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dor à sua condiçãoatual, com o qual não ousa sequer sonhar:


o estadoabsolutamente
inconclicionado,
livro de todasas limita-
ções, .que a tradição indiana denomina "Liberação" (moks/za),
quando o compara às formas limitadas de existência. e "União';
(Yoga), quando se refere ao Princípio supremo.
É para esseobjetivo que a tradição indiana unânime orienta
seus esforços e sua reflexão: "Toda ciência que não se ocupa da
Liberação é inútil:i." "Fora disso nada merece ser conheci.
do iz." Tanto é assimque o Yoga é como a pedra fundamental
do hinduísmoi3 1. As Origens do Yoga
O Yoga preocupa-seapenascom a "realização"efetiva e não
com a especulação: por isso ele é a via, o método por excelên-
cia, que inclui a totalidade dos meios que devem ser empregados. A mais antiga exposição sistemática do Yoga que chegou até
E na medidaem que fazemosuma distinçãoentre diferentesmé. nós é constituída pelos .4forfsmos do roga (roga-Safra), compos-
todos, mais particularmente adaptadoa este ou àquele tipo psico- tos por Pataõjali numa data que varia, segundo os eruditos, entre
lógico, seremos levados a falar, num sentido secundário, de os séculosll a.C. e IV d.C. Esse.obra, .de extrema concisão.
diferentes yogas: cada Yoga é uma das principais vias correspon- desenvolvida posteriormente por numerosos comentários, forma
dentes às aptidões básicas da natureza humana. Cada indivíduo é o texto de basedo Yoga como darçana,isto é, um dos seis"pon-
livre para escolher a forma de Yoga que está em afinidade com tos.de vista sobre a Realidadeúltima e os modos de aproximar-
o seu carãter, suas aspirações e suas capacidades, ou pode, a se dessa Realidade, reconhecidos pelo bramanismo como concor-
seu gosto, recorrer a uma combinação particular dessas diferen- 'dando' com a Revelação primordial dos Veda.
tes formas. A B/zagavad-Gira,texto central do hinduísmo. nos Mas Pataõjali não "inventou" o Yoga, apenas registrou e
dá a esserespeitoo exemplode uma fusão harmoniosadas dife- classificou as práticas i6guicas existentes no seu tempo, aquelas
rentes vias de abordagem,em seus dezoito capítulos, cada um 14 experimentadas e conservadas através dos séculos. Seu primeiro
elos quais com o nome de um Yoga diferent.e. aforismo poderia traduzir-se assim: "Eis agora a transmissãodo
ensinamento do Yoga" (ar/za Fofa-anuçása/zam) .
A tradiçãoindianaatribui o ensinamento
do Yogaa Hiran-
yagarbha, a Personalidade Divina que, adorando por simples
ato da vontadeum corpo humano, teria roveladotoda a doutrina
nos primórdios desseciclo de criaçãoi5
Fora do mito, todas as informações que temos sobre a tra-
dição do Yoga anterior a Pataõjali são fragmentárias e alusivas.
Três Upanfs/zads, a ]Uaírrí, a Çve/ópera e a .Kaf/m-t/p mencio-
.! nam a importância dos métodos do Yoga, mas sem explicações
minuciosas: o conhecimento preciso dessesmétodos era eviden-
temente objeto de um ensinamento direto da mestre a discípulos.
Aliás, a À/afrrí-UpanísAad o declara expressamente:
"Quo ninguém ensine esse conhecimento absolutamente se-
11 Bhoja, R(2ja/n(2r/anda,IV, 22. creto a alguémque não seja um filho, que não seja um discí-
lz Ç'pefaçparara-Up.
1, 12. pulo, que não tenha pacificado seu espírito. A alguémque seja
ia Empregamos a palavra hinduísmo em sentido amplo e não-restritivo,
englobando igualmente o bramanismo antigo. 15
i4 E.xcetoum, o décimoprimeiro, intitulado "Visão da Forma Universal". ,4AírbudApzya-SamAírã, Xl1, 31, ylüfídíplkâ etc

b
20 0 YoCA
{1

dor à sua condiçãoanual,com o qual não ousa sequer sonhar:


o estado absolutamenteincondicionado, livre do todas as limita-
ções, .que a tradição indiana denomina "Liberação" (mokxha),
quando o compara às formas limitadas de existência. e "União
(Yoga), quando se refere ao Princípio supremo.
É para esseobjetivo que a tradição indiana unânime orienta
seus esforços e sua reflexão: "Toda ciência que não se ocupa da
Liberação é inútilu." "Fora disso nada merece ser conheci-
do iz." Tanto é assimque o Yoga é como a pedra fundamental
do hinduísmoi3 1. As Oriaens do Yoaa
O Yoga preocupa-se apenas com a "realização" efetiva e não
com a especulação: por isso ele é a via, o método por excelên-
cia, que inclui a totalidade dos meios que devem ser empregados. A mais antiga exposição sistemática do Yoga que chegou até
E na medidaem que fazemosuma distinçãoentre diferentesmé. nós é constituída pelos '4forf=mos do roga (Voga-Sz2fra),compos-
todos, mais particularmente adaptadoa este ou àquele tipo psico- tos por Pataõjali numa data que varia, segundo os eruditos, entre
lógico, seremos levados a falar, num sentido 'secundário. de os séculosll a.C. e IV d.C. Essa.obra. de extrema.concisão.
diferentes yogas: cada Yoga é uma das principais vias correspon- desenvolvida posteriormente .por numerosos comentários, forma
dentes às aptidões básicas da natureza humana. Cada indivíduo é o texto de basedo Yoga como darçana,isto é, um dos seis"pon-
livre para escolher a forma de Yoga que está em afinidade com tos- de vista sobre a Realidade-última e os modos de aproximar:
o scu carãter, suas aspirações e suas capacidades, ou pode, a se dessa Realidade, reconhecidos pelo bramanismo como concor-
seu gosto, recorrer a uma combinação particular dessas diferen- 'dando com a R.evelação primordial dos Veda.
tes formas. A B/zagavad-GÍ/á, texto central do hinduísmo, nos Mas Pataãjali não "inventou" o Yoga, apenasregistrou e
clá a esse respeito o exemplo de uma fusão harmoniosa das dife- classificou as práticas ióguicas existentes no seu tempo, aquelas
rentes vias de abordagem,em seus dezoito capítulos, cada um i4 experimentadas e conservadas através dos séculos. Seu primeiro
dos quais com o nome de um Yoga diferente. aforismo poderia traduzir-se assim: "Eis agora a transmissão do
ensinamento do Yoga" (ar/za voga-a/zzzçása/zam) .
A tradição indiana atribui o ensinamentodo Yoga a Hiran-
yagarbha, a Personalidade Divina que, aditando por simples
ato da vontadeum corpo humano,teria reveladotoda a doutrina
nos primórdios desse ciclo de criação lõ
Fora do mito, todas as informações que temos sobre a tra-
dição do Voga anterior a Pataãjali são fragmentárias e alusivas.
Três Upanfshads, a À/aífrí, a Çve/óçpara e a .Kaf/m-Up mencio-
nam a importância dos métodos do Yoga, mas sem explicações
minuciosas: o conhecimento preciso dessesmétodos era eviden-
tementeobjeto de um ensinamento direto da mestre a discípulos.
Aliás, a À/aífr2-C/panos/zado declara expressamente:
Quo ninguém ensine esse conhecimento absolutamente se-
]i Bhoja, .Rã/a/nár/anda, IV, 22. creto a alguémque não seja um filho, que não seja um discí-
lz ('pe/agua/ara-Up.1, 12. pulo, que não tenha pacificado seu espírito. A alguém que seja
13 Empregamos a palavra hinduísmo em sentido amplo e não-restritivo,
englobando igualmente o bramanismo antigo.
i4 E.xceto um, o décimo primeiro, intitulado "Visão da Forma Universal". IS .4AfrbudÃnlpa-SamAífâ,Xl1, 31, yiürídípiká etc.

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0 YOGA AS ORIGENS DO YOGA 23

exclusivamente devotado [a seu mestre, ou a seu objetivo csPi- que é comparadaao fogo, que purifica e ilumina. O lapas não
slná-lo io.' possua todas as qualidades necessárias,pode-se en- é absolutamente uma mortificação nascida da depreciação do
corpo, como o é por lvezes a. ascesoem algumas religiões, mas
visa produzir um "calor. psíquico", permitindo atingir um ' nível
de existência.superióil'.'aOs próprios deuses conquistaram suas
hierarquias divinas através do lapas :'." Por isso eles se sentem
ameaçados quandoum mortal procura iguala-lospelo rapas, e se
apressam em enviar sedutoras ninfas celestes ou outras tentações
para distraí-losde sua asceseío.Pois o /apa.sé uma fonte de
poder, em si mesma neutra, da qual se pode abusar como de
qualquer outro poder. Aquele que' irradia 'a energia gerada pela
prática intensa do faWS pode tornar-se um ser temível, um opres-
sor da terra, um demónio, se seus desígnios são egoístas e'des-
truidores, e nessecaso será necessáriauma intervenção heróica
ou divina para vencê-loe libertar a terra. Mas a lei é de alguma
forma impessoal, pois o homem que se aplica arduamente à prá-
tica do /aFãS obtém superioridade e poder, independentemente
do uso que deles venha a fazer.
O rapa, que pode ser definido como uma aplicaçãointensa
e reiterada de forças sobre um determinado ponto, é ritualistica-
mente comparado ao ato de acender o fogo, ato central no ritual
e na simbologia védica:
Nós que pelo lapa acendemoso fogo do espírito.
Possamos ser caros ao Veda eo
O Fogo, Agni, é produzido pela fricção de dois pedaçosde
madeira (aranlD: um bastão mantido verticalmente, e uma base
is 7'aí/rfríya-.BraAmâna,
111. 12. 3.

Todas essas práticas têm por .finalidade acumular certa 'energia


interior. O "ardor", a intensidade do esforço geram uma força
la À/aí/r?. VI. 29.

zo .4r/za/npa-rede,
Vl1, 61, 1.

b
24 0 YoCA AS ORIGENS DO YOGA 25

horizontal. O girar do bastão superior, consideradoo pai de Agni, naturezadeve ser inflamada e transmutada pelo Fogo, tornan-
faz brotar no ponto de fricção a faísca que inflama a base, con- do-se combustí\-el o oferenda .
sideradaa mãe de Agni. A manifestaçãodo fogo é portanto o Outro conjunto de símbolos, transponível ao rapas, é o do
resultado de uma fricção entro duas forças opostas,também com- processode fabricação da manteiga. Segundo a visão dos poetas
parada ao processo de obtenção da manteiga, ou ainda ao ato védicos, o leite é um líquido, uma "água", símbolo do elemento
da procriação.
feminino, na qua] estão em suspensãomilhares do minúsculos
Mas o que os Rs/zlsvédicoschamamde Fogo está longe de glóbulos de manteiga. Essa manteiga está presente no leite em
limitar-se apenas ao elemento físico designado por -esse nome. estado difuso, o aparece apenas quando ele é batido. A presença
O Fogo representa o princípio de vida, de calor,'de consciência, da manteigano leite é devidaao sêmendo macho,pois a vaca
oculto em todos os seres:
só dá leite depois de ter sido fecundada, e o leite, símbolo da
Ele permanece oculto ainda que suas chamas sejam bri- maternidade, não passa de manteiga emulsíonada nas águas puras
Ih&ntes2i
da fêmea. Por um esforçoparticular -- a centrifugaçãodo' leite
O Fogo habita escondido na terra, nas plantas, o as águas essa manteiga é separada, isolada da água, e extraída.
o arrastam. O Fogo está nas pedras.Há um Fogo encerrado pro- Ora, .a manteiga possuí uma afinidade com o fogo, já que é
fundamenteno homem,um Fogo nas vacas,um Fogo nos cava- experiênciacomum que, ao se derramar água sobre o fogo, este
os
se apaga, ao passo que, ao se lançar manteiga, o toga. se infla-
Agni está escondido,permanecelatente em cada combustí- ma. Por isso a manteigaé consideradauma forma sólida do
vel. As palavras "madeira" ou "combustível« simbolizam a subs- Fogo
e 2s

tância, como indica a pergunta tradicional: "De que madeira é A Natureza é a Vaca cósmica. O universo é seu leite. Nesse
feito o mundo?" O germe do fogo está presente .em todas as coi- leite está oculto um néctar que deve ser extraído por certas "ma-
sas, animadas e ínanimadas. Para que ele se manifeste, é neces- nipulações", por um processo especial de estimulação e anima-
sário utilizar uma certa força: ção, nesse leite está um Fogo adormecido que, pelo processo
"ó Agni, Atharvan te fez brotar do lótus por fricçãoaa purificador do /afãs, deve ser despertado.
Esseesforçoé o ato viril por excelência, a vírru/s, energia Sem dúvida a tradição do rapas deu lugar, com o passar do
viril que se mede pela capacidadode fazer brotar a chama divina tempo, a deformações e excessos, que restringiram seu valor e
encerrada na matéria. É um ato sacrificial, onde o altar (pedi) fizeram até com que certos sábios o julgassem inútilzo. A neces-
é a mãe,o sacrifícador
o pai; e Agni, que é acesonessealtar, sidadede uma volta aos padrõesiniciais foi sentida pelo À/a/zó-
é o deva ou princípio divino que se torna manifesto o se eleva ó/zcírafa,que confere ao célebre herói Bhisma as palavras:
pela oferenda contínua. O sacrifício em suas múltiplas acepções O que as pessoaschamam de rapam,como jejuar metade do
é o fundamento da civilização védica, que o considera a causa. mês,não passado fato de um mal infligido ao corpoe não é
o eixo do universo, o centro a partir do qual tudo se ordena: considerado como /aras pelas pessoas de bem.
O sacrifício é o umbigo do mundo24." O desapego e a humildad-o, isso sim, ensina-se, é o supremo
Todo esse simbolismo se aplica igualmente ao rapas, que é rapas.Aquele que possui essasduas virtudes está como em jejum
a produção do Fogo interior, por um esforço concentrado,'uma e castidade perpétuos 27."
fricção" que implica a resistênciada naturezaindividual com
seus impulsos, sua dispersão, suas hesitações,suas falhas. Essa 2s Çar&aparAa-Br.
Vl11,4, 1, 41. Taí/r.-Br.1, 1, 9, 6 etc.
i=G O Buddha Çâkyamuni seguiu por algum tempo uma' ascesemuito
zí Rg-P''eda,IV, 7, 6. severa .que consistia em privações corporais, mas a abandonou em se-
=i= .4//larva-Fada.XII. 1. 19-20. guida denunciando..a como. uma .via extrema' c nefasta, que' aqueles' que
como clc seguem .o "caminho do meio" devem rejeitar tanto 'quanto o
za .Rg-Fada, ]V, 16, ]3. O lótus representa aqui as águas cósmicas, ou desleixoe.o abandono.Nada prova, entretanto, que ele não' tenha timdo
então o coração. proveito dessa experiência.
4 Rg-rede, 1, 164, 35. iz'v À/. BA. Xl1,' 221, 4-5.
26 0 YOGA
A Z?/zagavad-Gira é ainda mais categórica:
'Os homens que executam austeridades violentas, não pres-
critas pelos textos sagrados,com arrogância o egoísmo, impulsio-
nadas pela força de seus desejos e paixões, homens insensatos
que atormentamo conjunto de elementosque formam o corpo,
e que tambématormentama Mim [o Princípio divino], que ne]e
resido, saiba que tais homens são demoníacos em suas inten-
e
çOeS28
Porém,ele estabelece
o que é o verdadeirorapa:
'A adoração do divino, do duas-vezes-nascido 20, do guia
espiritual, do sábio, a pureza, a retidão, a continência. a ausência H. As BasesDoutrinaisdo Yoga:
de assassínio
e violência
paracomoutrem,tal é a ascese
do
corda. o Sâmkhya
Uma linguagem que não fira, verídica, amigável e benéfica,
o estudoregulardas Escrituras,tal é a ascese
da palavra."
A serenidadee clareza de espírito, a doçura, o silêncio, o Desde suas mais remotas formulações, nos t/paMsAad; nas
autodomínio,
) a total purificação do caráter, tal é a ascesemen- epopéias, no B/zagavad-Gira, nos roga-Sz2/ra e seus comentários.
tal
a se
o Yoga se apresenta indissoluvelmente ligado a um outro "ponto
Observa-seque a Bãagavad-Giradá uma extensãoindefinida de vista" (dança/la) tradicional, aa Sâmkhya, entretanto não como
à noção de asceso. este aparece codificado durante a época-clássica.nos SámkAya-
No Yoga.clássico,
o elementorapasé conservado
como for- Kórlká de lçvara Krshna, mm as formas mais antigas da mesma
mando uma das cinco disciplinas (níyama) que constituem a se- escola
sco

gunda etapa (anca) do Yoga. Sua importância é grande, posto O Sâmkhya estabelece os princípios sobre os quais o Yoga
que é igualmente considerado como um dos três aspectos do baseiasua prática e define com clareza o objetivo que ela terá
K.rfyá-roga: Yoga da prática, da ação executadacom o intuito como alvo, de modo que todas as disciplinas propostas pelo Yoga
de obter a fixidez do espírito. ficam desprovidas de sentido se não compreendermos a cosmo-
Em Pataõjali, contudo, é bem o sentido original do feras logia, a psicologia e a soteriologia fornecidas pejo#Sâmkhya.
blue aparece:
Sâmkhyae Yoga, que eram tidos como os dois mais antigos en-
Através do rapas, que produz a destruição das impurezas, sinamentos (o À/a/zóó/pára/a os denomina "as duas doutrinas
[obtém-se] a perfeição do corpo e das facu]dades. eternas", sanefa/te dve) , são freqüentemento considerados como
E o comentário de Vyâsa enfatiza: "Sem rapam,um homem os dois aspectos, um teórico e o outro prático, de uma mesma
não pode atingir a perfeiçãoem Yoga." Deve-seobservarque se doutrina. Uma das melhores fontes de 'informação que possuí-
trata aqui de perfeição(sídd/zf)do corpo e dos se-ntidos,
e não mos sobre a situaçãoantiga da doutrina Sâmkhja é constituída
de sua mutilação ou destruição.
pelo próprio comentáriode Vyâsa aos aforismosde Pataíljali, o
roga.-B/zós/zya;essecomentário se conclui ao fim de cada capí-
tulo pelo colofão: "Tal é, no ensinamentodo Yoga de Pataãjali,
na exposição do Sâmkhya, o capítulo do comentário de Vyâsa
que trata de. . .", expressãoque mostra claramenteter sido o
texto compostocom a intenção de elucidar ao mesmotem.poos
28 l?/z. G.. XVII. 5-6. princípios do Sâ/}lkhyae do Yoga. Se ainda tivéssemosdúvidas
t20 O "segundo nascimento' é o da iniciação. sobro as estreitas relações entre essasduas vias, a BAagavad-Gífá
30 BÀ. G., XVl1, 14-16. nos assegura (111, 5-6) :

L
28 0 YoCA
AS BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA 29

Os ignorantes (literalmente: as crianças) falam do Sâm-


khya e do Yoga separadamente(como de duas vias diferentes), são aleatórios, incertos, temporários, e só fazem mascarar pro-
visoriamente a precariedade da condição humana.
mas não as pessoasinstruídas que, ao se dedicarem a um, conhe-
cem igualmente o fruto dos dois. Começando por constatar -- a fim de ultrapassa-la -- a im-
Se bem que o Sâmkhya se coloque como um sistema com- perfeiçãode nossaexperiênciaimediata (imperfeição que se ma-
pleto, quc se basta a si mesmo,para permitir ao homem atingir nifesta, individual e coletivamente,sob inumeráveisformas de
a finalidade última da existência,encontrasua aplicaçãonatural desarmoniase conflitos), o Sâmkhya não se lim.ita a superar "a
nos métodosdo Yoga, e todo esforçodo yogín (adeptodo Yoga) inclinaçãonatural em ate,r-seàquilo que é agradávele a ignorar
é incompreensívelse não foram anteriormente aceitas os dados e esquecertudo o que é desagradável-- atitude psicológicapela
fundamentais estabelecidospelo Sâmkhya. Entretanto, não é raro qual a vontadede viver pode subsistira despeitodas mais desen.
ver-se pesquisadores lançarem-se ao estudo do Yoga sem terem corajadoras experiências :JI', e que resulta freqüentemente naqui-
plenamente apreendido os princípios do Sâ/7zkhya e, justamente
lo que, num contexto moderno, se denominada, retomando a ex-
por causa disso, pararem ou perderem-se no caminho; por esse pressãode uma personagemde ]:iermann nesse: "Essa satisfação,l
motivo, a exposição dessesprincípios será um pouco longa essa saúde pacífica, esse grosseiro otimísmo burguês, essa disco- l
plana do homem medíocre, normal, vulgar.« O Sâmkhya não quer l
perder de vista o fato de que, ao mesmotempo em que nos re- l
Ponto de partida: insatisfação gozijamos com uma experiência feliz, há um número incalculá. \
da condição humana ordinária vel dc seresvivos que sofrem,ou cuja vida é somenteluta. E
discerne claramente que mesmo a felicidade que não se revela.
O ponto de partida do Sâmkhya-- como o do budismo num exame mais rigomso, é apenasprazer, refúgio habitual dos
se situa numa tomada de consciência do caráter insatisfatório seres contra a insegurança da vida, até mesmo essa felicidade
da condição humana tal como é ordinariamente vivida. A busca autêntica, tão rara, deverá inevitavelmente ter um fim, sendo
instaurada procede do desejo de pâr fim, definitiva e absoluta- impermanente e baseada em coisas impermanentes.
mente, à "tripla miséria existencial" (duh#/za fraJ'a), que é ana-
Não se deveriac1lerque a miséria existencial (duh#/za) de-
lisada da seguinte forma: penda apenas de condições materiais, económicas ou sociais difí-
1. Aquela que provém dc si mesma (adhyármíka), abran- ceis; pois .ela subsiste, idêntica, na prosperidade e na indigência,
gendo o sofrimento mental em inumeráveis formas, como obter numa 'existênciafarta, fácil e confortávela=" tanto quanto numa
aquilo que não nos agrada, e não obter aquilo que nos agrada vida laboriosa e carregada de provações. O homem pode perceber
etc
que, mesmo quando todas as suas necessidadese perturbações fí-
2. A miséria causada pelos outros seres (ad/zíb/zazzfíka) sicas, mentais, morais e financeiras foram eliminadas, pei:i;ianece
desde os humanos às feras selvagens, répteis, insetos etc. sempre nele uma espéciede inquietude e de agitação interior,
3. A miséria de origem celeste (ad/zídaíví#a)atribuída aos uma instabilidade,uma insatisfação,uma falta, seja qual for a
elementos atmosféricos (calor, seca, frio, tempestades, ciclones extensão de seus sucessos exteriores.
etc.) e às influências planetárias.
O que se busca não é um conhecimento abstrato, com fim As narrativas indianas estão repletas de histórias de prínc:-
em si mesmo, mas antes de tudo a ciência que /;ber/a, qlze erra- pes e nobres que, no auge do poder e em pleno esplendorda
dfca a iv2í.çéría
humana. Como dizem os textos. a busca não se
3 .Nyztnaponilça
Thera?/níf/a/íonau Zpoizdd/zfs/zze,
p. 37. Essaobservação l
torna inútil pela existência, advinda da necessidade de remediar aplica-sc tanto ao Sâ/7zkhya quanto ao budismo. ' Essas duas escolas ofe-
calos esses males, de meios específicos, tais como o exercício recem em numerososponto!. similaridades marcantes, e sem dúvida todas
da med.icina, a busca das sensaçõesagradáveis (diríamos "o con- dy.a.semergiramde uma tradição comum. O BuddAa-Cara/ade Açvaghosha l
(xll) relata como o Buddha, antes de sua iluminação, procurou'junto l
forto") e os diversos métodos para se proteger contra o que é a ummestre
do Sâ/zzkhya,
Atada-Kalama,
o perfeitoconhecimento
pelo l
indcsejávc!. Pois todos essesremédios, quaisquer que sejam, qual se pode vencer todosofrimento. ' ' l
;n Julius Evola, C&evauc/zer le tigre. La Colombe, Paris, 1964, p. 39.
30 0 YoCA AS BASES DOUTNNÁRIAS DO YOGA 31

juventude, fulminados por essa compreensão da precariedade da peto da busca não é dirigido ao exterior, visando a uma m-elho-
condição humana, abandonaram tudo para se porem em busca ria das condições materiais, mas em profundidade, visando a uma
do sentido derradeiro desta vida. O Buddha Câkyamuni é apenas superação de todas as condições, e esse aprofundamento pode
um exemplo entre outros, embora consagradopor uma celebri- fazer-se a partir de qualquer situação dada: o, em resumo, que
dade excepcional.Livres de toda a aflição, de toda a miséria, go- ela seja gloriosa ou humilde, magnífica ou simples,é bem indi-
zando em profusão de todas as alegriasque uma existência refi- ferente do ponto de vista da busca. É como um mergulho nas
nada podia proporcionar, esseskshafríya3anão se puderam ocul- raízesdo ser, para o qual todasas energiassão canalizadase
tar à evidência fundamental: a impermanêncíade todas as expe- recolhidas. Por isso, como o veremos, uma vez preenchidas cer-
tas condições elementares tais como saúde, suficiência alimentar
riências. Não podemosfixar-nos nesta vida como alguém que
constrói sua moradia sobre uma ponte. Nada está ao abrigo do etc., qualquer enriquecimentoda condiçãoexterior é visto como
envelhecimento,da morte, e, o que é ainda pior na visão hindu, uma distraçãoem relaçãoao essencial.Daí a vontade de reduzir
do renascimento, para recomeçar o ciclo, indefinidamente. ao mínimo possívelas necessidades vitais, vontade que se traduz
pela não-possessividade, pela continência e por outras regras de
Apoiar-sesobre o que é fugidio e transitório, como se fosseestá-
vel e permanente, só pode acabar em decepçãoe sofrimento. conduta. Trata-se de aliviar-se ao máximo de tudo o que não for
Mesmo os meios de salvaçãofornecidos pela religião oficial, absolutamenteindispensável,como um explorador que parte para
uma longa e perigosa expedição e leva consigo apenas o estrita-
ritualística e sacrificial, são consideradosinsuficientespelo Sâm-
khya. Pois a "imortalidade" assim obtida, que na realidade con- mente necessário,e evita toda e qualquer carga que só faria es-
torva-lo e retarda-lo.
siste apenas em permanência prolongada em mundos ou estados
paradisíacos, é também impermanente. Uma vez esgotado o. efei-
to dos ates sacrificiais e das açõ.eslouváveis, o homem recai des- Desapego negativo e desapego positivo
sesparaísose devenovamenteentrar numa matriz, para.renascer Esse caráter dinâmico da insatisfação e do desprendimento
numa existência sujeita às limitações corporais, à velhice e. à
morte. vulnerável,subm.ctidaao devir universal. Mesmo as dei- é perfeitamente destacado pelo Sâ/nkhyaao, quando distingue
duas espécies de desprendimento (vírága), literalmente "desape-
dades:+4. embora numa escalade tempo maior que a escalahu-
go" para com todos os objetos dos sentidos.
mana. estão submetidas à transmigração.
Numerosos milhares de Indra (protótipo do soberano dos O primeiro nasce do desgosto experimentado quando s3 con-
deuses) e outros deuses, de era cm sidera-mas fadigas que é preciso suportar para adquiri-los, a in-
) era, passaram com o tempo, quietude em conserva-los, o sofrimento de perdê-los. os perigos
pois o tempo é intransponível3s
que escondem em si, o fato de que, ao possuí-los, outra pessoa
Mas, poder-se-ia objetar, se o Sâ/nkhya se caracteriza por encontra-seprivada de tê-los etc. Essa atitude deve incitar a uma
uma insatisfação não apenas em relação à condição humana,
busca positiva. Se isso não acontece, resultando apenas em al)s-
onde todas as soluções descobertaspara atenuar os mal-esmais tenção, em abstinência, aquele qu.e com isso se satisfaz, acredi-
gritantes não fazem senão camuflar as fissuras do edifício, mas tando ter alcançado a sabedoria, pára no caminho, e essa atitude
em relaçãoao mundo manifestadoem toda a sua extensão,ao
torna-se para ele armadilha que conduz conduz à indolência e que
ponto cm que mesmoa posiçãode soberanodo universo esteja se denuncia como tal.
aquém de sua aspiração,como se explica o fato de que o con- A segunda espéci.ede desapego, mais rara, se produz espon-
tentamento (.çamfo.çha)seja mencionado como uma das impor-
taneamente, bruscamente, sem trabalhosas reflexões s(abre a im-
tantesdisciplinas(níyama) preparatóriasdo Yoga? É que o ím- pernlanência
do mundo.Nascede uma ardentesedede libera-
Mcnlbro da citsta real ou nobre ção, de uma saudadeintensa do estadoincondicionado.É como
!4 Os mundos celestes (SParga-lota) são habitados pelos deuses .(devam um pressentimentode uma realidade maior, que faz perder todo
quc, como os anjos do cristianismo,apesarde estarem no cume da hie-
rarquia dos seres, pertencem ainda ao cosmos manifestado.
Comentário (]o (]alidapada, Sam]{/!ya-K(]rika, 2.
3n Comentário de Gaudapâda aos Sómk/zya-KãrfÊá,XXllT
32 0 YoCA AS BASES DOU'MINORIAS DO YOGA 33

conhecer o manifestado e o não-manifestado. É a tal exame que


interessepor tudo o mais,e até se impacíentarcom tudo que
não conduzaa ela. Faz aparecero universo inteiro "como a ilu- nos convida o Sâmkhya.
são de um sonho". É o que o Vedânta denomina mzzmuks/ztzrva,
o desejo imperioso de liberação. Teoria da causação
Esses dois pontos de partida, que se poderiam classificar
A primeira constataçãoque parece impor-seé que o univer-
como negativo e positivo, são igualmente desenvolvidosno hin- so manifestado em sua totalidade se caracteriza por uma muta-
duísmo, cm proporção variável segundo as escolas, ao passa quc ção incessante.O mundo é com razão denominado em sânscrito
o budismo insiste quase exclusivamentesobre o primeiro. Entre- o "em-movimento" (jagaf). To.dasas coisas se submetem conti-
tanto, correspondendo à segunda atitude, poder-se,ia recordar a
nuamente a modificações infinitesimais, e no mais breve espaço
advertência
de Budaa seusdiscípulos:"Existe,ó Bhikkhus,um de tempo (#shana)não há nada que não tenha mudado,mes-
não-nascido, não-criado, não-gerado, não-formado. Se não exis- mo imperceptivelmente. Todos os fenómenos, tanto físicos como
tisse um tal não-nascido, não-criado, não-gerado, não-formado,
não haveria meios de escaparao que é nascido, criado, gerado, psíquicos, estão em estado de fluxo perpetuo.
formado"; daí a importância do Z?odhícífía, o "Pensamento do Para conhecer a natureza dessas contínuas transformações.
despertar" ou "Desejo de tornar-se um Buda", no budismo
o Sâmkhya debruça-sasobre a relação do efeito à causa. Qual
blahâyâna .
é na verdadea naturezade uma transformação?Chega-seà con-
clusão de que o produto não é o aparecimento do uma substância
Seja como for, nas tradições indianas, o fastio diante da exis-
tência ordinária não é de ordem sentimental, mas intelectual. completamentenova, diferente, e sem relação com sua causa,
mas, ao contrário, que deve preexistir sob uma forma latento em
Não parte de decepções, revesesou desilusões(mas, já que sc sua causa. No leito, a coalhada está potencialmente presente, se
atiça o fogo com qualquer madeira, ele também os integra), po- bem que ainda não diferenciada. Não pode haver nenhum efeito
rém de uma reflexão sistemáticasobre a naturezaprofunda das
que não tenha existido anteriormente, num atado não-manifes-
coisas, de uma investigação sobre as condições da experiência
humana, o que são e o que poderiam ser. É por causa desse
tado, em sua causa,já que nada pode sair do nada, o que os
caráter sistemático, metódico e impessoal do raciocínio Sâmkhya, mesmosefeitos são produzidos pelas mesmas causas.O que apa-
rece como efeito é apenas a manifestação de certas qualidades
(lue se opõe à abordagem emotiva, impulsiva e irracional que
pertence, cm geral, às vias religiosas, é pela sua rigorosa dedu- já presentes na causa, o desenvolvimento, o desabrochar daquilo
que era latente. Logo, a causa e o efeito representam respecti
ção das consequências a partir dos princípios entrevistos que vamente o estado não-desenvolvidoe o estado desenvolvido do
seu campo de investigação se estende bem além das modalidades uma só e mesma realidade. Toda produção é um desenvolvimen-
ordinárias da experiência humana, e que chega a uma superação
dc todas as formas contingentes do ser. Ultrapassa resolutamente to (zzdb/lava), e toda destruição uma involução (anzidb/zwa)
ou reabsorção na causa (/aya).
a existência nos estados "divinos", feita apenas dc gozos sutis c
prazeres estéticos: nessa perspectiva, uma tal existência, justa-
lilente por estar absorvida em perpétuas delícias, se caracteriza
A CausaPrimeira
por um esquecimento maior do essencial, ao passo que a exis-
tência nos estadoshumanos tem clebom, pelo menos, que o agui- Tudo, no universo,é o efeito de uma causaprodutora.Se
lhão do sofrimento empurra o indivíduo a buscar uma verdadei- todos os efeitos estão latentes em sua causa e quer-se evitar uma
ra saída. Os três estadoscriados: humano, subumano e divino, regressão indefinida, deve-se poder retornar a uma Causa Pri-
meira ou Substância Primordial (Praz/lama), ela mesma não-
são i.qualmcnte insatisfatórios, c o objetivo é transcender todas
causada. A partir do princípio de causalidade, po-de-se então che-
ii experiênciaslimitadas, todos os estadoscondicionados, isto é, gar à conclusão da existência de uma fonte última do universo
o r1]undo ]uanifestado em toda a sua extensão.
É isso possível?Para isso, seria preciso antes de tudo saber manifestado,de uma Substância-Forçaoriginal que não se pode
identificar com nenhum dos estados da manifestação universal,
o (luc é cslc mundomanifestado,
c aquilo que, em nós, pode
34 0 YocA
AS BASES DOUTRINÁRnS DO YOGA 35
já que cada estado representaapenasuma modificação particular
do princípio.de base.A evidenteunidade do universo, cujas pro« os objetos serem limitados e seus componente:sdistintos implica
duções, evoluindo e dissolvendo-se numa ordem definida, apre- a existência de uma Medida limitadora (À/óyá) a7, ou Causa
sentam uma continuidade do mais sutil ao mais grosseiro, con- Produtora (Prakr/f) .
firma a intuição dessa Fonte única. '''''"'-'
Qualquer coisa é o efeito de uma causa, e nada pode vir Os guia da Prakrti
do nada: não pode haver algo de menos na causa que no efeito;
do contrário, o que houvessede mais no efeito deveria pmvir
do nada e permaneceriainexplicável. Logo a causa deve neces- II'':11;:1:L:L=:=i=,:=:"!$':!' jl:hã:kl=$
sariamente conter.mais, ainda que de realidade, que o efeito; (gana) que a constituem. Essa teoria dos três tuna é fundamen-
de modo que a Causaúltima deveconter eminentementetoda tal em todo o pensamento indiano e permite uma classificação
a realidade de todos os efeitos existentes. Nela toda existência tripartida incansavelmente retomada e aplicada a todas as coisas.
determinada está implícita. A isso se segue uma compreensão Segundo essa concepção, a infinita diversidade do universo é de-
particular da "criação" do universo, que não é criação ex nlAiZo. vida expressamente às combinações, em proporções variadas, dos.
mas manifestação, desdobramento, atuação daquilo que já existe, três gtzna,que alternadamente se dominam um ao outro, se sus-
latente e indiferençado, na Substância-Causaoriginal. Dentro tentam, se atavam e se contrabalançam. São os três fatores anta-
dessepomo de vista, nada do que existe pode ser destruído. Não gonistasque se podem encontrar atuando em todos os fenõme-

ILB
há destruição, mas um retorno ao estado não-manifestado.

A Substância Primordial é denominada Praz/lama. literal-


mente "o que é colocado antes de todas as coisas", o Fundamen-
TESA:.=!=;n'!n,:
O gzznasa/fva tende à iluminação, à manifestação conscien-
to. Ela contém em potencial todas as determinações' Chamam- to. Psicologicamente, traduz-se como compreensão, alegria 'e paz,
na tambémÀ/z2/a-Pra#rrí,
a NaturezaPrimordial,raiz de todas fisicamente como leveza e pureza. O gana raias gera a atívidade
as manifestações, depois, por abreviação, Pra#r/i apenas. Ela é
avyakra,o não-manifestado.
Não pode ser percebida,mas ape-
nas inferida a partir de seus efeitos, que constituem 'o universo
manifestado. A relação entre o manifestado e o não-manifestado.
a um só tempodiferentese idênticos,é comparada
à que existe
entre o tecido e os fios de que é feito. O tecido não é uma coisa
e os fios outra. "Quem vê o tecido, vê os fios." Do mesmomodo.
aquele que vê o manifestado vê o não-manifestado tornado mani-
festo. Entretanto, os dois devem ser distinguidos.Pois tudo o
que é manifestadoprovém de uma causa.e é forçosamenteim-
permanente, limita(]o, submetido à transformação, caracterizado
/

pela multiplicidade, contingente, composto, destinado à dissolu-


ção. O substrato não.-manifestado ao contrário é não-causado.
permanente, onipresenta, estável, uno, autónomo, homogêneo,
indissolúvel. É a /Va/ura .Va/lz/an.v (/'ra#r/í), a Natureza Cria-
dora, em oposiçãoà Na/zzraÀrafura/ü(rí&rfí), a Natureza cria-
da. Da mesmaforma que, nestemundo, o oleiro fabrica potes
de certa medida,em qualquerlugar que se encontrauma me-
didtt reconhece-se
a atividacle
dc um agente.O próprio fato de
@#B;gB8H®$Z':.áHâ!:ihlB;
AS BASES DOU'URINÁRIASDO YOGA 37
36 0 YOGA

vital o na vida emotiva,e a de sa//vana inteligência.No pró-


sigo"; raias é a capacidade de esforço que supõe uma resistência prio corpo humano,saf/va governa a cabeça,raias o peito e os
a vencere permitea realizaçãodo estadosáttvico.O Dr. leal, braços, ramas a metade inferior do corpo, as pernas e os pés que
em T/zePosíríveScíences
o/ rhe HÍ/üus, interpreta os três duna cumpremo papel de suporte, de veículo, de servidoresdo resto
como "essênciainteligível, energia e massa", falares constituti- do corpo.
vos de todo o universo.R. Guénon, em L'Homme ef son Z)a'e- Nenhum dos duna tem o poder de aniquilar os outros dois.
rzír selar le }''edónra, entende-os como "condições de Existência Quando um deles se torna proeminente, os outros, na mesma
universal"e forneceuma definiçãobem penetrante:"Saf/va é proporção, tornam-se subordinados. Mesmo na matéria mais
a conformidade com a essência pura do Ser (saí), identificada inerte, o gana sa/fva estápresente,ainda que paralisado.Mesmo
com a Luz da inteligência ou r~om o Conhecimento, e represen- nos estadospsíquicosmais sublimes, o gana ramas não está au-
tada como uma tendênciaascendente;raias é Q impulso expan-
mento,porém dominado, utilizado, canalizado. O gzznamais fraco
sivo, segundoo qual o ser se desenvolvenum certo estadoe, de
algumaforma, a um nível determinadode existência;por último, torna-seassociado
ao maispoderosoe é obrigadoa tomar a di-
fama é a obscuridade, comparada à ignorância, e representada
reção deste último e a ajuda-lo em seu funcionamento. A água
como uma tendênciadescendente."
Todos os seressão classifi- é por natureza oposta ao fogo; mas quando ela está estreítamen-'
cados conforme a predominância neles deste ou daquele duna, te associadaa ele, torna-se extremamente quente, e a ação cona
e à trindadedos atributoscorresponde
uma tripla criação:"no jurada dos dois permite a cocção de alimentos. Da mesma forma,
alto", isto é, no mundodosseressobre-humanos
ou "deusa" quando um dos gzznaatinge seu grau mais elevado de desenvol-
(dwa), o gzzna safava é preponderante. Os da'a percebem ape- vimento, os outros Ihe servem do suporte e de auxílio. Isso ex-
nas os elementossutis,imperceptíveis
aos humanos,e não co- plica por que os três gzina, ainda que dotados de propriedades
nhecem nem a dor nem o obscurescímento das faculdades pelo contraditórias, podem cooperar tendo em vista um único objeti-
sono, pela estupidezou pela loucura, aos quais o homem está vo, como três coisastão distintas como o pavio, o azeite da lâm-
sujeito. "Na raiz", isto é, dosobjetos inanimadosaos animais,a pada e a chama podem, assim que entrem em cantata, trabalhar
criação comporta um excessode famaç; porém mesmo aí, safava em comum para iluminar uma peça da casa.
não está ausente. "No meio", isto é, na condição humana, o
raias predomina; é por isso que os humanos se avivam e se agi- O Purusha
tam sem cessar na perseguição de seus respectivos ideais. Assim,
do reino vegetal ao reino humano, depois divino, assiste-se a Além do dinamismo do universo. além mesmo da Substân-
uma diminuiçãoprogressiva
de lamas e a um acréscimopro'" cia-Primordial, isto é, além do manifestado e do não-manifesta-
porcional de saliva. Mas, em cada ser humano, os três gizna sc do, está o Princípio que se opõe aos dois primeiros já que não
interpenetram e se contrariam, formando caracteres variadosa8 é causa nem efeito me.m Produtor nem Produto -- diríamos:
Se fama predominafortemente, teremosum tipo humano gros- n-em criador nem criado. É o gurus/za, o princípio de consciên-
seiro, ignorante e preguiçoso. Os homens em que raias predomina cia, imutável e eterno. Em si mesmo imóvel e não-ativo, ilumina
são ativos, passionaise intrépidos. Fornecem excelentes estadis- com sua luz toda a evolução cósmica e individual.
tas, guerreiros heróicos e eficientes homens de ação. Aqueles "Além do não-manifestado está o Ptzrui/za,x:onipresento e
em quem o saffl/a culmina pertencemao tipo contemplativo, e 'indistinguível'. Aquele que o reconhece liberta-se e obtém a imor-
são calmos, reflexivos e perspicazes.Os mais perfeitos exemplos talidadeae."
desse tipo se encontram entre os sábios e os santos. "Além do Pzzrus/za,
não há nada, ele é o resultado,é o obje-
No interior da individualidadehumana, pode-seainda reco- tivo final40."
nhecer a preponderância de famaç no corpo, a de raias na força
ao KatAa-Up. VI, 8
38 Por isso o gana são o princípio da divisão da sociedade em castas. 40 lófd., lll, ll.
rparna)
38 0 YoCA
AS BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA 39

A palavra P crus/za,que significa literalmente "o Homem",


designaa essência
final do homem.É um termo muito antigo, no sono profundo quanto nos estados de vigília e sonho, que dá
que já se encontrava num mito cosmogõnico dos Veda, aplicado continuidade e coesão a todos os diferentes .estados psíquicos. Se
ao Scr Universal,ao Um original,cujo desmembramento
sacri- fosse sujeito à transformação, o conhecimento seria impossível.
ficial, frz ínírío re/?zpore,
deu origem à multiplicidade do cosmos Não depende de nada, mas as produções de /'ra&rfÍ dependem,
manifestado.
Nos Upanís/zad,
a palavraPuras/zaé utilizadaden- para manifestarem-se, da luz do Pzzrzzs/za.

tro dessa perspectiva cósmica, no sentido da Divindade suprema,


na qual toda a criação possui seu ser n. É a EssênciaUniversal, Provasda realidadedo Purusha
ao mesmo tempo imanente e transcendente:
Embora a realidade do Purusha seja uma causa de tradição
Assim como o Fogo, que é um, tendo penetrado no mundo, reveladae de intuição espiritual direta, obtida pelos métodosdo
assumetantas formas quantaspossamexistir, o Um, que é a
Sãm#/zya-Voga,algumas considerações são antecipadas para aju-
Essência íntima clc todos os seres, assumetantas formas quantas dar o estudantea adquirir sobre esseassunto uma convicçãoin-
forem existentes,e é tambémexteriora elas. telectual anterior à experiênciadireta.
;Assimcomoo Sol, o olho do mundo,não é maculadope-
las impurezas exteriores vistas pelos olhos, a Essência única no 1. Todo composto, todo agregado existe sempre em vista
interior de todos os seresnunca é maculada pela miséria do mun- de outra coisadiferente dele próprio. Da mesmaforma que uma
do, estando ela mesma à parte"." cama, que é um conjunto de diferentes pedaçosde madeira, do
Infinito, onipresente e não-ativo, penetra todas as coisas e lençóis e cobertas, não existo para si mesmo, mas em função
reside em todos os serescomo seu próprio Eu, vendo todas as daquele que ali dorme, assim o corpo, composto pelos cinco ele-
obras, percebendo todas as impressões. O PEzruz.ç/za
é a Consciên- mentos, e o psiquismo, composto pelas faculdades mentais e sen-
cia-Testemunha (sákshin), o Observador imóvel, que contempla soriais, existem para uso do Eu (Pzzrusha)que aí reside. E mes-
em silêncio o movimentoda Prakrfi. Nunca entra em ação e mo que se responda que o composto existe em função de outro
tampouco existe para ele a cessação.A ação pertence aos gana composto, está-se apenas lançando para mais longe a solução,
da Prakrff,da qualé inteiramentedistintoe independente.
Não pois é necessário,mais cedo ou mais tarde, chegar a uma uni-
dado, em vista da qual o último composto considerado existe.
afetado por qualquer desejo, não engajado, imaculado, vê tudo,
a tudo assísle, scm estar implicado, "como um asceta errante 2. Todos os objetos conhecíveis são determinados pelos
vê dc passitgem os trabalhos agrícolas dos camponeses4a". É o três duna,e pressupõem
um Eu que os vê, sendoele próprio o
inverso, isto é, não-determinado pelos gzznas.
espectador "quc se mantém no centro" (madhyas//za), equânime,
imparcial, desinteressado, impassível. DesprQyjÉIQ de qualauer 3. Por causada necessidade
de um poderque controlee
y a, presida, pode-se inferir a presença do Puras/za. Assim como uma
carroça atrelada a cavalos avança quando é ocupada por um
mente permanência, mas imutabilidade e perfeição. Sua natureza condutor, a Pra#r/í entra em ação e emite o universo sob a dire-
é Consciência pura, que só se torna conhecimento no sentido ção do Puzrus/za.
4. O Espírito (PurusAa) existe ainda porque é necessário
empírico através das limitações do corpo e do intelecto impostas
que haja um sujeito ao qual se destinam todas as experiências,
pela associaçãocom Prakr/i. É a consciência sem começo nem
fim, inalterável, cuja luz ilumina toda a esfera dos pensamentos, uma Consciênciapara a qual toda manifestaçãoé objeto de ex-
periência .
dos sentimentos e das sensações,o Eu que está presente tanto
5 Enfim, constata-seque há uma tendênciageral a esfor-
41 Cf. Çpe/áçpa/ara-Up.
Da mesmaforma na J?/z.G..
o sentidoé o çar-se em direção ao isolamento liberador. Todos os seres, cons-
mesmonos onzeprimeiroscantose é somentea partir do n.' Xlll ciente ou inconscientemente,
procuram libertar-se de suas limi-
que a palavragurus/zadenotaa alma individual. tações. Os textos sagradosestão aí, prometendo a liberação e
4Z Kat/za-Up.,
V, 9 e ll. prescrevendo a atividade apropriada a esse objetivo. Os sábios
43 S.K'.. ]9
se empenham nessa atividade que seria estéril se não prcexistisse
40 0 YoCA AS BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA 41

uma Realidade, o Pares/za, que efetivamente escapa às condições apenas existe em relação à manifestação, representa a primeira
da existência. divsiãodo Um comvista a produzir a multiplicidadedo mundo
Mas sejaqual for o métodopelo qual nos convencemos
da manifestado. Essa polarização do Ser principal é descrita poeti-
lpresença do Purusha, não se deve esquecerque este nunca pode- camente nas Z,eisde À/anu: "Dividindo seu próprio corpo, o se-
rá ser objeto de percepçãoou de conhecimento.É, ao contrário, nhor tornou-se metade masculino, metade feminino 4õ."
"aquilo que não se poderia ver, mas pelo qual as visões são vis- Considera-sefreqüentemente o Sâmkhya dualista porque em
tas", "aquilo que o pensamentonão poderia pensar, mas graças sua exposição cosmológica não vaí além da dualidade original
ao qual o pensamento pensa"", "aquilo pelo qual tudo se mani- do gurus/za o da Prakrfi. É uma conclusão muito prematura:
festa e que por nada é manifestado' mesmo em sua formulação clássica, o Sâmkhya não pretende
absolutamenteque a Pra&rfí seja um princípio independentedo
A "influência" do Purusha Partis/za'o, ao contrário, afirma repetidamenteque toda a ativi- }

dado daquela, seja na emanação, seja na dissolução dos mundos,


Se bem que o PurzzsAa não seja produção nem produtor, é só tem sentido em relação ao Puras/za,e tem por objetivo apenas
sua "influência", sua atividade não-atiça que, no início do ciclo cumprir "os fins do Puras/za". Nos Upaníshad, que contêm um
criativo, põe em movimento a Prakr/i e a faz emitir os mundos. ensinamento Sâmkhya e também na B/zagavad-GÍ/d. a existência
Anteriormente à manifestação,a Prakrli repousa em sua indi- separadada PrakrlJ é formalmentenegada47.Enfim, para todas'.
ferenciação primordial onde os três gtzna permanecem em per- as escolasdo Sâmkhya, antigas e clássicas, a dualidado é inicial,
feito equilíbrio, neutralizando-se mutuamente. Esse estado "sus- mas não final, já que, como veremos,o homem libertado das
penso", de união dos opostos,é o estadonatural da Pra#rri, no limitações do mundo manifestado alcança um estado onde al
qualo universodesaparece
no momentode uma dissolução
e do Praz:r/í "desaparece", é para ele como não-existente. l
qual emergeno momentode uma nova criação. Pois a evolução
é concebida como cíclica, os períodos de manifestação alternan- O desenvolvimento da manifestação
do-se com os de reabsorção, e como um desenvolvimento contí-
nuo numa só direção. No começo do um período cósmico, a sim- O desenvolvimento da manifestação a partir do não-manifes-
ples presençado r'urusha, agindo como o "motor imóvel" de tado (avyakra) até a manifestação grosseira se faz por etapas
Aristóteles, rompe o equilíbrio dos gzznada Prakr/í e provoca sucessivas, sendo cada uma dessas etapas denominada um /affva.
a manifestação,à qual presidee que é por ele animada ao mes- A Prakrfi, investida de poder criador pela simples presença do
mo tempo em que ]he permanece essencialmente transcendente. Pzzrusha, emite um princípio (raí/va) que a partir do si mesmo
Da "proximidade", do "contado"do Ptzrtzs/za
e da PraXr/í, se diz gera um outro; este último torna-se por sua vez a causa do prin-
brotar a manifestação,assimcomo da união de um homem e cípio quc dele emana,e assimpor diante, cada princípio proce-
de uma mulher se gera uma descendência.A influência misterio- dendo do princípio superior por modificação. Assim, toda a cria-
sa que exerce o P crus/zaé comparada à do ímã que, mesmo per- ção é emitida como a manifestaçãodaquilo que está já inerente
manecendoimóvel, põc em movimento as partículas de ferro. na CausaPrimeira.Por issoa evoluçãoe a involuçãoda mani-

O dualismo do Sâmkhya 4s l,efs de À/a/zu,1, 32.


40 Ao contrário,eleprocuradesvendar
a independência
do PurzzsAa
em
Toda a manifcstação cósmica é então fundada sobre essa relação à Prakrff.
4v Parao Çverdçparara-üp.
a Prakr/í é "a onipotência
dé)Eu divino"
dualidade fundamental do Pura.s/za, o princípio transcendente, Ídepárma-çakríJ.
seu poder mágico ou poder de ilusão (mapa); "Deve-se
representado
como masculino,e da Prakrfi, a Substância
Pri- saber que a Natureza é magia ÍmãyâJ, que o Soberano Senhor é Mágico
mordial, representadacomo feminina. Entretanto, essadualidade Ímáyin) e que todo esse universo está cheio de criaturas, fragmentos
dele mesmo."
Paraa BA.(}.,a Prakrfíé simplesmente
o aspecto
"não-supremo"
do
H rena-Up., 1, 5-6. Supremo PurusAa.
AS BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA 43
42 0 YoCA

gestação são frequentemente comparadas48 ao movimento de À/a/zaf é por vezesidentificado com Brahmâ, o Demiurgo,
ou Hiranyagarbha, "o Embrião de Ouro 40, e reencontramos aí
uma tartaruga que põe para fora e retrai os seus membros,ou a ideia upanichádicado que o Espírito Supremo,impessoal,rea-
a uma aranha que tece e depoisreabsorvesua teia. Mas, ao parece como o primeiro nascido da criação, tomando forma a
mesmotempo, todo o processoé estabelecidono interior da pró- partir da Substância Primordialso. É o Intelecto divino numa
pria CausaPrimeira e não pode ultrapassar seuslimites. Tudo propensão criadora; por isso À/aha/ é também chamado Z?udd/zí:
o que evolui permaneceno interior da causae dela nunca se des- inteligência pura e informal, supra-individual e supra-racional.
prende verdadeiramente,ainda que dela se diferencie na qualida- Substratode toda intelecçãoe de toda compreensão.Bzzdd/zíé a
de de efeito. O desenvolvimentoda manifestação consiste na apa- baseda inteligência de todos os seres, comparada, por causa da
rição do díferençado no interior do indiferençado, do determi- sua predominânciaem safava,a um infinito céu luminoso. Diz-se
nado no interior do indeterminado,do específicono interior do que está"repartida entre todos os seres",porque todos a pos-
indistinto suem. Mas ainda que pertença a todos os seres,está além da
O Purlzs/za, que é Consciência, assiste como testemunha a individualidade.
cada uma das etapasda manifestação,que não deriva dele, mas No ser individual, Z?udd/zise manifesta em particular como
unicamente da Prakr/f. a única a transformar-se e modificar-se. discernimento, como aquilo que reconhece, determina e decide.
Isso explica por que a cosmogoniaé expostado ponto de vista Enquanto o termo À4a/zafexprime o aspectocósmico dessalaffva,
do PurusAa, que é apenas o seu espectador; isto é, a emergência o sinónimo Z?udd/zise refere ao aspecto microcósmico, relativo :
a cada indivíduo.
dos mundos é descrita tal qual aparece à consciência, que é a
sua testemunha . A segundaproduçãode Prakrrí, que procedediretamentede
2?uddAI.
é a/zamkára:
o fator de individuação,
ou noçãodo "eu",
O estudo dos /a//va é essencialao nossoassuntoporque essas
mesmas etapas da manifestação cósmica devem ser revividas na que tem por efeito individualizar o princípio intelectual. .Áham-
kóra é definido como a presunção de ser uma entidade separada,
mesma ordem, mas em sentido inverso, pelo yogin. Este, poder- um "eu agente". Ele introduz na consciência a oposição entro
se-ia dizer, deve ascender à corrente criativa e, partindo dos sujeito e objeto, e, decorrente dessecontraste, nasce a convicção
faf/va inferiores, realizar cada princípio sucessivamente,
um por de que "a mim as coisasexternas e internas dizem respeito". O
um ou grupo por grupo, até a sua completareabsorçãono não- princípio de individuação é aquele que impele ao erro fundamen-
manifestado. Nessesentido os faffva são para ele uma gradação tal; a confusão entre a Natureza (r'ra#rrí) e o Espírito ( Pzzru-
de níveis na prática do Yoga. sha), enquanto Buda/zi possui a faculdade de discrimina-los.
A partir daí, assistimosa uma espéciede bifurcação do pro-
Os tattva cesso evolutivo. Este se divide em duas correntes que vão for-
mar, uma o universo subjetivo, e a outra o universo objetivo,
estando ambas estreitamente correlacionadas. Essa desdobramen-
Na origemda manifestação,
por rupturado equilíbriodos
gana devida à "proximidade" do Purzzsha, o glzna sa/fva torna-se to resulta naturalmente da divisão criada par aham#ára entre
predominante em Pra#r/í, e a manifestação procede por graus um "eu agente" e um "isso". Do princípio de índividuação do-
do mais sutil ao mais grosseiro.
minado pelo glzna saf/va emanam as onze faculdades ( indrlya),
formando o mundo subjetivo; e do princípio de individuação do-
A primeira produçãoda Pra#rrí é À/a/zaf: "o Grande [Prín- minado pelo gzznaramas emanam as cinco qualidades sensíveis
cípiol". É denominado "Grande" porque não há outro princípio (/anmó/ras), tias quais procedem em seguida os cinco elementos
manifestado quc o supere; é de ordem universal, co-extensivo à
manifestação em sua totalidade. 40 Representação
místicada sementedo universo,do ponto centrale
não-dimensionar
(bínduJ,
a partir do qualse desenvolveu;
do Germeem
que estácontida e determinadatoda a criação.
À/a/iã/)/zórara. XTI, 253 etc. 60 Rg-Fada. X, 12, 1; M.B/z., Xl1, 311, 3; ráyiz-Pi/r., IV etc.
44 0 YOGA AS BASES DOUT'BINÁRIAS DO YOGA 45

grosseiros,formando o mundo objetivo. Num e noutro caso, o des sensíveismanifestadasnos elementos.As primeiras são os
duna raias só entra em jogo para ativar a emergência.
órgãos de captação (graça) e as segundas são os aspectos da
As onze faculdades individuais (í/zdriya) compreendem: realidade captada (arigra/ia)'a
e Cinco "faculdades cognitivas" (jnórzendriya) : a audição, Assim como os fa/lva constituem o domínio subjetivo, as
o tato, a visão, a gustação e o alfaia, tendo por sede os órgãos diferentes modalidades do mundo objetivo (cada elemento e sua
correspondentes, respectivamente: os ouvidos, a pele, os olhos, a qualidade sensível inerente) são potencialmcnto reconvertíveis
língua e o nariz. uma na outra no sentido inverso de sua originação. Essa é es-
e Cinco "faculdades do ação" (karma/zdr®a): a palavra, a sencialmentea empresado Yoga, que visa fazer retomar cada
preensão,a locomoção,a excreçãoe a procriação,tendo por sede princípio ao princípio do qual saiu.
os órgãos correspondentes,respectivamente:a voz, as mãos, os
pés, o ânus e o sexo. DWERENTES ESTÁGIOS DA MANWESTAÇÃO A PAR'I'IR
e O /na/zas, décima primeira faculdade, que é a faculdade DE Pr(&krff E EM PRESENÇADE Purzzsha
mental, o pensamento.Coordenandoe dirigindo tanto as facul- Praktti Purinha
dadessensoriaiscomo as faculdadesde ação, tem um papel cen- (ou avyak/a)
tralizador. +
Mahat
O maus forma, juntamente com a noção do "eu" (a/zam- (ou BuddAiD
kára), e o intelecto (buda/zí), aquilo que se denomina o "sentido +
.,Ihamkâra
interior" (anrah#arana), em oposição aos dez primeiros índríya, Sâttvika Támasa
Rãjasa
que são "sentidos externos" + +
Esses treze "sentidos", ou melhor "instrumentos psíquicos",
5 faculda. l faculdade 5 faculdades 5 qualidade S elemcn
dos quais três são internos e dez externos, são comparados a três da mental de ação sensíveis tos
sentinelase a dez portas na cidadedo homem (as cinco faculda- sensorIaIS
des sensoriaiscorrespondendoàs portas de entrada, as cinco fa-
culdadesde ação às portas de saída). Mas a ordem pela qual as (jãarzen- (mana) (#armen. (ranmáfra) (bÀúfa)
dríya)
faculdades funcionam é inversa àquela pela qual aparecem; Vâ-
caspati escreve: "Todo homem utiliza primeiro seus sentidos ex- audição palavra sonoro Éter
teriores; depoisconsidera(com o ma/zal); faz a aplicação indi- (ouvido) (voz) (çabda) (âkáça)
vidual, referindo os objetos a sí mesmo (com a/zamkóra); e, fi- tato preensão tangível Ar
nalmente, ele determina (com bzzdd/zí) ':." (pele) (mãos) (sparça) (váyu)
Do lado objetivo, do aspecto temásico de a/zamXóraproce- visão locomoção visível Fogo
dem as cinco qualidadessensíveis,que são delimitações da subs- (olhos) (pés) (rapa) (reles)
tância sutil (fan-marra) em cinco qualidadesfundamentais: so-
nora, tangível, visível (incluindo forma o cor), sápídae olfativa. gustação excreção rápido Agua
(língua) (ânus) (rasa) (ap)
Essescinco fanmófra são os princípios respectivosdos quais
procedem os elementos sensíveisou elementos grosseiros (bhz2fa): olfato gozo olfativa Tara
(nariz) (sexo) (gandAa) (prfAílpiD
o Éter, o Ar, o Fogo, a Água e a Terra. Esses cinco elementos,
combinando seus átomos em proporções variadas, presidem à for-
mação do universo material e do corpo humano. Notar-se-á a Logo, temosno total, a partir da Prakr/í, vinte e quatro
complementará.idadeentre as faculdades sensoriais e as qualida- ra//va que se agrupam assim:

61 7'arfpa-X.aumud1,
23 5z Cf. Z?r/tad-âralzyaka-Up.
111,2, 1
AS BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA
46 0 YOGA 47

nato. Assim, compreende-sea significação do hino védico n4: pelo


O /'ra/{r/í é produtora mas não produzida (causa) .
8 À/a/tar, aham#óra e os cinco fanm(irra são simultanea- Sacrifício original que deu origem ao cosmos,a Consciênciain-
finita, onipresente e transcendente,que é o Um que existe por
mente produtos e produtores de outros princípios (efeitos e cau- si mesmo (Svayambhu), foi atada como um animal sacrificial
sas em relação a outros efeitos).
e os cinco elementos grosseiros e as onze faculdades são (Faça) pela corda dos três glzna à roda do devir, que gira in-
cessantemente e é dividida em tantos pedaços quantas são as
produtos e não produtores (efeitos somente) .
"consciências" empíricas existentes. O Ser único está sepultado
e Porém Plzrzzsha,o vigésimo quinto far/va, não é produtor, nos seres mortais, "encerrado na caverna da coração". Esse des-
produto, causa ou efeito.
membramento é o "pecado original" (À;í/bls/za) dos deuses (ou
forças cósmicas), "pecado ao qual todos os homens participam
A conjunçãodo Purushae da Prakrti em conseqüênciade suasexistênciasdistintas... Pelo próprio ato
Vimos como a Pra#ríí desenvolve, para o Puras/za e diante em que nos dota de consciência, 'ele aprisiona a si mesmo como
dele, a manifestaçãocósmicae individual. Produz-seentão um um pássaronuma rede', e sujeita-seao mal, à morte, ou ao
estranhofenómeno.O PtzrusÀa,que é a Consciênciapara quem menos assim parece aprisionar-se e sujeitar-se m"
o não-manifestadose torna manifesto,se identifica de certa for-
ma com o espetácujoque Ihe é apresentado.Em razão da trans- IJm ou vários Purusha
parência da Prakr/l em seuaspectosáttvico ou Z?udd/zí.o Puru-
s/za nela se reflete; depois é induzido a adotar a noção de ego Nesse nível, pode-se falar de uma multiplicidade de Pzzrusãa,
(ahamÀ:óra), nova delimitação da p'rakrfí. A asserção do Eu o sendo cada Plzrzzs/zaessa "porção" (amua) 60 do Eu universal que
faz identificar-se com os órgãos psíquicos e a impele a consi- "toma conhecimento de um campo de experiência" (#sAerraj-
derar-secomo um sujeito, agindo sobre o mundo que o rodeia, ãa) ", isto é, o princípio de consciência que ilumina com sua
concebido como exterior a ele. Nesse estágio, o Pzzrzzs/za,
tal ]uz um domíniode percepçãoe de açãoindividualmente
deter-
minado.
como um espectador inteiramente "cativado" por um espetáculo,
torna-sc prisioneiro, ou melhor, aparentementeprisioneiro do Em resposta à questão, por vezes controvertida, de saber sa
mundo fenomenal. Torna-se o jívárman, "a alma viva" ou ser há um só ou vários Purzzsha,os Pzzránaensinamque em realida-
individual, a consciênciaque, quando associadaàs funções psí- de o PzzrtzsAa
permanece
idêntico,"esteja ele recolhidoem si
quicas e corporais, está enganadana experiência, e se caracteriza mesmo ou manifestado nos seres animados a8", assim como o fogo
duplamente como "aquele que age" (karrr) e "aquele que sofre e as centelhas que dele se desprendem possuem a mesma natu-
a experiência" 'a (b/zokfr). Por causa dessa identificação, ele se reza ígnea.Dentro dessaperspectiva,tais textos atribuem aa
submetea todos os sofrimentosaos quais a existênciaincorpo- Purziba uma série de epítetos contraditórios tais como: "ao
rada está sujeita, se bem que desfrute igualmente a gama infini- mesmo tempo manifestado e não-manifestado" (vyakfóvyakra),
tamente variada das experiênciaspositivas que ela encerra. ;'tendouma forma própria ao mesmo tempo única e múltipla"
Estabelecendo-se na individualidadecomo numa cidade(don- (eká/ze#awarz2pa) . Entretanto, na medida em que reside nos se-
de a etimologia tradicional: Pzzrtzsha :: pzzri-s/zaya, "que repou- res manifestados, o Puras/za parece submetido à ignorância
sa na cima(seja"),diz-seque o Pum.çharesideno coração ou cen-
tro vital do ser humano. É então denominado "o Purtzsha do 64 Purzz.ç/za-Sú#ra(Rg-Fada,
X, 90).
os Ananda Coomaraswamy, Híridouísme ef Z?oudd/iísrne, pp. 23 e 37.
tamanho do polegar", para sublinhar seu aspecto microcósmico, õo Na Bb.G. (XV, 7) a Divindade diz: "Uma porção do meu próprio Eu.
em oposição ao gurus/za macrocósmica ou "Puras/za de mil ca- convertida no ser individual rjíva) no mundo dos vivos, rodeia-sedos cinco
beças,mil olhos, mil pés", onde o número mil simbolizao infi- sentidose da mente,que têm suasedeem Pra/{rlí.
tn "0 Eu é denominado Conhecedor do Domínio rks/ierraj/íaJ quando
está associado aos duna da Prakr/í. Mas quando dissociado, é dente
53 "0 Eu, quando entra em conjunção com as faculdades sensoriais.
minado o Eu Supremo." (À/.BA., Xl1, 6921).
motoras e mental, é denominadopelos sábios "aquele que recolhe os 68 Madeleine Biardeau, Cosmogoniei pzzrânfques,1, p. 26.
frutos da experiência (ó&akrrJ." Kaf/za Up., 111, 4.

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