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Romantizacao Do Relacionamento Abusivo Uma Violencia Silenciosa A Ineficacia Da Lei Maria Da Penha
Romantizacao Do Relacionamento Abusivo Uma Violencia Silenciosa A Ineficacia Da Lei Maria Da Penha
Resumo: O presente artigo objetiva abordar os perigos da romantização de relações abusivas em artigos de consumo
da cultura pop, alertando para a dificuldade de identificação das violências silenciosas no cotidiano. Assim, utilizando-
se de estudo doutrinário, legislativo, cultural e social, partindo da análise crítica de obras literárias, filmes e músicas que
disfarçam o abuso de romance, tornando-o sexy e desejável, visa dar luz à naturalização da violência doméstica e
familiar e ao alto grau de subnotificação dos casos concretos.
Palavras-chave: Violência contra a mulher. Lei Maria da Penha. Violências Silenciosas. Relacionamento Abusivo. Romantização
do Abuso.
Abstract: This article aims to show the dangers of romanticizing of abusive relacionships in pop culture merchan-
dise, warning against the difficulty in identifying silent violence in everyday life. Thus using doctrinal, legislative and
social study, based on critical analysis of literature, movies and songs that hide the romance abuse, thereby rendering
ISSN 2318.4329
degree of underreporting of real cases.
Palavra-chave: Violence against woman. Maria da Penha Law. Silent Violence. Abusive Relacionships. Romanticizing of Abuse.
E-mail: juliana.paula.direito@hotmail.com
3 Graduando do 6º semestre do curso de Direito na Faculdade Luciano Feijão (FLF).
E-mail: matheus-victoriaa@hotmail.com
4
Mestre em Ciências Jurídicas Internacionais pela Universidade de Lisboa. Professora do Curso de Direito na Faculdade
Luciano Feijão (FLF). E-mail: vanessavasconcelos85@gmail.com
INTRODUÇÃO
Controle motivado por ciúme não é amor e não é romântico. Precisamos parar de falar
que controlar as roupas da parceira é uma forma de demonstrar afeto ou de se mostrar
preocupado com o relacionamento, por exemplo. Controlar o que a parceira veste, com
quem ela conversa, aonde ela vai, proibir que ela faça algo não é sintoma de paixão, é
sinal de que o relacionamento é abusivo, nada saudável (CAMPOLINA, 2015).
Sobral-CE, novembro de 2016.
5“Por causa de você não uso mais batom, rasguei meu short curto, diminui meu tom. Troquei os meus amigos por alguém que só me
arrasa. Por causa de você não posso mais entrar em casa”.
Já no âmbito literário, um dos clássicos mais pertinentes sobre a romantização do
relacionamento abusivo é o caso de Lolita, livro de Vladimir Nabokov, que trata sobre a relação de
abuso trajado de amor entre padrasto e enteada, durante a infância e adolescência da menina, até
que ela consegue fugir e acaba por se tornar vítima de outro pedófilo.
Como a história é narrada pelo próprio agressor, é ele quem controla os fatos, romanceando
seu relato com doses de lirismo meticulosamente calculadas para encantar o leitor. Fazendo-se
necessário ressaltar que a narrativa coloca o desejo sexual masculino em um patamar de maior
importância que a integridade da vítima, passando a ideia machista de que não se pode negar nada
a um homem que se diz “apaixonado”, mesmo que seu objeto de desejo seja uma criança.
Desde a publicação de “Lolita” em 1955, o apelido da personagem Dolores Haze virou
sinônimo de uma jovem hipersexualizada, sedutora e maliciosamente ingênua. Na
verdade, esse arquétipo da ninfeta consolidado no imaginário popular tem pouco a ver
com a personagem do livro de Vladimir Nabokov.
(...) Existe muita conversa sobre garotas que usam roupas sensuais e se engajam em
atividades sexuais desde muito novas, e o discurso tende a culpar as meninas por tudo
isso. Mas elas simplesmente estão reagindo a um marketing e uma mídia agressivas, que
empurram na direção delas mitos de sexualização motivados, em vez de ajudá-las a
entender os próprios corpos e sexualidade em desenvolvimento de formas apropriadas
(DURHAN, 2016).
Essa idealização da sexualidade feminina e do herói romântico constrói a perigosa ideia
de que tudo que é feito “por amor” é justificável, seja o constrangimento causado pelo excesso
de ciúmes, a obsessão, o abuso sexual, o assassinato ou outros diversos tipos de violências
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Quando uma série de filmes e livros mundialmente famosos transforma a violência
doméstica e sexual em algo sexy, atraente e desejável, cria-se de forma tácita e veloz a aceitação
em massa de que esse é o tipo de relação afetiva ideal, passando a ideia de que essas constantes
de violência, muitas vezes imperceptíveis para as partes, são a personificação de um
relacionamento perfeito. E com o advento da internet, esses “romances” viralizam e encantam
de forma mais rápida que o combate a essas perigosas idealizações, sendo a velocidade inerente
à modernidade, ela também é própria do amor; não há tempo para a latência ou para adiar a
satisfação de desejos e impulsos sexuais (BENEVIDES, 2016, p. 87).
Sobral-CE, novembro de 2016.
Esse sucesso de 50 Tons de Cinza repercutiu no mundo todo, inspirando outros livros com
a mesma temática, sendo que alguns destes são voltados para o público mais jovem, o que é ainda
mais preocupante, à medida que esses livros influenciam as escolhas e julgamentos de pessoas
que estão encarando os desafios de suas primeiras experiências amorosas e sexuais, a exemplo do
livro Belo Desastre, de Jamie McGuire, que narra a história de um relacionamento construído através
de uma aposta, protagonizado pelo lutador Travis Maddox e a submissa Abby, cujo romance é
marcado por uma sequência de situações machistas e pelo ciúme doentio do garoto.
Apesar de ela afirmar que não quer nada com ele, ele a beija sem permissão, encosta nela
o tempo todo, invade o espaço pessoal. Ele é possessivo, bate nos outros quando está
com ciúmes, vive agarrando Abby com violência. A menina chora o tempo todo. Travis
ora ama, ora odeia, e nisso vem a desculpa do passado problemático.
(...) Ele precisa provar o tempo todo para todo mundo que Abby é dele, sua posse, sua
mulher. O relacionamento deles é só de tensão e medo. Abby sujeitando-se a
comportamentos que não são dela para não irritar Travis. (PESSANHA, 2016).
Estas situações retratam claramente o medo gerado por um relacionamento abusivo, mas a
forma como isto é percebido pelo consumidor visto apenas como uma fase da relação, que é o
grande problema. Frequentemente a “estratégia” utilizada pelo agressor passa pela mobilização
emocional e psicológica da pessoa vitimizada para satisfazer todas as suas necessidades de
atenção, de carinho e de importância. De forma dissimulada o agressor tenta inferiorizar a pessoa,
tornando-a dependente e com sentimentos de culpa (MADEIRA, 2013).
Em todos os exemplos supracitados, é perceptível que a violência é estruturante das
relações que produzem a vulnerabilidade e submissão das mulheres como reflexo do contexto
patriarcal que objetiva a figura feminina à posse da figura masculina. A romantização do abuso
Em uma primeira fase, a mulher muitas vezes não tem compreensão da gravidade da
violência por se tratar de algo verbal e, em regra, se culpa pela reação do parceiro. Depois,
começam a surgir as primeiras agressões físicas e, nessa segunda fase, a maioria já consegue se
enxergar dentro de um contexto abusivo e relata a violência em busca de ajuda, entretanto, segundo
Chakian (2015), o problema maior encontra-se na terceira fase, que é a lua de mel, quando o
agressor pede desculpas, muda de comportamento e a mulher se ilude crendo que o parceiro
melhorou e que o abuso não irá se repetir. Contudo, se faz necessário ressaltar que o
relacionamento abusivo é marcado por esse ciclo, e o que antes não saia do campo das palavras
passa a atingir a integridade física também.
A violência contra a mulher é um fenômeno social que ocorre em diversos âmbitos, sendo
o principal deles o doméstico, caracterizado pelo abuso físico ou psicológico de um integrante
do núcleo familiar em relação a outro, com o intuito de manter o poder ou controle. (FARIA,
2017) Essa violação decorre da ideologia imposta pela sociedade patriarcal, na qual a mulher deve
ser totalmente submissa ao poder masculino. Esse tipo de violência, conforme menciona a
antropóloga argentina Rita Laura Segato (apud. MEJIA e ARTHUR, 2005) resulta do mandato
moral e moralizador para reduzir e aprisionar a mulher na sua posição de subordinada, por todos
os meios possíveis, recorrendo à violência sexual, psicológica e física.
Essa visão estereotipada da mulher e de sua função social veio a ser discutida
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consubstanciou na luta por uma igualdade de direitos entre o homem e a mulher.
Esse tipo de violência ocorre primariamente, e perdura durante todo o ciclo de violência;
somando-se a essa, com o passar do tempo outras formas de violência vão sendo
incorporadas. Dessa forma, a violência psicológica ocorre sempre a priori. Observa-se
nas vítimas sofrimento psíquico segundo elas mais intenso do que a violência na forma
de agressão física (FONSECA; RIBEIRO; LEAL, 2012).
A violência psicológica é a principal característica de uma relação afetiva abusiva e pode ser
descrita como qualquer conduta que busque diminuir, manipular, controlar, humilhar, chantagear
ou/e quaisquer outros atos que visem causar danos emocionais a vítima. Por ser uma violência de
difícil constatação, a vítima, por não conseguir compreendê-la, sofre em silêncio, transformando-
o em diversos problemas mais graves, como depressão, fraqueza, baixa autoestima, insegurança
e até mesmo suicídio.
Ainda assim, pode-se considerar a violência doméstica psicológica como uma categoria
de violência que é negligenciada. Esta afirmação tem como base dois pilares. O
primeiro refere-se ao que é denunciado nas manchetes dos jornais, que destacam a
violência doméstica somente quando esta se manifesta de forma aguda, ou seja, quando
ocorrem danos físicos importantes ou, mesmo, quando a vítima vai a óbito. Outro
mito, apresentado reiteradamente pela mídia, é o de que a violência urbana é superior
à violência doméstica, em quantidade e gravidade. Embora seja difícil entender a
ocorrência da violência física sem a presença da violência psicológica, que é tão ou mais
grave que a primeira, muitos artigos nem sequer citam a sua existência. Vale ressaltar
que não está sendo, aqui, descartada a possibilidade da ocorrência da violência física
sem que a violência psicológica a preceda, mesmo se constatando que a maioria dos
Entretanto, também é preciso enfatizar que, em alguns casos, quando a vítima finalmente
percebe a condição de dominação e abuso, a ameaça ao rompimento do relacionamento faz
surgir, por parte do abusador, constantes lesões à honra objetiva e/ou subjetiva da mulher,
caracterizando assim mais um tipo de violência, a violência moral, que perpassa pela violência
verbal e se efetiva por meio de três crimes: calúnia, difamação e injúria, quando o agressor busca
de alguma maneira macular a imagem da vítima. Além do medo, da dependência emocional e
financeira, o sentimento de culpa faz com que muitas dessas mulheres permaneçam em silêncio
sobre o que passam ou passaram.
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Mulheres. E os índices são alarmantes. Cerca de 41% dos casos de violência acontecem dentro
de casa. Por isso, não é exagero dizer que a história da família, das relações de gênero e gerações,
da sexualidade e do erotismo na sociedade brasileira, é também a história da violência contra a
mulher. (DEL PRIORI, 2010).
De acordo com Benevides (2016, p. 167), até hoje, não falta quem entenda que a Lei
Maria da Penha pouco contribui no sentido da prevenção da violência ou da compreensão do
processo relacional que culmina na violência que busca coibir:
Os crimes contra mulheres não podem ser dissociados do padrão mais geral de
Sobral-CE, novembro de 2016.
criminalidade do País; muitos dos crimes ocorridos antes da vigência das novas leis
sequer chegavam ao conhecimento das autoridades jurídico-policiais; as estatísticas
possuem limitações; os dados produzidos por diversos órgãos nem sempre permitem
uma integração confiável de informações (BENEVIDES, 2016, p. 185).
No que diz respeito à subnotificação desses casos, o medo de denunciar acaba sendo seu
principal fator, visto que a sociedade culpabiliza as vítimas, as desacredita e menospreza a violência,
armas eficientíssimas para perpetuar o silêncio, seguido pela dependência emocional, na busca
constante pela “lua de mel” e, outras tantas vezes, pela dependência financeira.
À tendência do Judiciário à morosidade, à aplicação da lei aos casos concretos, segundo
suas conveniências e valores impregnados por preconceito de gênero, exacerbou a banalização de
casos de violência contra a mulher (BENEVIDES, 2016, p. 235) o que também desestimula o
registro da denúncia por parte das vítimas, assim como a impunidade dos agressores.
Buscar por ajuda externa significa que essas mulheres já estão tentando romper com o
ciclo de violência no qual estão inseridas. Na maioria das vezes, elas só denunciam
quando suas forças e a esperança na mudança do comportamento do marido ou
companheiro já se esgotaram, chegaram ao limite; ou saem de casa ou se sujeitam
completamente a masmorra psíquica e as agressões físicas. Partindo para o tudo ou
nada denunciam os companheiros, saem de casa e procuram abrigos (SILVA, 2008, p.
83).
Passado, entretanto, pouco mais de uma década da entrada em vigor da Lei Maria da
Penha, os índices de violência doméstica e familiar contra a mulher recrudescem de modo a dizer
que a judicialização dessa violência está longe de modificar os comportamentos dos agressores
(BENEVIDES, 2016, p. 237).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo que, com base nas considerações feitas neste trabalho, foi possível realizar uma
reflexão sobre a romantização do relacionamento abusivo em artigos de consumo da cultura pop
e a consequente dificuldade de identificação das violências silenciosas. Nota-se que os
relacionamentos abusivos, apesar de serem destrutivos, são facilmente negligenciados e
transformados em algo romântico e desejável.
Tende-se a entender como violência apenas aquelas que podem ser vistas a olho nu: a
violência física e a sexual; contudo as violências silenciosas: psicológica, moral e patrimonial; são
tão graves quanto as outras, deixando marcas, às vezes, irreparáveis para o resto da vida de suas
vítimas. E ainda que tais violências constem na redação da Lei Maria da Penha, sua ineficácia se
reflete no momento em que as denúncias dificilmente são reconhecidas e resolvidas de maneira
adequada pelos órgãos jurídico-policiais, contribuindo menos que o esperado na prevenção e
repressão da violência contra a mulher.
Portanto, este trabalho traz uma maior reflexão a cerca dos perigos da naturalização da
violência doméstica e familiar contra a mulher dentro do consumo cultural, demonstrando a
necessidade de mudanças urgentes e eficazes nas bases ideológicas da nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
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