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Elisa Braden

A LOUCURA DO
VISCONDE
ATHERBOURNE
SINOPSE

A noite que mudou tudo...

A vida de Vitória Lacey deveria ser perfeita. E é… perfeitamente


aborrecida.
Aceitar casar-se com um lorde que ainda não lhe inspira nem um único e
solitário formigamento?
Bem, sim é óbvio. Sorrir, como se esta não fosse a enésima vez que ele
falasse da temporada de caça e de seus cães farejadores? Esse é todo o trabalho
do dia da muito correta irmã do Duque de Blackmore. Sem dúvida, ninguém
suspeitaria de seu secreto desejo por uma paixão que lhe acelere o coração e
lhe dê voltas à cabeça. Exceto, talvez, um estranho no escuro... em um
terraço... em um baile onde sem dúvida não deveria estar beijando um
homem que há pouco acabara de conhecer.

A obsessão que conduziu à ruína...

É o ódio, não o amor, que impulsiona Lucien Wyatt, visconde


Atherbourne, a tentar ao pecado a "Flor de Blackmore". Seu irmão tinha feito
um dano impensável à família de Lucien, e ele tem a intenção de vingar-se da
única maneira que resta: arruinar a irmã de seu inimigo, então afastá-la
definitivamente de Blackmore ao fazê-la sua.

A mulher que acenderá o fogo no coração de seu marido


Quando Lucien leva a cabo seu desumano plano, ensinando a sua nova
esposa os pontos mais deliciosos do prazer, sua entrega o deixa sem fôlego... e
logo surge uma nova obsessão: uma escandalosa fascinação por sua irresistível
esposa.
Dedicatória

Esse livro é dedicado à mamãe e papai: Porque quando disse que queria
escrever livros para ganhar a vida, nenhum riu.
Porque mamãe se ofereceu a ser minha primeira leitora, e papai se ofereceu
para posar para a capa.
Porque ainda se veem um ao outro como se um “felizes para sempre”, fosse a
conclusão óbvia.
Porque são meus melhores amigos.
Dou graças a Deus todos os dias por ser sua filha.
Prólogo

12 de junho, 1815

LONDRES

Enquanto o vapor do banho umedecia a pele de Marissa Wyatt, um só


pensamento estava em sua mente, as palavras como ácido gotejando a
torrentes.
Nunca me amou.
Deveria ter sabido quando não respondeu às suas cartas, quatro nas
últimas duas semanas, cada uma mais urgente que a anterior. A quinta e
última carta que havia escrito tinha sido dirigida não a ele, mas aos irmãos de
Marissa. Repousava sobre uma escrivaninha ao lado de um vaso com rosas
que tinha colhido do jardim no dia anterior. Ainda só eram botões, nada mais
que promessas de uma beleza posterior. O clima nos últimos tempos tinha
sido extremamente frio e hostil para florescimentos completos.
Olhou para a janela aberta, cuja cortina se agitava com a leve brisa.
Por que não pôde me amar?
Por outro lado, talvez as razões não importassem, só a verdade importava.
De fato, as pessoas poderiam ser perdoadas por pensarem que nada
importava. Nem o dia em que se conheceram, quando seus olhos azuis
procuraram os dela como se carregassem uma estranha magia. Nem o calor de
sua boca na primeira vez que lhe tinha permitido beijá-la. Nem a contração
de seu coração quando ele tinha sorrido como se visse o mesmo futuro que
ela.
Não, não significava nada.
O tinido da destilação do líquido soou forte na habitação silenciosa.
Plop. Plop. Plop.
Um empoeirado céu azul e tênues nuvens brancas eram tudo o que podia
ver de onde jazia na banheira. Logo, inclusive isso se desvaneceria e brilharia
em uma névoa iridescente. Um dia precioso, pensou distraidamente, uma
lágrima fazendo cócegas por sua bochecha, já deslizando-se para baixo,
abaixo, abaixo.
Um dia precioso. A fazia desejar voar como um pássaro pela janela para o
sol amarelo, lhe permitindo queimar esta profunda e insuportável dor.
Permitindo queimar sua carne até que não ficassem nem suas cinzas. Tudo o
que tinha que fazer era deixar-se ir. Com um suspiro, deixou que suas
pálpebras caíssem.
Sim. Deixar-se ir.
Depois de seu sussurrado pensamento, o movimento da água se voltou
mais tênue, o rugido do vento se elevou para levar-lhe e Marissa Wyatt
estendeu suas asas e voou.

18 de junho, 1815

Hampstead Heath
A pistola caiu da mão do Duque de Blackmore com um ruído surdo
sobre o chão coberto de erva, fumegando pelo tiro que ainda ressonava em
sua cabeça.
— Isto não deveria ter ocorrido. Como tinha acontecido?
— Disparou-o. Acredito... — gaguejou seu padrinho, Henry Thorpe,
Conde de Dunston, seus olhos escuros bem abertos na luz rosa do amanhecer.
Ambos se aproximaram do corpo estendido na erva a uma dúzia de metros de
distância.
— Harrison, acredito que pode estar morto.
— Minha intenção era feri-lo no braço—, disse Harrison com voz rouca
enquanto observava a forma de Gregory Wyatt, visconde Atherbourne,
dobrado de modo caprichoso... — moveu-se subitamente à esquerda. Não
tenho ideia do por que.
Lorde Tannenbrook, um homem loiro, corpulento, de traços toscos e
atitude sombria, a quem Atherbourne tinha apresentado como seu padrinho,
levantou a vista para Harrison de onde estava ajoelhado ao lado do corpo
estendido e sangrante do visconde.
— De fato, está morto—, disse firmemente. — Um disparo no coração.
As palavras chegaram a Harrison de uma grande distância. Deu um passo
atrás lentamente e ficou olhando o vil poço de sangue escuro, expandindo-se
por baixo do torso de Atherbourne. Era quase negro. Estranho, pensou
distante. Quando há muito sangue se vê negro em vez de vermelho.
Harrison nunca tinha matado a um homem em um duelo ou de qualquer
outra forma, antes deste dia. Este horrível, sangrento dia. Passou a mão pela
cara e sacudiu a cabeça para limpar-se. Tinha tirado uma vida. Ele, o oitavo
Duque de Blackmore, era... um assassino.
A bílis subiu por sua garganta em violenta rebelião contra sua vontade.
Voltou-se instintivamente afastando-se da visão do corpo do outro homem.
Cambaleando aproximou onde umas sarças cresciam entre árvores
imponentes. Tomando grandes baforadas de ar, encheu seus pulmões com o
aroma da erva triturada e terra úmida, uma pausa do sabor metálico do
sangue, do mau aroma da morte.
Uma mão agarrou seu ombro. A suave voz de Henry murmurou: — Não
terá que preocupar-se, velho amigo. Atherbourne te desafiou, e tudo se
realizou corretamente. Os processos para este tipo de coisas são tão estranhos
como encontrar virgens em Madame DeChatte. O que diz o bastante.
Harrison sempre tinha desfrutado do gracioso senso de humor de seu
amigo, mas não encontrava nada divertido nestas circunstâncias.
— Ele é… — Esticou a mandíbula enquanto olhava o chão... — Ele era
um visconde. Crê que sua morte será descartada tão facilmente?
— Sim, ele era um visconde. E você, um duque. Privilégios de hierarquia
e tudo o mais.
Um assobio deixou seus pulmões e se afastou com desgosto. Henry o
tomou pelo braço. Embora o homem fosse mais baixo e mais leve que
Harrison, sua pegada era extremamente forte, urgente.
— Eu não sabia que albergava tal ingenuidade, Blackmore. Esta
desagradável situação chegou a uma natural, embora inesperada conclusão.
Sugiro que aceite o acontecido e considere que a causa de honra foi satisfeita.
Raras vezes tinha ouvido o afável Conde de Dunston utilizar um tom tão
contundente. Seu amigo, obviamente, temia que Harrison seguisse sua
consciência para a autodestruição. Mas isso seria imprudente. E se havia algo
que Harrison não era, era imprudente.
De fato, o consideravam geralmente como sem emoção, um peixe frio, e
mais constrito. Seu irmão Colin lhe havia dito em numerosas ocasiões, que
sua mera presença em uma sala baixava a temperatura abaixo do
congelamento. Embora isso fosse um pouco exagerado, Harrison sabia que
seus padrões pessoais de controle e estrita adesão à correção poderiam ser
intimidantes para alguns. Correto poderia ser, e sim talvez outros o vissem
como frio. Mas isso era porque não sabiam nada do que era a verdadeira
frieza.
A contragosto, voltou-se para onde estava Atherbourne, imóvel e sem
vida. Tannenbrook estava parado sobre o homem, olhando sombrio como o
cirurgião se ajoelhava ao lado do corpo e assentia com a cabeça em
confirmação. Assentou-se então, a verdade do que havia feito. Dunston tinha
razão. A lei provavelmente nunca procurasse por ele, mas um homem não
podia matar sem consequências.
Sentiu um frio desdobrar-se e estender-se por suas vísceras.
Possivelmente passariam meses ou inclusive anos. Mas um dia pensou,
girando para o sol nascente, um dia, o diabo iria reclamar sua dívida.
Capítulo 1

“Ora! A temporada de Londres se converteu em pouco mais que uma


exposição de insossos. A gente pode escolher tolerar um desfile deste tipo, mas só um
bobo o desfruta. ”
A Marquesa Viúva de Wallingham em seu almoço semanal, só cinco dias
depois de chegar à cidade.

20 de abril, 1816

Mayfair
Se fosse possível desmaiar de aborrecimento, Vitória Lacey pensava que
agora estaria deitada sobre o chão de mármore cinza do salão de baile de Lady
Gattingford, sucumbindo a um ataque de nervos.
— Querida, teremos que organizar uma visita ao imóvel de Lorde
Gattingford depois das bodas. Um grande tipo. Tem um par de cachorros
que me assegura que são os melhores de toda a Inglaterra. Bom, só posso te
dizer que tenho que ver isso eu mesmo.
Vitória contemplou os traços arrumados de seu prometido: cabelo
castanho claro com uns poucos cachos encantadores, doces olhos azuis com
longas pestanas, e, inclusive revelava os dentes quando sorria, o que acontecia
com frequência. Ela só desejava sentir algo mais que um terno afeto. Um
único, solitário formigamento, demônios. Talvez inclusive dois ou três. Mas
não. Ele era cômodo. Igual a um vestido gasto pela lavagem, o tecido
descolorido, mas suave e familiar.
— Posto que vamos estar na região, Dunston nos convidou para
acompanhá-lo a Fairfield Park. Sua caça anual é em novembro, acredito.
Murmurou sua concordância e deu uma olhada para quais bailarinos
giravam no centro do salão. Um bando. A imagem a fez sorrir. As mulheres
com seus vestidos em cores pastéis e os cavalheiros com seus escuros ternos de
noite. Talvez devesse ter aceito o convite de Sir Barnabus Malby para dançar
esta vez . Era um cavalheiro corpulento com a desafortunada tendência a
emitir aromas ofensivos, quando se movia vigorosamente. Mesmo assim, teria
sido mais agradável que estar parada aqui discutindo caça e cachorros.
— Limonada, querida?
Mais uma vez, assentiu com ar ausente. Durante o último mês à medida
que seu compromisso avançava, tinha adotado uma estratégia de
conformidade: só movimento de cabeça, um murmúrio, ou alguma maneira
que indicasse aceitação, e realmente escutar era (felizmente) quase
desnecessário. Sentindo uma pontada de culpa por seus maus pensamentos,
tinha que admitir que achava o Marquês de Stickley (Timothy, devia recordar
chamá-lo Timothy) um mortal aborrecido. Suspirou. E ele era dela para toda
a vida. O bonito, considerado, suave, gentil, aborrecido Timothy.
Tinha sido o favorito de seu irmão de todos seus pretendentes. E quem
poderia estar em desacordo com a avaliação de Harrison? Como um homem
cujas maiores paixões na vida giravam em torno de cavalos, cães e caça.
Stickley era pouco provável que gastasse sua fortuna no jogo, bebida, e outras
atividades nefastas. Ele era confiável. Como um cão bem educado. E quase
igualmente estimulante.
Observando distraidamente como uma jovem perdia um passo da dança e
avermelhava como um morango, suspirou de novo. Primeiro o comparava
com um velho e gasto vestido e em seguida com um cão. De verdade, estava
obcecando-se com seus defeitos de uma maneira das mais inapropriadas. Que
impróprio da "Flor de Blackmore", pensou.
Ela endireitou as costas e observou Sir Barnabus dar uma leve reverência
ao seu par, pouco profunda porque sua circunferência não permitiria muito
mais. Sem lugar a dúvidas, Stickley era um bom partido, e suas razões para
aceitar converter-se em sua esposa seguiam sendo tão válidas hoje, como
foram há um mês. Um: Era jovem, em forma, e bonito. Dois: Era um
marquês por seu próprio direito e herdeiro de um relativamente novo, mas
sem dúvida respeitável ducado. Três... Oh, qual era a terceira razão?
De vez em quando perdia a pista depois do ponto número dois.
Olhou à sua direita, esperando encontrá-lo ali, ainda divagando sobre
visitar vários imóveis durante a temporada de caça. Seus olhos abriram mais,
quando não o encontrou.
Onde teria ido?
—Querida menina, me atreveria a dizer que ainda não mencionei o quão
bonita essa cor se vê em ti. Posso te perguntar por esse tom? — A cálida voz
familiar chegou à esquerda de Vitória. — Devo dizer a minha costureira que
adquira esse tecido nesse tom exato de azul. Combina com seus olhos.
A matrona que era acompanhante de Vitória esta noite era redonda em
quase todos os aspectos: sua cara, sua figura, inclusive seu nariz era um pouco
arredondado. Mais baixa que Vitória vários centímetros, embora Vitória fosse
só de estatura média, Meredith Huxley, a condessa de Berne, parecia-se com
um castanho pássaro gordinho. Mas seu sorriso generoso e seu humor alegre a
convertiam em uma das pessoas favoritas de Vitória.
Uma amiga de infância da mãe de Vitória, a condessa se converteu em
uma mãe substituta, depois que os Duques de Blackmore morreram três anos
antes. Logo que Vitória saiu do luto, Lady Berne aceitou o manto do
patrocínio, acompanhando-a a uma vertiginosa série de funções, oferecendo
uma direção impecável através do redemoinho de Londres. Emocionada por
seu êxito como patrocinadora, Lady Berne tinha voltado agora toda sua
atenção para a busca de maridos para as duas mais velhas de suas cinco filhas.
— Você é muito amável, milady—, respondeu Vitória com gosto,
juntando as mãos estendidas da mulher e as apertando com afeto.
— Acredito que o tom se chama água-marinha.
— A minha nova costureira, senhora Bowman, gosta muito, e eu estou de
acordo com ela.
— Senhora Bowman, diz? Talvez vá lhe fazer uma visita.
— Agora, onde está este bonito cavalheiro com o qual logo vais casar-te?
Antes que Vitória tivesse a oportunidade de sentir-se envergonhada pelo
fato de não saber bem onde estava seu prometido, Annabelle Huxley a filha
mais velha da condessa, aproximou-se. A alegre morena estava acompanhada
por duas garotas loiras e magras idênticas, ambas vestindo um tom rosa muito
pálido para realçar sua tez cítrica. As gêmeas Aldridge. Oh, céus. Stickley
poderia ser um companheiro menos que estimulante, mas de repente desejava
sua volta. Este par à caça de marido era determinado, implacável e
manipulador, e sua presa estava relacionada com ela pelo sangue.
As três garotas ofereceram saudações agradáveis a Vitória, e sem mais
preâmbulos, as gêmeas se lançaram a seu assalto. A senhorita Lucinda
Aldridge, a que sempre levava brincos pendentes, golpeou primeiro.
— Lady Vitória, notei que o duque não está presente esta noite.
— Temo que não pôde vir.
As sobrancelhas da garota se elevaram com fingida surpresa.
— Oh? Que pena.
Sua irmã, Margaret, agarrou a deixa e empreendeu com ímpeto.
— Espero que não esteja se sentindo mal.
A declaração se formulou mais como uma pergunta. Uma que esperava
que lhe respondesse.
Resignada no que se converteu em um interrogatório familiar, Vitória
respondeu: — Não. Sua Graça está em excelente estado de saúde. Com o
Parlamento em sessão, seu tempo é muito demandante.
Lucinda levou uma mão enluvada a seu peito e professou: — Faz só dois
dias, vimos Blackmore montando no parque, não é assim, Margaret?
Um gesto exagerado de acordo foi seguido por: — É um cavaleiro muito
imponente.
— Do mais imponente.
— É difícil imaginar que algo pudesse abatê-lo.
— É óbvio que quando casar, sua esposa poderá cuidar dele
adequadamente, para que nada de mau lhe ocorra.
— Todo homem deveria ter uma esposa para cuidar dele.
— Com certeza. Especialmente um tão bonito e distinto.
— Merece uma pessoa exemplar, me atreveria a dizer. Inclusive iria mais
longe, para sugerir que você poderia ser uma boa candidata, querida Lucinda.
Os brincos da garota brilharam à luz das velas enquanto girava os olhos
muito abertos para sua irmã.
— Eu? Eu ia dizer o mesmo de ti.
Sinceramente pensou Vitória, internamente fechando os olhos. Conheci
meninos de quatro anos de idade com mais sutileza. Faz um ano, quando fez
sua estreia, tinha levado semanas para dar-se conta por que dezenas de jovens
pulavam a seu redor. Apanhar ao Duque de Blackmore seria um golpe de
enormes proporções. Com o tempo, deu-se conta que os fios de todas suas
conversações levavam a seu irmão. Qual era sua cor favorita? Prefere o cabelo
escuro ou claro? A que horas do dia prefere montar?
À princípio, tinha sido doloroso dar-se conta que suas "amigas" estavam
mais interessadas em seu irmão, do que em sua companhia. Mas uma vez que
aceitou a verdade, se converteu simplesmente em outro feito de sua vida em
Londres, um tédio. Esta conversa era um exemplo perfeito: as gêmeas
Aldridge não queriam nada dela, a não ser uma recomendação à seu irmão
para casar-se com uma delas. Com qual aparentemente não importava.
— Que eu saiba, não procura uma esposa na atualidade—, respondeu
Vitória. — No entanto, estão corretas ao dizer que merece alguém de caráter
exemplar. Uma pessoa genuína. — O pequeno sarcasmo era o que podia se
permitir.
— Ooohhh, só estava dizendo outro dia quão genuína é, não é verdade
Margaret? Completamente sem malícia.
— De fato, querida. Faz-me sentir humilde com tal descrição.
Esgotada pelo desdobramento, Vitória permitiu que sua mente vagasse
longe das gêmeas e seu ridículo intercâmbio. Ao seu redor, a multidão se fez
mais ruidosa, um zumbido geral de interesse se moveu sobre eles como uma
onda. Dando uma olhada à esquerda, observou Lady Annabelle retornar
depois de uma breve ausência. A garota pôs uma mão no cotovelo de sua mãe
e lhe sussurrou algo ao ouvido.
As sobrancelhas de Lady Berne se elevaram a uma altura alarmante.
— De verdade? Ele está aqui? — Sua cabeça girou para a entrada, e o
olhar de Vitória seguiu automaticamente o seu. Parecia que quem quer que
fosse "ele", sua presença provocava ondas de atônitos olhares e murmúrios
escondidos atrás de mãos enluvadas. Dois dos bailarinos se detiveram para
captar a nova chegada, provocando um momento de caos na pista de baile.
Do arco de entrada que estava uns degraus mais alto que o salão de baile,
qualquer um que entrasse podia ver-se facilmente de qualquer ponto do lugar.
De todas as partes claro, exceto de onde Vitória estava parada. Um cavalheiro
de ombros encurvados, magro como um pau e quase igualmente alto,
bloqueava sua visão. Curiosa para saber quem poderia causar tal sensação,
preocupada de que talvez Harrison tivesse decidido assistir depois de tudo,
afastou-se um pouco para sua direita. E o viu.
O tempo paralisou. As vozes se desvaneceram na sombra. Sua respiração
se deteve. Ele era... formoso. Cabelo negro, verdadeiramente escuro sem
nenhum rastro de castanho. Sob as sobrancelhas, uns olhos penetrantes, não
podia dizer de que cor eram daquela distância. Um nariz reto refinado,
mandíbula definida e quadrada, e um queixo perfeitamente proporcionado
com apenas o traço de uma fenda. Oh, mas sua boca. Essa era sem dúvida, a
criação mais sensual jamais concebida. Um carnudo lábio inferior, o superior
mais fino e belamente desenhado, e tudo com um leve sorriso sardónico, que
de um lado se inclinava ligeiramente para cima. Os dedos de Vitória morriam
para desenhá-lo. Nunca havia sentido uma compulsão assim. Parecia um
anjo, só que mais escuro, mais melancólico.
Alguém lhe golpeou o braço. Era Stickley, voltando para o seu lado com
um copo de limonada.
— Quem é esse cavalheiro, Vitória? — Perguntou, e lhe entregou o copo.
Ela sacudiu a cabeça e murmurou que não sabia.
A condessa se voltou para ela com uma expressão de surpresa, mas ao dar-
se conta de Lorde Stickley, começou a conversar sobre o tempo inusualmente
frio de Londres. A multidão se moveu e outra vez lhe tampou a visão. Ela
queria parar nas pontas dos pés, esticar o pescoço, dar outra olhada. Em troca,
obrigou-se a permanecer onde estava ao lado de Stickley. Não seria bom
comer com os olhos a um estranho.
Um par de senhores mais velhos se uniu a seu círculo, e Lady Berne se
separou com Annabelle e as gêmeas Aldridge. Quase dez minutos se passaram
nos quais os homens debateram sobre os méritos das chuvas abundantes, os
problemas da queda da produção de cultivos no norte, e a necessidade de
mais lã em Londres este ano. Mas isso foi antes que Stickley começasse com o
tema dos cães de caça com Lorde Gattingford.
Incrível, não tinha imaginado que seu aborrecimento poderia piorar. Em
seu desespero, permitiu que seus pensamentos vagassem, e como uma abelha
tentada por uma floração vistosa, sua mente se desviou novamente ao
misterioso cavalheiro. Sua cara. Sua forma alta, de ombros largos. Quem era
ele? Ela nunca o tinha visto antes. Mas era extraordinariamente bonito. Se
não estivesse atada sentimentalmente, ela podia imaginá-lo desejando evitar o
rebanho voraz de jovens caça maridos e mães casamenteiras que desciam sobre
ele a cada oportunidade. Por isso Harrison resistia em acompanhá-la a eventos
como este. No dia que ela tinha aceito casar-se com Stickley, seu irmão tinha
deixado de fazê-lo por completo.
Seus olhos procuraram discretamente o lugar onde ele tinha estado, mas
ele tinha desaparecido. É obvio, repreendeu-se a si mesma, ele não ficaria ali
posando para ela, esperando que fosse em busca de seu caderno de desenho.
Obviamente, agora estaria circulando entre os convidados. Ela estava
surpreendida por sua própria fascinação. Adorava pintura e desenho, mas a
incontrolável necessidade de vê-lo, de explorar seus traços e formas em
detalhes, estava além de todo sentido comum.
Uma mulher de meia idade empurrou o braço de Vitória, derrubando o
copo em sua mão. Suspirou e tomou um sorvo de limonada, fazendo uma
careta ante o sabor ácido e aquoso. O salão de baile de Lady Gattingford era
uma obra prima de mármore claro, seus músicos eram bons, mas sua
limonada deixava muito a desejar. No meio do calor de tal multidão, uma
bebida passável não seria ruim. Por que esteve de acordo em vir esta noite?
A seu lado, Stickley riu, seus dentes brancos brilhando à luz das velas. Oh,
sim. Vou me converter na nova Marquesa de Stickley. Requeria-se assistir a
estes eventos, por certo.
Ante o pensamento, trocou sutilmente de um pé ao outro,
inexplicavelmente inquieta. Tinha tido uma ampla prática em manter uma
máscara serena para este tipo de festas, por isso confiava que ninguém se desse
conta de sua crescente urgência por escapar. Mas a sentia. Oh, sim. Debaixo
de sua pele, avermelhava e picava. O interior de seu estômago, esticando-se
com a necessidade de afastar-se.
Ar. Seus olhos percorreram o lugar com ansiedade, aterrissando nas portas
de cristal na parte traseira do salão de baile. Ela desesperadamente necessitava
de ar.
Agora entabulado em uma conversação com um barão de idade avançada
que se gabava da quantidade assombrosa de faisões esperando serem
depenados em seu pavilhão de caça, Stickley pouco pareceu dar-se conta
quando Vitória se desculpou discretamente.
— É óbvio, querida—, disse ele, lhe dando pequenos golpes na mão com
ar ausente e girando imediatamente de novo para o barão e suas aves de caça
"obscenamente gordinhas".
Deslizando-se entre a multidão tão rápido como o decoro lhe permitia,
logo chegou às portas e deslizou para fora na escuridão.
Estava surpreendentemente gelado depois do calor do salão de baile, e ela
havia esquecido seu xale. Mas aqui pelo menos, podia sentir algo que não
fosse um tédio sufocante, inclusive tremores causados pelo frio insuportável.
Suspirou e abraçou seu peito, andando sem pressa para a balaustrada, vendo o
bafo de seu fôlego frente a ela sob a tênue luz que se filtrava através do cristal.
Perguntou-se, elevando os olhos para a meia lua brilhando suavemente
em um céu escuro, se talvez isto fosse toda a emoção que experimentaria em
sua vida a partir de agora. Estar comprometida. Desfrutar de uma temporada
em Londres. Esperar umas bodas, o matrimônio e depois os filhos e depois as
temporadas para aqueles filhos e depois os netos e depois a velhice. Seu
estômago se contraiu ante o futuro que se estendia frente a ela.
Não a parte da família. Isso era algo que tinha desejado desde que uma
feroz tormenta tinha tragado o navio de seus pais, deixando Harrison, Colin e
Vitória para cuidar-se entre eles. Mas, de verdade, o coração lhe doía ao
pensar em intermináveis dias e noites com um marido que nunca significaria
para ela mais que um lar confortável, um título e o conhecimento de que
tinha feito o que se esperava dela.
Nada de fantasiar com um fantasma escuro que aparecia de repente no
meio de um baile. Nada de perguntar o que poderia ser e só por uma vez, ser
beijada por um homem assim. Alguém que a deixasse sem fôlego. Alguém que
a fizesse desejar... mais.
Sacudiu a cabeça enfaticamente. Algo assim não era para ela. Ela era a flor
de Blackmore, depois de tudo. Seu futuro foi escrito muito antes de ter
chegado a Londres. Antes de nascer, na verdade. O que ela poderia ter
sonhado para sua vida era bastante… Oh, qual era a palavra? Irrelevante. Sim,
era essa.
Um sopro de ar passou veloz através do nó de sua garganta em uma risada
sem humor, ante o absurdo de seu desespero. Estava sendo uma parva, isso
era tudo.
Assim Lorde Stickley… Timothy maldição, não era o herói escuro e
galhardo da arte e da poesia. Assim nunca tinha declarado seu amor por ela
em um arrebatamento de paixão, nem sequer tinha falado dela com o mesmo
fervoroso afeto como o fazia ao falar de seu cavalo. O fato de que a aborrecia
até o ponto da inconsciência em realidade era um bom presságio, assegurou-
se. Era sensato, um bom homem e uma opção sólida para o matrimônio. Isso
era tudo o que importava, sem dúvida.
— Morrerá de frio aqui, sabe. — Disse uma voz profunda e ressonante
junto a seu ouvido. Ela soltou um grito pouco feminino e saltou a um lado,
girando para fazer frente à forma escura que apareceu a seu lado. Um homem.
Alto. Grande. Seu rosto estava nas sombras, mas lhe resultava familiar. A
arrogante inclinação de sua cabeça, o corte quadrado da mandíbula. Deu um
passo para ela, para o feixe de luz do salão de baile.
— Você! — Gritou. Era ele. Seu anjo escuro. O que? Espera. Não dela. O
anjo escuro. Ela nem sequer sabia seu nome, assim como poderia ser seu algo?
Oh, mas seu coração reconhecia-o. A coisa tola bombeava de forma frenética
contra seu esterno.
Ele fez uma profunda e exagerada reverência.
— Sim, sou eu. Ao seu serviço, milady.
Capítulo 2

"A virtude é sua própria recompensa. Por outro lado, o mesmo poderia se
dizer do pecado."
A Marquesa Viúva de Wallingham à condessa de Berne sobre a negativa
de dita dama a um quarto torrão de açúcar.

Ele estava se burlando dela. Ela sabia e, entretanto, não podia dizer nada
porque estava ridiculamente hipnotizada. Esse leve sorriso havia se convertido
em um sorriso completo. O Parlamento deveria declarar seu sorriso ilegal,
pensou. É letal para todas as mulheres.
—Eu… eu o vi antes, quando entrou no salão de baile —, disse
finalmente querendo dar-se umas palmadas pela expressão estúpida.
—Sim, cheguei um pouco tarde. Causou um grande rebuliço, entendo.
Mas a única coisa que a sociedade desfruta mais que suas regras, é a febre
criada por aqueles que as rompem.
Sua voz de barítono era suficiente para debilitar os joelhos de uma ansiosa
solteirona.
Acrescentando a sutil elevação de uma sobrancelha escura e um meio
sorriso adornando seus lábios pecadores, não era estranho que um visível
calafrio percorresse a superfície de sua pele.
Sem dizer uma palavra, ele se aproximou e a segurou nos ombros,
roçando as palmas de suas mãos enluvadas ao longo da pele da parte superior
de seus braços, entre a borda das mangas curtas de seu vestido até onde
começavam suas luvas. Era uma ruptura tão impactante da etiqueta que a
tocasse sem sequer haver-se apresentado, e menos ainda, obtido sua
permissão.
Ficou imóvel durante vários segundos, incapaz de falar. Isso tinha sido
por que não deu um passo atrás e não o repreendeu imediatamente por sua
insolência. Não poderia ter sido pela emoção efervescente em seu ventre ao tê-
lo tão perto, sentindo o calor de suas mãos sobre sua pele, seus polegares
acariciando-a suavemente e fazendo com que pequenos estremecimentos se
disparassem dos braços às suas costas e, o mais preocupante, a seus seios. Não,
certamente não.
—Deve conseguir um xale se tiver a intenção de passar muito tempo aqui,
milady. Chamar a isto primavera seria generoso, de fato.
Ela piscou, sentindo-se débil e torpe… cativada. Inclusive de pé tão perto,
não podia distinguir a cor de seus olhos, só que eram escuros e brilhavam sob
a lua. Era tão alto que a parte superior de sua cabeça lhe chegava apenas à
clavícula.
Com Lorde Stickley, sua testa chegava até seu nariz. Por um momento,
tinha pensado que ele tinha a altura ideal, não tendo que esticar o pescoço
para olhá-lo. Como benefício adicional, moviam-se muito bem juntos na
pista de baile, suas passadas combinando com as suas mais curtas. Entretanto,
agora estava menos segura a respeito de como se ajustavam perfeitamente ela e
seu prometido a um nível físico. Algo sobre a altura deste homem e seu físico
de maior tamanho, e mais musculoso a fazia sentir-se estranhamente segura.
Comparar Stickley com um estranho não era sensato, repreendeu-se. Ela
estava comprometida e agora devia tirar o melhor proveito das coisas, em
lugar de procurar falha em seu prometido a cada passo. Entretanto, não pôde
evitar dar-se conta de que ele estava à sombra deste homem de muitas formas.
O errante pensamento pareceu romper o feitiço que o desconhecido tinha
jogado sobre ela. Afastou-se bruscamente, respirando vergonhosamente
rápido, o coração acelerado.
—Senhor, você se extrapola. Nem sequer sei seu nome.
—Chame-me Lucien.
Ela retrocedeu um passo mais, seu quadril se chocando com a balaustrada.
Endireitando as costas e levantando o queixo, replicou: —Sua familiaridade é
um insulto. Não nos apresentaram corretamente. Não poderia chamá-lo por
seu primeiro nome.
—Deve me chamar de algum modo se quisermos continuar nossa
conversa.
—Talvez devesse chamá-lo presunçoso. Parece adequado.
Seu lento e malicioso sorriso parecia falar um idioma estrangeiro, um que
não entendia, mas que provocou que a enchesse uma onda de calor.
—Não comecei a presumir, querida.
Por um momento, ficou desconcertada, a mandíbula aberta movendo-se
de uma maneira não muito diferente de um peixe fora d’água. Nunca lhe
tinham falado assim. Como filha e irmã de um duque, ninguém se atrevia a
mostrar tão pouco respeito por sua classe e a simples cortesia que lhe
correspondia. Ninguém, exceto este descarado, ao que parecia.
Por fim, encontrou sua voz, embora fosse gaguejando, e resultasse
ineficaz.
—Eu… eu não sou sua querida!
—Minha deusa, então?
—Menos ainda, seu tom implica um conhecimento muito mais
significativo…
Lucien inclinou a cabeça e falou como se ela não tivesse falado.
—Tenho-o. Meu anjo. .… pelo que eu alguma vez permitiria.
Terá que saber que estou comprometida para me casar…
—Embora ainda não conseguisse lhe fazer justiça. Você é muito bela.
—E seu comportamento é totalmente inadequado... — Sua respiração
entrecortada deteve-se por completo quando digeriu o que ele havia dito. Seu
tom tinha sido tão natural que tomou um momento para assimilá-lo. —
Você... você pensa que sou bela?
—Hmm. Sim, bastante. Ninguém nunca lhe disse?
Ela sacudiu a cabeça e logo se corrigiu imediatamente.
—Bem, vários de meus pretendentes disseram que achavam meu cabelo
atrativo. E um cavalheiro disse que meus olhos eram como poços. Do que,
não estou segura. Mas suponho que era um idiota.
Ele curvou a boca divertido.
—E seu prometido? O que disse?
Ele estava mais perto que antes? Perguntou-se Vitória com ar ausente.
Sim, assim era. Seu enorme corpo quase a rodeava agora, a só centímetros de
distância. Ele despedia tanto calor que já não sentia a picada do ar frio e
úmido. Sua voz saiu afogada e em um tom alto.
—Lorde Stickley? Oh, bom, não é muito dado à poesia ou à adulação.
—Não lhe disse que sua pele brilha com a pureza da nata fresca? — Ele
passou com delicadeza um dedo ao longo de sua bochecha, seu olhar escuro
sustentando o encantado dela... — Ou que seu cabelo rivaliza com os últimos
gloriosos raios do sol justo antes do anoitecer? — Seus dedos procuraram
entre os cachos soltos atrás de sua orelha... — Não mencionou sequer seus
lábios, carnudos e deliciosos que são, como um pêssego amadurecido? Vamos.
Ele deve ter feito isso ao menos uma dúzia de vezes.
Ela fez um som inarticulado que foi vagamente embaraçoso, mas estava
totalmente impotente para evitá-lo. Se pudesse introduzir ar em seus
pulmões, teria gemido. Oh, era simplesmente divino. Divino e diabólico.
Os lábios de Lucien revoavam tão perto dos seus, sentia seu fôlego com
cada palavra.
—Certamente a beijou, não é assim?
—Sim—, sussurrou olhando sua boca.
Ele inclinou a cabeça.
—E se sentiu assim?
Isto era o céu. Ele ajustou com mestria sua boca à dela, seus lábios
quentes e firmes, deslizando-se sensualmente, sem um momento de vacilação.
Não era o beijo suave e gentil de um homem preocupado em ofendê-la.
Tampouco era o seco beijo obrigatório de seu prometido. Quando uns braços
fortes rodearam sua cintura e pressionaram seus peitos contra sua forma dura,
maravilhou-se ante sua confiança. Então todos os pensamentos de avaliar o
beijo foram voando como um dente de leão ao vento, quando sua língua
quente e escorregadia deslizou ao passar pela borda de seus lábios.
Lucien afastou-se por um instante.
—Abra para mim anjo—, sussurrou, tocando seu lábio inferior com o
dedo. Quando ela obedeceu, precipitou-se de novo, desta vez colocando a
língua dentro de sua boca e acariciando a dela. Sentia-se arder, sentia-se
agitada, a audácia do beijo lhe impactando, pouco familiar em sua
intimidade.
Ela gemeu contra sua boca e o agarrou pelas lapelas. Ele a atraiu com mais
força contra seu corpo, suas mãos agarrando seus quadris e deslizando-se ao
longo de seu traseiro enquanto um rio transbordando de calor a percorria.
Seus peitos se sentiam pesados onde estavam pressionados contra seu torso,
doía-lhe abaixo em seu ventre, e os músculos no lugar íntimo entre suas coxas
se contraíram, como se tivessem grande necessidade de... algo.
Ao longe, deu-se conta de um objeto duro e bastante grande pressionado
contra seu abdômen. Mas um momento depois, distraiu-se quando uma de
suas mãos se moveu subindo por sua caixa torácica e cavando em seu peito
direito. Os formigamentos mais prazenteiros, sim formigamentos,
erupcionaram de seu centro quando ele roçou ligeiramente seu peito com a
palma da mão, e logo voltou a acariciá-lo insistentemente com o polegar.
Realmente estava inundada de formigamentos de todo tipo, em cada
lugar que podia imaginar e alguns nos quais tratava de não pensar. Ela se
sentiu ofegar, as sensações afligindo qualquer leve noção da inapropriedade
que poderia ter passado por sua cabeça. De fato, a cabeça não funcionava e
dava voltas, cada sentido cantando ao tom que só ele podia tocar.
Bruscamente, tanto a mão como a boca se retiraram de sua pessoa. Mas
não era uma pausa.
—Devo sentir sua pele. Agora —, disse com a mandíbula apertada.
Com os dentes tirou pela ponta uma de suas luvas, liberando uma mão,
jogando a luva ao chão e imediatamente passando a gema de seus dedos ao
longo de sua clavícula. Então, enquanto ela estava ali pendurada indefesa em
seu abraço, sem saber o que esperar, ele girou a mão de maneira que as pontas
de seus dedos riscassem seu caminho ao longo do topo de seus seios.
Apanharam o decote de seu sutiã, deslizaram-se por baixo das capas de seda, e
o puxou lentamente para baixo. Seu seio direito apareceu livre, o mamilo
duro e avermelhado.
Ela deu uma olhada em seu rosto, vendo os músculos rígidos de sua
mandíbula e nenhum indício de seu sorriso sardônico anterior. Estava
zangado? Ela não podia dizer por que de repente estava tão tenso. Logo ele
deixou cair a cabeça para diante, sua mão tocou seu peito debaixo e sua boca
cobriu seu mamilo, sugando como se fosse um bebê.
Em nome do céu, o que estava fazendo? Isto era... isto era uma doce
loucura. Ela mesma se ouviu emitir um grasnido, mas não podia encontrar
ânimo para que se importasse, com sua boca ardente trabalhando tão
prazerosamente sobre seu mamilo. Lambeu e acariciou, inclusive deslizou seus
dentes suavemente ao longo da ponta, fazendo com que suas pernas se
debilitassem de forma alarmante. Temia que pudesse paralisar se não fosse
pelo braço de ferro envolto firmemente ao redor de sua cintura.
Trocou-a de posição para que a parte alta de sua coxa encaixasse entre a
dela enquanto trabalhava e lambia seu mamilo. À princípio, isto pareceu
acalmar a dor infernal que sentia muito em seu interior. Então, como um
demônio malvado, causou um vazio e tensão ainda mais profundos. De vez
em quando, sua coxa roçava um lugar oculto e um estalo agudo de prazer
entrava em erupção, o que a fazia gritar e esfregar-se contra ele. Isto se repetiu
uma e outra vez quase ritmicamente, e cada vez, a espiral dentro dela se
esticava com mais força.
A boca de Lucien se afastou por um momento, enquanto puxava seu
outro peito para liberá-lo e prendeu seu mamilo esquerdo, lhe dando o
mesmo tratamento que ao direito.
Ela gemeu e jogou a cabeça para trás, agarrando-se desesperadamente a
seu cabelo quando a dor tortuosa entre suas pernas se elevou a uma altura
insuportável. Ele pressionou a coxa com mais força contra esse centro sensível.
Sem prévio aviso, a tensão deu passo a uma espiral explosiva.
—Oh, céus, Lucien! — gritou enquanto seu corpo se contraía em um
crescente prazer ressonante.
Um grito das portas do salão de baile a trouxe bruscamente dos céus à
terra.
—Santo céu, Lady Vitória! Perdeu o juízo?
Uma quente letargia debilitava seus músculos, enchia sua cabeça como
uma nuvem de vapor. Vagamente, sabia que algo estranho tinha acontecido,
mas estava aturdida, tremendo depois do ocorrido. Lucien se afastou um
pouco, mas ainda agarrando-a pela cintura. Seus peitos nus esfriaram
repentinamente, expostos de uma maneira que não tinham estado quando ele
os havia colhido com a boca e as mãos. Lentamente, piscando, olhou seu
rosto e se deu conta de que ele respirava pesadamente, estava ruborizado e
tinha um cenho feroz. Ele sacudiu a cabeça como um cão desprendendo-se da
água depois de um banho.
Ao longe, um fio de prudência se ancorou na borda de sua mente, e se
deu conta do que devia ter acontecido: tinham sido interrompidos. Ficou
imóvel, vendo a mesma compressão na cara de Lucien. Ao mesmo tempo se
voltaram na direção da estridente exclamação.
E ali estava Lady Gattingford, a venerável anfitriã de um dos melhores
bailes da temporada e uma célebre fofoqueira, olhando-a da porta aberta. A
expressão no rosto da dama era atônita, horrorizada, escandalizada.
Nesse momento, enquanto Lucien girava de modo que suas costas
bloqueassem a vista de Lady Gattingford e com calma puxava o sutiã de
Vitória para restaurar sua modéstia, todo o horror do que tinha ocorrido, que
tinha permitido que ocorresse, golpeou-a com força lhe paralisando. Tinha
deixado que um homem desconhecido a tocasse e a agradasse de várias
maneiras, que nem sequer tinha considerado permitir a seu prometido.
Isto tinha sido presenciado nada menos que por sua anfitriã, que sem
dúvida, desfrutaria ao notificar o acontecido a cada membro da alta
sociedade, com a esperança de consagrar seu baile como o evento do ano. O
escândalo se estenderia com a rapidez do fogo pela erva seca. Dentro de uma
semana, todo mundo saberia. Todo mundo. Inclusive Lorde Stickley, que
certamente cancelaria o compromisso. E seu irmão, é óbvio.
Oh, meu deus. O duque se enfureceria. Ela tinha envergonhado a toda a
família.
Harrison dava grande importância à honra e a reputação. Seu outro
irmão, Colin, seria muito mais pormenorizado. Claro que ele mesmo não era
alheio a um comportamento menos que digno.
Não havia dúvida disto: Sua vida tinha mudado irremediavelmente esta
noite. E não para melhor.
—Lady Gattingford — disse Lucien quando se voltou, seu tom
indiferente, inclusive zombador... —Uma agradável noite para dar um passeio
pelo terraço, não lhe parece?
Os olhos da alta mulher se estreitaram, sua boca uma linha fina.
—Não creia que o libere da culpa, milord. Você é um descarado!
Embora Vitória o tivesse definido com o mesmo termo antes, encontrou-
se arrepiando-se pelo insulto para Lucien. Juntos tinham experimentado um
momento de paixão incontrolável. Suspeitava que ele havia se sentido tão
miserável como ela, cegos a seu entorno, e jogados no meio de uma forte
tormenta. Não havia necessidade de pintá-lo como um vilão.
—Minha querida senhora—, começou ela, — compreendo sua
consternação pelo que tenha visto. Mas, por favor, compreenda que nós dois
fomos apanhados pelo momento. Se tratou simplesmente de um engano de
julgamento. Se… se pudesse ver…
—Engano de julgamento? Embora isso possa ser uma descrição aceitável
de seu comportamento milady, de maneira nenhuma desculpa a libertinagem
vergonhosa de que fui testemunha.
Outros convidados começaram a dar-se conta da intrigante e acalorada
conversa ocorrendo no terraço, e abriram as quatro portas restantes. Em
pouco tempo, um número alarmante de pessoas, umas vinte e cinco,
rodearam Lady Gattingford, inclusive Lady Berne, suas duas filhas, as gêmeas
Aldridge, e Lorde Stickley. Oh, céus ajude-me pensou, um terror gelado
apertando suas vísceras. Stickley não merece o que está a ponto de acontecer.
Antes que pudesse dizer outra palavra, Lady Gattingford presenteou o
grupo de pessoas com um resumo de suas observações. Fragmentos do
monólogo da matrona repetiam-se na cabeça de Vitória: beijos, impactante,
inapropriado. Como apanhada em um pesadelo, Vitória ficou imóvel, só
sendo capaz de ver e suportar. A mulher parecia saborear cada palavra, suas
descrições tornando-se cada vez mais detalhadas com cada ofego de sua
audiência. Manuseio, busto exposto. Um rubor de pura vergonha acalorava
por baixo da pele de Vitória, ardendo e palpitando em sua cara e em seu
peito. A humilhação era quase impossível de suportar.
Logo ficou pior.
Lady Berne empalideceu a um branco doentio, enquanto seus olhos se
moviam entre Vitória, Lucien, e voltava para Stickley. Bandeiras de cor
vermelha sinalizavam a ira e a vergonha do marquês enquanto fulminava
Vitória com o olhar. Quando Lady Gattingford chegou triunfante a seu
ponto culminante, e os murmúrios de assombro da multidão explodiram,
simplesmente lhe deu as costas e se afastou, caminhando através das portas e
saindo do salão de baile, jogando a vários cavalheiros para o lado à sua
passagem. O estrondo do bate-papo da multidão a impediu de chamá-lo, lhe
rogar que se detivesse e a escutasse para que pudesse defender-se.
Não que tivesse alguma defesa. Ela era de fato, bastante culpada.
Lady Berne, bendita ela, vagarosamente se aproximou de Vitória,
arriscando-se muito ao associar-se a uma jovem arruinada. Tomou os dedos
gelados de Vitória em suas mãos.
—Está bem, Vitória? — perguntou com suavidade.
Vitória assentiu, e logo baixou a vista às lajes, já não mais capaz de
sustentar o olhar pormenorizada de sua amiga. Tragou saliva, incomodada
pela opressão em sua garganta. Se negava a chorar. Simplesmente não o faria.
—Ele não te fez mal, então? Não te forçou? — As suaves palavras foram
impressionantes, Vitória não tinha imaginado que alguém pudesse chegar a
essa conclusão.
—Não. Por que você sugere...?
—Porque querida, ele mais que nenhum outro tem razões para te
prejudicar, a ti ou a tua família.
Ela sacudiu a cabeça.
—Isso tem pouco sentido.
—Ainda não sabe quem é, menina?
Vitória olhou os amáveis olhos castanhos de Lady Berne, e soube que não
gostaria disto.
—Não. Quem é? — sussurrou com voz rouca.
A condessa respirou fundo e apertou as mãos de Vitória, para prepará-la
para uma grande comoção.
—Ele é o novo visconde Atherbourne. Herdou o título depois que seu
irmão, o duque, matou ao seu irmão em um duelo na temporada passada.
Vitória cambaleou, os sons da multidão desvanecendo-se, sua cabeça
girando com as possíveis implicações. Ela tinha sabido sobre o duelo, mas
Harrison não havia explicado por que tinha ocorrido, só lhe informando que
se tratou de uma questão de honra que tinha sido resolvida, e tinha terminado
com a morte do visconde Atherbourne. Negou-se a discutir mais sobre o
assunto. O incidente tinha gerado um terremoto entre a aristocracia, mas
devido que havia acontecido no final da temporada passada, justo antes que a
maioria das famílias saíssem de Londres com destino ao campo, o escândalo
se apagou antes de realmente começar. Poucos de seus conhecidos tinham
falado do tema depois disso, um testemunho do considerável poder de seu
irmão, e ela assumiu que o assunto havia sido esquecido.
Mas aqui havia um homem que tinha todas as razões para recordar, todas
as razões para procurar vingança. Poderia ter planejado isto? Seu abraço
apaixonado, ela tragou com força afogando uma onda de náuseas, não era
mais que uma farsa cruel desenhada para arruiná-la? Não, certamente que
não. Ele devia ter sentido a mesma poderosa maré varrendo toda a razão; ela
não poderia ter sido a única. Não poderia ter sido tão tola.
Imediatamente procurou consolo no olhar de Lucien, elevando o olhar
para onde ele se encontrava a uns poucos metros de distância, escutando sua
conversa.
—Você…?
O sorriso zombador e o brilho de triunfo em seus olhos confirmaram suas
piores suspeitas.
—Sim, querida. Sou Lucien Wyatt, visconde Atherbourne. — Ele fez
uma graciosa reverência, sua luva descartada agora de novo em seu lugar,
como se nada de significativo tivesse ocorrido. — E devo dizer que conhecê-la
foi o maior dos prazeres.
Capítulo 3

“Um só tiro direto no coração, diz? Bom, suponho q ue não é de todo


inesperado. Blackmore é conhecido por ser um perfeccionista.”
A Marquesa Viúva de Wallingham depois da notícia da prematura morte
do visconde Atherbourne.

Nada nem ninguém, intimidava tanto com o silêncio quanto o Duque de


Blackmore. Se Vitória não tinha estado segura disso há vinte minutos, a esta
altura estava mais que convencida, depois de estar sentada com as mãos
cuidadosamente cruzadas sobre o colo, olhando a formosa cabeça loira de seu
silencioso irmão enquanto ele escrevia alguma missiva. Durante quase meia
hora.
Ele era formidável no melhor dos dias. Obcecado com a propriedade, o
dever e a honra familiar. Estrito em seu apego (e na aplicação) dos ditados da
sociedade. Ela esperava que ele a exortasse com sua arma aristocrática mais
afiada: frases serenas e cortantes, que faziam desejar uma tempestade de neve
de inverno simplesmente para experimentar o calor. Entretanto, no momento
em que tinha entrado no escritório e lhe tinha ordenado sem rodeios que se
sentasse, virtualmente não havia notado sua presença.
Por outro lado, o que teria para dizer? Ela sabia que o escândalo tinha
crescido até alcançar proporções épicas. Estender-se nesse fato muito óbvio
com um drible mordaz era desnecessário. Irmã ou não de um duque, nenhum
cavalheiro que se aprecie a escolheria voluntariamente para casar-se, não a ela:
uma jovem libertina, imprudente e arruinada. Depois de tudo, seu antigo
prometido tinha sido minuciosa e publicamente humilhado. Seu único
recurso tinha sido jogá-la de lado e condenar sua traição aos quatro ventos.
Ela agora era, para dizê-lo delicadamente, uma mulher de má reputação.
Embora sentisse vergonha por este conhecimento, tinha que admitir que
sentia uma pequena emoção ao ter derrubado as ideias de tantos membros da
alta sociedade. Vitória tinha sido considerada desde sua estreia como um
modelo de graça serena, comportamento perfeito, e impecável linhagem: a
senhorita de sociedade ideal. Ela não era a mais bela das mulheres, nem a
mais encantadora, nem a mais interessante, mas devido em grande parte pelos
esforços de Lady Berne, Vitória tinha chegado a ser conhecida como "A Flor
de Blackmore", aplaudida pelas patronas do Almack como o exemplo a que
outras debutantes deviam aspirar. A estratégia resultou em três propostas ao
final da temporada passada e duas no começo desta, sua segunda temporada.
A oferta de Lorde Stickley tinha chegado só quinze dias após sua chegada a
Londres.
Ela suspirou e se remexeu em sua cadeira, baixando o olhar para suas
mãos, ouvindo o sussurro dos traços da pluma de Harrison através da página.
Depois da morte de seus pais, Harrison tinha se dedicado com ímpeto a
consagrar o legado de sua família, e ela se tornou uma participante disposta
nesse esforço. Ser cortejada e logo casar-se com o melhor partido da
temporada tinha sido o pináculo dos sonhos que tanto ele como seus pais
tinham para ela. Esses sonhos haviam se frustrado por completo no momento
em que decidiu permanecer no terraço com Lucien, em vez de voltar para o
interior do salão de baile ao primeiro sinal de incorreção.
Até sabendo disto, uma parte dela que dificilmente reconhecia, estava
aliviada de não ter que casar-se com Lorde Stickley. Realmente nunca tinham
tido nada em comum. Se encolheu por dentro. Dito isto, havia formas mais
preferíveis para cancelar um compromisso que ser o centro do maior
escândalo desde... bom, desde que seu irmão disparou no anterior visconde
Atherbourne.
Harrison começou a falar sem levantar o olhar.
—Ficaste com poucas opções, Vitória. — Molhou a pluma no tinteiro e
continuou escrevendo na página frente a ele. Perguntou-se distraidamente se
ele estava escrevendo uma novela. Absurdo isso. Seu sério, tradicional irmão
fazer algo tão frívolo e romântico como escrever ficção? A ideia fez com que
uma borbulha de risada nervosa subisse por sua garganta. Conteve a
respiração e apertou os lábios com firmeza para sufocá-la.
Finalmente, ele deixou de escrever e elevou o olhar. Sua diversão morreu
antes de realmente ter começado. Tinha esperado que seu olhar fosse frio,
desaprovador, remoto. E o era. Mas abaixo disso havia uma profunda e
resignada tristeza. Partiu-lhe o coração.
—Harrison, eu...
— Apesar da desonra que trouxeste para a família, amo-te e é minha
irmã. Apesar de que em ocasiões possa desejar o contrário, isso nunca mudará,
portanto, te oferecerei duas opções. Pode viver em Blackmore Hall até que
me case, e nesse momento, mudará a nosso imóvel em Garrison Heath. É
menor, mas perfeitamente cômodo.
—Está a meio dia de viagem do povoado mais próximo.
Seus olhos se estreitaram no primeiro brilho visível de ira que tinha
mostrado durante todo o escândalo. Ela suspeitava que uma grande
quantidade de fúria estava sendo controlada por baixo da superfície.
—E, entretanto é o que te ofereço—, espetou... — Se não puder suportar
a ideia, então é livre para escolher a segunda opção.
Ela respirou fundo para armar-se de coragem e apertou as mãos com força
em seu colo, seu polegar acariciando com suavidade os nódulos.
—Qual é?
—Nossa tia Muriel necessita de uma acompanhante. Poderia ir viver com
ela em Edimburgo. Qualquer que seja a opção que escolha, vais sair de
Londres logo que possa arrumá-lo.
O ar se condensou ao redor dela, frio e agudo. Ela ia ser expulsa, então.
Apenas inesperado. Na realidade, supunha que suas ofertas eram bastante
generosas, dadas as circunstâncias. Ele estava enviando-a para longe, mas não
tão longe que não pudesse ver Colin e a ele mesmo de vez em quando.
Em todo caso, seria capaz de viver como gostava, pintando e desenhando
e administrando sua própria casa, sem ninguém mais a quem considerar. Seria
relativamente independente e livre de interferências de outras pessoas. E
sozinha, pensou. Terrivelmente sozinha.
Na segunda opção, seria a acompanhante de uma anciã tia avó que
recordava com carinho como excêntrica, mas engenhosa e divertida.
Recordava que tia Muriel gostava de viajar, assim ao menos essa opção
poderia lhe oferecer uma oportunidade para a variedade, embora não uma
verdadeira aventura. Entretanto, Vitória não teria um lar próprio, vivendo em
troca sob os caprichos e boa vontade de uma mulher que não tinha visto em
mais de uma década.
Mas o que importa, já que é pouco provável agora que alguma vez me
case? E se não me caso, não terei filhos, presumivelmente. Sempre serei só...
eu.
Nada de perseguir peraltas de dois anos pelo jardim. Nada de lojas na
Bond Street para a primeira temporada de sua filha. E definitivamente nada
de beijos que debilitassem os joelhos com um marido diabolicamente bonito.
Sentiu um soluço surgir e acumular-se em seu peito. Os punhos fechados,
suas unhas cravando-se na carne suave de suas palmas. Maldita seja. Tinha
chorado durante dois dias depois dessa noite humilhante. Negava-se a
começar outra vez. Não faria isso.
Tudo estaria bem, assegurou-se. Muito bem. Oh, não o que ela tinha
imaginado que fosse a ser sua vida, sem dúvida. Mas seria tranquila e segura e
serena...
Um quadrado branco de tecido apareceu diante de sua cara, seus bordos
imprecisos pelas lágrimas que não foi capaz de conter. Ela tomou o lenço e o
levou a boca, em seguida agarrou a mão forte e capaz de Harrison, que ainda
flutuava a seu lado. Permaneceram assim durante longos minutos, ele
sustentando sua mão delicadamente e acariciando seu cabelo, enquanto
lágrimas rodavam silenciosamente por suas bochechas em um fluxo constante.
Em lugar de opressão e desaprovação, o silêncio de Harrison agora se
sentia como quando ela tinha seis anos e chorava a morte de sua primeira (e
última) mascote, um gato velho chamado Salgado. Embora Harrison se
sentasse com ela então, sustentando sua mão como agora, seu silêncio tinha
parecido como uma manta tranquilizadora a seu redor. Ele era dez anos mais
velho que ela, mas nunca lhe havia dado um momento de dúvida a respeito
de seu amor, dificilmente a tinha tratado com algo que não fosse um afeto
incondicional.
Uma grande parte de seu pesar pelo incidente no baile Gattingford era
devido ao golpe que tinha sido para seu irmão. Só por isso, não podia
perdoar-se a si mesma. O dano a sua vida mudaria para sempre a dele.
Quando um golpe educado se introduziu no silêncio, Harrison deu em
seu cabelo uma última carícia e se afastou para sentar-se mais uma vez atrás da
mesa do escritório.
—Sim?
—Um cavalheiro está aqui para vê-lo, Sua Graça.
Sentada de costas à porta, Vitória não podia ver a cara de Digby, mas
achou bastante alarmante o tom trêmulo do imperturbável mordomo.
Harrison franziu o cenho.
—Quem é?
—O visconde Atherbourne, Sua Graça.
Uma fúria vermelho vivo apareceu brevemente nos olhos azuis de
Harrison antes que piscasse e o gelo os cobrisse.
—Obrigado, Digby. Por favor, leve Lorde Atherbourne ao salão.
Reunirei-me com ele em um momento.
O coração de Vitória deu um salto, seu estômago se retorceu
dolorosamente ao dar-se conta do que significava este anúncio. Ele estava
aqui. Em sua casa. O homem com o qual tinha estado sonhando, para logo
amaldiçoá-lo, para logo sonhar com ele um pouco mais durante os últimos
três dias e meio.
Ouviu a porta fechar-se atrás de Digby antes que Harrison dissesse: —
Acredito que deveria te recostar por um momento, Tori. — O uso de seu
apelido de infância sugeria que estava se sentindo protetor; sua dispensa à seu
dormitório implicava que a desejava tão longe da próxima confrontação o
quanto fosse possível. Ela esperava que não tivesse a intenção de disparar em
outro visconde Atherbourne, embora pudesse apreciar o sentimento.
Ele se levantou de trás da mesa e se dirigiu resolutamente para a porta. Ao
passar junto a ela, Vitória outra vez lhe agarrou a mão e o puxou para detê-lo.
—Harrison, por favor, não faça nada precipitado.
Apertou-lhe a mão, a pôs de novo em seu colo, e lhe deu uns tapinhas
tranquilizadores.
—Não se preocupe. Apesar da grave natureza da provocação, não sou do
tipo imprudente. Vou falar com o homem e ver o que ele quer. Volte a
descansar agora. Confie que farei o que é melhor.

— Golpear um homem parece ser uma forma das mais desagradáveis para
começar uma conversa, não lhe parece, Sua Graça? — perguntou
Atherbourne ironicamente, fazendo uma careta enquanto tocava a mandíbula
machucada.
Por desgraça, pensou Harrison, qualquer dano que pudesse haver causado
em seu punho, não tinha sido suficiente para apagar da cara do outro homem
esse arrogante e presunçoso sorriso. Quando Harrison tinha entrado no salão
da Casa Clyde-Lacey, o imbecil havia apoiado casualmente seu braço no
respaldo de uma cadeira de veludo vermelho, a favorita de Judith Clyde-
Lacey, a mesma onde Vitória gostava de aconchegar—se quando trabalhava
em seu bordado. Harrison não tinha sido capaz de reprimir sua reação
instantânea e violenta. Não era próprio dele, mas tinha sido imensamente
satisfatório.
—Possivelmente. Mas se sentia bastante razoável no momento.
— Agora bem, falemos claramente. — Harrison puxou as mangas de seu
fraque feito à medida.
—O fato de que continue respirando se deve mais a minha moderação
que a sua coragem. Portanto, diga por que está aqui sem preâmbulos ou
evasivas, e faça-o agora. Antes que minha paciência chegue ao fim.
O onipresente meio sorriso de Atherbourne se desvaneceu por um
momento, seu rosto endureceu e seus olhos cintilaram antes que sua expressão
se convertesse em uma intenção calculada. Deixou cair a mão que tinha
pressionada contra sua mandíbula.
—Muito bem. Vim com uma oferta.
—Envolve você em um montão de sangue no chão? — perguntou
Harrison cortesmente.
Esse sorriso infernal estava de volta.
—Temo que não, Sua Graça.
—Então não posso ver por que estaria interessado.
—Oh, acredito que vai está-lo. Depois de tudo, você se importa com
Lady Vitória, não?
Harrison apertou os dentes e manteve sua fúria pendendo por um fio.
Como se atrevia este canalha sequer a pronunciar o nome de Vitória, depois
de tudo o que fez para machucá-la?
—Você faria bem em conter sua língua no que se refere a minha irmã,
Atherbourne.
A tranquila declaração foi recebida com um momento de pausa, um
toque de cautela que pareceu diminuir um pouco a arrogância do homem.
—Sua irmã é o centro de minha oferta, Sua Graça. Portanto, devo
mencioná-la, não parece-lhe?
—De que diabos está falando?
—Lady Vitória, para dizê-lo sem rodeios, está arruinada. O dano causado
pela fofoca bastante dramática de Lady Gattingford só se agravou pelos
intentos de Stickley para salvar sua vaidade e orgulho. — O último ponto
pareceu incomodar Atherbourne, suas fossas nasais dilatadas em um
momento de ira… desconcertante para um homem que havia
intencionalmente conseguido este mesmo resultado.
—Sim, certamente você obteve seu objetivo, — Harrison disse com
secura. — Felicidades por enganar a uma garota ingênua para que confiasse
em você e logo destruir suas possibilidades de um matrimônio apropriado.
Todo um ato de coragem, esse.
Em circunstâncias normais, uma acusação tão flagrante de covardia e de
conduta injuriosa poderia ter terminado em outro duelo ao amanhecer entre
o Duque de Blackmore e o visconde Atherbourne. Entretanto, o homem
parecia muito concentrado em sua missão, fazendo caso omisso dos insultos e,
em troca, inclinando a cabeça e respondendo ao olhar de Harrison com outro
depreciador.
—O que você pode pensar de mim ou de minhas ações, não apaga o fato
de que qualquer esperança de um matrimônio respeitável para sua irmã foi
destruída.
—Não mencionei a falta de tolerância para o preâmbulo?
—Nenhum par do reino a aceitará, — continuou Atherbourne. — E de
fato, inclusive se um pudesse ser persuadido em aceitá-la, o escândalo
acossaria a ela e a seu marido para sempre. Há, entretanto, uma exceção: Se
ela casasse com rapidez com o homem com o qual foi surpreendida, e a
história se dirigisse com cuidado, o escândalo poderia ser reorientado como
uma mera intriga romântica, e os rumores passariam para a próxima
temporada. Como eu sou esse homem, proponho que ela e eu nos casemos.
Imediatamente.
Harrison esperou em atônito silêncio que o visconde muito bonito e
vingativo risse ou de algum jeito revelasse sua "proposta" como uma
brincadeira cruel. Os motivos de Atherbourne não poderiam ter sido mais
claros, e eram inclusive compreensíveis: Queria castigar Harrison por matar a
seu irmão. Sua sedução de Vitória era uma obra de vingança, pura e simples.
O que fazia da proposta de hoje, no melhor dos casos, estranha. Por que
diabos queria resgatar Vitória da ruína social, uma aflição que ele mesmo
tinha maquinado?
—O que é que quer, Atherbourne?
—Desejo fazer Lady Vitória minha esposa. Simples assim.
Harrison negou com a cabeça.
—Nada é simples no que concerne a você. Por que deveria lhe confiar o
bem-estar da minha irmã? Demonstrou ser indigno do cuidado de meu cavalo
durante uma hora, muito menos de um membro de minha família por toda a
vida.
—Talvez porque, embora possa ter administrado o veneno, também
posso proporcionar o antídoto—, respondeu em voz baixa. — De verdade
acredita que ela estará contente de viver em desgraça? — O visconde se deteve
e levantou a vista para uma pintura que sobressaía por cima da chaminé.
Mostrava a mãe de Harrison como tinha sido, justo depois de seu
matrimônio com o sétimo Duque de Blackmore.
Ela era a imagem de Vitória.
Atherbourne encontrou o olhar de Harrison e continuou: — É obvio, em
caso de que rechace minha oferta, ela nunca poderá voltar para Londres, ao
menos não durante muitos anos, nem na condição que uma vez desfrutou.
Você se veria obrigado a desterrá-la ao campo, ou talvez ao continente ou à
América. Sua família sofreu escândalos antes, mas aqueles eram seus e de seu
irmão. A sociedade perdoa os defeitos dos homens muito mais facilmente que
os das mulheres. Você sabe que isto é certo.
Harrison juntou as mãos às costas e começou a caminhar lentamente, de
vez em quando olhando para o canalha frente a ele. Deteve-se, olhou-o
fixamente por um momento e disse em seguida: — Sou muito consciente das
vantagens que essa união poderia oferecer a Vitória. Mas o que obtém você
disto, Atherbourne? E não diga que é a própria Vitória, porque isso é absurdo.
Ela é seu peão, não sua rainha.
A resposta do visconde foi um lento sorriso e uma sutil inclinação de sua
cabeça para reconhecer, se não conceder, o ponto do Harrison.
—O que é que busca qualquer cavalheiro quando faz uma oferta de
matrimônio?
O ácido queimava o estômago de Harrison à medida que minguava sua
paciência com o jogo do homem.
—Um dote, conexões sociais, uma mãe para seus filhos, e em casos
estranhos, amor. — Espetou, cada ponto da lista disparada como uma bala
contra este vilão que havia escolhido fazer mal a sua irmã e, de fato a toda sua
família. Não ia ser tolerado. — Nada da qual se aplica nesta situação. Você
não está necessitado de recursos. O dote de Vitória equivale a menos de um
mês dos ganhos do imóvel Atherbourne. Apenas o suficiente para considerar
um incentivo.
Um minuto de silêncio precedeu à resposta de Atherbourne.
—Vejo que mantém uma estreita vigilância sobre as coisas. Não tinha
ideia de que tinha tomado um interesse nas taxas de produção financeiras das
propriedades de minha família.
—Uma coisa que você aprenderá a meu respeito é que deixo muito pouco
ao azar.
Atherbourne assentiu com calma, logo retomou sua discussão anterior.
—Ela é a irmã de um duque. Talvez a queira para assegurar aos meus
filhos um maior legado.
—Possivelmente. Mas você e eu sabemos que não é por isso que deseja
casar-se com esta irmã de um duque. Deseja casar-se com ela porque ela é
minha irmã. E por essa razão, não posso estar de acordo com este
matrimônio. Uma vez que se casem, você poderia abusar dela do modo mais
abominável…
Os olhos de Atherbourne se estreitaram e se voltaram mortais, sua voz tão
tranquila e mordaz como a do próprio Harrison.
—Nunca poria as mãos sobre uma mulher dessa forma.
—Não posso correr o risco. Se permitir que se casem, e você lhe faz mal,
veria-me obrigado a matá-lo. E odiaria ser o responsável pela morte de dois
viscondes Atherbourne.
Por um momento, Harrison esteve seguro de que o homem investiria
contra ele. A cara de Atherbourne se endureceu intensamente, sua alta figura
se enroscou como se estivesse a ponto de saltar. Harrison estava mais que
preparado. Desfrutava da ideia de golpear a seu inimigo até fazê-lo picadinho.
Os móveis da sala poderiam requerer algumas reparações depois, mas bem
que valeria a pena o gasto.
A tensão se rompeu quando um estrondo soou justo fora das portas da
sala. Os dois homens franziram o cenho e giraram suas cabeças para olhar
como o ruído foi seguido por um chiado feminino e um repentino silêncio.
Então Harrison escutou a voz baixa de Digby. Irritado pela interrupção,
dirigiu-se à porta e a abriu de repente. Ali estava Vitória, que deteve sua
acalorada e sussurrada conversação com o mordomo imediatamente e elevou
o olhar para Harrison com olhos envergonhados.
—Só estava... hã… mudando um vaso daqui à mesa da biblioteca. Por
desgraça, me escapou e... e bem... — Suas palavras diminuíram até deter-se
por completo. Os olhos de Vitória se moveram por cima de seu ombro e
aterrissaram em Atherbourne. Ela abriu a boca e seus olhos aumentaram.
Harrison esticou a mandíbula ao dar-se conta de que, apesar do que
deveria ser impossível, este dia estava a ponto de piorar.
Capítulo 4

"Na arte da intriga, o escutar às escondidas é uma ferramenta que a maioria


consideraria vulgar e pouco profissional. Entretanto, faz-se o que se deve."
A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Rumstoke ao receber seu
relatório de umas escandalosas declarações escutadas na velada musical de
Pennywhistle.

Ela tinha pensado que talvez tinha imaginado como mais bonito, mais
perversamente sensual do que ele era na realidade, que para justificar seu
próprio comportamento insensato, tinha desenhado um retrato irresistível em
sua mente injustificada pela realidade.
Estava muito, muito equivocada.
Ele era magnífico. A plena luz do dia só melhorava sua atração,
igualmente ao esplêndido fraque azul escuro, colete bordado dourado, e as
calças de montar de cor anterior ao que usava. Além do estranho
obscurecimento em um lado da mandíbula, era uma visão de perfeição
masculina.
Depois de ter sabido um pouco mais sobre seu passado nos últimos dias,
Vitória agora entendia por que Lucien era mais musculoso e estava mais em
forma que muitos outros homens da alta sociedade, seus ombros largos, sua
cintura mais estreita, e suas coxas... Oh, suas coxas. As damas se supunha que
não devessem dar-se conta dessas coisas, mas não podia evitá-lo. Em qualquer
caso, ela agora reconhecia esses atributos físicos como prova de seu serviço
como capitão no exército. De acordo com Lady Berne, tinha atuado muito
heroicamente em Waterloo, ganhando elogios do próprio Wellington. Não é
que ele fizesse alarde disso. A maioria dos cavalheiros que voltavam da batalha
usavam seus uniformes com orgulho e escolhiam que se dirigissem a eles por
sua patente militar, como era o apropriado. Não ele. Lucien Wyatt se negava
a responder a seu título bem ganho de capitão, e em eventos formais onde os
homens com uniformes de cor carmesim se convertiam em objetos de
celebração e admiração, ele em troca, usava o negro liso civil. Precisamente
por que, ninguém sabia.
Justo então, ela se voltou dolorosamente consciente do espesso silêncio,
sentindo um rubor de vergonha enchendo-a enquanto ambos, Harrison, que
não se moveu da porta, e Lucien, esperavam espectadores que se explicasse.
Finalmente, sem saber que outra coisa fazer, recorreu à cortesia, saudando
Lucien com uma reverência e um "milord".
Em um primeiro momento ele piscou, arqueando as sobrancelhas com
surpresa. Mas rapidamente, adotou sua expressão distinta: levemente divertida
mesclada com sardônica sensualidade. Executou uma vênia perfeita e
respondeu suavemente: — Lady Vitória.
Sentiu-se enjoada quando uma onda de desejo se estendeu por seu corpo.
Oh, isto não era bom.
Ele é um descarado, recordou-se. Um canalha de primeira ordem. Ou
teria de ser de sob ordem? Ela sacudiu a cabeça mentalmente. Não importava.
O ponto era o mesmo: tinha-lhe feito um dano irreparável. Deliberadamente
e a sangue frio.
Endireitando a coluna ante o aviso, perguntou com o que esperava fosse
um tom severo: —Seu propósito ao vir aqui inclui uma longa desculpa, Lorde
Atherbourne?
—Vitória, faria bem em te manter à margem disto—, advertiu Harrison.
Ela o olhou e disse: — Temo que já estou muito dentro da margem,
Harrison. — Empurrando seu irmão e entrando mais na sala, voltou-se para
encontrar os olhos de Lucien, notando que seu sorriso se desvaneceu um
pouco.. Bem?
—Não, milady. Vim aqui com uma oferta…
—Que rechacei—, interrompeu Harrison. — Lorde Atherbourne já saia.
Mantendo os olhos fixos no rosto de Lucien, Vitória esticou uma mão
atrás dela para colocá-la com firmeza no braço de seu irmão.
—Eu gostaria de saber qual foi essa oferta—, disse com suavidade.
—Não vale a pena… — começou Harrison.
—Lorde Atherbourne? — insistiu, observando sua expressão enquanto
movia seu olhar entre ela e seu irmão. Não estava sorrindo. De fato, parecia
extremamente sério.
—Vim lhe oferecer matrimônio.
Foi como se um cavalo lhe tivesse dado uma patada no peito. Como
desejou haver podido ouvir mais do que se dizia quando tinha estado
escutando às escondidas atrás das portas da sala. Pelo menos então, a comoção
de sua proposta haveria se moderado um pouco. Por desgraça, tudo o que
tinha ouvido tinham sido murmúrios masculinos. Apenas úteis para prepará-
la para... bom, isto.
—Você…? — Ela abriu a boca para recuperar o fôlego... — Você quer
casar-se comigo? Depois de tudo o que fez?
O mais débil brilho de algo. Culpa, talvez? Leve desgosto? passou por seus
olhos, mas desapareceu antes que pudesse identificá-lo.
—Como expliquei a seu irmão, é a única maneira de garantir que o
escândalo seja contido e as consequências para seu futuro se reduzam ao
mínimo.
Ela o olhou em silêncio durante um longo momento, tratando de
entender este homem formoso, vil, e contraditório. O altruísmo não o havia
trazido aqui hoje, isso estava claro. Mas qual poderia ser sua motivação? E o
que importava? Ele a tinha posto em uma situação bastante desesperada. Por
definição, isso significava que suas opções eram poucas e indesejáveis.
Sentiu as mãos de Harrison em seus ombros e sua alta figura flutuando
atrás dela.
—Vitória, compreendo por que isto poderia parecer uma solução
conveniente a um problema difícil, — lhe murmurou ao ouvido... — Mas
este homem é perigoso. Ele já demonstrou uma assombrosa falta de
consciência no que a ti concerne, e não posso permitir…
Elevando uma mão para tocar a de Harrison, que descansava em seu
ombro, ela assentiu com a cabeça para indicar que entendia. Sussurrando,
perguntou se poderia falar a sós com Atherbourne por um momento.
Harrison naturalmente resistiu com bastante veemência no princípio, mas
depois de uns minutos de discussão, em que ela assinalou que eram sua vida e
seu futuro que estavam em jogo, ele aceitou.
—Cinco minutos—, espetou. — Nem um segundo mais. E as portas
permanecem abertas.
Ela assentiu e lhe agradeceu enquanto ele se dirigia ao corredor para falar
com Digby. Cruzando a habitação, ela fez um gesto para um par de cadeiras
em frente ao fogo.
—Sentamo-nos, milord? — Disse e em seguida se encaminhou à cadeira
da direita e se deixou cair nela, feliz de dar às suas pernas trementes um
descanso.
Quando Lucien se instalou na cadeira em frente, ela quase riu ante o
contraste de um corpo tão grande, abertamente masculino sentado
incomodamente em uma decorada cadeira Luis XV. Talvez fosse o dourado
que o fazia uma imagem tão cômica. Sufocando seus pensamentos errantes,
começou: — Agora bem, por que deveria considerar me casar com você,
milord?
Ele abriu a boca para falar, mas ela agitou a mão e esclareceu
imediatamente: — Além de resolver o escândalo que utilizou como arma
contra meu irmão.
Ele piscou e fez uma pausa, claramente surpreso por sua franqueza.
—Antecipou meu argumento mais persuasivo, Lady Vitória. — Esse
sorriso malicioso voltou lentamente. Ele se voltou para trás em seu assento e
cruzou os braços, lhe dirigindo um olhar especulativo.
— Está perguntando como seria ser minha esposa?
Sua voz se tornou um pouco baixa e sussurrante, tal como o tinha sido no
terraço de Lady Gattingford. Por desgraça, saber que o estava fazendo
deliberadamente para conseguir meter-se sob sua pele não impediu que
estremecesse de prazer.
—Não... não temos tempo para jogos, milord.
—Quem disse que estava jogando?
A respiração de Vitória se acelerou. Os olhos de Lucien eram tão
formosos, da cor cinza escuro de tormenta, mais claros para o centro, com
anéis negros ao redor das íris. Finalmente sabia de que cor eram seus olhos.
Isso pareceu importante, de alguma maneira.
Sacudindo a cabeça para dissipar a repentina névoa de consciência
sensual, tragou saliva e disse: — Estou perguntando por que me casar com
você seria melhor que outras alternativas, Lorde Atherbourne. Não estou sem
opções, sabe.
—Oh, sim. Suas opções. O exílio no continente ou na América, talvez?
Uma vida isolada como solteirona no campo? Isso é o que sonhou quando
menina quando imaginava seu futuro?
—Você sabe muito bem que não, — espetou ela.
Ele se endireitou em seu assento, inclinando-se para ela com as mãos
sobre as coxas, desaparecendo qualquer rastro de indolência quando toda a
intensidade de sua personalidade passou ao primeiro plano.
—E o que há a respeito de ser a marquesa de Stickley, humm? Você se
imaginava como a esposa de um homem que nem sequer se incomodou em
beijá-la apropriadamente?
—Deixe Lorde Stickley fora disto.
—Muito bem. Você perguntou o que implicaria ser minha esposa. A
resposta é muito parecida com o que implicaria ser a esposa de Stickley.
Exceto, como minha esposa, não duvidará nem por um momento que eu a
desejo.
Impressionada por sua declaração, sentiu-se ofegante, o ar entrando e
saindo a um ritmo embaraçoso. Mas ela não podia ouvi-lo por cima dos
batimentos de seu coração, o som tão forte em seus ouvidos como o oceano
na costa rochosa.
—Você… você me deseja? — perguntou fracamente.
Fazendo caso omisso de sua pergunta, ele continuou: — Nunca escolheria
passar o tempo caçando ou deleitando aos cavalheiros do Boodle com meus
cachorros quando poderia passá-lo fazendo amor com minha nova esposa.
—Oh, isso não é... você fazendo... Oh.
—Mais ainda, se se casar comigo, nunca mais voltaria a ser vulnerável à
classe de escândalo faz umas noites.
Suas mãos, úmidas e trementes, apertaram os braços da cadeira onde
estava sentada.
—Acredito que já tínhamos estabelecido que isto ajudaria a diminuir o
escândalo.
Ele sorriu.
—Ah, mas não é por isso que não voltaria a ocorrer. Como seu marido,
seria meu dever lhe dar tanto prazer que nenhum outro homem tivesse nada
que lhe oferecer. Portanto, você não estaria tentada a envolver-se em algum
encontro ilícito ou em algum momento de paixão roubada. Exceto comigo, é
óbvio.
Nervosa e sem fôlego, levantou-se e se mudou a um ponto entre um sofá
e uma mesa baixa, com superfície de mármore. Ele é um diabo, pensou. Um
diabo com o rosto de um anjo. E eu sou uma parva, pior uma louca por
completo, por cair presa de suas palavras intoxicantes. Porque não só se sentia
atraída por ele, por este condutor de sua destruição. Ela o desejava, desejava o
direito a riscar seus lábios com seus próprios dedos, acariciar essa bochecha
ferida, sentir sua língua deslizar-se perversamente dentro de sua boca, da
forma que ele o tinha feito antes.
Girando-se para enfrentá-lo, ela se surpreendeu ao encontrá-lo a menos
de um metro de distância. Era tão alto, que virtualmente se abatia sobre ela,
bastante perto para tocá-lo. Respira, Vitória. Apesar de uma voz interna lhe
recriminando por isso, tomou um momento responder a sua lista de
contrastes entre o que teria sido seu matrimônio com Lorde Stickley e o que
significaria ser Lady Atherbourne. Sua esposa.
—E se eu fosse surpreendida com outro homem, milord? — perguntou,
não porque ela pensasse que fosse uma possibilidade real, a não ser
simplesmente para ver o que diria.
Não pareceu gostar da pergunta. Não. Seu rosto endureceu e se fechou,
seu sorriso se desvaneceu, os lábios apertando-se em uma linha sombria.
—Acredito que o melhor é não contemplar o que faria nesse caso.
Por um momento, todo seu ser se deteve, esperando a resposta a sua
seguinte pergunta.
— Machucaria-me por isso?
Sua resposta foi imediata e contundente: — Não. Nunca.
Acreditou nele. Não sabia por que, mas era verdade. Algo em sua cara,
um brilho de indignação, como se mesmo o pensamento fosse aberrante, deu-
lhe a resposta mais que suas palavras. Parecia que não tinha intenção de lhe
fazer dano, ao menos não fisicamente.
—Então, deixe-me entender isto corretamente, — disse ela dando um
passo atrás e retrocedendo para a chaminé. Ele estava muito perto. Não a
deixava pensar com clareza. — Você tramou minha ruína para vingar-se do
Harrison…
—Disparou em meu irmão…
—Sim bem, acredito que todos entendemos seus motivos—, replicou ela
delicadamente.
—Entende-o? — Sua voz era estranha. Triste. — Não foi minha intenção
que você sofresse desnecessariamente.
—Talvez devesse ter considerado isso antes de…
—Mas eu não estava sozinho no terraço, milady.
As palavras ditas suavemente a sacudiram terrivelmente, não porque
fossem falsas, mas porque eram certas. Este escândalo era tanto culpa dela
como dele. Mais dela, talvez. Ela era a que tinha estado comprometida com
outro homem. Ela era a que tinha permitido que fantasias tolas e românticas a
debilitassem. Ele tinha chegado à sua porta com intenções tortuosas sim. Mas
tinha sido ela que a tinha aberto completamente.
—Você acredita que nosso matrimônio vai acalmar o escândalo—, disse.
Durante muito tempo, ele não respondeu. Seus olhos exploraram o rosto
de Vitória, sua expressão quase preocupada.
—Acredito que sem ele, sua reputação nunca se recuperará
completamente. E eu não desejo isso para você.
Tampouco ela. Realmente, o que lhe oferecia era um presente. Ela teria
preferido que viesse sem suspeitas aderidas, mas era uma oferta que não podia
descartar com facilidade, ou não descartá-la para nada.
—Poderia me casar com outro. Se esperasse um ano...
Ele negou com a cabeça, lhe dedicando um escuro olhar. Levantou três
dedos, movendo cada um à medida que falava.
—Compromisso. Aventura escandalosa. Bodas. — Deixou cair o braço e
inclinou a cabeça ligeiramente. — Diga-me Lady Vitória. O que diriam a
respeito de seu marido se ele não fosse parte dos dois primeiros?
Ela o odiava. Odiava seu pequeno gesto zombador, odiava a arrogante
inclinação, a segurança em sua voz, mas, sobretudo odiava que ele tivesse
razão.
—Bem. Digamos que estou de acordo em casar-me com você.
Seu meio sorriso retornou.
—Vamos.
—Onde se celebraria as bodas?
Dando uma olhada ao redor da sala, ele disse: — Por que não aqui?
—Quando?
—Logo que se possa arrumar. Necessitarei só uns poucos dias para
adquirir uma licença especial.
Uns poucos dias? O sangue se precipitou de sua cabeça a seu coração, que
duplicou seu ritmo.
—Tão… tão cedo?
Ele ficou quieto por um momento, e em seguida se aproximou dela
lentamente.
Cautelosamente. Um dedo se elevou para acariciar sua bochecha. Ela se
voltou para trás, surpreendida. Esse dedo capturou brevemente um cacho na
parte superior de sua mandíbula, e logo desapareceu.
—Não te arrependerá de ser minha esposa Vitória, — sussurrou. Soava
como uma promessa.
Sentia-se acossada, encurralada em um canto onde não havia
escapamento. E o caçador também era o alimento. Tentador. Sedutor. Mais
que isso, entretanto sentia as paredes do dever empurrando-a para ele. Tinha
cometido um terrível erro. Um cujo preço devia pagar. Ela levantou a vista
para o retrato de sua mãe, serena, dourada e perfeita. Uma mulher com
elegância, embora não uma grande beleza. Uma mulher que sempre fazia o
correto.
—Você seria meu marido. — Foi um sussurro para si mesma, mas ele o
ouviu.
—Em todos os sentidos. — Veio sua rouca confirmação.
Assentindo com a cabeça, ela juntou as mãos na cintura, e logo baixou o
olhar a seus dedos enroscados.
—Poderíamos ter filhos, Lucien?
—Sim. — Seu tom foi mais suave, gentil.
Levantando a cabeça mais uma vez, ela ficou olhando pelo que lhe
pareceram anos esses formosos olhos, da cor de nuvens de tormenta. Nos
poucos momentos em que estiveram olhando um ao outro, Vitória se
imaginou uma vida inteira com este homem. Suas bodas. As noites em que
faria amor com ela. Meninos com o cabelo negro azeviche e talvez os olhos
azuis dela. Filhos que seriam altos e fortes e bonitos como seu pai. Filhas que
seriam adoradas e mimadas. Uma família.
—Então essa é minha resposta.
Lucien aumentou os olhos, concentrando-se em seu rosto, procurando
uma confirmação.
—Sim milord, casarei-me com você.
Capítulo 5

"Uma inteligente estratégia de batalha frequentemente se assemelha à loucura.


Saber a diferença... ah, bom, os vencedores têm o privilégio de definir isso, não?”
A Marquesa Viúva de Wallingham depois da notícia da fuga de Napoleão
de Elba.

—Casar-te assim com a garota realmente é necessário, Luc? — murmurou


James Kilbrenner, conde de Tannenbrook, de onde estava ajeitado em uma
cadeira de couro junto à chaminé na biblioteca de Lucien. Uma taça de
brandy pendurava descuidadamente de seus longos dedos e a luz do fogo
brincava sinistros jogos em suas belas feições.
Lucien depois de se servir um copo, voltou a colocar a tampa na garrafa e
em seguida se dirigiu de novo até o suporte da chaminé, onde ficou apoiado
num cotovelo.
—Pensei que tínhamos acordado que era a única maneira de obter um
pouco de justiça.
James moveu sua mão livre no ar, como descartando a declaração de
Lucien.
—Sei o que dissemos. É só... que ela é inocente. Parece antidesportivo.
Lucien franziu o cenho. Não gostava do que James dizia. Era como um
eco de suas próprias dúvidas. Com um plano como este e um inimigo como o
Duque de Blackmore, a dúvida dava lugar a erros, o que significava o fracasso.
Negava-se a fracassar.
—Ela estará bem cuidada. Como minha esposa, desfrutará de todas as
comodidades.
Está claro que ela deseja filhos. Terá isso também. Com o tempo.
Um olhar de ceticismo apareceu no rosto de seu amigo.
—O plano original era castigar Blackmore, não a sua irmã.
Era certo: Lucien não tinha tido a intenção de envolver Vitória em
absoluto.
Ao menos, não a princípio.
—Tentamo-lo. A lei se detém no escudo ducal, ao que parece. O único
lugar vulnerável de Blackmore é sua família. Seu irmão é... bem, não há nada
que possamos fazer a Colin Lacey que ele não fez a si mesmo. Isso deixa a
irmã. — James suspirou e tomou um gole.
—Se tão somente te tivesse desafiado pelo incidente Gattingford. Poderia
lhe haver disparado, e teria se equilibrado a balança.
Sacudindo a cabeça, Lucien foi sentar-se na cadeira oposta a James,
afundando-se em sua desgastada comodidade e bebendo o último gole de seu
brandy em um movimento rápido. Sentiu seu leve aguilhão enquanto
deslizava por sua garganta e se instalava calidamente em seu estômago. Nunca
tinha tido muito afeto a beber, mas neste momento estava disposto a provar
muitas coisas pouco características, para amortecer a raiva que tinha lhe
queimado por dentro durante a maior parte do ano.
Em uma piscada, sua mente retrocedeu quase nove meses. Ele, parado nas
tumbas de seu irmão e irmã em uma úmida, estranhamente fria manhã de
agosto, perguntando-se como poderia ter acontecido, como poderiam ter
morrido ambos com só dias de diferença. Recordou olhar para onde estavam
enterrados seus pais e pensar que estava condenado a sobreviver, enquanto
todos a seu redor morriam. Já tinha ocorrido no campo de batalha, e agora
aqui. A crua verdade era um poço negro sem fim. Sem ar, sem luz, sem
escapatória.
Ele fechou os olhos com força para bloquear as lembranças. James tinha
estado ali, intimidando, empurrando. Por que valeria a pena viver se nem
sequer ficava um primo ao que chamar de família? Tinha se perguntado
Lucien. Foi então, talvez no desespero, que James lhe tinha levantado uma
tocha para sua escuridão: a vingança.
Voltou ao presente quando seu amigo se levantou para olhar o fogo.
Lucien retomou o fio da conversa.
—À Blackmore aborrece o escândalo. As probabilidades de que agudizaria
o assunto ao me desafiar foram sempre escassas. — Suspirou e passou uma
mão pelo cabelo. — Além disso, nunca pude equilibrar de verdade a balança.
Tirar-lhe sua irmã é o melhor que posso fazer, dadas as circunstâncias.
—Sim, mas já não fez isso? O escândalo significaria que ela teria que ser
enviada à algum imóvel longínquo ou ao estrangeiro. Deveria ser suficiente,
Luc.
A fúria que surgiu no interior de Lucien nesse momento foi tão
inesperada como incontrolável. Como uma nuvem negra, sulfurosa, encheu-o
e derramou em uma explosão vulcânica. Em um rápido movimento,
levantou-se e colocou seu copo contra a parede, o estrondo apenas se
registrando antes que ele rugisse: — Não é suficiente!
James deu um recuo quando ouviu romper o cristal, logo se voltou
lentamente para enfrentar Lucien, um olhar de desconfiança e alarme em seu
rosto.
—Será suficiente quando ele recordar como ela era aos sete anos, toda
fitas e sorrisos desdentados, e sinta falta dela como o faria com um membro
amputado. Será suficiente quando tomar uma pluma para lhe escrever e se dê
conta de que ela nunca vai ler suas palavras. Será suficiente quando entender
que ela é minha, por Deus e que eu a tirei.
—Ainda chora a perda. Pensa nisto. — A voz de James se voltou áspera
pela preocupação. Esticou-se para tentar colocar uma mão sobre o ombro de
Lucien, mas Lucien o evitou e cruzou a habitação para ficar parado de costas
com as mãos nos quadris, respirando com dificuldade.
Desprezava o que havia dentro dele, um monstro de ódio, dor e fúria.
Mas não podia fazer outra coisa que tratar de apaziguá-lo.
—É o que tenho que fazer James, — disse com voz áspera.
Depois de um momento, sentiu a mão de James nas costas, a sólida
presença de seu amigo lhe ajudando a recuperar a compostura.
—Sei.
—Se houvesse outra maneira...
—Sei—, repetiu James. — É melhor que deixá-la a mercê da sociedade.
Lucien assentiu.
—O que vais lhe dizer?
Era uma boa pergunta.
—Nada.
Elevou uma única sobrancelha desgrenhada.
—E crê que isso vai funcionar?
Lucien imitou o gesto e acrescentou um pequeno sorriso.
—Sim. — O olhar que apareceu na cara do conde de Tannenbrook lhe
provocou um inesperado estalo de risada. — Difícil de acreditar, né?
—Não. Mas está louco ao pensar que pode te deitar com a garota e fazer
com que se esqueça de tudo. Poderia funcionar por uma noite, mas não para
sempre.
Lucien cruzou a habitação e se deixou cair na cadeira que James tinha
deixado vaga.
—Não para sempre. Até que deixemos Londres? — Ele encolheu os
ombros... — Perfeitamente realizável.
James grunhiu e apoiou as mãos nos quadris.
—Não crê que está superestimando seus encantos um pouquinho?
Rindo ele respondeu: — Está claro que você sim. Mas seu julgamento é
defeituoso. Não é uma mulher.
Seu amigo soprou e sacudiu a cabeça.
—Graças a Deus por isso. Seria feia, sem dúvida.
Horas mais tarde, depois que James se foi e o silêncio se instalou na casa
que uma vez tinha pertencido a seu irmão, Lucien estava na janela traseira da
biblioteca, contemplando o jardim que sua irmã tinha amado. Seguindo o
modelo dos jardins de seu imóvel no campo, Thornbridge, mas em uma
escala menor, as formas eram menos ordenadas, mais curvadas e mais naturais
que o que ditava a moda atual. Entretanto, eram encantadores, com caminhos
sinuosos, exuberantes plantações, e uma pequena fonte com um banco de
pedra no centro.
Três dias. Em só três dias, poderia reclamar Vitória. Então começaria o
verdadeiro castigo de Blackmore. Embora sentisse uma sombria satisfação,
sabendo que seu objetivo estava próximo, não lhe impedia de ver as
consequências a longo prazo de seu plano.
Há dias, James tinha estado tratando de lhe ajudar a ver mais à frente do
momento de triunfo, lhe assinalando que havia um matrimônio depois das
bodas, uma mulher que seria uma parte permanente de sua vida, a mãe de
seus filhos.
Ele sabia bem. De fato, não podia deixar de pensar nisso. Pontadas de
culpa mescladas com não pouca medida de luxúria o enchiam cada vez que
contemplava ter Vitória só para ele durante o resto de seus dias. Por Deus,
quando o duque havia pensado em rechaçá-lo, Lucien quase tinha perdido a
cabeça e atacado ao homem diretamente. Felizmente, Vitória tinha
interrompido no momento certo. Sua habilidade para cair perfeitamente em
suas mãos, era uma de suas qualidades mais íntimas.
Ao pensar nisso, sua mente se desviou imediatamente para Vitória e como
tinha estado no terraço de Lady Gattingford nessa noite, seus peitos tocados
por nada mais que a luz da lua e a boca de Lucien. Recordou seu sabor
(leitoso e doce), seu aroma (ligeiramente floral, jacinto, pensava), e o gemido
afogado que ela tinha emitido quando chegou ao clímax. Lucien agarrou o
batente da janela, apoiou sua testa contra o frio cristal, e apertou os dentes
para sufocar uma onda de desejo.
Seu desejo por ela estava totalmente fora de proporção. Apesar de suas
palavras floridas a ela nessa noite, ela não era uma grande beleza. Oh, era
suficientemente bonita de uma maneira que muitas jovens o eram: cabelo
dourado, olhos grandes de cor azul esverdeado, uma boca suave e pele
cremosa. Seus traços eram simétricos e equilibrados, sua conduta tranquila e
serena. De verdade, não podia encontrar nada para criticar em sua aparência,
mas tampouco havia muito para considerá-la como um diamante de primeira.
Então o que é que a deixa tão fascinante?
Perguntou-se mais de uma vez desde que viu pela primeira vez Vitória no
baile de Gattingford, se sua paixão pela vingança se transmutou de algum
jeito nesta bastante indecorosa obsessão por ela. Talvez pensou, seu ódio
tivesse começado a infectar suas paqueras com as mulheres. Inclusive se fosse
assim não alterava seus planos para ela.
Depois de meses de investigação sobre a vida de Blackmore, tudo desde
suas finanças, sua política, até seu maldito criado de quarto, Lucien e James
não haviam encontrado nada mais prejudicial que antigos empregados
descontentes queixando-se das normas terrivelmente exigentes do duque pela
limpeza e economia. Felizmente, também descobriram quão profunda e
duradoura era sua relação com sua irmã. E assim Lucien tinha continuado
investigando, mas seu objetivo se havia voltado para Lady Vitória Lacey. Com
a ajuda dos ex-serventes do duque, Lucien foi capaz de deduzir muito sobre a
personalidade de Vitória. Ela era conhecida como a Flor de Blackmore, sua
reputação imaculada ferozmente custodiada por Blackmore e sua
patrocinadora, Lady Berne. Entretanto logo se deu conta, por baixo da
máscara educada, que era uma romântica empedernida. Como uma donzela o
tinha colocado: —No fundo, sua senhoria é tão doce e fantasiosa como um
pote de mel.
Apresentou-se a oportunidade ideal: tudo o que tinha que fazer era fazê-la
perder a cabeça e guiá-la diretamente pelo caminho do escândalo. A partir daí
raciocinou, os eventos deveriam cair em seu lugar por sua própria vontade, o
compromisso que Blackmore tinha arrumado se cancelaria, o duque seria
humilhado, sua querida irmã tão manchada que teria que distanciar-se dela de
forma permanente. E tudo tinha saído precisamente como Lucien tinha
imaginado, melhor inclusive.
Exceto por um pequeno problema: não tinha sido satisfatório. Nem
sequer um pouco. Seguia sem entender o porquê de tudo. A ideia de separá-la
de seu irmão de forma permanente ao casar-se com ele, lhe tinha ocorrido só
um dia depois. No mesmo instante, ele tinha sabido que essa era a resposta.
Agora, o matrimônio estava a ponto de acontecer, e em quão único podia
pensar era nela. Não tinha nenhum sentido absolutamente. Não se tratava de
obter uma esposa, se tratava de castigar Blackmore. Mas não tinha antecipado
Vitória.
Recordando como audazmente tinha tomado as rédeas de sua conversação
com Blackmore e procedeu a lhe fazer uma entrevista para o posto de marido,
meneou a cabeça e sorriu. Tinha sido bastante impressionante escutá-la
consentir em casar-se com ele, mas depois de acompanhá-lo até a porta, ela de
algum modo havia arrumado para convencer Blackmore a permiti-lo. Isso
tinha sido surpreendente.
Diabos, Lucien tinha se preparado para usar seu poder de sedução para
convencê-la a fugir para Gretna Green. Mas não tinha sido necessário.
Blackmore tinha feito uma visita ontem para repetidamente ameaçar sua vida
se "tanto como a prega de seu vestido fosse prejudicada de algum jeito".
Tinham negociado os termos do contrato de matrimônio por menos de um
quarto de hora, com Lucien concedendo quase todos os pontos. O
matrimônio em si mesmo lhe dava o controle total dela, que era tudo o que
importava. O que pagaria Vitória como atribuição ou como as propriedades
secundárias da família de Lucien, seriam distribuídas a seus filhos não tinham
importância para ele.
O importante era que ela seria dele. No reflexo da janela, viu seu sorriso
voltar-se sombrio, determinado.
Em três dias, ela seria dele.
Capítulo 6

“O amor? Que disparate. Netos para sua pobre e afligida mãe. Esse sim é uma
boa razão para casar-se."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu único filho, Charles, depois de
sua negativa a entrar no Almack’s.

E o vestido era ainda mais formoso do que tinha imaginado, pensou


Vitória enquanto contemplava a visão que tinha diante de si. Era de seda
branca, coberto com a musselina mais pura, rica com pequenas flores
bordadas em um intenso azul pavão e folhas de um pálido verde primavera.
As mangas curtas e justas debaixo do sutiã com decote em forma de coração,
pequenas dobras de musselina formavam painéis bordeados por uma cinta de
prata. O efeito geral era delicioso e de sonho.
Queria chorar.
—Querida, estás encantadora com esse vestido —, disse Lady Berne no
momento sentada no sofá atrás de onde estava parada Vitória olhando-se no
espelho de corpo inteiro na loja da costureira da Bond Street. — A senhora
Bowman é uma maravilha. E havê-lo terminado tão rápido! Quase não posso
acreditá-lo.
Vitória tragou saliva e dedicou à condessa um débil sorriso por cima do
ombro.
—Sim, ela é extraordinária. Felizmente, já tinha dito que o vestido se
fizesse no mês passado. Assim que nenhuma correria foi necessária.
Uma longa pausa seguiu-se a esta declaração quando Lady Berne se deu
conta que o vestido seria o que Vitória usaria para seu matrimônio com Lorde
Stickley e agora em troca, seria usado para suas precipitadas núpcias com
Lorde Atherbourne.
—Oh, — respondeu Lady Berne finalmente. — Bem, isso de fato foi
sorte.
Vitória inspirou e endireitou as costas.
—Sim, isso pensei.
Voltou-se quando a senhora Bowman tornou a entrar na habitação e se
ajoelhou aos seus pés, segurando a prega para um ajuste final.
—Senhora Bowman, o que recomenda para meu cabelo? Ouvi que
algumas mulheres optam por levar turbantes em suas bodas.
A costureira de cabelo negro azeviche elevou a vista para ela com um olhar
de desgosto.
—Não, não, não! — Ela agitou uma mão violentamente no ar por cima
de seu elegante penteado, seu ligeiro acento italiano evidente, inclusive nessas
três breves palavras — Você tem que usar flores, milady. O, né, mughetto.
Lírio dos vales. É um vestido de delicada beleza. Merece flores, não um
turbante. — Cuspiu a última palavra como se fosse particularmente
repugnante.
Vitória ocultou um sorriso. Obstinada e teimosa quando se tratava de
moda, Renata Bowman era talvez a mais talentosa costureira de Londres.
Entretanto, embora estivesse casada com um comerciante de tecidos inglês,
ela era italiana mais que inglesa, ou inclusive francesa. Para piorar as coisas,
era evidente seu tremendo esforço para mostrar a deferência devida a sua
clientela da nobreza. Na opinião de Vitória, esta era a única razão pela qual a
senhora Bowman não era a costureira mais cobiçada da alta sociedade.
—Bom, devo dizer que estou muito de acordo. Flores seriam
encantadoras, querida—, interveio a condessa alegremente.
—Então serão flores —, disse Vitória com forçada alegria olhando mais
uma vez para seu reflexo. Inclusive para ela mesma, seu rosto parecia pálido e
seus olhos pensativos.
Parando a seu lado e examinando o vestido com o cenho franzido, a
senhora Bowman assentiu bruscamente.
—Mmm. Está bem. — Encontrou o olhar de Vitória no espelho. —
Terei-o terminado e entregue ainda hoje. O resto está preparado também.
Isso será enviado à casa do duque também, verdade?
—O resto? — piscou Vitória.
—Sì, sua... — A mulher fez um gesto para o peito de Vitória e baixou até
os joelhos... camisola. E os vestidos de dia e os vestidos de baile que solicitou.
—Oh! — Vitória tinha esquecido por completo o custoso enxoval que
tinha pedido antes do incidente, quando ela tinha planejado casar-se com
Stickley e necessitava algo que desejar, embora se tratasse de uma carruagem
carregada de novos vestidos.
É óbvio, sua cabeça tinha sido uma confusa terrina de papa desde que
tinha aceitado casar-se com Lucien, por isso não era uma surpresa que tivesse
esquecido uma excursão de compras que fez há mais de seis semanas. Parecia
uma existência completamente separada, a vida de uma jovem à bordo de um
futuro planejado, embora não terrivelmente emocionante. Agora, sentia-se
anos mais velha. Décadas, inclusive.
—Sim, obrigada —, respondeu ela finalmente. — A casa do duque vai
estar bem.
Enquanto a costureira a fazia passar ao vestidor e a ajudava a tirar o
vestido de noiva e colocar o vestido de passeio com o qual tinha chegado, não
podia deixar de pensar que a partir de amanhã, a Casa Clyde-Lacey já não
seria sua casa. Em troca, ela se casaria com o visconde Atherbourne. Nem
sequer sabia onde vivia.
—Não é tão mau, sabe. — A escura voz com acento da senhora Bowman
interrompeu seus pensamentos. A costureira estava atrás de Vitória,
abotoando os botões das costas de seu rosado vestido de cambraia de manga
longa e ajudando-a com seu casaco rosa.
Vitória franziu o cenho, confundida.
—Matrimônio. Você tem medo, verdade? — A senhora Bowman deu às
saias de Vitória um último cuidado para eliminar as rugas e parou diante dela,
as mãos nos quadris e um olhar de cumplicidade em seus inteligentes olhos
marrons. — Você não deve temer. As mulheres têm muito poder.
Vitória baixou o olhar para suas mãos onde se enredavam em sua cintura.
Ela relaxou conscientemente seus dedos, envergonhada de ter suas emoções
tão expostas para alguém que era pouco mais que uma conhecida. Embora a
conversa fosse desconcertante, a declaração da senhora Bowman despertou
sua curiosidade.
—Que poder temos? Nem sequer tenho direito aos meus próprios
recursos.
—Vais casar-se com Atherbourne?
Vitória vacilou antes de assentir. Como uma costureira sabia dessas coisas?
Ela pareceu ler a pergunta de Vitória em seu rosto.
—As mulheres falam muito aqui no Bowman —, começou criticamente.
— Dizem que ele é... bom, você não encontrará o matrimônio tão difícil
como imagina.
—Mas você disse que temos poder. Que poder? — A curiosidade
queimava no interior de Vitória. Ela precisava saber.
A senhora Bowman lhe dirigiu um olhar penetrante.
—Logo descobrirá que a felicidade de um marido não pode estar
completa sem a felicidade de sua esposa. Se necessário, faça-o recordar isto no
momento oportuno... — Ela estalou os dedos e fez um florido gesto italiano
com eles... — Ele é seu. — Ela levantou um dedo diante do nariz de Vitória.
— Mas não terá que deixar que ele saiba que você sabe que tem o poder. Essa
é a chave.
Vitória franziu o cenho. Isto era claramente inútil. E confuso.
—Mas como posso estar segura de quando é o momento oportuno?
A senhora Bowman apertou os lábios e arqueou uma sobrancelha,
contemplando Vitória com uma elevada inclinação de sua cabeça.
—Você saberá.
Maldita seja, a mulher estava cheia de informação misteriosa, e,
entretanto não oferecia nada. Dava-lhe vontade de bater o pé com frustração.
—Vitória talvez deveríamos ir —, disse Lady Berne do outro lado da
cortina do vestidor. — Temos muito que organizar antes de amanhã.
Vitória atou rapidamente a fita de seu chapéu, deu um passo além da
cortina, e sorriu frente à cara redonda da condessa.
—Sim, vamos.
Enquanto caminhavam para o sul pela Bond Street e Bruton Berkeley
Square, Vitória pensou no que havia dito a costureira e se perguntou se
poderia ser verdade. A ideia de que uma mulher pudesse ter influência e
poder próprio, dentro dos limites do matrimônio não lhe tinha ocorrido. Por
outro lado, não era muito surpreendente. Tinha sido criada em um lar
adequado, seus pais contentes um com o outro, mas raramente abertamente
afetuosos. Sua mãe tinha morrido quando Vitória não tinha mais que
dezessete anos, e antes disso, nunca tinham falado do que implicava uma
relação com um homem, muito menos compartilhar segredos valiosos como a
forma de exercer um real poder sobre um marido.
Quando ela tinha aceitado casar-se com Lucien, parada na sala olhando-o
nos olhos, Vitória sabia que era a única decisão que podia ter tomado, pelo
bem de Harrison e pelo bem de seu próprio futuro. Entretanto, após, havia se
sentido à deriva com muitas incertezas. Seria bom com ela? Quereria utilizá-la
(outra vez) como uma vantagem contra Harrison? Ela não sabia como poderia
fazê-lo sem sua cooperação, mas tampouco poderia descartá-lo. Tentaria
humilhá-la ainda mais? Tragando saliva, reconheceu que esse era seu maior
temor. Como seu marido, teria domínio absoluto sobre sua pessoa, seus bens,
sua vida. Se assim o desejasse, poderia atormentá-la de muitas maneiras, tanto
em público como em privado. Harrison lhe havia dado esse mesmo
argumento quando tinha lhe contado sua decisão. Agora, sem dúvida, com
pouco mais que um comentário improvisado, a senhora Bowman lhe havia
dado um raio de esperança. Se pudesse de fato, conservar o poder dentro do
matrimônio, ao menos não estaria indefesa.
—O que pensa, querida?
Vitória olhou com ar ausente à Lady Berne.
—Mm? — A condessa sorriu, e Vitória soube que tinha sido
surpreendida sonhando acordada. — Perdão, milady. Hoje parece que meus
pensamentos se negam a ficar em ordem.
—Querida—, a mulher enganchou seu braço através do de Vitória e lhe
acariciou a mão, em um gesto de compressão.
—É de se esperar. Amanhã é o dia de suas bodas, depois de tudo. Tantas
mudanças de uma vez. É estimulante, e, entretanto atrevo-me a dizer que me
lembro de sentir muito temor antes, em casar com Lorde Berne. — Ela sorriu
com afeto, os olhos turvados de nostalgia. — Era muito bonito sabe. Poderia
ter escolhido a qualquer uma de uma dúzia de belezas da temporada. Mas ele
se decidiu por mim, e isso foi tudo.
Vitória sorriu, apanhada momentaneamente na lembrança feliz da
condessa.
—O que os atraiu juntos?
—Foi esse horrível ponche no baile de verão da duquesa de Harrington.
Vitória riu.
—Sério?
Os quentes olhos marrons da mulher brilharam alegremente, e se inclinou
mais perto, para compartilhar uma deliciosa intriga.
—Oh, sim. A duquesa era uma mulher vaidosa e arrogante, sempre
usando uma peruca que caía de sua cabeça. Não tenho nem ideia do por que.
Nós teríamos pensado que iria ter mais cuidado, mas... — Ela encolheu os
ombros. — Em qualquer caso, Sir Albon Throckmorton, o homem mais
torpe e estúpido que conheci, estava tendo um acalorado intercâmbio com
uma planta em um vaso de barro, que tinha incomodado sua parte posterior.
Chocou-se com a duquesa, e a peruca não sobreviveu à briga.
Rindo e movendo a cabeça ante a imagem absurda, Vitória perguntou: —
Caiu?
—Diretamente na poncheira.
—Que vergonha para ela.
Lady Berne sorriu com malícia.
—Mortificante, sim. Mas, como eu estava parada muito perto da mesa
dos refrescos, o incidente resultou providencial. Lorde Stanton Huxley, o
bonito primeiro filho do conde de Berne, estava justo atrás de mim, com a
intenção de servir uma taça desse desgraçado ponche, é de supor. Quando a
peruca aterrissou na terrina, ele rapidamente me puxou para me pôr a salvo.
Vitória sorriu e assentiu com a cabeça.
—Lorde Berne é um verdadeiro cavalheiro.
—Oh, suspeito que não era tanto que ele estivesse tratando de me
resgatar, senão que desejava assegurar-se de me interpor entre ele e o ponche.
Mas isso não vem ao caso. Pensaste algo a respeito de como o bom Deus
tinha respondido minha prece, ao golpear a dignidade de Sua Graça e a seu
terrível ponche em um só golpe. Acredito que fiz referência ao milagre de
Moisés e o Mar Vermelho.
—Você o fez rir —, disse Vitória com carinho.
—Tão forte que começamos a chamar a atenção. Vi-me obrigada a dançar
com ele só para conseguir que se acalmasse.
Seguiu uns minutos de agradável silêncio, quebrado só com o estrondo da
rua: as rodas das carruagens, o som dos cascos dos cavalos, os gritos dos
choferes, e o alvoroço dos compradores, enquanto Lady Berne parecia perdida
em suas lembranças e Vitória contemplava o que traria o dia de amanhã.
Discretamente, se inclinou para a mulher mais velha e lhe perguntou: — Esse
é o segredo, então, para um bom matrimônio?
A surpresa da condessa foi evidente em suas sobrancelhas levantadas.
—O que querida? O humor?
Vitória assentiu.
Ela enrugou levemente o cenho e franziu os lábios como se tratasse de
desentranhar a resposta.
—Bom, suponho que desempenha um papel. — Ela assentiu com a
cabeça para confirmar. — Sem dúvida, faz os terrenos espinhosos mais fáceis
de suportar. Mas devo dizer que o matrimônio não é tão simples como um
ingrediente secreto.
—Não, é obvio que não—, murmurou Vitória. — Estava me
perguntando... — Sua voz apagou-se enquanto debatia como averiguar a
informação que desejava saber sem invadir a privacidade da condessa ou os
limites da decência. Decidindo simplesmente fazer a pergunta diretamente,
deu uma olhada ao redor da rua para estar segura de que ninguém estava
suficientemente perto para escutar. — ouvi que há maneiras de que uma
mulher pode exercer o poder dentro de seu matrimônio. Isso é certo?
Claramente surpreendida pela pergunta, Lady Berne ficou rígida e
diminuiu o passo, parando para enfrentar Vitória por um momento, antes de
dar-se conta que chamariam a atenção se permaneciam paradas. Voltando a
agarrar o cotovelo de Vitória e reatando seu passeio, a condessa murmurou:
— Querida, sua mãe nunca te explicou... hã... os assuntos além das bodas?
Vitória negou com a cabeça, um rubor esquentando suas bochechas.
—Oh, céus. — A condessa clareou a garganta e abriu a boca para dizer
algo, então pareceu reconsiderá-lo.
—Não tem que responder, milady. Foi uma pergunta impertinente, e não
deveria havê-la feito.
—Não, não. — Lady Berne lhe apertou o braço para tranquilizá-la.. —
Simplesmente estava ordenando meus pensamentos. — Ela riu. — Ainda não
tive este pequeno bate-papo com minhas filhas, assim não tinha me dado
conta… — Fez um gesto com a mão desprezando o assunto. — Não
importa. Uma jovem deveria ter alguma ideia do que esperar antes de entrar
no matrimônio. Atrevo-me a dizer que sua querida mãe provavelmente tinha
estado esperando até que fosses casar; como eu com minhas próprias filhas.
Estou segura de que ela desejaria que eu te informasse de seus deveres de
esposa.
Vitória podia sentir o sangue queimando seu rosto e se perguntou se o ar
a seu ao redor de verdade resplandecia com o calor.
—Deveres? — grasnou.
—Sim, querida. Seu marido esperará que durma com ele na cama
matrimonial. Deve fazê-lo com o fim de ter filhos, é óbvio.
—É obvio—, respondeu ela com voz rouca.
—A maioria dos homens deseja ter filhos. Oh, isso me recorda, deve te
manter calada, querida.
—Ca… calada?
—Bom, não silêncio absoluto naturalmente, mas não me ocorre nenhum
cavalheiro que prefira um montão de uivos e alvoroço, em lugar de um estado
de bendita paz e quietude.
Encolhendo-se ao recordar como tinha feito um "alvoroço" durante seu
abraço com Lucien no terraço Gattingford, Vitória tratou de imaginar-se
quieta e em silêncio enquanto Lucien a tocava e a beijava como o tinha feito
antes. Estava decidida a ser uma boa esposa, mas à luz desta nova informação,
poderia resultar num desafio ainda maior do que tinha antecipado.
—Se administrar bem sua casa, dá-lhe filhos, e fazer tudo em seu poder
para que esteja cômodo e descansado, será uma esplêndida viscondessa. —
Lady Berne sorriu à Vitória. — Agora se sente melhor?
Vitória pregou um sorriso em seu rosto e assentiu, ansiosa de que a
vergonhosa conversação terminasse por fim.
—Obrigado por seu importante conselho. Foi muito amável.
A condessa assentiu e continuaram por Berkeley Square. A fila bem
ordenada de casas da cidade eram um terreno conhecido. Justo quando
chegavam à Casa Clyde-Lacey, uma grande estrutura de tijolo que abrangia o
dobro da largura das outras casas, Lady Berne puxou Vitória para detê-la.
—Oh! Minha querida moça, quase me esqueci o mais importante.
Interiormente, Vitória fez uma careta, esperando que esta pérola de
sabedoria resultasse menos embaraçosa que o resto.
—Sim?
—Logo que seja possível, descubra qual é seu prato favorito e o menos
favorito. Quando estiver agradada com ele, te assegure de que a comida que
mais gosta seja servida ao menos uma vez por semana.
Piscando surpresa, Vitória absorveu o conselho e assentiu. Em seguida
perguntou: — E deveria saber seu prato menos favorito para que se evite
servi-lo?
—Oh, não, querida. Deve sabê-lo para que o sirvam cada vez que não
esteja agradada com ele. — Apertou a mão de Vitória, enquanto subiam os
degraus da entrada. — Para seu bem, espero que seja em raras ocasiões.
Capítulo 7

"Embora esteja de acordo que os homens gostam de uma boa comida,


Meredith, atreveria-me a dizer que o estômago não é a rota mais direta ao
coração de um homem. Esse órgão se localiza bastante mais abaixo."
A Marquesa Viúva de Wallingham à condessa de Berne ao se inteirar do
menu do jantar da dita dama.

O dia das bodas de Lucien começou com um trovão e uma corrente de


chuva, o dilúvio lavando as ruas de Londres e golpeando as janelas do salão de
Blackmore durante todo o transcurso da pequena e discreta cerimônia.
Inclusive agora, no meio do tinido e do falatório do café da manhã de
bodas não havia cessado, um constante assobio como cortina de fundo
interrompida pelo ocasional trovão detestável. Com menos de uma dúzia de
convidados presentes, as vozes dos familiares e amigos de Vitória não
conseguiam afogar os sons da tormenta.
Uma mão dura lhe golpeou entre os ombros justo quando estava a ponto
de comer um bocado do bolo de espinafres e presunto.
—Bom, velho amigo, parece que ninguém está preparado para te felicitar,
assim me permita ser o primeiro—, disse Lorde Tannenbrook em tom
neutro.
Lucien tossiu em uma onda de risada irônica e sacudiu a cabeça a seu
único aliado, que estava sentado à sua direita na longa mesa do salão.
—Acredito que vais ser o único—, murmurou, olhando ao seu redor, à
aqueles que transmitiam sua desaprovação para ele com bastante eficácia
através de uma árida cortesia.. Mas pouco importava. O fato feito está,
independentemente do que o duque ou qualquer outra pessoa possa sentir a
respeito.
James tomou um bocado de pão torrado e assentiu com a cabeça.
Desde sua chegada à Casa Clyde-Lacey, a atmosfera tinha sido fria. Longe
de ser inesperado, igualmente resultava incômodo. O duque apenas lhe tinha
falado. Colin Lacey tinha chegado bêbado e tentado embebedar-se mais à
medida que avançava a manhã. Lorde e Lady Berne o tinham saudado com
uma tensa reserva, inclusive enquanto abraçavam e mimavam Vitória como se
fossem galinhas e ela, seu único pintinho. Claramente sentindo a tensão na
sala, o sacerdote tinha franzido o cenho e havia perguntado a Vitória várias
vezes se estava segura de que não queria reconsiderá-lo. Em definitivo, sentiu-
se afortunado que ela não tivesse planejado um assunto maior.
Os olhos de Lucien deslizaram além de James, à cabeceira da mesa onde
sua pálida e apagada esposa estava sentada conversando tranquilamente com o
conde de Berne. Não tinha pensado previamente que fosse bonita, mas apesar
de sua conduta reservada de hoje, estava surpreendentemente formosa. Seu
vestido, uma diáfana confecção de branco, prata, azul e verde, fazia brilhar
seus olhos e sua pele. Suas tranças douradas tinham sido desdobradas
engenhosamente sobre sua cabeça, permeadas com diminutas flores brancas e
folhas verdes. Uns cachos soltos brincavam ao redor de seu rosto e tocavam o
colar de pérolas que rodeava seu delicado pescoço branco. Imaginou-se
desatando o colar e passando a língua ao longo de seu caminho. Logo mais
abaixo, pensou enquanto seus olhos pousavam em seus doces peitos
exuberantes e arredondados, e mais abaixo ainda.
A força do desejo, dura e repentina, inundou seu corpo, esticando sua
virilha e acelerando sua respiração. Como um raio rápido e terrivelmente
poderoso. Maldita seja. Quão último precisava era uma distração desta
magnitude. Obrigando-se a afastar sua atenção de Vitória, chocou-se com o
olhar cúmplice de James.
Maldita seja. Ao que parecia, sua luxúria era óbvia, ao menos da
perspectiva de Tannenbrook. Sua fixação em deitar-se com sua nova esposa,
embora compreensível em diferentes circunstâncias, era indecoroso e pouco
inteligente aqui em território inimigo. Só podia esperar que os outros na mesa
não tivessem notado olhando-a como um jovem desesperado contemplando
enlevado a uma leiteira roliça.
—Digo Atherbourne, talvez devêssemos levar estas festividades a seu fim.
Vê-se mais bem desejoso de passar a uma celebração mais privada, não? — As
palavras arrastadas de Colin Lacey soaram em um tom exageradamente alto e
seguidas de uma risadinha de bêbado, chegaram ao outro lado da mesa. —
Ou me ocorre algo. Por que não só a leva ao terraço? Parece que gosta desse
tipo de coisas.
O silêncio caiu com força sobre a mesa, só quebrado pelo protesto do
vento e a chuva contra as janelas do salão, enquanto o grupo lutava com o
desconforto do inapropriado abrupto. Sentado à esquerda de Lacey, Lorde
Berne um homem de aspecto distinto, de aproximadamente cinquenta anos,
com um cabelo pouco abundante de cor cinza prata e uma atitude jovial,
tossiu em seu guardanapo. À direita de Lacey, a segunda filha do conde, uma
garota gordinha, muito tímida, cabelo castanho opaco, um nariz chato
redondo, olhos grandes e agora totalmente abertos atrás de seus óculos,
observava boquiaberta.
O homem entre eles não se fixou no tumulto que tinha causado, sorrindo
confusamente a Lucien e em seguida rindo entredentes. Seu cabelo loiro
claro, um tom mais claro que o de sua irmã, era um pouco mais comprido na
parte superior, onde se enroscava em uma desordem encantadora. Com
feições finamente desenhadas, era bonito de um modo juvenil, beirando o
feminino, mas os anos de dissolução tinham cobrado seu preço: seus olhos
azuis se viam opacos, a pele pálida e sua expressão, desagradavelmente cínica.
—Colin —, repreendeu Blackmore friamente do pé da mesa. — Isso é
mais que suficiente.
Seus olhos descansando brevemente no intenso rubor de sua esposa,
Lucien sentiu uma coceira de irritação ao longo de sua coluna. Maldito
mequetrefe. Uma coisa era que Lacey fizesse um imbecil de si mesmo, ou
inclusive tentasse envergonhar a Lucien. Outra, humilhar a sua irmã no dia
de suas bodas.
—Por uma vez Sua Graça, você e eu estamos de acordo—, comentou
Lucien com um sorriso frio. — Isto é de fato, mais que suficiente.
Com isso levantou-se da mesa e se dirigiu para o lado de Vitória,
provocando discretas exclamações de surpresa por parte dos outros e logo o
silêncio. Sua esposa negava-se a olhá-lo, suas mãos fortemente pregadas em
seu colo, os ombros rígidos e a cabeça inclinada. Estendeu-lhe a mão.
—Despedimo-nos, querida? — perguntou com suavidade, sabendo que
ela não teria mais remédio que concordar se não quisesse parecer grosseira.
—Mas milord — protestou Lady Berne—, ainda não partimos a torta.
Certamente, você quererá que sua esposa prove seu bolo de bodas antes de…
—Você deve me perdoar milady—, interrompeu ele olhando ao redor da
mesa e encontrando os olhos daqueles que sabia ele, desejavam-lhe
fervorosamente que fosse ao inferno. — A manhã se tornou... fria. Eu não
gostaria que minha esposa pegasse um resfriado.
Um trovão escolheu esse momento para ressonar fora. Sentiu uma mão
delicada deslizar-se na sua e se voltou para ajudar Vitória a levantar-se. Ela fez
uma breve pausa e lhe sustentou o olhar com olhos solenes, continuando
dirigiu-se aos convidados enquanto os cavalheiros se levantavam de seus
assentos.
Com voz firme e tranquila, disse: — Agradeço a todos por virem hoje.
Lorde Atherbourne e eu iremos agora, mas, por favor, fiquem e desfrutem do
café da manhã e do bolo. Foi um privilégio tê-los aqui para celebrar nosso—,
se deteve e clareou a garganta delicadamente—, matrimônio.
Colin inclinando-se a um lado enquanto se esforçava para manter-se em
pé, grasnou um protesto e disse: — Agh Tori, vamos. Sei bem que o maldito
Harrison tem o senso de humor de uma rocha coberta de musgo, mas não
pensei que você tomaria como uma ofensa. Foi tudo por diversão.
A mão de Vitória se esticou onde descansava na de Lucien, e sua tranquila
dignidade pareceu tremer como uma folha em uma tormenta. Bom Deus. Vai
chorar? O pensamento lhe provocou uma onda de ira. E talvez uma pequena
dose de pânico.
—Colin não, por favor—, disse ela, sua voz trêmula pela emoção contida.
Isso foi tudo. Enquanto o ódio de Lucien pelo duque o corroía até os
ossos, agora tinha uma boa razão para que não lhe agradasse nenhum dos dois
irmãos de Vitória. Se pudesse encontrar uma maneira de fechar a boca do
Lacey com o punho sem piorar tudo, saltaria através da mesa sem um minuto
de vacilação.
Em vez disso, insistiu para Vitória avançar, ansioso por raptá-la na maior
brevidade. Na entrada do salão, voltou-se de novo para os convidados e se
inclinou sarcasticamente.
—Sua Graça. Milord. Senhoras. Foi um prazer como sempre.
Minutos depois, os serventes sempre eficientes da Casa Clyde-Lacey,
haviam envolto a sua senhora em uma capa com capuz de veludo de prata e
assegurado que sua carruagem fosse colocada à frente. Sustentando um
guarda-chuva por cima dos dois, Lucien curvou ligeiramente seu braço ao
redor da pequena cintura de Vitória e a conduziu pelo aguaceiro para o
interior dos luxuosos limites de sua carruagem. De imediato sentando-se na
banqueta, ela alisou a saia e voltou a cabeça para olhar pela janela oposta.
Lucien entregou o guarda-chuva a seu lacaio e subiu a seu lado,
assegurando-se que seu ombro roçasse o dela, suas coxas a meros centímetros
de distância. Ela era graciosa, seus movimentos suaves e eficientes. Se não
tivesse estado observando-a de perto, ele não teria percebido seu nervosismo.
Mas tinha estado observando. Desejando. Do momento em que chegou e a
viu em seu vestido de noiva.
—Não perguntaste para onde vamos. Não tem curiosidade por seu novo
lar?
Na realidade, não lhe havia dito muito essa manhã. Uma breve e cortês
saudação, então seus votos. Pouco mais.
Como reação a sua voz, ela voltou ligeiramente a cabeça em sua direção.
O capuz ocultava tudo menos um indício de seu perfil. Podia ver a ponta de
seu nariz delicado, a curva de seus lábios grossos.
—Importa? Vamos estar ali muito em breve.
Franziu o cenho. Não gostava de seu tom apático, sua luz tênue. A Vitória
que havia conhecido no terraço Gattingford e de novo no dia em que lhe
tinha proposto matrimônio não duvidava em olhá-lo nos olhos, em envolvê-
lo em um animado debate, em interrogá-lo ou castigá-lo ou maldição, tentá-
lo além de toda razão. Quanto mais pensava nisso, mais odiava o que tinha
provocado que se tornasse calada e resignada.
—Espera até que veja a masmorra—, lhe sussurrou ao ouvido.
Sua flagrante provocação funcionou. Imediatamente, sua cabeça girou
para enfrentar a ele, seus olhos abertos e emocionados. Ele riu e lhe deu uma
piscada. Ela ruborizou.
—Também há um fosso, milord?
Como defesa, foi bastante azeda e inteligente. Mas ele não tinha
terminado de provocar a verdadeira Vitória para que saísse de sua carapaça.
—Se a chuva continuar assim—, disse assinalando a interminável capa de
água além das janelas. Então me atrevo a dizer que se torna mais provável a
cada minuto. — Isso lhe provocou um pequeno sorriso. Sentiu uma satisfação
inexplicável ao vê-lo.
Nesse momento, a carruagem fez uma curva fechada, fazendo com que
Vitória se balançasse para ele. Sua mão enluvada se esticou instintivamente
para apoiar-se.
Em sua coxa.
Ele quase grunhiu em voz alta. Meu Deus, isto era uma tortura. Baixou a
vista procurando mais lá na parte superior de seu capuz, aonde seu busto teria
sido visível se não fosse por essa infernal mortalha de veludo.
—Desculpas, milord. — Ela soava nervosa. Bem. Também ele.
Sua mão desapareceu enquanto ela tentava escapulir, mas seu braço ao
redor de sua cintura a reteve ao seu lado.
—Não se preocupe, docinho. A vida está cheia de giros inesperados. É
privilégio de um marido servir como lastro. — Não estava completamente
seguro do que acabava de dizer. O sangue bombeava por seu corpo mais forte
que um grande tambor meio doido por um mítico gigante. Era do mais
incômodo.
Ela se retorceu contra ele, ganhando perto de meio centímetro de espaço,
mas também conseguiu fazer voltar o ferro no interior de suas calças em aço.
Esta vez, sim grunhiu em voz alta. Ela ficou quieta.
—Está doente, milord?
Ele respirou através da dor. Talvez fosse melhor o espaço adicional.
Afrouxando o braço, permitiu a seus corpos separar-se e se moveu a uma
pequena distância. Dirigindo-lhe um sorriso tenso, brincou: — Se tiver a
esperança de uma viuvez iminente, temo que terá uma decepção. Tenho
uma… constituição muito robusta.
Ela piscou, um pequeno cenho franzido por cima da ponta de seu nariz.
—Não desejo sua morte.
—Bom — disse, incapaz de ocultar a risada em sua voz. — É um alívio.
Ao fim compreendendo sua brincadeira, Vitória deixou cair seus olhos,
mordendo o lábio inferior quando surgiu um sorriso.
—Talvez devesse.
—Disparates. Confia em seus instintos, sempre digo isso. Assassinar o
marido é um assunto complicado. Poderia estar ocupada com o imóvel
durante anos. — Ela riu, o som leve e doce. Era a primeira vez que ouvia sua
risada, deu-se conta. Agora que o tinha obtido, queria mais... — muito
melhor passar uma década ou duas me obrigando a pagar somas exorbitantes
à costureira e a chapeleira.
Rindo mais forte, ela meneou a cabeça e lhe dirigiu um olhar malicioso
debaixo de suas pestanas.
—Bom conselho, milord. Mas você deve estar muito mais preocupado
por meu fornecedor de tecido e colorista.
—Desfruta muito de pintar, verdade? — Ele já sabia que isso era certo.
Antigos criados de Blackmore tinham sido loquazes e desejosos de
compartilhar suas afetuosas observações sobre sua senhora. Fazia sua tarefa
mais fácil, para dizer o mínimo. Mas ela não precisava saber isso.
Ela suspirou e relaxou ainda mais no assento, inclinando-se para ele.
—É maravilhoso. Uma de minhas coisas favoritas, na realidade.
O calor que havia sentido queimando-o antes aliviou, e agora se havia
convertido em um calor suave, brilhante que emanava de seu ventre. Era
quase... reconfortante.
—Necessitará um estúdio, então.
De repente, parecendo um pouco tímida, como se ele fosse um estranho
lhe oferecendo uma guloseima, ela protestou: —Oh, eu não poderia pedir...
—Não o fez. Eu o ofereci. Além disso, na Casa Wyatt não faltam
habitações, como logo verá. Escolha a que queira. — Ela o olhou durante um
longo momento, como se avaliasse sua sinceridade. Ele se inclinou para frente
para levar seu rosto ao nível do dela.
—Quer um estúdio, verdade?
—Sim — murmurou, olhando sua boca. — Sim quero.
Lucien esperou, observando seus olhos dilatados, sua respiração acelerada.
—Um lugar para pintar—, terminou por ela.
Ela assentiu com a cabeça, parecendo um pouco fora de tempo, mas logo
se recompôs.
—Terei… — clareou a garganta. — Terei que inspecionar a casa e lhe
darei uma lista de possibilidades.
—Não há necessidade. Como te disse, pode ter a habitação que goste.
—É uma oferta muito generosa, milord. Obrigada.
Ele fez um gesto desdenhoso.
—A Casa Wyatt será seu lar. É minha esposa agora, depois de tudo.
—Sim—, disse em voz baixa e deu a volta para olhar pela janela aos
edifícios da rua Oxford. Parecia triste. Perdida. — Sou sua esposa.
Capítulo 8

"Um excelente servente está sempre presente, embora raramente se veja ou se


ouça. Igual um fantasma que por acaso desfrute da limpeza.”
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu mordomo.

Entrando na casa da cidade de Lucien, uma construção de tijolo,


localizada em Portman Square, meia hora depois de deixar a Casa Clyde-
Lacey, Vitória se maravilhou de que a vida pudesse mudar tão radicalmente
em questão de semanas, que era quase impossível recordar como era ela
mesma antes. Antes do erro. Antes do escândalo. Antes da transformação da
irmã de um duque, da prometida de um marquês, à esposa de um visconde.
Baixando o olhar para sua mão esquerda, onde um aro de ouro de
filigranas aninhava um grupo em forma de coração, de diamantes e pedras cor
água-marinha, seu ventre deu um tombo e se esticou com uma dor peculiar.
Ela era sua esposa. Ele era (tragou saliva) seu marido. Agora ele tinha certos...
direitos.
Respirando profundamente e tratando de acalmar-se, concentrou-se em
seu entorno. O vestíbulo era luxuosamente formoso: as paredes azul céu, um
chão de mármore cinza pálido, e uma impressionante e magnífica dupla
escada curva se erguia no centro como dois grandes braços estendidos em um
abraço. Chamou-lhe a atenção a quantidade de luz que enchia o espaço,
apesar da escuridão da tormenta exterior. Atraída para diante para resolver o
mistério, olhou boquiaberta, a quatro pisos de altura, a uma magnífica cúpula
de cristal no céu raso.
—Simplesmente incrível—, murmurou.
Realmente, ela não tinha ideia que Atherbourne tivesse os bolsos tão
cheios. Sua residência da cidade era uma das maiores. Uma mansão,
realmente. Em uma quadra discretamente elegante cheia de casas estreitas.
Situada no distrito de Maylebone, justo ao norte de Mayfair, em uma direção
ligeiramente menos de moda, embora não menos luxuosa, que a Casa Clyde-
Lacey.
—Parece um pouco ostentoso, não é assim? — observou Lucien com
suave ironia, a uns centímetros atrás dela.
Ela deu um recuo pela surpresa e se voltou para ele.
—Não! — Disse. Santo céu, sua voz foi alta e um pouco forte.
Encolhendo-se, tentou-o de novo. — Quero dizer, não milord. Em realidade,
acredito que é muito belo. Tem uma casa preciosa.
O familiar meio sorriso curvou sua boca, e uma luz brilhou em seus olhos
escuros.
Vestido com um casaco negro formal, um colete de seda prata e calças
cinza, Lucien parecia o anjo escuro que lhe tinha etiquetado previamente. A
gravata branca simplesmente o enfatizava. Céus, era um homem bonito. E
com ele tão perto, era um problema pensar com claridade.
—É agora sua casa também, querida. Assim talvez devesse dizer: temos
uma casa preciosa.
Perturbada pela ideia, deu a volta para olhar umas portas fechadas justo
ao lado do vestíbulo. A sala ou o salão matinal, talvez?
—Sim, bem. Suponho que isso é certo. — Apesar de quase não se sentir
dessa maneira.
O mordomo um homem curvado, enrugado, de anos terrivelmente
avançados, voltou com lentidão arrastando os pés, para anunciar em voz
muito alta: — Milord, os criados estão preparados para serem apresentados à
Lady Atherbourne. Estão no salão. — Lucien fez uma careta quando a voz
muito forte do homem ecoou no espaço aberto.
—Muito bem, Billings.
Billings, que tinha tomado as luvas de ambos e a capa de Vitória quando
chegaram pela primeira vez, assentiu com sua cabeça branca como a neve e se
dirigiu com o mesmo andar lento e os pés arrastando para voltar ao segundo
conjunto de portas duplas do vestíbulo.
—Vamos, Lady Atherbourne? — Lucien lhe entregou o braço, e juntos
entraram em uma suntuosa sala dominada por uma mesa de mogno, de
largura enorme, flanqueada em ambos os lados por uma vertiginosa série de
cadeiras, facilmente duas dúzias no total. O damasco cobre em pó nas paredes
era moderado pelo suave branco do revestimento de madeira e das molduras
ornamentais. Uma chaminé de mármore branco ao longo da parede oposta à
entrada estava coroada por uma preciosa paisagem cor verde. A pintura era
inglesa, mas com a qualidade suave, sonhadora do estilo francês. Um Turner,
pensou ela.
Em frente do alto conjunto de janelas em um extremo da habitação, havia
uma longa fila de serventes. Billings e uma robusta mulher, de rosto corado,
que devia ser a governanta a julgar por seu vestido, estavam mais perto da
entrada. Billings clareou a garganta.
—Milady—, disse com voz rouca. — Permita-me lhe apresentar à
governanta, a senhora Garner.
A mulher sorriu calidamente, revelando uma grande distância entre seus
dois dentes dianteiros, e fez uma reverência, seu anel de chaves chiando
contra sua cintura.
—Bem-vinda à Casa Wyatt, milady. O que seja que necessite, não duvide
em visitar a senhora Garner. Estamos todos tocando o céu com as mãos,
porque Lorde Atherbourne casou-se. Justo outro dia, estava dizendo à
cozinheira que você não encontrará uma governanta mais feliz em Londres
que a senhora Garner. — Momentaneamente desconcertada pela efusiva
saudação, depois de uns segundos, Vitória respondeu com um tranquilo, mas
sincero: — Obrigada por sua amável boas-vindas, senhora Garner. — Ao qual
ela respondeu como um cachorrinho excitado, seu sorriso voltando-se mais
amplo e suas chaves novamente tilintando quando voltou a fazer uma
reverência varias vezes mais.
As respostas do resto do pessoal, embora menos loquazes, foram
igualmente cálidas e amáveis. Sacudida pelas lembranças do desastroso café da
manhã de bodas, assim como pela tensão de mudar-se para uma nova casa.
Oh, céu querido. Por pensamentos sobre a noite por vir, Vitória sabia que era
pouco provável que recordasse muitos dos nomes do pessoal. Certamente,
recordaria o da senhora Garner, a mulher repetiu seu próprio nome
suficientes vezes para assegurar-se disso. Talvez pedisse à senhora Garner que
fizesse uma lista dos serventes e suas funções na casa, pensou distraidamente.
Simplesmente enfrentar ao próprio escândalo do diabo e organizar umas
bodas apressadamente tinha ocupado toda a atenção de Vitória ultimamente,
por isso havia tido pouco tempo para considerar a tarefa que agora tinha
diante: converter-se na viscondessa Atherbourne significava administrar
totalmente as casas das várias propriedades de seu marido. Embora sabia que
era mais que capaz, depois de haver feito o mesmo com as propriedades
Blackmore após a morte de sua mãe, estava obrigada a tomar seu tempo e
esforço antes de que se sentisse como a senhora, em vez de uma estranha, em
seu novo lar.
Quando o último dos lacaios se inclinou e saudou Vitória com um final
"milady", sentiu a mão forte e grande de seu marido, pegando seu cotovelo.
Não um, a não ser vários formigamentos emanaram de onde a palma de
sua mão abrangia seu braço, fazendo-a estremecer. Que parva ter estado
desejando uma coisa assim. Ser tão afetada por um toque casual era do mais
desconcertante, especialmente se considerava que uma capa de tecido separava
sua pele da dela.
Como se escutasse seus pensamentos e querendo provocá-la, Lucien se
aproximou de seu ouvido, seu aroma limpo de especiarias rodeando-a, e
murmurou: — Despache-os, e te mostrarei nossas habitações.
Seu estômago desabou e se enroscou como um pássaro em uma repentina
rajada de vento. Sentiu acalorar-se sua pele com um forte rubor e lhe secou a
boca.
—Mas passa pouco do meio-dia milord—, sussurrou ela negando-se a
olhá-lo ou aos criados.
Ele ficou em silêncio durante vários segundos, mantendo a cabeça
inclinada intimamente perto da dela. Quase podia senti-lo dispondo-a a fazer
o que lhe havia exigido. Logo Lucien flexionou ligeiramente os dedos que
retinham seu braço. Se endireitou em toda sua estatura imponente, mas não a
soltou.
—Billings! — trovejou com força, sobressaltando Vitória. Dirigiu-lhe um
olhar fulminante. Realmente, pensou. Presumivelmente, ele elevou a voz para
que o mordomo ancião pudesse lhe escutar através da longa extensão da sala,
mas o mínimo que poderia fazer era lhe advertir.
—Sim, milord?
—Os pertences de Lady Atherbourne foram entregues esta manhã?
—Sim, milord. Todos os baús foram descarregados, e os pertences de sua
senhoria estão desempacotados e colocados em sua antessala.
Lucien voltou seu olhar dominante à governanta.
—Senhora Garner, Lady Atherbourne e eu tomaremos o almoço e o
jantar em nossas habitações. Pode deixar as bandejas fora da porta. Não
queremos ser incomodados até amanhã, entendido?
Os olhos de Vitória se moveram rapidamente entre as sobrancelhas
arqueadas da senhora Garner e o duro perfil de Lucien. Certamente ele não
acabava de dizer o que ela pensava que havia dito. Não podia haver
simplesmente... anunciado tal coisa.
—De fato—, continuou ele—, leve um banho a nossa antessala não antes
das dez da manhã de amanhã, e atrase o café da manhã para meia hora depois.
Vitória sentiu que a vergonha a enchia, zumbindo como abelhas furiosas
em seus ouvidos e correndo por suas veias, quente e fria ao mesmo tempo.
Vários ofegos e o que eram claramente risadas sufocadas puderam se escutar
da fila dos criados.
Como se atrevia a envergonhá-la assim? Em frente de todo o pessoal, nada
menos. Pensava que os serventes acreditariam que iam jogar xadrez até a
metade da manhã do dia seguinte? É óbvio que não. A implicação era
evidente, e suas reações sugeriam que tinham recebido a mensagem. Era
impossível passá-lo por alto. Tinha-o gritado por toda a habitação.
Depois do ébrio desdobramento de Colin essa manhã, era certamente a
gota d’água. Queria golpeá-lo diretamente em seu ridicularmente formoso
rosto.
—Ah… sim milord—, respondeu a senhora Garner.
Ele assentiu energicamente.
—Excelente. Todos vocês podem retornar para suas tarefas habituais.
A fila inteira se inclinou e fez uma vênia antes de sair. No momento em
que o último deles abandonou a sala, Vitória sacudiu seu braço para desfazer
do agarre de Lucien. Em voz baixa, falou com ferocidade: — Você milord, é
desprezível.
Ele se voltou para ela lentamente, inclusive com ar despreocupado, e
arqueou uma sobrancelha.
—Mas já sabia disso doçura.
—Nunca tinham me tratado assim em toda minha vida…
—Sim, e que longa vida foi. Vinte anos, verdade? Dá-te tempo, querida.
—E não serei envergonhada dessa forma outra vez. Especialmente frente
aos serventes. Santo céu, tem alguma ideia de quão rápido a intriga se
esparramará…?
—Se dependesse de ti, nossa noite de núpcias poderia ter esperado até
setembro...
—Estou tratando de reparar o dano que o escândalo causou, não criar um
novo fogo com serventes fofocando a respeito de como sua senhora tolera ser
tratada como pouco mais que uma vulgar mulherzinha…
Seu discurso terminou abruptamente em um grito quando, sem prévio
aviso, Lucien se inclinou, deslizou os braços por baixo de suas coxas e costas, e
a levantou com tanta facilidade como o faria com um saco de farinha. O
movimento foi tão fluido e perfeito, que antes que sua mente pudesse
processar o que tinha acontecido, sua cara estava a cinco centímetros da dele,
seus braços rodeando com firmeza seu pescoço forte e musculoso enquanto
ele saía do salão de volta ao vestíbulo.
—Lucien! — chiou ela quando pôde respirar de novo. — Em nome dos
céus, o que...?
Não a tinham carregado assim desde que era uma menina. Era a sensação
mais estranha de leveza e vulnerabilidade, que se agravou quando começaram
a subir as escadas.
—Como estava dizendo—, afirmou ele casualmente—, agora que
despachamos os serventes, mostrarei-te nossas habitações.
—Isto é revoltante. Baixa-me de imediato—, exigiu descartando já
qualquer formalidade como milord para dirigir-se a seu marido. Não o
merecia.
—Não.
Zangada além de todo bom sentido, deu-lhe uma palmada no ombro,
provavelmente machucando só sua mão.
—Não pode simplesmente te negar a me soltar.
—Acredito que acabo de fazê-lo.
—Vou gritar.
Ele sorriu com sarcasmo e continuou por um comprido corredor.
—Mas querida, o que dirão os serventes?
—Está louco.
Lucien se deteve frente a última porta à esquerda, empurrando-a um
pouco quando ele girou o pomo e com o ombro a abriu passando ao interior.
Momentaneamente sem fala ante a grandeza da antessala, registrou só
fracamente quando Lucien a pôs delicadamente sobre seus pés. Em uma casa
de campo, esta seria considerada uma habitação de grandes dimensões; em
uma residência de Londres, era absolutamente gigantesca. Abrangendo quase
a metade da largura da casa, estava luxuosamente mobilhada em tons pastéis e
verde claro, deliciosamente acentuado com toques de um deslavado carmesim
nas cortinas com estampados de folhas e nas cobertas de cama com dossel.
Um espelho de marco dourado coroava a grande chaminé, que no momento
estava acesa com um fogo baixo. A cama de mogno escuro dominava o centro
da parede posterior, e uma fileira de janelas altas se estendia como asas de luz
a cada lado. Fresca, brilhante e elegante, a teria feito sentir inveja se esta não
fosse já sua casa também.
—Você gosta? — perguntou ele, surpreendentemente perto de seu
ouvido.
Seu coração deu um tombo e bombeou consciente da intimidade da
situação. Ela assentiu com a cabeça, sem fôlego para falar.
—Vou te ensinar o resto.
E com isso, acompanhou-a durante o resto da suíte: o vestidor adjacente,
a antessala de banho independente com uma larga e elegante banheira nobre,
e uma sala de estar que era um espelho do quarto. Similar na decoração e no
desenho da primeira habitação que tinham entrado, a habitação parecia ter
sido originalmente desenhada como um dormitório para a senhora da casa,
com uma evidente omissão.
—Não há outra cama?
Com uma intensa expressão indefinível, ele deslizou sua mão ao redor de
seu cotovelo e respondeu: — Necessitamos só uma. Mais uma pareceria um
desperdício, não crê?
Ela piscou várias vezes.
—Mas... bem... sim. Quer dizer, não. — Enquanto a conduzia de volta
ao dormitório, ela deixou escapar um suspiro de exasperação e tentou de
novo. O que quero dizer é que é habitual que uma senhora tenha suas
próprias habitações, separadas das de seu marido.
—Mmm. É verdade. — Aproximou-se dela, tão perto que sentiu o calor
de seu corpo rodeando-a e roçando sua pele. — Mas nós não somos o tipo
habitual de casal, verdade?
—Não o somos?
Ele deslizou os braços ao redor de sua cintura e a atraiu para seu peito
duro, esses olhos escuros brumosos iluminando-se com uma sensualidade
divertida. Em voz baixa e sedutora, disse: —Você é a mulher audaz e
escandalosa que se negou a conformar-se com um matrimônio convencional
com um homem convencional.
Descansando suas mãos nas lapelas, ela sentiu que a pele lhe ardia em um
rubor e baixou os olhos ao broche topázio, que adornava sua gravata branca.
—E você? O que é você?
—O homem que te viu, desejou-te, e se negou a aceitar que alguma vez
algum outro pudesse te possuir.
Seus olhos voaram para ele, suas pernas estranhamente débeis, seu coração
pulsando com força. Diria a sério essas palavras apaixonadas? Era possível que
fosse verdade…?
—Ao menos—, disse ele com um sorriso cínico. — Isso é o que a
sociedade vai acreditar no final da temporada.
Um frio a percorreu e ela ficou rígida contra ele. O aviso de que tudo isto
era simplesmente um jogo para ele não era bem-vindo, mas sim necessário.
Honestamente, ela devia deixar de acreditar em tolices. Essas noções
fantasiosas só levavam a decepção.
Ele devia haver sentido seu corpo enrijecer e lido com ceticismo, porque
ele tratou de tranquilizá-la.
—Pode ser que duvide de mim doçura, mas me acredite quando te digo
que a sociedade não ama mais que um escândalo que se converte em um
conto triunfante de amor correspondido digno de Drury Lane. Já o verá. Para
o momento que tivermos terminado, será a inveja daqueles que uma vez se
atreveram a te condenar.
Ela entrecerrou os olhos.
—Ainda não consigo ver o que tem que ver tudo isso milord, tendo ou
não tendo antessalas separadas para dormir.
Ele encolheu os ombros.
—Não tem nada que ver com isso.
Sacudindo a cabeça, ela piscou surpreendida.
—Então por que…?
Ele simplesmente a olhou fixamente durante um momento. Quando
voltou a falar, sua voz era escura e ligeiramente rouca.
—Você é minha esposa. Compartilharemos uma cama, assim poderei te
ter cada vez que o deseje.
—Entretanto, Lucien, eu…
—Vitória.
—Sim?
—Cala-te para que eu possa te beijar.
Ela fez uma pausa, ficou olhando sua magnífica boca, e suspirou.
—Oh. Muito bem então.
Capítulo 9

“Nunca confiem em um homem cuja beleza seja maior ou sua fortuna seja
menor que a dela. Para alguns, isto significará desconfiar de toda a população
masculina. Mesmo assim, considerem-no um bom conselho.”
A Marquesa Viúva de Wallingham a Jane e Annabelle Huxley ao inteirar-
se da notícia da precipitada partida de Londres de Beau Brummell para evitar
a prisão de devedores.

Ele não começou com os lábios, a não ser com seu pescoço. Deslizando
sua boca suavemente ao longo da pele de Vitória, desde justo debaixo de sua
orelha para baixo, até o colar de pérolas de sua mãe, seu fôlego quente lhe
causando calafrios por todo o corpo. Ele a rodeava, seu tamanho e seu calor e
seu aroma a especiarias fazia dar voltas em sua cabeça.
Sem fôlego, à espera de seu seguinte movimento, seu ventre se esticou e
ela mordeu o lábio inferior.
—Lucien?
—Mmm?
O coração lhe deu um tombo quando sua língua deslizou por baixo das
pérolas e seus lábios morderam o caminho a sua outra orelha. Ela gemeu
quando um formigamento de prazer ondulou sob sua pele, endurecendo seus
mamilos.
—Não acredito que possa estar em silêncio.
Ele não respondeu em troca, dedicou-se a sugar um pouco da carne onde
o pescoço encontrava-se com seu ombro e passar suas mãos ao longo de suas
costas, pressionando os quadris de Vitória entre suas coxas duras de maneira
que sob seu ventre aninhasse ali a dura protuberância.
—Quero dizer, — continuou ela procurando seu próximo fôlego, a boca
e as mãos de Lucien enchendo suas veias como um vinho quente e delicioso.
— Vou tratar de não fazer um alvoroço de maneira que possa desfrutar de um
pacífico interlúdio, mas... Oh! — Ela deu um coice e estremeceu de prazer
quando sua mão tocou seu peito e acariciou seu rígido mamilo através do
tecido de seu sutiã. — Realmente milord, quando me toca, perco a
capacidade de concentração, e os sons escapam sem minha permissão.
—Vitória.
—Sim?
—De que falas?
Ela piscou e fez uma pausa, ofegando quando ele desprendeu umas
forquilhas de seu cabelo.
—Oh. Bem, Lady Berne foi de grande ajuda no assessoramento de meus
deveres de esposa.
Lhe tirou os caules dos lírios dos vales, deixou-os cair no chão, e
desenrolou as longas mechas de cachos dourados que tinham estado fixados
no alto de sua cabeça. Seus olhos escuros brilhavam e ardiam parecendo estar
fascinado. Durante um longo momento, ele se limitou a olhá-los sem piscar.
Na realidade, pensou ela. É só cabelo.
—Seus deveres de esposa.
—Mmm. Sim. A condessa disse que devia de…deitar contigo se quisesse
filhos. E que devo tratar de me manter ca..calada porque os maridos tendem a
preferir…
Ele franziu o cenho.
—Que disparate, — murmurou.
—Milord?
Seus olhos brilhavam com um fogo impaciente, sua boca tensa em uma
linha reta.
—Não tenho ideia do que lady Berne te disse. É possível que a tenha mal-
entendido ou ela seja uma maldita bob… — Se deteve, sacudindo a cabeça.
— Basta dizer que eu não prefiro o silêncio quando faço amor. Bem ao
contrário.
Ante isto, os nós em seu estômago se afrouxaram, e ela se sentiu mais
relaxada do que tinha estado nos últimos dois dias. Suspirou de alívio e sorriu
brilhantemente.
—De verdade? Oh, isso é maravilhoso, Lucien.
Ele piscou várias vezes, tragando de forma visível, e os músculos de sua
mandíbula trabalharam como tratando de controlar uma reação. Depois de
uns momentos, passou com suavidade uma mão ao lado de sua cabeça,
tomou um comprido friso loiro que descansava sobre seu ombro, e o esfregou
sensualmente entre seus dedos.
—Se tiver perguntas a respeito de seus deveres de esposa, deve vir a mim,
entendido? A ninguém mais.
—É óbvio, eu…
De repente, ele a agarrou pelos ombros e a fez girar para ficar de costas a
ele. Então o sentiu jogar seu cabelo a um lado e começar a desabotoar os
botões situados na parte posterior de seu vestido. Tendo em conta que era um
homem, tinha sido soldado, e provinha de uma família nobre, estava um
pouco surpreendida pela rapidez e destreza com que levou a cabo a tarefa. De
verdade, era mais hábil que sua antiga donzela, Delphine, uma jovem e altiva
francesa, que tinha deixado seu emprego após estalar o escândalo. Vitória
tinha se visto obrigada a conformar-se com duas das criadas do piso superior
da Casa Clyde-Lacey, um fato que lhe recordava a necessidade urgente de
encontrar uma nova donzela.
Embora, tendo em conta as habilidades de Lucien nesta área, talvez não
fosse tão urgente, pensou ironicamente. Em questão de segundos, tinha
terminado com os botões e desatado seu espartilho. Ela agarrou o sutiã ao
peito, quando desabou sobre seu corpo. Logo ele voltou a girá-la para
enfrentá-lo.
—Agora, seus deveres são os seguintes.
Desabotoou seu fraque e o colete, e estava tirando ambos, seu cabelo
como asas de corvo caindo desenfreadamente ao longo de sua testa.
—Primeiro, se entregará a seu marido.
Era tão bonito que ela simplesmente se perdeu durante vários segundos.
Desejava riscar sua boca com os dedos, retirar essa mecha negra de sua testa, e
passar os lábios ao longo de suas sobrancelhas retas, para onde baixavam sobre
seus olhos brilhantes.
—E… me entregar?
—Sim. Isso significa que me deixará te tocar, te beijar e fazer amor
contigo cada vez que o deseje.
Rapidamente ele se desfez da gravata que rodeava seu pescoço em um par
de voltas hábeis e a jogou sobre a cadeira onde tinha jogado seus outros
objetos. Levou uma mão atrás da cabeça e tirou a camisa de linho branco em
um movimento rápido, acrescentando—a a pilha de roupa.
Ela aumentou os olhos soltando um suspiro. Seu peito amplo e nu era…
Oh, Senhor. Tão formoso. Uma criação magistral de duros músculos
definidos, tensos em cadeias ao longo de um ventre plano, e coberto com um
triângulo negro de pelo encaracolado. Embora vestido, Lucien era uma figura
de homem imponente, grande, seus ombros mais largos e seus braços mais
grossos que a maioria dos outros cavalheiros; nu, era ainda mais magnífico, a
potência e a força de seu corpo claramente sem nenhuma necessidade de
recheio.
Enquanto lutava para não desmaiar em uma onda de desejo, porque esses
braços rodeassem-na mais uma vez, ele continuou exortando-a em um
murmúrio descontente.
—Segundo, você não moderará suas respostas absolutamente. Quando te
der prazer, quero ouvi-la. Se não puder te fazer gritar, não sou um bom
marido.
Esses braços chegaram a ela, e, pensando que tinha a intenção de abraçá-
la, deu um passo adiante com entusiasmo, quase tropeçando. Mas em troca,
limitou-se a agarrá-la pelos pulsos e afastar suas mãos de onde tinha o sutiã
agarrado, fazendo com que seu vestido caísse de seus peitos e mais abaixo dos
braços. Com rápida eficiência, a despojou de seu vestido, espartilho, regata e
anágua.
Estava nua de repente na fria habitação, salvo por suas meias e ligas. Ele
deixo-a por um momento, seus olhos queimando sua pele dos pés à garganta,
fazendo uma pausa durante um longo momento na união de suas coxas e em
seus avermelhados e rígidos mamilos.
À luz branca fluida que brilhava através das janelas, ela temia que se desse
conta de todos seus defeitos. O lunar em seu quadril. As estranhas covinhas
em seus joelhos. A carne extra em suas coxas e nádegas que nem o muito
caminhar nem montar à cavalo parecia diminuir.
Perguntando-se por seu repentino silêncio, ela se moveu incômoda e
tratou de cobrir o que podia com seu comprido cabelo e suas mãos. Esses
olhos, ardendo com uma ferocidade que enviou um comichão de alarme por
sua espinha dorsal, dispararam até encontrar-se com os seus. Sem dizer uma
palavra, ele a agarrou pelos pulsos para tirar os braços longe de seu corpo em
uma repetição da ação anterior, mas desta vez a puxou para diante até seus
peitos ficarem esmagados contra seu torso, seus braços fechando-se
firmemente ao redor de suas costas nuas. O prazer de tanto calor e pressão e
textura contra sua pele, mas, sobretudo em seus peitos, era indescritível.
—Terceiro nunca te esconda de mim, — grunhiu junto ao seu ouvido, as
vibrações retumbando desde seu peito até o dela, por isso as sentiu até os
ossos. De fato, até em seu centro feminino, que estava como lava quente,
pulsando de necessidade. — Eu gosto de olhar seu corpo.
Já que ele tinha a cabeça inclinada convenientemente ao lado da sua, ela
girou sua bochecha para acariciar contra a dele, incapaz de resistir a sentir o
leve roce de sua barba e aspirar o aroma do que devia ser seu sabão de barbear.
Era fresco, natural e cheirava à especiarias, semelhante ao aço e à árvore de
folha perene. Curiosa de como seria sua pele, colocou os lábios sobre seu
pescoço e se atreveu a tirar a língua para acariciá-lo suave e brevemente.
Tal como suspeitava. Sal e especiarias. Mas havia algo mais ali, justo
abaixo. Um matiz escuro que recordava a sua boca. Só podia chegar à
conclusão que era simplesmente o sabor de Lucien.
—Anjo, — se queixou como se estivesse dolorido. — Isto não vai durar
muito se continua...
Ela o fez de novo, desta vez sugando um pouco como ele tinha feito com
ela.
Uma mão forte agarrou a parte posterior de seu pescoço, afastando-a de
modo que sua boca pudesse encontrar e invadir a de Vitória. Sua língua
deslizou para dentro, pulsando dentro e fora, empurrando contra a dela. Seu
braço se esticou ao redor de sua cintura e levantou-a do chão. Em questão de
segundos, o mundo se inclinou enquanto ela ia de vertical à horizontal em
um movimento vertiginoso. A suave roupa de cama do leito de plumas
acolheu suas costas quando o peso duro de seu marido a esmagou na frente.
Sua boca abandonou a dela e imediatamente se fixou em um mamilo maduro,
endurecido. Cravando os calcanhares na cama e agarrando ambos os lados de
seu pescoço, ela gemeu: — Lucien! Oh, isso é divino.
Ele sugou com força, a pressão incrementando sua sensibilidade e
centrando sua existência nessa pequena porção de carne. Logo sua mão
apertou seu outro peito, acariciou o outro mamilo, e seu mundo se dividiu
entre essas duas fontes de prazer.
Manobrando as pernas para colocá-las a cada lado dos quadris de seu
marido, ela esfregou seu centro contra sua vara dura como pedra, ainda
contida dentro de suas tensas calças.
—Oh, sim. Isso me faz sentir bem. Melhor que bem. Espetacular.
Sua boca, agora mordiscando e mordendo suavemente seu outro mamilo,
deixou-a por um momento para sorrir com malícia e dizer: — Me alegro que
o ache, amor.
Espera. Havia dito isso em voz alta?
Sua boca voltou para sua tarefa, mas logo ele riscou beijos com sua língua
dançando ao longo de seu ventre, deslizando seu tamanho para baixo
enquanto a segurava pela cintura e a obrigava a deslizar-se mais acima na
cama. Com dedos ágeis, desabotoou-lhe as ligas e lhe baixou as meias
lentamente pelas pernas, colocando as partes de seda a um lado e acariciando
suas coxas na parte interna com um toque delicado. Quando ela perdeu o
agarre de sua cabeça, alcançou a colcha em ambos os lados de seu próprio
corpo, agarrando o tecido em um esforço por liberar a tensão que se
desenrolava em seu interior.
—Lucien, — ofegou. — O que… o que está... fazendo? — A última
palavra saiu como um chiado quando um dedo quente deslizou pelas
escorregadias dobras entre suas coxas estendidas, encontrando a pequena e
poderosa protuberância, da qual emanava um intenso prazer em espiral. O
dedo continuou baixando, internando-se em seu canal e acariciando
suavemente onde ninguém a havia tocado antes. Nem sequer a própria
Vitória.
—É tão estreita, anjo. Tão úmida, — grunhiu, seu polegar circulando a
pequena protuberância na parte superior de seu sexo, inclusive quanto mais
abaixo seu dedo se deslizava dentro e fora em um ritmo exasperantemente
constante. Era tão bom, tão maravilhosamente satisfatório. E, entretanto, não
o suficiente. Desejava mais, mas não sabia como pedi-lo. Quão único podia
fazer era gemer suplicante seu nome uma e outra vez.
Beijou-a na parte interior da perna, justo por cima do joelho, e
murmurou: — Sim, agora. Ia a... mas maldição, Vitória, já não posso esperar.
Com isto, tirou sua maravilhosa talentosa mão, e ficou de pé junto à
cama, seu rosto tenso e sério, seus olhos entrecerrados.
Oh Deus. Ia deixá-la?
—Não! — gritou com voz rouca. — Lucien, por favor, se tiver feito algo
errado…
—Shh amor, — disse com voz áspera. — Tudo está bem. — Ele se
sentou na borda da cama tempo suficiente para tirar as botas, logo parou
outra vez para fazer um trabalho rápido com suas calças. Ela teve pouco mais
que um breve olhar de algo grande, obscuramente avermelhado, e que se
estendia para cima de seu corpo de modo alarmante, antes que ele ficasse
sobre ela de novo, e todo esse peso maravilhoso, pressão e calor a rodeasse.
Sua boca voltou para ela como um saqueador apaixonado, esmagando
seus lábios e lhe introduzindo a língua. Ela envolveu seus braços ao redor de
seu pescoço, esfregou ansiosamente seus seios contra seu peito, e alegremente
deu as boas-vindas a sua volta.
Ele grunhiu, movendo uma mão ao peito, logo para baixo para apanhar
sua perna e abri-la mais para dar capacidade aos seus quadris. Podia sentir a
pele quente e suave de seu estranho e duro apêndice, deslizando-se através das
dobras de seu sexo. O pânico se acendeu brevemente, quando considerou que
ele poderia ter a intenção de fazer com isso o que tinha feito antes com seu
dedo.
Não. É óbvio que não. Nunca se ajustaria.
Ele afastou sua boca, ofegando como um fole. Dando a seu mamilo uma
última carícia, e usando esse braço para sustentar-se em um cotovelo por cima
dela, agarrou-se a si mesmo com a outra mão e colocou a ponta quente,
grande e arredondada em sua entrada.
—Lucien?
Com a cara avermelhada, os olhos frágeis pela luxúria, ele pressionou para
frente. À princípio, foi simplesmente estranho, um objeto muito grande
estirando sua carne, tratando de enterrar-se dentro dela. Enquanto com o
dedo havia se sentido bem, inclusive tinha satisfeito sua infernal inquietação
até certo ponto, isto logo se tornou incômodo. Então quando ele pressionou
mais, bastante doloroso.
Ela gemeu e se retorceu, entrando em pânico ante a invasão. Pressionou
as mãos contra seus ombros, instintivamente tratando de empurrá-lo.
—Acalme-se Vitória. Só temos que passar esta primeira... parte. — Suas
palavras eram tensas, apertando os dentes de uma maneira que a fez pensar
que isto poderia ser tão incômodo para ele como era para ela. — Logo será
bom. Prometo-o.
Vitória fez uma pausa, a preocupação filtrando-se em sua mente enquanto
pensava na resplandecente tensão de seus músculos, de seu rosto. Ele parecia
estar nas garras de uma significativa agonia. Elevando uma mão para acariciar
sua bochecha, lhe perguntou com suavidade: — Está bem?
Com seus olhos em chamas, ficou olhando-a com incredulidade.
—Eu deveria estar te perguntando isso.
Ela fez uma careta quando ele continuou com seus impulsos.
—Oh bom, é só que te vi tão tenso que pensei que poderia ser doloroso
para ti também.
Lucien deixou cair a cabeça e se sacudiu parecendo surpreso.
—Não. Não da maneira que quer dizer. — Ele trocou de posição de
modo que uma mão pudesse acariciá-la suave e ritmicamente, justo por cima
de onde estavam unidos. — Quero tanto estar todo dentro de ti, que está me
matando. Mas se me movo muito rápido, poderia te machucar mais do que o
necessário.
Ela soprou e se retorceu contra a cama.
—Dói muito, marido. Quanto considera "necessário"?
Ele permaneceu em silêncio durante um momento e em seguida
respondeu: — Ainda não violamos sua virgindade. Será doloroso durante um
tempo, mas logo vai melhorar.
Essa foi a única advertência que teve antes que ele empurrasse para a
frente e a dolorosa pressão e o ardente estiramento estivesse acompanhado
pela forte dor de algo rasgando-a por dentro. Ela gritou e se arqueou contra
ele, mas ele não afrouxou, pressionando para frente, centímetro após
comprido centímetro, afundando-se profundamente em seu interior.
—Já aconteceu, — ofegou ele. — Agora vem a parte boa.
Ela soluçou uma risada ante a absurda declaração e o golpeou no ombro
com indignação.
—Dói, Lucien.
—Sei amor, — sussurrou. Ele roçou sua boca com suavidade por cima de
sua orelha e logo com ternura sobre seus lábios. — Tenha paciência comigo.
Então começou a mover-se, lentamente à princípio. Quando começou os
embates constantes, pacientes, ela simplesmente o suportou. A dor não era tão
má como o tinha sido na primeira vez que a atravessou, mas ele era muito
grande, a pressão sobre os músculos internos e a carne em sua abertura
provocava uma dor ardente que fazia que o prazer de antes parecesse um
fantástico sonho febril. Logo, entretanto, enquanto ele mordiscava seu
pescoço e seu polegar acariciava em pequenos círculos ao redor da pequena
protuberância secreta, sua passagem se umedeceu pela nova excitação,
suavizando seu caminho enquanto ele investia dentro e fora.
Dentro e fora.
Dentro e fora.
Seus mamilos, duros de novo e ansiosos de serem acariciados, estavam
docemente agradados também, já que seu peito com seu pelo encaracolado os
esfregava com cada impulso de seus quadris. Ela beijou seu pescoço e gemeu
quando ele acelerou seus movimentos. Em pouco tempo, o ritmo se tornou
bastante agressivo, seus quadris golpeando contra ela enquanto uma crescente
pressão surgia em seu interior. Seu corpo paradoxalmente amava cada parte: a
ardente fricção, a pancada de sua carne contra a dela, o agarre de suas mãos,
uma debaixo de seu pescoço e a outra em seu quadril, o que a mantinha à sua
mercê.
Quando o prazer passou de uma tensão em espiral à uma borbulha
gigante enchendo-se rapidamente, ela cravou os calcanhares nos glúteos de
Lucien e as unhas em suas costas, soluçando: —Por favor, Lucien. Oh, por
favor. Não posso suportá-lo.
Isso pareceu estimulá-lo a um frenesi luxurioso, um profundo grunhido
emanou de seu peito.
—Fará-o. Tomará tudo de mim. Agora. — Ele empurrou sua virilidade
ainda mais profundo dentro dela, até mesmo a raiz, reforçando o agarre em
seu pescoço e quadril para impedi-la de resistir.
Seu corpo respondeu a sua ferocidade estalando em chamas. Ela gritou
seu nome quando um resplendor de incrível prazer explodiu, agarrando seus
músculos e propagando-se por sua pele em ondas atrás de ondas de calafrios
de êxtase. Os músculos de seu sexo o agarravam com ferocidade, ordenhando-
o e contraindo-se em espasmos enquanto ele continuava com suas implacáveis
e profundas investidas.
Depois de quatro estocadas mais, ele gritou: "Cristo, Vitória!", antes que
cada músculo de seu corpo se esticasse, e ela sentisse que a enchia um jorro de
cálida explosão no profundo de seu interior, enquanto ele gemia de agrado ao
chegar ao clímax.
Minutos mais tarde, ele jazia sobre ela, sua virilidade ainda dentro dela,
agora mais suave, embora não de todo suave, seus lábios brincando com os
dela e uma de suas mãos acariciando seu cabelo com suavidade, quase com
doçura.
Sem forças pela sorte letárgica, Vitória se sentia como um gato que
acabava de comer um prato cheio de nata e vadiava sob a cálida luz do sol.
Mas seu marido não queria que fizesse uma sesta.
—Lucien? — murmurou.
—Mmm?
—Ainda não terminamos?
Ele sorriu contra sua boca, endurecendo-se e aumentando-se dentro dela.
—Oh não anjo, — disse movendo a cabeça à modo de suave reprimenda
quando os olhos de Vitória aumentaram soltando uma exclamação afogada.
— Só acabamos de começar.
Capítulo 10

"Se valoriza seu posto ou sua vida, mais vale não falar comigo antes do café
da manhã."
A Marquesa Viúva de Wallingham para sua criada mais recente, a quinta
em cinco meses.

O aroma distinto de arenques defumados flutuando do aparador, a só uns


metros de onde estava sentado sozinho no salão matinal, era possivelmente a
única nota amarga em um dia de resto glorioso. Inclusive o leve aroma de
pescado não era suficiente para apagar seu apetite.
Por comida ou algo mais.
Lucien sorriu ante a idéia, recordando seu ardor inesgotável do dia
anterior. E pela tarde. E durante toda a noite.
Mas realmente, que homem de sangue quente poderia culpá-lo? Vitória
era... Fez uma pausa para pensá-lo, tomando um gole de café e fazendo estalar
uma parte de um amanteigado pãozinho quente na boca.
Extraordinária. Sim, era isso. Ela era inocente em muitos aspectos,
começando por sua virgindade ou melhor dizendo, sua agora inexistente
virgindade. Mas era mais que isso. A forma em que tinha admirado sua casa
ao chegar, seus olhos muito abertos, em clara apreciação por elementos que
ele dava por comuns (uma escada esplêndida ou uma pintura que para ele
converteu-se há tempos só em um pano de fundo), demonstrava como via seu
entorno com novos olhos. A riqueza e a educação privilegiada com que tinha
crescido, não lhe impedia de amar e honrar a beleza em todas suas formas,
mas conforme parecia a ele, com um coração puro em lugar de avareza.
Seu comportamento público, apesar de sua vulnerabilidade aos seus
avanços sexuais, era irreprovável. Ela o tratava com muito mais consideração
do que merecia, era amável e cortês com os serventes, e dentro da sociedade se
comportava com um decoro exemplar.
Por outro lado, e ele fervorosamente dava graças ao Criador por isso, ela
era também uma criatura apaixonada, encantadoramente sensual com seu
corpo muito receptivo e exuberante, sua necessidade de tocar e ser tocada era
óbvia por suas reações para com ele.
A lembrança dessas reações deslizou como um halo de vapor da cabeça
diretamente até seu pênis, agitando-o, endurecendo—o de um modo
desconcertante em sua intensidade, tendo em conta as atividades das vinte
horas anteriores e o fato de que Vitória não estava neste momento na sala.
Honestamente, a constante obsessão de seu corpo por deitar-se com ela era
um pouco preocupante. Ele nunca havia reagido assim à outra mulher. E
tinha havido muitas outras mulheres.
Gregory brincava com ele por sua "sorte sobrenatural" na hora de atrair
ao sexo frágil. Realmente, acessar a uma ampla variedade de mulheres sempre
tinha sido fácil. Quando era jovem, criadas do povoado perto de
Thornbridge, tinham suspirado por seu rosto e corpo, animando sem reparos
suas inclinações libidinosas. Mais tarde, como membro da cavalaria, as
mulheres desmaiavam pelo uniforme e se equilibravam a seu regimento na
Espanha, Bruxelas e de volta à Inglaterra.
Gostava das mulheres, amava sexo, e na idade de quatorze anos havia feito
um grande esforço para ser excepcionalmente hábil em cortejar a primeira e
desempenhar-se com a segunda. Entretanto, isto não explicava sua
onipresente necessidade por Vitória. Inclusive para ele, era quase indecoroso
estar tão obcecado por uma mulher.
Especialmente se ela era sua esposa.
—Milord, algo está mal? falou Billings quando entrou em salão com um
bule.
Lucien fez uma careta e se esclareceu garganta.
—Por que perguntas, Billings? perguntou sua voz elevada para chegar aos
ouvidos surdos do homem.
—Parece muito aborrecido com a geléia. A retiro, milord?
Confundido e pensando que talvez o mordomo ancião tivesse alcançado
finalmente a senilidade completa, Lucien olhou ao seu redor para determinar
do que diabos estava falando. Quando viu o pote de prata de geléia em frente
a ele, deu-se conta de que a tinha olhado sem ver, com o cenho franzido
enquanto refletia sobre suas ânsias por Vitória.
—Não, a geléia está muito boa. Talvez pudesse levar os arenques.
Quando começamos a servir essas coisas vis, de todos os modos?
—A cozinheira se perguntou se Lady Atherbourne gostaria milord.
Acredito que ela desejava dar a sua senhoria a oportunidade de decidir.
—Bom, eu não posso suportá-los. Leve-os embora, por favor.
Billings assentiu e se moveu para fazê-lo, mas seu "Muito bem, milord"
foi interrompido pela chegada de Vitória, que se deteve na porta para
orientar-se. Lucien imediatamente se levantou de seu assento.
Parada como estava, em um raio de luz proveniente das janelas,
virtualmente brilhava em seu vestido branco de manhã. Seu cabelo
suavemente encaracolado, que havia lhe dado um prazer feroz quando o tinha
envolvido ao redor de seu delicado corpo como se fosse uma seda, estava
seguro uma vez mais no alto da parte posterior de sua cabeça. Brilhava como
um halo.
Óbviamente sem tê-la escutado entrar, Billings se voltou enquanto
sustentava o prato de pescado defumado e deixava escapar um forte e
sobressaltado, "Milady!". Recuperando rapidamente a compostura, o
mordomo se inclinou profundamente e disse com voz rouca: —Bom dia,
Lady Atherbourne. Espero que encontre o café da manhã ao seu gosto.
Vitória sorriu ao grisalho Billings como se fosse um bonito pretendente lhe
entregando um buquê de flores, em lugar de um mordomo de idade que
levava um prato de pescado morto.
—Bom dia para você também Billings, disse alegremente, elevando a voz
para que pudesse ouví-la, mas não tão alto para estar gritando. Vê-se
absolutamente encantador. Estou segura de que vou adorar.
O ancião piscou várias vezes, como deslumbrado por seu brilhantismo e a
seguir, as rugas de sua cara formaram o que parecia ser um sorriso como
resposta. Assentiu e arrastando os pés abandonou a habitação.
Ela voltou seu sorriso à Lucien, e ele mesmo se sentiu um pouco
deslumbrado. Ela fez uma graciosa reverência e o saudou com uma piscada.
—Meu senhor esposo. É um bom dia, não é assim?
Demorou vários segundos em responder, e quando o fez sua voz era
rouca, inclusive aos seus próprios ouvidos.
—Esposa, a saudou com simplicidade. De verdade, essa única palavra foi
tudo o que pôde dizer.
Quando ele tinha decidido que não era formosa precisamente? Tinha sido
a conclusão de um parvo.
Observou seu traseiro enquanto ela se inclinava ligeiramente em cima do
aparador, enquanto enchia seu prato. Era suave e generosamente
arredondado, seus quadris uma deliciosa curva desdobrada a partir de uma
esbelta cintura.
Um maldito parvo, cego e estúpido.
—Não sabia que você não gostava dos arenques milord, disse ela dando a
volta e sentando-se à mesa.
Quando sua parte inferior pousou sobre o assento, ela fez uma careta e
esticou os ombros pelo desconforto antes de relaxar, sua cara outra vez
suavizando-se em prazenteira serenidade. Não foi mais que um breve
estremecimento, suas reações sutis. A maioria das pessoas nunca se dariam
conta.
Mas ele a observava atentamente. Igual a um gato contemplando um
suculento e roliço camundongo. Os sentimentos que o alagaram nesse
momento foram tão inapropriados, tão poderosamente escuros que ele
cambaleou sob seu peso. Sentou-se e afastou a vista dela por pura força de
vontade.
Ela estava dolorida. Era óbvio para ele. Ele devia sentir culpa. Uma
preocupação de marido.
Não era assim.
Em seu lugar, o que sentia era uma profunda e retumbante possesividade.
Ela é minha, insistia seu corpo. Devo tê-la de novo. Isto não era mera luxúria,
essa velha e familiar amiga. A luxúria era prazenteira, inclusive lúdica. Uma
coceira que arranhar era divertido. Isto era algo completamente distinto.
—Marido? consultou o objeto de seus pensamentos.
—Sim? disse, sua voz raspando uma garganta de repente constrangida.
—O pescado é o que você não gosta? Ou os arenques em particular?
Esclareceu-se a garganta.
—O pescado.
—Nem sequer o bacalhau ou o abadejo? Há deliciosas preparações para os
dois, Feitas pelo cozinheiro na Casa Clyde-Lacey. Ele é francês, sabe. São tão
delicados, que nem sequer parecem pescado…
—Vitória, espetou friamente. Se quisesse comer algo que não parecesse
pescado, só teria que comer algo que não é de fato pescado. Não te parece?
Todo rastro de seu sorriso de antes desapareceu, como se uma nuvem
tivesse coberto o sol. Ela tragou saliva e baixou a vista à seu prato.
—OH. Bem sim, suponho que isso é certo.
Um raio frio de remorso o esfaqueou. Sou um marido miserável, era tudo
o que podia pensar. Em primeiro lugar, induziu-a a envolver-se em um
escândalo que a arruinou, logo virtualmente a obrigou a casar-se. Como se
isso não fosse suficiente, na noite de bodas, mostrou a sua noiva virginal toda
a paciência e moderação próprias de saqueadores vikings em um monastério
sem vigilância.
Jogar sal à ferida não era talvez a forma ideal de começar sua primeira
manhã juntos.
—Punha-me doente, disse em um tom mais suave. Quando menino. Não
fui capaz de suportá-lo depois. Inclusive o aroma é ofensivo para mim.
O vívido verde azulado de seus olhos se elevou e manteve os seus durante
vários segundos, antes de que um pequeno e doce sorriso levantasse as
comissuras de sua boca. Ela assentiu com a cabeça compreensivamente.
—Meu irmão Colin teve uma experiência similar com as cerejas. Embora
devo dizer, que um pouco de muito brandy pode ter tido algo que ver com
isso.
Sorriu-lhe e riu entredentes.
Suas pestanas baixaram enquanto ela tomava um delicado bocado de
presunto. Seus lábios carnudos se deslizaram sobre os dentes do garfo, e o
sorriso do Lucien se desvaneceu. Enquanto ela bebia seu chá, um brilho do
líquido se manteve atrás desses lábios. Eram exuberantes. Provocadores.
Úmidos.
Por Deus, isto era como uma enfermidade. Outros homens sentiam esta...
fixação por suas esposas? Estes impulsos bárbaros? Nunca tinha ouvido falar
de algo assim. De vez em quando, haviam alguns falatórios de algum pobre
coitado apegando-se excessivamente a uma amante, mas nunca a uma esposa.
—Milord, estava pensando que já que não tivemos um cortejo muito...
Ela fez uma pausa para procurar a palavra adequada... convencional,
possivelmente tenhamos que nos pôr em dia, por assim dizê-lo.
—A que te refere?
Ela cravou um ovo cozido, como provando sua textura.
—Por exemplo, agora sei que você não gosta dos pescados. Mas, qual
seria o prato que mais gosta?
—Pavê de frutas e nata. Simplesmente delicioso. Ele elevou uma
sobrancelha. Alguma outra coisa que queira saber?
Ela tragou um bocado, aparentemente surpreendida por sua vontade para
responder.
Maldição, não deveria ter falado antes com tanta brutalidade. Estabeleceu
um mal precedente, a fazia vacilar quando ele a queria receptiva. Ansiosa.
—Tem uma casa no campo? perguntou vacilante.
—É obvio. Várias de fato. Thornbridge Park é o imóvel principal. Está
em Derbyshire.
—É alí onde cresceu?
Ele assentiu com a cabeça, tomando um sorvo de café.
—Você gostará muito, acredito. Durante vários minutos, descreveu o
imóvel com suas agraciadas colinas verdes, suas zonas de bosque circundantes,
o arroio serpenteando através da propriedade e Thornbridge Hall que tinha
sido reconstruído e ampliado por seu avô quarenta anos antes.
Com seus olhos adquirindo uma qualidade de sonho, ela suspirou.
—Sonho... OH, simplesmente encantador, Lucien. Não posso esperar
para vê-la. Alí estava ela, o anjo resplandecente desta manhã. Sua cara estava
uma vez mais luminosa de felicidade. E a felicidade de Vitória era puro
afrodisíaco para Lucien: intoxicante, excitante e aditivo. Imaginou todas as
formas em que poderia fazer que permanecesse em tal estado por períodos
prolongados de tempo. A maioria deles envolvia a língua de Lucien.
Ela se moveu e outro brilho de desconforto escureceu brevemente seu
rosto.
Uma idéia perversa e deliciosa formou-se em sua cabeça. Uma maneira de
fazê-la muito feliz e talvez um pouco mais cômoda. Se pudesse controlar-se a
si mesmo, claro.
É óbvio que posso, burlou-se. Já não sou um adolescente a mercê de cada
impulso lascivo. Simplesmente vou desfrutar de um pequeno jogo, mas me
deterei antes que vá muito longe.
—Milord, milady. Confio que tudo está satisfatório? berrou Billings,
intrometendo-se bruscamente nos pensamentos de Lucien.
—OH sim, com efeito, replicou Vitória. Por favor, diga à cozinheira que
o café da manhã estava delicioso. Eu gostei especialmente dos pãozinhos.
—Perdoe-me milady. Eu acredito que esses eram lírios.
Ela pareceu desconcertada, olhando ao seu redor confusa. Ao espiar o
vaso de prata com flores no aparador, deixou de franzir o cenho.
—Sim você tem razão, é óbvio. Que parva sou.
—Billings, gritou Lucien.
—Sim milord?
—Pode nos deixar agora. Por favor feche as portas ao sair. E te assegure
de que não sejamos incomodados.
—Sim milord.
Quando as portas se fecharam atrás de Billings e do lacaio que tinha sido
atribuído o serviço do café da manhã, Lucien olhou a sua esposa através da
extensão da mesa. A distância era só de dois metros, assim facilmente pôde ver
como os olhos de Vitória se dirigiram às portas e de novo para ele.
—Lucien. Era estritamente necessar…?
—Vêem aqui, Vitória.
Os olhos dela dilataram e seus lábios permaneceram abertos em um
pequeno "O". Entretanto, não se moveu.
—Vitória és minha esposa, verdade?
—Bem sim, eu…
—E não prometeu ontem me obedecer?
—OH. Mmm. Sobre isso, suponho que é certo no mais estrito sentido…
Seu olhar se tornou devastador.
—Então, quando digo "vêem aqui " espero que o faça.
Ela entrecerrou os olhos, apertando os lábios. Finalmente, ela deixou
escapar um "muito bem". Lançando o guardanapo em seu prato, ficou de pé
e com grandes dramalhões foi parar diante dele. Lucien voltou a cadeira a um
lado de modo que seus joelhos roçaram sua saia.
—Posso perguntar por que requer com urgência minha cercânia, milord?
—Certamente, disse ele com suavidade, suas mãos agora rodeando sua
cintura estreita e puxando-a para colocá-la entre suas pernas. Sorriu com
malícia.. Mas é melhor mostrar-lhe isso.
Ficou olhando seu busto, o qual agora subia e baixava a um maior ritmo
porque ela sentia o que ele tramava. Por Deus, ela tinha magníficos peitos:
redondos, cheios e coroados por pequenos e doces mamilos, que agora
empurravam suplicantes contra a musselina branca de seu sutiã.
—Lucien?
Ele passou as mãos sobre suas nádegas com ternura, acalmando-a como o
faria com uma égua nervosa.
—Não acredito que possa… começou ela com um sussurro.
—Shh. Sei anjo. Suas mãos abriram caminho por baixo da saia. Uma se
colocou entre suas pernas para acariciar a parte interna de sua coxa, enquanto
a outra massageava suavemente os músculos tensos de seu traseiro. Usando
seu dedo médio para roçar os cachos úmidos, explorou mais a fundo para
encontrar suas dobras suaves já escorregadias pelo desejo. Seu polegar
encontrou e delicadamente rodeou seu clitóris inchado. Quando seu dedo
explorador acariciou sua estreita abertura, ela recuou e tratou de afastar-se.
—Não amor. Fica comigo. Aqui está dolorida, verdade?
Com os olhos fortemente fechados e uma selvagem expressão em seu
rosto, ela mordeu o lábio inferior e assentiu enfaticamente.
—E sabe por que?
Ela vacilou antes de assentir, desta vez menos segura.
—É porque estive muito tempo dentro de ti, tantas vezes que perdi a
conta estirando este lugar secreto uma e outra vez. Não pude evitá-lo, Vitória.
Não pude parar.
Lucien tinha tido a intenção de que suas palavras fossem sedutoras, mas
não eram nada mais que a crua e absoluta verdade. O efeito que tiveram nela
foi instantâneo e eletrizante. Retorceu-se contra seu polegar, agarrou-o pelos
ombros e se apoiou nele, gemendo de desejo.
—Agora, o que faz um marido depois de ter sido tão bruto? disse com voz
áspera, acariciando seu seio com sua bochecha. É seu dever acalmar sua
esposa, aliviá-la.
Deixando a mão em seu quente ninho entre as coxas, tirou a outra de
baixo de suas saias para jogar de um lado todos os pratos da mesa. O tinido de
porcelana, cristal e prata resultante a sobressaltou, abrindo seus gloriosos
olhos azuis como o mar. Ele envolveu um braço ao redor de sua cintura e
levantou seu traseiro por sobre a borda da mesa, pressionando-a para que se
estendesse.
Ela ofegou e o olhou com incerteza, mas não resistiu.
Rapidamente deslizou a saia sobre seus joelhos até suas coxas para colocá-
la ao redor de sua cintura, a seguir agarrou-lhe as pernas e as estendeu de par
em par. Ficou de joelhos para adorar seu altar. E a obra prima que era seu
centro feminino merecia receber sua comemoração, pensou. Os cachos
dourados serviam mais como um marco que uma máscara para as dobras de
cor rosa escuro, amadurecidos e docemente suculentos. No centro, seu
pequeno e duro botão, inchado e tenso depois do baile de seu polegar, rogava
para ser acariciado.
Ele passou suavemente dois dedos sobre seu clitóris onde ela se abria na
entrada de seu canal avermelhado, um vermelho furioso e chorando por ele.
Logo fazendo uma pausa para expandir seus lábios para seu beijo, acariciou
com a língua esse duro e pequeno botão, e imediatamente desceu até onde ela
estava tão sensível, repetindo a viagem várias vezes.
Ela gemeu seu nome e aferrou seu cabelo, retorcendo-se contra a
superfície dura da mesa. Lambendo-a com delicadeza, banhou-a e a acalmou
com sua língua, deixando que seus dedos suavemente apertassem e puxassem
seu doce botão. Como recompensa por seus esforços, inalou seu aroma, flores
silvestres e uma tormenta no mar, e consumiu seu néctar de mel até que se
embriagou com ele. A melhor ambrosia.
Quando a sentiu perto do orgasmo, introduziu profundamente a língua
nessa pequena boca apertada, dando a sua vagina necessitada o que exigia:
uma presença firme a que aferrar-se. Ela explorou e se ondulou ao redor de
sua língua, arqueando-se contra sua boca e mãos, enquanto puxava seu
cabelo.
E ela gritou. Gritou seu nome. O de ninguém mais.
Nenhum outro homem a veria assim: olhos entrecerrados, expressão
sonhadora e repleta, pele ruborizada e coberta de suor. Nenhum outro a
saborearia como ele havia feito. De modo que ele podia fazê-lo cada vez que o
desejasse. O que seria freqüentemente. Era quase tão bom como dar prazer a
ele mesmo.
De repente, seu pênis furiosamente duro que tinha conseguido ignorar
enquanto atendia Vitória decidiu fazer suas demandas conhecidas.
Ruidosamente.
Ele gemeu enquanto se levantava entre suas pernas, apoiando os punhos
ao lado de seus quadris e deixando cair a cabeça enquanto se inclinava sobre
ela. Com os dentes apertados para domar a necessidade de tomá-la
totalmente, respirou ruidosamente e tratou de pensar em coisas terrivelmente
não excitantes. Como no primeiro-ministro. Ou no pó de carvão. Em algo,
pelo amor de Deus.
Uma mão pequena e suave lhe acariciou o antebraço.
—Lucien, pode... quero dizer, quero que você...
Lucien riu sem humor e sacudiu a cabeça.
—Não anjo. Está muito sensível. Devo te dar um ou dois dias para te
recuperar.
Em um movimento rápido, inesperado, Vitória se levantou até ficar
sentada frente a ele, seus olhos encontrando os seus, suas mãos segurando
ambos os lados de seu pescoço, e seus joelhos abrangendo seus quadris.
—Mas eu quero que você tenha sua satisfação também. Não é suficiente
para mim ter prazer sozinha. Você deve estar comigo. Ela o beijou com
paixão e ternura, acariciando suas bochechas com os polegares.
Respirando com dificuldade e sentindo o sangue pulsando em seu pênis,
Lucien envolveu seus braços ao redor de sua esposa e se permitiu saborear seu
beijo, seus lábios suaves, sua língua escorregadia.
Ela se separou e baixou a testa até tocar a dele.
—Não há alguma maneira de que eu possa fazer por ti o que você fez por
mim?
Olhou-a nos olhos, dizendo que ela merecia alguém muito melhor que
ele. Ela merecia ser mimada e adulada, dirigida com cuidado e tratada com
respeito. Não reduzida a servir à sua luxúria incontrolável.
Mas nesse momento a escuridão o chamava, provando ser irresistível.
Ele assentiu, tragou saliva e tomou suas mãos entre as suas.
—Mostrarei-te, sussurrou.
E então o fez.
*
Capítulo 11

"Justo quando começa-se a pensar que um homem é digno de admiração, ele


sofre um momento de sinceridade, e seu engano se corrige imediatamente."
A Marquesa Viúva de Wallingham ao ouvir o conselho matrimonial do
Príncipe Regente ao Duque de Wellington.

—Pavê de frutas e nata, milady? — exclamou a senhora Garner. — Duas


vezes por semana, diz?
Vitória assentiu, ainda folheando a lista dos serventes que a amável
governanta lhe tinha proporcionado havia uma semana. Alguns deles iriam
com ela e Lucien a Thornbridge Park quando terminasse a temporada, mas
ainda não decidira o número exato. Já que não estava familiarizada com o
imóvel campestre de Lucien, só podia fazer uma conjectura. Sua nova
donzela, Emily, era uma delícia e sem dúvida, estaria entre eles.
Deu-se uns golpes com o dedo nos lábios com ar ausente. Thornbridge já
teria todo um contingente de lacaios? Talvez devesse deixar a maior parte
deles aqui.
—A cozinheira é conhecida por dizer que é melhor com salgado que com
doce. Só ontem ela disse: "Senhora Garner, sou muito melhor com o
presunto que com os bolos de mel”. E é certo, milady. Mas se você quiser esse
pavê duas vezes por semana nada menos, a senhora Garner se assegurará de
que se sirva.
Vitória voltou-se para a governanta com um amplo sorriso.
—É óbvio que sim, senhora Garner. Não há dúvida de que pode
convencer a cozinheira em criar um pavê que fará que o novo cozinheiro
francês de Lady Reedham chore de inveja.
A mulher de rosto corado se sentia mais orgulhosa com cada palavra, seu
desdentado sorriso radiante de orgulho.
—Considere-o feito, milady.
Vitória assentiu.
—Agora, — disse ela, dobrando sua lista e deslizando-a dentro de sua
manga. Olhou ao redor da sala de estar, seus olhos aterrissando no baú perto
da janela. — Falemos de meu estúdio de pintura.
A borda com viés da touca branca da senhora Garner sacudiu quando ela
balançou a cabeça.
—Você mencionou que também precisaria mover móveis, assim eu disse
a Geoffrey e Donald que estivessem preparados.
—Excelente. Necessitarei de uma sala com a melhor luz possível.
—Sim, milady. A sala amarela do segundo piso é muito agradável…
—Ah, mas eu estava pensando na da frente da casa.
O rosto da senhora Garner congelou, sua expressão bordeando o horror.
—A sala azul, milady?
—Sim. Dei-me conta de que não tem móveis. E as janelas estão
orientadas ao sul, o que permite melhor iluminação durante todo o dia.
Londres tem pouca na realidade. — Dando-se conta de que a criada,
normalmente animada, pôs-se pálida e terrivelmente quieta, Vitória
perguntou: — Algo errado, senhora Garner?
A mulher estremeceu como se um fantasma tivesse passado através dela.
—Você… talvez você devesse falar antes com Lorde Atherbourne, milady.
Vitória piscou com perplexidade.
—Ele me disse que podia escolher qualquer habitação da casa.
—O fez? Qualquer habitação?
—Há algum problema com a sala azul?
—Ah, não, milady. Foi limpa de cima a baixo.
Desconcertada pela estranha reação da governanta, Vitória dedicou à
mulher um sorriso confuso.
—É óbvio. Toda Casa Wyatt é antiga.
—Quero dizer… — Tragou visivelmente e tomou uma respiração
profunda. — Não ponha atenção nesta velha e tola senhora Garner, milady.
Se a habitação azul for a que quer para seu estúdio, essa é a que terá. Geoffrey
e Donald mudarão seu cavalete e fornecimentos em uma hora.
Um estremecimento de antecipação a percorreu ante a ideia de ter um
pincel na mão de novo. Parar frente a um tecido fresco era como estar
completamente renovada, o mundo recém-nascido. Na Casa Clyde-Lacey
tinha estabelecido seu estúdio em um dormitório de convidados, mas a luz
oriental tinha significado um menor número de horas para pintar. Mesmo
que Londres com suas demandas sociais não permitissem muito tempo para a
solidão, desfrutava dessas poucas horas roubadas quando estava sozinha com
sua arte. Saborear uma pincelada cor carmesim ou um audaz risco cor ocre,
presenciar a visão que só ela podia ver, agora fluindo através de sua mente,
passando por seu braço, saindo por seus dedos, e depositando-se no pano.
Convertendo-se em real. Era quase místico, um conjuro de poderosa bruxaria.
.... — esvaziar os urinóis três vezes ao dia em lugar de quatro. Bom, eu
posso lhe dizer neste momento que a senhora Garner não tolerará tal
preguiça. — Centrando-se na voz da governanta, Vitória se deu conta que
não tinha ideia do que a mulher estava falando.
—Agora Agnes está de volta à cozinha ajudando a cozinheira.
Ah, sim. Agnes, a donzela problemática. Vitória recordou a senhora
Garner mencionando-a ontem. Senhora Garner gostava de informar a Vitória
todos os detalhes dos acontecimentos domésticos. Gostava muito realmente.
—Senhora Garner, temos uma mesa livre em algum lugar da casa? Eu
gostaria de uma para o meu estúdio. Uma mesa de trabalho singela seria
suficiente.
—Sim, milady. Vi uma no sótão na semana passada. Eu e as criadas.
—Excelente! Tem uma memória maravilhosa. Por favor, peça a Donald e
a Geoffrey que a coloquem sob as janelas mais longínquas da chaminé. Além
disso, devo ter mais material no final desta semana, já que visitarei minha
antiga casa e acredito que há algumas coisas que deixei ali.
A senhora Garner ficou em silêncio. Suas chaves tilintaram quando ela
cruzou as mãos na cintura, tensa e incômoda. Que estranho, pensou Vitória.
Talvez ela não se sinta bem.
—Milady, — gritou Billings da porta aberta.
Vitória sorriu e gritou: —Sim Billings, por favor entre.
O ancião avançou com seu andar miserável levando uma bandeja de prata
sobre a que jazia numa pilha de uns poucos papéis. Graças ao escândalo, os
convites e a correspondência tinham sido bastante escassas.
—Sua correspondência milady. — Billings se inclinou e lhe estendeu a
bandeja.
Vitória folheou rapidamente a pilha. Três envelopes, nenhum deles de seu
irmão. Ela franziu o cenho.
—Billings, é esta toda a correspondência? Não recebemos nada do Duque
de Blackmore?
Billings não respondeu, em troca ficou parado solenemente, franziu a
boca como se estivesse em uma profunda reflexão. Ou provando algo amargo.
Vitória se perguntou se tinha adormecido ou simplesmente não a tinha
ouvido.
Tentou-o de novo, esta vez mais forte.
—Billings?
—Sim milady?
—Recebemos cartas do Duque de Blackmore? Isto, — levantou o montão
—, é tudo o que chegou?
Ele ficou em silêncio de novo durante uns segundos, e logo respondeu: —
Essa é toda a correspondência de hoje para milady.
Vitória se deprimiu um pouco e suspirou profundamente. Baixou o olhar
à pilha de papéis em suas mãos. Harrison estava zangado com ela? É certo, ela
havia se desonrado e por extensão ao duque. Mas ela tinha pensado que ao
casar-se com Lucien e trabalhar para restaurar sua reputação resolveria em
grande parte o assunto. Harrison não estava acostumado a demonstrar
emoções muito cálidas, mas Vitória nunca tinha duvidado de seu afeto. Sem
dúvida, ia perdoá-la. Mas, então, por que não me escreveu? Hão passado dez
dias das bodas. E eu já lhe escrevi duas vezes.
Olhou Billings e a senhora Garner, ambos ainda de frente a ela,
movendo-se incômodos.
—Obrigada, Billings. Senhora Garner. Podem ir cumprir com seus
deveres.
Uma vez que se foram, Vitória distraiu seus pensamentos de um possível
distanciamento com o Harrison com a abertura de sua correspondência. A
primeira carta era da tia avó Muriel, que a felicitava por seu matrimônio; a
segunda era uma cobrança de fatura da senhora Bowman. Oh, céus, pensou,
seus olhos aumentando com a cifra que aparecia na última página. Talvez
devesse ter exercido um pouco de moderação. Até agora, Lucien tinham sido
um marido amável e indulgente, mas isso não queria dizer que sua boa
vontade fosse interminável. De verdade, Vitória não podia estar segura de
como poderia reagir. Casou-se com ele. Compartilhavam uma cama. Mas por
mais que o tentasse, não podia dizer que o conhecia. Bom, biblicamente
falando, conhece-o espetacularmente bem. Um leve sorriso se desenhou em
seus lábios e um pequeno calafrio subiu por sua coluna vertebral. Entretanto,
se lhe pedissem que predissesse seu comportamento ou entendesse suas
decisões, encontrava-se muito perdida.
Mordeu o lábio e colocou a fatura de lado. Melhor não pensar nisso
agora. Além disso, a terceira carta era mais interessante para Vitória. Era de
Lady Berne, convidando Vitória e Lucien para jantar na próxima semana com
a intenção de "discutir um estratagema que pudesse restaurar as coisas numa
ordem correta."
O alívio a inundou; a condessa pretendia ajudá-la com o escândalo. Lady
Berne era um presente dos céus, constante e generosa onde outros
inquestionavelmente a haviam abandonado. Ter uma matrona tão respeitada
ao seu lado faria sua reinserção na sociedade muito mais fácil.
Uns lábios quentes acariciaram sua nuca.
—Lucien! — exclamou ela. — Assustou-me. — De fato, seu coração
martelava contra seu esterno. Ou talvez esse era o efeito de sua língua
acariciando um lado de seu pescoço.
—Sinto-o amor. Muito tentador, sabe.
Sua voz baixa e suave, ecoou por suas costas, arrepiando os pelos de suas
costas, e envolvendo-se ao redor de seu ventre. Seus fortes braços se fecharam
ao redor de seus ombros desde atrás, e lhe perguntou ao ouvido: —O que está
lendo?
—Mmm?
Ele riu e beijou sensualmente a concha de sua orelha.
—A nota em suas mãos. O que é?
Ela baixou o olhar, surpreendida ao encontrar o convite ainda seguro em
sua mão.
—Oh! Lady Berne gostaria que acompanhássemos ela e a Lorde Berne a
um jantar na terça-feira próxima.
Ele ficou imóvel, retirando lentamente os braços e erguendo-se atrás dela.
Vitória se voltou de lado na cadeira para olhá-lo. Seu rosto era escuro e
taciturno, sua postura rígida.
—Com que propósito?
Seu tom enviou um calafrio por sua pele. Ela piscou.
—Acredito que ela deseja ajudar com o escândalo.
Dando um passo atrás, Lucien cruzou os braços sobre o peito.
—Quem mais estará lá?
Vitória encolheu os ombros.
—Ela não o disse. É importante? — Ele não respondeu, seu olhar se
moveu através dela sem deter-se. Uma reação estranha, por certo. — Lucien?
Seu sorriso retornou, mas desta vez parecia longínquo, como se ele
tratasse com uma conhecida, não com a mulher com quem tinha feito amor
menos de quatro horas antes.
—Só na medida em que os presentes sejam confiáveis.
Com o cenho franzido, ela ficou de pé e deixou a carta sobre seu
escritório, e logo girou para ficar de frente a seu marido, que agora sentia
como um estranho. O frio se assentou sobre ela como um manto.
—Lady Berne foi uma verdadeira amiga para mim, — disse com
suavidade... — Acredito que ela se sente responsável por minha situação atual
e deseja retificar a situação. Tenho todas as razões para confiar nela.
—Sério?
—Sim, — respondeu ela, seu temperamento começando a elevar-se. —
Ela sempre teve meus melhores interesses em mente.
—Seu melhor interesse. Stickley, por exemplo.
A menção do homem que tinha traído, sobretudo vindo da causa dessa
traição, fez com que o ressentimento e a vergonha a percorressem como uma
faca.
—Não vou discutir contigo sobre Stickley. Rogo-lhe isso, não o mencione
outra vez.
Lucien baixou o queixo e lhe dirigiu um olhar ardente.
—Meu ponto é que Lady Berne e os outros deveriam ter pensado melhor
antes de te conduzir a um homem tão pouco adequado para ti, como um
javali para um ganso.
—Outros...? — Ela franziu o cenho, e logo se deu conta da quem se
referia... — Quer dizer Harrison. — Rígida de indignação, ela replicou: —
Francamente, milord, o único que demonstrou más intenções para comigo foi
você.
A julgar por sua expressão, Lucien estava muito aborrecido com sua
franqueza.
—Cuidado querida, — disse. — Ainda necessita minha cooperação para
recuperar seu lugar na sociedade, verdade?
Uma onda de comoção a inundou ante a implicação.
—Está ameaçando retirá-la?
—Depende.
—Do que?
Sorriu-lhe, não com um de seus sorrisos, tão encantadores e
despreocupados. Este continha uma ameaça.
—De que te comporte bem como minha esposa.
Retrocedendo até que sentiu a borda da mesa do escritório atrás de seus
quadris, ela meneou a cabeça.
—O que significa isso?
Ele se aproximou mais, agora só a uns centímetros de distância. Traidores
calafrios de prazer serpentearam sobre a pele de Vitória.
—Uma boa esposa entenderia que não quero ter nada a ver com o
homem que matou meu irmão.
Seus olhos estavam fixados em seus lábios enquanto ele falava, mas logo
rapidamente voaram até encontrar seu plácido olhar.
—Entendo. Ainda assim, não pode pensar em evitá-lo para sempre.
—Não posso?
Certamente ele não queria dizer...
—Lucien — disse, a voz rouca pela incredulidade. — Ele é meu irmão. E
um duque.
—E um assassino.
Ela tragou com força ante a acusação. Não sabia o motivo do duelo, mas
sabia que Gregory Wyatt tinha sido o primeiro em lançar o desafio.
—Isso é muito injusto.
—Eu não lhe devo nada, e menos ainda justiça.
Procurando em seu rosto sinais do homem que tinha sido somente esta
manhã, encontrou só mortal determinação, uma dura amargura, e uma antiga
raiva. Por dentro, uma parte dela que tinha começado a ter esperança, talvez
inclusive a amar, murchou-se e sangrou. Mas anos sendo a filha da duquesa
de Blackmore vieram em seu resgate, e ela rapidamente se recompôs.
—Bem. Você não quer ver o Harrison. Mas certamente não vais me
impedir que eu o faça.
Lucien se inclinou para diante até que seus olhos estivessem ao nível dos
dela, apoiando as mãos sobre a mesa do escritório atrás dela, encerrando-a até
que não pôde ver nada mais que a ele.
—Aí, é onde está equivocada querida. É minha esposa, uma extensão de
mim. Ele é meu inimigo, e você não terá nada a ver com ele.
—Não pode falar à sério, — disse com voz rouca.
—Asseguro-te, estou sendo sincero.
—Mas devo visitar a Casa Clyde-Lacey para recuperar meus materiais…
Seu rosto se endureceu ainda mais, o músculo da mandíbula se esticou.
—Nenhum contato Vitória, entendeu? Nenhum.
—Mas…
—Nada de cartas. Nada de visitas. Nada de encontros casuais. Nada.
Ela o olhou fixamente, a este desconhecido com quem se casou. O
homem que tinha-lhe dado um prazer indescritível durante os últimos dez
dias. Deveria havê-lo sabido, disse-se com amargura. Tais indulgências
sempre levaram ao desastre. Deveria aprender a controlar seus desejos Vitória.
Do contrário, eles controlarão a ti. A advertência era familiar, apesar de que
tinham acontecido anos desde que tinha ouvido a voz de seu pai em sua
cabeça. Recordava a Harrison.
Com o queixo alto, os olhos entrecerrados, ela declarou: —Não vou
concordar com uma demanda tão absurda.
Sua cabeça se inclinou de um modo predador.
—Então temo que terá que padecer os estragos das más línguas por sua
conta.
—Honestamente tem a intenção de permitir que sua esposa siga sendo o
foco de um escândalo? Nenhum cavalheiro o faria.
Ele só assentiu, o gesto lento e ligeiramente zombador.
—Agora está entendendo.
A ameaça era suficientemente real para senti-la como uma espada lhe
atravessando o estômago. O propósito em casar-se com Lucien tinha sido
restaurar sua reputação. Se negava-se a cooperar, tudo teria sido em vão. Oh,
ele era um sedutor perito. E sim, talvez tivesse começado a criar fantasias de
converter este matrimônio em algo mais que uma conveniência. Mas era
evidente que ele não compartilhava seu tolo sentimento. Um marido que
queria um matrimônio real não ameaçaria abandonar sua esposa.
Vitória baixou os olhos e se obrigou a pensar de maneira lógica, como
frequentemente a animava Harrison. Realmente suas opções eram muito
limitadas. Um: Poderia desafiá-lo, o que significava que qualquer benefício
obtido da união seria em grande medida irrelevante, e estaria de volta onde
tinha começado: caída em desgraça e sem esperança. Ou dois: Ela poderia
obedecer, ganhar sua cooperação durante o tempo que fosse necessário, e
depois resolver com o Harrison.
—É desprezível, — murmurou.
Ele sorriu.
—Isso já o disse. — Passou-lhe um dedo pela bochecha, que ela
rapidamente o evitou afastando-se. Não podia suportar que a tocasse.
—Farei o que pede no que se refere a Harrison.
—Esplêndido.
Ela o empurrou com força no ombro. Ele não se moveu.
—Por agora, — disse enfaticamente. — Caso que será de utilidade para
mim.
Lucien colocou uma mão sobre seu coração, sua voz baixa.
—Vivo para ser utilizado por ti, querida.
Fazendo caso omisso da insinuação, Vitória se separou da mesa e deslizou
para além dele passeando pela habitação vigorosamente. A distância a ajudava
a clarear sua mente, mas não fazia nada para aliviar o frio em seu interior.
—Começaremos com o jantar de Lady Berne. Espero sua plena
cooperação, milord.
—Sempre e quando acatar meus desejos, ajudarei-te com seu pequeno
projeto.
Endireitando os ombros, Vitória enfrentou a ele e assentiu com a cabeça,
juntando seus dedos na cintura.
—É bom que entendamos um ao outro. E assim será. Não se deixaria
enganar de novo.
Algo de seus pensamentos deve ter se mostrado em seu rosto, porque ele
fez uma pausa procurando-a com os olhos, logo se moveu lentamente para a
frente até que esteve a menos de um metro de distância.
—Não temos que estar tão em desacordo amor. Há muitos prazeres que
ainda não exploramos, — disse em voz baixa, soando muito como o homem
que havia começado a se apaix...
Não. Esse caminho levava a desastre.
—Sua posição é de todo clara, meu senhor marido. — A força da
dignidade deu a sua voz um tom gelado que se assemelhava mais a do
Harrison que à sua própria. — Agora me permita explicar a minha. Qualquer
que fossem os prazeres que pudemos ter desfrutado uma vez, chegaram ao
fim. Embora signifique avivar intrigas daninhas entre os serventes, eu gostaria
de mudar à habitação dos convidados hoje mesmo. E você não me tocará de
novo.
Pouco a pouco, os olhos de Lucien pousaram em seu peito e fizeram uma
volta pausada à seu rosto.
—Está zangada agora, mas mudará de opinião.
Respirando ao redor de uma dor aguda no centro de seu peito, Vitória se
perguntou se alguma vez seria capaz de olhá-lo e não o desejar tanto que lhe
curvassem os dedos. Agora mesmo, ela desejava que esse momento chegasse
logo que fosse possível, pois muito temia que se não fosse assim, ele poderia
provar ter razão.
—Veremos, milord. Veremos.
Capítulo 12

"Um escândalo é como um lobo que ficou muito tempo sem comida. Primeiro
deve lhe dar outra coisa para comer além de ti mesma. Só então tem uma
possibilidade de domá-lo."
A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Berne ao inteirar-se das
lamentáveis consequências de não cumprir com os deveres de acompanhante
da dita dama.

O enérgico repicar das botas de Harrison sobre os degraus da casa urbana


de Berne ecoaram em um lance relativamente tranquilo de Grosvenor Street.
A tarde era inusualmente fresca, o céu sem nuvens, o ar prometendo uma
calidez que ainda não chegara. Ele tinha pensado que talvez um curto passeio
por Berkeley Square poderia ajudá-lo a limpar sua mente, aliviar a
preocupação que o atormentava. Mas quando levantou o braço para bater na
porta de carvalho, seus pensamentos invariavelmente voltaram para o mesmo
ponto: Tinha falhado com sua irmã mais nova.
Fez uma pausa, olhando seu punho enluvado que batia no ponto de
agarre da aldrava de bronze, mas vendo só os traços pálidos e tensos de
Vitória quando deixava a casa com esse canalha intrigante. Agora seu marido.
—Maldito seja, — murmurou. Tinha sido superado, ele o Duque de
Blackmore, um homem tão forte que mesmo o príncipe regente expressava
em privado, invejava por sua influência. Atherbourne tinha ganho mais que
uma mão superior. O bastardo tinha a irmã de Harrison. Só Deus sabia o que
resultaria dessa união, mas era difícil imaginar que fosse algo bom. Agora só
restava fazer-se perguntas, ficar velando por ela à distância, tratar de ajudar a
reparar o que Atherbourne tinha quebrado. Por causa dele. Por causa do que
ele tinha feito.
A porta se abriu, sobressaltando a Harrison e tirando—o de seus
pensamentos. Deixou cair o braço e dirigiu ao mordomo de Berne um olhar
em branco. O servente de meia idade deve ter tomado seu olhar como
desaprovação, porque imediatamente se inclinou.
—Minhas mais profundas desculpas, Sua Graça. Não o tinha ouvido
chegar. — Deu um passo atrás e fez um gesto para que ele entrasse, aceitando
o chapéu que Harrison lhe entregou de forma automática. — Avisarei Lorde e
Lady Berne em seguida. Importaria-lhe esperar no salão?
Harrison fez uma breve inclinação de cabeça, quase sem olhar o servente.
—Está bem.
O mordomo o acompanhou escada acima, ao pequeno, mas elegante
salão, com suas paredes sedosas de cor azul, chãos de carvalho e janelas altas.
Partiu dizendo algo sobre o chá. Ainda distraído por seus prévios
pensamentos, Harrison se aproximou da janela na quina direita do salão.
Com um só dedo, abriu as douradas cortinas totalmente e olhou para a rua
abaixo. Um faeton com boleia alta passou com um estrondo, um tipo loiro às
rédeas pressionando um par de cavalos de forma imprudente e muito rápido.
Harrison franziu o cenho. O homem ou para ser mais preciso o moço, estava
tentando o destino. Os jovens de hoje não entendiam o irresponsável de seus
comportamentos? Como punham em perigo a outros? E para que? Por um
momento de euforia, de emoção. Vergonhoso.
Ele sacudiu a cabeça e levou as mãos às costas. Colin era igual, talvez pior.
Se lançava de cabeça numa garrafa de conhaque, sem pensar como seu
comportamento negligente e imprudente poderia envergonhar aos que
compartilhavam seu nome, seu sangue. Nunca se perguntava se era correto
submeter os outros a sua ébria idiotice.
A incapacidade de Harrison em compreender a falta de controle de Colin
havia demonstrado ser uma barreira para corrigir seu comportamento. Tinha
tentado tudo: limitar sua atribuição, enviá-lo ao exterior, repreendê-lo,
enrolar, ameaçar. Nada havia funcionado. O beber somente tinha piorado,
especialmente no último ano. Vitória tinha sugerido repudiar Colin por
completo. E para que sua irmã gentil, de coração brando insinuasse algo
assim, a situação definitivamente se tornou crítica.
Mas ele não era capaz de fazê-lo. Colin e Vitória eram sua
responsabilidade, e apesar de que ele parecia estar falhando com os dois
bastante miseravelmente, não os abandonaria. Nunca.
Um chiado agudo seguido pelo ruído de passos correndo, tudo
amortecido pelas portas fechadas, chamou-lhe a atenção. Fortes gargalhadas
femininas. Jovens gargalhadas femininas chegaram aos seus ouvidos, gerando
uma reação instantânea. De irritação. Ele olhou as portas com o cenho
franzido, a seguir colocou a mão no bolso do colete para tirar seu relógio.
Uma e quinze. Porque diabos demoravam tanto Lorde e Lady Berne?
—Genie juro-te, — outra voz soou através das portas, esta um pouco
mais profunda, embora seguisse sendo feminina, e obviamente desgostosa. —
Se danificar esse livro de alguma maneira, cortarei cada fita de cabelo que
tenha, em troços irreconhecíveis.
—Oh, senhor Darcy! É meu heeróii. Como poderia não me apaixonar
loucameeenteeee?
Ele não podia estar seguro, mas suspeitava que o que seguiu à voz
cantarina de menina, foi o som de golpes ou ruídos exagerados de beijos. De
qualquer maneira, terminou em um grito, como se a que tinha produzido o
ruído tivesse sido bruscamente atacada.
—Devolva-o, condenada mimada. Não me obrigue a ameaçar aos seus
chapéus.
Outro grito, um ruído surdo, passos mais rápidos, a seguir as portas do
salão abriram-se de repente. Uma garota de cabelo escuro, que não podia ter
mais de doze anos entrou correndo na sala, aferrando um pequeno livro café
contra seu chato sutiã amarelo. Seguiu-a imediatamente uma mais alta,
embora de nenhuma maneira alta com um busto muito mais desenvolvido, de
uns dezoito ou dezenove anos. Esta garota também tinha o cabelo escuro, mas
era gordinha e com óculos, e o olhar entrecerrado com determinação. Lhe
resultou familiar, mas tomou um momento reconhecê-la. Era uma das filhas
que tinha assistido às bodas de Vitória. Era Joan? Anne? Não podia recordar.
Esse dia tinha passado numa neblina de cor vermelha para ele.
A garota mais jovem rodeou um dos sofás situado no centro da habitação,
colocando-o entre ela e a moça mais velha.
—Queimarei-o, acredite que o farei! — pronunciou estendendo de
maneira dramática o livro para a chaminé. A qual estava pelo menos a três
metros de distância.
A de óculos entreabriu os olhos e baixou a voz.
—Eu queimarei a ti, acredite que o farei.
—Ja! — Foi a resposta imediata. — Já nem sequer pode levantar a Katie.
Como esperas me jogar na chaminé?
Pequenas mãos femininas aterrissaram em uns quadris arredondados.
—Bem Genie aí me pegou, — respondeu Joan/ Anne/ Como se chame
com sarcasmo... Suponho que terei que trazer o fogo para ti.
A expressão de Genie se rebelou.
—Não o faria.
—Não?
—Irmãs não deveriam ameaçar queimar uma à outra.
—As irmãs não deveriam ter necessidade de roubar as posses da outra.
Agora me devolva o livro antes que me obrigue a fazer algo drástico.
Genie fez uma careta de uma maneira que lhe fez pensar que tinha
praticado a expressão diante de um espelho em inumeráveis ocasiões.
—Só estava tendo um pouco de diversão. Sempre está lendo, Jane. É tão
aborrecido.
Uma breve sombra apareceu no rosto de óculos. Jane. Agora recordava.
Seu nome era Jane. Suas sobrancelhas baixaram e sua mandíbula se esticou.
Meninas imprudentes as duas. Arrojando-se palavras mordazes, revoando
grosseiramente sem pensar no dano que poderiam causar. Nenhuma das duas
se deteve tempo suficiente para dar-se conta que ele estava parado na quina da
habitação.
Limpou a garganta. Ruidosamente.
Dois pares de olhos escuros giraram em sua direção, aumentados
comicamente, voaram para olhar-se entre si, e logo depois de novo a ele.
Genie ficou boquiaberta. A cara e a garganta de Jane se tingiu de um
vermelho acentuado, pouco favorecedor.
—Mi... Seu... Sua Graça, — conseguiu dizer Jane, dando um tropeção ao
fazer uma torpe reverência.
—É um duque? — gritou Genie. Antes que sua irmã pudesse responder, a
garota empurrou o livro às mãos de Jane e saiu correndo da habitação. Jane
pressionou o volume de couro marrom contra seu amplo busto, e os olhos de
Harrison o seguiram automaticamente, observando a rápida ascensão e
descida de seu peito. Seu cenho se aprofundou.
—Que livro é tão precioso pergunto-me, que a leva a ameaçar queimar a
uma irmã? — Viu como o rubor da moça se aprofundava e se estendia. Sua
boca permanecia aberta como se quisesse falar, mas não era capaz... — Nada
que dizer, então? Inclusive aos seus próprios ouvidos, sua voz soou áspera.
Fria. Antes que sua irritação superasse-o, voltou-se de costas para contemplar
mais uma vez pela janela. Passaram-se uns minutos de silêncio. Depois de um
momento, olhou atrás dele onde ela estava, mas tinha ido. Uma pontada de
remorso o golpeou. Talvez não o houvesse dirigido bem. Tinha estado
zangado com o Colin e com Atherbourne e, sim, inclusive com Vitória por
seu comportamento imprudente. Talvez sua reação, ao que provavelmente
fosse uma normal disputa entre irmãs, tinha sido um pouco severa.
Lady Berne entrou pela porta aberta, sua baixa e redonda figura
avançando com ímpeto. Lorde Berne, magro e distinto, vinha atrás mais
tranquilamente, um sorriso perplexo em seu rosto. Harrison os saudou com
uma inclinação de cabeça e uma breve reverência.
—Sua Graça, sinto muito tê-lo feito esperar, — começou a condessa. —
Temo que houve um pequeno... incidente com o menu do jantar. — Ela
levantou a mão como para evitar uma interrupção. — Não há necessidade de
entrar em pânico, entretanto. A crise se evitou. Lorde Berne terá seu faisão, e
a tranquilidade doméstica pôde reatar-se sem interrupção. — Esta última
parte o disse com um sorriso irônico e um brilho especial.
Ele piscou, sentindo que perdeu algo. Primeiro as filhas do conde se
perseguiam pelos corredores como um par de harpias, gritando e ameaçando-
se com todo tipo de danos corporais. Depois a condessa admitia que chegava
tarde a uma entrevista com ele, um duque nada menos, porque não tinha
feito corretamente os acertos para o jantar. Honestamente, não tinha ideia
que a família Berne tivesse tal nível de desorganização.
Depois de um longo e incômodo silêncio, Lorde Berne interveio: —Bom,
— disse o cavalheiro com seu afável tom habitual, — talvez devêssemos
sentar.
No momento em que todos tomaram seus assentos e o chá chegou,
devotado, e declinado, a tensão na parte posterior do pescoço de Harrison
havia se espalhado até o interior de seu crânio, carcomendo, transformando-se
em uma dor vaga e palpitante.
—Agora bem, — começou Lady Berne, umas mechas de cabelo castanho
intercaladas com alguns fios de prata aparecendo debaixo de sua touca com
enfeites. — Em primeiro lugar devo me desculpar Sua Graça. Como
acompanhante, era meu dever garantir que Vitória não sofresse nenhum dano
enquanto estivesse sob meus cuidados. Falhei com ela e falhei com você. — A
dama se deteve, aparentemente vencida pela emoção. Ela apertou os lábios, os
olhos brilhantes pelas lágrimas contidas. Procurou dentro do punho de seu
vestido, tirou um lenço e o levou ao nariz.
Ele abriu a boca para falar, mas ela o deteve levantando a mão.
—Não, não. Não ofereça tão precipitadamente seu perdão.
Baixando as sobrancelhas, sentiu a dor de cabeça contrair-se e intensificar-
se. Não havia estado a ponto de oferecer perdão. Ela tinha razão. Sua falta de
vigilância foi em parte, culpada da catástrofe do baile Gattingford. Antes que
pudesse dizer o mesmo sem dúvida, Lorde Berne se aproximou e acariciou o
braço de sua esposa com doçura.
—Não, não querida. Não pode te culpar. Atherbourne já tinha tudo
planejado antes de entrar no salão de baile. É provável que se o tivesse
frustrado ali, simplesmente teria procurado outra oportunidade.
—Deveria ter advertido a pobre moça. Ela nem sequer sabia quem era, —
murmurou Lady Berne, em seguida suspirou e encontrou os olhos de
Harrison. — Sua mãe foi uma de minhas mais queridas amigas. Farei tudo
em meu poder para restaurar a posição de Vitória. É o que ela teria querido.
Sentindo como se seus músculos tivessem disparado totalmente com um
morteiro, Harrison pouco podia fazer mais que assentir. Lorde Berne apertou
a mão da condessa com suavidade e dirigiu a Harrison um pequeno sorriso.
—Temos uma ideia a respeito.
Seus olhos se moveram várias vezes entre o conde e a condessa.
—Sim?
Lady Berne assentiu, a renda de sua touca balançando-se quando deslizou
para a frente afim de sentar-se na borda do sofá.
—Sou amiga íntima de uma certa marquesa, — sussurrou em voz alta.
Ele piscou.
—Sério?
Ela enrugou seu breve e redondo nariz e sorriu de forma secreta.
—Deve-me um pequeno favor. — Fazendo caso omisso do que devia ser
sua expressão de perplexidade, pois ele não podia compreender de que diabos
ela estava falando, a dama se apressou em continuar agitando seu lenço com
desdém para logo colocá-lo de novo no interior de sua manga. —
Infelizmente, inclusive isso pode não ser suficiente. O escândalo é
positivamente espantoso. Sabe o que dizem a respeito de sua querida e pobre
irmã?
Ele enrugou o cenho mais uma vez, sua dor de cabeça agora um parafuso
de banco dirigido pelo mesmo diabo.
—Não. Diga-me.
A condessa clareou a garganta com delicadeza.
—É simplesmente terrível, Sua Graça. Mas você deve saber a verdade. A
temporada passada e a presente, proclamava-se Vitória como o máximo
exemplo de virtude e graça. Embora isso tenha provocado bastante êxito na
atração de pretendentes honoráveis, também gerou uma grande quantidade
de inveja entre as outras debutantes e, mais concretamente, entre suas mães.
Sua queda de tão alto pedestal, temo que foi um convite a maldade em uma
escala que poucas vezes fui testemunha.
—O que precisamente dizem? — perguntou com suavidade.
Lady Berne deu uma olhada à seu marido, que assentiu com a cabeça e
lhe acariciou a mão, animando-a a continuar.
—As acusações mais suaves é que ela é uma hipócrita e uma fraude.
Outros especulam que ela foi o tempo todo amante de Atherbourne, e que os
dois planejavam continuar seu enlace depois de seu matrimônio com Stickley.
Os piores rumores apontam uma conspiração para acabar com Stickley depois
que ele herdasse o título deixando Vitória uma duquesa viúva.
—Estes rumores, são generalizados? — perguntou Harrison, a mandíbula
apertada, o estômago revolto. Tinha sabido que era mau. Lorde Dunston,
inclusive a irmã de Dunston, Mary, tinham-lhe advertido que a sociedade
estava escavando alegremente suas garras na carcaça suculenta que
Atherbourne tinha servido. Mas isto tinha ido muito longe e ele não se deu
conta.
—Temo que sim, — respondeu Lady Berne. — É muito pior do que
pensava. O matrimônio de Vitória com o Atherbourne ajudou um pouco,
mas Lorde Stickley segue acusando—a de infidelidade descarada. Recusa-se a
negar que ela pôde ter estado tendo uma aventura durante seu compromisso.
Não, o escândalo segue ardendo, temo.
Maldito Atherbourne. Harrison tinha quase decidido fazer viúva a sua
irmã tão logo pudesse localizar uma nova pistola de duelo. Tinha vendido o
par pouco depois de disparar no anterior Lorde Atherbourne.
—Encarregarei-me de Stickley, — disse Harrison, seu tom sem emoção.
Lorde Berne se inclinou para diante.
—Com todo respeito Harrison, acredito que neste caso pode ser melhor
manter-se afastado da refrega. — Cada instinto se elevava com a necessidade
de gritar sua negativa ao homem mais velho, mas antes que pudesse tomar
uma pausa, Berne continuou... — Sei que deseja proteger Vitória. É justo.
Mas a solução desta enfermidade em particular requer um especialista.
—Especialista? — perguntou, ainda inseguro a respeito deste vago plano
ao qual seguiam referindo.
Lady Berne assentiu enfaticamente.
—Em matéria de intrigas e rumores, sua autoridade é inigualável. Vitória
estará em excelentes mãos.
Harrison encontrou os olhos simpáticos de Lorde Berne, desejando com
ardor que não tivesse que colocar o bem-estar de sua irmã aos cuidados destas
pessoas bem-intencionadas, mas um tanto exasperantes. Entretanto, Lorde
Berne tinha razão quando dizia que Harrison não era o mais indicado para
combater o escândalo. Devido a sua briga com Atherbourne, sua implicação
direta só serviria para inspirar a resistência do visconde, por muito que ele
desprezasse ao homem agora seu cunhado. Harrison sabia que não podiam ter
êxito sem a cooperação de Atherbourne. Era a única razão pela qual tinha
estado de acordo com o matrimônio de Vitória, a única razão pela qual não
tinha matado ao miserável imediatamente.
Além disso, as mulheres da alta sociedade eram as que impulsionavam este
escândalo. Ciúmes, estavam dispostas a destroçar Vitória. A melhor pessoa
para reverter o dano era provavelmente uma mulher, uma que soubesse como
navegar pelos círculos de intrigas, que inclusive pudesse ter poder suficiente
para mudar as percepções, como geralmente Harrison tratava de permanecer
longe desses círculos, não tinha ideia de quem poderia ser essa figura.
Sua consternação deve ter se refletido em sua expressão, porque Lady
Berne sorriu tranquilizadora e lhe disse: —Não terá que preocupar-se Sua
Graça. Se alguém é capaz de extinguir este fogo, é Lady Wallingham.
Por Deus, pensou. Wallingham? Era como usar um martelo para apanhar
uma mariposa. Essa mulher era de uma só vez bruxa e tirana. Era poderosa
sim, mas também autoritária, sem tato, e às vezes extravagante. Esta solução
estava cheia de riscos, era inaceitável.
—Lady Berne, — disse Harrison, sua voz deliberadamente paciente, —
estou muito agradecido por seus esforços em nome de minha irmã.
Entretanto, temo que implicar Lady Wallingham vai provocar mais dano que
bem. Devo lhe pedir que me permita dirigir o assunto.
Lorde Berne começou a falar, provavelmente para oferecer garantias, mas
a condessa se levantou de repente, parecendo agitada. Obrigou a Harrison a
ficar em pé, onde permaneceu, rígido e cauteloso, enquanto ela se aproximava
da mesa baixa para parar diretamente diante dele. Ao alcançar apenas um
metro e meio de altura, Lady Berne era bastante mais baixa que ele, e isso
ficava mais evidente ao estar de pé a seu lado. Lembrou-se de uma cena de
uma de suas histórias de infância favoritas, As viagens de Gulliver. Quando
ela elevou o olhar para ele, o desconforto do momento cresceu, o que o fez
querer mover-se inquieto como o menino que tinha devorado esse livro um
dia.
Ela estendeu a mão lentamente e tomou suas mãos entre as suas. Surpreso
pelo gesto, só pôde ficar quieto sem palavras, enquanto lhe apertava os dedos
enluvados. Além do ocasional abraço impulsivo de Vitória ou alguma
palmada no ombro de Dunston, ninguém o tocava sem sua permissão.
Jamais. E enquanto seus pais tinham sido próximos com o conde e a
condessa, ele não, embora valorizasse a conexão a uma família tão respeitada.
—Ah milady, —começou delicadamente, perguntando-se como liberar-se
sem ofender.
Ela não se alterou, seus grandes olhos castanhos cheios de uma emoção
indefinível. Ele quase descreveria o olhar como maternal, mas isso era
ridículo. Ele era o Duque de Blackmore, não um pobre débil com necessidade
de consolo maternal.
—Querido moço, — disse com suavidade, as palavras quase um suspiro,
— você é tão parecido com seu pai.
Não era a primeira vez que tinha ouvido essa opinião. Estas comparações
eram inevitáveis, e só parcialmente corretas. Harrison era considerado por
muitos como frio até a medula, como tinha sido seu pai. Mas nunca tinha
conseguido mais que uma boa imitação dessa frieza.
—Permita-me lhe fazer uma pregunta, — continuou ela aparentemente
imperturbável por sua postura rígida. — Deseja que Vitória seja feliz?
Ele franziu o cenho, perguntando-se se a mulher era tola.
—É óbvio.
Ela sorriu, apertou-lhe os dedos pela última vez e em seguida deu um
passo atrás como se estivesse satisfeita com a resposta.
—Bem. Então permitirá que eu e Lady Wallingham agimos.
Abriu a boca para refutar sua afirmação, deteve-se quando ela continuou,
sua voz com mais força, mais enfática.
—Do contrário Sua Graça, há muito poucas possibilidades de recuperar a
posição de Vitória dentro da sociedade. O escândalo pode chegar a
desaparecer em sua importância, mas francamente sem Lady Wallingham
nunca vai desaparecer por completo.
À contragosto refletiu sobre sua declaração. Era um plano arriscado. A
anciã era imprevisível. Por outro lado, ela vivia segundo seu próprio conjunto
de regras, que não incluía o temor da autoridade de outra pessoa. Entretanto,
possivelmente devido a sua natureza formidável quando queria, Lady
Wallingham podia exercer um assombroso grau de influência. Embora lhe
doía colocar o bem-estar de sua irmã em mãos de alguém tão volátil, tinha
que admitir que Lady Berne provavelmente tivesse razão, era a melhor opção
disponível se queriam reverter o dano, em lugar de limitar-se a encobrir
temporariamente.
Maldita seja! Sentia-se como um touro que tinha sido cuidadosamente
conduzido a um estábulo. Estava se convertendo em uma sensação muito
familiar.
—Muito bem, — disse depois de um longo silêncio, — pode solicitar a
ajuda de Lady Wallingham.
Lady Berne lhe dedicou um sorriso encantador e aplaudiu com
entusiasmo.
—Esplêndido!
—Entretanto, — disse com tom autoritário, alertará-me se surgirem
problemas, imediatamente e sem duvidar. Se Lady Wallingham se converter
em um obstáculo mais que em uma ajuda, tomarei medidas, e ela não vai
desfrutar das consequências. Não duvide em advertir-lhe.
Lady Berne fez um gesto de despreocupação.
— Preocupa-se desnecessariamente. Quando ela põe sua mente em uma
tarefa, Lady Wallingham é realmente uma força da natureza.
Isso, pensou ele sombriamente, é precisamente o que me preocupa.
Capítulo 13

"Tome cuidado, querida. Outros podem ir à guerra. Eu faço a guerra. "


A Marquesa Viúva de Wallingham à duquesa de Rutland ante o desejo
expresso por Sua Graça ao anfitrião de uma competência de almoços
semanais.

—Crê que estará de acordo em nos ajudar? — perguntou Vitória com


nervosismo uma semana mais tarde.
Sentado ao seu lado na carruagem, Lucien respondeu: —Provavelmente.
Lady Wallingham pode ser um dragão, mas sua influência permite muitas
excentricidades. Imagino que vai ajudar, embora só seja para entreter-se
durante o resto da temporada.
Vitória assentiu e mordeu o lábio. Rezou para que ele tivesse razão.
Solicitar a ajuda de Lady Wallingham para resolver o escândalo
surpreendentemente grave, tinha sido um golpe magistral da parte de Lady
Berne, que era amiga do "dragão", como a havia descrito Lucien com
precisão. Lady Wallingham era uma figura raramente vista, sem, contudo,
inexplicavelmente influente dentro da alta sociedade. Chegava à Londres em
cada temporada aproximadamente um mês mais tarde que a maioria das
outras mulheres de sua idade e posição, preferindo o campo por sua "bendita
ausência de cacofonia e fedor sufocante".
Quando finalmente chegava à cidade era com uma grande quantidade de
fanfarra. As matronas da sociedade clamavam por convites a almoços
semanais da marquesa viúva, nos quais só as melhores intrigas se
compartilhavam, se discutiam, e se declarava o julgamento definitivo de Lady
Wallingham.
Seu comentário frequentemente era ácido, de vez em quando cortante, e
sempre incisivo. Pela mera elevação de uma sobrancelha, ela podia colocar a
uma presunçosa matrona em seu lugar ou revogar a boa posição de uma
debutante. Certamente, se alguém tinha a influência necessária para
transformar um escândalo virulento em um triunfo romântico, essa era Lady
Wallingham. A única pergunta na mente de Vitória era: solicitar a ajuda do
dragão ganharia um influente aliado ou o fogo do desprezo da dama?
Quando chegaram à casa de pedra branca do conde de Berne, o estômago
de Vitória se esticou com temor. Inconscientemente procurou a mão de
Lucien, que descansava no assento entre eles, seus dedos enluvados roçando
ligeiramente os de seu marido antes de dar-se conta do que estava fazendo.
Bruscamente retirou a mão.
Mas ele se deu conta. Como não fazê-lo? Era a primeira vez que o havia
tocado, inclusive na forma mais casual em sete dias. Depois de lhe ordenar
evitar todo contato com o Harrison, logo ameaçar jogá-la aos lobos
proverbiais se não o fizesse, Lucien tinha se atrevido a atuar como se nada
tivesse mudado. Mas para ela, tudo tinha mudado. Ele a estava utilizando
para castigar a seu irmão. De novo. Era fácil vê-lo agora que a névoa inicial da
luxúria se dissipou. Então por que não pode simplesmente aceitar a verdade e
pôr fim a este desejo infernal?
Em seus momentos mais débeis, antes de que pudesse deter-se, ela se
inclinava para ele para lhe dar um beijo ou tentar acariciar sua mandíbula.
Felizmente, até o momento, tinha sido capaz de recuperar seus sentidos antes
de que ele se desse conta de suas falhas. Até agora. Procurando segurança, sua
mão se moveu por sua própria vontade para roçar a dele, e desta vez ela não
pode escapar tão facilmente. A mão de Lucien foi atrás da sua e a encontrou
em seu colo. O pequeno contato enviou um alarmante formigamento ao
longo de seu braço.
—Vitória, — sussurrou.
Ela baixou o olhar para onde estavam entrelaçadas suas mãos, a de seu
marido muito maior que a sua. Todo seu corpo estava impregnado com a dor
cansativa da necessidade. Talvez mais que seu corpo. As pessoas poderiam
pensar que sua insensibilidade para com ela a faria imune ao desejo perigoso
que a enchia com sua presença. Ao menos, tinha suposto que afastando-se
dele, negando-se a lhe permitir invadir sua metade da cama de noite, lhe
falando só quando fosse necessário, assegurando-se que raramente estivessem
sozinhos, atenuaria-se a atração entre eles.
Mas não. Muito pelo contrário, na realidade. Ela o desejava.
De forma compulsiva.
Sacudindo a cabeça, reuniu força e retirou a mão da sua. A fez sentir-se
tensa, vazia.
—Na presença dos outros, pode interpretar o papel de marido devoto,
mas em privado nós dois sabemos que não quero seus cuidados, milord. Sua
voz soou absolutamente gelada.
Lucien não estava de bom humor para escutar a advertência. Sua mão, a
mesma que tinha embalado a dela momentos antes, se levantou para apanhar
sua nuca e fazê-la girar a cabeça de onde estava focada olhando pela janela,
para colocá-la frente a ele e à sua boca.
Ela chiou, surpreendida pelo beijo duro, sua língua escorregadia
invadindo e exigindo sua aquiescência. Lhe empurrou fracamente, mas se
fosse honesta, foi pouco mais que um gesto simbólico. O exultante prazer que
a inundava cada vez que a beijava era simplesmente muito para resistir. Lhe
agarrou as mãos e as colocou ao redor de seu pescoço, e logo deslizou seu
braço ao redor de sua cintura, a puxando de maneira firme contra ele. Ela
gemeu contra sua boca, seus seios inflamando-se e pressionando contra seu
espartilho, seus dedos enluvados cravando-se em sua nuca.
Um grunhido escuro surgiu das profundidades do peito de Lucien, o
estrondo provocando uma emoção aguda por todo seu corpo. Sentia-se como
se tivessem passado anos, não dias desde a última vez que a havia tocado. Ela
era um deserto e ele uma tormenta selvagem. Não foi até que Vitória sentiu
sua mão subindo sua saia até o joelho que a prudência começou a escorrer de
forma incômoda em sua consciência.
Justo quando ela se dispunha a romper o beijo (porque certamente era
isso o que propunha-se a fazer na primeira oportunidade), a carruagem abriu
e ambos congelaram. O lacaio clareou a garganta, olhando à frente.
Ruborizando-se, afastou-se rapidamente de seu marido, que se via
despenteado e faminto, sua respiração acelerada. Tragando com força contra
uma boca repentinamente seca, clareou a garganta e deslizou para sair da
carruagem, com Lucien seguindo-a depois de um intervalo estranhamente
longo. O ar fresco da tarde noite aliviou o calor de suas bochechas, enquanto
ambos se detinham para recompor-se. Segundos mais tarde, Lucien ofereceu-
lhe o braço para acompanhá-la ao interior, o beijo deixado para trás nos
limites da carruagem. Como devia ser, pensou ela, enviando uma oração de
agradecimento para o céu pelo execrável… pelo, excelente oportunismo do
lacaio.
Vitória tinha visitado a casa da cidade de Berne em várias ocasiões, e
sempre tinha parecido um lugar de calidez, comodidade e familiaridade.
Grande parte da casa estava coberta em tons claros e carvalho dourado, dos
pisos, à escada, às paredes com painéis no vestíbulo, salão e biblioteca. Mais
que isso, era uma casa impregnada de risadas, afeto e transbordante de energia
familiar. Tinha-se perguntado durante muito tempo, se ter irmãs teria dado à
Casa Clyde-Lacey e a Blackmore Hall mais da mesma sensação. Harrison não
era conhecido por sua natureza efusiva, depois de tudo.
Ela deu um olhar a Lucien enquanto subiam as escadas do salão.
Maldição. Era ainda mais atraente para ela agora do que tinha sido antes de
seu matrimônio, com seu fraque azul escuro perfeitamente feito sob medida e
bem ajustado sobre seus largos e musculosos ombros. Ela suspirou, sentindo
as brasas de sua anterior excitação começando a arder em seu ventre.
—Agora vejo o que quer dizer Meredith, — falou a voz de uma anciã.
—Ele é tão atraente como o próprio Lúcifer. Se tivesse me dado uma piscada,
eu teria me submetido a ele no terraço sem dúvida.
A declaração na frente da sala era sem dúvida de Lady Wallingham. A
maneira maliciosa da mulher e o som de sua voz sempre tinham
desconcertado a Vitória. Era estranho vindo de uma pessoa tão diminuta.
A marquesa viúva de Wallingham era uma figura imponente na
sociedade, mas realmente era vários centímetros mais baixa que Vitória, sua
cara magra e o nariz triangular lhe dando a aparência de um pássaro frágil.
Esta noite, ela levava um vestido de veludo púrpura escuro e um turbante
com plumas. A pluma de lavanda balançando-se a um lado de seu penteado
branco aumentava a semelhança com as aves.
—Oh céus, — murmurou Lady Berne. Apressou-se para adiantar-se em
fazer as apresentações formais.
A reverência de Lucien sobre a mão de Lady Wallingham foi impecável,
mas seu sorriso foi malicioso.
—Atrevo-me a dizer que um encontro entre nós, teria escandalizado as
patronas do Almack, não é assim milady?
A marquesa viúva arqueou uma sobrancelha branca e franziu os lábios
magros.
—Atherbourne, sou muito velha e nem de perto tão pusilânime para cair
presa de seus galanteios. — Seu queixo se elevou ligeiramente e um brilho de
humor apareceu em seus olhos verde jade. — Além disso, uma reverência
superficial é suficiente para enviar a essas galinhas cacarejando correndo por
seus sais aromáticos, assim não é uma grande medida.
Voltou seu olhar afiado para Vitória. Passaram vários segundos, enquanto
parecia que Lady Wallingham avaliava mesmo a alma de Vitória. Ou ao
menos, sentia-se assim.
—Sua mãe foi uma santa em suas ações, moça. Resulta-me difícil
imaginar a duquesa comportando-se de outra forma.
Lady Berne voltou seus olhos surpreendidos à Lady Wallingham.
—Mas você sempre disse que a duquesa de Blackmore devia usar cores
mais brilhantes, para não confundi-la com o mobiliário.
Lady Wallingham bufou.
—Não disse que a achava interessante, Meredith. Simplesmente que ela
não havia sido apanhada em um escândalo deste tipo. O que é verdade.
—Entendo milady, — disse Vitória com suavidade inundando-a um
rubor de vergonha.
—E? — perguntou Lady Wallingham imperiosamente. Vitória piscou.
—Milady?
A marquesa viúva soprou e sacudiu a cabeça.
—Menina, a comerão viva se não demonstrar um pouco de coragem.
Como vou ajudá-la se se encolhe ante a mínima provocação?
—Oh. Você… você deseja me ajudar, então? — O coração de Vitória
palpitou com esperança.
Lady Wallingham se voltou para encontrar os olhos de Lady Berne, seu
penacho de lavanda movendo-se lentamente.
—Não mencionou que ela era uma lerda.
Lady Berne negou com a cabeça e elevou os olhos aos céus como
procurando paciência.
—Porque não o é, Dorothea. Talvez devêssemos ir jantar. Sempre é mais
razoável depois de comer.
Uma hora mais tarde, estava claro que Lady Wallingham com efeito,
desejava ajudar a restaurar a reputação de Vitória, e tinha a intenção de dirigir
o esforço ela mesma. Enquanto jantavam, a marquesa viúva de sua posição de
honra à direita de Lorde Berne, repartiu ordens como um general no campo
de batalha.
Sua primeira diretiva foi para seu filho, o marquês de Wallingham. Um
cavalheiro tranquilo, erudito, de uns quarenta anos, que tinha ficado viúvo
jovem, pouco depois de obter seu título. De tudo o que tinha ouvido Vitória,
ele tinha adorado tanto a sua esposa que inclusive agora, quinze anos depois
de sua morte, comportava-se como se estivesse de luto perpétuo.
—Charles, já que te nega a voltar a casar-te, — declarou Lady
Wallingham, — sua utilidade na organização de um baile ou qualquer outra
diversão é mínima. Mas sem dúvida pode silenciar ao Stickley. Ofereça
vender ao homem um de seus cavalos se se retirar a seu imóvel no campo.
Lorde Wallingham, proprietário de um dos melhores estábulos da
Inglaterra, quase nunca se separava de seus apreciados cavalos. Vitória
recordou os esforços infrutíferos de Harrison para comprar um novo cavalo
de caça do marquês, e sua estranha frustração pela "teima infernal" do
homem. Não obstante, neste caso, o filho de Lady Wallingham assentiu com
complacência, muito acostumado a forma autoritária de sua mãe.
—Tannenbrook, — ladrou ela a seguir, fazendo que o gigante amigo de
Lucien, com seus traços francos, se erguesse em seu assento e baixasse as
sobrancelhas, — todo mundo espera que seja o confidente de Atherbourne.
Espalhe que ele está cativado.
—Espalhar, milady? — perguntou Tannenbrook com calma.
Lady Wallingham agitou seu garfo no ar como um cetro.
—Nos clubes e lugares que frequenta, sim. Use essa cabeça colossal para
mais que golpear pedras, moço. Tenho que pensar em tudo?
Entreabrindo os olhos, Tannenbrook a olhou fixamente durante vários
minutos. Vitória viu como o conde, que sempre tinha parecido tão sólido e
estoico como uma grande montanha, adquiria um ar perigoso e volátil. Lady
Wallingham soprou e levantou uma sobrancelha, sustentando seu olhar sem
pestanejar. Como se chegasse a uma decisão, Tannenbrook inclinou
ironicamente a cabeça em sua direção.
—Excelente. Isso soluciona a parte masculina de nosso problema. Sempre
a mais simples de resolver, atrevo-me a dizer.
Com isso, Lady Wallingham procedeu a instruir cada um dos presentes
na mesa: Lorde e Lady Berne, Lucien e Vitória, inclusive Annabelle e Jane
Huxley, dando instruções e tarefas específicas. De todas, só uma pessoa se
atreveu a opor-se, e foi a mais improvável de todas.
—Milady — começou Jane, as bochechas arredondadas tornando-se de
um vermelho acentuado, — eu… devo lhe advertir...
—Hã? Fale, menina. Não suporto as evasivas. E na minha idade, não
deveria ter que fazê-lo.
Jane limpou a garganta.
—O que quero dizer é que farei tudo o que possa para ajudar, p… mas o
que pediu a respeito de difundir a história entre minhas amigas, e... — Sua
voz se apagou enquanto olhava ao redor da mesa, claramente incômoda.
—Vejo que entende o ponto. Qual é o problema?
Annabelle, sentada ao lado de sua irmã, pôs a mão brevemente sobre a de
Jane e disse: —Pode ser melhor se eu me encarregar desta parte do plano,
milady. Sou amiga não só das filhas gêmeas de Lorde Aldridge, mas também
da senhorita Matilde Bentley.
As sobrancelhas de Lady Wallingham subiram ante a menção de três das
mais fofoqueiras jovens da temporada. Olhou a cabeça inclinada de Jane
atentamente durante uns segundos e logo disse: —Está bem. Não me importa
quem faz as intrigas, simplesmente quero que se faça. Jane! — Sua voz foi um
forte rangido na sala, fazendo com que a garota elevasse a cabeça
sobressaltada, seus olhos totalmente abertos atrás de seus óculos.
—Lady Atherbourne precisará de aliados que a rodeiem. Se seu único
propósito útil for estar presente e visível a seu lado, então isso é o que vai
fazer.
—Sim milady, —disse a jovem com voz rouca.
—E se vir um livro em sua mão em uma dessas funções Lady Jane
Huxley, não haverá lugar onde possa esconder-se de mim. Entendido?
Jane assentiu com a cabeça, lamentando claramente ter atraído tal
atenção.
Embora Vitória considerasse Lady Berne uma boa amiga e gostasse de
Lorde Berne, nunca tinha passado muito tempo com suas filhas. Sua
impressão de Annabelle era que era borbulhante, popular e de bom humor.
Enquanto que a Vitória agradava a garota, sua personalidade similar a de
Lady Berne tendia a gravitar em diferentes círculos, e então seguiam sendo
pouco mais que conhecidas. Jane era justamente o contrário de sua irmã:
muito tímida, tranquila e despretensiosa. Sobre essa base, Vitória tampouco
tinha formado uma grande conexão com ela. Era difícil chegar a ser amiga de
alguém que não falava.
Entretanto, para Vitória a estimativa do caráter da jovem subiu vários
degraus esta tarde, requeria-se coragem para enfrentar ao dragão e
especialmente para a dócil e pequena Jane Huxley.
—Lady Atherbourne, — disse o dragão chamando a atenção de Vitória,
— acredito que temos um plano. Se todo mundo realizar suas funções
adequadamente, antes do final da temporada, o escândalo desaparecerá como
um mau aroma que sai por uma janela aberta.
Vitória sorriu à Lady Wallingham e lhe agradeceu sinceramente por sua
generosidade.
—Não há necessidade de agradecer moça — disse ela, dirigindo um olhar
bastante agudo para encontrar o de Lucien. — Presentes serão suficientes.
Enviem-nos à casa de Park Lane.
Lucien meio que sorriu e riu entredentes. Reconheceu a solicitude,
embora talvez ordenar fosse a descrição mais adequada, pensou com uma
inclinação de cabeça.
Mais tarde, quando entraram na carruagem para retornar para casa o
corpo grande e quente de Lucien se instalou junto à Vitória, deixando-a sem
espaço nem tempo para respirar com normalidade. Seu braço deslizou para
trás de seus ombros e a apertou contra seu corpo duro.
—Agora, onde estávamos? — sussurrou, sua malvada língua
empreendendo um giro ao redor da concha de sua orelha, provocando
calafrios que lhe percorreram a pele e estabelecessem-se em seus peitos.
—Lucien, — protestou Vitória fracamente.
—Mmm? — Lhe acariciou o pescoço, seus lábios fazendo estragos com
seu bom sentido.
—Certamente não espera...
—Ah, mas sim o espero, — disse com voz rouca suas mãos encontrando o
caminho dentro de seu sutiã.
Não deve ceder Vitória. Deve resisti-lo. Ele só te traiu e te utilizou. Ela
sabia que essa era a voz da razão, uma voz que devia prestar atenção. Mas
havia passado tanto tempo desde que havia se sentido desta maneira. Horas,
ao menos.
Seu polegar lhe acariciou o mamilo, seus dedos apertando delicadamente.
Vitória gemeu e encontrou sua boca com a dele. O homem era um feiticeiro,
seduzindo seus sentidos com repetidas carícias de sua língua e pequenas
dentadas em seu lábio inferior. Minutos mais tarde, ele tinha desabotoado a
calça e ela estava escarranchada sobre seus quadris, posicionada em cima dele,
úmida e ansiosa para o ter em seu interior.
—Isto não significa o que você crê que significa, Lucien. — Respirando
muito pesadamente, pouco podia pronunciar as palavras, embora soubesse
que devia deixar claro quem estava no controle.
Ele grunhiu, em seguida ofegou.
—É óbvio que não.
Ela se abateu sobre ele, seu polegar riscando sua formosa boca.
—Quero-te agora. Mas é só desta vez.
—O que prefira, anjo. — Seus dedos se fecharam e apertaram seu
traseiro. — O único que peço é que aja com celeridade.
Lentamente, Vitória baixou os quadris e sentiu seu grosso e duro membro
deslizar-se para dentro dela. Ficaram sem fôlego ao mesmo tempo, a fricção, o
calor e o ajuste dele em seu interior sentindo-o como um fogo ardendo em
uma chaminé: bem-vindo, consolador e correto. A ideia foi vagamente
alarmante. Não. Isto não podia ser tão perfeito. Não podia suportar que lhe
oferecesse o céu e o arrancasse, que fosse impossível pelo ódio de Lucien pela
sua família e por sua disposição em utilizá-la.
Não outra vez.
Ocultando seu rosto no oco de seu ombro, ela fez uma pausa saboreando
o esticamento de seu corpo ao redor do dele. Respirou uma vez, duas vezes e
logo recompôs seus traços antes de endireitar-se longe dele, pondo as mãos
contra seu peito.
—Não assuma que isto vai ocorrer novamente, — disse ela com sua voz
rouca, mas resolvida. — Ou que está perdoado.
As mãos de Lucien se elevaram até sua cintura e apertaram. Seu peito se
movia com cada respiração dificultosa; os músculos a cada lado de sua
mandíbula se esticaram. Seus olhos brilhantes encontraram os seus na
escuridão da carruagem. Desaparecera todo rastro de sua brincadeira prévia.
—Você é minha esposa. Nada vai mudar isso, — grunhiu. Seus dedos
cravaram em seus quadris enquanto lhe dava uma investida repentina e
profunda, obrigando-a a liberar um gemido de prazer. Acariciando profundo
e duro em seu centro, ele exigiu: — Diga-o.
Surpreendida por sua ira repentina, seu corpo ainda em êxtase lhe dando
as boas-vindas a cada investida implacável. A rudeza de seus movimentos só
aumentava seu prazer.
—Maldita seja Vitória, — disse com os dentes apertados. — Diga-o!
Com sua mente embotada pela deliciosa excitação sexual, tomou uns
minutos decifrar o que ele tão desesperadamente precisava ouvir, e mais
tempo ainda, conceder-lhe. Mas no final, as palavras se arrancaram dela, uma
verdade que a assustava até deixá-la sem sentido.
—Sou sua esposa, — ofegou.
—Sim, — gritou ele.
—E nada vai mudar isso.
Suas palavras fizeram com que os dois caíssem pelo precipício em uma
liberação que se espalhou por todos os músculos de seu corpo, fazendo-a girar
para a borda do firmamento e logo fazendo-a retornar.
Mais tarde, com sua cabeça pendurada no ombro de Lucien, pressionou-
se contra seu pescoço, aspirando suor, especiarias e sexo, tudo delicioso e
dolorosamente familiar. Seus braços endureceram, retendo-a como se temesse
que pudesse escapar. Aonde, não podia imaginar. Estavam em sua carruagem,
dirigiam-se para casa. Em que pese tudo o que ela pretendia quanto a ter
superioridade nesta batalha, a verdade era que estava muito à sua mercê. O
pensamento não lhe assentou bem.
—Vitória, —começou ele suavemente.
Ela sacudiu a cabeça retirando-se lentamente, desenrolando-se de seu
abraço, deixando que deslizasse fora dela quando se levantou e se afastou para
sentar no banco em frente. Por que sentia como se estivesse deixando uma
parte de mim mesma para trás?
—Olhe-me, — exigiu Lucien.
Ela fechou os olhos, a umidade pegajosa entre suas coxas um aviso de sua
debilidade.
—Isto foi um erro, — murmurou ela mais para si mesma que para ele.
—Não. — Sua voz se tornou rouca. — O erro foi te permitir nos manter
separados na última semana. Estamos casados. Não há nenhuma razão para
que não desfrutemos um do outro…
—Oh? decidiste trocar de opinião sobre o Harrison então?
Inclusive na escuridão, pôde ver seu cenho franzido.
—Isso pensei.
Uma pausa longa e especulativa vindo de seu lado da carruagem.
—Quanto tempo crê que esperará que esse teu pequeno e doce corpo
exija mais uma vez o que é legitimamente dele? Outros sete dias, talvez?
Essa mesma pergunta tinha queimado seu interior desde o momento em
que havia permitido que sua mão se movesse instintivamente para a dele. Era
aterrador contemplar quão desesperadamente o desejava. O suficiente para
sacrificar seu orgulho, arriscar-se ao desastre que certamente seguiria.
—Tínhamos um acordo. O que acaba de acontecer não muda nada.
—Nunca estive de acordo em não te tocar esposa. De fato, é meu direito
fazê-lo.
O fôlego que acabava de recuperar voou ante sua declaração.
—Você... você forçaria seus avanços...
—Maldição Vitória. — Soava realmente zangado. — É óbvio que não.
—Bom isso é um alívio, acredito.
Mal podia ver mais que um esboço de sua forma grande, mas era
suficiente para observar que pouco a pouco se recostava no assento, um
tornozelo apoiado em seu joelho. Uma pose arrogante se alguma vez houve
uma.
—Não terei que fazê-lo. Como o demonstra as... aventuras desta noite.
Sua presunção a irritou.
—Desfrutou, senhor meu marido?
Ele se sentou em posição vertical, de repente muito alerta.
—Oh sim, anjo. Estar dentro de ti é puro esplendor.
Ela se inclinou para diante, permitindo que o fluxo superior de seu busto
captasse a luz tênue que entrava pela janela.
—Então posso te sugerir que mantenha fresca a lembrança, porque será o
único esplendor te fazendo companhia nas semanas longas e solitárias pela
frente.
Capítulo 14

"Ah, clube de cavalheiros. Uma boa e venerável instituição. Muito útil para
eliminar os incômodos da presença de uma mulher todos os dias durante várias e
gloriosas horas."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho, Lorde Wallingham, depois
que ele compartilhou a contragosto informação encontrada no livro de
apostas do White.

—Maldita seja, como odeio os clubes, — murmurou enquanto


Tannenbrook e Lucien se sentavam no salão de café do White.
Lucien arqueou uma sobrancelha tomou um sorvo de cerveja e colocou
seu exemplar do The Time sobre a mesa.
—Melhor que nenhum outro membro te ouça dizer isso. Considera-se
uma blasfêmia, sabe.
James grunhiu e envolveu sua mão muito grande em torno de uma taça
muito pequena.
—Além disso, — continuou Lucien, — seus esforços aqui e no Brooks
são um êxito fantástico.
Seu amigo o olhou por baixo de suas sobrancelhas pesadas.
—A anciã me colocou fofocando como um colegial. É um maldito
desastre.
—Alvanley se deteve na mesa antes que chegasse.
A testa de Tannenbrook se suavizou.
—E o que disse o príncipe dos dândis?
Lucien tomou outro gole e lhe dirigiu um olhar divertido sobre a borda.
—Expressou sua decepção.
James tinha sua habitual expressão impassível, esperando pacientemente
que continuasse.
Colocando sua taça sobre a mesa, Lucien o agradou.
—Deu a entender que comportar-se como um devoto admirador de uma
bela Julieta sem dúvida termina em uma morte prematura, a única pergunta é
se será por veneno, apunhalamento, ou caindo de um balcão.
James soprou.
—Parece lorde Tannenbrook, que tem um dom.
A cara de seu amigo se esticou em uma careta de desgosto, enquanto se
sentava em sua cadeira e cruzava seus braços enormes.
Lucien sorriu.
—Em qualquer caso, acredita-se com toda certeza em todas as rodas de
cavalheiros, que sou um tolo desagradavelmente apaixonado por sua esposa.
Impressionante, depois de apenas cinco dias.
Claramente incômodo ao ser elogiado por sua hábil manipulação na
fabricação de rumores, James descartou o assunto e mudou de tema.
—Stickley saiu de Londres.
—Quando? — Perguntou Lucien imediatamente.
—Ontem. Wallingham comprou sua ausência com um potro, ou assim
ouvi. — Lucien se voltou para trás, a satisfação inundando-o. O pomposo
verme havia levado sua indignação por Vitória a baixezas vergonhosas,
miando a todos que quisessem escutar a respeito de sua traição. Merecia uma
surra, mas que desaparecesse no campo teria que bastar.
Umas gargalhadas proviam da sala, provavelmente algum jovem lorde
muito ébrio numa hora cedo do dia. Momentos depois, as conclusões de
Lucien se confirmaram quando Colin Lacey entrou cambaleante na sala. Era
seguido por Lorde Chatham, alto, magro, de cabelo escuro e quase certo
igualmente bêbado, apesar de que ocultava o fato extraordinariamente bem.
Um terceiro homem, com cara de sono e decididamente menos jocoso,
sacudiu a cabeça e se dirigiu às escadas.
Deve ter perdido bastante nas mesas, pensou Lucien, notando que o trio
havia chegado da sala de jogos.
Vendo Lucien e Tannenbrook sentados perto da janela, os dois homens se
aproximaram. A vênia de Lacey foi descuidada, sua saudação arrastando as
palavras. A vênia de Lorde Chatham pelo contrário, foi a imagem da
elegância, executada à perfeição.
—Atherbourne, — disse Lacey, — onde esteve escondendo a Tori?
Ninguém viu-a desde as bodas.
Irritado pela pergunta, Lucien respondeu: —Isso poderia ser de
importância se pudesse recordar de um modo ou de outro Lacey. Como estão
as coisas, surpreende-me que recorde sequer que tem uma irmã.
Antes que o jovem pudesse responder, Chatham bateu no ombro de seu
companheiro e o aconselhou de maneira jocosa: —Não se preocupe. Estou
seguro de que sua irmã está em boas mãos com Lorde Atherbourne. Em
excepcionais mãos se acreditar na senhora Knightley.
Colin Lacey, muito bêbado para entender a observação de Chatham, e
muito menos para responder a ela, inclinou-se à sua direita e se apoiou no
respaldo de uma cadeira vazia.
Lucien respondeu ao olhar turquesa de Chatham com outro incisivo.
Assim Benedict Chatham, atual visconde Chatham e futuro marquês de
Rutherford, estava atendendo à viúva Knightley. Um trabalho exaustivo esse.
Lucien arqueou uma sobrancelha.
—Longa noite né, Chatham? — perguntou com suavidade.
O sorriso cínico do homem se desvaneceu de repente.
Advertência aparentemente recebida… bem. O assunto da senhora
Knightley não era algo que Lucien desejasse que se ventilasse aos quatro
ventos, e se os rumores de sua relação com Chatham eram certos, então o
dissoluto lorde certamente compartilhava o sentimento. Perguntava-se isso
sim, como seu próprio passado amoroso tinha chegado a ser um tema de
conversação entre os dois, e por que Chatham escolhia trazê-lo para
conversação agora.
Em Eton, ele tinha entrado dois anos depois de Lucien, e tinham ficado
amigos rapidamente: jogando críquete, perseguindo saias, fazendo
brincadeiras com os meninos mais velhos. Chatham era surpreendentemente
inteligente, tinha um senso de humor diabólico, e, inclusive aos quatorze
anos, tinha ensinado aos moços maiores uma coisa ou duas a respeito de
cortejar o sexo frágil. As mulheres o desejavam completamente, até estando
magro e pálido pelos estragos da bebida, como agora.
Sua amizade se desvaneceu quando Chatham tinha começado sua descida
à desgraça e a libertinagem, mas Lucien nunca tinha desejado mal ao homem.
Sem dúvida, dado seu sarcasmo sobre a aventura de Lucien com a depravada e
incansável senhora Knightley, talvez o sentimento não fosse mútuo.
Com o cenho franzido, olhou de Chatham a Lacey e vice-versa, uma
conexão fazendo clique no fundo de sua mente. Chatham sempre tinha tido
um talento para a influência. A outros homens (mais velhos, mais jovens,
pouco importava) adoravam segui-lo e imitá-lo. Parecia que Colin Lacey não
era a exceção.
Lucien se voltou para a pobre desculpa do irmão de Vitória.
—Lacey, sugiro-lhe que retorne à casa antes que danifique seriamente os
móveis.
—Sssoaa igggual a Harrison.
Uma raiva escura em espiral se filtrou por seus ossos, brigando seu
caminho para o exterior de um lugar terrivelmente familiar. Lucien não
gostava de ser comparado com Blackmore. Por nenhum motivo. Não se
pareciam em nada, inclusive a implicação disparava o ódio que mantinha
acumulado, entretanto nunca dormindo. Finalmente, notando o brilho
perigoso nos olhos de Lucien, Lacey sabiamente retrocedeu um passo.
Chatham interrompeu com frieza: —Possivelmente é melhor nos retirarmos
então. Milords.
Enquanto abandonavam a habitação, Lacey protestou com seu falar ébrio
que ele pensava que iam tomar um café, ao que respondeu Chatham que de
repente havia desenvolvido um gosto por algo um pouco mais forte.
—Nunca gostei da forma das colheres daqui, de todos os modos.
Surpreso pela declaração divertida de James, Lucien olhou a seu amigo,
que casualmente fez um gesto à mão de Lucien. Jazia fechada em um punho
sobre a mesa, depois de ter dobrado uma colher de prata pela metade.
Imediatamente, sentiu-se doente por dentro. Abriu a mão e deixou cair o
pedaço de metal com um ruído surdo sobre a madeira coberta de linho.
Maldição. Não tinha tido um de seus episódios em semanas. Desde suas
bodas.
—Estava bêbado. E é um maldito imbécil, além disso. Não deveria lhe
prestar a menor atenção.
Lucien assentiu. James sempre falava com sentido. Depois desse episódio,
ajudava muito escutar a razão comedida e a acalmada paciência. Respirou
lentamente, permitindo que a ira fluísse fora dele. Era um truque que tinha
aprendido depois de decidir deixar Thornbridge e procurar justiça. Imaginar
um poço escuro sem fim, de veneno correndo como um rio fora de suas veias,
fora de seu corpo, como o ar expulso de seus pulmões. Às vezes como hoje,
funcionava.
Quando encontrou os olhos de James, foi inclusive capaz de sorrir.
—É uma sorte que não decida passar muito tempo em sua companhia.
Um pouco mais tarde, Lucien e Tannenbrook entraram na sala de bilhar
e começaram um jogo rápido. James, que tinha permanecido em silêncio
desde que saíram da sala de café, perguntou em voz baixa: —Como está sua
esposa Luc?
Seus músculos se esticaram e algo se apertou com força em seu peito.
Olhou James por cima do ombro, perguntando-se como devia responder. Ela
é formosa. Ela é minha. Ela é muito mais do que eu pensava que seria.
Melhor do que mereço.
Inclinou-se para frente para preparar seu tiro.
—Está bem.
James assentiu.
—Não tentou ver Blackmore?
Observou como James com calma disparava a bola branca de Lucien e o
deixava duplamente frustrado. Maldito inferno. Tannenbrook tinha um
instinto assassino quando se tratava de bilhar.
—Vitória entende meus desejos.
A surpresa levantou as sobrancelhas de James.
—E ela está de acordo?
Clareando a garganta, Lucien respondeu: —No momento. — Olhou a
seu amigo. — Seu ceticismo é injustificado. Tomei precauções. Uma vez que
o escândalo se assente, iremos a Thornbridge, e o assunto deverá dirigir-se
com facilidade.
—Ainda planeja mantê-la afastada dele então. Pelo resto de sua vida.
A base do taco de Lucien golpeou contra o chão.
—Essa é a ideia geral. Se tiver uma melhor maneira de privar Blackmore
da única coisa que lhe é querido, além de simplesmente matá-la, estou ansioso
por escutá-la.
James estendeu a palma da mão em sinal de rendição.
—Não, entendo. Sempre entendi. Só…
Lucien franziu o cenho e espetou: —O que?
—Pisa com cuidado, Luc. Às vezes, conseguir o que mais se quer é o pior
que pode acontecer.
Lucien contemplou seu amigo um tempo, durante vários segundos,
assombrando-se ao ver a expressão atormentada do homem. James Kilbrenner
era quase oito centímetros mais alto e ao redor de vinte quilos mais pesado
que Lucien. Um gigante corpulento com uma cara como granito. Vê-lo
mostrar alguma emoção que não se devesse a uma má comida, um
companheiro desagradável, ou uma égua teimosa era estranho, por certo. Isso
era só James. Aparentemente sem complicações e lento para bulir. É óbvio,
Lucien sabia que havia muito mais nele que isso, mas não frequentemente saía
à superfície.
—Tomei a devida nota. — Moveu-se para a frente para dar seu seguinte
tiro, e continuou com voz casual: — por outro lado, conseguir o que se quer
pode ser muito satisfatório. —Com isso, fez uma carambola no amortecedor
para disparar a bola vermelha e enviou a James um sorriso triunfante.
O conde de Tannenbrook soltou um palavrão baixinho.
—Não se preocupe, — disse Lucien afável enquanto dava uma palmada
no ombro de seu amigo. — Um bom jogador nunca está realmente fora do
jogo.
Os sérios olhos verdes de Tannenbrook encontraram os de Lucien.
—O jogo tem que terminar em algum momento.
—Sim, — respondeu. — Termina quando ganho.

Ao chegar em casa duas horas mais tarde, Lucien entregou seu cavalo a
Connell, chofer e principal moço dos estábulos. O cabelo vermelho e as
sardas de Connell davam a ele aspecto de um estudante, quando de fato tinha
idade suficiente para estar casado com uma das criadas da casa e pai de três
filhos pequenos. Ainda assim, era jovem para um posto de tal
responsabilidade, mas seu dom com os cavalos fez com que ganhasse primeiro
o respeito de Gregory, logo o de Lucien. Hugo, o cavalo de Lucien, era de
grande tamanho e vigoroso, requerendo passar várias vezes os jornais para
mantê-lo calmo. Mas nas mãos capazes de Connell, o cavalo se derretia e
virtualmente sorria com afeto. Hoje, o jovem tinha uma expressão apreensiva,
os olhos e o rosto tenso. Deteve-se para tomar as rédeas como se quisesse
falar.
—O que acontece, Connell? — perguntou Lucien com impaciência.
—É sua senhoria, milord. Ela …se instalou no estábulo.
Lucien piscou.
—Perdão?
O moço assentiu vigorosamente e assinalou para a estrutura de tijolo de
dois pisos atrás dele.
—Disse a sua senhoria que esse não era lugar adequado para…
—E o que te disse? — perguntou Lucien com gravidade, agora dirigindo-
se com passo irado para o estábulo.

Riu milord.

Ele se deteve e virou para olhar Connell, que se deteve também. Hugo ia
na retaguarda dele como um gigante cão.
—Riu?
Connell assentiu e esfregou o nariz do cavalo de modo ausente.
—Disse que era uma tolice e que eu podia ir, já que ela tinha trabalho
para fazer. — Os olhos do homem eram redondos como moedas, seu alarme
aumentando claramente ante a ideia da senhora da casa desejando entrar em
seu domínio, e mais até manchando suas mãos com o trabalho.
Lucien compartilhava sua consternação, mas por razões ligeiramente
diferentes. Ela não pertencia a esse lugar, isso era certo. Além disso, ele não
queria que lhe surgissem ideias estranhas a respeito de tomar um de seus
cavalos para um passeio, talvez à sua antiga casa. Se tinha que assegurar-se que
cumprisse suas ordens, precisava controlar seus movimentos enquanto
estavam em Londres, e não podia fazer isso se metia na cabeça desafiá-lo.
Felizmente até o momento, Vitória tinha demonstrado ser uma purista da
propriedade, um produto da influência de Blackmore sem dúvida, e nunca se
aventurava por aí sem sua donzela ou outro acompanhante. Quase sempre
usava a carruagem para ir a Mayfair, já que teria que cruzar o esmagador
rebuliço de Oxford Street para chegar lá, e a pé não era um passeio rápido e
tranquilo. Mas não era impossível que de repente ela tivesse a ideia de esticar
as proverbiais asas, bem sabia ele. Era um ser de espírito sua esposa, debaixo
da obediente superfície.
—Leve Hugo para dar um passeio. Eu falarei com Lady Atherbourne.
—Sim, milord. — Connell tirou o gorro e se afastou com o cavalo.
Quando Lucien entrou nos limites escuros e poeirentos dos estábulos,
deteve-se um momento para deixar que seus olhos se acostumassem. Ao longo
de um lado, uma fila de baias continham seis cavalos, placidamente comendo
feno, soprando e bufando para chamar sua atenção. As últimas baias estavam
vazias. Uma pertencia a Hugo. As outras faltavam ocupar-se, e já que tinha a
intenção de abandonar Londres muito antes disto, não tinha achado que fosse
necessário. É óbvio, tampouco havia previsto tomar uma esposa tão cedo.
Ainda fazia falta um pouco de ajuste.
Avançando com passo pausado, agora era capaz de ver nas profundidades
do espaço fedorento. Justo depois de passar uma fila de cadeiras de montar e
arreios, perto da entrada da garagem, uma franja arredondada de musselina
estampada de flores se balançava e se retorcia atrás de um poste de madeira.
—Vamos meu amor, — sussurrou uma doce voz feminina, — não quer
que lhe acaricie? Prometo que desfrutará.
Tudo em seu corpo se deteve, seu coração, sua respiração, seus pés. Tudo
se paralisou quando se deu conta do que estava olhando, a quem estava
ouvindo dizer essas palavras provocadoras. Vitória. Estava inclinada,
aparecendo atrás de uma caixa. Seu arredondado e delicioso traseiro deu outro
rebolado quando estendeu um braço para sua presa.
—É tímido, verdade? Só me deixe tocar sua pequena cabeça. Serei suave
como um sopro. Se for bom, talvez o beije. Você gostaria disso?
Não pôde evitá-lo, grunhiu audivelmente, seu corpo passou de atento a
intensamente excitado em meio segundo. Maldita seja. Estava louco de
luxúria. Seu encantador traseiro se retorceu de um modo bastante atrativo
quando se virou, tratando de dar uma olhada em sua direção por cima do
ombro.
—Quem est…? — Se ergueu, cambaleando-se para trás. — Ai! Isso doeu,
pequeno diabo!
Ela cambaleou para trás, perdendo o equilíbrio e agitando uma mão
loucamente como se a tivessem queimado. Antes que pudesse golpear a porta
da baia, que estendeu-se torpemente para o corredor, ele correu para ela e a
agarrou pela cintura. Suas nádegas encontraram sua haste endurecida com um
golpe transcendental, fazendo-o grunhir de novo, esta vez devido ao
considerável desconforto. Suas costas chocaram contra o poste de madeira
entre duas baias.
—Oh! Pelo amor do céu, — chiou ela saindo dos braços de Lucien,
repentinamente flácidos, e girando para ele. Avermelhada e despenteada, ela
apoiou as mãos nos quadris e soprou uma baforada de ar para cima para
separar de seu olho um cacho solto. Lucien?
Ele grunhiu. Falar realmente era impossível nesse momento.
—Que está fazendo aqui?
Várias respirações profundas pareceram ajudar a retroceder as ondas de
dor, ao menos o suficiente para formar palavras.
—Poderia te perguntar o mesmo, esposa. Este não é um lugar apropriado
para que a Flor de Blackmore passe as horas.
Ela se encolheu como se ele a tivesse insultado, e logo respondeu com
tranquila dignidade: —Possivelmente. Entretanto, como bem sabe, esse
apelido não tem o mesmo significado há muito tempo.
—Desde que me conheceu, quer dizer. — A amargura em sua voz
surpreendeu, inclusive a ele mesmo. Estava cansado de seu ressentimento,
cansado de não poder tocá-la.
—Se esperas que negue sua parte em minha ruína, ficará decepcionado.
Ele suspirou.
—Os avisos constantes são…
—Não é minha intenção discutir Lucien, — disse ela com calma. —
Simplesmente gostaria de terminar minha tarefa. Passou ambas as mãos por
sua saia para tirar o pó. Logo fez uma careta e embalou sua mão direita com a
esquerda.
—Está ferida? — perguntou, sua própria dor quase esquecida.
Ela sacudiu a cabeça e murmurou: —Não é nada. — Mas ele se separou
do poste e agarrou seu pulso com suavidade. Um trio de sangrentos arranhões
arruinavam a parte carnuda da base do polegar. — De verdade. É só um
arranhão.
—O que aconteceu?
Com as bochechas um pouco ruborizadas, lhe dirigiu um olhar tímido
por baixo das pestanas.
—Fiz uns avanços não desejados e me deram uma reprimenda
decididamente severa. — Ela enrugou o nariz. — Minha culpa por certo. O
pequeno diabo é obviamente, muito particular com seus pretendentes.
Confundido por um momento, ele a fez ficar de um lado para olhar atrás
das caixas. Ali, aconchegado em uma cama de feno, estava um gatinho rajado
laranja. Elevou o olhar para ele com seus olhos dourados e alertas. E gritou.
Ele franziu o cenho e se voltou para Vitória.
—Essa maldita coisa é selvagem. O que estava pensando?
Vitória pôs as mãos nos quadris e encolheu os ombros exasperada.
—Quero desenhá-lo, mas está decidido a permanecer oculto. É do mais
irritante.
Uns cachos loiros que normalmente eram perfeitamente disciplinados,
haviam escapado de suas forquilhas, fazendo com que seu penteado se
inclinasse para um lado. Uma pequena mancha de terra lhe manchava o
queixo. E seu vestido parecia como se tivesse sido pisoteado pelo estábulo.
Coisa que na realidade, fazia. Tossiu para dissimular um sorriso.
—Está rindo de mim?
Apertando os lábios, murmurou: —Não. Não.
Observou que os próprios lábios de sua esposa tremiam, uma comissura
curvando-se sem remédio em um sorriso. Ela sacudiu a cabeça.
—Suponho que mereço isso. — Sacudiu outra vez suas saias poeirentas.
— Me atreveria a dizer que pareço um espantalho. Não é de estranhar que me
rechace.
Aproximando-se, tomou sua mandíbula e passou o polegar pela pequena
mancha em seu queixo.
—Inclusive quando parece um espantalho, segue sendo a mulher mais
bela que vi em minha vida.
Os olhos suavizando-se, os lábios entreabrindo-se, por um momento
pareceu que Vitória poderia derreter-se. O desejo feroz, insistente e sinuoso o
percorreu. Mas justo quando se movia para envolver um braço ao redor de
sua cintura, as mãos dela agarraram suas mãos e o empurraram.
—Não comece Lucien.
—Começar o que? — perguntou inocentemente.
Seu queixo se elevou, sua boca apertando-se em sinal de desaprovação.
—Não tenho paciência nem tempo para suas tolices. Devo terminar meu
esboço esta tarde enquanto tenha luz suficiente. É um presente para Lady
Berne. Ela adora gatos, mas não pode ter um porque fazem Lorde Berne
espirrar de um modo terrível.
Passando uma mão pelo cabelo, ele suspirou.
—Quanto tempo durará este processo?
Ela se deu uns golpezinhos com o dedo nos lábios.
—Depende.
—Do que?
—Do cooperativo que seja meu sujeito. Levou quinze minutos para me
aproximar o suficiente para fazer os traços. — Deu em sua mão um olhar
ressentido... — Esboçar é a parte fácil.
Sem dizer uma palavra, ele se despojou de seu fraque e pegou um balde
próximo, logo se aproximou resolutamente ao esconderijo do gato.
—O que está…?
Fez um sinal à Vitória para que ficasse em silêncio levando um dedo aos
lábios. Pouco a pouco com cuidado, colocou o balde à esquerda das caixas,
bloqueando a rota de escapamento do gatinho. Continuando, esticou a
jaqueta como uma rede ao longo do lado direito e se inclinou para fazer sair a
pequena besta de seu ninho. Gritando e cuspindo, o gato arranhou sem
piedade a mão de Lucien, sua pelagem de cor laranja arrepiada, seu diminuto
corpo retorcendo-se em protesto. Não obstante, Lucien foi capaz de apanhar
o cangote do animal entre o polegar e os dedos e mantê-lo no alto tempo
suficiente para recuperar seu casaco. Envolveu o gato firmemente em seu
interior, rodeando com as mangas o pequeno vulto, de modo que só
sobressaía sua cabeça.
—Uma façanha magnífica milord, — disse sua esposa, sua voz
impregnada de riso. — De verdade, as pessoas poderiam supor que
atravessaste as selvas da África caçando animais selvagens. — Estava tirando
sarro, mas podia ver que estava contente que tinha segurado a pequena
criatura que lhe tinha dado tantos problemas. O coração deu um tombo
peculiar.
—É assombroso o que um marido é capaz de fazer quando lhe dá a
motivação adequada. — Suas palavras atraíram os olhos de Vitória de novo
aos seus. Azul-verde luminosos, apanharam-no e o mantiveram em um agarre
implacável, suspenso sem fôlego dentro de um momento estranho, congelado.
Uma sensação vertiginosa, como cair de costas na água, expandiu-se dentro
dele. Era confuso, desorientador, estimulante. Fez-lhe querer tomá-la e levá-la
à cama. Fez-o querer cair de joelhos e lhe pedir perdão. Fez-o querer gritar
triunfante que ela era sua para sempre.
Meu Deus pensou, não pela primeira vez. O que é isto? Era como um
invasor estranho, uma beberagem perigosa de gratidão, culpa e obsessão, tudo
centrado nesta pequena mulher. Tinha experimentado indícios disso antes de
seu matrimônio. Mas só parecia voltar-se cada vez pior.
Vitória acariciou a cabeça peluda do gatinho que ele sustentava para ela,
seus dedos acariciando suave e ritmicamente.
Sim. Muito, muito pior.
—Obrigada, — disse ela, a relutância evidente em seu tom. — Agora, se
o mantiver quieto, talvez por aqui junto à porta, — assinalou a entrada do
pátio, a qual permanecia aberta. Com sua distintiva eficiência, Vitória tomou
seu caderno de desenho da parte superior de outro conjunto de caixas,
recolheu o balde que ele tinha usado antes, e o guiou à zona que tinha
indicado, junto à porta, onde a luz entrava abundante. Pôs o balde de barriga
para baixo e se sentou como se fosse um trono real, tirando um lápis da
manga e folheando as páginas até que encontrou uma folha em branco.
—Tem que ver o resto dele? — perguntou Lucien, olhando seu lápis voar
sobre a página com traços rápidos e decisivos.
—Não ainda. A cara é sempre a parte mais difícil para mim. — Seus
olhos encontraram brevemente os dele, e logo se deslizaram para sua boca,
uma misteriosa expressão velando seus traços suaves. — Bem. Talvez não
sempre. Entretanto, para esta peça, estou decidida a dar a Lady Berne algo
que entesourará. Deve ficar bom.
O gatinho miou lastimamente. Ele esfregou um dedo sobre sua cabeça
para acalmá-lo.
—Então, você gosta de animais?
—Mmm. Não particularmente.
—O que pensa dos cavalos? Muitos artistas adoram pintá-los. Ou isso é o
que ouvi.
Ela deteve a mão elevando o lápis por um momento.
—Os cavalos têm seus usos, suponho.
Arqueando uma sobrancelha ante a tensão em sua voz, ele respondeu: —
Útil sim. Não desfruta montar à cavalo?
O desenho começou de novo, seus movimentos agora quase ferozes. Se
não tomasse cuidado, ia romper o papel.
—Não.
—Por que?
Suspirando audivelmente, ela soprou para cima outra vez, como o tinha
feito anteriormente, para tirar o cabelo dos olhos. Podia ver a frustração
enrugando sua face.
—Se quer sabê-lo, derrubaram-me uma vez. Eu era bastante pequena, e
quebrei a perna. Depois, ficar prostrada na cama durante meses foi bastante
desagradável. Só há um cavalo que sou capaz de montar, e essa é minha égua,
Bitsy. Ficou em Blackmore Hall esta temporada, já que se esperava que fosse
parir.
O coração de Lucien se retorceu ante a ideia de Vitória sofrendo dor. Ela
era uma mulher leve, delicada. Encontrou-se imaginando-a menina, sua perna
quebrada e dobrada em um ângulo estranho enquanto ela gritava em uma
agonia difícil de suportar.
—Assim como vê, não vou tomar um de seus cavalos para uma excursão à
Casa Clyde-Lacey. Pode estar tranquilo nesse aspecto, marido. — Deixando
de lado seu tom mordaz, ele não pôde evitar sentir um pouco de alívio.
Embora mantê-la longe do Duque enquanto estavam em Londres não era
estritamente necessário. Poderia ter permitido que se desenvolvessem os
eventos e começar o castigo do bastardo depois do fim da temporada, tinha
decidido que era necessária uma dose mais imediata de vingança, uma que
pudesse presenciar pessoalmente. Enviar uma mensagem inequívoca a
Blackmore: Vitória pertencia a Lucien agora. Ele controlava onde ia, a quem
via, o que fazia. Ela estava à sua mercê, e não havia nada que Sua Graça
pudesse fazer a respeito.
Agora, se tão somente pudesse convencer a sua esposa do mesmo, tudo
estaria bem. Tinha um plano para isso, na realidade. Bom, não um plano
precisamente. Mas bem uma ideia. Oh, muito bem, uma fantasia recorrente
que envolvia a boca dele e a entusiasta entrega de Vitória.
—Está ronronando.
Piscando confundido, olhou para baixo, dando-se conta de que ela se
referia ao gato. A criatura, em efeito, estava emitindo um tranquilo ronrono.
—Acredito que lhe agrada, — disse Vitória. A luz se moveu sobre seu
rosto e, por um momento, iluminou-a com uma auréola gloriosa. Iluminou o
pequeno sulco de concentração entre suas sobrancelhas. O travesso meio
sorriso que curvava seus lábios. O brilho dourado de seus cachos
despenteados. Tirou-lhe o fôlego.
—Mmm, — grunhiu Lucien, já que nada mais eloquente pôde articular.
Ainda não está terminado?
—A paciência milord, é uma virtude.
—Nunca tive muito apego à virtude. Terrivelmente aborrecida.
Sua mão se deteve sobre o papel e seus olhos grandes se encontraram com
os seus, como se ele houvesse dito algo profundo.
—Possivelmente tenha razão. — Tendo chegado ao que parecia a algum
tipo de conclusão, ela baixou o olhar de novo a seu esboço, passando
lentamente seu lápis sobre os bigodes do gatinho. — Mas a alternativa é pior.
— Uma estranha tristeza escureceu seu rosto, como se tivesse perdido algo
precioso.
Mulheres, pensou ele com desconcerto. Confusas criaturas todas elas.
—Bem, isso deveria servir para seu rosto. — Pelos seguintes dez minutos,
Lucien desembrulhou o gatinho um pouco de cada vez, primeiro uma perna,
logo duas. Vitória esboçou cada parte que era revelada, preenchendo os
detalhes tais como as listras e as garras. Logo, todo o corpo esteve livre de seu
casaco, mas o gatinho ainda estava ronronando. Finalmente, ela terminou o
esboço e o sustentou no alto para que o visse.
—Excelente. Uma perfeita semelhança.
—Crê que Lady Berne vai gostar? — perguntou com ansiedade.
—É óbvio — murmurou, apressando-se a colocar o gato de volta em seu
ninho atrás da caixa e sacudindo seu casaco. Maldição. A ligeira lã verde
estava coberta de pelagem laranja. A pôs sobre o braço. — Agora, acredito
que estávamos discutindo sobre a virtude, ou o prazer da carência da virtude.
— Girando para lhe dirigir um sorriso malicioso, ficou consternado ao ver
Connell voltando com Hugo. O moço se deteve atrás de Vitória, que tinha se
perdido em seus pensamentos, riscando com ar ausente um dedo sobre uma
página de seu caderno de desenho.
Mais tarde, o incidente pareceu quase previsível. Hugo entrou atrás de
Connell, o castanho puro sangue, uma presença gigantesca ficando junto de
Vitória. De repente, o cavalo relinchou, moveu-se para um lado golpeando
com força o ombro de Vitória, desestabilizando-a. Ela gritou, deu um recuo e
se curvou tensa contra a parede.
—Connell! — bradou Lucien, correndo para eles. — Controle-o!
—Sim, milord. — O moço puxou os arreios, fazendo sons calmantes
tratando de acalmar o enorme cavalo. Eventualmente, arrumou para
convencer ao agitado Hugo a colocar as quatro patas no chão e levá-lo
diretamente à sua baia.
—Vitória? — perguntou Lucien em voz baixa, acariciando seus ombros,
suas costas, seu cabelo. Ela pegava com força o caderno de desenho no peito,
os braços envoltos ao redor de si mesma. Estava tremendo e não o olhava.
Mas estava agradecido que o permitisse aproximá-la. — Está bem?
Ela assentiu. Mas não lhe acreditou. Rodeou-a com seus braços,
abraçando-a com força e sentindo seu estremecimento rodar através dele
como se fosse nele próprio.
—É tão parvo, — disse Vitória com um fio de voz. — A maioria dos
cavalos não me assustam absolutamente. Ele me surpreendeu.
—Shh, amor. Tudo está bem. Está à salvo. — Em um primeiro
momento, quando seu tremor se acalmou, pensou em liberá-la. Mas logo ela
se apoiou nele como se ainda necessitasse sua força para sustentá-la.
—Não deveria ter saído à cavalo nesse dia, — sussurrou ela, pousando
um ouvido contra seu peito. — Papai me advertiu que nunca montasse seus
cavalos de caça. Mas estava aborrecida. Só tinha montado pôneis e cavalos
mais velhos, castrados e os mais lentos do estábulo de Blackmore. Balthazar
era magnífico, uma besta negra, grande e brilhante. Eu sabia que juntos
poderíamos voar. — Ela encostou seu rosto ainda mais em seu peito, a
lembrança claramente dolorosa.
—E o fizeram, anjo? — sua voz saiu estranhamente estrangulada.
Ela assentiu.
—Foi maravilhoso. Nunca tinha sonhado ir tão rápido. Então, ele já não
estava debaixo de mim. Assim sem mais. Depois descobri que tinha passado
em um buraco e sua perna... simplesmente se quebrou. É por isso que
desapareceu. Eu segui e aterrissei muito mal. Nós dois quebramos as pernas,
imagina? — Sua risada soou seca e forçada e foi apagando em um longo
silêncio. Papai teve que disparar em Balthazar. Estava muito furioso. Tive
sorte de que não considerasse o mesmo remédio para mim.
Lucien simplesmente a abraçou e lhe acariciou as costas, perguntando-se
como um pai podia mostrar mais preocupação por seu cavalo que por sua
filha.
Ela suspirou e se agitou, endireitando-se e afastando-se à medida que
lentamente se recuperava do susto.
—Pensa que sou uma parva…
—Não. — Deslizou suas mãos ao redor de suas costas para evitar que
escapasse e a manteve no lugar. Onde ela pertencia. — Não era mais que uma
menina.
—Papai disse que com sete anos era bastante crescida para ter juízo. E
tinha razão. Deveria tê-lo tido.
Ele sacudiu a cabeça com incredulidade. Sete anos. Realmente, estava
começando a ver de onde provinha a raiz do coração de pedra de Harrison
Lacey.
—Hãhã Milord, Hugo está em sua baia—, disse Connell atrás dele. — Se
me permite, senhor, eu gostaria de pedir desculpas a sua senhoria.
Ele se voltou para olhar com fúria ao ruborizado moço das cavalariças.
—Então faz-o.
Connell assentiu e tirou a boina antes de enfrentar Vitória.
—Milady, suplico-lhe seu perdão. Não a vi ali quando entramos…
—Tolices — respondeu ela, seu queixo elevando-se em um ângulo de
orgulho.
—To… tolices, milady?
—Não se desculpe, já que não foi sua culpa absolutamente.
Connell piscou, suas mãos retorcendo sua boina em um cilindro
apertado.
—Não foi minha culpa?
Lucien olhou sua esposa, que parecia toda uma viscondessa de cabo à
rabo, embora desalinhada.
—Não foi? — perguntou ele com receio.
—Certamente que não. O cavalo me empurrou de forma inesperada e me
surpreendeu. Não é culpa sua ou do cavalo, a não ser minha. — Dirigiu a
ambos um sorriso valente. — Não me fez nenhum dano.
Ao mesmo tempo, Lucien e Connell protestaram, mas ela levantou uma
mão para exigir silêncio.
—Não escutarei mais nada a respeito. — Com um braço agarrando seu
caderno de desenho, ela se voltou rapidamente sobre seus calcanhares e se
afastou dele, seus quadris balançando-se de uma forma que estava começando
a suspeitar fora desenhado para torturá-lo.
Maldita seja pensou, a tensão e endurecimento de sua virilha provocando
uma dor muito familiar. Se isto fosse uma enfermidade, então só havia um
remédio: tenho que seduzir a minha esposa. Ele observou seu doce e
arredondado traseiro burlando-se dele do outro lado do pátio. Pelo bem de
sua prudência, deveria tê-la de novo. E logo.
Capítulo 15

"Não posso suportar uma criada faladora, como não posso suportar uma roda
de carruagem chiando. Ambas são intoleráveis e devem ser silenciadas ou
substituídas. Eu prefiro 'substituídas ".
A Marquesa Viúva de Wallingham à sua nova donzela, a sexta em seis
meses.

Na manhã seguinte, chegou o convite para o almoço de Lady


Wallingham. O nervosismo estremeceu o ventre de Vitória, fazendo eco
através de seus dedos e fazendo com que tremesse o papel que sustentavam.
Nunca tinha assistido a um dos almoços do dragão, só tinha ouvido falar
deles por Lady Berne. Esta seria sua luva, uma prova de seu valor. Segundo
todos, os almoços eram de uma só vez sutis e brutais, uma manada de
matronas de rostos agudos e azedos julgando tudo, da escolha de sapatilhas
até a escolha de marido. Faziam parecer a apresentação no Almack um quente
abraço em comparação. Mas era necessário e faria o que tinha que fazer.
Respirou fundo para infundir-se coragem.
Lucien entrou em sua sala de estar como se fosse o dono, o qual ela
supunha que era. Entretanto, ele tinha estado atuando cada vez mais
presunçoso ultimamente, ignorando seu comportamento formal,
deliberadamente roçando-a em cada oportunidade, dizendo coisas
provocadoras que só a metade entendia. Era do mais desconcertante.
Comportava-se frente a todo mundo como se eles simplesmente tivessem tido
uma rixa sem importância, e era só questão de tempo antes que ela
recuperasse os sentidos e lhe permitisse voltar para sua cama.
—Outro convite, querida? Parece que nossos esforços estão começando a
dar seus frutos.
—Mmm. Lady Wallingham gostaria que nos uníssemos a ela para o
almoço de quinta-feira. E por favor, deixa de me chamar de querida. Sabe
muito bem que eu não gosto.
Fazendo caso omisso de sua petição, ele se aproximou casualmente de sua
cadeira e estudou a nota por cima de seu ombro.
—Assim que este é o almoço no qual outras mulheres tentam te lançar
adagas, e você tenta se desviar?
—Isso acredito.
Lucien fez uma pausa, seus olhos brilhando, logo entrecerrando-se.
—Não deveria preocupar-se por isso Vitória.
Ela parou e ocupou suas mãos arrumando os papéis de sua mesa.
—Sairá bem. Além disso, este é só o primeiro passo. Depois do almoço,
iremos começar a receber mais convites, os quais nos permitirão nos
restabelecer dentro da sociedade.
De repente, sentiu o calor e a força de seu corpo rodeando-a por trás, seus
braços rodeando sua cintura. Lucien pousou suavemente o queixo em cima de
sua cabeça.
—Irei contigo.
Congelada em seu lugar, empapou-se de sua proximidade como uma rosa
privada da luz do sol durante muito tempo. Por que não podia manter
distância? Parecia decidido a romper sua vontade de resistir, não com beijos e
sedução, a não ser com calidez, engenho e preocupação marital. Do primeiro
poderia ser capaz de defender-se, mas nada a debilitava mais que a força e a
atenção de Lucien.
Erguendo-se e afastando-se de seu corpo, ela preparou o contra-ataque.
—Não foste convidado, milord. É um almoço só para damas.
—Então usarei um vestido.
Ela não pôde evitá-lo. A réplica inesperada a fez soprar uma risada.
Aproveitando a abertura, sua voz masculina se converteu em um falsete.
—Queridas, onde encontram seus chapéus? Atreveria-me a dizer que o
meu tristemente é da temporada passada.
Consumida por risadas incontroláveis ante a imagem de Lucien Wyatt
vestido de mulher, tomando chá, sorrindo com afetação e falando sobre moda
com as fofoqueiras mais famosas da alta sociedade. Vitória tinha lágrimas
rodando por suas bochechas antes que pudesse recuperar a compostura. Nesse
momento, as mãos de Lucien deslizavam por seus quadris, atraindo suas
costas para ele, seus braços rodeando-a pela frente de seus ombros e cintura, e
ele os balançava lentamente de lado a lado. Era como dançar.
Secou as bochechas, suspirou e sacudiu a cabeça. Neste tipo de momento,
mais que nunca chorava o que tinha perdido. Um marido que pudesse amá-
la. Uma família própria. Uma fantasia, queria dizer. Como podia perder algo
que nunca teve?
O pensamento foi instrutivo.
—Solte-me, — disse em voz baixa.
Ele deteve seu movimento de vaivém, mas manteve seus braços fechados
em torno dela.
—Devemos ser inimigos Vitória? — sussurrou, seus lábios
alarmantemente perto de seu ouvido.
—Somos o que você nos tem feito.
—Não sou eu que nega o prazer da cama matrimonial. Eu não sou o que
se afasta quando oferece consolo ou afeto.
Fechou os olhos com força, a honestidade forçando sua resposta.
—Não.
Ela sentiu seu suspiro à suas costas.
—Ele matou meu irmão, Vitória. Não é natural que não queira ter nada a
ver com ele?
—Lucien…
—Está zangada. É compreensível. Mas você não é minha inimizade,
amor. — Sua voz era baixa e persuasiva. Doía-lhe o coração por ele, pelo que
tinha passado. Meu Deus, como iria resistir a este homem? — Não podemos
encontrar uma maneira de ao menos sermos amigos? — Não podia estar
segura, mas pensou que sentiu seus lábios lhe roçando a têmpora. — Vivemos
na mesma casa, apesar de tudo.
Possivelmente se tivesse pressionado por mais que amizade, tivesse exigido
seus direitos como seu marido, ela poderia seguir rechaçando-o. Mas ela
necessitava de alguém. Nunca havia se sentido tão só em sua vida, separada de
seus irmãos, isolada da maior parte da boa sociedade. Ao menos Lucien lhe
oferecia o consolo da companhia. E tinha razão: gostassem ou não, estavam
casados, e isso não mudaria. Manter o muro da hostilidade entre eles, já tinha
demonstrado ser exaustivo. Talvez pudessem estabelecer uma espécie de
trégua, aliviaria seu desejo por ele, faria tê-lo a seu lado todas as noites mais
suportável.
—Muito bem.
Envolto ao redor dela como estava, pôde sentir a tensão endurecendo
cada músculo de seu corpo.
—Está de acordo?
Vitória pousou as mãos em seus grossos antebraços.
—Estou de acordo em que não temos que ser inimigos. — Deslizando os
dedos para agarrar suas mãos, ela as afastou suavemente, liberou-se de seu
abraço, e se voltou para ele... — É...? —mordeu o lábio e continuou. — É
sincero oferecendo sua amizade Lucien?
Com uma expressão indecifrável, ele se aproximou mais, mas não a tocou.
—Sim.
—Isto não é um truque para...?
Seu meio sorriso terminou o pensamento dela, inclusive antes de que ele
respondesse: —Um truque não. Mas se esperas que deixe de te desejar, que
renuncie à esperança de estar dentro de ti outra vez, temo que pede o
impossível. — A direta declaração e o brilho de luxúria em seus olhos lhe
enrugou a face. Umedeceu os lábios. O olhar de seu marido seguiu o
movimento, suas fossas nasais dilatadas em uma respiração profunda.
—Não quero brigar contigo, Lucien. — Sua voz embora débil, estava
fortalecida pela crua honestidade. — Talvez pudéssemos pôr nossas diferenças
de lado… — Seu largo sorriso falou de triunfo… — pelo bem da paz entre
nós. Entretanto, não mudei de opinião a respeito de certas... intimidades. —
Esclareceu a garganta enquanto via que seu sorriso desvanecia, embora não
por completo. — Sempre e quando entender isto, não vejo nenhuma razão
para que não nos comportemos... cordialmente um com o outro.
Seu sorriso retornou, esta vez com um brilho diabólico que a inquietou
um pouco.
Ele se inclinou formalmente e lhe piscou.
—É uma honra começar um novo e cordial caminho com você, Lady
Atherbourne.
Ele ofereceu sua mão. Ela ficou olhando durante um longo momento
antes de lhe dar a sua própria. — Que nossa amizade resulte do mais
gratificante para os dois.

A pesada faca aterrissou com um forte golpe seco, incrustando-se na densa


madeira da mesa de cortar. Cook limpou as mãos no avental e olhou à
senhora Garner com o cenho franzido.
Se tiver que lhe dar com uma colher de madeira no
traseiro, faço-o.

A senhora Garner sacudiu a cabeça com desgosto.


—Ela não merece nada disto, isso é certo. Nunca conheci uma alma mais
doce. O que seja que seu irmão possa ter feito.
—Mmm.
—Uma verdadeira pena, isso sim.
Agnes entrou com uma cesta de cebolas. Ela era orgulhosa, com sua cara
bonita e figura roliça. Mas a senhora Garner sabia que trabalhar na cozinha a
humilharia em algum momento a preguiçosa.
—O que é uma pena? — perguntou a garota, colocando a cesta no chão.
—Nada que te importe, — ladrou Cook com sua voz rouca — Traga-me
um molho de hortelã do jardim, e que seja rápido.
Agnes soprou ressentida, mas fez o que lhe disse. Cook lançou um olhar a
florida saída da moça, logo se voltou para a senhora Garner.
—Essa é uma Jezabel. Está certa que desejas tê-la por aqui?
A senhora Garner soprou.
—Não pôde tentar a sua senhoria antes que se casasse. Parece-te que
poderia fazê-lo agora?
A outra mulher riu asperamente.
—Não é provável. Só uma mulher no mundo tem as calças desse moço
em uma corda, e essa é sua esposa. — Ela levantou a perna de cordeiro do
tabuleiro e a trespassou no assador. — Nunca pensei que veria isso,
tampouco. Depois do triste assunto com o amo Gregory e tudo.
A senhora Garner estremeceu.
—Ela escolheu a habitação azul para suas pinturas. Digo-te agora, eu não
vou ali. Me dá calafrios pensar nisso.
Connell entrou, discutindo discretamente com sua esposa, Georgina.
—É o que sua senhoria quer, Georgie. Pensa que deveria agradecer a
Lorde Atherbourne por me fazer chofer desobedecendo-o? — Deixou uma
braçada de madeira atada ao lado da chaminé.
Georgina, uma criada magra de cabelo loiro, uma das melhores criadas da
senhora Garner, assumiu uma postura desafiante quando ele deu a volta
passando suas mãos pela parte dianteira de sua jaqueta. Ela o golpeou com
força no braço, tirando pó do tecido.
—Depois de deixar que Hugo golpeasse a pobre senhora, ela poderia ter
exigido que fosse despedido, Connell O'Malley. Se com alguém deve estar
agradecido, deve ser com ela.
O chofer se via claramente incômodo.
—Agora, vamos, não te zangue, te tranquilize. Não é bom para o bebê.
— Georgina lançou um olhar nervoso sobre seu ombro à senhora Garner,
provavelmente perguntando-se se a governanta teria escutado. Não teria que
estar preocupada. A senhora Garner sabia tudo o que ocorria na Casa Wyatt,
incluindo que sua melhor criada estava esperando seu quarto filho. A verdade
era que a moça deveria ter sido enviada para casa depois do primeiro. Mas ela
pediu que lhe permitisse continuar com seu trabalho, disse que sua mãe estava
feliz cuidando dos pequenos enquanto ela e Connell economizavam para uma
casa própria.
Sua situação era incomum, mas isso era o caso de muitos dos serventes
que trabalhavam para Lorde Atherbourne. Billings era surdo e faz muito
tempo havia passado da idade em que deveria haver se aposentado. Connell,
um irlandês que tinha crescido em Whitechapel, era muito jovem para ser
considerado para qualquer posição que não fosse um simples trabalhador.
Cook tinha passado uma temporada em Newgate, depois de um desacordo
desagradável com seu não muito querido e defunto marido. E depois estava a
própria senhora Garner. Por muito que o tentasse, não podia dirigir o decoro
exigido para a maioria das governantas das melhores casas de Londres. Falava
muito, tinha o acento equivocado, e como um antigo empregador lhe dissera
uma vez, exibia "uma grande quantidade de energia que era exaustiva de
presenciar".
A Lucien Wyatt, e a seu irmão antes dele, importava-lhe um nada as
aparências. Tinham conservado Billings porque o querido ancião adorava ser
um mordomo, e apesar de sua audição deficiente e seu passo dolorosamente
lento, era um dos melhores que tinha visto: eficiente, correto, discreto e um
firme, mas justo encarregado dos serventes masculinos. Do mesmo modo,
Connell e a cozinheira haviam sido elevados às suas posições pela
demonstração da excelência em suas tarefas. Muito poucos empregadores
expressavam algum interesse na vida de seus criados. A maioria preferia
contratar novos, em lugar de recompensar a seu pessoal com uma maior
responsabilidade e aumento de salários. Entretanto, os homens Wyatt eram
uma raça diferente. Eles eram razoáveis em suas demandas, generosos e leais, e
igualmente por sua vez, tinha-lhes ganho a lealdade inquebrável da senhora
Garner e dos outros.
Esse sentimento estava sendo questionado, entretanto, com o último
mandato de Lorde Atherbourne. Quando tinha apresentado pela primeira vez
a sua nova viscondessa, nenhum deles tinha sabido o que esperar. Todos
tinham ouvido histórias de novas senhoras que se convertiam em monstros
depois da lua de mel. Mas logo descobriram que sua nova senhora era tão
doce como um torrão de açúcar, escutando a senhora Garner tagarelar,
repetindo-se pacientemente para que Billings pudesse ouvir, e insistindo que
o engano de Connell com Hugo se esquecesse. Em milhares de formas
diminutas, tinha demonstrado ser extraordinariamente amável. A senhora
Garner não podia compreender como Lorde Atherbourne podia olhar esses
olhos grandes, azul-verdes e ver o homem que odiava, em lugar da esposa que
deveria amar. Caray, esta mesma tarde, tinha desejado abraçar a jovem. Mas
inclusive a senhora Garner sabia que algumas coisas estavam além dos limites.
Agnes entrou de novo na cozinha, colocando as ervas solicitadas na mesa
de trabalho, e plantou as mãos nos quadris. Cook deu uma olhada à criada
por cima do ombro.
—A hortelã toma muitíssimo tempo estes dias.
Sem alterar-se, Agnes levantou o queixo.
—Alguns tipos entraram pela porta das cavalariças. As pessoas estão
curiosas.
A senhora Garner franziu o cenho.
—Quem te disse para paquerar com todos e…
Ela soprou.
—Não paqueraria com este. Andrajoso como o osso esquecido de um cão.
Estava perguntando por Lady Atherbourne.
A nova donzela de Lady Atherbourne, Emily, falou detrás da senhora
Garner.
—De cabelo escuro, sua cara parecia com um cão lobo?
A senhora Garner se voltou para olhar à garota loira, que tinha trabalhado
como uma das criadas de cima antes de ser designada para a nova viscondessa.
—Tinha visto esse cavalheiro, Em? — perguntou. Uma coisa era a
descarada e desobediente Agnes envolvendo-se em uma conversação com um
estranho enquanto trabalhava, mas Emily era uma boa garota.
Assentindo, Emily respondeu: —Sim. Na semana passada no Covent
Garden. Afirmou que trabalhava para seu irmão.
—E não é nenhum cavalheiro se me perguntam, — murmurou Agnes.
O alarme soou pelas costas da senhora Garner.
—Não lhe disseram nada verdade? — As duas criadas se olharam e logo
voltaram timidamente à senhora Garner. Isso disse à governanta tudo o que
necessitava saber.
—Parecia inofensivo senhora Garner, — disse Emily envergonhada. —
Tudo o que disse foi que seu irmão, o duque, queria saber se ela estava bem.
Voltando pela porta com outra braçada de madeira, Connell se deteve a
meio passo.
—Estão falando do investigador? — perguntou.
Todos piscaram.
—Investigador? — disseram as três ao uníssono.
Deixou cair sua carga na pilha anterior e sacudiu as mãos.
—Sim. Um desses tipos de Bow Street. Meu primo Davey trabalha nos
estábulos de Sua Graça. Ele disse que o duque contratou o investigador
imediatamente após as bodas.
Bem, bem. Parece que o duque está decidido a cuidar de sua irmã,
inclusive à distância. E ela merece ser cuidada, pensou a senhora Garner.
Sacudindo a cabeça e plantando as mãos em seus quadris em uma postura que
os outros sabiam que significava problemas, anunciou: —Ouvi o suficiente. É
hora de voltarem para suas tarefas, não ficarem fofocando. — Dirigiu a todos
um olhar severo. — Se escutar que estão falando com esse homem de Bow
Street, lhe contando coisas privadas de Lorde Atherbourne, podem estar
seguros que perderão o salário de um dia da semana porque não trabalharão
aos sábados. Agora, fora.
Todos eles escaparam para fora da cozinha, deixando Cook e a ela
sozinhas. Secando as mãos com um pano de prato antes de inclinar-se sobre a
nova e extravagante estufa que o amo Lucien tinha ordenado instalar, Cook
disse com ironia: —Não quero dizer seu trabalho, Gertie, mas lhes dando um
dia livre extra não é um grande elemento de dissuasão. Mas bem, um
incentivo.
Dirigindo-se à porta que conduzia ao salão, a senhora Garner bufou.
—Posso evitar que batam as mandíbulas? Não. Tudo o que posso fazer é
dizer o que acontece quando o fazem: não trabalhar no sábado, e sua senhoria
poderia terminar reunindo-se com seu irmão. — Ela devolveu o sorriso
ardiloso da cozinheira com o seu segredo. — O resto depende deles.
Capítulo 16

"Com frequência, referem-se a nós como o sexo frágil. Que ideia mais tola.
Nós mulheres somos muito mais desumanas que os homens. Simplesmente o
dissimulamos melhor. "
A Marquesa Viúva de Wallingham à condessa de Berne depois de um
almoço das quintas-feiras especialmente rancoroso.

Com suas paredes de seda amarelo pálido, sofás ornamentais e cadeiras


estofadas de flores rosadas e listras de cor bordô, e uma variedade de retratos
de ancestrais femininos em todas as paredes, a sala de Lady Wallingham era
uma ode à feminilidade.
O que seria apropriado então, que estivesse ocupada atualmente por não
menos de sete mulheres, Vitória incluída, bebendo chá em delicadas xicaras
de porcelana e conversando sobre as últimas intrigas. Lady Wallingham
sentada perto da chaminé presidia a corte. A régia inclinação de sua cabeça
enquanto escutava a descrição de Lady Berne sobre o recente evento musical,
dava-lhe o aspecto de um cisne rodeado de patos.
Annabelle Huxley interveio, descrevendo o horrível vestido laranja que a
artista tinha usado. As outras damas riram entredentes e se uniram com suas
próprias observações. A Baronesa Colchester, uma morena de rosto macilento
com fios cinzas nas têmporas e rugas ao redor da boca, sugeriu que a intenção
da garota tinha sido distrair à concorrência de suas medíocres habilidades no
piano. A seu lado, a Viscondessa Rumstoke, alta e ossuda, que estranhamente
se parecia com um cavalo, soprou e desejou em voz alta que tal distração
tivesse sido possível, já que ela não tinha experimentado tal agonia desde que
as primas Pennywhistle debutaram. Um coletivo estremecimento percorreu
Lady Berne, Lady Wallingham, Lady Colchester, e a Lady Rumstoke.
Esse deve ter sido uma grande estreia, pensou Vitória.
—Essa deve ter sido uma grande estreia.
O comentário murmurado a seu lado, não foi registrado imediatamente,
primeiro porque tinha sido apenas um sussurro, e segundo porque parecia um
eco de seus próprios pensamentos. Quando ela deu uma olhada na
normalmente silenciosa Jane Huxley, sem dúvida descobriu um brilho de
humor dançando atrás de seus óculos, curvando os lábios da jovem.
Vitória limpou a garganta e se aproximou mais para dizer em voz baixa:
—Estava pensando o mesmo.
Uns olhos grandes e escuros voaram para encontrar-se com os seus, e
bandeiras de cor vermelha floresceram nas bochechas redondas de Jane como
se se envergonhasse de ter sido surpreendida expressando um pensamento.
Vitória sorriu maliciosamente, e indicou com a cabeça na direção de Lady
Wallingham.
—Quanto tempo acredita que vai esperar para declarar a todos os
musicais uma tortuosa perda de tempo?
Do outro lado da sala, Lady Wallingham disse com ar de superioridade:
—Os musicais são no melhor dos casos tediosos, e no pior a miséria mais
absoluta. Nunca assistirei a outro.
Jane e Vitória piscaram e sufocaram suas risadas atrás de suas mãos. A
tensão deixou os ombros de Jane, e olhou Vitória com curiosidade.
—Conhece bem à Lady Wallingham, então?
Vitória tomou um gole de chá e sacudiu a cabeça.
—Só a vi em três ocasiões. Quatro, incluindo a de hoje.
Jane inclinou a cabeça enquanto examinava a marquesa viúva.
—Frequentemente me pergunto, se ela nasceu com tanta audácia ou se a
vida a tinha feito assim, — disse ela, seu tom quase melancólico.
—Provavelmente uma combinação de ambas as coisas, imagino.
A roliça jovem suspirou, assentiu e tomou um gole de chá, enrugando seu
breve e redondo nariz com o sabor.
—O chá é excelente, não? — disse Vitória, mais para manter uma
conversação que por nenhuma predileção especial.
—Oh! Sim, suponho. Mmm, o que quero dizer … eu... Oh, vá!
Vitória sorriu alentadora.
—Não é de seu gosto?
—Pre… prefiro café na realidade. Tomo com creme e um pouco de
açúcar. É minha bebida favorita. Bom, exceto pelo chocolate. E os livros, é
óbvio. — A última parte saiu sem fôlego, como se Jane tivesse contido a
confissão em seu interior por pura força de vontade.
—Qual é seu livro favorito?
Uma das sobrancelhas escuras de Jane se elevou.
—Bem, é como escolher um tom favorito de azul, milady. Cada um é
formoso em sua própria forma.
Vitória assentiu.
—Como pintora, isso soa perfeitamente razoável para mim. Mas ainda
não me disse qual é seu favorito.
Brilhando com aguda inteligência, os olhos de Jane refletiam sua
catalogação rápida e o descarte de títulos, enquanto considerava sua resposta.
—Entenda que está forçando uma construção artificial do que
provavelmente, não pode medir-se.
Vitória sorriu.
—É óbvio.
—Orgulho e preconceito, — sussurrou a jovem com um ligeiro rubor
iluminando suas bochechas.
—Ouvi falar dele, mas não o li ainda. É maravilhoso, então?
Vitória se surpreendeu de como Jane pareceu cobrar vida nesse momento,
descrevendo animadamente o romance da senhorita Elizabeth Bennet e do
senhor Darcy. Jane era absolutamente entusiasta sobre o áspero senhor Darcy
em particular, explicando que infelizmente foi mal interpretado.
—Você vê o orgulhoso em sua posição dentro da sociedade, como era de
esperar em muitos sentidos, mas ele demonstra admirável força de caráter ao
deixar de lado as presunções e seguir os ditames de seu coração: a devoção à
sua Elizabeth.
—Você o descreve tão belamente, Lady Jane. Comprarei o livro eu
mesma tão logo possa. — Vitória enrugou o nariz. — Faria-o depois do
almoço de hoje, mas tenho que voltar para casa imediatamente, já que temos
que ir ao teatro esta noite.
Sua acompanhante olhou da direita à esquerda, e logo ficou olhando
fixamente Lady Wallingham, que estava expressando sua indignação sobre os
refrescos "abomináveis" que se ofereciam no Almack. Jane então,
cuidadosamente, procurou atrás dela e retirou um livro fino, de cor marrom.
Estava enrugado e desgastado, o couro mais fino nas bordas por ser
manipulado e lido com frequência.
O deslizou para Vitória, colocando-o na almofada entre elas.
—Leve o meu, — sussurrou.
Vitória negou com a cabeça imediatamente.
—Não poderia...
—Tenho vários outros exemplares escondidos por toda a casa. Além
disso, é só o primeiro volume de três. Tome-o. Por favor. Se gostar, posso-lhe
emprestar o resto.
Colocando o livro debaixo da dobra de sua saia, a mão de Vitória tomou
a de Jane, apertando-a com calidez.
—Obrigada, Lady Jane.
Lhe devolveu o apertão.
—Só Jane, por favor. E de nada. Espero que o desfrute tanto como eu,
embora não esteja segura de que isso seja possível.
Vitória riu ante o tom irônico da jovem.
—E você tem que me chamar de Vitória.
—Com gosto, Vitória.
Conversaram amigavelmente durante vários minutos antes que Lady
Colchester interrompesse com um estridente: —Lady Atherbourne sem
dúvida deve saber.
A sala ficou em silêncio enquanto Vitória se centrava na mulher.
—Perdão, Lady Colchester. O que devo saber?
—Vá, levantar as saias de uma mulher é uma prática comum entre a
classe marginal, — disse com desprezo.
Vitória deveria ter estado preparada para o comentário insultante. Havia
entrado na sala Wallingham esperando um ataque deste tipo sobre seu caráter
moral.
Entretanto, vindo em meio de sua agradável conversação com Jane, a
bofetada verbal momentaneamente a tomou de surpresa. Enquanto
cambaleava pelo impacto, o silêncio se esticou e se deixou cair por seu próprio
peso.
Finalmente, embora seu coração pulsasse com força e a enchia uma
descarga fria de desconforto, conseguiu responder com calma: —Estou segura
de que não sei, porque não me associo com ninguém da classe marginal. —
Uma altiva elevação de sobrancelhas da mulher assinalou que não se
convenceria tão facilmente.
—Isso é surpreendente, já que ouvi que Lorde Atherbourne prefere a tais
mulheres. Mais recentemente, a uma tal senhora Knightley, se não estou
equivocada.
Os ofegos ao ouvir-se o nome Knightley dito em uma reunião educada
sugeriam que a mulher devia ter muito má reputação, inclusive se Vitória
nunca tivesse ouvido falar dela.
—E é obvio, existem as circunstâncias que rodeiam seu... matrimônio.
Perdoe-me se tiver chegado a uma conclusão que, embora seja óbvio para
aqueles com níveis mais altos de conduta, é talvez muito presunçosa. — O
desdém se esparramava dos lábios finos e cansados de Lady Colchester como
o sangue da presa na boca de um lobo.
Com a fúria esticando os músculos ao redor de sua coluna, Vitória se
ergueu e levantou o queixo como a filha de um duque estava acostumada a
fazer.
—Atrevo-me a dizer que você sabe muito pouco sobre Lorde Atherbourne
e nada a aproxima de meu matrimônio, Lady Colchester.
—Sei o que ocorreu no baile Gattingford, já que o ouvi da própria Lady
Gattingford. Um incidente desse tipo tem uma forma de iluminar o caráter
de um homem bastante bem, não lhe parece?
Vitória tinha odiado durante muito tempo a perversidade da nobreza, as
facas afiadas que se deviam evitar ou bloquear a cada passo. Até Lucien, suas
defesas tinham consistido em uma impecável reputação e o evitar harpias
cruéis como Lady Colchester. Mas, como agora estava aprendendo, quando o
inimigo mudava de tática, teria que considerar um armamento alternativo.
Sacudindo a cabeça e estalando a língua contra os dentes, disse: —É uma
vergonha que o verdadeiro amor seja uma raridade para a maioria dos
matrimônios da sociedade. Em particular, para a por assim dizê-lo, a velha
geração.
Lady Colchester e Lady Rumstoke ficaram rígidas ante a indireta.
—O verdadeiro amor? — soprou Lady Rumstoke, dirigindo com seu
desdém e o alarmantemente largo nariz para Vitória. — Assim é como o
chama?
O sorriso de Vitória foi deliberadamente reservado e cúmplice.
—Em efeito. Oh, suponho que Lorde Atherbourne e eu poderíamos ter
tomado uma decisão diferente. Poderíamos inclusive agora, estar apanhados
em uniões sem um verdadeiro afeto, e certamente sem nenhuma paixão. —
Ela enfrentou os olhos de Lady Rumstoke diretamente... — Uma união seca.
Fria. Sem vida. — Moveu-se para Lady Colchester. — Matrimônios estéreis.
A mulher se encolheu, suas fossas nasais dilatadas e seus olhos estreitando-
se ominosamente.
—Felizmente, encontramos a felicidade um no outro, o que é bem... —
Ela baixou os olhos modestamente, imaginando Lucien como tinha estado
essa noite do jantar na casa do conde de Berne. No interior da carruagem.
Entre suas pernas... — assombroso. — Esta última palavra a pronunciou sem
fôlego, ruborizada.
A reação das mulheres foi tudo o que podia ter esperado. Ambas
balbuciaram coisas ininteligíveis, tragaram saliva, e se viam nada menos que
como amargas invejosas.
Antes de que pudessem continuar com seu ataque, Lady Wallingford
interveio: —O verdadeiro amor é delicioso quando se traduz em um
matrimônio tão bom como o seu, Lady Atherbourne. Embora não possa
recomendar o ribombante sentimento para cada jovem senhorita, devo dizer
que demonstrou seu valor neste caso. Além disso, Lady Gattingford é
propensa ao exagero. Vá, se ela visse um gatinho em sua porta, ela o declararia
um leão simplesmente para armar uma história espetacular.
Lady Berne, observando o intercâmbio com os olhos muito abertos,
piscou como se de repente se desse conta de que era sua vez de participar.
—Sim! Não foi há várias temporadas que insistiu que tinha cultivado não
só limões, mas também abacaxis em sua estufa? Nem sequer podia cultivar
laranjas ali, já que o cristal ia ser substituído esse ano.
Quando as quatro matronas continuaram sua discussão da definição
bastante flexível da verdade de Lady Gattingford e passaram a condenar o
gosto atroz de Lorde Gattingford em coletes, Jane deu uma cotovelada em
Vitória e se aproximou para murmurar: —Confrontaste-a magnificamente.
Estou impressionada.
Vitória lhe dirigiu um sorriso frágil, ainda tremendo por dentro.
—Obrigada por dizer isso. Odiei cada minuto, mas era necessário. —
Baixou o olhar às suas mãos que se retorciam em seu colo. — Como eu
gostaria que não o fosse.
Jane ficou em silêncio por um momento e logo disse: —Estranhos
ataques de paixão conheci...
Vitória dirigiu um olhar de assombro ao semblante sereno da jovem.
Havia perdido algo? Uma mudança repentina na conversação? Vitória admitia
livremente que às vezes tendia a perder-se em seus próprios pensamentos.
—E me atreverei a contar, mas só ao ouvido de um amante, o que uma
vez me aconteceu. Jane notou o cenho confundido de Vitória e esclareceu: —
Wordsworth.
Vitória simplesmente a olhou sem compreender.
—Não? Bom, não importa. Basta dizer que não se pode explicar o amor
ou a paixão aos que estão privados de ambos e, em consequência, são mais
azedos que os limões de Lady Gattingford.
Sacudindo a cabeça e rindo, Vitória sussurrou: —Tão azedos, hã?
Jane sorriu maliciosamente, revelando um par de covinhas.
—Parece desafiar as leis da natureza, mas sim. Provaste sua limonada?
Vitória fechou os olhos e franziu os lábios em uma representação
dramática de uma cara "azeda". Isto fez que ambas rissem. Quando a risada
foi se apagando, ela se voltou para a jovem de óculos a seu lado e lhe dedicou
um sorriso de agradecimento.
—Acredito que podemos chegar a ser grandes amigas, Jane.
Jane lhe devolveu o sorriso, seus olhos brilhando belamente em seu rosto
não belo.
—Acredito que tem razão Vitória.
Capítulo 17

"Céus, moço, quem vem ao teatro para ver a peça? O entretenimento real não
se encontra no palco. Todo mundo sabe isso."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho Charles, ante sua consulta
sobre uma produção do Rei Lear a que recentemente tinham assistido.

Mesmo que o almoço tenha transcorrido de acordo com o plano, mais


tarde nessa noite, o ânimo de Vitória era pesaroso mais uma vez. Tudo por
culpa de Lucien.
Em poucas palavras, o homem a confundia. Nos últimos dias, tinha sido
tudo o que podia ter esperado de um marido: divertido, solícito, protetor. Ela
o acompanhava em seu estúdio enquanto ele terminava a correspondência
com seu advogado. A fazia rir com suas histórias de travessuras de infância e
uma criada furiosa empunhando uma paleta grande de lavanderia. Jantavam
juntos, passeavam pelo parque juntos, conversavam juntos, era o tipo de
cômoda companhia que tinha sentido saudades profundamente desde que
estava separada de Harrison. É óbvio, seus sentimentos para o Lucien eram o
mais afastado dos de uma irmã, mas ainda assim, os últimos dias tinham sido
surpreendentemente... agradáveis.
Então, ele o estragou.
Sentada a seu lado em um camarote no Drury Lane Theatre Royal,
Vitória ignorou estudadamente a seu marido e se centrou na extraordinária
atuação de Edmund Kean como Richard III. O famoso ator era brilhante,
percorrendo o cenário com vigor e a entrega das palavras de Shakespeare feita
com uma sutileza que poucos haviam alcançado.
Mas ela apenas se dava conta. Tudo no que podia pensar era na irritante,
intratável, dominante, irracional conduta de Lucien.
—Vais estar irritada comigo a noite toda? — perguntou com tom
indiferente.
O tosco. Faria bem em não me falar absolutamente.
Sem olhar em sua direção, ela elevou a palma para indicar seu desejo de
silêncio.
Ele suspirou com força.
—Vejo que está decidida a não ser razoável.
Imediatamente, seu aborrecimento se reavivou em um verdadeiro
incêndio. Uns olhos bem abertos e furiosos encontraram os dele.
—Eu não sou razoável. Eu não sou razoável?
Com um meio sorriso e um gesto arrogante, ele respondeu: —É bom que
entenda.
—Se alguém não é razoável milord é você, — cuspiu em um sussurro
feroz, olhando ao seu redor para assegurar-se de que não escutassem sua
discussão.
Do outro lado do teatro, Harrison estava sentado em um camarote com
Lorde Dunston e a irmã de Dunston, Mary. Ela não sabia se ele a tinha visto
com Lucien, entretanto, já que não tinha olhado em sua direção. Um nó se
formou no meio de seu peito, a tristeza rodeada pela dura casca da ira. Uma
coisa era evitar a seu irmão sem vê-lo, outra vê-lo em pessoa e que lhe
impedissem de falar com ele.
—É de esperar que eu queira visitar o camarote do Harrison…

De igual modo eu não o faria — disse com gravidade.

Ela sacudiu a cabeça com exasperação.


—Então, por que não ir sozinha?
Seus olhos brilhavam, sua cara dura e séria.
— Sabe a resposta a isso. Além disso, inclusive se, por algum feitiço
mágico, me convencesse de mudar de opinião, não permitiria que minha
esposa vagasse por um teatro às escuras sem escolta.
—Então me acompanhe, pelo amor do céu. Por que tem que ser tão
difícil?
Ele a olhou durante um longo tempo na penumbra. Por um momento,
pensou que possivelmente estava reconsiderando-o, mas ele não disse nada
mais, em troca, girou-se para ver a obra. Ela lançou um vaio de frustração e se
moveu zangada em sua cadeira.
Sua discussão era uma repetição de uma que tinham tido ao chegar,
terminou com o silêncio, espesso e asfixiante, que só alimentou sua ira e
drenou qualquer gota de diversão que poderia ter tido pela saída.
A noite tinha começado tão prometedora. Tinha surpreendido Lucien
com seu novo vestido de noite de seda de cor verde mar, desenhado com um
decote baixo, quadrado e mangas até o cotovelo. Sabendo como ressaltava o
tom verde de seus olhos e abraçava o fluxo de seus peitos, tinha lutado
inutilmente contra os calafrios de antecipação ao imaginar sua reação. E lhe
tinha encantado, seus olhos escuros brilhando e ardendo enquanto a via
descer as escadas. Incapaz de afastar o olhar de seu sutiã durante muito
tempo, Lucien flexionou a mandíbula de forma visível antes de finalmente lhe
oferecer o braço.
Felizmente, não tinha pressionado sua vantagem no caminho para o
teatro, comportando-se com perfeita correção, e sua viagem tinha sido do
mais agradável. Mas, ao chegar e ver seu irmão mais velho sentado frente a
eles, uma dolorosa sensação de nostalgia a tinha afligido. Tão forte foi a
emoção, de fato, que ela se decidiu a aproximar-se do Harrison, gostasse
Lucien ou não. E sua discussão tinha sobrevindo. Agora, ela lutava contra as
lágrimas tanto de indignação como de dor. Ela sentia saudades de Harrison.
Até seu matrimônio, tinha sido seu tutor, seu amigo, que a amava sem lugar a
dúvidas.
Ela não sabia se Lucien se importava um ápice dela. Nunca o havia dito.
Tinha uma certeza razoável de que a desejava, e talvez desfrutava de sua
companhia em ocasiões. Mas, estava preocupado de que ela fosse infeliz?
Claramente não. Ao menos, não mais do que odiava a seu irmão. De verdade,
podia entender seu ressentimento. Harrison tinha disparado em alguém que
Lucien amava. Era natural que desejasse evitar essa pessoa. Mas acreditava que
ela estaria de acordo com isto para sempre? A ideia era ridícula.
Ela suspirou e limpou uma lágrima com a mão enluvada.
Abaixo, no cenário, Richard de Kean se ajoelhava frente a Lady Anne,
convidando-a a apunhalá-lo com sua própria espada em vez de seguir furiosa
com ele, declarando sua beleza a razão de seus impulsos assassinos. Homem
inteligente, apelar à sua misericórdia e vaidade ao mesmo tempo.
Lucien era tão inteligente, pensou, cortejando-a e encantando-a para
obter sua conformidade. Do mesmo modo, a Vitória a estavam tomando por
tola? Na escuridão, deslizou o olhar para um lado e estudou o perfil de
Lucien: lábios suaves que a tinham levado a alturas de prazer que não tinha
imaginado possíveis. Mandíbula forte, esculpida, que refletia sua
determinação e teima. Olhos escuros, os quais poderiam encher-se de
tormentas de paixão, iluminar-se em um humor risonho, ou suavizar-se em
um sorriso preguiçoso. Por muito que o tentasse, não podia simplesmente
descartá-lo como um vilão e jogá-lo de lado.
Tinha devotado amizade, e ela tinha aceito, com a esperança de que, com
o tempo, ela poderia convence-lo de deixar a um lado seu ódio, sua
necessidade de castigar ao Harrison. Obviamente, na atualidade, não tinha
tais intenções. Sua obstinação lhe dava vontade de lhe bater. Lhe gritar,
também. Obrigá-lo a admitir que estava equivocado. Sua raiva ainda ardia em
seu estômago, seus punhos apertados sobre o colo.
Mas ele simplesmente se sentava ali, em pétreo silêncio. Isso era
exasperante.
Olhou de novo à cabeça loira de seu irmão, apenas visível com o fraco
resplendor do cenário, agora ligeiramente inclinado para escutar o que Mary
Thorpe lhe dizia ao ouvido. Harrison assentiu e logo se endireitou e ficou
imóvel, aparentemente para olhar diretamente para frente ao camarote oposto
ao dele.
O camarote dela, ou pelo menos, no que ela estava atualmente sentada.
Oh, Deus. Via-a? Quereria falar com ela? Se ele fazia a viagem através do
teatro para visitá-la, então Lucien não poderia evitar que acontecesse. Era a
solução perfeita, se só ele…
O rosto de Harrison se inclinou de novo para o cenário, sem dar nenhum
sinal de reconhecimento de sua presença. Nem sequer uma saudação ou um
movimento de cabeça. O coração de Vitória desabou. Ou o duque não a via
(pouco provável, tendo em conta que ela podia vê-lo e ele não tinha nada de
errado com sua vista), ou a estava ignorando deliberadamente. Qualquer que
fosse o caso, era difícil de aceitar.
Isto é absurdo, pensou, sacudindo seu desespero. Deveria deixar de ser
uma boba e simplesmente me levantar e ir a seu camarote. O que Lucien
poderia fazer, depois de tudo?
Negar-se a me acompanhar a umas poucas funções de sociedade? Bem,
sim, mas possivelmente poderia persuadi-lo se fosse somente esta única vez.
Que mais pode fazer para me deter? Me jogar por cima de seu ombro?
Recordando que ele quase tinha feito isso mesmo no dia das bodas, mordeu-
se o lábio e o olhou de soslaio. Ele seguia vendo a ação no palco.
Antes que pudesse pensá-lo melhor, tomou uma decisão. Respirando
fundo, se levantou e se moveu rapidamente, ou tão rapidamente como suas
saias lhe permitiam, para a escura parte posterior do camarote. Uma mão dura
lhe rodeou a parte superior do braço quase imediatamente, puxando-a,
desestabilizando-a e fazendo-a girar para enfrentar a seu marido. Correção: a
seu imponente e evidentemente furioso marido.
Ela tragou saliva, a boca de repente seca.
—Aonde crê que vai? — perguntou em voz baixa, sua voz sedosa e
ameaçadora de uma maneira que nunca tinha ouvido.
Ela encolheu os ombros, embora se sentisse de qualquer modo menos
despreocupada.
—Tampouco me permite visitá-lo em privado, milord?
—Vitória, já te disse que não quero que ande por este lugar sem escolta.
Agora, ou volta a te sentar ou pensarei que está aborrecida e te levarei para
casa.
—Está sendo ridículo! — gritou. — Me solte. — Ela puxou seu braço,
mas sem nenhum efeito. Seu agarre, embora não doloroso, era bastante firme.
Atraiu-a para si e a fez girar de modo que ficou de costas para a parede. A
fez retroceder, ele inclinado sobre ela, suas bocas separadas por meros
centímetros. Devido a que estavam bastante longe das luzes do cenário era
difícil ver, e certamente os outros não seriam capazes de vê-los nas sombras.
Quando ela se chocou contra a parede, sua gravata branca e o brilho refletido
em seus olhos encheram sua visão no meio da escuridão.
Um bater de asas nervoso cresceu em seu ventre e fez com que sua
respiração acelerasse quando seu peito roçou as pontas de seus seios. Ela
inalou seu aroma, similar às especiarias, familiar e delicioso. Seu fôlego quente
caiu sobre seu rosto, fazendo-a querer afundar as unhas na pele de seu pescoço
e puxá-lo para um beijo.
—Ao que parece, o senhor Kean não pôde manter seu interesse querida,
— disse ele com voz rouca. — Talvez eu possa fazê-lo melhor. — A mão que
tinha segurado seu braço, agora caiu até sua cintura, deslizou ao redor de seu
quadril até a parte baixa de suas costas, e logo baixou para acariciar seu
traseiro.
—Lucien, — suspirou ela, seus músculos derretendo-se pela debilidade,
— esteve de acordo…
—Parece que esta é uma noite para romper acordos esposa. — Com uma
mão, obrigou a seus quadris a embalar a rígida ereção entre suas pernas. Com
a outra, ele a segurou pelo pescoço e lhe inclinou a cabeça para trás para um
beijo duro, com sua língua sedosa e inquisitiva, deslizando-se contra a sua.
Seus próprios braços lhe rodearam o pescoço, aparentemente por vontade
própria, e seus dedos enroscaram em seu cabelo, cravando-se em seu couro
cabeludo e pressionando seus lábios com mais força contra os dela. Devorou
sua boca, mais faminta dele do que jamais tinha estado. Volátil e desenfreada,
a emoção em seu interior ardeu com luxúria, ira e desejo.
Dobrando os joelhos e pressionando para cima contra ela com os quadris,
ele forçou suas pernas a abrir-se para ele, forçou-a a ficar nas pontas dos pés
para ele, apanhou-a entre seu calor e a sólida parede. Ele esfregou a dura
longitude de seu pênis contra o centro dela, enviando ondas de prazer em
espiral de seu centro a cada parte de seu corpo. Vitória gemeu contra sua
boca.
O ar frio penetrava através da parte posterior de suas coxas. Antes que
pudesse protestar, a mão que tinha subido paulatinamente seu vestido, mais
uma vez acariciou suas nádegas, mas desta vez não havia nada entre sua pele e
a dela. Seus dedos desceram pela dobra, agora aberta se desdobrando para ele,
e a encontraram úmida e pronta para ele. Dois dedos se afundaram no
profundo de seu centro, o caminho escorregadio e fácil por sua excitação.
Ela gemeu, sua cabeça caindo para trás, deixando descoberta a garganta
para sua boca faminta. Dois dedos e logo um terceiro acariciou e bombeou
dentro dela, esticando-a com a mínima pontada de dor, só o suficiente para
manter sua excitação em um ponto suspenso.
—Gozará para mim agora, amor. — A declaração gutural retumbou em
seu torso masculino, murmurou junto ao ouvido dela, ressonou em seu centro
feminino. Então sairemos daqui e a tomarei completamente na carruagem. —
Você gostaria disso?
Vitória umedeceu os lábios, saboreando-o ali, o aroma de seu próprio
desejo e o de especiarias dele mesclando-se em um produto tóxico. Ela
assentiu freneticamente, seu clímax aproximando-se depressa quando suas
palavras chegaram em sua mente. Seus dedos deslizavam, pressionavam,
acariciavam e davam prazer até que repentinamente seu orgasmo caiu em
cascata, como água por uma catarata, logo se estrelou em paroxismos de
radiante prazer.
Ele bebeu seus suaves gemidos com sua própria boca, os sons mascarados
pelos elevados acordes da orquestra e o oratório dramático das pessoas no
cenário abaixo. Durante todo o tempo, enquanto seu corpo voltava
lentamente para a terra, ele manteve seus dedos firmemente em seu interior,
lhe dando tempo para completar a viagem. Ela soltou a boca da de seu
marido e se deixou cair contra ele, sua bochecha repousando contra a lapela
de fina lã. Seu peito duro se movia enquanto se esforçava para respirar,
empurrando-a ligeiramente.
Ele retirou a mão e deixou cair suas saias. Por dentro sentia-se derretida,
quente e líquida, e ainda assim de alguma forma necessitada. Vazia. Quase
não pôde suportar quando seus quadris se separaram dos dela, requerendo
manter-se com suas próprias pernas. Ela queria lhe dizer que tal coisa era
impossível, já que suas pernas tinham agora a consistência da manteiga, mas
tinha dificuldades para falar.
Seu grande corpo, rígido pela tensão moveu-se, e como se tivesse lido o
seu pensamento, ele a carregou em seus braços. Ela começou a protestar,
murmurando que outros os veriam.
—Não se preocupe. Segure-se em mim, Vitória.
Ela obedeceu, envolvendo seus braços com força ao redor de seu pescoço
e ocultando seu rosto no cômodo lugar entre seu pescoço e o ombro. O
aroma de amido e especiarias encheu seu nariz. Era o aroma de seu marido,
que a carregava em seus braços, como se não pesasse nada, que a emocionava
e a satisfazia até que não podia pensar em outra coisa, de fato não podia
pensar em nada.
Rapidamente, Lucien desceu as escadas até o vestíbulo, detendo-se de vez
em quando para assegurar aos transeuntes interessados, que sua esposa não se
sentia bem e que a levava para casa. Em questão de minutos, ele a colocava no
assento acolchoado de sua carruagem e subia a seu lado. Imediatamente,
tratou de pô-la em seu colo, mas ela negou-se, rechaçando seus braços.
Seu obscuramente murmurado entredentes "Vitória..." desvaneceu-se em
um gemido quando ela desabotoou e baixou a braguilha de suas calças,
liberando seu pênis totalmente ereto.
Tirando as luvas, lhe acariciou várias vezes com um aperto firme, como a
tinha ensinado. O calor e a textura acetinada de seu membro a fascinava, a
carne vascularizada, dura e grossa, um instrumento de prazer supremo. Ela
baixou a cabeça quando uma gota de umidade apareceu na ponta.
Ah, sim. Ela amava esta parte.
Sua língua se moveu com delicadeza para ele, tomando sua essência em
sua boca. Os quadris de Lucien se retorceram, e um grunhido desceu por sua
garganta, suas mãos agarrando a almofada.
—Alto, — disse com os dentes apertados.
Lhe sorriu, saboreando o cru desejo em seu rosto. Seus lábios brincaram
com ele, então sugou levemente a ponta, curvando a língua ao redor da
cabeça em forma de cúpula, como se fosse o melhor manjar.
Suas mãos agarraram seus braços e a levaram a seu colo. Antes que
pudesse dizer uma palavra, ou inclusive ter tempo para que o mundo deixasse
de girar, ela estava de costas, suas saias jogadas ao redor de sua cintura, seu
membro esticando sua vagina.
Introduziu-se nela com força, enchendo-a por completo. Gemeram
juntos, o sentido de retidão quase insuportável. Aqui era onde ele devia estar,
muito dentro dela onde podia rodeá-lo, acariciá-lo e aliviá-lo.
Aqui era onde ela pertencia, envolta em seus braços, sua boca capturando
a dela, seu corpo invadindo o dela, seu coração pulsando contra o seu em um
ritmo sincronizado. Ele enchia seu vazio, e dava-lhe as boas-vindas,
consumindo-o com seu calor.
Para Vitória, sua conexão era tão profunda que queria chorar. Seu peito se
apertou, e soluçou contra seu pescoço. Era como se, com cada investida, suas
emoções se vissem obrigadas a sair à superfície até que jaziam nuas e expostas.
Investida. A dor da saudade.
Investida. O ardor da frustração.
Investida. A doçura da adoração.
Investida. A espiral do desejo.
Tomando sua cabeça entre suas mãos, colocou-o de modo que pudesse
olhá-lo fixamente nos olhos. Ele resistiu à princípio, mas lhe acariciou
suavemente as bochechas com mãos trêmulas e esperou.
Estava escuro no interior da carruagem, mas a luz tênue brilhava através
das cortinas, deslocando-se divertidamente em meio às sombras. Era
suficiente para ver o que havia em seus olhos, em seu rosto.
Necessidade desesperada.
Por ela.
Nunca tinha visto algo no estilo. Mas ela o havia sentido. Oh, sim. Era o
reflexo de seu próprio desejo. Por ele.
E desprendeu fogo.
Soluçando seu nome, Vitória se arqueou e fechou os olhos, apertando os
dentes enquanto seu corpo entregava tudo. Envolveu as pernas ao redor de
seus quadris que bombeavam furiosamente, fechou com força os braços ao
redor de seu pescoço, enquanto o mundo explodia em uma rajada
demolidora. Os músculos de sua vagina o seguraram quase dolorosamente
quando alcançou o prazer.
A boca de Lucien cobriu seu grito quando arremeteu dentro dela e se
liberou em um violento frenesi. Grunhidos baixos, animalescos, retumbaram
de seu peito enquanto sua semente disparava ao fundo de seu centro. Os
espasmos pareceram durar uma eternidade, ondas de prazer ecoando através
deles por longos minutos. Com o tempo, suas respirações se acalmaram, mas
ele permaneceu em cima dela com a cabeça junto à sua, suas coxas rodeando
os quadris de seu marido.
—Isto é como deve ser anjo, — disse ele com a voz áspera junto ao seu
ouvido. — Pode vê-lo agora, verdade?
Por um momento, pensou estar de acordo, pois o mesmo pensamento lhe
havia ocorrido momentos antes. Não. Quantas vezes deve ser ferida antes que
entenda, Vitória? De quantas formas tenho que te mostrar a verdade?
Soubeste-o aos sete anos. Um prazer como este tem um preço que não pode
te dar o luxo de pagar.
Lhe acariciou o cabelo e lhe beijou suavemente a mandíbula, sua barba
incipiente raspando a pele sensível de seus lábios.
—Eu gostaria que fosse assim tão simples, — disse em voz baixa.
Ele ficou rígido e se levantou para olhá-la nos olhos. Os seus estavam
sérios, inquisidores. Logo baixou o olhar, uma mecha de cabelo escuro caindo
sobre sua testa quando assentiu.
—A mim também, — sussurrou quase sem emitir som, como se dizê-lo
em voz alta pudesse fazê-lo certo.
Capítulo 18

"O pesadelo terminou? Tolo. As pessoas não apagam uma escuridão como essa.
Deve ser extinta sem possibilidade de reparação."
A Marquesa Viúva de Wallingham ao Duque de Wellington um ano
antes da batalha de Waterloo.

À princípio, era sempre o mesmo: o calor do fogo crepitava no silêncio da


biblioteca de Thornbridge. Lucien era pequeno, sentado no chão olhando a
seu pai, que estava lendo. O cabelo negro igual ao seu, brilhava em meio de
um esplendoroso raio de luz solar. Um nariz longo e audaz criava uma
sombra na bochecha de seu pai. Gregory tinha herdado esse nariz, e Lucien
sabia que odiava-o, apesar de mamãe o chamar "distinto". Mas ela não estava
aqui e tampouco Gregory. Estavam só papai e ele.
Um cenho enrugou sua testa, uma borbulha de ansiedade inchando seu
peito como uma nuvem negra no horizonte. Como papai pode estar aqui?
Tinha morrido faz muito tempo, devido a uma febre devastadora. Lucien
recordou vê-lo lutar até seu último e débil fôlego. Neste momento, entretanto
papai lhe sorria, deixando seu livro de lado e inclinando-se na frente de
Lucien.
—Estou aqui. É óbvio que estou aqui, — disse agarrando as mãos
pequenas de Lucien com as suas.
A ansiedade apertando seu peito não se dissipou. O som de passos atrás
dele o fez voltar-se. Era Gregory que parecia ter quinze anos. Seguia-o uma
risonha menina de cabelo negro. Marissa.
—Gregory, sabia que papai havia voltado? — perguntou Lucien,
enchendo-o uma onda de alívio. Se Gregory podia vê-lo, talvez isto fosse real.
Mas o irmão de Lucien sacudiu a cabeça e lhe deu um golpe no braço.
—Outra brincadeira, Luc? Papai está morto. Você sabe.
Lucien se voltou novamente para onde tinha estado seu pai só uns
momentos antes. Desapareceu. Ele tinha desaparecido. A luz se fez mais
tênue, mais cinza. O tapete já não estava, as paredes com painéis de madeira
substituídos por árvores e uma cortina de chuva.
A risada soou atrás dele. Agora se encontrava em um lugar com vistas ao
riacho que atravessava o centro de suas terras. Na distância, podia ver a
extensa massa de pedra de Thornbridge. Curiosamente, a voz de sua mãe
soava fracamente em seus ouvidos.
—Cuide deles, Lucien. São tudo o que tem agora.
A chuva empapou sua camisa, o tecido agarrando-se à sua pele,
apertando-o. Sufocando-o. Afogando-o como uma espiga.
—Sei, mamãe. Tentei-o. — A água corria por seu rosto. Secou os olhos
uma e outra vez, tratando de ver. Por fim, foi capaz de distinguir sua forma
pequena. Ela estava tão longe que não podia ver seu rosto, mas estava ali. Ela
tinha morrido dando à luz a Marissa, sabia. Mas seu coração saltou ao vê-la
de novo. Avançando aos tropeções, se aproximou, mas a cada passo que dava,
ela retrocedia. A chuva tamborilava contra sua pele, congelando-o. A luz se
desvaneceu e se ocultou atrás das nuvens. O vento açoitou as folhas das
árvores de salgueiro.
Sua mãe se converteu em uma sombra, e ele não pôde deter o grito de dor
que arrancou de seu peito. Ela tinha ido também. Por que todos tinham que
abandoná-lo?
—Nunca leva nada a sério Luc. — Era Gregory, agora um homem adulto
sentado em seu cavalo, que soprava e mastigava grama junto à Lucien.
—Agora sim. Oxalá ainda estivesse comigo, irmão. — Sua voz débil e
fechada pela necessidade de chorar. De chorar e gritar como um bebê.
O som distinto de risadas de menina veio de sua esquerda. Virou-se para
ver Marissa, provavelmente de seis ou sete anos, dando voltas junto ao riacho.
Levava um vestido branco, seu cabelo comprido e negro seguro frouxamente
com uma fita azul. Sorria e girava com os braços totalmente abertos enquanto
dançava ao ritmo de uma música que só ela podia ouvir. Uma de suas mãos
segurava uma papoula vermelha brilhante, a flor parecendo maior que ela.
—Olhe, Luc! — gritou de alegria. — Parou a chuva.
—Tome cuidado, Mary Sophia, — gritou ele. Sempre tinha usado seu
nome completo quando queria sua atenção. — Não quer cair na água e te
afogar, verdade?
Ela o olhou, sua expressão passando da alegria à tristeza em uma piscar de
olhos.
—Mas está aqui para me salvar. Não quer que seja feliz?
—É óbvio pequena, — disse lamentando imediatamente sua advertência,
a qual havia sido muito funesta. Não era mais que uma menina. Devia poder
jogar e dançar sem medo de morrer. Mas já tinham perdido mamãe e papai.
A chuva começou de novo, caindo suavemente a princípio. Sentiu-a, fria e
empapando-o. Logo, envolveu-o em uma nuvem úmida. Levantou-se o
vento, os ramos das árvores rangeram. Uma repentina rajada o balançou para
frente e para trás. Fechando os olhos com força, esperou que passasse.
Quando os abriu de novo, Marissa estava mais longe, a uns quinze metros
águas abaixo. Já não estava dançando. Mudando caminhava lentamente com
ar sombrio, a papoula vermelha murcha pendurada de seus dedos frouxos.
Estava muito perto da borda. A necessidade de lhe advertir lhe queimava a
garganta. Gritou seu nome. Outra vez. E outra. Ela não respondeu.
O cavalo de Gregory empurrou o ombro de Lucien, desestabilizando-o.
—Não pode te ouvir, irmãozinho. Está muito longe.
Um trovão ressonou por cima de suas cabeças. O cavalo se assustou,
golpeando Lucien no flanco com sua enorme massa. Lucien escorregou
caindo no lodo. Aterrissou dolorosamente de lado, e logo observou com
horror como o cavalo se encabritava por cima dele, um de seus olhos
aterrorizados visível quando dobrou o pescoço para um lado. Caindo. O
cavalo estava caindo. Sobre ele.
Uma dor horrível como nada que tivesse experimentado antes, se
desdobrou desde suas pernas quando quinhentos quilos de carne de cavalo
aterrissaram, esmagando-o. Imobilizando-o. Retorceu-se e gritou. O mundo
se tornou escuro. Os trovões eram cada vez mais fortes. Uns homens estavam
gritando, chorando. Morrendo a seu redor.
Ele esperou que terminasse. Rezou para que terminasse.
Então de repente, terminou.
—Acorda Luc.
Era a voz de seu irmão. A voz que tinha ouvido inúmeras vezes na
madrugada, lhe dizendo que era melhor levantar se queria apanhar algum
pescado. Abriu os olhos. Estava estendido no chão de madeira de uma sala
vazia na Casa Wyatt. Estava tranquilo, salvo pelo tic-tac do relógio de bronze
de sua mãe.
—Vamos pescar? — perguntou Lucien, o tomando ondas de alívio ante o
pensamento de que tudo tinha sido um pesadelo. Um sonho horrível, terrível.
Gregory não estava morto. Marissa não estava em perigo. Era um dia como
qualquer outro. Exceto que estava deitado no chão. Essa parte era incomum.
Ficou olhando para o teto de painéis brancos, estudando as molduras ao
longo de uma borda que se juntava com as paredes azuis da sala. Tudo estava
felizmente tranquilo. Sem trovões. Sem rajadas de vento. Sem cavalos
gritando ou lamentos de agonia. O tic-tac do relógio só servia para fazer mais
patente o silêncio. Um calafrio lhe percorreu o corpo. Temeroso de olhar ao
seu redor, sabendo que ia encontrar a sala vazia, concentrou-se intensamente
em um vaso de gesso em forma de concha e logo fechou os olhos.
—É hora de ir Lucien. — Era a voz de Marissa, doce e triste.
As lágrimas escaparam de seus olhos, descendo ao longo de suas têmporas.
—Não, — sussurrou. — Por favor, não vá.
Finalmente, embora o temor lhe colocasse um peso extra em seus
músculos e fazia seus movimentos rígidos, abriu os olhos e a olhou. Ela era
maior agora, mas seguia de branco. A papoula vermelha estava empapada,
gotas carmesim caindo ao chão.
—Devo fazê-lo. Dói muito ficar, — respondeu ela, seus olhos tristes e
vazios, sua pele tão branca como seu vestido.
—Não, — disse de novo, repetindo a palavra uma e outra vez. Como se
isso fosse fazer alguma diferença. Como se isso fosse mudar o que aconteceu.
Mas nunca o faria. Inclusive quando o dizia, sabia. Nunca o faria.

Vitória não estava segura do que a despertou. Poderia ter sido o braço de
Lucien roçando seu ombro. Ou o deslocamento do colchão quando ele se
esticou e ficou de barriga para cima. Mas suspeitava que tinha sido o gemido.
Tal som incomum procedente de seu forte e imponente marido. O grito
silencioso enviou uma vibração gelada através de sua carne.
—Lucien, —chamou suavemente, girando sobre seu flanco para poder
vê-lo melhor na luz mortiça. Apoiando-se em um cotovelo, moveu-se sob as
mantas e lentamente se aproximou para acariciar seu ombro nu com os dedos.
Úmido. Sua pele estava empapada de suor.
Ele se retorceu e girou a cabeça, como se padecesse de uma terrível dor.
—Não, — gemeu. — Não. — Sua respiração acelerou e lhe esticaram
todos os músculos.
O peito de Vitória se apertou ao redor de seu coração. Acariciou-lhe o
braço onde estava, aparentemente imobilizado em seu flanco. Seus músculos
estavam duros como pedra. Jogando para trás as mantas, viu que todo seu
torso vibrava de tensão.
Que diabos? Pensou, a preocupação inundando-a com força. Vitória
considerou a sabedoria de despertá-lo. Ser despertado em meio de um
pesadelo poderia ser desconcertante e embaraçoso, especialmente se ele sabia
que o tinha visto em um estado tão vulnerável. Por outra parte, não podia
suportar ver sofrer a ninguém assim, inclusive se se tratava de um sonho. De
repente ele suspirou, e como se uma corrente se quebrasse, expeliu o ar em
uma onda. Seu cenho suavizou, e em poucos minutos seus músculos
relaxaram completamente.
Ela murmurou palavras tranquilizadoras sem sentido, sem deixar de
acariciar seu ombro. Horas antes, tinham chegado em casa depois de fazer
amor na carruagem, ambos calados e pensativos. Quando ele se colocou na
cama junto a ela, havia esperado plenamente sentir seus braços lhe rodeando a
cintura, e então ter que explicar por que, depois de deixar que ele a seduzisse
em uma sala às escuras, mais uma vez rechaçaria-o em sua própria cama. Mas
ele não a havia abordado, só tinha suspirado e dormido, sua respiração
profunda e longa.
Ela não foi tão afortunada. Enquanto jazia junto a ele na escuridão, não
podia enganar-se: ele era uma tentação constante, o melhor dos nove pratos
de um jantar inimaginável devotado a uma mulher morta de fome. A amizade
não tinha aliviado seu desejo, ou o tinha mantido à distância de um braço.
Então, o que você gostaria de fazer agora, Vitória? A resposta não se fez
esperar: ser sua esposa em todos os sentidos. Mas isso era muito custoso,
verdade? A confusão a tinha mantido acordada até bem tarde da noite.
Finalmente, o sono tinha chegado, só para ser interrompido pelo homem
intranquilo ao seu lado.
Lentamente, baixou a cabeça sobre o travesseiro, mas se manteve
vigilante, atenta a qualquer mudança. Chegou minutos mais tarde em um
sussurro que quase passou por cima. Imediatamente, levantou-se na cama,
olhando atentamente seu rosto. Tinha a boca aberta, movendo-a como se
estivesse falando, mas nenhum som saía. Parecia como se estivesse dizendo
"não" uma e outra vez. A súplica sem som em meio de tal quietude a gelou
até os ossos. Falava de uma dor tão profunda, que não poderia ser curada.
Instintivamente, aproximou-se mais dele, agarrando seu braço e envolvendo-o
ao redor dela, e logo abraçando seu flanco com seu corpo. Ela apoiou a
bochecha contra seu peito, acariciou seu ventre, e pronunciou seu nome
suavemente. Uma e outra vez e outra vez.
Repetiu-o uma dúzia de vezes antes que ela o sentisse despertar. Soube
porque esse sussurro sem ar, deteve-se. Mas ele não se moveu, mas sim ficou
deitado em perfeita quietude.
—Marido? — murmurou. — Está bem?
Quando ele não respondeu, ela levantou para sentar-se ao seu lado e
procurou seu rosto com olhos preocupados. O braço de seu marido caiu sobre
a cama, como se ele já não tivesse forças. Estava pálido, mas talvez fosse a luz
cinza nublada que entrava pelas janelas.
—Lucien, estava tendo um pesadelo. — Com cuidado, ela estendeu a
mão e o acariciou na bochecha, necessitando o contato provavelmente mais
do que ele necessitava do seu. Já terminou. Por favor, me diga que está bem.
Passaram vários minutos, várias batidas de seu débil coração, antes que
seus olhos escuros e inquietos encontrassem os dela. Eram ilegíveis, mas
brilhavam à luz débil. Ele deu a volta para respirar um pouco, mas logo se
voltou negando-se a olhá-la, porém em troca estendeu uma mão para lhe
acariciar a parte baixa das costas através de sua camisola.
—Estou bem. Deve voltar a dormir.
Ela sacudiu a cabeça.
—Seu sonho, deve ter sido terrível.
Ele se afastou, jogando para trás as cobertas e sentando-se na borda da
cama. Ela viu como suas fortes costas nuas se curvavam e deixava cair a cabeça
uns momentos, antes que levantasse e se dirigisse para o vestuário. Não
respondeu à sua pergunta. Não disse mais uma palavra. Simplesmente
colocou seu traje de montar, retornou à cama para depositar um beijo suave
em sua testa e logo a deixou sozinha, perguntando-se o que tinha acontecido.
Capítulo 19

"Uma mulher tem necessidades, Charles. Por desgraça para ti, as principais
são as mais caras."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho, Lorde Wallingham, ao ser
confrontada com a fatura de um dia de extravagância na loja da senhora Bell
em Upper King Street.”

— Dê uma olhada nisto. — Vitória empurrou outra ilustração de moda


por baixo do nariz de Jane e observou a sua nova amiga fechar os olhos. —
Vamos, a cintura é perfeita. É um pouco mais baixa que a maioria dos estilos
atuais, mas acredito que para sua figura…
—Quer dizer para a figura de um morango gigante? — Foi a resposta
irônica. — Por favor. A menos que o tecido converta magicamente uma
esfera em um cilindro, este vestido não resultaria mais adulador que qualquer
outro de meu armário.
Vitória soprou.
—Tolices. Não é uma esfera. Simplesmente é generosamente dotada de
amplas curvas.
Jane voltou-se para enfrentar Vitória, que estava sentada ao seu lado em
um sofá na loja da senhora Bowman. Tirou os óculos e rapidamente os
ofereceu.
—Toma, — disse. — Temo que os necessita mais do que eu.
Rindo das palhaçadas de sua amiga, Vitória negou com a cabeça e
retornou ao exame dos esboços de vestidos e acessórios.
—Realmente desfruta disto, verdade? —Perguntou Jane.
Vitória levantou a vista, vendo a genuína perplexidade no rosto da jovem.
—Apela ao meu amor pela beleza, — respondeu ela. — A moda é a cor, a
forma e a textura. Realça a figura de um. — Encolheu os ombros. — De
certo modo, é como a pintura.
No lado oposto da sala, a senhora Bowman se movia com largas passadas,
fazendo grandes dramalhões com os braços, distribuindo instruções em um
inglês com acento, e com dois assistentes seguindo-a como cachorrinhos. De
repente, deteve-se no meio da frase, seus olhos centrando-se em Jane. Vitória
olhou à sua amiga, que permanecia imóvel em seu lugar. A senhora Bowman
se dirigiu para elas, uma leve ruga assentando-se entre suas sobrancelhas
escuras.
—Spaventoso, — murmurou a mulher elegante, seu olhar fixo no vestido
de Jane. Vitória não podia estar segura, já que sabia só um pouco de italiano,
mas pensou que o comentário da costureira era algo na linha de "atroz". A
senhora Bowman inclinou-se para a frente e puxou a manga de cor amarela
pálida de Jane, a qual se inchou nos ombros para continuando, desinflar-se
com certa tristeza. — Mmm — grunhiu a costureira. — Quem a viu?
A cabeça de Jane tombou um pouco para trás.
—P…? Perdão?
Vitória decidiu intervir antes que a aversão de Jane por esta saída piorasse.
—Senhora Bowman, apresento-lhe Lady Jane Huxley, filha de Lorde e
Lady Berne. Lady Jane, esta é a senhora Bowman.
Jane ficou de pé, seu rosto ruborizando-se ligeiramente. Saudou a
costureira, que seguiu-a examinando com clínica desaprovação.
—Pensei que talvez um ou dois vestidos novos poderiam… — começou
Vitória, só para ser interrompida por uma longa série de palavras em italiano.
— Ah, perdão?
Parecendo impaciente, a senhora Bowman voltou a estalar os dedos a um
assistente.
—Leve-a à parte de trás. Devemos tomar medidas primeiro.
—Ah, mas eu pensei que só íamos ver ilustrações de moda, — protestou
Jane fracamente, sua voz desvanecendo-se quando a senhora Bowman a
agarrou pelo braço e a empurrou para a porta com cortinas na área dos
provadores.
Meia hora mais tarde, Jane apareceu pela mesma cortina, sua cara um
estudo da miséria, seu cabelo ligeiramente despenteado, seu vestido amarelo
enrugado em um lado. Parecia como se tivesse sido apanhada em um violento
torvelinho.
—Oh céus, — disse Vitória, sufocando um inapropriado impulso de rir.
— Foi horrível, então?
Jane recolheu seu xale de onde o tinha deixado no sofá, bufou e empurrou
seus óculos mais para cima sobre seu pequeno nariz redondo.
—Isso depende da perspectiva, — respondeu de maneira casual. — Você
gosta da tortura de um milhar de diminutos alfinetes e uma humilhação
extrema, enquanto está sem roupa?
Vitória negou com a cabeça.
—Então, sim. Acredito que "terrível" seria um termo preciso.
Apesar da resistência e dos numerosos protestos de Jane, durante a
seguinte hora a senhora Bowman e suas duas ajudantes elaboraram um
pedido de uma vertiginosa série de vestidos, muitos em cores mais escuras,
mais dramáticos dos que eram típicos para uma senhorita em sua primeira ou
segunda temporada. A costureira comandou o esforço como um condutor de
uma grande sinfonia, agitando as mãos teatralmente, frases italianas
misturadas com inglês. Finalmente, a ordem de oito páginas se apresentou
ante Jane, que lhe jogou um olhar e empalideceu até quase a cor do giz. Com
os olhos muito abertos, Jane negou com a cabeça, primeiro lentamente, em
seguida rapidamente.
—Absolutamente não.
—Oh, mas Jane, deve considerar ao menos o vestido bronze…, —
protestou Vitória, só para ser detida pelo olhar impassível de sua amiga.
—Possivelmente resta um mês da temporada, — disse Jane. — Este tipo
de extravagância não pode-se justificar, nem sequer para uma estreia. E eu
estou muito além disso.
Isso era certo. Jane estava em sua segunda temporada, e ainda não tinha
nem um único pretendente, muito menos uma proposta. Aos dezenove anos,
ainda tinha tempo antes de que a considerassem uma encalhada, mas Vitória
tinha a esperança que um novo vestuário poderia revitalizar as perspectivas de
sua amiga e aumentar sua confiança. Assim como estavam as coisas, Jane era
uma solteirona por excelência: silenciosa, incolor e invisível. E com seu
rechaço aos esforços da senhora Bowman, parecia pouco provável que isso
mudasse.
—Ora! — burlou-se a senhora Bowman. — Os ingleses. Frios como
peixes e igualmente miseráveis. — A costureira arrancou as páginas da mão de
Jane e lhe dirigiu um olhar imperioso. — Volte quando se cansar de parecer
uma bola de massa. — Girou sobre seus calcanhares e se afastou, suas
assistentes seguindo-a como duas sombras.
Desconcertada Jane olhou Vitória, que encolheu os ombros como
desculpando-se.
—Bem, — disse Jane energicamente. — Não sei você, mas a menção de
bolas de massa me despertou o apetite. Tomamos um descanso para o
almoço?
Sorrindo ante o bom humor de sua amiga, Vitória concordou e
entrelaçou o braço com o de Jane. Enquanto estavam fora da loja esperando a
carruagem dos Berne, Vitória sentiu cócegas no pescoço. Era uma sensação da
mais estranha, quase como se alguém a estivesse olhando sem o seu
conhecimento. Olhou ao seu redor, às concorridas cercanias ao longo da rua
Bond, mas não viu nada estranho. Era muito peculiar. Havia experimentado a
sensação em outras duas ocasiões recentemente, mas não tinha sido capaz de
precisar sua origem. Virando a cabeça para procurar outra vez entre a
multidão, olhou da esquerda à direita, só para congelar-se quando viu uma
cara familiar.
Mary Thorpe, irmã do conde de Dunston, saiu de uma loja vizinha e se
encaminhava para elas, sua pequena figura e o cabelo cor canela reconhecível
imediatamente entre a multidão de senhoritas loiras que a acompanhavam.
Embora Vitória não fosse especialmente próxima a Mary, tinham a mesma
idade e seus irmãos eram bons amigos. Dava-se muito bem com a garota, que
sempre tinha sido perfeitamente amável. Vitória até a tinha considerado como
uma possível esposa para o Harrison, se ele voltasse sua atenção a buscar uma.
Preparando-se para saudar a garota, a quem não tinha visto em semanas,
Vitória se ergueu um pouco mais e virou em direção ao grupo. Várias das
loiras encontraram seus olhos imediatamente ficando rígidas, então
começaram a murmurar entre si. Os olhos de Mary se mantinham focados
para a frente, boca rígida, enquanto o grupo aproximava-se. Logo, justo antes
de que tivessem alcançado Vitória e à Jane, as garotas detiveram-se, cruzaram
para o lado oposto da rua Bond, e continuaram para o norte por uma curta
distância antes de cruzar a rua de novo para reatar seu curso original.
Encolheu-lhe o estômago. Sentia a enfermidade da vergonha
transbordando-a, o pico do calor estabelecendo-se em suas bochechas. O que
Mary e suas amigas acabavam de fazer era o mais próximo do desprezo direto
sem uma confrontação direta. Evitá-la de forma tão deliberada, como se
simplesmente respirar o mesmo ar que Vitória de alguma maneira as fosse
corromper, era um claro sinal de que o escândalo continuava, um veneno que
não podia ser drenado.
—Vi uma pomba fazer isso uma vez, — interrompeu Jane com voz seca.
— Resulta que a pobre bateu a cabeça. É de esperar suponho, quando o
cérebro não funciona como devesse.
Vitória se esforçou para sorrir, tragando saliva. Jane lhe apertou o braço
para tranquilizá-la. Foi então quando lhe ocorreu quão arriscado era sua
associação para a reputação de Jane. Se seu plano fracassava, ser vista com o
propósito de tal notoriedade poderia manchar a jovem e danificar
permanentemente suas possibilidades de um matrimônio.
—Jane, eu... — começou Vitória, mas foi interrompida quando a
carruagem saiu do beco e se deteve em frente a elas.
—Ah, por fim! — suspirou Jane, esperando que o lacaio abrisse a porta.
Ela entrou, correndo rapidamente pelo assento para dar espaço a Vitória.
Quando Vitória acomodou-se no banco, Jane aproximou-se e lhe acariciou a
mão. — Em nossa próxima saída, levarei-te às compras de livros. Há um
lugar em Piccadilly que lhe encantará. Bom, eu acredito que o fará, mas na
realidade não sou muito imparcial…
—Jane, — interrompeu Vitória odiando este momento. — Estou muito
agradecida de ter sua amizade, mas... — As lágrimas, malditas e rebeldes
lágrimas, brotaram de seus olhos, afogando suas palavras bem intencionadas.
Tinha tão poucos amigos verdadeiros. A maioria de suas amizades femininas
eram mais como Mary Thorpe, educadas e agradáveis, mas superficiais. Nas
últimas duas semanas, Jane havia se tornado mais querida para ela que todas
elas juntas, sua natureza calma e humor generoso, um bálsamo para o espírito
de Vitória. Enquanto Lucien e Vitória tinham estabelecido uma espécie de
cautelosa cordialidade, não tinham reatado sua amizade anterior, nem ele
havia feito alguma proposta da variedade amorosa. Era do mais
decepcionante…, refrescante. Sim, refrescante ser ignorada pelo marido.
Respirou fundo para reunir coragem e continuou: —Até que acontecesse
comigo, nunca pensei muito a respeito das pessoas envolvidas em escândalos.
Sentimos muito por eles, suponho. Que tivessem cometido um erro tão
grande. Mas isto é... é doloroso, Jane. — Ela levantou a vista de suas mãos
enluvadas para encontrar os quentes olhos castanhos de Jane. — Recordam
constantemente sua humilhação. Ser desprezada por todos ao seu redor. Não
acredito que possa suportar…
—Tolices, — respondeu Jane com firmeza. — Se eu posso suportar as
pressões e as espetadas das poderosas forquilhas da senhora Bowman, você
pode suportar isto. Vai melhorar, já o verá. Lady Wallingham o disse, e,
portanto, será assim.
Isto trouxe um breve sorriso ao rosto de Vitória.
—Ia dizer que não creio que possa suportar que você sofra de algum
modo por minha causa. Este escândalo já significou uma carga terrível para
meu irmão, o duque.
Jane ficou estranhamente calada, sua expressão fechada.
—Ainda não soubeste nada dele?
Vitória negou com a cabeça.
—Lucien me proibiu de me colocar em contato com ele, mas não há nada
que impeça ao Harrison me escrever ou me visitar.
—Talvez Lorde Atherbourne o advertiu para que se mantenha afastado.
—Pode ser que seja assim. Mas meu irmão não é um dos que aceitem
uma demanda como essa. Não, depois do acontecido no teatro, temo que
Harrison está zangado comigo. Decepcionado, sem dúvida. Preocupado por
estar ligado além de um escândalo.
Observou os lábios de Jane franzir-se em firme desaprovação. — Não é
um assunto menor, Jane. Você poderia ter sua reputação arruinada, também.
Talvez não nos devessem ver juntas até que as coisas estejam mais…
assentadas.
Uma sobrancelha escura se elevou por cima da borda de seus redondos
óculos.
—Está claro que muitos dos meus pretendentes vão me abandonar, e me
deixarão para sumir no isolamento das periferias dos salões de baile de
Londres. Sem ser anunciada. Sem ser notada. Sem ter com quem dançar. Oh,
que horror.
—Jane... — sussurrou, finalmente, rindo e sacudindo a cabeça.
—Além disso, — disse Jane, seu tom migrando do sarcasmo à
determinação. —Não vou permitir que uma manada de ignorantes de mente
estreita ditem com quem posso me associar. Realmente. Como se fossem tão
perfeitas. Adorra Spencer tem dentes maiores que minhas sapatilhas. E então
comecemos com Lady Phillipa Martin-Mace. — Jane soprou com desgosto
ante duas das quatro loiras que tinham cruzado Bond Street para evitar
Vitória. — Vi-a chutar um cão uma vez. O pobre. Dá-me lástima o homem
que casar-se com ela. Ele terá hematomas negros e azuis, recorde minhas
palavras.
A carruagem se deteve frente à residência Berne. Antes que o lacaio abrisse
a porta, Vitória pegou a pequena mão de Jane e a apertou carinhosamente.
—Não sei o que fiz para merecer uma querida amiga como você, mas
estou muito agradecida, — disse com suavidade. — Se decidir que é prudente
manter distância, não vou pensar mal de ti.
—Bem, mas eu o faria, — replicou Jane. — Vamos almoçar. Parece-me
que uma boa comida faz muito para acalmar os nervos.
Saíram da carruagem na calçada em frente da casa da cidade dos Berne, e
outra vez, Vitória sentiu esse estranho comichão na parte posterior de seu
pescoço. Foi um tremor pequeno, localizado na parte superior das costas,
sensação que lhe arrepiava os pelos da pele. Imediatamente girou em círculo,
seus olhos procurando na rua tranquila.
Ali! Um homem de cabelo escuro, que levava um casaco e um chapéu alto
abaixado até a testa. A asa fazia com que ficasse difícil ver seu rosto, mas sua
roupa parecia um pouco gasta e enrugada. Algo em sua atitude, seu passo
arrastando os pés, sugeriu que não pertencia a esta rua, entre estas casas. Ele
ficou olhando um momento e logo desviou o olhar, passeando casualmente
na direção oposta para desaparecer por um conjunto de escadas na área de
baixo de uma das casas.
Deve ser um servente ou um repartidor. Ela sacudiu a cabeça,
perguntando-se se talvez sua imaginação a estivesse traindo.
—Vitória vem? — Chamou Jane da porta.
Ela se pegou sorrindo de verdade e subiu os degraus para enlaçar os braços
de sua amiga enquanto entravam.
—Então vamos falar desta livraria que queria que visitasse.
Capítulo 20

"Hei-o dito antes, e o direi mais uma vez: os homens inteligentes são perigosos.
É bom que hajam muito poucos."
A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Berne depois de reunir-se em
privado com o primeiro-ministro.

O investigador se curvou no assento frente ao escritório do Harrison, sua


expressão cautelosa e gasta, suas roupas escuras enrugadas.
—Atherbourne também está impedindo que ela receba minhas cartas,
então? — Perguntou com suavidade.
—É o que posso lhe contar, Sua Graça. Os criados não gostam muito,
mas o que podem fazer?
Harrison assentiu, seus pensamentos em redemoinho. Tinha sabido que
Atherbourne tinha tudo planejado. Apesar de tudo, era melhor do que tinha
temido. De acordo com o investigador de Bow Street que pagava para manter
um olho em Vitória, sua irmã não tinha sido maltratada desde seu
matrimônio, além de ordenar manter distância do Harrison. Depois de tê-la
visto no teatro, tinha pedido ao investigador que fizesse maiores averiguações,
pensando que talvez sua negativa em vê-lo ou a responder suas cartas se devia
à interferência de Atherbourne. Tinha razão.
O investigador se moveu e limpou garganta. Harrison elevou uma
sobrancelha.
—Ansioso para partir, Drayton?
Diante do olhar de Harrison, o outro homem se retorceu.
—N… não, senhor. Hã… Sua Graça. É que passaram-se três dias desde
que vi uma cama…
—Está dizendo que prefere que contrate outra pessoa para esta tarefa?
Isso esticou a criatura desalinhada.
—Não. Eu farei o trabalho, Sua Graça.
Harrison ficou olhando o homem em silêncio durante um minuto
inteiro. Sempre tinha encontrado útil o silêncio. Frequentemente as pessoas
tratavam de enchê-lo, o que tendia a beneficiá-lo.
—Excelente. Esperarei outro relatório no prazo de três dias. — Com isso,
Harrison descartou o homem de sua mente. Drayton, acostumado a esta
altura à atitude do duque, fez uma breve inclinação. Harrison escutou o estalo
da porta quando voltou sua atenção às cifras mais recentes das contas
domésticas de Blackmore Hall. Ao que parecia, o cozinheiro que Vitória tinha
contratado no outono passado era bastante esbanjador com as especiarias.
Teria que pôr fim a isso.
Vitória.
Sua mão apertou o papel, fazendo com que os números se enrugassem e
se rendessem sobre si mesmos. Ela sempre tinha sido romântica, suave como
uma pluma baixando numa superfície composta. Sua decisão prática de casar-
se com Stickley lhe tinha induzido a esquecer este fato. Mas de algum jeito
Atherbourne o tinha visto, havia-o explorado. Maldito seja.
Ultimamente, Harrison passava a maior parte de seu tempo tratando de
impedir que Colin caísse na destruição total, e o resto lidando com uma
grande variedade de problemas e decisões relativas à administração das
propriedades Blackmore. Vitória tinha se encarregado das questões
domésticas, e quando se casou, essas tarefas passaram para ele. Não tinha
tempo para um cunhado ressentido com uma agenda tortuosa.
Olhando o papel enrugado em seu punho, obrigou seus dedos a
relaxarem, logo alisou a página com a palma. Esta era precisamente a reação
que queria o canalha, pensou. Se negava a dar a Atherbourne a satisfação de
jogar ao menos, de ressentir-se com o corte de relação com sua irmã. Além
disso, se pensava muito na ausência de Vitória, uma dor peculiar se assentava
em seu peito. Era do mais desagradável.
Não, em vez de deter-se nestas coisas, manteria um olho vigilante sobre
ela e esperaria sua oportunidade de arrumar as coisas. Em algum momento,
Atherbourne assumiria que tinha triunfado, assumiria que Vitória lhe
permitira que a mantivesse separada de sua família de forma permanente.
Um sutil sorriso puxou a comissura da boca de Harrison.
Tais hipóteses eram muito tolas, por certo.

A luz do sol salpicada tecia um feitiço deslumbrante enquanto Vitória


passeava de braço dado com seu marido. Hyde Park não era tão bonito como
as terras ao redor de Blackmore Hall, mas tinha seu próprio tipo de beleza:
verde, aberto e ordenado em meio da pedra, tijolo e a sujeira de Londres. Ela
suspeitava que sempre preferiria o campo, mas caminhar no parque era uma
delícia, sobretudo em um estranho dia ensolarado.
Seria uma pena arruinar um interlúdio tão pacífico, mas teria que fazer
algo. Nas semanas transcorridas da confrontação no teatro, Lucien tinha se
afastado dela, comportando-se nem mais nem menos como se ela fosse uma
convidada: era educado, inclusive cavalheiresco. Muito inquietante.
Logo estavam os pesadelos. Enquanto que ele tomava cuidado de não
tocá-la, seguia dormindo ao seu lado. Três vezes despertou para encontrá-lo
congelado dentro de um inferno escuro. Nada do que fazia parecia ajudar, e
ele ignorava seus intentos de acalmá-lo, frequentemente desaparecendo da
cama antes do amanhecer. Ela sabia muito pouco sobre quantos segredos
pesavam na cabeça de Lucien, e a última coisa que queria fazer era lhe causar
dor, mas esperar pacientemente que ele abordasse o tema tinha sido
infrutífero.
Vá, justo ontem tinha retornado à montar com Lorde Tannenbrook,
robusto e avermelhado, cheirando a brisa matinal quando ele passou junto a
ela no corredor fora de seu estúdio.
—É cedo para estar tão cheio de vigor, meu senhor marido. — Estava
brincando, querendo ver o sorriso que era tanto uma parte dele.
Pela primeira vez em muito tempo, lhe foi agradável, seus olhos brilhando
quando baixaram para posar-se em seu sutiã.
—Notável o que um pouco de ar fresco pode fazer por um homem.
Como era costume quando ele agia assim, ela se sentiu quente e débil,
suspirando e apoiando as costas contra a porta. Só que a porta não estava ali.
Roçou suas costas e desapareceu atrás dela. Entrou cambaleando em seu
estúdio, e ele deu um salto para diante para apanhá-la, seu queixo roçando sua
testa. Rindo, ela apoiou as mãos em seus braços e estabilizou os dois, dizendo:
—Esqueci que a abri antes.
Sentindo-o esticar-se de forma inesperada, perguntou-se se talvez ele
estivesse passando mal. Mas isso não tinha sentido; era tão forte como um
puro sangue, apenas propenso a torcer os tornozelos ou coisas assim. Sua
risada foi diminuindo até morrer por completo quando deu uma olhada em
seu rosto. Ele tinha empalidecido ao branco puro, seus olhos vazios enquanto
olhava fixamente por cima do ombro de Vitória.
—O que aconteceu, Lucien? — Tinha lhe perguntado, girando para olhar
a habitação, perguntando-se o que lhe tinha chamado tanto a atenção. Tudo
parecia estar em ordem. Incapaz de encontrar uma causa óbvia, voltou-se de
novo para seu marido, que mantinha-se congelado justo na entrada da porta,
os músculos de seu rosto rígidos.
Durante longos minutos, ele simplesmente ficou olhando as paredes da
habitação. Ela pronunciou seu nome várias vezes, mas não parecia escutar. Ele
passou os olhos por sua cara sem um reconhecimento, logo retornaram a um
ponto no piso de madeira justo em frente à chaminé. O gelo floresceu sob sua
pele enquanto o observava. Este homem era um estranho. Não seu Lucien.
Isso a tinha aterrorizado tanto que tomou imediatamente as mãos e as
puxou tão forte o quanto pôde.
—Lucien! — Gritou, — me responda. — Imitou a voz que sua mãe
utilizava quando estava irritada com as palhaçadas de Colin: firme e com
autoridade. Pareceu funcionar quando seu rosto se voltou bruscamente para
ela, e algo despertou em seus olhos turbulentos. — Tem que me dizer o que
acontece.
Um estremecimento lhe tinha percorrido todo o corpo, similar ao tremor
do que tinha sido testemunha durante seus pesadelos. Isto era só dor?
Perguntou-se. A perda de seu irmão tinha prejudicado sua mente de tal
maneira que estes episódios, de… que? Comoção? Desespero? Vinham como
uma tormenta repentina, aleatória e inquietante? Ela não sabia. Quão único
sabia era que lhe ocultava muito.
—O que acontece? — Tinha perguntado de novo.
Ele havia se tornado rígido e se separou dela, caminhando lentamente
para a porta. As mãos dela se mantinham estendidas, esfriando mais a medida
que ele se retirava.
—Não é nada, — sussurrou Lucien, logo sacudiu a cabeça energicamente,
o cabelo caindo sobre a testa. Inspirou com dificuldade como um homem que
estava a ponto de afogar-se. Limpando a garganta, repetiu sem olhá-la nos
olhos. — Nada absolutamente.
E então, como se seguisse uma guia que só ele tinha lido, mas que devia
repetir-se cada vez que ela se aproximava muito da fonte de sua dor, afastou-
se e a deixou sozinha. Mais tarde, ele voltaria para a normalidade, atuando
como se o incidente nunca tivesse ocorrido.
Voltou para o presente quando um pássaro se precipitou diante deles.
Deixando para trás a lembrança, soltou um profundo suspiro.
—Isso foi bastante melancólico. No que está pensando?
Observando um sorriso em seu rosto, elevou a vista para Lucien que
caminhava ao seu lado, e sacudiu a cabeça.
—Em nada em particular. Só que prefiro o campo.
Seu olhar passeou sobre ela.
—Vamos a Thornbridge no fim de junho, mas podemos partir antes se o
desejas. Tampouco tenho nenhum amor especial pela cidade.
Uma parte dela desejava dizer que sim, ir-se logo que fosse possível.
Esquecer que Londres existia. Lucien assumira que viajaria com ela à sua casa
de campo depois de terminada a temporada e que continuariam vivendo
juntos como marido e mulher. Ela, por outro lado, não estava segura de nada.
—Oxalá pudéssemos, — disse com suavidade.
—E por que não podemos?
—Sabe por que. Terá que dançar o baile que a sociedade exige. Quanto
mais nos vejam nesta temporada, menos importará o escândalo no próximo
ano e no ano seguinte.
Ele ficou em silêncio por um longo tempo, aparentemente contente com
sua resposta. Tinham passado vários grupos de conhecidos anteriormente,
quando entraram pela primeira vez no parque, mas agora estavam sozinhos
nesta parte do caminho. Quando chegaram em um banco junto a um par de
árvores altas, Lucien fez um gesto para ela.
—Sentamo-nos?
Ela assentiu e se sentou, olhando à frente, para a verde extensão de grama
que bordeava o lago Serpentine.
—Sente falta? — Perguntou ela, sentindo a leve brisa em sua bochecha, o
calor do corpo de Lucien a seu lado no banco. — De Thornbridge, quero
dizer.
Ao sentir sua vacilação, levantou o olhar para seu rosto. Tinha o cenho
franzido.
—É formoso. Suspeito que você adorará.
Ela sorriu suavemente.
—Isso já disse. — Cruzadas sobre o colo, suas mãos se negavam a estarem
quietas, juntando e separando seus dedos.
—Por que é tão difícil? — se perguntou. Só lhe pergunte.
—Recorda a seu… seu irmão?
Como era de esperar, a mera menção de Gregory fez com que Lucien se
esticasse. Não olhava a ela, a não ser à frente.
—A maioria das coisas me faz recordá-lo. A Casa Wyatt era dele também.
Ela esperou que continuasse, mas não o fez.
—Isso deve ser doloroso para ti, viver nos mesmos lugares, ser chamado
pelo mesmo título. — Vacilando só um momento, ela pôs uma mão em seu
braço. Sentiu-o rígido onde ela o tocou, mas permaneceu calado. O sulco
entre suas sobrancelhas podia ser tristeza ou irritação, não podia estar segura.
Mas ela estava decidida a ter esta conversação, assim seguiu adiante.
—Quando meus pais... quando morreram, eu os imaginava em todas as
partes. Inclusive me pareceu ver mamãe uma vez no salão matinal de
Blackmore Hall. Dava a volta e dei-me conta que não era mais que uma
sombra. — Sua voz se fez mais tênue. Recordar era difícil, e ela sabia que era
pior, mais recente e cru para Lucien. — Foi muito próximo a Gregory, não é
assim?
Parecia cativado pela visão de sua mão apoiada em seu antebraço.
—Tão próximos como podiam ser os irmãos, suponho. Estive fora muito
tempo.
—Com a cavalaria.
—Sim.
Fez-se o silêncio entre eles. Sua relutância em falar de seu passado, da
morte de seu irmão era evidente, uma força pressionando sua retirada. Mas
ela não o faria. Se negava a ceder.
—Mas sente sua falta.
Pouco a pouco, seus olhos se elevaram para encontrar-se com os seus.
Uma dor oca e terrível enchia suas escuras profundidades.
—Sim, — disse com voz áspera. — Sinto saudades.
Deslizando a mão por seu braço para estreitar seus dedos, ela os apertou
com força e apoiou-se nele, colocando seu rosto a centímetros do dele.
—Isso é como deve ser. Quando uma conexão deste tipo foi rompida, é
como se uma parte tua se foi.
A garganta de Lucien se moveu de forma visível, e seu olhar caiu às mãos
dela agora segurando as suas, sustentando-o no lugar.
Sentindo que estava transpassando uma barreira que tinha estado entre
eles desde o princípio, Vitória continuou: —Não crê que eu me sentiria igual?
A tensão encheu seu corpo.
—Vitória...
—Sou sua esposa, Lucien. Ele era seu irmão. E sim é certo, Harrison
participou de sua morte…
—Não quero falar disto.

.…, mas não pode ver como sua insistência em me manter


separada do meu irmão…?

Desprendeu-se de suas mãos e levantou bruscamente.


—Dissete que não quero falar disto. Devemos voltar para casa.
Ela se levantou também, desgostosa com sua teimosia. Golpeou o chão
com o pé e o fulminou com o olhar.
—E se estiver grávida? Pensaste nisso?
Seus olhos se abriram de maneira alarmante, caindo sobre seu ventre e
voando de volta ao seu rosto.
—Está ...?
Vitória cruzou os braços, satisfeita de provocar por fim uma reação no
grande tosco.
—O bebê seria parte Lacey, verdade?
Lucien pareceu horrorizado e estupefato, como se tivesse segurado uma
truta pela cauda e lhe tivesse golpeado na cara. Agarrou-a pelos ombros.
—Está grávida, Vitória?
—Não. Não creio. — Ela viu que parecia decepcionado, logo receoso. —
Simplesmente estava assinalando que você está ligado a Harrison através de
mim. E através dos filhos que teríamos juntos.
Ele soprou, aparentemente recuperando o equilíbrio.
—Talvez não esteja consciente querida, mas certas atividades são
necessárias para engendrar filhos.
—Está dizendo que você gostaria de reatar... certas atividades?
Com as sobrancelhas arqueadas, ele cruzou os braços sobre o peito,
imitando sua própria postura.
—E a ti?
De repente, incômoda com o lugar público, Vitória deu uma olhada ao
redor do parque, mais tranquila ao ver que ninguém estava suficientemente
perto para escutar.
—Tem razão. Devemos voltar para casa. Está tarde.
Lucien sorriu com malícia e baixou a cabeça para a dela.
—Tão ansiosa amor. Não se preocupe. Estou sempre à sua disposição.
Ruborizada, deu uma ligeira palmada no braço e se dispôs a empreender
seu caminho.
—Quis dizer que já é tarde para o assunto Rutherford.
Um divertido "mm" foi a única resposta que recebeu.
Caminharam em silêncio durante longos minutos até que chegaram a
zona mais concorrida do parque, onde sentiu sua mão deslizar dentro da dela
para logo envolvê-la de forma segura no oco de seu braço. Surpreendida, lhe
lançou um olhar especulativo. Ele respondeu com um sutil movimento de
cabeça para um pequeno grupo de matronas paradas perto da entrada do
parque.
—Oh, sim. Supõe-se que estamos apaixonados, — pensou, deixando
escapar um pequeno suspiro de decepção. — Estranho como alguém se
esquece dessas coisas.
À medida que se aproximavam do grupo, as damas os olhavam e
murmuravam atrás de suas mãos. Uma delas, a viúva de Lorde Underwood,
se Vitória não se equivocara, tinha uma expressão de desaprovação e um feio
casaco cinza abotoado até o queixo bicudo. Era bastante surpreendente ver
Lady Underwood franzir mais o rosto do que o habitual, mas tal tinha sido a
reação de muitas damas após o escândalo.
Lucien diminuiu o passo como se tivesse a intenção de parar para
conversar. Vitória puxou seu braço.
—Sigamos adiante marido, — murmurou.
Levantando uma sobrancelha, olhou para ela e para Lady Underwood,
que agora elevara o nariz e deliberadamente lhes deu as costas. Um tic
apareceu em sua mandíbula. Sob os dedos de Vitória, seus músculos se
voltaram duros como pedras.
—Não ainda. Puxando-os para a frente, seus passos se fizeram
determinados.
Vitória sussurrou: —O que está fazendo? — Realmente a expressão de
seus olhos era preocupante.
Ele sorriu. Isso não fez nada para confortá-la.
—Lucien? — disse entredentes.
Ele não respondeu. Mas então, estavam a poucos passos das mulheres, a
maioria das quais conversavam entre si, fingindo não vê-los.
—Senhoras! — disse com jovialidade. — Uma formosa tarde, não?
Duas delas, uma moça com um vestido azul e uma senhora com um
semblante alegremente enrugado e um brilho em seus olhos, voltaram-se para
saudá-los, mas o resto do grupo atuou como se não o tivesse ouvido.
—Lorde Atherbourne, não é assim? — inquiriu a mulher mais velha.
Vitória não a reconheceu, mas imediatamente quis desenhá-la; inclusive as
rugas da mulher pareciam estar sorrindo.
Ele fez uma reverência.
—Lady Darnham, passou-se muito tempo.
A mulher mais jovem, que olhava fixamente para Lucien de uma maneira
do mais desconcertante permaneceu em silêncio e com os olhos muito
abertos. Lady Darnham a apresentou como sua neta, senhorita Clarissa
Meadows. Por sua vez, Lucien apresentou Vitória. As costas de Lady
Underwood se mantinham como uma parede de lã cinza atrás das duas
mulheres, embora as outras três do grupo estavam paradas de lado, lançando
olhares à Vitória, aparentemente indecisas se saudá-la constituía uma violação
da pureza moral.
—E quem são suas acompanhantes? — perguntou seu marido
inocentemente. Por dentro, Vitória se encolheu. Oh, céus. Isto não ia
terminar bem.
Lady Darnham apresentou as outras. As damas que estavam de lado se
voltaram três quartos para Vitória, inclinando a cabeça à medida que eram
nomeadas.
Era um bom sinal, supunha. Ao menos reconheciam sua presença. Lady
Underwood, entretanto, não se deixou influenciar tão facilmente. Quando
finalmente virou-se para eles, seus frios olhos negros olharam por cima do
ombro de Vitória, seu silêncio uma firme condenação.
Lucien entreabriu os olhos e tocou o queixo.
—Underwood, Underwood. Ah, sim. Agora recordo. Encontrei-me com
seu marido em várias ocasiões. Um bom tipo. Nunca conheci ninguém com
um nariz melhor para o bom brandy e se sair tão bem com os jogos perigosos.
As damas se moveram nervosamente. Vitória esperava que sua piscada
rápida fosse o único sinal externo de alarme. Lucien, por favor, não faça isto,
pensou. Mas ele não recebeu sua tácita mensagem frenética. Deus a ajudasse,
ele carregou munição como um cavalheiro em guerra armado com afiadas
insinuações.
—Sua avaliação pelos prazeres da vida não tinha igual em minha opinião.
Agora, alguns dizem que ele mesmo agradeceu ter uma morte prematura, mas
não eu. Esses rumores não são mais que conjecturas.
Com a cara vermelha e os olhos entreabertos, Lady Underwood cuspiu:
—Você é um vil mentiroso, senhor.
—Mentiroso? Oh não, asseguro-lhe que não acredito numa palavra disso.
Que tipo de desgraçado decadente e desonroso seria se desse crédito a toda
acusação sensacional que dizem os rumores? — Ele soltou uma risada
zombeteira. — Uma triste desculpa de cavalheiro, me atreveria a dizer. E
dolorosamente aborrecido, ainda por cima.
—Lucien, — murmurou Vitória entredentes. Faz que se detenha, Senhor.
Por favor.
Lady Darnham limpou a garganta, mas antes de que pudesse intervir com
alguma mudança de tema educado, Lady Underwood girou sobre seus
calcanhares e se afastou, uma figura rígida, cinza caminhando sozinha pelo
caminho para Park Lane.
—Bem, — disse Lucien alegremente, dedicando a todas um amplo e
devastador sorriso. — Espero que desfrutem deste estranho céu azul que
temos a graça de ter hoje, senhoras. — Ele enviou a Vitória um olhar de
adoração ardente. — É óbvio, quando estou com Lady Atherbourne, o
esplendor do bom tempo se torna uma insignificância. Sua beleza eclipsa
inclusive o sol de um dia ensolarado.
Vitória pensou que tinha ouvido a senhorita Clarissa Meadows suspirar
de saudade. Mas talvez fosse ela mesma. Depois de despedir-se, ela conseguiu
recuperar-se da onda de calor e da líquida debilidade, murmurando a Lucien:
—Era realmente necessário?
Seu sorriso se desvaneceu, sua expressão agora dura e decidida.
—Ninguém te dá as costas sem pagar o preço.
Oh, céus, pensou ela, agarrando seu braço um pouco mais forte. Aí está
essa debilidade de novo. Era difícil dizer o que era pior: vê-lo fingir estar
apaixonado por ela ou desejar mais que tudo que fosse certo.
Capítulo 21

"Os ciúmes podem ser tediosos, mas úteis. E, ocasionalmente, graciosos. "
A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Colchester, sobre sua queixa de
que Lady Reedham tinha levado seu novo cozinheiro francês.

Realmente deveria deixar de olhar minha esposa, pensou Lucien. Não


menos que quatro cavalheiros tinham se aproximado desde que ele e Vitória
chegaram à recital de Lady Rutherford. Cada um havia sentido a necessidade
de mencionar os rumores de seu amor, as pessoas citando histórias de Lucien
escapando com sua esposa do teatro, outro burlando-se por estar "enredado
nas saias de uma mulher", e outros dois notando sua relutância em afastar os
olhos dela, quando cruzou o salão de baile Rutherford para conversar com
Jane Huxley.
Era certo que isto tinha sido parte do plano para restaurar sua reputação,
recordou-se. De fato, resultava-lhe bastante fácil interpretar o papel de
pretendente cativado. Nem sequer tinha se esforçado muito. Talvez nada,
pensou com o cenho franzido.
Mas não serviria de nada converter-se em um bobo.
Mas olhando-a, sussurrou uma voz em sua cabeça. Não é deliciosa? A
forma que se ilumina quando ri, a forma que seus quadris se movem quando
caminha, a forma como seus olhos se suavizam e se derretem só por mim.
Um homem teria que ser estúpido para não estar fascinado com uma
criatura como ela.
Esta noite, usava um vestido da cor do pôr-do-sol: brilhante, de um rosa
cândido com o toque de laranja de um véu reluzente e translúcido. Decorado
com tule e rosas na prega, supôs que não era muito diferente do que usavam
outras damas. Mas a cor vibrante, a forma como o vestido parecia mover-se e
agarrar-se a cada curva, e sobretudo a mulher dentro dele, atraía sua atenção
com uma intensidade hipnótica.
O golpe de uma bengala golpeando o chão a seu lado desviou sua atenção.
—Lorde Rutherford — disse, saudando o velho com uma cortês
inclinação de cabeça. — Me deu a entender que não assistiria à celebração
desta noite.
Com quase setenta anos, o Marquês de Rutherford estava quase
completamente calvo, salvo pelo comprido e bicudo conjunto de bigodes
flanqueando suas bochechas. Era um surpreendente contraste com sua bela, e
muito mais jovem esposa, de quem estava a dez passos, paquerando um jovem
recém-saído da sala-de-aula. Em seu melhor momento, Lady Rutherford
tinha sido comparada a uma deusa, e de fato, sua loira perfeição era bem
semelhante a de Vênus, inclusive agora que se aproximava dos cinquenta
anos. Sua moral também se assemelhava a da deusa romana do amor, já que
era legendária por seus muitos namoricos. Sua busca de estimulação estava
muito além do desespero, e quando sua beleza tinha começado a desvanecer-
se, ela tinha se convertido na anfitriã de eventos luxuriosos, aos que assistiam
as más línguas mais virulentas e as figuras mais escandalosas da aristocracia.
Tudo pela excitação de revolver o vespeiro, por assim dizê-lo.
Dizia-se que Lorde Rutherford desprezava os entretenimentos que sua
esposa desfrutava organizar. Por outro lado, dizia-se que desprezava também a
sua esposa. Agora o homem pigarreou e se apoiou em sua bengala,
observando à multidão com olhos entreabertos, um olhar de desgosto em seu
rosto enrugado e manchado pela idade.
—De vez em quando devo tolerar as coisas de mau gosto, Atherbourne.
Por uma causa adequada, entende-se.
Lucien murmurou uma resposta evasiva e deixou que seus olhos
pousassem onde mais queriam estar: em Vitória. Ela ria de algo que Lady
Berne estava dizendo, o queixo ligeiramente curvado inclinando-se para cima.
Jane Huxley lhe tocou o braço e apontou para um conjunto de portas no lado
oposto do salão, justo além de onde ele se encontrava. Vitória olhou para elas
e se chocou com seus olhos. Inclusive desta distância, ele pôde ver que lhe
acelerava a respiração, pestanejava rapidamente e seus lábios se entreabriam.
Uma de suas mãos se assentou sobre seu abdômen como tratando de conter-
se.
Ele conhecia a sensação.
—Digo Atherbourne, seu irmão por acaso, mencionou seu desejo de
comprar uma de minhas propriedades em Sussex? — A voz crepitante de
Lorde Rutherford obrigou Lucien a voltar sua atenção ao ancião.
Lucien sacudiu a cabeça, em parte para clareá-la e em parte para
responder a Rutherford. Os olhos do homem, de um turquesa profundo que
estava descolorido e leitoso pela idade, ainda refletiam uma inteligência
ardilosa.
—Uma região de bosques superior. Excelente para a caça. — Ao
continuar falando durante vários minutos sobre a casa do século XVI e seus
terrenos, Rutherford conseguiu manter o interesse de Lucien, mas só porque
tinha curiosidade da razão pela qual o marquês estava tão interessado em
vender.
Em necessidade de recursos? — perguntou-se Lucien.
— ... seu irmão já quase tinha tomado posse do lugar antes que ele … —
O ancião deteve-se no meio da frase, entrecerrando os olhos ao distinguir
alguém de pé perto da estátua de Poseidon colocada entre duas colunas em
um extremo do salão. Lucien seguiu seu olhar e viu Benedict Chatham, com
um braço apoiado no joelho de Poseidon, parecendo decididamente
aborrecido e um pouco mais desalinhado que de costume.
Rutherford se desculpou imediatamente e se dirigiu ao seu filho.
Vejo problemas, pensou Lucien, cruzando os braços e apoiando as costas
na parede. Igual a antes, seu olhar gravitou de novo aonde tinha visto pela
última vez a Vitória, como uma bola de bilhar seguindo um sulco.
Ela não estava ali. Procurou entre a multidão, encontrando Jane Huxley
sentada junto a uma parede, olhos baixos, olhando suas mãos. Logo viu Lady
Berne e Annabelle Huxley falando animadamente com um grupo de
jovenzinhas. Nada de Vitória.
Ele se separou da parede e examinou o salão de baile. Onde diabos estava?
Pela extremidade do olho, alcançou ver um brilho de seda rosado em
meio aos bailarinos que giravam. Estava… dançando? Sim, deu-se conta
quando sua cabeça dourada baixava e se levantava de novo com os
movimentos de um reel animado.
Franzindo o cenho com ferocidade, evitou um grupo de jovens
cavalheiros rindo à gargalhadas por um recente percalço com um faetón, e
rapidamente abriu caminho até a beira da pista de baile.
Então era Malby, pensou. Ela tinha como par Sir Barnabus Malby, um
sapo gordo fedorento que inclusive agora, ofegava atrás dela lascivamente. É
obvio, poderia ser só que o peso do homem o deixasse sem fôlego, enquanto
tratava de seguir o ritmo dos passos da enérgica dança.
Apertando os dentes posteriores, Lucien sentiu a fúria desatar-se em suas
vísceras. Não, os olhos saltados do sapo estavam pegos em seus peitos, que se
agitavam deliciosamente enquanto ela se movia e balançavam ao compasso da
música.
Que demônios estava fazendo dançando com Malby? Com qualquer um,
na realidade. Ela estava casada. Com ele. Se não estivesse seguro de que
ganharia a total indignação de Vitória, a seguraria por cima do ombro e a
arrastaria imediatamente de volta à Casa Wyatt. Ou melhor ainda, a
Thornbridge. Só Vitória e ele, a sós em seu imóvel. Sim, isso seria ideal.
Mas, primeiro, estrangularia Sir Barnabus Malby até que os olhos do sapo
saltassem por uma razão muito diferente. Lucien fechou os punhos e suas
fossas nasais se dilataram em antecipação.
Vitória girou, e pôde ver sua cara de novo. Estava sorrindo
brilhantemente, claramente estava se divertindo muito. Deus, estava
fantasiando matando a um homem simplesmente por dançar com sua esposa.
Respirando profundamente para recuperar a calma, pouco a pouco,
deliberadamente, afrouxou os dedos. A fúria escura retrocedeu enquanto
observava o deleite em seu formoso rosto.
Paciência, pensou. Haverá tempo suficiente para matar o sapo mais tarde.
Primeiro, tinha que reclamar o que era dele. E de ninguém mais.

Fazendo uma encantadora reverência a Sir Barnabus ante a conclusão do


reel, Vitória lhe agradeceu pela dança. O homem respirava com dificuldade
pelo esforço, seus olhos algo sobressalentes adquirindo proporções
inquietantes quando olharam além de seu ombro.
—Sir Barnabus, passa-lhe…?
—Parece que necessita um descanso, Malby. — A suave declaração, feita
com os dentes apertados, veio detrás dela. Virou-se para ver Lucien, alto e
imponente, olhando com fúria o cavalheiro mais baixo e grandemente mais
grosso. — Respirar é algo precioso. Talvez o recordará na próxima vez que
coma com os olhos a esposa de outro homem.
Surpreendida por sua estranha reação, Vitória exclamou: —Lucien! Que
diabos…?
Sir Barnabus pressionou um lenço contra sua testa úmida e balbuciou: —
Eu… eu, Atherbourne…
Lucien rodeou Vitória para colocar-se a menos de trinta centímetros de
Sir Barnabus. Sua postura agressiva transmitia uma ameaça inconfundível. Sir
Barnabus empalideceu e cambaleou para trás, murmurando: —Está muito
sufocante aqui. Possivelmente é melhor que vá.
O homem desapareceu entre a multidão, e Vitória puxou a manga de
Lucien para ganhar sua atenção.
—Não crê que está levando a farsa do marido possessivo um pouco longe,
milord? —perguntou em voz baixa.
—Uma mulher dança com um homem só por duas razões, Vitória. Ela
está procurando um marido ou está tratando de pôr ciumento a alguém. —
Sua expressão era uma estranha mescla de indignação, autossatisfação e a
típica arrogância própria de Lucien.
—Isso como bem sabe, não tem nenhum sentido. Posso nomear ao
menos um motivo mais para que uma mulher aceitasse o convite de um
cavalheiro para dançar.
Ele arqueou uma sobrancelha interrogante.
Vitória se aproximou dele.
—Gosto de dançar.
Sua boca se curvou em um sorriso irônico.
—Possivelmente. Mas ela deveria escolher seu par de forma mais
inteligente.
—Talvez o melhor par deveria convidar, — respondeu ela coquetemente.
Quando começaram os primeiros acordes de uma valsa, Lucien respondeu
sem palavras, dando um passo atrás, inclinando-se com elegância, e
estendendo a mão para dela. Vitória vacilou só um momento antes de sorrir,
deslizar os dedos nos seus, e inclinar-se em uma reverência. Ele a tomou em
seus braços e os moveu com graça durante os passos da dança, seu corpo
muito perto, sua cara à distância de um beijo.
O tamanho e o calor dele a envolviam à medida que giravam e se
balançavam. Era a primeira vez que dançavam juntos, por isso deveria ter
estado surpreendida pela forma perfeita como ele se movia. Mas não o estava.
Este era o Lucien que conhecia: sua confiança, sua força enquanto a guiava,
quase como se a estivesse carregando em seus braços. De fato, sentia-se como
flutuar. A alegria embriagadora de dançar com seu marido encheu suas veias
como o champanha, fazendo-a desejar rir em voz alta e roçar seus formosos
lábios com os seus. Sabendo que tal coisa era impossível fez com que a
percorresse uma onda agridoce. Mas quando ele encontrou e sustentou seu
olhar, foi como se todo seu redor desaparecesse ficando só eles dois,
movendo-se juntos. Quando as notas finais da valsa se desvaneceram, ela
suspirou e murmurou: —Isso foi precioso, Lucien.
Antes que ele pudesse responder, ambos viram Jane fazendo gestos
frenéticos ao lado da mesa de refrescos. A expressão da jovem, no geral,
fechada ou plácida, agora estava animada pela urgência.
—Acredito que lhe chamam. — disse Lucien secamente.
Depois de desculpar-se, ela rapidamente cruzou o salão até onde estava
Jane.
—O que acontece? — perguntou em voz baixa.
Jane tragou, agarrou as mãos de Vitória, e a arrastou a um canto tranquilo
onde ambas se sentaram em uma cadeira vazia.
—Eu… eu as ouvi falar. A respeito de ti. E… e de Lorde Atherbourne.
Vitória franziu o cenho.
—Quem estava falando de nós?
—Lady Colchester disse à Lady Rutherford que Lorde Atherbourne e
você nunca deveriam terem sido convidados, que só trariam mais vergonha
sobre o nome de Rutherford.
—E qual foi a resposta de Lady Rutherford?
Jane olhou nervosamente ao seu redor, então escondeu o queixo e
sussurrou: —Disse que era esse precisamente o ponto. Ela os convidou por
causa do escândalo.
Aliviada, Vitória inalou profundamente e deixou escapar uma risada
suave.
—Oh, Jane. Tinha me preocupado. — Ela bateu na mão de sua amiga
com doçura. — Sabíamos que essa era a razão do convite.
O sorriso de Vitória logo se converteu em uma expressão de desconcerto
quando Jane sacudiu a cabeça freneticamente e disse: —Essa não é… não é a
parte terrível. Quer dizer, é horrível, mas...
Ao ver a profunda preocupação e confusão em seus olhos escuros, Vitória
tragou.
—Diga-me.
Os dentes de Jane mordiscaram seu lábio inferior, seus olhos evitando os
de Vitória.
—Talvez não devesse fazê-lo.
—Jane. — O tom firme de Vitória fez com que o olhar de sua amiga
disparasse para encontrar-se com o seu. — Diga-me.
Ruborizando, Jane respondeu com uma pergunta: —O que sabe da
senhora Knightley?
Capítulo 22

"Uma mentira é mais eficaz quando se planta no chão da verdade."


A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Berne sobre as notícias do
talento oculto de Lorde Tannenbrook para a difusão de intrigas.

Os novos rumores estão certos, já vejo.


Ante o comentário sarcástico, Lucien deixou de observar Vitória através
do salão de baile onde estava imersa em uma intensa conversação com Jane
Huxley.
Ele elevou uma sobrancelha.
—Chatham. Que rumores são esses precisamente?
Magro e pálido, o enfastiado lorde se apoiava negligentemente contra
uma coluna branca, a gravata desalinhada, os braços cruzados sobre o peito.
Olhou para Lucien.
—Quando Alvanley sugeriu que você mesmo tinha posto os grilhões por
alguma teimosia equivocada pela irmã de Blackmore, pensei que era
ridiculamente ingênuo. O Lucien Wyatt que conheci não se fazia de parvo
por nenhuma mulher. Parece que estava equivocado. —Os lábios de
Chatham se curvaram. — Estranho. Mas aconteceu.
—Não sabe nada de mim.
—Ah. Então Malby te deve dinheiro, talvez? Uma razão muito melhor
para quase chegar aos punhos com o homem por seu gosto pelos peitos de sua
esposa. Embora sejam encantadores.
A ira de Lucien, firme, intensa e escura, retornou como uma onda.
Moveu-se mais perto de Chatham, usando seu corpo maior e mais pesado
para intimidá-lo. Embora similares em altura, o corpo do homem era magro
até o ponto da fragilidade depois de anos de dissolução. Ele estava
suficientemente perto para que os vapores pelo que fosse que tinha estado
bebendo chegassem ao nariz de Lucien. Uísque, talvez.
—Mencione qualquer parte de minha esposa outra vez, e porei fim a sua
miséria.
Ante a ameaça dita com dentes apertados, a expressão de Chatham ficou
em branco, seus olhos injetados indiferentes e frios.
—Muitos o tentaram, Atherbourne. Advirto-te, sou estranhamente difícil
de matar. Além disso, não tenho nenhum interesse em sua esposa ou em suas
partes. Entretanto, me parece fascinante que ambos pareçam ser o objeto de
sua fervente... estima, digamos.
Lucien observou o visconde Chatham atentamente. Com sua
incomensurável inteligência e carisma, poderia ter sido o favorito da alta
sociedade. Em seu lugar, o lorde mais jovem estava consumido por velhos
ódios, hábitos autodestrutivos, e uma profunda falta de vergonha. Em grande
medida, Lucien estava mais entristecido que ofendido ante tão potencial
desperdiçado.
Mas o fato de que Chatham tivesse algum tipo de interesse em Vitória, o
suficiente para falar sobre ela com Lucien de uma maneira provocadora, fez-o
pensar. Logo estava a amizade do homem com Colin Lacey. Quanto da ébria
irresponsabilidade de Lacey se devia à influência de Chatham? Em um
momento, o visconde tinha sido amigo de Lucien também, e restos desse
velho vínculo ainda ficavam. Mas não queria Benedict Chatham em nenhum
lugar perto de Vitória ou de seu irmão, não em seu presente estado.
Lucien suspirou profundamente e passou uma mão pela boca, e logo
cruzou os braços. Vendo Chatham, falou em voz baixa: —Há melhores
opções das que escolheste, velho amigo.
Diferentes expressões se sucederam no rosto de Chatman: surpresa,
ressentimento, frieza.
—Oh? Talvez pudesse ir depois das glórias da guerra. Arrasar com os
franceses na troca de medalhas foi muito divertido. Por desgraça, ser o único
herdeiro vivo de meu pai tem seu lado negativo. Espera! Já sei. Poderia
arruinar a irmã do meu inimigo, então apanhá-la no matrimônio para castigá-
lo na perpetuidade. — Fingiu uma expressão de dissolução. — Mas não
tenho nenhum inimigo em particular. E não gostaria de ser acusado de
imitação.
Bruscamente, Lucien jogou a cabeça para trás. Como sabe? Era
malditamente impossível. Mas inclusive enquanto o pensava, soube. Chatham
não era simplesmente inteligente, senão também perigoso. Capaz de surrupiar
segredos da mais improvável das fontes, deveria ter estado trabalhando para os
serviços clandestinos. Em troca, utilizava seu talento para manipular e
provocar problemas.
—Tome cuidado, — advertiu Lucien com voz sedosa. — Quem blande
sua espada incautamente é muito provável que ele mesmo se corte.
Chatham abriu a boca para responder, logo deslizou o olhar por cima do
ombro de Lucien. Elevou uma sobrancelha e sorriu lentamente. Lucien se
voltou para ver o que tinha captado a atenção do visconde. Vitória branca e
trêmula, dirigia-se diretamente para onde se encontravam, perto da entrada
do salão.
Manteve sua expressão cuidadosamente em branco enquanto a observava
aproximar-se, perguntando-se o que ela e Jane tinham estado discutindo para
tê-la perturbado daquele modo. Lhe ofereceu o braço. Ela não tomou.
Em troca, apertou os lábios e dirigiu o cenho franzido a Chatham,
parecendo notá-lo pela primeira vez. Ele executou uma elegante reverência,
seus olhos turquesa, brilhantes.
—Lady Atherbourne. Ainda não fomos apresentados.
Muito apesar de Lucien, Vitória respondeu estendendo uma mão
enluvada, que Chatham agarrou rapidamente na sua. Não havia nada
inapropriado no intercâmbio, nada ao qual pudesse objetar. Mas suas vísceras
se esticaram e flexionou a mandíbula quando uma escura resistência já
familiar, surgiu dentro dele. Lucien não queria que um homem como este
tocasse a sua esposa, nem sequer através de duas capas de luvas.
Decidindo que a forma mais rápida de terminar o contato e averiguar o
que estava incomodando Vitória (porque sem dúvida algo a tinha inquietado,
e muito), era terminar a apresentação e ficar a sós com ela, disse: —Benedict
Chatham, visconde de Chatham. Minha esposa, Lady Atherbourne.
Chatham se inclinou de novo sobre sua mão e sorriu com admiração.
Imediatamente, o homem se transformou de um esbanjador a um arrumado
cavalheiro com um encanto magnético. Surpreendente, de verdade. E
inquietante de se ver.
—Que prazer conhecer a mulher que roubou o coração de Lucien,
milady. Certamente, posso ver o que o tem tão... encantador.
Os olhos de Lucien se estreitaram. A serpente poderia haver se desfeito de
uma pele e deslizar-se dentro de outra, mas seguia sendo uma serpente.
Vitória lhe devolveu o sorriso, parecendo deslumbrada pelo canalha.
—Um prazer conhecê-lo também, milord. É amigo de meu marido?
O enfático "não" de Lucien foi afogado pela resposta de Chatham: —
Estivemos juntos em Eton. Temo que depois nossos caminhos se separaram.
Olhou para Lucien, seus olhos zombadores. — Só recentemente tornamos a
nos encontrar.
Com a intenção de pôr fim ao intercâmbio com a maior rapidez possível,
Lucien manteve seus olhos no rosto de Chatham enquanto se dirigia à
Vitória.
—Casualmente Lorde Chatham estava a ponto de procurar a sua mãe
quando chegou, querida. — Ele envolveu um braço ao redor da cintura de
Vitória e a atraiu para seu corpo. Ela ficou rígida, mas não resistiu. —
Chatham, dará à Lady Rutherford nosso agradecimento pelo convite. Por
desgraça, temos que ir cedo, já que Lady Atherbourne tem dor de cabeça. —
Ele sentiu o surpreso giro de cabeça de Vitória.
Fazendo uma nova reverência à Vitória, Chatham respondeu com secura:
—É óbvio. Espero que logo se sinta melhor, milady. — Dirigiu a Lucien um
sorriso de cumplicidade. — Atherbourne.
Uma hora mais tarde, Lucien e Vitória chegaram à Casa Wyatt em um
tenso silêncio.
Depois de vários intentos por persuadir a sua esposa de lhe dizer o que a
havia perturbado, Lucien estava preparado para golpear alguém.
Preferivelmente a Chatham ou a Malby.
Uma vez dentro do vestíbulo, Vitória acomodou seu longo xale sobre o
braço e de imediato subiu as escadas, sem lhe dizer uma palavra. Suspirando,
Lucien apertou a ponta de seu nariz com o polegar e o indicador. Parecia que
a dor de cabeça que havia sido sua desculpa para ir-se agora era real e
palpitando atrás de seus olhos.
No caminho de volta a casa, tinha exigido saber o que acontecia, mas sua
resposta tinha sido um persistente e irritante: —Não passa nada.
Simplesmente estou cansada. O que era uma sandice. Depois de sua dança
juntos, Vitória tinha estado radiante de alegria. Jane Huxley havia dito algo a
sua esposa, e isso a tinha alterado profundamente.
Seus punhos se fecharam. O que poderia ter sido, maldita seja?
Olhou a escada. Só uma pessoa sabia a resposta, e ela o tinha ignorado
deliberada e friamente. Odiava-o. Preferia sua ira. Durante vários minutos,
considerou segui-la até o dormitório e insistir em que lhe confessasse o que
Jane lhe tinha contado.
Com o crânio palpitando e a frustração comendo-o por dentro, dirigiu-se
em troca à biblioteca. Ali se serviu de uma taça de brandy e afundou em uma
cadeira perto da chaminé, onde apoiou os pés. No momento em que se servia
de uma segunda taça, grande parte de sua ira anterior tinha minguado, e a dor
de cabeça havia suavizado.
O matrimônio estava resultando muito mais complicado do que havia
previsto. Não, pensou. O matrimônio com Vitória era mais complicado. Seus
sentimentos por ela eram...
Tomou um longo gole de brandy, sentindo que lhe esquentava a
garganta. ...inesperados.
—Vais te sentar aí bebendo até ficar inconsciente?
Lucien ficou de pé tão rapidamente que o mundo girou durante vários
segundos antes de endireitar-se. Quando o fez, foi recebido pela visão de sua
esposa de pé na porta, vestida só com uma camisola fina, branca, seus longos
cachos colocados sobre um ombro. Tinha o aspecto de um anjo, a luz do fogo
jogando e acariciando suas curvas.
Então se encontrou com seu olhar. Um anjo vingador, corrigiu. Estava
zangada, seu corpo se mantinha rígido, seus olhos duros e acusadores.
Maldito inferno.
—Necessitaria muito mais que isto, — apontou seu copo, — para me
deixar inconsciente. — Com os olhos entreabertos, ela se aproximou dois
passos.
—Não terei um bêbado como marido.
—Vitória…
—Tampouco tolerarei que me tome por tola.
Congelou-se. Ela agora estava a não mais de um metro de distância, o
queixo inclinado agressivamente, seu corpo arrepiando-se de ultraje. Era
inquietante. E inconvenientemente excitante.
Colocando o copo na mesa junto à cadeira, deu um cauteloso passo para
ela. No mesmo instante, ela elevou a mão para detê-lo, deixando-a flutuando
a centímetros de seu peito. Seus olhos soltavam faíscas. Ele parecia ter o
talento pouco comum de enfurecê-la, mas inclusive ele nunca a tinha visto
tão furiosa.
Sacudiu a cabeça.
—O que diz não tem sentido.
—Quem é a senhora Knightley?
Ele piscou rapidamente, desorientado por sua pergunta.
—A senhora…?
—Knightley, — cuspiu.
Com o cenho franzido, freneticamente procurou em sua mente o que lhe
dizer. Nenhuma das respostas parecia minimamente adequada para os
ouvidos de sua esposa.
Impaciente com sua vacilação, Vitória continuou: —Digo-lhe isso,
marido? Vendo que parece que não encontra as palavras neste momento. A
senhora Knightley é sua amante. E o foi durante os últimos quatro meses.
Cambaleando-se pela incredulidade, seu fôlego voou de seu corpo.
Respirou fundo três vezes antes de recuperar-se o suficiente para falar.
—Quem te disse isso?
—O que importa quem o fez?
Ele fez ranger a mandíbula.
—Oh, importa.
Ela elevou o queixo e um brilho decidido resplandeceu em seus olhos. Sua
esposa poderia ser nove partes anjo e uma parte Valquíria, mas essa única
parte tinha uma vontade de ferro forjado a fogo.
—Tudo o que precisa saber, — disse entredentes, — é que seu plano para
me humilhar ainda mais ao fazer alarde desta prostituta glorificada frente a
toda a sociedade está condenada ao fracasso. — Lhe cravou o dedo no peito
para enfatizar suas palavras. — Não. — Cravou o dedo. — Me. Cravou o
dedo. — Envergonhará. — Cravou o dedo.
—Vitória…
—Mais uma vez, entende?
—Vitória.
—Não tem ideia de quão miserável posso te fazer. Não duvidarei em fazê-
lo escutar sequer o sussurro do nome dessa rameira…
Agarrou-lhe o punho e gritou: —Vitória!
Ela puxou seu braço.
—Não me toque.
—A senhora Knightley não é minha amante.
Com um bufo de incredulidade, Vitória usou sua mão livre para
empurrar seu peito.
—Estou te dizendo a verdade.
Nervosa por sua resistência inútil, ela ficou quieta, os olhos brilhantes de
lágrimas e sua garganta tragando saliva com força. O coração de Lucien se
retorceu ante a visão. Ela sacudiu a cabeça, em seguida a inclinou
sarcasticamente.
—Suponho que Lady Rutherford inventou um conto fantástico para
Lady Colchester. Com que fim mentiria?
Lady Rutherford, hã? Parece que Chatham tinha encontrado uma
maneira de causar dano depois de tudo. Difundir falsos rumores através de
sua mãe era o mínimo que o homem era capaz de fazer. Lucien teria que
encontrar uma maneira de lutar com ele. Mas por hora, quão único
importava era reparar o dano com Vitória. Vê-la angustiada era insuportável.
—Não sei. Gosta de criar controvérsia, assim possivelmente isso é tudo.
Em qualquer caso, deve me acreditar quando te digo que não tenho nenhuma
amante. Não olhei outra mulher desde a noite em que te conheci, e muito
menos levei uma à cama.
Ela bufou e o empurrou.
—Tem que pensar que sou uma idiot…
Ele a agarrou pelos ombros, sacudindo-a suavemente.
—Juro-o pela tumba de meu irmão, Vitória.
Silenciada por sua declaração, sua boca abriu e seus olhos aumentaram,
inundando-se com uma avalanche repentina de novas lágrimas.
—Você… — sussurrou.
A própria voz de Lucien foi entrecortada.
—Juro-te que é a única mulher que toquei desde àquela noite. Bom
Deus, anjo, estou consumido de desejo por ti. Não fica nada para mais
ninguém.
Ele procurou seu rosto, uma lágrima descendo até sua delicada
mandíbula. Esfregou-a com o polegar, acariciou-lhe a bochecha com a ponta
dos dedos. Tão suave, pensou. Sua esposa era tão suave como um casulo de
rosa. E com a mesma facilidade se machucava.
—Lucien, eu... — Ela sacudiu a cabeça e tragou saliva.
Ele a tomou em seus braços, envolvendo-a estreitamente contra ele. Ela
colocou a cabeça contra seu peito, justo sobre seu coração. Como deveria ser.
—Talvez não devesse acreditar tão facilmente. É só que eu...
Com um dedo, lhe levantou o queixo para poder vê-la nos olhos.
—O que, amor?
—Não temos... bom, já sabe... por muitos dias.
Grunhiu sua concordância.
—Sinto-o como uma eternidade.
Ela baixou o olhar até seu queixo, e logo a seu peito, escondendo-se dele.
—Eu não gosto da ideia de que tenha uma amante, Lucien.
Ele fez uma careta.
—Isso deduzi. — Realmente, sua fúria alegrava seu coração. Talvez ela
cedesse antes do que tinha esperado. Passou uma mão pelos sedosos cachos
que caíam de seu ombro, e se deslizavam sobre seu peito. Quando com a
palma acariciou seu mamilo, ouviu-a conter e acelerar sua respiração.
Agarrando com suavidade seu pulso, levou sua mão à parte dianteira de suas
calças, deixando-a sentir sua dureza, a qual não podia conter embora quisesse.
—Não tem nada que temer nesse sentido, — disse com voz áspera, a
familiar debilidade invadindo seus músculos ante seu contato. Todos seus
músculos exceto um. — Ao que parece desejo-te só a ti, anjo.
Seus formosos olhos se elevaram para encontrar os seus. O que viu ali o
fez conter o fôlego. Desejo. Determinação. Ela afastou sua mão.
—Nunca desejei nada como desejo a ti, — confessou em um sussurro. —
Tanto que me assusta.
A esperança surgiu em seu corpo com tal força, que ele temeu que seu
coração poderia explodir.
—É o mesmo para mim…
—Mas como vou confiar em ti, Lucien? — A pergunta pareceu arrancar
sua alma, transpassando um nó em sua garganta. — Utilizaste-me para liderar
uma batalha contra Harrison. Faz-o inclusive agora.
Por um momento, ele simplesmente absorveu o impacto de ser
confrontado com a verdade.
—Estou fazendo o que devo. Te machucar nunca foi meu objetivo. Tem
que saber isso.
—E, entretanto, esse é o resultado. — Sua voz soou baixa e tranquila. —
Não deveria o ter cortado com uma faca. Mas o fez.
Por um momento, a dor o fez reconsiderar. Poderia encontrar outra
maneira de castigar Blackmore? Uma maneira que não implicasse Vitória?
Poderia ela ser simplesmente... ela? Sua esposa. Seu anjo. A mãe de seus
filhos.
Não há outra maneira. Já consideraste outras estratégias. Não, se
Blackmore tiver que responder por seus crimes, deve seguir adiante. Ou,
aceitar o fracasso.
De momento, ela o necessita ao seu lado. Com o tempo, vai entender.
Tem que fazê-lo.
Apertando os punhos com impotência nos flancos, viu como ela se
encaminhava à entrada da biblioteca, logo se voltava lenta, tristemente, para
enfrentar a ele, a mão apoiada na borda da porta aberta.
—O que mais desejamos sempre tem um preço, Lucien. Deve decidir se o
vale. E eu devo fazer o mesmo. — Com essas simples e devastadoras palavras,
a porta fechou com suavidade.
E ela se foi.
Capítulo 23

"A violência raras vezes resolve os problemas sem criar uns novos. Mas os
homens são excessivamente aficionados a ela, e isso me parece uma fonte
inesgotável de diversão."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu sobrinho depois de um dia
particularmente ruim no Clube de Cavalheiros Jackson.

Detrás de uma inócua porta vermelha de um discreto edifício de tijolo em


uma praça escura nos subúrbios de St. James, Lucien ficou admirando uma
das mais suntuosas casas de jogos de Londres. Em vez do luxo sutil e sóbrio
do White’s ou do Brook’s, este lugar era uma obra prima da ostentação:
espelhos de moldura dourados, lustres de cristal, paredes forradas de seda de
uma cor jade escuro, e sempre que fosse possível, velas cuja luz se refletia nas
superfícies ornamentadas com um efeito deslumbrante. No centro do
vestíbulo havia uma estátua de tamanho natural da deusa Fortuna
sustentando uma cornucópia transbordante de moedas de ouro, uma sereia
sorridente atraindo aos homens a sua perdição.
À esquerda estava o salão onde segundo rumores, um cozinheiro francês
chamado Gaspard poderia servir uma versão divina de qualquer comida que
um homem podia imaginar, e algumas não. Frente a ele, a grande escada
subia ao piso superior, onde as salas de jogos se enchiam de transbordar com
os dissolutos, os desafortunados, e os tragicamente otimistas. O proprietário
do Reaver’s não os quereria de nenhuma outra maneira.
—Milord, posso pegar seu chapéu? — perguntou o tranquilo mordomo
de pele escura. Embora o homem falasse um impecável inglês e estava vestido
formalmente com um fraque e calças negras, colete dourado e gravata branca,
seus exóticos traços delatavam sua origem turca ou talvez indu.
—Não, —respondeu Lucien. — Não devo permanecer muito tempo.
Vou me encontrar com um velho amigo.
O homem inclinou a cabeça.
—Muito bem, milord. Por aqui.
Tinha começado sua busca horas antes com uma visita ao Marquês de
Rutherford. O ancião, enquanto queria discutir a proposta de compra de sua
"condenadamente magnífica" propriedade de caça, à Lucien que não tinha
ideia de onde poderia estar o visconde Chatham.
—Meu filho e eu não frequentamos os mesmos estabelecimentos, nem
tampouco discutimos essas coisas.
Da casa de Rutherford, Lucien tinha se dirigido ao St. James, onde tinha
procurado todas as salas de todos os clubes de renome. Sem resultado.
Só então passou aos estabelecimentos menos respeitáveis. Reaver’s era o
terceiro que tinha entrado, e sem dúvida o mais exclusivo de todos. Não era
muito conhecido fora dos círculos da elite, porque poucos podiam se permitir
as apostas. Milhares de libras se ganhavam e se perdiam em cada dia em um
giro de uma carta ou em um tiro de jogo de dados. Nada de fracos de coração
ou bolsos pequenos.
O mordomo o conduziu pelas escadas até a sala de jogos principal. Abriu
as portas e fez um gesto para que Lucien entrasse. A habitação estava
mobilhada com opulência, três grandes abajures de aranha iluminavam por
cima, um teto abobadado com afrescos e por baixo paredes de vivos painéis.
Enquanto o corredor estava silencioso, esta sala estava cheia de dezenas de
cavalheiros, suas vozes lutando para impor-se uma sobre a outra em um
estrondo ruidoso. Murmúrios excitados competiam com gritos repentinos e
triunfantes dos homens amontoados ao redor das mesas de pano verde para
ver suas fortunas girar e cair.
Examinando a multidão metodicamente, o olhar de Lucien fixou-se em
uma mão magra e elegante jogando distraidamente com uma pilha de fichas
na mesa de farol. O homem mesmo não era visível, oculto atrás de uma massa
gordinha e calva, que levava um casaco muito pequeno. Mas Lucien
reconheceria o gesto em qualquer lugar.
—Chatham, — murmurou em voz baixa, uma onda de acalorada ira
guerreando com a satisfação de ter encontrado finalmente a sua presa.
Rodeou um jogo de cadeiras para aproximar-se do visconde por trás.
Reclinado em seu assento com indolência, Chatham parecia despreocupado,
mas quando Lucien chegou ao seu lado, pôde ver sinais sutis de tensão ao
redor da boca e dos olhos. — Ainda indo de cabeça para o desastre, já vejo.
Os dedos de Chatham se detiveram. Foi o único reconhecimento da
presença de Lucien. O crupier anunciou a última partida.
Lucien continuou em um tom baixo e aborrecido.
—Se desejas que termine contigo só tem que dizê-lo.
Uma nova pilha de fichas foi empurrada para Chatham quando se
estabeleceram as apostas. Ele se separou da mesa e ficou de pé para enfrentar
Lucien.
—Tenho que adivinhar do que está falando?
Aproximando-se mais, Lucien inclinou a cabeça e lhe dedicou um lento
sorriso.
—Talvez devesse perguntar à sua mãe. Ou a sua benfeitora.
As sobrancelhas escuras de Chatham se juntaram sobre seus olhos cor
turquesa, o contraste com sua tez branca como o papel um tanto
surpreendente.
—Olhe, Atherbourne, se sua intenção é provocar um duelo ou algo
igualmente tedioso, tem-me o tipo equivocado. Raramente acordo ao
amanhecer e se isso acontecesse, o último lugar em que estaria é a quarenta
passos de ti. — Sorriu. — É bonito, mas nem tanto.
Alguém limpou a garganta enfaticamente. Um senhor mais velho, alto e
bigodudo, apontou com a cabeça o assento parado de Chatham.
—Perdão. Vais jogar outra rodada?
Fazendo gestos a um empregado do clube, que rapidamente trocou fichas
por libras, Chatham guardou seus lucros e bateu no ombro do homem.
—Tome-o, Sir Giles.
Lucien seguiu a Chatham quando o visconde alegremente se voltou e
começou a mover-se através da multidão em direção à porta. Ao sair no
corredor, Lucien agarrou o ombro ossudo de Chatham e o empurrou. Com
força. Isto fez com que o outro homem girasse de lado para ficarem de frente.
Por um momento, um fogo negro ardeu no interior dos olhos turquesa e
a magra figura de Chatham assumiu a postura de um lutador: agressiva,
provocadora. Um segundo mais tarde, a atitude combativa desapareceu como
se nunca tivesse existido, sua expressão assumindo o habitual cinismo
despreocupado.
Interessante, pensou Lucien. Apesar de seus vícios e hedonismo, Benedict
Chatham estava sempre no controle de si mesmo. Sempre. Esta reação era
outro sinal de que o futuro Marquês de Rutherford estava se desgastando nas
costuras. Tanto melhor.
—Foste muito longe desta vez, Chatham. Não sei que demônio se
apoderou de ti, mas logo te dará conta da profundidade de teu erro.
Chatham encolheu os ombros.
—Então me desafie.
Lucien ficou em silêncio, medindo a expressão do lorde.
—Não? — O outro homem sorriu lentamente, mas seus olhos estavam
vazios. Gelados.
Fez um gesto para as escadas. — Então poderia sugerir a carne de veado.
Monsieur Gaspard a serve com um molho de trufas de outro mundo. — Seus
olhos se acenderam com zombador dramatismo. — Absolutamente incrível.
Lucien observou o homem com desgosto.
—Que diabos te passou, Ben? Sei que passaram um par de anos…
—Tenta dez.
— …mas te inundaste tão profundo na bebida que perdeste todo rastro
de dignidade. Bom Deus homem, nem sequer te reconheço.
—Então estamos iguais nesse sentido, não? Inundaste-te tão profundo
nos encantos de sua esposa que me surpreende que não a use como chapéu.
A fúria rugiu através dele, explodindo em seu peito ante a insolente
vulgaridade que saiu da boca de Chatham. Inclusive enquanto este dizia a
última palavra, o punho de Lucien investiu contra sua mandíbula com um
rangido satisfatório. A pura força do golpe fez com que o visconde
retrocedesse cambaleando-se, impactando com um ruído surdo na parede do
fundo. Estava longe de ser suficiente para o gosto de Lucien.
Por desgraça, a comoção chamou a atenção de um par de valentões
descomunais posicionados justo dentro das portas da sala de jogos, claramente
empregados do clube.
—Nada de brigas milords, — disse o mais alto, seu acento puro londrino
do leste. — Regras do Reaver’S. Se quiserem uma briga, levem-na à outra
parte.
O olhar de Lucien permanecia centrada em Chatham, que seguia
olhando-o com uma calma mortal.
—Isso pode se arrumar, — disse com suavidade. — No Clube de
Cavalheiros Jackson. Se lhe importa reclamar o que resta de sua virilidade.
Chatham soprou.
—Não tive nenhuma queixa nesse sentido. Além de que, não tenho
nenhuma intenção de perder ainda mais meu tempo contigo. — Com isso,
ergueu-se e se dirigiu às escadas.
Seguindo-lhe os passos, Lucien pronunciou o que era um sarcasmo verbal
destinado a penetrar na névoa de embriaguez que mantinha prisioneiro o
velho Benedict Chatham, se é que esse homem ainda existisse, o que era
questionável.
—Sim, estou seguro de que a senhora Knightley não se incomodaria em
queixar-se de ti. Provavelmente o teria feito faz muito tempo se não tirasse
partido do seu dinheiro.
Chatham estremeceu visivelmente e se deteve três degraus do chão de
mármore. Lucien pensou que o tinha então, mas o homem negou com a
cabeça, afrouxou os punhos repentinamente apertados, e continuou como se
não quisesse rasgar Lucien membro por membro. Felizmente, era óbvio que
era assim, e só requeria um pouco mais de incentivo para vê-lo transbordar.
O mordomo voltou a aparecer como por mágica, sustentando o chapéu e
a bengala de Chatham.
—Shaw. Tem um sentido da oportunidade impecável bom homem, —
disse Chatham com falsa jovialidade, recebendo suas coisas do criado de pele
escura. — Não traria também meu cavalo?
—O meu também, — murmurou Lucien.
Shaw se inclinou e respondeu: —Agora mesmo, milords.
Ao que parecia decidido a ignorar a presença de Lucien, Chatham não
perdeu tempo em cruzar a porta e saiu aos paralelepípedos. Mas Lucien não se
dava por vencido tão facilmente.
—Suponho que alguém poderia entender suas miseráveis mentiras sobre
mim, — refletiu, mantendo o passo. — Tendo em conta a desgraça de seu
"acordo" com a senhora Knightley, tinha que encontrar alguma maneira de
desviar a atenção de ti mesmo.
O outro homem não disse nada, mas sua mão se retorceu no pomo de seu
punho. Golpeou contra os paralelepípedos com um ritmo irregular. Tap.
Tap-Tap. Tap-tap-tap.
—Entretanto, — disse Lucien com suavidade aproximando-se ao lado de
Chatham de maneira que não pudesse ignorá-lo. — Quando é minha mulher
que carrega as consequências de tais rumores descaradamente falsos, temo que
devo responder com certa contundência.
Finalmente Chatham elevou uma sobrancelha e olhou para Lucien.
—Perdão, não era a senhora Knightley sua amante? — O sarcasmo fez
com que Lucien quisesse afogar o bastardo. — Ah, mas eu teria jurado que
era. Ela sim tem um afeto bastante surpreendente por você… deixe-me ver.
Ah, sim, "vigoroso", acredito que o chamou. Difícil obter tal reconhecimento
por mercadorias que não se provou ainda.
Lucien entreabriu os olhos observando o homem, que tranquilamente
empurrou seu chapéu e deu um pequeno golpe com o punho. Maldito seja,
precisava calar Chatham para sempre, e isso significava recordar ao insolente
os segredos que Chatham, e ele mesmo, não queria que se revelassem. Lucien
se aproximou poucos centímetros, a voz baixa.
—Ela era minha amante. Era. Mas ao menos eu nunca fui sua puta.
O ataque que tinha estado esperando chegou com força repentina e
violenta. O punho de Chatham colidiu contra seu estômago com um
nauseabundo golpe seco, dobrando-o pela metade por um momento
enquanto se esforçava para respirar. Mas o herdeiro do Marquês de
Rutherford não se deteve aí. Seguiu o passo cambaleante de Lucien,
estrelando o punho contra suas primeiras costelas com a direita, logo com a
esquerda. Maldição, os reflexos do homem eram rápidos para alguém
constantemente ébrio.
Não durou muito tempo. Chatham estava caído, magro e debilitado, sua
mente mais rápida que a da maioria dos homens, mas lenta e embotada de sua
acuidade habitual pelo excesso de bebida e muito pouca dignidade. Lucien
retrocedeu e estudou a seu adversário, dando voltas lentamente, deixando que
se absorvesse e repercutisse a aguda dor dos golpes em seu abdômen até que
pôde deixá-lo à margem.
Os olhos de Chatham tinham um resplendor de cor turquesa, a
mandíbula avermelhada pelo golpe anterior de Lucien. Claramente queria
brigar. Mas respirava com dificuldade, seus ombros cansados, seu punho
golpeando o chão. Patético.
—Maldito hipócrita! — cuspiu Chatham, todo seu ódio por Lucien
retorcendo suas feições. — A esposa que afirma defender se casou contigo
porque a manuseou frente a toda a sociedade e arruinou suas possibilidades de
um matrimônio melhor. Não venha me pregar honra. Você não tem
nenhuma.
Lucien se deteve, observado como as peças de seu velho amigo, embora
deformadas pela amargura e dissolução, remontavam-se frente a ele. Não mais
fria desafeição. Não no casual sarcasmo. Só pura fúria selvagem.
—Não importa, verdade? — Soltou Chatham. — Lucien Wyatt sempre
consegue o que quer. Poderia te atirar em um montão de merda de cavalo, e
sairia com as malditas joias da coroa. — Ele abriu os braços, movendo a
cabeça, olhando para o céu cinza com assombro. — Um maldito milagre!
Furioso, Lucien apertou a mandíbula, sem dizer nada. Era evidente que o
homem tinha acumulado uma grande quantidade de ressentimento, o que
não importaria se não fosse por uma coisa: Ele sabia dos verdadeiros motivos
de Lucien para casar-se com Vitória. Não sabia como o tinha adivinhado, mas
o tinha feito. E com a vontade de Chatman de causar problemas, quanto
tempo passaria antes que toda a sociedade soubesse a verdade? Quanto tempo
antes que Vitória se convertesse no bobo da corte novamente? Objeto de
lástima e desprezo? Por sua culpa. Não podia permiti-lo. Tal resultado
poderia ter parecido aceitável alguma vez. Mas já não… não quando ele podia
fazer algo à respeito.
—Então, Chatham, resolvamos nossas diferenças, — disse obscuramente.
— No Clube de Cavalheiros Jackson.
—Com que fim?
Lucien sorriu.
—Um entendimento mútuo. Entre cavalheiros.
Chatham cruzou de braços, parecendo cético.
—Uma aposta.
—Sim, — respondeu com suavidade. — Para o vencedor, uma garantia
de silêncio. Ele nunca temerá que certa desafortunada informação será
compartilhada por seu oponente.
—E o perdedor?
—Terá que arriscar-se.
Lucien sabia que era uma aposta esta oferta. Embora ele pudesse
facilmente derrotar Chatham em seu atual estado debilitado, confiar que o
homem cumprisse sua palavra depois dos fatos era mais que um risco, muitos
acreditariam temerário. Tannenbrook havia dito isso mesmo quando Lucien
tinha exposto a ideia. Mas James não conhecia Chatham como Lucien. A
casca magra, pálida conhecida como o futuro Marquês de Rutherford era uma
farsa, uma mentira cuidadosamente construída nascida da miséria e de feridas
auto infligidas. Ele deveria sabê-lo: ele mesmo tinha estado perdido uma vez.
O homem de verdade, que Lucien recordava, era um pouco selvagem, mas
fundamentalmente decente. Se um traço desse homem permanecia, e Lucien
podia chegar a ele, então o acordo se levaria a cabo. Esperava.
—Bom, — disse Chatham depois de uma longa pausa. — Que nunca se
diga que deixei passar a oportunidade de te golpear até te deixar sem sentido.
No Cavalheiros Jackson então.
Lucien assentiu, ouvindo o ruído dos cascos de seus cavalos que eram
tirados das cavalariças atrás do clube. Por um momento, ao ver a expressão
sardônica de Chatham, duvidou da sabedoria deste plano. Talvez tivesse se
equivocado, e o visconde realmente tinha ido muito longe. Mas, então,
Chatham baixou o olhar brevemente, e quando voltou a olhá-lo, seus olhos
estavam sérios. Era como ver um fantasma, ver o Ben que recordava pela
primeira vez em uma década.
—Deveria fazer o que fosse necessário para que ela fique contigo, sabe.
Não é que me importe. Mas parece ser uma boa pessoa.
Tragando saliva ante a inesperada declaração de uma fonte ainda mais
inesperada, Lucien se separou de seu velho amigo. Não porque o menino dos
estábulos se aproximava com seu cavalo. Nem sequer porque Chatham estava
equivocado. O problema era que ele tinha razão. Mas era muito tarde.
Capítulo 24

"Tiremos um pouco de queixo, por favor. A devoção ao detalhe é louvável,


mas não vejo nenhuma razão para assustar às gerações futuras."
A Marquesa Viúva de Wallingham a Sir Thomas Lawrence ao ver pela
primeira vez o retrato de seu filho.

Era totalmente inaceitável. Com as mãos nos quadris, Vitória se separou


do tecido e olhou ao desbotado azul translúcido do colete de Lucien.
Demônios, ela necessitava de seu pigmento azul ultramar do estojo que ainda
se armazenava na Casa Clyde-Lacey. Era muito caro, preparado especialmente
para ela por um famoso colorista que também servia a Sir Thomas Lorenzo;
do contrário, ela simplesmente compraria mais.
Posso o ter de todos os modos, pensou, se as coisas continuarem como até
agora. Harrison ainda não tinha respondido as cartas que lhe tinha enviado
depois das bodas, uma dos quais solicitava que seus pertences fossem
entregues à Casa Wyatt. E parecia que Lucien estava decidido a seguir adiante
com seu intento de vingança, apesar de sua expressão atormentada quando
quase lhe tinha rogado que o reconsiderasse. Importo-te sequer um pouco? —
Perguntou-se, olhando nos olhos da cor de nuvens de tormenta que tinha
pintado com traços cuidadosos e cheios de adoração. Porque eu te amo,
contudo dentro de mim. Parece que sente o mesmo, mas não o dirá. E parte
de ti ainda se esconde de mim.
Ela suspirou. Essas incógnitas escuras tinham feito seu caminho na
pintura. Estavam ali, em seu retrato, no ligeiro sulco da testa de seu marido,
no brilho de luz em seus olhos.
Tantas perguntas.
Uma coisa, entretanto, tinha ficado clara na semana do sarau de
Rutherford. Dentro da sociedade, o seu era agora considerado como um
verdadeiro matrimônio por amor, objeto de admiração, inclusive de franca
inveja, de virtualmente dos mais rigorosos. Os convites tinham chegado a um
ritmo cada vez maior. De outra parte, os rumores maliciosos com respeito a
uma associação entre Lucien e a senhora Knightley tinham sido
cuidadosamente anulados por Lady Wallingham em um de seus últimos
almoços.
Era bom ter um dragão do seu lado, supunha. Ontem mesmo, uma nota
de Lady Wallingham tinha sugerido que Lady Gattingford estava
considerando a possibilidade de organizar um baile de final de temporada e
convidar Vitória e Lucien. Parecia que o projeto de neutralizar o escândalo
antes que a maioria da sociedade abandonasse Londres estava sendo um êxito.
Logo, o escândalo já não representaria uma ameaça, e à Lucien já não
ficaria nada para controlá-la. Talvez então suas opções resultariam mais fáceis.
É isso realmente o que te detém? Sussurrou uma voz em sua mente.
Voz irritante. Vai—te.
Está permitindo que ele te controle como o faria com um servente.
Posso esperar até depois que deixemos Londres e o escândalo fique para
trás.
Tem medo de perdê-lo. Mas se permitir que isto continue por muito mais
tempo, perderá a seu irmão. E talvez a ti mesma também.
De pé imóvel, ficou olhando sem ver nada, só escutava o som da verdade
nas palavras que fluíam através de sua cabeça. De repente, sua concordância à
demanda de seu marido parecia menos como o caminho sensato e seguro e
mais como covardia. Tinha permitido que Lucien se saísse bem, e isso estava
destruindo a pouca oportunidade que tinham de fazer de seu matrimônio
algo mais que o trato com o diabo que tinha sido à princípio.
Ela olhou o retrato inacabado. Pelo menos, teria suas pinturas. Isto
simplesmente não era suficiente.
Ele merecia algo melhor.
E ela também.
Tirando o avental e dobrando-o com agilidade, colocou-o sobre a mesa
atrás dela, e em seguida cobriu cuidadosamente com um pano o tecido sem
terminar.
—Mais tarde terei tempo suficiente para ti, — murmurou ao retrato. —
Uma vez que recupere meu azul ultramar.
Depois de colocar uma jaqueta de veludo em tons lilás com um chapéu
combinando, apressou-se a descer as escadas e encontrou Billings ordenando
o aparador do salão matinal. A luz aquosa brilhava através das janelas,
refletindo-se na cabeça branca do mordomo.
—Billings, — disse em voz alta da porta.
Ele se voltou.
—Sim, milady?
—Poderia me preparar a carruagem, por favor?
—Certamente, milady. Posso perguntar seu destino?
Colocando um par de luvas de seda cinza, respondeu: —Berkeley Square.
Devo recuperar alguns materiais de pintura da Casa Clyde-Lacey.
O silêncio seguiu à sua resposta. Olhou a forma encurvada de Billings,
surpreendida ao vê-lo congelado em seu lugar, igual a um cervo olhando um
caçador. Bom, pensou ao examinar seu rosto enrugado, possivelmente mais
parecido a um ouriço avistado por um mocho. Parecia estar petrificado, suas
sobrancelhas descendo pela consternação.
—Billings?
Ele encontrou seu olhar.
—A carruagem?
Ele apertou os lábios brevemente, como se quisesse dizer algo, mas
permaneceu imóvel junto ao aparador.
Vitória não gostava de repreender os serventes. Preferia guiá-los através do
louvor e da alta expectativa. Mas de vez em quando, Billings utilizava sua má
audição como desculpa para ignorá-la, frequentemente quando lhe
perguntava pela correspondência de seus irmãos ou quando desejava fazer uso
da carruagem. Ela suspeitava que Lucien tinha algo que ver com isso, mas os
serventes da Casa Wyatt nunca diziam uma palavra contra seu empregador.
Ela se aproximou de Billings, a menos de meio metro dele para poder ser
escutada sem ter que gritar. Não desejava que nenhum dos outros serventes
fosse testemunha de sua reprimenda ao mordomo. Ele precisava impor
respeito no lar para manter sua autoridade.
Mas, honestamente, já era suficiente. Era hora que exercesse certa
autoridade própria.
—Billings, devo dizer, é extraordinário como leva seu trabalho de uma
maneira tão competente, tendo em conta esses momentos quando tem
claramente um grande problema em me ouvir.
A coluna vertebral do homem ficou rígida e ele fez uma careta.
—Milady, eu...
—Ouviste, — continuou cortante. — Eu gostaria que me preparassem a
carruagem. Quero-a na frente já que hoje vou visitar a casa de meu irmão. Por
favor, faça-o agora.
Vários segundos de incômodo silêncio seguiram a esta ordem direta, antes
que ele respondesse a contragosto: —Milady, se estivesse em meu poder
cumprir sua solicitação, faria-o imediatamente. Entretanto, não posso.
Desculpe-me sinceramente.
Ela sacudiu a cabeça e franziu o cenho, os inícios da ira cobrando vida.
—Isto é absurdo. É óbvio que está dentro de seu poder. Basta dizer ao
chofer que necessito da carruagem. O que há de tão impossível nisso?
Billings se encolheu ante seu tom brusco e clareou a garganta.
—Talvez se milady escolhesse outro destino...?
—Por que teria que fazer alguma diferença?
Silêncio. Embora a expressão do homem ficasse de pedra, seus olhos se
encheram de desculpas e algo mais. Algo que parecia muito a piedade.
A ira floresceu com toda sua força quando se confirmaram suas suspeitas.
Lucien havia ordenado aos criados de impedi-la de visitar o Harrison. Ao
recordar a clara falta de correspondência desde o dia de suas bodas, o alcance
de suas possíveis maquinações cresceu, junto com o fogo de seu
temperamento. Harrison tinha escrito, só que suas cartas foram interceptadas?
As cartas dela tinham sido interceptadas?
A resposta chegou quase imediatamente, fazendo-a sentir-se como a maior
das incautas. É óbvio. Lucien não deixaria essas coisas ao azar. A fúria a
encheu como uma nuvem quente, venenosa, disparando sua pele de dentro
para fora.
—Billings, fiz-lhe uma pregunta, — disse claramente.
Seu olhar foi de desculpa quando ele a contragosto respondeu: —Me
ordenou não acatar nenhuma solicitação de visitar a Casa Clyde-Lacey.
—Meu marido o ordenou? — Ela sabia a resposta, mas queria ouvi-lo
dizer.
Ele tragou.
—Não estou autorizado a dizê-lo.
Bom, pensou com amargura, talvez Billings não pudesse dizê-lo, mas sua
reação foi toda a confirmação que necessitou. Não importa, decidiu
rapidamente. Se seu arrogante, insofrível marido pensava que podia ditar
onde ia e quando, tinha um par de coisas para aprender a respeito de sua
obediente e amável esposa. E seu aprendizado começaria neste momento.
—Lorde Atherbourne proibiu que visitasse minha costureira? —
Perguntou ela com rigidez.
—Não, milady.
Ela assentiu e dirigiu ao mordomo um sorriso forçado.
—Então prepare a carruagem. Tenho um desejo repentino de fazer
algumas compras.
Capítulo 25

"Não envolva suas más escolhas com fio dourado e enfeites, e depois espere que
eu elogie-te. Posso ser velha, mas não cega. "
A Marquesa Viúva de Wallingham à sua costureira, ao lhe mostrar um
casaco com um terrível excesso de adornos.

Uma mulher alta, ruiva em um traje de montar de cor verde escura


golpeou o ombro de Vitória enquanto atravessava a estreita entrada de
Bowman na Bond Street. A mulher se desculpou pela colisão, mas Vitória
passou apressada junto a ela com pouco mais que um movimento de cabeça.
Olhou ao redor da pequena habitação da parte dianteira da loja, onde
várias damas estavam sentadas ao redor de uma mesa, murmurando sobre um
desenho de moda. Uma das ajudantes da senhora Bowman, uma moça
curvada com seu cabelo loiro escapando de um coque, colocou de lado a
cortina azul que dava acesso à zona do vestidor. Levava vários cilindros de
tecido.
Na metade do caminho à seu destino, Vitória a interceptou para lhe
perguntar pela senhora Bowman.
—Está na parte de trás, milady. — O humilde acento de Londres da
garota era inclusive mais pronunciado que o da senhora Garner, seus olhos
abertos e assustados. — Procuro por ela?
Vitória assentiu.
—Se pudesse.
—Imediatamente. — A garota fez uma reverência e pôs sua colorida carga
sobre uma mesa perto da janela dianteira antes de sorrir insegura à Vitória e
retirando-se mais uma vez atrás da cortina.
Minutos depois, a senhora Bowman fez uma entrada digna de uma atriz
de Drury Lane, afastando as cortinas e avançando rapidamente para saudar
vitória.
—Ah, Lady Atherbourne. Um prazer inesperado. Encantada de vê-la
outra vez. — Os olhos escuros da costureira caíram e se elevaram ao longo da
figura de Vitória, uma sobrancelha levantada em crítica contemplação. Ela
apontou casualmente o singelo vestido branco e bordado baixo a entalhada
jaqueta que Vitória usava. — Está aqui para, né, melhorar sua seleção de
vestidos de passeio, verdade? — Um dedo comprido e elegante levantando o
pescoço curvado de veludo lilás, deixando-o cair de novo em seu lugar. —
Uma nova jaqueta, talvez?
—Uma nova ...? — Vitória franziu o cenho ligeiramente, e logo sacudiu a
cabeça ante a implicação da costureira. Gostava do desenho de sua jaqueta,
mas à senhora Bowman nunca tinha agradado a cor, e tinha costurado o
objeto com objeções. — Não, na realidade, não estou aqui para comprar
nada. — Ela tomou as mãos da mulher. — Senhora Bowman, quero lhe
pedir um favor.
Normalmente imperturbável, a costureira italiana parecia realmente tão
surpreendida pela abertura de Vitória que falou em sua língua materna.
—Qual é el problema, signora?
—Tem outra entrada que poderia usar? — Vitória ficou nas pontas dos
pés para olhar por cima do ombro da costureira para a parte traseira da loja.
— Talvez na parte posterior, — sussurrou.
A senhora Bowman olhou Vitória e inclinou a cabeça como procurando a
resposta a uma pergunta confusa. A mulher piscou, seu cenho mostrou que
compreendia, e ela assentiu. Puxando as mãos de Vitória, murmurou: —
Venha.
Conduziu-a através da cortina, além da zona de provadores onde duas de
suas assistentes estavam ajoelhadas segurando a borda do vestido de uma
matrona de olhos muito abertos, e finalmente a uma pequena habitação
abarrotada de cilindros de tecido, livros de ilustrações de moda, e um
escritório com uma pilha de papéis. A senhora Bowman recolheu um grande
livro de contabilidade de uma cadeira de madeira e o deslizou para uma
prateleira, agitando para indicar que Vitória devia sentar-se, ela mesma se
sentou em uma cadeira acolchoada de cor vermelha frente a mesa do
escritório.
A costureira passou a mão com ar ausente do lado de seu elegante
penteado, juntou as mãos, e se recostou contra a cadeira do escritório para
olhar Vitória com atenção.
—Você é uma boa cliente, Lady Atherbourne. Mas esta solicitação, é ...
incomum não?
—Oh bem, sim, suponho que sim. Normalmente, nunca lhe pediria algo
assim. Mas temo que circunstâncias extraordinárias exigem respostas
extraordinárias.
—Mmm. E quais são estas circunstâncias extraordinárias?
Vitória piscou, fazendo uma pausa para decidir o quanto dizer à mulher.
E o que precisamente dizer.
—Necessito visitar a residência de meu irmão.
—O duque, verdade? Berkeley Square.
—Sim.
—Por que não vai simplesmente ali em sua carruagem? — A senhora
Bowman fez um gesto em direção à rua, onde estava estacionado a carruagem
Atherbourne esperando sua volta.
—Isto é um pouco complicado.
A mulher assentiu compreensivamente, pronunciando outro "Mmm", e
agitando uma mão indicando que Vitória deveria explicar em detalhes.
Vitória suspirou.
—O chofer não vai me levar lá.
—Mas a trouxe aqui.
—Sim.
—Poderia contratar um carro de aluguel.
—Suponho que sim, — respondeu a contragosto, — se chegar ao meu
destino fosse o único propósito da saída de hoje.
A senhora Bowman de novo assentiu, e logo se sentou em silêncio
olhando Vitória por um minuto completo. Lhe deu vontade de retorcer-se em
seu assento. Mas se não pudesse persuadir à costureira que lhe permitisse o
uso de uma entrada alternativa, veria-se obrigada a abandonar seu plano. E
isso era intolerável.
Finalmente, os dedos da mulher golpearam com firmeza a mesa, e ela
assentiu com a cabeça.
—Seu marido, ele é... amável com você?
Ela pensou por um momento e logo respondeu com honestidade.
—Sim.
—Você o ama?
Vitória baixou o olhar para suas mãos. As luvas de seda cinza tinham sido
um presente de Harrison. E seu marido tinha decretado separá-la dele. De sua
família. De seu irmão.
—Essa não é a pregunta, — disse em voz baixa encontrando o olhar
escuro e pormenorizado da costureira. — A pergunta é, ele me ama? — Ela
tragou para aliviar uma opressão repentina em sua garganta, o peito apertando
um coração dolorido.
A senhora Bowman sorriu de forma misteriosa que frequentemente fazia
antes de dizer algo crítico.
—Os homens podem ser... como se diz? Teimosos como uma cabra?
Vitória franziu o cenho.
—Acredito que quer dizer teimosos como uma mula.
Ela fez um gesto desdenhoso.
—Ora. Mula, cabra. É tudo o mesmo. Não deve confundir a estupidez
com a frieza minha cara. Todos os homens são estúpidos às vezes. Isto não
quer dizer que não amem. — A mulher de cabelo escuro se levantou e tomou
o cotovelo de Vitória. — Venha. Há uma porta que pode usar. — Com isso,
guiou-a através de uma curta série de corredores, logo abriu uma porta verde
para revelar um estreito beco lavado pela chuva, ao longo de um lado do
edifício. — Não se atrase, sim? E quando vier da próxima vez, talvez compre
uma nova jaqueta.
Vitória sorriu à costureira.
—Obrigada, senhora Bowman. Talvez o faça. — Desceu quatro escadas
de madeira, logo deu um passo com cuidado ao redor dos atoleiros mais
profundos, tratando de não respirar o ar pútrido. O beco estava cheio de lixo
de todo tipo. Claramente se usava mais como esgoto que como uma via entre
edifícios. Ao fim chegou à abertura da Bond Street colando-se contra a borda
do edifício e olhando a esquina. Connell estava com o criado que lhes tinha
acompanhado junto à carruagem Atherbourne, a uns dez metros de distância.
Ela calculou sua saída com cuidado, à espera de um grande grupo de jovens e
suas acompanhantes que se aproximavam antes de sair do estreito espaço à
rua, mesclando-se entre os outros pedestres, afim de não chamar atenção. A
cada passo, estava segura que Connell a veria, exigiria que voltasse para
carruagem, iria correndo alertar a Lucien. A ideia lhe acelerou os batimentos
do coração e seus pés. Queria que Lucien soubesse que tinha sido frustrado,
mas não no momento. Não enquanto ainda podia detê-la.
Felizmente, girou na Bruton Street sem levantar nenhum alarme. Voltou
a cabeça para estar segura de que ninguém a seguia, e chocou-se diretamente
contra uma parede óssea alojada em um casaco muito pesado para o clima
temperado do verão.
—Uf! — Levou um momento estabilizar-se e ver com o que tinha se
chocado, que resultou ser um homem bastante desalinhado que levava um
chapéu de aba larga que escondia seu rosto.
—Perdão, milady. Não a vi, — disse sem olhá-la nos olhos. É óbvio, ele
era muito mais alto que ela, mas parecia que tinha pressa, já que rapidamente
a sujeitou com uma mão sob seu cotovelo, retrocedeu e com nervosismo
tratou de evitá-la.
Ela girou quando ele passou, agarrando sua manga.
—Espere! Conheço-o, verdade? Parece-me familiar.
Ele negou com a cabeça e a tirou de seu agarre.
—Nunca a conheci, madam. Deve ir, agora. — Afastando-se com um
andar miserável, o homem alto e magro parecia ansioso para escapar. Mas
agora sabia com certeza o que só uma retratista podia ter: ele era quem tinha
visto nesse dia fora da casa de Jane e que ela suspeitava que tinha a estado
seguindo fazia algum tempo.
—Sei que o contrataram para me vigiar, — gritou. — Isso o deteve em
seco, lhe dando a oportunidade de lhe alcançar. — Tudo o que desejo saber é
quem contratou seus serviços. Foi Lorde Atherbourne?
A contragosto, o homem encontrou seus olhos. Os dele estavam cansados
e vermelhos em um rosto enrugado, não atraente. Parecia como se não tivesse
dormido em semanas.
—Não, milady.
Ela inclinou o queixo.
—Qual é seu nome?
Ele olhou ao redor da rua com desconforto.
—Drayton, madam.
—Quem o contratou, Drayton?
Ele suspirou e esfregou a ponta do nariz.
—Suponho que não importa se o digo, contanto que não volte para
Atherbourne. — Vitória cruzou os braços e lhe lançou um olhar espectador.
—Blackmore me contratou para vigiá-la, milady. Para assegurar-se de que
você não sofresse nenhum dano.
—Meu irmão o contratou? — Ela tinha pensado que certamente Lucien
o havia feito para assegurar-se que cumprisse os seus desejos. A ideia de que
fosse Harrison não lhe tinha ocorrido. — Por que ele simplesmente não veio
me visitar e vê-lo por si mesmo?
Murmurou a pergunta para si mesma, mas Drayton respondeu: —Acho
que o tentou, milady. Umas quantas vezes, de fato. Rechaçaram-no na porta.
Com a comoção inundando-a, observou o despenteado senhor Drayton
mover-se de um pé ao outro, como se necessitasse desesperadamente visitar a
privada. Ele olhou furtivamente ao redor da Bruton Street.
—Tem pressa, senhor Drayton?
—Para ser honesto sim, madam. Devo ir agora. — Ele tirou o chapéu
despedindo-se dela distraidamente enquanto retrocedia afastando-se. Vitória
o observou com desconforto, enquanto ele lançava uma advertência sobre seu
ombro. — Melhor que se apresse, milady. Nunca se sabe com quem pode
encontrar-se na rua. — Dobrou a esquina e desapareceu.
Levando em conta seu conselho, e com vontade de encontrar respostas,
ela não perdeu tempo em atravessar Bruton Street e chegar à Berkeley Square.
Em questão de minutos, estava subindo os degraus da Casa Clyde-Lacey, o
familiar edifício de tijolo e de filas de janelas altas e simétricas causando uma
onda de comodidade e bem-estar. Distraída, quase entrou sem chamar, mas
se deteve com a mão batendo sobre a aldrava. Esta já não era sua casa. O
pensamento era ao mesmo tempo triste e estranho. Chamou à porta e
esperou, trocando seu peso de um pé ao outro, baixando o olhar ao seu
vestido para assegurar-se que não tinha sujado a saia em seu percurso através
do ignominioso beco.
A porta se abriu.
—Lady Vitória! Quero dizer, Lady Atherbourne. Que prazer vê-la.
Vitória dirigiu a Digby, o loiro e engomado mordomo do duque, um
radiante sorriso. Como sempre, o homem estava impecável, sem um cabelo
desconjurado. Tipicamente rígido como um vento do norte, sempre tinha
tido uma debilidade por ela, seus olhos marrons agora brilhando com
genuíno prazer.
—Não quer entrar, milady?
—Obrigada, Digby. — Uma vez dentro, surpreendeu ao homem com
um rápido abraço. Sentia falta dele. Puxou a lapela de brincadeira, do modo
como fazia quando tinha dez anos. — Vejo que ainda não aceitou a oferta de
emprego do Conde de Dunston. Isso é bom para o duque, mas talvez não
muito sábio.
Digby deu uma piscada estranha e respondeu: —Alguém deve evitar que
o reino caia no caos. Temo que esse dever recaiu sobre mim.
Ela riu.
—O duque está aqui? Tenho que falar com ele.
O sorriso do mordomo suavizou em uma expressão de desculpa.
—Temo que Sua Graça saiu milady, e não se espera que chegue durante
horas. Ele ficará muito angustiado por não vê-la.
Seu estado de ânimo desabou ante a notícia, a decepção muchando-a
como uma chuva fria sobre uma barra de pão. Tinha estado tão segura de que
se pudesse chegar à Casa Clyde-Lacey e falasse com Harrison, tudo ficaria
bem. Seu irmão tinha uma maneira de fazer que tudo voltasse a ficar bem.
Sacudiu a cabeça tratando de conter o crescente enjoo de emoção, tratando de
reprimir as lágrimas. Não seria bom chorar diante de Digby.
O mordomo limpou a garganta.
—Bem, suponho que é inútil esperar então. — Ela suspirou, passeando o
olhar pelo vestíbulo de entrada, observando distraidamente as familiares
paredes verdes e o chão de mármore branco e negro. Harrison gostava de
verde. Colin também. Era uma das poucas coisas que tinham em comum.
Ela fez uma pausa e um pensamento lhe ocorreu.
—Digby, Colin está?
Digby vacilou antes de responder: —Sim, acredito que sim milady.
Talvez goste de esperar na sala. A senhora Jones levará um pouco de chá,
enquanto informo a sua senhoria de sua chegada.
E de qualquer jeito, seu ânimo saiu da chuva.
—Seria maravilhoso, Digby. Simplesmente maravilhoso.

O barro salpicou suas botas quando Lucien desmontou, mas apenas se


deu conta. Passou a mão pelo flanco de Hugo e bateu no lombo do cavalo
com afeto. O cavalo castrado assentiu com a cabeça e soprou suavemente.
Lucien sorriu sem nenhuma razão em particular e entregou as rédeas ao moço
do estábulo.
Seus nódulos e suas costelas estavam um pouco doloridos, mas no geral,
sua sorte era muito melhor do que tivesse previsto há um ano. Vitória era
dele. O duque havia sido castigado. Ocupou-se de Chatham. Logo, voltariam
para Thornbridge, e ele se dedicaria em deixar Vitória grávida.
Ante a ideia, a antecipação lhe percorreu as costas. Sim, ele desfrutaria vê-
la florescer com seu bebê. Ela seria uma mãe maravilhosa, carinhosa e suave. E
uma vez que tivesse uns pequenos para cuidar, a própria família, sua
determinação em reunir-se com seus irmãos se desvaneceria. Estava seguro
disso.
Com passo ligeiro e enérgico, entrou em casa chamando Billings. O
curvado mordomo se aproximou arrastando os pés no salão.
—Bem-vindo à casa, milord. Como foi no Jackson?
Lucien sorriu e estendeu a mão com o chapéu e as luvas.
—Muito me animou. Encontrei-me com um velho amigo. Com efeito,
dar a Chatham uma lição sobre os perigos de propagar mentiras havia valido a
pena o dano que o outro homem tinha lhe infligido. Flexionando os dedos
para provar a dor, olhou para a escada em caracol, perguntando-se se Vitória
ainda estaria pintando como quando ele se foi.
—Lady Atherbourne está em seu estúdio?
Billings fez uma pausa, longos segundos se passaram antes que
respondesse.
—Não, milord.
Lucien franziu o cenho, girando lentamente para enfrentar o seu
mordomo.
—Então, onde está? — Perguntou com suavidade.
Tragando de forma visível, o velho se endireitou e respondeu: —Acredito
que está visitando sua costureira.
Algo em sua conduta (o ligeiro tremor em sua voz, a cuidadosa expressão
em branco) fez com que o temor se estendesse dentro do peito de Lucien
como a geada sobre um cristal.
—Levou a carruagem então?
—S-foi, milord.
—E ela só pediu para visitar sua costureira? Nenhum outro lugar?
Billings vacilou.
—Connell é muito consciente de seus desejos, milord. Assegurei-me disso
antes que partissem. Ele não a levaria a Berkeley Square, embora ela desse a
ordem diretamente.
Lucien apertou os dentes, suas vísceras esticando-se em uma onda de ira e
alarme.
—Assim pediu para visitar a Casa Clyde-Lacey, — disse com gravidade.
O mordomo limpou a garganta, mas não respondeu.
—Billings! — ladrou Lucien.
O homem suspirou, a derrota aparecendo em seus olhos.
—Sim, milord.
Maldita seja.
Uma semana, diabos. Isso era tudo o que restava da temporada. Uma
semana mais, e ele a teria levado à Thornbridge. Mas deveria ter sabido que
não ela não renunciaria facilmente, que simplesmente não o esqueceria.
Bem, querida, pensou sombrio quase correndo para recuperar seu cavalo.
Isso é algo que temos em comum.
Porque agora que Vitória era dele, renunciar a ela era a última coisa que
faria.
Capítulo 26

"Os bêbados só são úteis como oponentes em uma partida de whist. Do


contrário, não são melhores que os parasitas que infestam nossas residências. E
devem ser tratados da mesma maneira."
A Viúva marquesa de Wallingham a seu sobrinho ao descobrir sua
associação com o visconde Chatham.

Colin gemeu e se retorceu na poltrona de veludo verde, as palmas de suas


mãos pressionadas contra as têmporas, seu cabelo agarrado entre os dedos
enquanto tratava de escapar do interrogatório de Vitória. Com os olhos
fechados com força para evitar a luz cinza das janelas, queixou-se: —Tem que
gritar, Tori? A cabeça está me matando.
Vitória se inclinou sobre seu irmão, as mãos nos quadris.
—A bebida está te matando. E se não responder a minha pergunta, com
muito gosto vou acelerar o processo.
Um olho azul se abriu e a olhou.
—Qual era a pergunta?
A exasperação escapou de seus pulmões em um forte assobio.
—Quantas vezes Harrison tentou ir na Casa Wyatt?
Ele suspirou, recostando-se ainda mais na poltrona, o polegar e o dedo
beliscando a ponta de seu nariz.
—Não estou seguro. Cinco ou seis.
Cinco ou seis vezes. Era pior do que tinha pensado. Mais que as cartas.
Mais que evitá-la no teatro.
À Harrison tinham proibido a entrada na Casa Wyatt. A casa de Vitória,
por Deus, cinco ou seis vezes.
Ela se ergueu, girou sobre seus calcanhares e caminhou até o outro
extremo da sala. Imaginando a cara orgulhosa de Harrison, imaginando o que
deve ter sentido, pensando que ela o estava tirando deliberadamente de sua
vida. Queria chorar. Gritar. Expandiu-se ao redor de seu coração uma nuvem
turbulenta.
Retornando com largas passadas para ficar frente à Colin, empurrou com
força um de seus ombros.
—E você? — Exigiu com ferocidade.
Ele fez uma careta.
—Pelo amor de Cristo, Tori. Eu o que?
—Tentou me procurar?
Ele sacudiu a cabeça.
—Mas perguntei por ti.
Agarrou-lhe a cada lado do rosto, obrigando seu olhar tortuoso a
encontrar o dela.
— Quando?
Ele pegou seus pulsos e lhe afastou as mãos, vacilante ficou de pé e
empurrou-a suavemente para um lado. A ação o liberou de seu agarre, mas
deve ter sentido uma agonia, porque gemeu lastimamente e deixou cair a
cabeça entre as mãos.
—Talvez pudéssemos falar disto em outro momento, — murmurou.
Ela cruzou os braços e olhou ao desgraçado bêbado que uma vez tinha
sido seu encantador irmão.
—Colin, os momentos em que está sóbrio são poucos e distantes entre si.
Não há nenhum outro momento. Agora, me responda.
Lhe lançou um olhar ressentido, mas ela estava muito além de que se
importasse. Cambaleando dirigiu-se a um sofá no lado oposto da habitação
—Chatham e eu vimos Atherbourne no White’s faz umas semanas. —
Sentou-se com um golpe pouco elegante, suas mãos trêmulas alcançando uma
xícara de chá em uma bandeja que Digby anteriormente tinha colocado sobre
a mesa baixa. — Perguntei-lhe por ti.
—O que ele disse?
Colin tomou um cuidadoso sorvo e em seguida a olhou por cima da
borda.
—Nada. Só disse alguns insultos a Chatham e a mim. — Seu sorriso
parecia mais uma careta, mas tinha uma sombra de satisfação. — Mas
Chatham o respondeu. Sempre o faz. É condenadamente inteligente.
Com as mãos retorcendo-se em sua cintura, ela tragou um nó de dor.
—Perguntou por mim só uma vez em todas as semanas depois das bodas.
—Ele não respondeu, e apenas… — te responde?
A porcelana tilintou quando ele deixou a xícara sobre a mesa e se inclinou
para diante para apoiar os cotovelos nos joelhos. Sua expressão era a mais séria
que havia visto.
—Ele é seu marido, Tori. Ele não pensa permitir que Harrison ou eu lhe
vejamos. Nunca.
—Isso não o pode saber…
—É o que ele disse.
Ela franziu o cenho.
—Pensei que não tinha respondido.
Colin esfregou a mão na cara, e em seguida deixou cair a cabeça para
olhar o chão.
—Foi mais tarde. Ele e Tannenbrook estavam jogando bilhar. Chatham e
eu os ouvimos discutir seus planos para contigo.
—Mas talvez tenham mal-entendido.
Olhos que eram do mesmo azul-verde que os dela procuraram seu rosto.
Estavam tristes, pesarosos.
—Atherbourne disse que só se casou contigo para te afastar de Harrison.
Seu objetivo era privar Blackmore da única coisa que mais amava. Foi seu
plano desde o começo, Tori. Sinto muito.
Uma parte dela já o sabia. Essa voz que desejava silenciar havia sussurrado
uma e outra vez. Tinha escolhido ignorá-la, acreditar que o plano de Lucien
havia nascido da oportunidade, em vez de ser friamente calculado. Por que
importava, não estava segura. Mas importava. Oh, como importava.
Lentamente se afastou de Colin. O ar se rarefez, a luz se tornou cinza. Seus
olhos passearam freneticamente pela habitação procurando uma resposta
diferente, uma que lhe permitisse respirar.
Nunca significou nada para ele.
Não, ele me quer, sei que sim.
Ele te utilizou, e te jogará para um lado, logo que obtenha sua vingança.
Não, por favor. Isso não.

... não vais desmaiar, verdade?

A voz de Colin atraiu sua atenção ao cenho preocupado de seu irmão.


Sacudindo a cabeça, Vitória agarrou o respaldo de uma cadeira próxima e
inalou profundamente, tratando de acalmar sua instável respiração. Isto fez
com que pudesse focar de novo o salão, mas não fez nada para deter a
frenética briga interna.
—Não entendo, — sussurrou dolorosamente. — O que o faria chegar tão
longe?
A seda do sofá rangeu quando Colin se moveu inquieto, em seguida
encolheu os ombros com estudada despreocupação.
—Ainda deve estar zangado pela perda de seu irmão.
—Conhecia Gregory Wyatt?
Tomando o último gole de seu chá em um rápido movimento, Colin
assentiu e deixou a xícara sobre a mesa com um tinido.
—Conheci-o um par de vezes. Um bom tipo. Uma pena o duelo.
Ela se aproximou da poltrona, deixando-se cair desgraciosamente no
assento.
—Por…? Por que foi? Sabe?
Os olhos de Colin brilharam com intensidade. Seu olhar se estreitou.
—Atherbourne não lhe disse?
Ela sacudiu a cabeça.
—Nega-se a falar de seu irmão.
Deixando cair o olhar, Colin se levantou cambaleando e caminhou até as
janelas, olhando para a praça, os braços cruzados sobre o peito.
—Atherbourne, o anterior quero dizer, acusou Harrison de conduta
desonrosa.
Ela olhou irritada a parte traseira da despenteada cabeça loira de seu
irmão.
—Obrigada Colin, — disse com aspereza. — Eu já tinha deduzido isso.
Qual precisamente foi sua acusação?
—Não é para os ouvidos de uma dama.
Vitória soprou com incredulidade.
—Esperas que acredite que Harrison, nosso irmão, o duque de Blackmore
foi acusado de uma conduta tão vil, que nem sequer se pode dizer em minha
presença? Que tolices. Ele está longe de ser perfeito…
Esta vez, foi Colin quem lançou um bufo.
—Ao que sei, Harrison não está isento de defeitos, mas ele é por sobre
todas as coisas, honorável. Além do que, é um duque com uma influência
considerável. Para que um homem o desafiasse a um duelo, deve ter havido
um mal-entendido terrível.
A voz de Colin foi suave, bem apagada, mas lhe ouviu responder: —
Atherbourne não pareceu pensar assim.
Com sua paciência cambaleando, Vitória elevou as mãos e exclamou: —
O que em nome dos céus poderia ser uma questão de honra tão grave, que
um homem morreria por isso?
—Essa é uma excelente pergunta.
As palavras ressonaram como um açoite pela habitação da entrada do
salão. Vitória parou, girou e ficou sem fôlego, sua mão desdobrando-se sobre
seu ventre em um gesto protetor.
—Lucien, — sussurrou sem fôlego.
Ele estava... explosivo. Uma fúria escura acendia seus olhos. Com a
mandíbula apertada e o corpo tenso, arrepiado, entrou ameaçador na sala.
—Respondo-te, querida?
Ela sacudiu sua cabeça.
—Eu…eu não...
Seus olhos se negaram a afastar-se dos dela, queimando através de seu
débil protesto. Ele se deteve justo frente à ela, seu tamanho e proximidade
entristecedores.
—O muito honorável duque de Blackmore seduziu a minha irmã e em
seguida a abandonou para que sofresse sozinha as consequências. Tinha
dezessete anos.
Dor. Tanta dor brilhava nos olhos de seu marido. Lhe formou um nó na
garganta com o desejo de acalmá-lo, seus braços doendo por abraçá-lo. O que
estava dizendo não tinha muito sentido, mas não se podia negar que
acreditava que era verdade.
—Ela não pôde suportá-lo. A humilhação, — disse com voz áspera. —
Ele tomou sua inocência. E ela tirou a vida.
Mais uma vez, Vitória sussurrou o nome de seu marido, tratando de
alcançá-lo. Ele retrocedeu vários passos como se ela estivesse tratando de
machucá-lo.
—Esse é seu modelo de virtude e honra, Vitória. Ele causou a morte de
minha irmã. Depois disparou em Gregory sem sequer enrugar a gravata. —
Lucien se deteve como se precisasse respirar. Um músculo ao lado de sua boca
se retorceu com a emoção. — Em quinze dias, perdi toda a família que tinha.
E seu irmão é o responsável.
Capítulo 27

" Fomos assim parvas quando tínhamos essa idade, Meredith? Acredito que
não. Talvez seja algo na água."
A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Berne ao ver um jovem lorde
cair no lago Serpentine.

Durante todo um minuto, Vitória teve problemas para respirar, para


absorver a acusação de Lucien. Não podia ser certo. Era simplesmente
impossível. O Harrison que ela conhecia era forte, inteligente, com
princípios. Também era uma das pessoas mais controladas que tinha
conhecido, sobretudo quando se tratava de mulheres.
Como Duque de Blackmore, seu irmão representava um extraordinário
partido: bonito, rico e com um título. Ela o tinha visto nas últimas duas
temporadas, defendendo-se dos flertes audazes de uma debutante atrás da
outra, evitando e desviando seus avanços como um gato ardiloso escapando
de sua captura.
A ideia de que fosse envolver-se com uma garota de dezessete anos,
arruiná-la e depois abandoná-la, era tão longe do comportamento habitual do
Harrison que era simplesmente absurdo.
Mas Lucien, ainda de pé com ar lúgubre a uns metros de distância,
claramente o acreditava, igual ao seu irmão Gregory. Para Vitória era confuso,
exasperante. Ela não sabia quase nada a respeito das circunstâncias que
tinham rodeado o duelo, já que Harrison nunca se dignou a falar com ela a
respeito. Nem sequer sabia que Lucien tinha uma irmã, pelo amor de Deus.
Dada a forma desafortunada da morte da garota, era algo compreensível, nem
sequer se sussurravam tais coisas nas boas famílias. Mas, como Vitória podia
esperar desentranhar um matagal como este, quando estava envolto no
segredo da vergonha e no infernal orgulho masculino?
Respirando profundamente, Vitória olhou ao seu marido, lutando contra
o impulso de simplesmente aceitar sua versão dos fatos e envolvê-lo em seus
braços. Sem lugar a dúvidas, seu néscio coração sentia que pertencia a ele,
querendo perdoá-lo apesar de suas feridas profundas, desejando curar as dele.
—Posso ver que crê que Harrison é responsável pela morte de sua irmã…
—, começou com voz rouca.
—Porque é a verdade, — interrompeu ele sua voz baixa e escura.
Vitória apertou os dentes e suspirou.
—Honestamente Lucien, eu nem sequer sabia que tinha uma irmã. Não
crê que poderia ter me explicado a situação um pouco mais a fundo? Sou sua
esposa, apesar de tudo.
Franzindo o cenho, ele deu dois passos longos até ela, lhe provocando um
comichão na pele e que seu coração pulsasse com força uma vez. Duas vezes.
—Sobre isso, — disse com voz sedosa. — Os desejos de seu marido eram
perfeitamente claros querida. Como é que está aqui?
Uma ira justificada floresceu no profundo interior de Vitória, o ultraje
retornando em uma onda feroz.
—Atreve-se a me perguntar isso? Estou aqui para ver meus irmãos. E
graças a Deus vim ou do contrário não teria suspeitado que tinha proibido
Harrison de entrar em minha casa cinco ou seis vezes! — Já na última palavra,
sua voz havia se elevado a um completo bramido.
Soltando fumaça e concentrada no demônio de cabelo escuro que era seu
marido, ela vagamente notou Colin dirigindo-se para a porta do salão. Ao
passar junto a Lucien, ele murmurou: —Melhor que se proteja, Atherbourne.
A última vez que a vi assim, quase perco um dedo do pé.
Sem tirar seus olhos do rosto carrancudo de Lucien, ela apontou a entrada
e disse uma palavra a seu irmão.
—Sai.
Com as sobrancelhas arqueadas e os olhos muito abertos, Colin estendeu
ambas as palmas em um gesto de rendição, saindo da habitação retrocedendo.
—Vou, — disse.
Ao contrário, Lucien não se deixou intimidar pela ameaça de sua ira
inusualmente intensa. Além da mera aflição, ela estava indignada de que
pudesse tratá-la tão insensivelmente, profundamente ferida que não lhe
importasse o suficiente para alterar sua estratégia. Ou ele não se dava conta ou
não lhe interessava a profundidade de seus sentimentos.
Lucien apoiou as mãos nos quadris e inclinou a cabeça quase de maneira
casual.
—Talvez a promessa de me obedecer deveria ter sido eliminada de nossa
cerimônia de matrimônio. Está claro que nunca teve a intenção de cumpri-la.
Ela conteve o fôlego, a incredulidade inundando-a.
—Você… você… insofrível…
—Dou-te crédito pela inteligência…
—… grosseiro, desprezível…
—…mas é hora de que volte aonde pertence.
—…pomposo, imbecil controlador.
Imprudentemente, ele sorriu.

Querida, essa linguagem.

Isso foi o cúmulo.


Vitória chiou até seu ponto de ebulição e, antes que pudesse deter-se, ela
foi em cima com os braços esticados, empurrando seu peito com toda sua
força. Se não tivesse estado tão cega pela fúria, poderia haver rido de sua
expressão boquiaberta.
Igual a um muro de pedra, Lucien era praticamente irremovível.
Entretanto, ao pegá-lo de surpresa, seu ataque físico teve um êxito
surpreendente, fazendo-o tropeçar para trás. Enquanto ela se movia
violentamente, golpeando seus grossos braços e seu peito, os pés de ambos se
enredaram. Lucien perdeu o equilíbrio e com um grande ruído surdo, caiu
sobre seu traseiro, arrastando com ele Vitória ao chão. Ela ficou em cima de
seu peito onde logo procedeu a dirigir seus golpes ao seu rosto.
Ele conseguiu agarrar um de seus braços, mas seu punho direito impactou
diretamente em seu olho esquerdo. Fragmentos de dor atravessaram seus
nódulos já que ricochetearam no osso de sua fronte.
Gritos simultâneos de “Ouch" ressonaram na sala. Vitória lutou por ficar
de pé, obstaculizada por suas saias, puxando o tecido que estava apanhado
debaixo da bota de Lucien. Enquanto isso, ele tocava seu olho lesado,
soltando uma maldição.
Em Vitória a mão palpitava, e se sentia como uma idiota por perder os
estribos tão abominavelmente, mas teve que admitir que sentia uma pontada
de satisfação ao pôr finalmente ao seu marido de joelhos. Ou bem, sobre seu
traseiro. Por fim obtendo sua liberdade, ela parou sobre ele, respirando com
dificuldade, observando-o ficar de pé com dificuldade, uma mão ainda sobre
seu olho. Ele baixou a mão. E o remorso começou. Seu pobre olho estava
vermelho e inflamando rapidamente, especialmente perto da linha da testa.
Retrocedendo uns passos, ela distraidamente esfregou os nódulos. Não
tinha tido intenção de machucá-lo. Não realmente.
—Bom Deus Vitória, — disse ele com incredulidade. — Onde aprendeu
a golpear dessa maneira?
Ela apertou os lábios e levantou o queixo.
—Cresci com dois irmãos. Não é que te importe. — Alisando
energicamente suas saias, continuou com amargura: — Se tivesse êxito, nunca
voltaria a vê-los. O que acreditava que faria, hã? Afirma que Harrison te
privou de sua única família. Esperava que eu sacrificasse a minha sem brigar?
Tentando ele pressionou a pele na extremidade do olho, fazendo uma
careta e apertando a mandíbula.
—Tendo em conta que é minha esposa, esperava que aceitasse meus
desejos.
—Lixo. Sabia que não ia ser assim, ou não teria envolvido os serventes
para te ajudar em seu plano. Diga-me quantas cartas do Harrison Billings
interceptou?
Lucien lhe dirigiu um olhar escuro de baixo de seu cenho.
—Isso pensei, — disse ela com aspereza.
Ele negou com a cabeça, parecendo repentinamente cansado.
—Não desejo falar disto aqui.
—Só posso conjecturar que dá um grande valor ao castigo dos pecados de
Harrison…
—Vitória.
—… mas certamente considerou as consequências para mim. Sua…
esposa. — Ela escutou a tensão, a angústia em sua própria voz, fazendo com
que saísse débil e alta. Queria me castigar também, Lucien? A perda de seu
irmão deve ter sido atroz.
—Alguma vez pensou que poderia experimentar a mesma pena ao perder
o meu? É isso o que queria? Ou era simplesmente uma ferida que estava
disposto a me infligir, sempre e quando pudesse ter sua vingança?
—Vitória basta, — grunhiu.
Ela não podia. Não o faria. Precisava saber.
—Importo-te, embora seja um pouco marido? — Sussurrou.
Ele chiou e se moveu rapidamente para ela, agarrando seus braços antes
que pudesse tomar seu próximo fôlego. Doía fisicamente, porque enquanto
seu agarre fosse firme, também era gentil. Mas oh, como lhe doía que a
tocasse, sentir seus peitos pressionadas contra ele, estar rodeada de novo por
seu calor e odor. Como se estivesse ferida e sangrasse em seu interior, seu
coração se retorceu e se acalmou. Sentiu a cabeça mais leve, seu corpo débil.
Lhe deu uma pequena sacudida.
—Para que isto. Está te alterando sem necessidade.
Ela apoiou as mãos nas lapelas de lã cinza e se aproximou mais a ele. Sua
testa caiu lentamente contra sua gravata. Fechou os olhos com força, as
lágrimas caindo por seu rosto em um quente fio.
Quando falou sua voz foi rouca, afogada.
—Por favor, só me diga Lucien. Importo-te?
Uma longa pausa foi seguida por sua profunda voz de barítono
ressonando por cima de sua cabeça, por debaixo de seus dedos.
—Ele tem que pagar pelo que fez.
A simples declaração foi toda a resposta que necessitou. A escuridão se
abria ante ela, arranhando-a brutalmente, sussurrando e logo murmurando e
em seguida gritando que ele não a amava absolutamente. Que nunca a amou.
Ela tinha sido sua arma. Nada mais.
Estúpida, estúpida.
As mãos de Lucien a acariciavam de cima a baixo, os braços em um
movimento suave, igual a um pai acalmaria seu filho. Um calafrio lhe
percorreu o corpo, e ela se afastou dele. Deixou-a ir, sua expressão
estranhamente fechada, vagamente desesperada. Seus braços permaneceram
esticados durante vários segundos, como se ele não soubesse o que fazer com
eles. Deixou-os cair nos flancos.
Assim foi como Harrison os encontrou, um momento depois, parados em
sua sala, olhando um ao outro. Completamente perdidos.
—Tori? Que demônios está acontecendo aqui?
Lucien e ela se viraram para ver o mais velho de seus irmãos entrando
com grandes passadas na habitação. Ele tirou o chapéu e o entregou a Digby,
que lhe seguia como uma sombra para logo retirar-se sem dizer uma palavra.
Ao vê-lo de novo, tão alto e sólido, suas feições formosas tão familiares,
fez com que Vitória se precipitasse para ele instintivamente. Os olhos de
Harrison aumentaram antes que ele franzisse o cenho e a envolvesse em um
estreito abraço. Com umas lágrimas silenciosas banhando suas bochechas, ela
sussurrou seu nome.
Os braços de Harrison se endureceram e todo seu corpo ficou rígido.
Quando falou, sua voz foi serenamente perigosa.
—Atherbourne, adverti-lhe o que aconteceria se lhe fizesse dano.
Alarmada por seu tom ameaçador, ela negou com a cabeça e secou a cara.
Afastou-se o suficiente para olhar diretamente a Harrison. Tinha a mandíbula
apertada, o rosto pétreo enquanto olhava furioso para Lucien por cima de sua
cabeça.
—Estou bem, Harrison. Simplesmente estou feliz de ver-te. — Seu débil
e vacilante sorriso não fez nada para apagar o sulco de preocupação do rosto
de seu irmão.
—Quem melhor que você para falar de fazer mal a uma mulher
Blackmore, — comentou com frieza.
Ela quase pôde sentir Harrison arrepiar-se ante a implicação. Moveu-a
suavemente para um lado e se aproximou de Lucien.
—Suas acusações têm tão pouca base como as de seu irmão. Se continuar,
é possível que tenha o mesmo fim. Neste momento, fazer viúva a minha irmã
é bastante tentador.
—Economize suas negativas. E suas ameaças Sua Graça, — cuspiu
Lucien. — Ambas se tornaram tediosas.
A cabeça de Harrison se inclinou de uma maneira predadora que Vitória
tinha visto antes, embora raramente em seu digno irmão. Ele podia ser
intimidante, mas este olhar em particular significava uma séria ameaça
bastante alarmante. Ele abriu a boca para responder, mas antes que pudesse
pronunciar uma palavra, ela o interrompeu impulsivamente com a primeira
coisa que lhe veio à mente.
—Harrison, aproveitou-te da irmã de Lucien?
Os dois homens se viraram para olhá-la. Harrison foi o primeiro em
recuperar-se.
—Nunca conheci a moça.
—Mente, — grunhiu Lucien.
Harrison não fez conta, dirigindo sua resposta a Vitória.
—O anterior Lorde Atherbourne me acusou de delitos graves contra ela,
mas não imagino como chegou a uma conclusão tão atroz. Disse-lhe isso...
bom, é óbvio que não me acreditou. — Olhou para onde estava Lucien,
visivelmente soltando fumaça. — Parece que o seu marido tem a mesma ideia
errônea. É desafortunado.
—Um engano, verdade? — Disse Lucien, sua voz uma chicotada. —
Suponho que foi uma mera coincidência que tenham visto Marissa entrar e
sair desta mesma casa em múltiplas ocasiões. Ou que suas cartas se
entregavam aqui durante vários meses.
Em uma incomum amostra de agitação, as fossas nasais de Harrison se
dilataram e sua mandíbula se esticou.
—Que eu saiba, sua irmã nem sequer tinha feito sua estreia.
Vitória piscou.
—Não? Então, como poderia havê-la conhecido?
Os olhos azuis cinzentos de seu irmão brilharam com uma faísca de
irritação.
—Como já disse, não sabia nada dela até o dia em que Gregory Wyatt
irrompeu aqui exigindo satisfação. Inclusive se o tivesse feito, não a teria
tocado. Ela era pouco mais que uma menina.
—Uma menina a qual seduziu e em seguida descartou como se fosse uma
vulgar prostituta, — grunhiu Lucien.
Voltando-se para seu marido, Vitória disse em voz baixa: —E se não o
fez?
O olhar fulminante de Lucien se intensificou e apertou os lábios.
—Fez-o.
—E se está equivocado, Lucien? E se Gregory estava equivocado?
Seus olhos se estreitaram.
—Bem. Quer jogar este jogo? Se estou equivocado, explica sua presença
nesta casa. Não uma vez, a não ser uma e outra. Explica por que ela teria que
entregar suas cartas aqui, se não trocava correspondência com alguém da casa.
—Talvez estivesse visitando outra pessoa. Escrevendo a outra pessoa, —
sugeriu.
A boca de Lucien se torceu em uma brincadeira de um sorriso.
—Deixou uma carta para o Gregory e para mim, sabia? Antes que ela...
morresse. Estava em seu escritório junto a um vaso de flores.
Ela tinha medo de perguntar, mas tinha que saber. Seguir na escuridão
havia conduzido a este... este desastre. Embora provavelmente não gostaria
das respostas, já era hora de Lucien lhe dizer a verdade, por mais feia que
pudesse ser.
—O que dizia?
—Que o homem que amava a considerava indigna do matrimônio. Ela
havia se criado no campo. Era sua primeira visita à Londres. Terrivelmente
pouco sofisticada, já sabe. Preocupava-o que ela pudesse manchar o exaltado
legado Blackmore.
Vitória sacudiu a cabeça confundida e olhou a seu irmão, que lhe
devolveu o olhar com uma expressão igualmente de desconcerto.
—Ela mencionou o nome de Harrison?
—De Blackmore, sim. Ainda convencida de que seu irmão é tão
malditamente puro e justo?
Nesse momento, o repico de botas ressoaram nos pisos de mármore além
das portas abertas da sala. A voz de Colin, um pouco torpe, podia-se ouvir no
vestíbulo de entrada, ecoando quando falou um pouco mais alto.
—Digby, moço. A biblioteca está terrivelmente escassa de brandy. Seja
um bom sujeito e me traga uma garrafa.
Depois, Vitória se perguntaria o que fez com que a ardência de uma
suspeita passasse veloz por sua cabeça nesse exato momento. Duas peças de
um quebra-cabeças que encaixaram com precisão. Uma voz sussurrando: Não
Harrison. Colin.
E quando mais uma vez encontrou os olhos de Harrison, pôde ver que a
mesma voz tinha falado a ele. Quase como se fossem uma mesma pessoa,
giraram para a porta através da qual se podia ver Colin batendo no ombro de
Digby.
Não Harrison. Colin.
Tinha sido Colin o tempo todo.
Capítulo 28

"Há alguns segredos que é melhor que sigam sendo segredos. Não me refiro,
por suposto. A não ser em termos gerais."
A Marquesa Viúva de Wallingham a seu filho, Lorde Wallingham, ao
inteirar-se de seu incrível esconderijo de conhaque francês.

Lucien observou a repentina palidez de sua esposa e seus olhos


aumentados. Tanto ela como Blackmore estavam olhando em silêncio pela
porta aberta para Colin Lacey, que ria de algo que o mordomo havia dito.
Que infernos os tinha tão fascinados? Vitória se voltou para olhar para
Lucien, uma expressão de angústia em seu olhar. O nascente horror e tristeza
que viu emergir ali lhe provocou calafrios.
—O que acontece? — Perguntou imperioso.
Vitória baixou o olhar, encontrou brevemente o de Blackmore, e em
seguida retornou a Lacey. Suas mãos se retorciam em sua cintura, um sinal
claro de sua angústia.
—Por favor, não lhe faça mal Lucien.
Cada músculo de seu corpo se esticou. Lhe estava pedindo que não fizesse
mal a seu irmão. Só havia um problema: referia-se ao irmão equivocado. E ela
parecia genuinamente ansiosa, como se a qualquer momento ele descobrisse
um segredo diabólico sobre Colin Lacey e explodiria de fúria.
Uma escura suspeita se filtrou pela borda de sua mente. Instintos
aperfeiçoados no campo de batalha o levaram a contemplar a ideia de que seu
verdadeiro inimigo não era o qual tinha estado apontando, a não ser outro
muito distinto. Um que não havia considerado anteriormente. Uma parte
dele protestou, recordando a última carta de Marissa em que mencionava
Blackmore. Mas enquanto olhava para Colin, sua redação precisa ecoou em
sua cabeça.
Marissa tinha falado da preocupação de seu amante pelo legado
Blackmore, que era mais próprio do duque que de seu irmão. Por isso
Gregory tinha assumido que Harrison era seu sedutor, e Lucien não o tinha
questionado. Mas ela nunca havia dito ou escrito o nome do homem.
E se realmente fosse Colin, em vez de Blackmore...
Só a ideia lhe deu náuseas, a sala se voltou imprecisa, e a risada do Colin,
débil e afogada. Lucien lutou contra esta nova possibilidade, perguntando-se
se estava voltando a cair na loucura. Mas não. Vitória e Blackmore se
mantinham fixos, congelados em um quadro estranho. Parecia que todos eles
estavam apanhados no mesmo tecido pegajoso, e correspondia a ele
desenredar a confusão. Pelo bem de sua irmã, pelo bem de todos, devia saber
a verdade.
Em questão de segundos, tinha cruzado o salão, entrado no vestíbulo, e
sem deter-se, levou Lacey consigo, fazendo-o retroceder até que ficou
imobilizado contra uma parede, seu antebraço apoiado contra a garganta do
jovem. Lucien observou como o outro lutava e empurrava, seu rosto cada vez
mais vermelho.
—Conhecia minha irmã?
Afogando-se e ofegando, Lacey conseguiu resfolegar: —Tornou-se louco,
Atherbourne.
Lucien agarrou punhados de tecido e pressionou Lacey contra a parede.
—Responda-me maldito seja, — disse entredentes. — Conhecia Marissa
Wyatt?
Lacey tossiu asperamente, respirou fundo e murmurou: —Cuidado com
meu colete. É novo.
A resposta impertinente fez com que uma raiva negra o engolisse. Seus
punhos ao mesmo instante se apertaram, e quase por vontade própria
empurraram Lacey violentamente para cima até que os pés do homem pouco
tocassem o chão.
—Reze para que seu colete seja quão único faça em pedaços.
Ao longe, ouviu Vitória dizer seu nome. Com a cara avermelhando de
forma alarmante, Lacey cuspiu durante vários segundos, e em seguida
assentiu. Lucien afrouxou o agarre e lhe permitiu parar sobre seus pés.
—Conhecia Marissa, — ladrou Lucien.
Lacey tossiu e o olhou turvamente.
—Sim. Por que?
Aturdido, Lucien o soltou e retrocedeu vários passos lentamente. As
paredes de cor verde pálido pareciam mudar e oscilar ao redor dele enquanto
absorvia o que agora sabia que era verdade.
O sedutor de Marissa não tinha sido o Duque de Blackmore. Tinha sido
Lacey.
Gregory tinha batido em duelo com um homem inocente, e tinha
morrido por causa disso. O mesmo Lucien tinha tentado castigar Blackmore,
que só tinha tratado de defender-se. Uma parte dele queria rir do absurdo, da
natureza ridícula de um mal-entendido tão grave. Outra parte queria rugir em
uma agonia de culpabilidade.
Os olhos de Lucien se desviaram para Vitória. Estava estranhamente
imóvel, o rosto pálido e manchado pelas lágrimas, seus olhos cheios de
tristeza, simpatia, e comoção.
Ele a tinha ferido. A sua esposa. A qual deveria ter protegido de todo mal.
Equivocou-se. Equivocou-se tanto.
Blackmore, que tinha estado silencioso e estático, parou diante de seu
irmão, disparando perguntas secas e friamente.
—Quando foi a primeira vez que viu a senhorita Wyatt?
Lacey passou um dedo entre a gravata e a garganta, fazendo uma careta
enquanto tratava de afrouxar o tecido.
—Ano passado. Em princípios da primavera, justo depois que chegamos à
Londres.
—Onde?
Lacey franziu o cenho com rebeldia e cruzou os braços sobre o peito.
—O que importa?
Blackmore avançou pouco a pouco até que parou intimidantemente
perto.
—Porque querido irmão, disfarçaste a verdade por tempo suficiente.
Explica o que aconteceu, — espetou. — É o mínimo que deve a
Atherbourne. E a mim.
Durante um minuto, Lacey olhou a cada um deles, sua expressão fechada.
Em um primeiro momento, Lucien esteve seguro de que o homem se negaria.
Então seus olhos encontraram os de Vitória por um longo tempo. A vergonha
deslizou lentamente por seu rosto como uma sombra. Toda determinação
pareceu abandoná-lo, e suas costas deslizaram pela parede até ficar sentado no
chão, os braços apoiados sobre os joelhos sem forças, a cabeça inclinada em
um gesto de derrota.
—No Hyde Park. Conhecemo-nos no Hyde Park.
Sua voz foi suave, quase sem expressão, enquanto contava a história de
sua relação com Marissa. Como ela tinha estado dando um passeio com a
irmã de um amigo de Lacey, como tinha ficado encantado por sua beleza, e
ela tinha ficado fascinada e adulada por sua atenção. Depois, tinham
começado a escrever um ao outro, organizando encontros secretos, e ela
entrando e saindo escondida de suas habitações na Casa Clyde-Lacey.
—À princípio nós dois estávamos simplesmente desfrutando. Nada sério.
Gostava muito dela. Tão bonita e élfica, como um espírito do bosque.
Lucien passou uma mão pelo rosto e depois por seu cabelo. Marissa
sempre havia sido, como saída de um conto de fadas, com seus traços
delicados e enormes olhos marrons emoldurados por cachos escuros. Seu
sorriso brilhava com assombro inocente, seu excepcional coração aberto e
exposto. Tinha estado tão vulnerável. Era uma das coisas que o tinham
motivado, seu fracasso em protegê-la.
—Mas então ela começou a falar de matrimônio, assumindo que
estaríamos casados no final da temporada. Eu não sabia o que dizer. — Lacey
elevou a vista para Blackmore, sua expressão tão torturada e confusa como a
de um menino pequeno. — Não podia me casar com ela. Eu era muito jovem
para me casar com alguém. Assim menti. Disse-lhe que você nunca aprovaria
o matrimônio.
—Oh Colin, — sussurrou Vitória.
Lacey agarrou a cabeça com ambas as mãos, e a deixou cair de novo.
—Suas cartas seguiam chegando, — murmurou com voz rouca. — Ela
rogava atenção. Dizia uma e outra vez que me amava e não se importava se
Harrison me deserdava. Eu…eu deixei de responder. Deixei de ler suas cartas.
Tornaram-se insuportáveis. Ela queria que eu a amasse, e a simples verdade
era que eu não a amava.
Antes que Lucien pudesse intervir, Blackmore respondeu, sua voz
cortante como um látego com incrustações de gelo.
—Seus sentimentos pela moça eram totalmente irrelevantes. Deveria ter
lhe proposto matrimônio no momento em que sua relação transpassou os
limites da correção.
Lacey olhou a seu irmão ressentidamente.
—Isso é o que voce teria feito, Sua Graça?
—Sim, — gritou Blackmore. — Era o único curso honorável.
Lacey grunhiu com amargura: — Bom, deixo a honra para ti, irmão. Não
pensava perder o que resta de minha juventude no altar com uma garota que
atrevo-me a dizer, teria ficado bem se simplesmente houvesse aceito nossa
separação com graça e esperado sua primeira temporada para apanhar a outro
pobre diabo para casar-se.
As náuseas revolveram o estômago de Lucien, sua garganta esticando-se
em um esforço para as conter.
—Maldito filho da puta, — grunhiu elevando a voz rapidamente a um
rugido. — Ela ia dar a luz a seu bastardo antes ou depois de que este
pretendente fantasma lhe pedisse em matrimônio?
Lacey empalideceu até que se assemelhou à barriga de um peixe, a boca
desmesuradamente aberta enquanto olhava para Lucien. Um silêncio mortal
caiu sobre a sala, o único som, o débil tamborilar da chuva fora da porta
principal. Finalmente, Lacey sussurrou: —Estava grávida?
O escuro e enfurecido olhar de Lucien foi a única resposta que estava
disposto a oferecer.
O outro homem parecia doente, movendo a cabeça com ar ausente.
—Nunca soube. Se ela escreveu para me dizer, não li sua carta. — Olhou
Blackmore, cujo rosto endureceu com desgosto. — Teria lhe proposto
matrimônio, Harrison. Juro que o teria feito se tivesse sabido.
Sem dizer nada, Blackmore se limitou a sacudir a cabeça, em seguida se
separou de seu irmão, suas fossas nasais dilatadas em óbvia repulsão.
—Atherbourne, posso presumir que tem a intenção de exigir satisfação?
Os restos da raiva de Lucien gritaram: Sim! Aniquilarei-o. Ele deve ser
castigado. Mas a maior parte dele se desabou de esgotamento, ficou vazio e
esgotado depois de tudo o que se revelou. Ele estava cansado. Tão
condenadamente cansado.
Sem pensar, procurou vitória. Seu rosto estava sulcado de lágrimas, seu
pequeno nariz avermelhado, seus braços rodeando sua própria cintura como
consolando-se ela mesma. Era doloroso de ver. Ele deveria ser o lugar quente
e seguro para sua esposa. Mas, como recordou outra vez numa anterior
discussão, viu-se obrigado a reconhecer quão profundamente equivocou-se.
Ela tinha acreditado nele. Havia-lhe, para todos os intentos e propósitos,
devotado seu coração. E ele tinha escolhido a vingança em seu lugar. Não
tinha tido intenção de fazê-lo, tinha querido ambos. Esperado ambos.
Como poderá me perdoar? — Perguntou-se.
Por fim, deu a Blackmore a única resposta que pôde reunir.
—Neste momento, minha intenção é sair daqui e voltar para casa. O
resto esperará.
Virando-se para Vitória, perguntou: — Vem comigo?
A crua agonia que sentia enquanto esperava sua resposta quase o fez cair
de joelhos. Os olhos dela procuraram seu rosto, passaram brevemente por
Blackmore e Lacey, e logo retornaram a ele. Ela abriu a boca para falar e a
fechou de novo. Finalmente, olhou as mãos, assentiu em silêncio e se dirigiu
para a porta principal.
Ele a seguiu sentindo-se impotente, sabendo que bem poderia ser a última
vez que aceitasse acompanhá-lo a qualquer lugar, a última vez que pensasse
em sua casa como a casa dela.
Durante os últimos dois anos, enfrentou o fogo de canhões franceses, à
morte de sua irmã e a de seu irmão. Tinha confrontado a um dos homens
mais fortes da Inglaterra, em um intento de vingança. Tinha pensado que o
medo era uma emoção nele que se consumou. Que tolo.
A perda de Vitória era um abismo do qual sua alma nunca retornaria.
Agora cambaleava na beira. E nunca nada lhe tinha apavorado mais.
Capítulo 29

"Como se atreve senhor?! A gente só pode ser considerada uma "intrometida"


se não possuir um julgamento superior ao de todos os outros. O qual, é óbvio, não
é o caso."
A Marquesa Viúva de Wallingham ao Duque de Blackmore, ao ser
acusada de ultrapassar os limites da maneira mais deplorável.

Quatro dias mais tarde, a Casa Wyatt parecia um funeral. O pessoal da


senhora Garner fazia seus deveres como de costume, mas com lentidão,
calados e taciturnos.
—Não vi um ânimo tão desgraçado após o falecimento do amo Gregory,
que descanse em paz, — comentou a governanta à cozinheira enquanto
tomavam o café da manhã.
—Hã? — gritou Billings de seu extremo da mesa na sala dos criados. —
Vai haver uma hospedagem? Por que não me informou?
A senhora Garner fez uma careta de desagrado.
—Maldito Billings, — gritou ela. — esteve silencioso como uma tumba
por aqui nos últimos tempos.
O mordomo assentiu com ar sombrio e seguiu amanteigando seu
pãozinho.
Cook se inclinou para a senhora Garner e murmurou: —Há salmão de
novo esta noite. Sua senhoria veio à cozinha para informar ela mesma. Parecia
um gato ao qual lhe cravaram um pau, toda arrepiada e indignada.
A senhora Garner estalou a língua.
—Homens. Sabia que ontem ele fugiu ao White’s? Ela estava tratando de
falar com o homem, e ele põe esse olhar de pânico em seus olhos, gira sobre
seus calcanhares e sai correndo pela porta. — Ela bufou... — A pobre ficou
ali parada, lutando para conter as lágrimas. É uma pena.
—Parece que o moço não entende a situação corretamente. Por que
simplesmente não lhe dizer que lamenta o que fez?
A senhora Garner dirigiu à outra mulher um olhar irônico.
Cook fez uma careta.
—Tem razão, é óbvio. Alguns homens se separam de suas cabeças, mas
não de seu orgulho.
Tomando um sorvo de chá, a senhora Garner ordenou os miolos do prato
em um pequeno montão no centro.
—Esta é a quarta manhã que tive que limpar o quarto amarelo. Digo-te,
este não é um sinal de um matrimônio em vias de recuperação.
—Seguem dormindo separados, verdade?
A governanta assentiu. Neste momento Emily entrou na habitação, seu
habitual sorriso brilhando por sua ausência.
—Perdão — disse, sua voz baixa e solene quando tomou assento.
—Vê? — disse a senhora Garner. — Sombrio como uma nuvem de
tormenta. Preparem-se para que enviem à velha senhora Garner comprar um
par de metros de bombas negras.
Emily lhe enviou um olhar de desculpa.
—Sua senhoria despertou cedo para poder ver Lorde Atherbourne no café
da manhã. Quando descobriu que ele não tinha intenção de aparecer,
decepcionou-se profundamente. Vestiu-se para sair e disse que se dirigia à
Casa Clyde-Lacey.
Um calafrio de alarme percorreu as costas até a parte traseira do pescoço
da senhora Garner.
—Pediu-te que empacotasse seus baús? — O alívio a inundou quando a
garota negou com a cabeça.
—Mas ela é muito infeliz, senhora Garner. O que vamos fazer se ...?
O silêncio caiu sobre a mesa. Emily fazia a pergunta que nenhum deles
desejava contemplar, mas a qual todos temiam a resposta. E se Lady
Atherbourne abandonava-o? O amo poderia sobreviver? Voltaria a ser o
homem atormentado que tinha chegado à Londres há seis meses?
Billings limpou a garganta.
—Parece-me que alguém toma as melhores decisões quando tem todos os
dados à disposição.
Todo mundo piscou ao olhar o ancião mordomo.
—Talvez pudéssemos ajudar Lady Atherbourne nessa tarefa. — Com isso,
Billings bebeu tranquilamente seu chá e se retirou na sua habitual borbulha
de surdez.
Cook empurrou o braço da senhora Garner.
—Ele tem razão sabe.
Com as sobrancelhas arqueadas, ela olhou com receio a sua amiga.
—Ela deve saber a verdade.
—Já sabe, — replicou a senhora Garner. — Isso é o que a tem tão
rasgada.
—Não toda a verdade.
Cook tinha razão. Lady Atherbourne sabia o esqueleto da tragédia que
havia golpeado a família Atherbourne no ano passado, mas não a
profundidade da mesma. E parecia completamente inconsciente da diferença
que sua presença havia provocado em Lorde Atherbourne e de fato, na Casa
Wyatt.
—Não seria apropriado que ouvisse este tipo de história da senhora
Garner, — disse a senhora Garner.
Cooke passou os dedos sobre a mesa.
—Não, — refletiu. — Mas sim de alguém de sua posição. Alguém que
conheça o amo, e que saiba o que aconteceu.
A senhora Garner piscou, abrindo muito os olhos quando se encontraram
com os da cozinheira. Ao mesmo tempo, ambas disseram: —Tenho uma
ideia. — Logo sorriram uma à outra.
Duas horas mais tarde, a senhora Garner esperava que sua senhoria
chegasse em casa. Seu chaveiro tilintava enquanto se movia sem descanso,
seus olhos olhando pela janela dianteira da sala mais uma vez. Por fim, viu a
carruagem Atherbourne parar em frente da casa, o cabelo vermelho do
Connell brilhando debaixo de seu chapéu.
Geoffrey, o lacaio, abriu a porta e ajudou a dama a descer. Belamente
vestida com uma jaqueta azul escuro e um vestido de passeio de um azul mais
claro, Lady Atherbourne se comportava com dignidade e graça, quase
flutuando enquanto subia os degraus. Mas a senhora Garner podia ver a
tensão da tristeza ao redor de seus olhos, as olheiras e os sinais de palidez pelas
noites de insônia. Era como olhar em uma habitação que necessitava limpeza,
e no que se referia à senhora Garner, era sua missão encarregar-se de arrumar
as coisas. Nenhuma governanta que se aprecia faria menos.
—Ah, Billings, — ouviu dizer a senhora ao entrar na casa tirando seu
chapéu, — seria tão amável de pedir a Donald que ajude Geoffrey? Recuperei
um baú na minha residência anterior e temo que é bastante volumoso.
—É óbvio milady, — disse Billings, sua voz suave e aprazível. Era sempre
tão solícito com ela nestes dias. Velho, surdo, e às vezes esquecido, o
mordomo sem dúvida tinha sucumbido sob seu feitiço, o mesmo com o resto
deles.
A senhora Garner respirou profundamente e tomou este momento como
seu sinal. Entrou no vestíbulo para ver a senhora retirando as luvas com ar
ausente. Sua expressão era triste, seus olhos distantes.
—Milady, trago-lhe um pouco de chá? Nada alivia o espírito como uma
boa xícara ou duas.
Lady Atherbourne ficou olhando-a por um momento, como se tratasse de
determinar quem era e que idioma falava.
—Chá, milady?
Finalmente ela sorriu, mas o sorriso não chegou aos seus olhos.
Permaneceram vazios.
—Isso seria encantador. Obrigada senhora Garner. Estarei em minha sala
de estar.
Donald entrou, fazendo uma vênia ao passar pelo vestíbulo em seu
caminho para fora. Lady Atherbourne o saudou com uma inclinação de
cabeça e subiu as escadas, seu andar tímido e lento.
Com o cenho franzido pela preocupação, a senhora Garner viu subir à
senhora, pensando que pena que as coisas tivessem chegado a este ponto,
dependia de uma governanta arrumar o que estava quebrado.
—Mmm, — murmurou. — Desatinado, é-o. Mas terá que fazê-lo. —
Com isso, se apressou em chegar à cozinha, onde Cook já tinha preparado o
chá.
—Como está?
A senhora Garner sacudiu a cabeça.
—Como um desses fantasmas que rondam os cemitérios.
A outra mulher lhe entregou a bandeja.
—Melhor vê com ela, então.
Cinco minutos mais tarde, a senhora Garner estava frente a Lady
Atherbourne, vendo a senhora escrever uma nota. Ela pôs em ordem a
bandeja que tinha colocado sobre a larga mesa junto ao escritório, fingindo
estar ocupada até que a senhora se detivesse na composição de sua
correspondência. Por fim, a pluma se deteve.
—Billings pediu a Geoffrey e a Donald que ponham seu baú na sala azul,
milady. Esse Donald é muito eficiente. Não há muitas coisas que não possa
levantar, de uma maneira ou outra. Sim, de fato.
A dama suspirou com suavidade.
—Obrigada, senhora Garner.
—Oh, de nada. Caramba, lembro a semana que contratamos o moço.
Deve ter sido a mesma semana que chegou sua senhoria. Esses foram dias
escuros, considero. Lorde Atherbourne não tinha visitado a Casa Wyatt há
algum tempo. O pessoal havia se reduzido à metade. Então, um dia ele se
apresentou. Posso dizer a você que ambos, Billings e a senhora Garner
tiveram uma tarefa difícil em conseguir que este lugar se administrasse de
forma adequada. Mas nós estávamos felizes de fazê-lo.
A senhora Garner observava as reações de Lady Atherbourne
cuidadosamente, notando um repentino sinal de interesse na inclinação de
sua cabeça.
—Chegou sem prévio aviso? — Perguntou em voz baixa.
—Oh, sim. Todo trapos e ossos, parecia que tinha atravessado o próprio
vale da morte. Um espetáculo lamentável para a vista. Lorde Tannenbrook
teve que ajudá-lo a descer de seu cavalo, triste dizê-lo.
Olhos azul-esverdeados se encontraram com os seus, uma faísca de
curiosidade mesclando-se com a simpatia repentina em suas profundidades.
—Lorde Tannenbrook chegou à Londres com meu … com Lorde
Atherbourne?
A governanta fez um exagerado assentimento, então recordou o que havia
dito Cook: Não pareça muito ansiosa para dar a informação, a não ser que
sua senhoria suspeite.
Apontou a bandeja.
—Gostaria que a sirva, milady?
Lady Atherbourne seguiu seu olhar brevemente, e logo sacudiu a cabeça,
claramente impaciente para saber mais.
—Faz quanto… quanto tempo são amigos, sabe?
Deliberadamente apertando a boca ao perceber sua reação, a senhora
Garner franziu os lábios e em seguida disse: —Não poderia dizê-lo, milady.
— Olhou furtivamente para a porta, e depois continuou em um sussurro:
Mas se alguém pode compreender o triste assunto desse momento, seria sua
senhoria. Tannenbrook, quero dizer. Conhece a família há anos, se não me
equívoco. Ele esteve sempre ali. Se houver alguém em quem confia Lorde
Atherbourne é nele, foram unha e carne estes últimos meses.
Observando a sua senhoria animar-se nesse momento, vendo-a fazer a
conexão que a senhora Garner tinha oferecido tão engenhosamente, bem foi
satisfatório, para dizer o mínimo.
—Algo mais, milady?
Estando claramente perdida em seus pensamentos, Lady Atherbourne
sacudiu a cabeça. A senhora Garner se voltou para sair, mas se deteve quando
de repente sua senhora lhe agarrou uma mão. O contraste entre a suave e
branca mão de uma dama refinada e a sua calosa, áspera pelo trabalho, era
descarnado e um pouco embaraçoso.
—Obrigada senhora Garner. Você é a melhor governanta. — Com essa
declaração bastante surpreendente, soltou-a e voltou para sua
correspondência, tirando uma folha de papel, com a qual parecia um vigor
renovado.
Quando a senhora Garner saiu da sala de estar, fechando a porta com
cuidado para dar a sua senhora um montão de tempo para pensar, ela sorriu
para si mesma. Entre as muitas funções que uma governanta devia levar a
cabo, em primeiro lugar estava a manutenção de uma residência antiga e
ordenada. E igual a uma habitação suja, esta desordem em particular, estava a
ponto de ser limpa adequadamente, ou seu nome não era senhora Garner.
Capítulo 30

"Sim, suponho que Londres é fantástica, se a gente prefere respirar ar nocivo e


estar rodeada de sujeira. E isso é nos limitar aos seus residentes."
A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Rumstoke durante um passeio
ao longo do Rotten Row.

A luz de Londres era sempre um pouco fraca, mas hoje era realmente
tênue. A névoa cobria as ruas, fazendo com que o término da manhã se
sentisse mais como o anoitecer. Vitória suspirou enquanto olhava o retrato de
Lucien. Apesar da pouca luz, notou com satisfação que o colete agora era de
um azul intenso, muito atrativo, graças a seu pigmento azul ultramar.
Na semana da confrontação na Casa Clyde-Lacey, tinha visitado seu
antigo lar duas vezes, uma para recuperar seus materiais de arte e outra para
falar com Harrison. Felizmente, Lucien tinha perdido o interesse em lhe
impedir de ver seus irmãos.
Infelizmente também tinha perdido o interesse nela. Depois de voltar
nesse dia à Casa Wyatt, ela tinha se retirado à sua sala de estar necessitando
algumas horas de solidão para digerir o que tinha ocorrido. Lucien não tinha
voltado a tocá-la ou a falar com ela. De fato, ele tinha se trancado na
biblioteca até bem depois da meia-noite.
Ficou dormindo sem ele. Ainda não tinha voltado para sua cama.
Abraçando-se para amortecer um calafrio, aproximou-se das janelas de seu
estúdio, seu olhar perdido no cinza do dia. O estalo surdo das rodas de uma
carruagem podia ouvir-se através do cristal, mas a única coisa que ela podia
ver era a névoa. Era estranho de verdade; saber que algo estava tão perto, mas
ser incapaz de vê-lo. Respirando fundo para tentar acalmar a sensação de
desespero, pôs rígida a coluna. Lucien a tinha evitado durante a última
semana, passando a maioria dos dias fora de casa, suas noites em um dos
quartos de convidados.
Em duas ocasiões o tinha surpreendido em sua saída, tinha tratado de
falar com ele a respeito de Colin e Harrison, discutir o que aconteceria com
seu matrimônio. Em ambas as ocasiões, comportou-se como um estranho:
distante, educado, inclusive aborrecido, tirando-lhe de cima como o faria com
um vendedor de fruta muito agressivo. À princípio, foi compreensível.
Depois, irritante. Agora, ela estava zangada. Se pensava que podia ignorá-la
para sempre, era o maior dos parvos.
Na noite passada foi a quinta noite que Cook tinha servido pescado para
o jantar. Ele não havia dito nada, embora a intenção de Vitória tinha sido
suscitar algum tipo de reação. Tragou saliva contendo uma onda de náuseas.
Inclusive ela começava a cansar-se dessas coisas.
Requeria-se uma mudança de tática, isso era tudo. Ele teria que falar com
ela, maldição. Sim, iam resolver isto de uma forma ou de outra. Deviam fazê-
lo. Do contrário, ela temia muito que seu matrimônio continuaria
deteriorando-se até converter-se em pó. Possivelmente essa era sua intenção,
pensou. Ainda era possível que ele não sentisse nada por ela, que a vingança
tinha sido sua única razão para estar com ela, e ela já não era útil para ele.
Depois de tudo, agora que Colin tinha confessado sua participação na morte
de Marissa, tudo tinha mudado.
Ou não? Lucien poderia, neste momento, seguir com a intenção de fazer
justiça com Colin. Uma parte dela o entenderia se o fazia. O que tinha feito
Colin tinha sido desprezível, e como sua irmã, estava ao mesmo tempo
envergonhada e furiosa com ele. Não só aproveitou-se de Marissa, mas tinha
permanecido em silêncio enquanto Harrison participava de um duelo pelas
consequências de suas ações.
Olhando para trás, estava claro que Colin se sentia culpado pelo
incidente. Suas bebedeiras tinham aumentado dramaticamente durante esse
tempo, e tinha sido uma desgraça a seguir. De verdade, a imprudência de seu
irmão e sua falta de honra tinham posto uma série de desastres em
movimento. E isso era difícil de perdoar, inclusive para as pessoas mais
próximas a ele.
Mas era ele o único culpado? Marissa tinha certa responsabilidade, sem
dúvida. Vitória tratou de imaginar-se a si mesma na mesma situação:
profundamente apaixonada por um homem que a tinha abandonado. Caída
em desgraça. Solteira. Grávida.
Sua mão se moveu à seu ventre.
Ela Vitória, optaria por tomar sua própria vida e a de seu filho não
nascido?
Não, decidiu imediatamente. Nem em um milhar de vidas ela se
entregaria voluntariamente a tal dor fazendo sofrer àqueles que a amavam, ou
privaria a seu filho da oportunidade de nascer. Tão desolada como estaria se
Lucien a tratasse dessa maneira, sempre escolheria a vida sobre a morte.
Marissa fez uma escolha diferente, e isso tinha sido devastador.
A mão que tinha em seu ventre se fechou em um punho. Imaginou um
bebê crescendo dentro de seu corpo. O filho de Lucien. Talvez com seu
cabelo escuro e traços fortes. Uma onda de amor e desejo a percorreu em um
quente formigamento. Endireitando-se, apertou os dentes e levantou o
queixo. Talvez seu matrimônio fosse uma farsa. Talvez à Lucien ela
importava-lhe nada. Mas em algum ponto entre a decisão de desafiar a ordem
de Lucien e decidir acompanhá-lo de retorno à Casa Wyatt, deu-se conta de
que provavelmente ele era o único marido que teria, o único que poderia lhe
dar filhos. Podia ser que não a amasse, mas ele se casou com ela, e não ia
escapar de suas responsabilidades com tanta facilidade. Ele não escaparia dela
com tanta facilidade.
Voltou-se surpreendida quando Billings gritou da porta: —Milady, Lorde
Tannenbrook chegou. Digo-lhe que entre?
—Por favor, Billings. Obrigada.
Ele assentiu e desapareceu. Vitória cobriu rapidamente o retrato e
recolheu seu caderno de desenho da mesa de trabalho. Passou uma mão por
sobre sua suave capa de couro, esboçando um meio sorriso. Se Lucien não
queria falar com ela, ela faria o que devia.
Momentos mais tarde, Lorde Tannenbrook enchia a porta de seu
estúdio… literalmente. Seus ombros roçavam a ombreira de qualquer lado. O
homem era tão grande como uma montanha. Vestido simplesmente com um
casaco de lã de cor marrom escuro, colete verde e calças de montar de cor
canela, ela imaginou que ele preferia usar as cores individualmente. James
Kilbrenner lhe recordava as Terras Altas da Escócia que tinha visitado quando
menina: incondicional, intimidante e inescrutável.
Ela sorriu em sinal de boas-vindas, agradecendo por vir.
Salvo pela forma ligeiramente incômoda que se parecia na porta, era tão
ilegível como sempre.
—Sua nota dizia que Lucien requeria minha ajuda. — Olhou fixamente
ao redor da habitação. — Ele vai chegar tarde, Lady Atherbourne?
Pergunta direta implicava que ela tinha feito algo indevido. Talvez o
houvesse feito. Convidar um homem que não era seu marido para reunir-se
com ela em privado. Mas maldito seja, devia ter respostas, respostas que
Lucien não estava disposto a proporcionar.
Houve um tempo quando simplesmente tinha aceito as regras da
sociedade, desempenhando o papel que lhe atribuíram por nascimento,
posição e expectativa. Mas depois do escândalo, tinha começado a dar-se
conta de quão arbitrário às vezes eram essas normas, em particular para as
mulheres.
Curiosamente, foi seu matrimônio com Lucien que lhe tinha dado
coragem para lutar por aquilo que queria, em vez de permitir aos outros
escolherem seu destino. E se os últimos dias de cortesia fria tinham sido de
alguma utilidade, é que a tinham obrigado a reconhecer o que mais desejava:
ao próprio Lucien.
A esse diabo exasperante, manipulador, galhardo, inteligente, romântico e
asquerosamente bonito.
Ela sacudiu a cabeça, irritada consigo mesma. Nem sequer podia sustentar
uma boa crítica contra o homem em sua própria cabeça.
Tannenbrook tomou seu gesto como uma resposta à pergunta a respeito
de se Lucien se uniria a eles, e se moveu como se se preparasse para ir-se.
—Não estou seguro de que entendo então. Talvez devêssemos esperar
para falar disto até que Lucien esteja disponível.
Ela se dirigiu para o amigo de Lucien, abraçando seu caderno de desenho
contra seu peito com uma mão e fazendo um gesto para um par de cadeiras
com a outra.
—Por favor, Lorde Tannenbrook. Não quer sentar-se e falar comigo?
Prometo que minhas intenções são exatamente as que se descrevem em minha
nota: ajudar ao Lucien.
Uns agudos olhos verdes se encontraram com os seus, estudaram-na
durante vários segundos. Logo lentamente, Tannenbrook entrou na sala, o
golpe dos saltos de suas botas contra o chão de madeira ecoando na habitação
bem vazia. Deteve-se perto da esquina junto à chaminé e ficou ao lado de
uma das cadeiras que ela tinha indicado.
Vitória sorriu agradecida e se sentou, esperando que o gigante loiro escuro
fizesse o mesmo. Enquanto ia sentando na cadeira, perguntou-lhe: —Milady,
me perdoe, mas não lhe preocupa o que seu marido poderia dizer se souber
que nos reunimos em privado?
Ela acariciou a capa de seu caderno de desenho, em seguida o abriu
alegremente e tirou um lápis do bolso de seu avental.
—Um nada, —respondeu ela. — Você está aqui para que eu possa
desenhá-lo. Enquanto o faço, limitaremo-nos a passar o tempo conversando.
— Dirigindo-lhe um sorriso de cumplicidade, alisou uma página em branco e
imediatamente começou com traços largos e amplos de seu lápis, seus olhos
movendo-se rapidamente entre ele e a imagem emergente.
Embora em um primeiro momento ele parecesse surpreso, em seguida
cético, ela vislumbrou o que parecia ser um leve meio sorriso. Bem, bem. O
conde de rosto pétreo parecia conformado, ao menos o suficiente para
permanecer em seu lugar. Isso era bom, porque tinha perguntas que deviam
ser abordadas.
—Quanto tempo faz que conhece meu marido? — Começou
casualmente.
A cadeira rangeu quando mudou de posição, a débil luz das janelas
fazendo coisas interessantes com o sulco de seu cenho.
—Desde que herdou o título. Quatorze anos mais ou menos. As terras
Tannenbrook limitam-se com Thornbridge ao norte.
—Você conhecia seu irmão Gregory também, suponho? E a Marissa...
Os traços do lápis sobre o papel sussurraram no longo silêncio antes que
sua voz profunda e retumbante, finalmente respondesse: —Sim.
—Como eram?
Ele inclinou a cabeça sutilmente, considerando a pergunta.
—Marissa era inocente. Um pouco selvagem talvez, mas como uma corça.
Delicada.
—E Gregory?
—Bom.
Suas sobrancelhas se arquearam interrogantes.
—Bom?
Tannenbrook grunhiu afirmativamente.
—Bom homem. Bom irmão. Bom amigo.
Ela assentiu, percebendo a emoção do conde no que se referia à morte de
Gregory. Para a maioria, seu rosto pareceria inexpressivo. Mas enquanto ela
desenhava suas feições, podia ver mudanças quase imperceptíveis: o desvio de
seus olhos, o tic dos músculos que puxavam para baixo as comissuras de sua
boca. A dor estava ali, só que bem oculta.
—E como descreveria Lucien? — Continuou.
—Isso é mais complicado.
Vitória lutou por um momento com o sombreado da têmpora do
Tannenbrook, centrando-se no esboço. Ele era um tema difícil de capturar
bem, já que seu rosto mudava radicalmente em função da luz, de sinistro a
acalmado, curtido e tosco a surpreendentemente elegante. Era desconcertante,
como se sua identidade mudasse momento a momento.
Voltando para a conversação, lhe perguntou com ar ausente: —Como é
isso?
A cadeira do homem rangeu de novo enquanto se movia.
—A morte o mudou muito.
Os olhos de Vitória voaram para encontrar os de Tannenbrook.
—Refere-se às mortes de Marissa e Gregory.
—Sim. Mas também antes disso. Waterloo. Lucien era um capitão dos
Dragões, a cavalaria pesada. Durante um ataque das forças de Napoleão,
dispararam em seu cavalo. Ele foi apanhado com o cavalo por cima, ficando
inconsciente durante horas. Grande parte de sua unidade foi dizimada. Mais
tarde, foi capaz de unir-se à batalha, e ele mesmo brigou como se sua vida não
significasse nada. Supostamente Wellington disse que Lucien ou possuía uma
coragem extraordinária ou desejava morrer.
O frio cobriu sua pele, causando um estremecimento doentio. Sabia que
tinha sido soldado, sabia que tinha estado em Waterloo, sabia que tinha
lutado com valentia. Mas ao dar-se conta de que quase tinha morrido, que
muitos de seus homens tinham caído em torno dele, e ele tinha sido incapaz
de fazer nada a respeito. Ela apertou os lábios e baixou o olhar para sua mão
onde estava agarrando o lápis em cima de seu esboço.
Sentia tristeza pelos homens que se perderam ou resultaram feridos.
Queria chorar pela culpa que devia ter impulsionado Lucien para arriscar-se
de maneira tão irresponsável. Mas, sobretudo, sentia-se agradecida. Que ele
tivesse sobrevivido. Que a ela tivesse concedido a oportunidade de amá-lo.
A voz de Tannenbrook se introduziu mais uma vez.
—Eu o conheci antes que ele fosse capitão ou visconde, simplesmente era
Lucien Wyatt. Era bom, igual ao seu irmão. Ria o tempo todo. Não podia
parar de fato.
Um dos lados de sua boca se curvou em um meio sorriso. — Gregory o
tentou um par de vezes. Dizia que Luc teria que tomar a vida à sério em
algum momento. — O sorriso se desvaneceu. — E logo Waterloo. Acredito
que se esse tivesse sido o único golpe, poderia havê-lo suportado. Mas
retornou a Inglaterra quebrado, só para descobrir que sua irmã e seu irmão
tinham morrido. Foi... — deteve-se, aparentemente incapaz de continuar.
—Era muito para suportar para qualquer um, — expressou em voz baixa.
Os olhos de Tannenbrook, do verde escuro de um bosque depois do pôr
do sol, converteram-se em cavernas que recordavam a dor do passado.
—Sim, — disse com voz rouca. — Luc se perdeu. A dor o consumiu por
completo.
Vitória segurou seu trêmulo lábio inferior e tragou com força, reprimindo
as lágrimas que ardiam para serem liberadas. Agora não era o momento de
desmoronar. Ela voltou a focar em completar o desenho.
—Como…? — Ela limpou a garganta. — Como se recuperou?
Encontrou a forma de… como dizê-lo? Ser ele mesmo, verdade?
Mais uma vez, a cadeira rangeu quando Tannenbrook mudou de posição.
Ela levantou a vista brevemente, mas ele não encontrou seus olhos.
Parecia muito incômodo.
—Milord?
Desta vez, foi Tannenbrook que limpou a garganta.
—Não o fez.
—O que quer dizer?
Depois de uma longa vacilação, suspirou, resignado ao que parecia.
—Luc estava em muito mal estado.
Ela abriu a boca para pedir mais detalhes, mas ele a deteve com um
severo: —Melhor deixarmos as coisas assim.
Sentindo que era provável que não ia ceder em relação ao amparo da
privacidade do Lucien, ela assentiu com a cabeça e fez um gesto para que
continuasse.
—Fiz o que pude para ajudá-lo. Passamos um bom tempo em
Thornbridge. De vez em quando, parecia que estava melhorando.
Montávamos juntos. Falávamos do imóvel. Mas então ele desaparecia de
novo. Comecei a me desesperar um pouco, temo. — Voltou a cabeça para ver
os traços de névoa flutuando além das janelas. — Sabia que fui o padrinho de
Gregory?
Ela sacudiu a cabeça, mas ele não a viu. Levou a mão ao papel,
sombreando enquanto a luz se movia sobre o rosto do homem.
—Luc é meu amigo. Neguei-me a perdê-lo também. Assim sugeri que ele
pensasse quem procuraria justiça para o Gregory e Marissa se ele morresse...
— Seu olhar voltou para ela. — Foi o quão único pareceu revivê-lo. Nunca o
tinha visto tão cheio de determinação.
Vitória entendeu.
—Deu-lhe uma razão para seguir adiante. Para viver. Por eles.
Suas grandes mãos se fecharam em punhos nos braços da cadeira.
—Durante a maior parte do ano, esta declaração de vingança foi a única
coisa que o manteve inteiro. Eu estava muito preocupado. É por isso que
permaneci em Londres.
Ela ficou olhando seu esboço perguntando-se se o conde de Tannenbrook
sabia como transparente ele era, quando alguém tinha a ideia de estudar seu
rosto com os olhos de um artista. Estava tudo ali: força, lealdade, compaixão.
Segredos.
—Meu imóvel em Derbyshire se encontra em meio de consideráveis
reparações. Depois que ele casou e vi como estavam juntos, pensei que talvez
poderia voltar ali. Fiz planos para ir esta tarde. Então recebi sua nota.
Os olhos de Vitória voaram para seu rosto mais uma vez.
—Por que nos ver juntos aliviou sua preocupação milord?
Ele piscou duas vezes, parecendo confundido.
—Não sabe?
Ela lançou um suspiro de exasperação.
—Por que supõe que lhe pedi que viesse aqui? Não tenho ideia de como
Lucien se sente.
Voltou-se para trás, parecendo desconcertado por seu arrebatamento.
—Talvez devesse falar com ele.
—Lorde Tannenbrook, se por sorte pudesse obter a informação de meu
marido, já o teria feito antes. Ele não quer falar comigo.
O conde parecia agora claramente incômodo, flexionando os dedos, uma
mão atando-se à sua gravata que envolvia seu grosso pescoço. Seus olhos se
dirigiram para a porta.
—Agora bem, — continuou ela com firmeza. — Abordemos o motivo de
minha nota. Lucien queria vingar-se de meu irmão, por isso criou um
escândalo e me convenceu a casar com ele. Depois tentou me afastar
totalmente da vida do Harrison, e deste modo ao mesmo tempo humilhava o
duque e o privava de sua irmã. Tenho razão?
Tannenbrook ficou imóvel, seus dedos agora agarrando os braços da
cadeira. Assentiu.
Ela sorriu tensa.
—Bem. Só tenho mais uma pergunta. Lucien me quer, ou isto sempre se
tratou de vingança e nada mais?
O momento tinha chegado. Sem dúvida, era melhor saber a verdade. As
palmas de suas mãos umedeceram, fazendo escorregar o agarre de seu lápis e
do caderno de desenho. Esta resposta poderia mudar tudo. Seu matrimônio,
sua vida, ela mesma. E ele estava tomando um tempo terrivelmente longo
para responder. O sangue bombeou em seus ouvidos, lhe esticou o ventre, lhe
gelou a pele. É melhor saber, repetiu-se. Se ele simplesmente me dissesse…
Finalmente, ele se inclinou para diante, abriu a boca para falar, fechou-a,
e logo respondeu: —Ele não disse que a ama.
Seu coração rasgou. O sangue abandonou sua pele, causando uma onda
de gelo.
Estava equivocada, pensou. O conhecimento é muito pior que não saber.
É uma verdadeira agonia.
—Entretanto…
Nessa só palavra, todo seu ser se deteve. Sem pensá-lo, ela se adiantou e
agarrou o punho do homem, seu lápis caindo no chão com um suave repico.
—Entretanto?
Ele olhou para onde seus dedos tentavam rodear seu punho. Nem sequer
podiam tomar a metade da circunferência.
—Entretanto, vou dizê-lo: nunca vi Lucien mais feliz desde que se casou
com você. Não em todos os anos que o conheço.
A revelação fez com que seu coração quebrado só momentos antes,
pulsasse com força e desse voltas e realmente saltasse.
—De verdade? — Perguntou sem fôlego.
Uma reação de pleno sorriso transformou o rosto de Tannenbrook.
—De verdade. — Pegou a mão que ainda agarrava seu pulso, retirou
suavemente seus dedos, e a pôs novamente no colo de Vitória.
Ela apenas se deu conta.
—O asseguro, o homem foi um maldito idiota durante semanas. Me
atreveria a dizer que se ele não a quiser, não só é tolo, mas também deve pisar
nas tábuas de Drury Lane.
O sol tinha aparecido repentinamente entre as nuvens. A música tinha
quebrado um longo e solitário silêncio. A chuva tinha chegado à terra
ressecada. Esperança. Havia esperança de novo.
Vitória sorriu ao conde, depois contendo-se para não saltar nos braços do
homem.
—Lorde Tannenbrook, isto foi... não posso expressar... — Esforçou-se
para reprimir as lágrimas. — Bem, talvez o mais simples seja melhor.
Obrigada, milord, você foi muito útil.
Ele inclinou a cabeça e disse: —Não há de que, Lady Atherbourne.
Ela se levantou para vê-lo e ele ficou de pé, seu enorme corpo imponente
na sua altura. Ele pousou os olhos em seu caderno de desenho.
—Terminou então?
Olhou a capa de couro e em seguida a ele.
—Com o desenho? Sim na realidade, sim.
—Posso vê-lo?
Apesar de ter que esticar o pescoço para fazê-lo, ela o olhou nos olhos.
Algo ali parecia-se com o olhar de um menino tímido. Ela sorriu.
—É óbvio. — Voltando rapidamente as páginas até dar com a de seu
retrato, lhe entregou o caderno aberto. Ele o pegou com cuidado em suas
grandes mãos, o rosto escurecido e inescrutável enquanto examinava seu
trabalho. Um ligeiro cenho franzido na testa.
—Algo… algo está errado? — Ela se aproximou mais, colocando-se a seu
lado para poder ver a página ela mesma. — Tive problemas com sua testa,
mas pensei que o fiz bem no final.
—Não, não está nada mau, — disse. — Está bom. O melhor que vi de
fato.
Um estremecimento lhe percorreu o corpo ante o elogio inesperado. Não
era frequente que escutasse essas coisas de ninguém, além de Harrison ou de
Lady Berne. Ficando na ponta dos pés, saltitou de felicidade, sorrindo
radiante ao amável e obviamente perspicaz Lorde Tannenbrook.
A porta da sala se fechou com força, ecoando na habitação.
—Bem, esta não é uma imagem enternecedora, — disse seu marido com
sarcasmo. — Meu melhor amigo e minha esposa.
Capítulo 31

"Não me dirija esse olhar ameaçador, querido moço. Não sou eu a que guarda
segredos. "
A Marquesa Viúva de Wallingham ao conde de Tannenbrook durante
uma discussão particularmente irritante.

Lucien nunca tinha desfrutado matar. Como soldado, tinha sido


necessário às vezes, mas ele não havia sentido nenhum prazer ao fazê-lo. Até
agora. Se imaginou despachando Tannenbrook com a mesma brutal
eficiência que tinha empregado contra os franceses. Foi... satisfatório.
Ver vitória parada a uns meros centímetros de James, sorrindo-lhe com
resplandecente alegria, suas pequenas curvas quase abraçadas pelo homem
muito maior, foi como ácido corroendo suas veias. Fechou os punhos
desejando uma espada, uma pistola, algo para romper a conexão entre eles.
Esse olhar pertencia a Lucien. Ele deveria ser a causa de seu sorriso
angelical. Ele a fazia rir e dançar nas pontas dos pés. Ninguém mais.
—Lucien, — exclamou sua esposa. Uma cor rosa a inundou acendendo
suas bochechas enquanto dava um passo para trás, acrescentando vários
centímetros de espaço entre ela e James.
Melhor, pensou obscuramente. Mas nem de perto suficiente.
—Eu… nós... quer dizer, Lorde Tannenbrook e eu... — balbuciou
Vitória, sua voz um pouco mais alta do que o normal. Algo na expressão de
Lucien deteve sua explicação.
Parecendo incomodo, James colocou o caderno que sustentava na cadeira
atrás dele e dirigiu-se a Lucien, seus ombros retos como se se preparasse para
uma briga nos Cavalheiros Jackson.
—Não seja tolo homem, — advertiu seu amigo. — Ela me pediu que
posasse para meu retrato. A porta estava aberta.
Ele apertou os lábios.
—Ficou sentado para ela. Nada mais?
Inclinando ligeiramente a cabeça, James bufou.
—Um pouco de conversação.
—Conversação. — O tom de Lucien era mortal.
—Talvez devesse ir.
—Talvez devesse ter ido há muito tempo, — replicou Lucien.
James assentiu, esboçando um seco meio sorriso. Seus passos ressonaram
com força na habitação enquanto lentamente se aproximava de Lucien, que
estava na frente da porta fechada. Ao passar deteve-se, batendo com força no
ombro de Lucien.
—Tome cuidado amigo, — murmurou James para que só Lucien pudesse
ouvir. — Faria bem em reconhecer a joia que tem na palma de sua mão,
inclusive se a razão pela qual a possui é menos que nobre.
Com uma última e dura palmada, James saiu fechando a porta com um
suave estalo.
Com os olhos fixos em Vitória, Lucien observou como se movia pela sala,
primeiro à sua mesa de trabalho, depois ao seu cavalete, para logo depois
voltar à mesa. Levando as mãos atrás das costas, desatou e tirou o avental
manchado de tinta, revelando um vestido de manga longa rosa pálido, de
singela musselina.
Seus olhos pousaram em seus peitos, cheios e exuberantes. Estavam
cobertos com modéstia, mas não podia evitar perguntar-se se James os tinha
notado. E como não fazê-lo? Pensou Lucien com um nó no estômago. Ela era
deliciosa.
Sentia falta de sua pele. Seu doce aroma floral. A sensação de seus lábios
em seu corpo. A onda da paz quando ele jazia com a cabeça sobre seu coração,
sua bochecha pousada em seus peitos ruborizados pelo prazer.
Quase grunhiu ante a lembrança.
Ela tampou uma garrafa de vidro de pigmento azul e o colocou
cuidadosamente em uma caixa de madeira. Umas mechas de cabelo
escaparam do singelo coque enrolado atrás de sua cabeça, caindo na passagem
do marco de sua mandíbula.
Ele sentiu esticar-se sua própria mandíbula. O que esperava que fizesse?
— Perguntou-se com amargura. — Como ia se sentir sabendo que planejou
afastá-la de sua família, que a usou para seus próprios fins, e só se arrependeu
quando descobriu que havia focado no irmão errado?
Zangada. Devia sentir-se zangada. E o tinha deixado claro.
Sentiu uma onda de náuseas. Ela tinha servido pescado cada noite da
confrontação na Casa Clyde-Lacey. Primeiro, ela tinha fugido à sua sala de
estar sem dizer uma palavra. Depois tinha dormido sem ele. Logo tinha
comunicado seu descontentamento através do menu do jantar.
Percebendo que ela desejava um pouco de distância, ele tinha se retirado.
Dormiam separados, passavam a maior parte do dia separados, essencialmente
viviam separados. Pouco falavam. Fora os escuros meses depois de Waterloo,
havia sido a pior semana de sua vida.
—É muito afortunado sabe, — disse ela com suavidade, revolvendo um
pincel em uma pequena taça de dissolvente. — Lorde Tannenbrook é um
amigo muito leal.
Lucien cruzou os braços sobre o peito, a irritação arrepiando-o.
—O que significa isso?
Ela passou um pano pela escova limpa, e depois o colocou
cuidadosamente junto a uma fila de outras escovas.
—Simplesmente que parece ter sido uma âncora para ti em meio de
grandes tormentas.
Quando seus olhos se encontraram com os dele, azul esverdeados e
inquebráveis, deu-se conta de que era sincera. Sua honesta avaliação de James
era que tinha sido um amigo incondicional para Lucien. E isso era certo. Mas,
como ia ser para ela?
—Estiveste te reunindo regularmente com ele, verdade? — Perguntou em
voz baixa.
Ela fechou os olhos.
—É óbvio que não. Hoje foi a primeira vez. — Sua expressão se tornou
triste, simpática — Ele me explicou o que aconteceu no ano passado. —
Encheu-o um terror denso e paralisante. Quanto lhe tinha contado James?
—Sofrer tantas perdas de uma vez, — disse ela com voz suave. — Não
posso nem imaginar como o suportou.
O ar escapou de seu corpo, seus pulmões ardendo. Ela sabia. Oh, meu
Deus. Ela sabia da escuridão. Da loucura. Não. Não, não, não, não. Era sua
maior vergonha, sua incapacidade para escapar do fundo negro. Se ela
soubesse...
—Entendo melhor agora, Lucien. Acreditaste que Harrison era o
responsável. A vingança se converteu em seu propósito. Mas agora tem que
ver sem dúvida que este caminho só pode terminar em uma maior destruição.
Para ti. Para mim. Supõe que isso é o que iriam querer Gregory ou Marissa?
Incapaz de sustentar seu olhar, ele se moveu para as janelas, olhando o
redemoinho de névoa cinza. Apoiou as mãos no batente.
—Não era o que ninguém queria, — confessou com voz rouca, — eu
inclusive. — Sua cabeça caiu para a frente, inclinando-se com a tensão de
recordar. — Mas nesse momento foi a única coisa que me permitiu dormir.
Vitória não disse nada, mas seu silêncio estava cheio de compreensão. De
pesar. O roce de seu vestido enquanto se movia pela habitação foi o único
som que ouviu durante muito tempo. Quando por fim ela falou, não estava
mais que uns poucos centímetros atrás dele. Mais perto do que tinha estado
em dias. Ele pensou que possivelmente captou um pingo de sua essência.
Jacinto. Tão doce.
—O baile Gattingford é esta noite. Ainda tem a intenção de me
acompanhar? — Sua voz previamente suavizada pela empatia, tinha voltado
para sua cadência normal e tranquila.
Graças a Deus. Quão último queria era que Vitória o visse paralisado pela
dor ou explodindo em um ataque de ira. Não poderia suportar sua
compaixão. Melhor que o odiasse.
Mas era certo? Se o odiava, ela poderia lhe deixar. Nada poderia ser pior
que isso.
—Lucien?
Seus dedos se fecharam na madeira grafite do batente. Seu peito se sentia
apertado, a dor de seu coração intensificando-se.
Responda-lhe imbecil.
Sentiu-a aproximar-se, sentiu um formigamento de consciência lhe
percorria as costas, curvando-se ao redor de seus quadris e afundando-se em
sua virilha. Tão perto. Ela pousou suavemente sua mão em seu bíceps.
Queimou-o através das capas de lã e linho, marcou-o como de sua
propriedade.
—Lucien, —sussurrou—, vai a…?
—Sim—, disse com os dentes apertados. — É óbvio que vou te
acompanhar.
Um segundo. Dois.
Sua mão caiu. Sentiu-a retroceder, ouviu seus passos suaves retirando-se
pela porta.
—Obrigada — disse ela, sua voz mais rouca que antes, como se estivesse
tendo problemas para formar as palavras.
Deve estar muito ressentida comigo, pensou. E deveria está-lo.
Acompanhá-la ao segundo Baile de Gattingford da temporada era o mínimo
que podia fazer. Seria a peça final na restauração de sua reputação. Ele não era
o marido que merecia. Mas podia cumprir pelo menos uma promessa que lhe
tinha feito. Era um risco. Ela só se casou com ele para resolver o escândalo.
Depois desta noite, isso já não seria uma preocupação. Ela não teria mais
necessidade dele.
Limpando a garganta, lhe chamou a atenção mais uma vez.
—Jantaremos aqui antes de sair. O que oferece Lady Gattingford é
simplesmente horrível. — Fez uma pausa. — Cook tinha planejado servir
eglefino, acredito.
Ele fechou os olhos. Pescado de novo. Bom, vendo o lado bom, supôs que
para Vitória ainda lhe importava o suficiente para estar zangada. Era um sinal
de esperança.
—Entretanto pedi-lhe que preparasse pato assado em seu lugar. Seu
molho de brandy é excelente.
A porta estalou quando ela saiu da habitação.
Possivelmente "esperança" tinha sido um pouco prematuro, pensou
ironicamente. Inclusive tinha renunciado a seus intentos transparentes para
castigá-lo. Só podia concluir uma de duas coisas: ou estava começando a
perdoá-lo, ou já não lhe importava nada.
Sua cabeça caiu quando o desespero o invadiu. Esteve se perguntando
durante dias como fazer para mantê-la em sua vida. Ele sabia que ela não ia
divorciar-se, nunca mais voltaria a convidar a tais escândalos, mas com a
ajuda do duque, poderia viver afastada com tranquilidade e comodidade.
Separada dele. Para sempre.
Estava disposto a suportar e aceitar sua ira, preparado para advogar por
seu perdão. Mas se tivesse destruído qualquer afeto que sentisse por ele, se ela
não pudesse amá-lo, nada disso importaria.
Passeou o olhar pela habitação com ar ausente. Paredes azuis. Chão de
madeira. A primeira vez que tinha entrado no estúdio de Vitória, tinha ficado
surpreso. Nada de sua irmã permanecia aqui, nem o relógio de bronze sobre a
chaminé ou a mesa onde tinha colocado um vaso de pétalas de rosa. Nem
sequer a mancha de seu sangue no chão. Agora a habitação era totalmente de
Vitória. Isso era bom, pensou. Melhor recordar Marissa em outro lugar, talvez
no jardim traseiro de Thornbridge.
Um inesperado sorriso apareceu em sua boca. Tinha sido uma coisa
selvagem, sua irmã. Seus vestidos sempre tinham estado manchados com a
água da chuva, com pasto, e com a sujeira dos lugares que amava explorar. Ela
tinha o costume de perambular pelo bosque, passeando junto ao riacho que
atravessava suas terras. Dizia que era a única vez que se sentia completamente
em paz.
Ele piscou e sentiu uma lágrima descendo por seu rosto.
—Está em paz agora pequena?
Era uma pergunta que suspeitava que se faria pelo resto de sua vida.
Inclusive se Colin Lacey fosse castigado. Inclusive se Blackmore sofresse por
matar Gregory. De alguma maneira sabia que nada disso nunca seria
suficiente, porque não podia desfazer o que tinha acontecido.
Limpando o rosto, perambulou lentamente pela sala. Sim, era o lugar de
Vitória agora. Ela o tinha feito dela.
Seus olhos pousaram nas cadeiras junto à chaminé vazia.
Com o ressentimento surgindo, recordou entrar na habitação antes, vê-la
e a Tannenbrook juntos. Vitória tinha pedido a James que posasse para ela.
Não a Lucien. Ao James. Por que? O que havia tão cativante sobre o maldito
James Kilbrenner que ela simplesmente tinha que desenhar ao maldito
gigante?
Ao ver seu caderno de desenho descansando sobre uma das cadeiras,
recolheu-o com brutalidade e abriu a capa de couro marrom.
Sua respiração se deteve, o coração girando dolorosamente. Não era
James. Era ele. Lucien. Estava sentado junto a uma janela, o rosto ainda
fechado e triste. Vazio. Perdido.
Passou os dedos suavemente sobre o esboço, riscando o caminho que essas
mãos delicadas tinham esboçado. Ela devia tê-lo desenhado de cor. As formas
eram excelentes, seus traços audazes e confiados. E, entretanto, não era
simplesmente a técnica. O retrato era sensível e matizado, sua empatia por sua
pessoa incrustada no sombreado de luz e escuridão, a inclinação baixa de seu
queixo, a vulnerabilidade de sua mão, que estava aberta e vazia no braço da
cadeira. Uma artista bem-dotada, sua esposa.
Foi à página seguinte, seus olhos aumentando pela surpresa.
Era ele de novo. Desta vez, estava deitado em sua cama, sua boca curvada
ligeiramente para cima enquanto dormia, o lençol enrolado ao redor de seus
quadris. O devia ter desenhado depois que fizeram amor.
Outra página, outro retrato dele. E outro. E outro. Dúzias, de fato.
Tinha lhe desenhado em cada pose concebível: nu e vestido, rindo e
melancólico, contemplativo e apaixonado. Ela tinha feito estudos de toda sua
figura, detalhados esboços de suas mãos, de seus olhos, dos contornos de seu
peito. Parecia especialmente fascinada com a metade inferior de seu rosto:
lábios e mandíbula.
Sentiu-se sorrindo como um parvo. Um tolo apaixonado por sua esposa,
descobrindo que talvez, só talvez ela sentia o mesmo por ele. Tragou saliva,
quase com medo de acreditar.
Ao chegar à última página, viu o retrato que tinha feito hoje, o de James.
Os traços curtidos e francos de seu amigo estavam longe de ser formosos, mas
Vitória havia conseguido captar a aguda inteligência na nitidez de seus olhos,
a obstinada determinação na dureza de sua mandíbula, a escuridão secreta nas
sombras de sua testa. Era uma brilhante representação do homem.
Mas uma coisa não mostrava: o entusiasmo do artista com seu sujeito.
Cada desenho de Lucien estava impregnado de adoração. Pelo menos, a pura
quantidade o demonstrava.
Sentindo-se mais esperançado do que se sentiu em semanas, deixou o
caderno de desenho de Vitória em sua mesa de trabalho. Foi então quando
viu seu cavalete coberto com um tecido grande, provavelmente para proteger
a pintura do pó.
Curioso, levantou o tecido, dobrando-o com cuidado para revelar ...
A ele mesmo.
Ou bem, uma versão mais magnífica de si mesmo.
Com o coração golpeando dolorosamente dentro de seu peito, Lucien
ficou olhando seus próprios olhos e de repente compreendeu.
A mulher que pintou isto a via. Conhecia-o até mesmo sua alma. E ela o
amava profundamente. Não poderia ter sido mais claro.
Girando e inclinando-se, seu mundo mudou, expandindo-se para incluir
este novo conhecimento. A alegria, preciosa e frágil, surgiu de uma parte de si
mesmo que havia acreditado perdida.
Ela o amava.
Mas o perdoaria? Pela primeira vez, deu-se conta de que poderia ser
possível. Poderia ganhar seu perdão. Poderia recuperar sua confiança.
Estava longe de estar garantida. Pouco provável, possivelmente. Mas havia
uma possibilidade.
E nada mais importava.
Capítulo 32

"Os limões são ácidos. Requerem uma quantidade igual de doce para serem
agradáveis ao paladar. Talvez não tenha ouvido isso, querida."
A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Gattingford depois de beber
involuntariamente a limonada da dita dama.

Chegaram ao baile Gattingford em meio de uma explosão de murmúrios.


Vitória apertou o braço de Lucien um pouco mais forte quando foram
anunciados, lutando com um repentino ataque de nervos.
Deu uma olhada a seu vestido. A seda azul pavão brilhava sob o
resplendor das velas, os bordados de prata com o passar do sutiã refletiam a
luz. O decote era quadrado e mais baixo que o de um vestido de dia, mas
perfeitamente respeitável para a noite. Nada arruinava a superfície do tecido,
graças aos céus. Por um momento, havia se perguntado se era por isso que
muitas pessoas estavam olhando.
Um corpulento cavalheiro bateu em seu braço, obrigando-a a apertar-se
ainda mais contra o flanco de seu marido. Havia uma imensa multidão, com
apenas espaço suficiente para respirar, e dezenas de olhos estavam sobre ela.
Lucien percorreu a multidão com um fulminante olhar de mando como
se desafiasse os curiosos a insultá-los. Seu braço deslizou ao redor de sua
cintura.
—Devem haver se dado conta de quão preciosa está querida, — sussurrou
perto de seu ouvido. — Já estão comentando sobre isso.
Ela o olhou, surpreendida pela intimidade. Seus olhos brilhavam de uma
maneira que não tinha visto em mais de uma semana. Uma mecha de cabelo
negro caía sobre sua testa, provocando que uma tensão de desejo lhe corresse
pelo braço até a ponta de seus dedos.
Vestido com um traje negro perfeitamente feito à mão, suavizado só pelo
branco puro da gravata, ele era seu anjo da escuridão mais uma vez. Queria
beijá-lo ali mesmo, diante dos olhos da alta sociedade.
Antes em seu estúdio, tinha estado quase temerosa de ter esperança,
muitas perguntas ainda não tinham respostas. Lucien procuraria retaliação
pelas ações de Colin? Seu amor por ele sobreviveria se machucasse seu irmão?
Ele realmente a amava, ou simplesmente tinha estado agradado com ela e
satisfeito com seu plano?
Enquanto o tinha contemplado da janela, ele olhando a névoa, ela sabia
duas coisas: Ela queria um matrimônio real com Lucien. E se ele não a amava,
não poderia deixar de lado sua animosidade para com sua família, havia
muito poucas possibilidades disso. Havia cambaleado na estreita beira entre a
esperança e o desespero, olhando a seu marido combater seus demônios.
Agora, sentindo a conexão com ele livre outra vez. Era muito alentador.
Ela suspirou e inclinou para cima seus lábios procurando os dele.
—Lady Atherbourne e Lorde Atherbourne. — A voz aguda de Lady
Gattingford se introduziu. — É esplêndido tê-los aqui.
Maldição. Honestamente o oportunismo da mulher era horrível.
Ela se aproximava deles pela esquerda, uma figura robusta bem alta com
uma leve corcunda perto dos ombros, acompanhada por Lorde Gattingford.
O homem era da mesma altura, mas muito mais magro, pálido e de nariz
aquilino, usando um colete de uma desafortunada cor amarela brilhante.
Vitória conseguiu esboçar um sorriso.
—Lady Gattingford, obrigada pelo convite. Seu baile parece um êxito
estupendo.
A morena grisalha enrugou o nariz em um gesto estranhamente juvenil.
—Uma multidão enlouquecida, atreveria-me a dizer.
Enquanto Lorde Gattingford e Lucien se envolviam em uma discussão de
cavalheiros, a respeito dos benefícios de uma boa suspensão nas carruagens,
Vitória se afastou com Lady Gattingford.
—Agora bem, — disse a mulher mais velha, sua voz baixa e em um tom
de confiança, como se fossem amigas de toda a vida. — Lady Berne me
informou que a apresentou a uma nova costureira. A senhora Bowman. Tem
que me contar a respeito dela.
As sobrancelhas de Vitória se elevaram e seus olhos aumentaram pela
surpresa, não porque Lady Berne tivesse compartilhado uma intriga assim,
mas porque Lady Gattingford estava sendo bastante agradável. Considerando
que a última vez que a tinha visto, a matrona esteve entretendo a uma
multidão com os defeitos morais de Vitória, isto era nada menos que
milagroso.
—Eu... bem, sim. Certamente. — Durante vários minutos, falaram dos
notáveis talentos de uma certa costureira italiana. Vitória permanecia
desconcertada ante o agradável comportamento da mulher. Depois de ser
convidada ao sarau Gattingford, tinha esperado cortesia talvez. Em seu lugar,
era como se o escândalo nunca houvesse existido.
Do mais estranho.
—Milady, fiquei encantada em receber seu convite, embora deva dizer,
foi um pouco surpreendente.
As sobrancelhas da mulher se arquearam.
—Ah, refere-se pelo do... — Fez um gesto indicando as portas do terraço,
e logo estalou a língua e moveu sua mão para trás e para frente com desdém.
— Tolices. Minha querida Lady Atherbourne, lamento que mal entendi os
eventos ocorridos na última vez que esteve aqui, mas felizmente já soube a
verdade de sua situação.
—A… sabe?
Ela assentiu com a cabeça, olhando por cima da multidão como uma
rainha o faria com seus súditos.
—Com efeito. Lady Wallingham foi muito informativa. — Lady
Gattingford abriu seu leque de renda com um movimento de seu punho e
dirigiu à Vitória um sorriso de lado. — Devo dizer, Stickley parecia da classe
robusta. Ninguém suspeitaria de seu pequeno problema, mas graças a Deus o
querido Atherbourne foi tão persistente.
—Hum…problema?
Uma sobrancelha se arqueou e o olhar da dama se desviou para seu dedo
menor, que estendeu-se reto para fora do leque de renda. Lentamente, o dedo
se curvou para baixo.
—Uma muito desafortunada enfermidade isso é certo, — sussurrou.
Ao dar-se conta de repente do que a matrona se referia, Vitória ruborizou.
—Lady Wallingham lhe disse isso? Sobre Lorde Stickley?
O leque se moveu com energia.
—Oh, não se preocupe. Sou a alma da discrição. Além disso, tudo isto
funcionou bastante bem para você, não? — Assinalou com o leque na direção
de Lucien. — Um jovem tão arrumado. E pensar que a amava tanto, que não
podia suportar estar separado de você. Vá, agita-me o coração. É óbvio, há
quem nunca entenderá o canto da sereia de um grande amor. Lady Rumstoke
e Lady Colchester não teriam experimentado, porque como poderiam fazê-lo?
Eu, pelo contrário, fui bendita de havê-lo conhecido. Igual a você, querida.
— Suspirando de emoção, ela pressionou seu leque contra seu coração
enquanto olhava na direção de um certo colete de cor amarelo brilhante. —
Não é ele o homem mais bonito que já viu?
Vitória se virou e viu Lorde Gattingford de pé junto a Lucien. Inclusive
agora, seus olhos encontraram-lhe como se fosse um ímã.
—Sim, —disse em voz baixa. — É-o.
A conversação terminou quando uniu-se a elas Lady Wallingham e Lady
Berne, ambas vestidas em seda tom rubi. Lady Wallingham não esperou
muito tempo para fazer Lady Gattingford fugir apressadamente.
—Quem poderia suspeitar que tanta gente ainda estaria na cidade para
vir, não? Estou segura de que você teria disposto assentos adicionais se
houvesse sabido, verdade? — O tom de superioridade e a altiva inclinação do
queixo do dragão fizeram com que a anfitriã se desculpasse e escapasse
velozmente por entre a multidão, presumivelmente em busca de mais
cadeiras.
Com um movimento, Lady Wallingham desdobrou o leque de seda que
pendurava de seu punho, examinando Vitória com olhos ardilosos.
—Acredito que a vitória é nossa, querida. E satisfatória, além disso.
Lady Berne sorriu e assentiu com a cabeça.
—Todo mundo está dizendo que casal tão formoso fazem você e Lorde
Atherbourne. Que é fácil ver que foi amor que os uniu.
Vitória pôs uma mão em seu peito, dando-se conta de que tinham razão,
o escândalo tinha terminado. Certamente, ainda haveriam aqueles que
recordariam, e sussurrariam a respeito. E Lorde Stickley não poderia perdoá-
la, sobretudo tendo em conta os novos rumores que o dragão tinha difundido
sobre ele. Mas ela e Lucien tinham sido aceitos de novo na sociedade. E tinha
que agradecer a Lady Wallingham e a Lady Berne.
Começou com Lady Wallingham.
—Milady, não sei como expressar a profundidade de minha gratidão, —
começou ela impulsivamente tomando as mãos do dragão entre as suas. Ela
estava ligeiramente impressionada como frágeis e pequenas se sentiam. —
Sem seu apoio e conselho sábio, isto certamente não teria sido possível.
Momentaneamente surpreendida, Lady Wallingham congelou e ficou
olhando Vitória. Lady Berne empurrou o ombro de sua amiga.
—Talvez um simples 'de nada' seja suficiente, Dorothea.
Ao dar-se conta que Lady Wallingham estava desconcertada pela
intimidade, Vitória afrouxou suas mãos imediatamente. Mas a anciã a agarrou
e apertou seus dedos suavemente antes de liberá-la.
—Tem que vir me visitar no castelo Grimsgate, — declarou com
arrogância. — É o mínimo que pode fazer. Traga esse descarado com o qual
se casou.
Vitória sorriu e assentiu com a cabeça.
—Será um prazer, milady.
Virou-se e abraçou Lady Berne sussurrando: — Eu não poderia ter
pedido uma melhor amiga.
A diminuta e arredondada mulher inalou e logo se retirou para mostrar
um sorriso franco à Vitória.
—Estou tão incrivelmente feliz por ti, querida menina.
Durante a seguinte meia hora, seu triunfo foi confirmado quando Vitória
foi recebida calorosamente por várias patronas do Almack, levada de um lado
para outro para uma amigável conversação com um grupo de debutantes
(incluindo as gêmeas Aldridge) e receber felicitações por seu vestido sete vezes.
Ela não tinha sido tão popular nem mesmo antes do escândalo. A
influência de Lady Wallingham era potente, na realidade.
Ao chegar à mesa de refrescos, ela suspirou de alívio. O calor e a
proximidade do baile eram absolutamente sufocantes. Inclusive a terrível
limonada de Lady Gattingford parecia tentadora. Serviu-se de um copo e
bebeu, desejando ter pensado em trazer um leque.
—Ofereceria-te sair ao terraço, — sussurrou ao ouvido uma voz escura,
— mas não quereríamos voltar a dar o que falar as más línguas, verdade?
O estômago deu um pequeno puxão de emoção. Um formigamento a
percorreu dos braços até o pescoço. Lentamente, Vitória deixou o copo sobre
a mesa e se voltou.
—Lucien, — murmurou com suavidade.
Seus olhos, aqueles formosos olhos da cor das nuvens de tormenta,
brilhavam e se enrugavam nas extremidades, enquanto lhe dedicava um
malicioso meio sorriso. Quase imediatamente, entretanto, o sorriso de Lucien
desapareceu e seu olhar se afastou quando escutaram um anúncio na entrada
do salão de baile.
Seu coração desabou, o peito lhe contraiu dolorosamente enquanto ela
dava a volta para ver o homem que nunca tinha esperado que viesse aqui, de
todos os lugares.
O que está fazendo? Por favor Deus. Por favor. Não deixe que esta noite
se converta em um desastre.
Sentiu Lucien afastar-se, e depois de um momento de vacilação, ela o
seguiu. No momento em que chegou ao seu lado, ele já estava de pé diante de
seu irmão.
Luzindo frio, composto e bonito com sua jaqueta e calças escuras,
Harrison saudou Lucien com um simples e conciso: —Atherbourne.
A multidão ao redor deles ficou olhando em silenciosa antecipação. Se
atacariam um ao outro? Um dos homens emitiria um desafio que terminaria
em violência? Inclusive Vitória não sabia. Longos segundos se passaram nos
que ela tratou de pensar em como acautelar a iminente confrontação. Poderia
saltar entre eles, mas isso poderia piorar as coisas. Poderia afastar Lucien com
um puxão, talvez. Ou saudar Harrison como se nada estivesse errado. No
melhor dos casos, poderia atrasar o inevitável, mas ao menos economizaria a
todos eles uma briga dolorosamente pública. Decidindo que devia tomar
medidas, enlaçou o braço ao redor do de seu marido e disse seu nome em voz
baixa.
Seu outro braço se esticou para a frente sem aviso prévio, fazendo com
que Harrison franzisse o cenho e baixasse o olhar para o aperto de mãos que o
esperava.
—Sua Graça — disse Lucien, sua voz forte, sua mandíbula determinada.
Harrison agarrou a mão que lhe oferecia, aceitando a trégua com uma
cortês inclinação de cabeça. O aperto de mãos não durou muito tempo, mas
não teve que fazê-lo. Os ofegos da multidão ecoaram de seu próprio
assombro.
Conscientemente fechando a boca, ela girou seu olhar rapidamente entre
o duque e seu marido. Dois dos homens que mais amava no mundo.
Seu irmão se inclinou para ela e tomou suas mãos.
—Vitória, estás formosa esta noite. Confio que esteja bem?
Com lágrimas brotando inesperadamente de seus olhos, ela sorriu a
Harrison e assentiu.
—Estou. — Olhou à sua direita, onde estava seu marido com uma
expressão indecifrável. — Estou melhor do que já estive em muito tempo.
Atrás deles, as primeiras notas de uma música começaram. Harrison
perguntou a Vitória se gostaria de dançar, e ela procurou imediatamente a
reação de Lucien. Lhe dirigiu um meio sorriso e lhe disse: —Vá e dance
amor.
Ela tomou o braço de seu irmão. Enquanto abriam caminho através de
uma fileira de corpos até a pista de baile, Harrison lhe perguntou em voz
baixa: —É realmente feliz, então?
Ela considerou a pergunta. Era feliz? Depois de tudo o que tinha
ocorrido, tudo o que Lucien fizera para prejudicar sua reputação, e depois sua
relação com sua família?
—Sim, — respondeu finalmente. E era verdade. — Nosso matrimônio
está longe de ser perfeito, igual a mim, mas estamos conectados… unidos um
ao outro de uma maneira que não posso explicar. Eu o amo. Isso me dá
grande esperança para o futuro.
Harrison assentiu e se deteve na beira da pista de baile, olhando de frente
aos bailarinos enquanto se reuniam na formação adequada para a dança em
grupo.
—Ele me pediu que viesse esta noite sabe.
—Sério?
O assentiu.
—Surpreendeu-me, também. Mas sempre e quando seu único objetivo
for assegurar que você esteja contente, então teremos poucos desacordos. —
Quando voltou a falar, sua voz foi inusualmente débil. — Isso é tudo o que
queria para ti, Tori. Que seja amada como merece. — Limpou a garganta
antes de continuar. — Se alguma vez me necessitar, não tem mais que dizê-lo.
Sempre estarei à sua disposição.
Oh, agora ele ia realmente convertê-la em um vaso para regar.
—Sei, — disse. — Eu também te amo, Harrison.
Felizmente, sua dança lhes deu a oportunidade de recuperar-se, e ela
estava sorrindo de orelha à orelha no momento em que terminou. Nesse
momento, Lucien chegou para reclamá-la para uma valsa. Ele e Harrison se
saudaram outra vez, sendo corteses embora um pouco rígidos e cautelosos.
—Nunca te vi mais bela anjo, — comentou Lucien quando ele a tomou
em seus braços. — Ou mais feliz.
Sua pele, seu estômago, seu coração, cada parte dela cantava e se
iluminava de seu interior, muito contente de estar em seus braços mais uma
vez, embora fosse só para uma dança.
—Obrigada pelo que fez Lucien. Sua cordialidade para com o Harrison
foi… bom, foi muito importante para mim. Se me vir mais feliz, é por isso.
— Quando fizeram um giro elegante, seus olhos capturaram os dela. Vitória
se surpreendeu pelo que viu. Era como se se arrancasse um véu, como se
estivesse vendo Lucien pela primeira vez. Desejo, arrependimento, adoração.
Tudo estava ali, exposto e devotado sem vacilação.
Ele a amava.
A respiração se deteve em seus pulmões.
—Faria tudo por ti Vitória, — disse com voz áspera. — Por sua
felicidade, nadaria até me afogar. Caminharia até que não restasse caminho.
Me perguntou uma vez, se me importava nem que fosse um pouco. A
resposta é esta: você é a única coisa que me importa.
Cega pelas lágrimas, ela tropeçou em outro giro. Os fortes braços de
Lucien a estabilizaram, logo rapidamente a tirou da pista de baile, guiou-a
através das portas de entrada e saíram ao terraço.
O estrondo de vozes e da música se desvaneceu. O ar frio roçou sua pele,
mas ela apenas se deu conta. Cobriu o rosto com as mãos, as lágrimas
escapando de seus olhos para suas luvas. Lágrimas de alívio, de alegria.
Ele a amava. Era como um sonho.
Seus braços a rodearam e uma mão lhe acariciou o cabelo.
—Envergonho-me da forma como te tratei amor. Entenderei se não
puder me perdoar. Não o mereço. Mas te rogo que o faça.
Ela soluçou e lhe agarrou o rosto entre as mãos. Sua boca encontrou a
dele em um feroz ataque, sua língua procurando a dele, suas mãos agarrando
os lados de sua cabeça. Inicialmente, ele estava muito aturdido para reagir.
Mas em questão de segundos, atraiu-a fortemente contra seu corpo e tomou o
controle do beijo, pressionando seus peitos doloridos contra seu torso,
tocando sua nuca com sua grande mão.
Virando-se para trás para recuperar o fôlego, ela apoiou as mãos sobre seu
peito e soluçou.
—Amo-te tanto Lucien. Poderia explodir de amor.
Ele riu e limpou as lágrimas de suas bochechas, sua testa encontrando a
dela.
—Eu também te amo anjo. Sabe que foste isto para mim? Meu anjo.
Você me resgatou de um lugar muito escuro.
—Não sei como sobreviveu, Lucien. A perda de sua família dessa
maneira, e depois de Waterloo, — sussurrou ela. — Entendo por que odiava
ao Harrison, por que sentiu a necessidade de obter justiça. — Um
pensamento lhe ocorreu, e ela gemeu, sacudindo a cabeça... — Colin se
comportou abominavelmente com Marissa. É possível…? Crê que… de
alguma forma possa perdoá-lo?
—Eu… sinceramente não sei. Suas ações deram como resultado a morte
de minha irmã. Perdoá-lo não sei se será possível. — Deteve-se. — Mas me
dar conta de meus enganos me ensinou algo: A escolha entre sua felicidade e
fazer Colin pagar por seus pecados é uma tarefa fácil. Sempre escolherei sua
felicidade. Escolherei a ti acima de tudo.
Ela o olhou nos olhos, vendo o remorso aparecer ali.
—Se eu pudesse voltar à noite quando nos encontramos pela primeira vez
neste terraço, não teria te envolvi…
—Se não o tivesse feito, — disse ela suavemente, — eu poderia ser a
marquesa de Stickley neste exato momento. E acredite-me, eu gosto muito
mais de ser sua viscondessa. — Sorrindo, lhe deu um beijo suave.
—Não te mereço, — disse, sua voz rouca, seus olhos nus.
—Possivelmente não. Mas me sinto igual. — Lhe sorriu enquanto uma
brisa fresca noturna rodeava-os. Era um pouco úmida e cheirava a fumaça de
carvão, mas ao menos não era o calor sufocante do salão de baile. Olhou a
contragosto as portas. — Crê que devemos retornar ao baile? Oh, Lucien, não
posso esperar para ir à Thornbridge para que realmente possamos começar
nossa vida juntos. Londres é necessário, mas eu prefiro o campo. Muito
melhor a luz. Isso me recorda, haverá uma habitação que possa utilizar como
estúdio? Não tem que ser um quarto…
—Vitória.
—Sim?
—Cala-te para que eu possa te beijar.
Olhando seu marido, Vitória suspirou. Ela elevou as mãos para abranger
sua mandíbula, baixou sua cabeça para a sua, e sussurrou contra seus lábios
formosos: —Oh, muito bem.
Epílogo

"Quanto maior é o orgulho, mais desastrosa a queda. Estremeço ao imaginar


a catástrofe que espera a Blackmore se alguma vez encontrar a fôrma de seu
sapato. Crê que há alguma maneira de acelerar tal coisa? "
A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Berne logo depois da notícia de
que o duque de Blackmore persuadiu Lorde Wallingham de desprender-se de
um de seus apreciados cavalos de caça.

—Um senhor Drayton quer vê-lo, Sua Graça.


Harrison elevou a vista para onde estava Digby parado entre as portas da
biblioteca. O mordomo tinha uma expressão de paciência.
—Diga-lhe que entre.
Digby simplesmente não gostava do investigador, a quem considerava
humilde, furtivo e áspero. Mas Harrison admirava a perseverança e a discrição
do homem. Ele era eficaz e podia ser intimidado para entrar em ação, que era
tudo o que requeria.
—Sua graça. — O investigador estava despenteado como de costume, seu
cabelo negro alvoroçado pelo vento, seu grande casaco com capa fazendo com
que seus ombros parecessem mais largos que o normal. — Pediu que viesse?
—Mmm. Sente-se, Drayton. Tenho grande curiosidade a respeito de algo
e pensei que você poderia me proporcionar as respostas.
O receio imobilizou os traços do homem, mas ele se aproximou
lentamente da cadeira e sentou-se como Harrison indicou.
—Excelente. Agora bem, antes você me informou que meu irmão tinha
viajado a Brighton, verdade?
Com cautela, Drayton assentiu.
Harrison levantou uma pilha de papéis, franziu o cenho ao vê-los como se
ficasse perplexo, logo olhou diretamente ao investigador.
—Muito curioso. Tenho aqui não menos de doze notas promissórias,
todas exigindo o pagamento por recentes perdas nos estabelecimentos de jogo
aqui em Londres.
As sobrancelhas do investigador dispararam, logo baixaram para ver os
papéis.
—Agora, a menos que Digby foi trotando ao Boodle em suas horas livres,
suspeito que Colin não está de fato, em Brighton.
Drayton se moveu em seu assento.
—Não, Sua Graça. Deve ter retornado sem que meus homens o
descobrissem.
—Isso seria lógico. — A resposta de Harrison foi cortante e seca
enquanto retornava os documentos a seu escritório.
—Localizarei-o, Sua Graça.
Ele paralisou Drayton com um olhar duro.
—Ao meio dia de amanhã. Quero detalhes, senhor Drayton. Confio que
lhe tenha ficado claro.
O investigador assentiu vigorosamente, levantou-se de seu assento e deu
uma rápida reverência antes de sair. Passou junto a Digby, que estava justo
atrás das portas. O mordomo se moveu em silêncio ao escritório de Harrison
e apresentou uma bandeja com vários envelopes.
—Sua correspondência, Sua Graça. Acredito que há uma carta de Lady
Atherbourne.
Imediatamente Harrison sentiu o coração mais leve. Pegou a pilha de
envelopes, agradeceu a Digby, que se inclinou e se foi. Harrison observou que
o mordomo havia colocado a carta de Vitória na parte superior. Acariciou o
papel fino com os dedos, ao ver sua grácil e curvada escrita em sua superfície.
Depois de tudo o que tinha acontecido, as revelações sobre o
comportamento horrível de Colin com Marissa Wyatt, a morte da moça, o
duelo, e em seguida os intentos de Atherbourne de procurar vingança.
Harrison estava agradecido que sua conexão com Vitória permanecesse
intacta. Tinha estado tão aborrecido com Colin nos últimos tempos que uma
verdadeira rachadura se formou entre ele e seu irmão. Mantinha-o vigiado
através de Drayton, mas não tinham se falado em mais de dois meses. Com
Tori agora comodamente instalada e feliz com seu marido em Derbyshire, a
Casa Clyde-Lacey estava bastante vazia. Sabia que devia voltar para
Blackmore Hall, havia assuntos que atender que não podiam ser confiados a
seu administrador. E o faria. Mas não no momento.
Sacudindo-se da incomoda melancolia que tomou conta dele,
cuidadosamente abriu a carta de Vitória e começou a lê-la, aumentando os
olhos com genuína surpresa, um lento sorriso curvando seu rosto. Esse sorriso
desapareceu quando chegou ao final da missiva, uma vaga sensação de alarme
subindo por sua coluna. Amor, pensou com desgosto, lançando um bufo.
Que bobagem.

Queridíssimo Harrison, fiquei encantada ao receber sua carta, e te agradará


saber que o colar de mamãe chegou com segurança também. Quando o coloco,
lembro-me do dia em que papai o deu, do afeto que devem ter sentido um pelo
outro, apesar de que nem sempre foi fácil para nós apreciá-lo.
Para responder à sua pergunta, sim, sigo mais feliz do que poderia ter
imaginado. Para todos os efeitos, estou absolutamente na lua, e suspeito que você o
estará também quando lhe contar uma notícia. Em uns poucos meses, será tio. O
médico confirmou que o bebê provavelmente chegará na primavera. Tem que vir
nos visitar e conhecer sua nova sobrinha ou sobrinho. Falei com Lucien a respeito,
e está de acordo, por isso não franza o cenho. Se Colin não seguisse por tão mau
caminho, com gosto compartilharia a notícia com ele também. Preocupo-me com
ele, rezo por ele.
Falando de preocupação, recentemente recebi uma carta de Lady Jane
Huxley. Recorda-a, verdade? A segunda filha de Lorde e Lady Berne. Ela se
converteu em uma querida amiga, e sua carta soou como dizê-lo? Solitária. Um
pouco desesperada. Devo te pedir um favor, Harrison. Durante a próxima
temporada, sempre que for possível, por favor te assegure de que ela dance ao
menos um baile, inclusive você mesmo deve ser seu par. O mercado matrimonial é
horroroso para uma jovem, e desejo que ela encontre a mesma felicidade da que
agora desfruto.
Desejo o mesmo para ti também. Frequentemente diz, "Tudo no seu devido
tempo." Bom eu digo, não há tempo como o presente. Lucien me advertiu contra
ser casamenteira. Francamente, eu não compartilho sua cautela. Mas por outro
lado, talvez para você o verdadeiro amor aparecerá antes que eu ache necessário
intervir. Sempre a esperança.
Sua irmã que te quer, Vitória
Ficha Técnica
Copyright © 2015 por Elisa Braden
Título Original: The madness of Viscount Atherbourne
Tradução: Ceição Ferraz
Revisão: Cris Love
Capa: MR

Epub: Dee Silva


Todos os direitos reservados.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são produtos da imaginação
do autor ou são usados ficticiamente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos ou localidades é total e simplesmente uma coincidência.

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