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#01 - Morte

Depois de um longo descanso, estava acordada. Os servos de meu pai não sabem
precisar por quanto tempo descansei (para os mortos, o conceito de tempo é ignorável).
Eu estava "presa" dentro dos domínios de meu Pai, pois em Necrônia ou se está morto
ou se torna alimento.
Tive bastante tempo para estudar sobre nossa fina arte, mas algo apertava meu coração,
por mais que não estivesse mais sozinha...

Uma das servas de meu pai dominava as magias de Advinhação e acabei convencendo-a
a usar para que pudesse localizar Varaniel e ver como meu companheiro se encontrava
após minha partida. O que eu vi fora um elfo abatido e cansado caminhando por algum
lugar que não reconheço e, o mais importante: ele estava sozinho.
Ele havia mudado e, pelo tempo que passamos em viagem, sei que ele faria o possível e
o impossível por mim, mesmo que não tenhamos declarado um pro outro, havíamos nos
tornados companheiros. Eu mataria e morreria por ele e acredito que ele faria o mesmo.
Eu precisava conseguir poder e rápido, porque meu amado precisava de mim...

Fui em busca de Lorde Maltanér (meu pai solicitara que eu o chamasse pelo nome) e
informei minha decisão sobre as regras de Necrônia. Decidi me tornar a primeira opção:
morta.
Sim, meu caro leitor, tenho total consciência dos riscos que posso sofrer com a minha
decisão, mas Varaniel precisava de mim e eu estava disposta a sacrificar tudo para
salvar Glórienn e acompanhá-lo à glória de nossa nação.

E, talvez, morta eu fosse mais útil e resiliente do que eu era em vida.

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Levou um bom tempo para que o ritual fosse realizado, mas aconteceu e eu finalmente
acordei pra nova vida. E é algo tão diferente do que eu esperava, principalmente quanto
aos meus sentimentos com o companheiro. Apesar de ainda me importar e querer voltar
a Arton a qualquer custo para cumprir meus objetivos.

Eu estava mais forte, mas ainda não o suficiente para ajudar Varaniel. De qualquer
forma, precisava informá-lo de minhas intenções (mas não tinha condições de viajar
entre planos ainda). Fiz a única coisa que eu saberia que o faria prestar atenção.
Com a advinha de meu pai, a ordenei dar-me visão de meu amado mais uma vez e, com
alguns truques, chamei a atenção dele para meu livro (Fico grata e honrada de que ele
tenha lembrado dele) e me utilizei de magia para escrever uma mensagem curta para
ele, mas que garanto que ele entendeu a força de minhas palavras.

" Estou em Sombria com a minha arte. Logo volto para libertarmos nosso lar. Você não
está sozinho... Eleniss"
#02 - Loucura

É difícil se acostumar com minha nova condição, parece que meus sentimentos com o
mundo vivo vão se esvaindo... Enquanto realizo meus estudo, repito constantemente
meus objetivos, para que eu os mantenha frescos em minha mente em putrefação.

"Necromancia melhorar,
Para Varaniel retornar
e Lenórienn libertar."

Com algum dinheiro que obtive em algumas de minhas aventuras, consegui um artefato
que permitia a comunicação entre planos, o que facilitaria meu trabalho. Com cautela,
consegui alguns pergaminhos que me permitiram levar tal artefato para Varaniel.
Assim, ele poderia falar comigo. Pelo menos, faria ele menos sozinho e nos ajudaria a
traçar planos para nosso futuro de tomada da cidadela élfica.
Meu objetivo em Sombria é aprender o ritual que Lorde Maltanér fez para que eu me
tornasse o que sou hoje, para caso o meu companheiro queira o poder e a bênção de
Tenebra.

Talvez, quando nós tomarmos Lenórienn de volta, eu e Varaniel lideraríamos nosso


povo, seria insanidade da minha parte?

Sim, seria.

O poder da não-vida é sublime e silencioso, ele inebria seus pensamentos e os deturpa..


Eu não quero o poder de ser uma líder. Eu quero salvar a minha Deusa, mesmo tendo
que abdicar da minha vida Élfica pra isso. Mesmo que eu tenha que combater a
insanidade que a minha morte em vida me causa...

"Necromancia melhorar,
Para Varaniel retornar
e Lenórienn libertar."

Contatei Varaniel depois de algum tempo sem falar com ele. Ele parecia estar
machucado, mas fisicamente melhor do que as últimas vezes e mais fraco do que eu
precisaria. Ele não vai ser capaz de te deter assim. Eu espero que minha mente esteja
errada.
Fui direto ao ponto com ele e fiz uma única pergunta.

"Se for preciso, para salvar nossa raça, você seria capaz de me matar?"

"Se te matar for a única solução para salvar nossos irmãos, iremos juntos para o
mundo dos Deuses"
#03 - Verdade

Saber que Varaniel faria o que fosse preciso para nossa luta me deu a segurança que eu
precisava, mas não vai me impedir de lutar com o veneno ardiloso que meu atual estado
me impõe. Acredito que ele tenha reparado que mudei, mas que não saiba ao certo o que
ou como aconteceu..

"Quando contar que se tornou uma lich, ele vai abandoná-la"

Mesmo que tenhamos pouco tempo de convivência, sinto que posso confiar nele.
Varaniel sempre fora um exemplar magnânimo da grandiosidade Élfica, mesmo agora
abatido pelas mudanças:

- Aqui em Sombria é um bom lugar. Se não tivesse você e nossa missão em Arton,
passaria a Eternidade aqui, mas preciso de você e precisamos terminar o que
começamos. De qualquer forma, preciso confessar algumas coisas que me aconteceram
nesses tempos nos reinos de Tenebra...

- Vai ficar tudo bem. Vou trazer você de volta. - A voz de Varaniel era firme e
obestinada, como era quando se tratava de Glórienn.

- Eu posso voltar a Arton, só preciso de tempo... E acredito que não possa voltar do
jeito que planeja. - Eu tentei disfarçar minha preocupação, mas não era a melhor nisso.

- É muito bom ouvir sua voz, minha doce Eleniss - A voz dele, por mais determinada
que fosse, me lembrava da minha "humanidade" - mas o que aconteceu?

- Estou em Sombria, como bem sabe. - Dei uma pausa para inspirar coragem e continuei
- Num reino chamado Necrônia, que é o maior deste Plano. Inclusive, encontrei alguns
conterrâneos aqui que lutaram comigo na Guerra... Até encontrei meu pai... - Ainda me
é emocionante lembrar disso, apesar da menor intensidade - Mas para ficar aqui,
precisei me adequar aos padrões locais...

- Continue. - Agora que havia começado, não tinha como retornar.

- Precisei sucumbir à um ritual e me tornar, literalmente, uma cria de Tenebra, mas fiz
consciente de que isso me traria o poder e a resiliência necessárias para devolver a
glória de nossa Deusa e a libertar daquele Troglodita. Entretanto... o mesmo ritual que
me deu esse poder extra vem tentando desviar-me da conduta que vivo e levo meu
caminhar...

Após desabafar isso, houve um silêncio ensurdecedor e decidi dar um tempo para que
ele processasse a informação que despejei, mas uma coisa é certa:

Se eu não estivesse morta, estaria aos prantos agora.


#04 - Obstinação

Eu precisava me distrair. Saí de meu quarto com o artefato escondido em meus robes e
fui em direção à biblioteca de meu pai, até que escutei uma resposta suave.

- Nada disso importa agora. Um problema de cada vez. Primeiro, estaremos juntos
novamente. Depois a gente resolve o que aparecer em nosso caminho.

- Não posso falar muito agora, mas precisamos arrumar meios de realizar viagens
planares. Esse é meu atual problema. - Tentei ao máximo não parecer ríspida, mas não
queria chamar muita atenção.

Eu precisava aprender o máximo sobre a necromancia antes de retornar à Arton. Por


mais vergonhosa que minha morte lá tenha sido, eu tive a oportunidade de crescer e
aprimorar a minha arte e com quem me ensinou. Como não precisava mais comer ou
dormir, dedicava-me quase que exclusivamente aos meus estudos e normalmente só
parava para falar com Varaniel e traçar nossas estratégias. Eu já tinha um plano, só não
tinha resolvido onde que eu esconderia meu filactério, que era o segredo sórdido da
minha imortalidade.

Se eu conseguisse chegar àquela tumba onde matei Hagius... Acredito que lá seria ideal
para deixar, no meio de infindáveis tesouros, uma gema passaria desapercebida, não é
mesmo?

- Quando eu voltar, temos mais um problema. Tenho que esconder um pertence meu em
um lugar seguro e, de preferência, inacessível. Alguma sugestão?

- Certamente. No lugar que descobrimos quem era Hagius- O local havia me passado
desapercebido pela mente, mas seria perfeito.

- Você consegue chegar lá? Ou pelo menos enviar o item ao local... - Apesar de minhas
tentativas, a frigidez de minha morte me afeta lentamente, ainda mais quando foquei na
missão de meu amado.

- Um problema de cada vez, minha doce Eleniss. Primeiro volte ao meu lado e depois
damos um jeito...

- Já consegui resolver - Apesar de não ter sido minha intenção, acabei atropelando a
fala dele - Viagem Planar é a magia que eu precisava e já estou articulando para
conseguir o material necessário para voltar ao seu plano, mas preciso pensar em um
meio de deixar isso lá, uma vez que viajar com ele bota minha existência em risco.- Eu
respirei fundo e, pela primeira vez, fui clara sobre meu estado - Varaniel, você entende
que eu sou uma Lich agora, certo?- As palavras sairam pesadas da minha boca.

- Assim que chegar, partimos para o local. E Eleniss, entende que você é e sempre será
Eleniss, para mim, certo?

"Varaniel, meu amor, me aguarde.


Se depender de mim, terás o mundo e a eternidade ao meu lado."

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