo?
Prometo que minhas intenções são exatamente as que se descrevem em minha
nota: ajudar ao Lucien.
Uns agudos olhos verdes se encontraram com os seus, estudaram-na
durante vários segundos. Logo lentamente, Tannenbrook entrou na sala, o
golpe dos saltos de suas botas contra o chão de madeira ecoando na habitação
bem vazia. Deteve-se perto da esquina junto à chaminé e ficou ao lado de
uma das cadeiras que ela tinha indicado.
Vitória sorriu agradecida e se sentou, esperando que o gigante loiro escuro
fizesse o mesmo. Enquanto ia sentando na cadeira, perguntou-lhe: —Milady,
me perdoe, mas não lhe preocupa o que seu marido poderia dizer se souber
que nos reunimos em privado?
Ela acariciou a capa de seu caderno de desenho, em seguida o abriu
alegremente e tirou um lápis do bolso de seu avental.
—Um nada, —respondeu ela. — Você está aqui para que eu possa
desenhá-lo. Enquanto o faço, limitaremo-nos a passar o tempo conversando.
— Dirigindo-lhe um sorriso de cumplicidade, alisou uma página em branco e
imediatamente começou com traços largos e amplos de seu lápis, seus olhos
movendo-se rapidamente entre ele e a imagem emergente.
Embora em um primeiro momento ele parecesse surpreso, em seguida
cético, ela vislumbrou o que parecia ser um leve meio sorriso. Bem, bem. O
conde de rosto pétreo parecia conformado, ao menos o suficiente para
permanecer em seu lugar. Isso era bom, porque tinha perguntas que deviam
ser abordadas.
—Quanto tempo faz que conhece meu marido? — Começou
casualmente.
A cadeira rangeu quando mudou de posição, a débil luz das janelas
fazendo coisas interessantes com o sulco de seu cenho.
—Desde que herdou o título. Quatorze anos mais ou menos. As terras
Tannenbrook limitam-se com Thornbridge ao norte.
—Você conhecia seu irmão Gregory também, suponho? E a Marissa...
Os traços do lápis sobre o papel sussurraram no longo silêncio antes que
sua voz profunda e retumbante, finalmente respondesse: —Sim.
—Como eram?
Ele inclinou a cabeça sutilmente, considerando a pergunta.
—Marissa era inocente. Um pouco selvagem talvez, mas como uma corça.
Delicada.
—E Gregory?
—Bom.
Suas sobrancelhas se arquearam interrogantes.
—Bom?
Tannenbrook grunhiu afirmativamente.
—Bom homem. Bom irmão. Bom amigo.
Ela assentiu, percebendo a emoção do conde no que se referia à morte de
Gregory. Para a maioria, seu rosto pareceria inexpressivo. Mas enquanto ela
desenhava suas feições, podia ver mudanças quase imperceptíveis: o desvio de
seus olhos, o tic dos músculos que puxavam para baixo as comissuras de sua
boca. A dor estava ali, só que bem oculta.
—E como descreveria Lucien? — Continuou.
—Isso é mais complicado.
Vitória lutou por um momento com o sombreado da têmpora do
Tannenbrook, centrando-se no esboço. Ele era um tema difícil de capturar
bem, já que seu rosto mudava radicalmente em função da luz, de sinistro a
acalmado, curtido e tosco a surpreendentemente elegante. Era desconcertante,
como se sua identidade mudasse momento a momento.
Voltando para a conversação, lhe perguntou com ar ausente: —Como é
isso?
A cadeira do homem rangeu de novo enquanto se movia.
—A morte o mudou muito.
Os olhos de Vitória voaram para encontrar os de Tannenbrook.
—Refere-se às mortes de Marissa e Gregory.
—Sim. Mas também antes disso. Waterloo. Lucien era um capitão dos
Dragões, a cavalaria pesada. Durante um ataque das forças de Napoleão,
dispararam em seu cavalo. Ele foi apanhado com o cavalo por cima, ficando
inconsciente durante horas. Grande parte de sua unidade foi dizimada. Mais
tarde, foi capaz de unir-se à batalha, e ele mesmo brigou como se sua vida não
significasse nada. Supostamente Wellington disse que Lucien ou possuía uma
coragem extraordinária ou desejava morrer.
O frio cobriu sua pele, causando um estremecimento doentio. Sabia que
tinha sido soldado, sabia que tinha estado em Waterloo, sabia que tinha
lutado com valentia. Mas ao dar-se conta de que quase tinha morrido, que
muitos de seus homens tinham caído em torno dele, e ele tinha sido incapaz
de fazer nada a respeito. Ela apertou os lábios e baixou o olhar para sua mão
onde estava agarrando o lápis em cima de seu esboço.
Sentia tristeza pelos homens que se perderam ou resultaram feridos.
Queria chorar pela culpa que devia ter impulsionado Lucien para arriscar-se
de maneira tão irresponsável. Mas, sobretudo, sentia-se agradecida. Que ele
tivesse sobrevivido. Que a ela tivesse concedido a oportunidade de amá-lo.
A voz de Tannenbrook se introduziu mais uma vez.
—Eu o conheci antes que ele fosse capitão ou visconde, simplesmente era
Lucien Wyatt. Era bom, igual ao seu irmão. Ria o tempo todo. Não podia
parar de fato.
Um dos lados de sua boca se curvou em um meio sorriso. — Gregory o
tentou um par de vezes. Dizia que Luc teria que tomar a vida à sério em
algum momento. — O sorriso se desvaneceu. — E logo Waterloo. Acredito
que se esse tivesse sido o único golpe, poderia havê-lo suportado. Mas
retornou a Inglaterra quebrado, só para descobrir que sua irmã e seu irmão
tinham morrido. Foi... — deteve-se, aparentemente incapaz de continuar.
—Era muito para suportar para qualquer um, — expressou em voz baixa.
Os olhos de Tannenbrook, do verde escuro de um bosque depois do pôr
do sol, converteram-se em cavernas que recordavam a dor do passado.
—Sim, — disse com voz rouca. — Luc se perdeu. A dor o consumiu por
completo.
Vitória segurou seu trêmulo lábio inferior e tragou com força, reprimindo
as lágrimas que ardiam para serem liberadas. Agora não era o momento de
desmoronar. Ela voltou a focar em completar o desenho.
—Como…? — Ela limpou a garganta. — Como se recuperou?
Encontrou a forma de… como dizê-lo? Ser ele mesmo, verdade?
Mais uma vez, a cadeira rangeu quando Tannenbrook mudou de posição.
Ela levantou a vista brevemente, mas ele não encontrou seus olhos.
Parecia muito incômodo.
—Milord?
Desta vez, foi Tannenbrook que limpou a garganta.
—Não o fez.
—O que quer dizer?
Depois de uma longa vacilação, suspirou, resignado ao que parecia.
—Luc estava em muito mal estado.
Ela abriu a boca para pedir mais detalhes, mas ele a deteve com um
severo: —Melhor deixarmos as coisas assim.
Sentindo que era provável que não ia ceder em relação ao amparo da
privacidade do Lucien, ela assentiu com a cabeça e fez um gesto para que
continuasse.
—Fiz o que pude para ajudá-lo. Passamos um bom tempo em
Thornbridge. De vez em quando, parecia que estava melhorando.
Montávamos juntos. Falávamos do imóvel. Mas então ele desaparecia de
novo. Comecei a me desesperar um pouco, temo. — Voltou a cabeça para ver
os traços de névoa flutuando além das janelas. — Sabia que fui o padrinho de
Gregory?
Ela sacudiu a cabeça, mas ele não a viu. Levou a mão ao papel,
sombreando enquanto a luz se movia sobre o rosto do homem.
—Luc é meu amigo. Neguei-me a perdê-lo também. Assim sugeri que ele
pensasse quem procuraria justiça para o Gregory e Marissa se ele morresse...
— Seu olhar voltou para ela. — Foi o quão único pareceu revivê-lo. Nunca o
tinha visto tão cheio de determinação.
Vitória entendeu.
—Deu-lhe uma razão para seguir adiante. Para viver. Por eles.
Suas grandes mãos se fecharam em punhos nos braços da cadeira.
—Durante a maior parte do ano, esta declaração de vingança foi a única
coisa que o manteve inteiro. Eu estava muito preocupado. É por isso que
permaneci em Londres.
Ela ficou olhando seu esboço perguntando-se se o conde de Tannenbrook
sabia como transparente ele era, quando alguém tinha a ideia de estudar seu
rosto com os olhos de um artista. Estava tudo ali: força, lealdade, compaixão.
Segredos.
—Meu imóvel em Derbyshire se encontra em meio de consideráveis
reparações. Depois que ele casou e vi como estavam juntos, pensei que talvez
poderia voltar ali. Fiz planos para ir esta tarde. Então recebi sua nota.
Os olhos de Vitória voaram para seu rosto mais uma vez.
—Por que nos ver juntos aliviou sua preocupação milord?
Ele piscou duas vezes, parecendo confundido.
—Não sabe?
Ela lançou um suspiro de exasperação.
—Por que supõe que lhe pedi que viesse aqui? Não tenho ideia de como
Lucien se sente.
Voltou-se para trás, parecendo desconcertado por seu arrebatamento.
—Talvez devesse falar com ele.
—Lorde Tannenbrook, se por sorte pudesse obter a informação de meu
marido, já o teria feito antes. Ele não quer falar comigo.
O conde parecia agora claramente incômodo, flexionando os dedos, uma
mão atando-se à sua gravata que envolvia seu grosso pescoço. Seus olhos se
dirigiram para a porta.
—Agora bem, — continuou ela com firmeza. — Abordemos o motivo de
minha nota. Lucien queria vingar-se de meu irmão, por isso criou um
escândalo e me convenceu a casar com ele. Depois tentou me afastar
totalmente da vida do Harrison, e deste modo ao mesmo tempo humilhava o
duque e o privava de sua irmã. Tenho razão?
Tannenbrook ficou imóvel, seus dedos agora agarrando os braços da
cadeira. Assentiu.
Ela sorriu tensa.
—Bem. Só tenho mais uma pergunta. Lucien me quer, ou isto sempre se
tratou de vingança e nada mais?
O momento tinha chegado. Sem dúvida, era melhor saber a verdade. As
palmas de suas mãos umedeceram, fazendo escorregar o agarre de seu lápis e
do caderno de desenho. Esta resposta poderia mudar tudo. Seu matrimônio,
sua vida, ela mesma. E ele estava tomando um tempo terrivelmente longo
para responder. O sangue bombeou em seus ouvidos, lhe esticou o ventre, lhe
gelou a pele. É melhor saber, repetiu-se. Se ele simplesmente me dissesse…
Finalmente, ele se inclinou para diante, abriu a boca para falar, fechou-a,
e logo respondeu: —Ele não disse que a ama.
Seu coração rasgou. O sangue abandonou sua pele, causando uma onda
de gelo.
Estava equivocada, pensou. O conhecimento é muito pior que não saber.
É uma verdadeira agonia.
—Entretanto…
Nessa só palavra, todo seu ser se deteve. Sem pensá-lo, ela se adiantou e
agarrou o punho do homem, seu lápis caindo no chão com um suave repico.
—Entretanto?
Ele olhou para onde seus dedos tentavam rodear seu punho. Nem sequer
podiam tomar a metade da circunferência.
—Entretanto, vou dizê-lo: nunca vi Lucien mais feliz desde que se casou
com você. Não em todos os anos que o conheço.
A revelação fez com que seu coração quebrado só momentos antes,
pulsasse com força e desse voltas e realmente saltasse.
—De verdade? — Perguntou sem fôlego.
Uma reação de pleno sorriso transformou o rosto de Tannenbrook.
—De verdade. — Pegou a mão que ainda agarrava seu pulso, retirou
suavemente seus dedos, e a pôs novamente no colo de Vitória.
Ela apenas se deu conta.
—O asseguro, o homem foi um maldito idiota durante semanas. Me
atreveria a dizer que se ele não a quiser, não só é tolo, mas também deve pisar
nas tábuas de Drury Lane.
O sol tinha aparecido repentinamente entre as nuvens. A música tinha
quebrado um longo e solitário silêncio. A chuva tinha chegado à terra
ressecada. Esperança. Havia esperança de novo.
Vitória sorriu ao conde, depois contendo-se para não saltar nos braços do
homem.
—Lorde Tannenbrook, isto foi... não posso expressar... — Esforçou-se
para reprimir as lágrimas. — Bem, talvez o mais simples seja melhor.
Obrigada, milord, você foi muito útil.
Ele inclinou a cabeça e disse: —Não há de que, Lady Atherbourne.
Ela se levantou para vê-lo e ele ficou de pé, seu enorme corpo imponente
na sua altura. Ele pousou os olhos em seu caderno de desenho.
—Terminou então?
Olhou a capa de couro e em seguida a ele.
—Com o desenho? Sim na realidade, sim.
—Posso vê-lo?
Apesar de ter que esticar o pescoço para fazê-lo, ela o olhou nos olhos.
Algo ali parecia-se com o olhar de um menino tímido. Ela sorriu.
—É óbvio. — Voltando rapidamente as páginas até dar com a de seu
retrato, lhe entregou o caderno aberto. Ele o pegou com cuidado em suas
grandes mãos, o rosto escurecido e inescrutável enquanto examinava seu
trabalho. Um ligeiro cenho franzido na testa.
—Algo… algo está errado? — Ela se aproximou mais, colocando-se a seu
lado para poder ver a página ela mesma. — Tive problemas com sua testa,
mas pensei que o fiz bem no final.
—Não, não está nada mau, — disse. — Está bom. O melhor que vi de
fato.
Um estremecimento lhe percorreu o corpo ante o elogio inesperado. Não
era frequente que escutasse essas coisas de ninguém, além de Harrison ou de
Lady Berne. Ficando na ponta dos pés, saltitou de felicidade, sorrindo
radiante ao amável e obviamente perspicaz Lorde Tannenbrook.
A porta da sala se fechou com força, ecoando na habitação.
—Bem, esta não é uma imagem enternecedora, — disse seu marido com
sarcasmo. — Meu melhor amigo e minha esposa.
Capítulo 31
"Não me dirija esse olhar ameaçador, querido moço. Não sou eu a que guarda
segredos. "
A Marquesa Viúva de Wallingham ao conde de Tannenbrook durante
uma discussão particularmente irritante.
"Os limões são ácidos. Requerem uma quantidade igual de doce para serem
agradáveis ao paladar. Talvez não tenha ouvido isso, querida."
A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Gattingford depois de beber
involuntariamente a limonada da dita dama.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são produtos da imaginação
do autor ou são usados ficticiamente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos ou localidades é total e simplesmente uma coincidência.