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5 Classificação, Estrutura e Replicação dos Fungos

Este capítulo fornece uma visão geral da classificação, estrutura, e


reprodução dos fungos. Os aspectos básicos da organização celular e
morfologia dos fungos são discutidos, assim como as principais categorias das
micoses humanas. Simplificamos de modo intencional a taxonomia fúngica e a
usamos para destacar as principais classes de fungos que causam doenças
em seres humanos: os zigomicetos, os basidiomicetos, os arquiascomicetos,
os hemiascomicetos e os euascomicetos.

A Importância dos Fungos

Os fungos representam um grupo ubíquo e diversificado de organismos, cujo


propósito principal é degradar a matéria orgânica. Todos os fungos levam uma
existência heterotrófica como saprófitas (organismos que vivem sobre material
morto ou em decomposição), simbiontes (organismos que vivem juntos e para
os quais a associação é de vantagens mútuas), comensais (organismos que
vivem em uma íntima relação na qual um se beneficia da relação, e o outro não
obtém benefícios nem é prejudicado), ou como parasitas (organismos que
vivem sobre ou no interior de um hospedeiro do qual eles obtêm benefícios
sem oferecer qualquer contribuição em retorno; no caso de patógenos, a
relação causa dano ao hospedeiro).

Os fungos emergiram nas duas últimas décadas como causas principais de


doenças humanas (Tab. 5-1), especialmente entre aqueles indivíduos que
estão imunocomprometidos ou hospitalizados com graves doenças de base.
Entre esses grupos de pacientes, os fungos atuam como patógenos
oportunistas, causando considerável morbidade e mortalidade. A incidência
global de infecções fúngicas invasivas continua a aumentar com o tempo (Tab.
5-2), e a lista de patógenos fúngicos oportunistas aumenta, da mesma forma, a
cada ano. Em resumo, não existem fungos não patogênicos! Este aumento nas
infecções fúngicas pode ser atribuído ao número em constante crescimento de
pacientes imunocomprometidos, incluindo pacientes transplantados, indivíduos
com AIDS, com câncer e sob quimioterapia, bem como indivíduos
hospitalizados com outras doenças graves e submetidos a vários
procedimentos invasivos.

Taxonomia, Estrutura e Replicação dos Fungos

Os fungos são classificados em um reino isolado, o reino Fungi. Eles são


organismos eucarióticos que são distinguidos dos outros eucariotos através de
uma parede celular rígida composta de quitina e glicano, e uma membrana
plasmática na qual o colesterol é substituído pelo ergosterol como o principal
componente esteroide (Fig. 5-1).
Figura 5-1 Diagrama de umacélula fungica

A taxonomia clássica dos fungos se baseia na morfologia e no modo de


produção de esporos. Entretanto, os aspectos ultraestruturais, bioquímicos, e
as características moleculares são aplicados de forma cada vez mais
crescente, resultando frequentemente em alterações na designação
taxonômica original. Os fungos podem ser unicelulares ou multicelulares. O
grupo mais simples, baseado na morfologia, agrega os fungos como leveduras
ou fungos filamentosos. Uma levedura pode ser definida morfologicamente
como uma célula que se reproduz por brotamento ou por fissão (Fig. 5-2), onde
uma célula progenitora ou “célula-mãe” destaca uma porção de si mesma para
produzir uma progênie ou “célula-filha”. As células-filhas podem se alongar
para formar pseudo-hifas, em formato de salsicha. As leveduras são
usualmente unicelulares e produzem colônias arredondadas, pastosas, ou
mucoides no agar. Os fungos filamentosos, por outro lado, são organismos
multicelulares que consistem de estruturas tubulares filamentosas chamadas
hifas (Fig. 5-2) que se alongam em suas extremidades através de um processo
conhecido como extensão apical. As hifas são cenocíticas (ocas e
multinucleadas) ou septadas (divididas por septos ou paredes transversais)
(Fig. 5-2). As hifas se mantêm unidas para produzir uma estrutura semelhante
a um tapete denominado micélio. As colônias formadas por fungos
filamentosos são frequentemente descritas como filamentosas, algodonosas
ou cotonosas. Quando crescem no agar ou em outras superfícies sólidas, os
fungos filamentosos produzem hifas, denominadas hifas vegetativas, que
crescem sobre ou por entre a superfície do meio de cultura, e também hifas
que se projetam por sobre a superfície do meio, chamadas de hifas aéreas. As
hifas aéreas podem produzir estruturas especializadas conhecidas como
conídios (elementos reprodutivos assexuados) (Fig. 5-3). Os conídios podem
ser produzidos por um processo blástico (brotamento) ou por um processo
tálico, onde os segmentos das hifas se fragmentam em células individuais ou
artroconídios. Os conídios são facilmente transmitidos pelo ar e servem para
disseminar os fungos. O tamanho, o formato, e certos aspectos de
desenvolvimento dos conídios são usados como um meio de identificar os
fungos quanto ao gênero e à espécie. Muitos fungos de importância médica
são denominados dimórficos, porque podem existir tanto sob a forma de
levedura como sob a forma filamentosa.
Figura 5-2 Morfologia das células fúngicas. A, Células de leveduras se
reproduzindo por meio de fissão nuclear e pela formação de blastoconídios. O
alongamento de células de leveduras em brotamento para formar pseudo-hifas
é mostrado, assim como também a formação de um tubo germinativo. B, Tipos
de hifas observadas em vários fungos filamentosos.

Figura 5-3 Exemplos de formação de esporos assexuados e estruturas


associadas vistas em um zigomiceto (A) e um Aspergillus spp. (B).

A maioria dos fungos exibe respiração aeróbica, embora alguns sejam


facultativamente anaeróbicos (fermentativos), e outros sejam estritamente
aeróbicos. Sob o ponto de vista metabólico, os fungos são heterotróficos e
bioquimicamente versáteis, produzindo metabólitos tanto primários (p. ex.,
ácido cítrico, etanol, glicerol) como secundários (p. ex., antibióticos [penicilina],
amanitenos, aflatoxinas). Com relação às bactérias, os fungos crescem mais
lentamente, com tempos de duplicação celular em termos de horas, em vez de
minutos.

Um esquema taxonômico simplificado que lista as cinco principais classes de


fungos de importância médica é mostrado na Tabela 5-3. Dos estimados vários
milhares de fungos, apenas cerca de 200 são conhecidos como patógenos
humanos, embora este número pareça estar aumentando.

Tabela 5-3 Fungos de Importância Clínica (Reino Fungi)


Os fungos se reproduzem através da formação de esporos, que podem ser
sexuados (envolvendo meiose, precedida por fusão do protoplasma e núcleos
de dois tipos compatíveis de acasalamento) ou assexuados (envolvendo
apenas mitose). Os fungos nas classes de zigomicetos, arquiascomicetos,
basidiomicetos, hemiascomicetos, e euascomicetos produzem esporos tanto
sexuados como assexuados (Tab. 5-4 ). A forma do fungo que produz esporos
sexuados é denominada teleomorfo, e a forma que produz esporos
assexuados é denominada anamorfo. O fato de que o teleomorfo e o anamorfo
do mesmo fungo tenham diferentes nomes (p. ex.,

Ajellomyces capsulatum [teleomorfo] e Histoplasma capsulatum [anamorfo]) é


uma fonte de confusão para não micologistas.
Tabela 5-4 Características Biológicas, Morfológicas e Reprodutivas de
Fungos Patogênicos

Em alguns fungos, o estágio assexuado, ou anamorfo, tem se comprovado


tão bem -sucedido como um meio de dispersão rápida e adaptação a novos
hábitats, de modo que o estágio sexuado, ou teleomorfo, tenha desaparecido
ou ainda não tenha sido descoberto. Mesmo na ausência do teleomorfo, é
frequentemente possível associar estes fungos aos basidiomicetos,
arquiascomicetos, ou hemiascomicetos com base nas sequências de DNA de
seus anamorfos. No passado, estes fungos assexuados foram classificados em
um grupo artificial, os “Fungi Imperfecti” (forma divisão Deuteromy cota).

Independentemente da capacidade de um determinado fungo produzir


esporos sexuados, em situações clínicas é comum se referir aos organismos
por suas designações assexuadas. Isso se deve ao fato de o estado anamorfo
(assexuado) estar isolado dos espécimes clínicos e a fase sexuada ou
teleomórfica ocorrer apenas sob condições especiais no laboratório.
Os esporos assexuados consistem em dois tipos gerais: esporangiosporos
e conídios. Os esporangiosporos são esporos assexuados produzidos em uma
estrutura envoltória, ou esporângios (Fig. 5-3), e são característicos de
gêneros pertencentes à classe dos zigomicetos, tais como Rhizopus e Mucor
spp. Os conídios são esporos assexuados que surgem desnudos sobre
estruturas especializadas, conforme visto em Aspergillus spp. (Fig. 5-3),
Penicillium spp. e nos dermatófitos.
Zigomicetos

Os zigomicetos são fungos filamentosos com largas hifas cenocíticas, pouco


septadas. Os zigomicetos produzem zigosporos sexuados após a fusão de dois
tipos compatíveis para acasalamento. Os esporos assexuados da ordem
Mucorales (Tab. 5-3) estão contidos no interior de um esporângio
(esporangiosporos). Os esporângios nascem nas extremidades dos
esporangióforos semelhantes a pedículos, que terminam em uma dilatação
bulbosa denominada de columela (Fig. 5-3). A presença de estruturas
semelhantes a raízes, chamadas de rizoides, é útil na identificação de gêneros
específicos dentro da ordem Mucorales. A maioria dos zigomicetos
encontrados clinicamente pertence à ordem Mucorales. A outra ordem, a
Entomophthorales, é menos comum e inclui os gêneros Basidiobolus e
Conidiobolus. Estes organismos causam a zigomicose subcutânea tropical. Os
esporos assexuados nascem isoladamente em curtos esporóforos e são
ejetados quando maduros.
Basidiomicetos

A maioria dos basidiomicetos tem uma forma filamentosa separada, mas


alguns são típicas leveduras. A reprodução sexuada leva à formação de
basidiósporos haploides na face externa de uma célula germinativa
denominada de basídio. Os patógenos humanos mais proeminentes na classe
dos basidiomicetos são as leveduras com estágios anamórficos que pertencem
ao gênero
Cryptococcus, Malassezia, e Trichosporon. O gênero Cryptococcus, que
contém mais de 30 espécies diferentes, tem teleomorfos (estágios sexuados)
que têm sido associados aos gêneros

Filobasidium e Filobasidiella

Arquiascomicetos

Os arquiascomicetos representam uma nova classe que foi recentemente


descrita para incluir um organismo, Pneumocystis carinii, que tinha sido
anteriormente considerado como um protozoário. A reclassificação do
Pneumocystis foi baseada em evidências moleculares de que ele estava mais
intimamente relacionado ao ascomiceto Schizossaccharomyces pombe.
Estudos moleculares subsequentes resultaram na denominação de cepas
derivadas de seres humanos c om o Pneumocystis jirovecii. O organismo existe
em uma forma trófica vegetativa que se reproduz assexuadamente por fissão
binária. A fusão de tipos compatíveis para acasalamento resulta em um cisto
esférico ou caixa de esporos, a qual na maturidade contém oito esporos.

Hemiascomicetos

A classe hemiascomicetos contém leveduras (ordem Saccharomy cetales),


caracterizadas por células vegetativas de leveduras que proliferam através de
brotamento ou fissão (Fig. 5-2A). Muitos membros da ordem Saccharomy
cetales têm um estágio anamórfico pertencente ao gê ne ro Candida (Tab. 5-
3 ). Este gênero, que consiste em aproximadamente 200 espécies anamórficas,
tem teleomorfos em mais de 10 diferentes gêneros, incluindo Clavispora,
Debaromyces, Issatchenkia, Kluyveromyces e Pichia.

Euascomicetos

Na classe dos euascomicetos, a reprodução assexuada leva à formação de


um saco de paredes finas, ou asco, o qual contém os ascósporos haploides.
Embora a maioria dos fungos filamentosos septados que são isolados no
laboratório clínico pertença à classe dos euascomicetos, é incomum encontrar
suas estruturas reprodutoras sexuadas em culturas de rotina.
Esta classe tem 12 ordens que incluem espécies patogênicas aos seres
humanos. Entre as mais importantes estão a ordem Ony genales, que contém
os dermatófitos e um número de patógenos sistêmicos dimórficos (incluindo
Histoplasma capsulatum e Blastomyces dermatitidis); a ordem Eurotiales, a
qual contém os teleomorfos dos gêneros anamórficos Aspergillus e Penicillium;
a ordem Hy pocrerales, contendo os teleomorfos do gênero anamórfico
Fusarium; e a ordem Microascales, que contém os teleomorfos
(Pseudallescheria) do gênero anamórfico Scedosporium (Tab. 5-3 ). Além
disso, os teleomorfos de numerosos fungos melanizados (dematiáceos) de
importância médica pertencem a ordens desta classe.
Classificação das Micoses Humanas

Além da classificação taxonômica formal dos fungos, as infecções fúngicas


podem ser classificadas de acordo com o parasitismo tecidual, como também
pelas características específicas dos grupos de organismos. Estas
classificações incluem as micoses superficiais, cutâneas e subcutâneas, as
micoses endêmicas, e as micoses oportunistas (Tab. 5-5).
Tabela 5-5 Classificação das Micoses Humanas e Agentes Etiológicos
Representativos
Micoses Superficiais

As micoses superficiais são aquelas infecções que estão limitadas às


superfícies da pele e dos pelos. Elas não são destrutivas e são apenas de
importância estética. A infecção clínica denominada pitiriase versicolor é
caracterizada pela descoloração ou despigmentação e descamação da pele.
Tinea nigra se refere a manchas pigmentadas em castanho ou negro
localizadas principalmente nas palmas das mãos. As entidades clínicas da
piedra negra e piedra branca envolvem os pelos e são caracterizadas por
nódulos compostos por hifas que envolvem as hastes dos pelos. Os fungos
associados a estas infecções superficiais incluem Malassezia spp.,

Hortae werneckii, Piedraia hortae e Trichosporon spp.

Micoses Cutâneas

As micoses cutâneas são infecções da camada queratinizada da pele, dos


pelos, e das unhas. Estas infecções podem provocar uma resposta do
hospedeiro e se tornar sintomáticas. Os sinais e sintomas incluem prurido,
descamação, cabelos quebradiços, manchas de formato anelar na pele, bem
como unhas espessadas e opacas. Os dermatófitos são fungos classificados
nos gêneros
Trichophytron, Epidermophyton e Microsporum. As infecções da pele que
envolvem tais organismos são denominadas dermatofitoses. A Tinea
unguium se refere a infecções dos dedos dos pés que envolvem estes
agentes. As onicomicoses incluem infecções das unhas causadas pelos
dermatófitos e ainda por fungos não dermatófitos, como Candida spp. e
Aspergillus spp.
Micoses Subcutâneas

As micoses subcutâneas envolvem as camadas mais profundas da pele,


incluindo a córnea, os músculos e o tecido conjuntivo, e são causadas por um
largo espectro de fungos taxonomicamente diversos. Os fungos ganham
acesso aos tecidos mais profundos usualmente através de inoculação
traumática e permanecem localizados, causando a formação de abscessos,
úlceras que não cicatrizam, e fístulas que drenam . O sistema imunológico do
hospedeiro reconhece os fungos, resultando em uma variável destruição
tecidual e frequentemente uma hiperplasia epiteliomatosa. As infecções podem
ser causadas por fungos filamentosos hialinos, tais como Acremonium spp. e
Fusarium spp., e por fungos pigmentados ou dematiáceos, tais como Alternaria
spp., Cladosporium spp. e Exophiala spp. (feohifomicoses,
cromoblastomicoses). As micoses subcutâneas tendem a permanecer
localizadas e raramente se disseminam sistemicamente.
Micoses Endêmicas

As micoses endêmicas são infecções fúngicas causadas pelos fungos


dimórficos Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatitidis, Coccidioides
immitis, Coccidioides posadasii, e
Paracoccidioides brasiliensis (patógenos clássicos). Estes fungos exibem
dimorfismo térmico (existem como leveduras ou esférulas a 37°C, e como
fungo filamentoso a 25°C) e geralmente estão confinados a regiões geográficas
onde eles ocupam nichos ambientais ou ecológicos específicos. As micoses
endêmicas são frequentemente referidas como micoses sistêmicas, porque
estes organismos são verdadeiros patógenos e podem causar infecções em
indivíduos saudáveis. Recentemente, o fungo dimórfico Penicillium marneffei foi
adicionado à lista de agentes causadores de micoses endêmicas. Todos estes
agentes produzem uma infecção primária no pulmão, com subsequente
disseminação para outros órgãos e tecidos.
Micoses Oportunistas

As micoses oportunistas são infecções atribuídas aos fungos que são


normalmente encontrados como comensais humanos ou no ambiente. Com
exceção de Cryptococcus spp., estes organismos exibem uma virulência
inerentemente baixa ou limitada, e causam infecções em indivíduos que
estejam debilitados, imunossuprimidos ou que carreguem aparelhos protéticos
implantados ou cateteres vasculares. Na prática, qualquer fungo pode atuar
como um patógeno oportunista, e, desta maneira, a lista dos identificados se
torna maior a cada ano. Os patógenos fúngicos oportunistas mais comuns são
as leveduras Candida spp. e Cryptococcus spp., o mofo

Aspergillus spp. e Pneumocystis jirovecii. Devido à sua inerente virulência, o


Cryptococcus spp. é frequentemente considerado como um patógeno
“sistêmico”. Embora este fungo possa causar infecção em indivíduos
imunologicamente normais, ele é claramente visto mais frequentemente como
um patógeno oportunista na população imunocomprometida.
Resumo

Com o número cada vez maior de indivíduos em risco de infecções fúngicas,


é imperativo que médicos “pensem em fungos” quando do confronto com uma
infecção suspeita. A lista de patógenos fúngicos documentados é extensa, e
não se pode mais ignorar ou desconsiderar os fungos como “contaminantes” ou
clinicamente insignificantes quando isolados a partir de material clínico. É
também aparente que o prognóstico e a resposta à terapia possam variar com
o tipo de fungo que causa a infecção, como também com o status imunológico
do indivíduo. Desse modo, os médicos devem se tornar familiarizados com os
vários fungos, seus aspectos epidemiológicos e patogênicos, e também com as
abordagens ideais de diagnóstico e terapia. Essas questões serão discutidas
em detalhe nos subsequentes capítulos de acordo com o esquema de
classificação mostrado na Tabela 5-5.

Do livro Microbiologia Médica – capitulo fungos

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