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DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
1. INTRODUÇÃO
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Muitas vezes confundida com uma tarefa simples e, até mesmo
reduzida ao uso de um único instrumento, a AP, através de sua história,
nos revela que durante muito tempo, não se possuía total clareza sobre
seu significado e seu valor, o que desperta a atenção para a necessidade
de compreendermos melhor esse processo tão complexo.
Mais do que isso, chama nossa atenção para além da evolução que
ocorreu com relação às suas técnicas ou, quanto ao uso de seus
resultados e interpretações. Devemos também refletir sobre a evolução
que se dá, no sentido de humanização desse processo e sobre o
impacto de nossas decisões enquanto profissionais, que podem resultar
em consequências positivas ou negativas, para o avaliando e todos os
demais envolvidos nesse processo.
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Para Nunes (et al., 2012), a AP deve ser um componente curricular
obrigatório em qualquer curso de Psicologia, tendo em vista que esta é
necessária, antes de toda e qualquer intervenção psicológica.
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No entanto, sabemos que ainda há um longo caminho a ser percorrido
para que esta concepção deixe de ser uma realidade na prática
psicológica.
Bons estudos!
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Os paradigmas da avaliação formal e do consequente controle do
comportamento dos indivíduos na sociedade variaram muito durante a
história da humanidade, dependendo das crenças, das filosofias e dos
códigos de conduta de diferentes contextos culturais, desde o sistema
familiar do período neolítico (12.000 a.C.), do sistema de adivinhos das
culturas egípcia e suméria (10.000 a.C.), até os testes psicológicos atuais
(Barclay, 1991).
Bueno & Ricarte (2017) afirmam que “a instituição das avaliações pode
ser considerada um avanço em relação à transmissão de cargo por
hereditariedade ou uma forma de ajudar a sociedade a identificar
aqueles que se destacam pelo notório saber numa determinada área de
conhecimento.
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“Esses exemplos mostram que os
processos de avaliação nasceram
em função das necessidades sociais
e, consequentemente com o
compromisso de ajudar a sociedade
a fazer escolhas menos permeadas
por vieses de interpretações
pessoais dos avaliadores e
baseadas em condições de
equanimidade entre os
concorrentes” (Bueno & Ricarte,
2017).
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Mais tarde, Galeno (116-200 d.C.) elaborou a teoria dos temperamentos,
que serviu durante muito tempo como paradigma de classificação da
personalidade. Complementando a classificação médica de Hipócrates
(5º século a.C.) dos quatro elementos da teoria dos fluidos (fogo, ar,
terra, água) e baseando-se nela, Galeno desenvolveu a teoria dos
quatro temperamentos: melancólico (sujeito triste, reservado e sério),
colérico (sujeito agressivo, excitável e impaciente), fleumático (sujeito
passivo, pacífico e calmo) e sanguíneo (sujeito sociável, extrovertido e
alegre) (Pasquali, 2010).
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Por volta do século XVIII, Christian von Wolff (1679 – 1754), filósofo
alemão (Pereira, 2017), havia antecipado a psicologia como uma ciência
e a mensuração psicológica como uma especialidade dessa ciência
(Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014).
Em 1859, Charles Darwin (1809 – 1882), publicou seu livro “A Origem das
Espécies”, obra em que afirmava que a variação casual nas espécies
seria selecionada ou rejeitada pela natureza de acordo com a
adaptabilidade e o valor de sobrevivência. Seus escritos a respeito das
diferenças individuais despertaram o interesse na pesquisa sobre
hereditariedade, em Francis Galton (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014).
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Nesse sentido, Pasquali (2001/2011), aponta três importantes
contribuições de Galton, a saber:
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Ele tentou controlar todas as variáveis estranhas na tentativa de reduzir
o erro a um mínimo (tentativas que são razoavelmente rotineiras na
avaliação contemporânea), com o objetivo de assegurar que quaisquer
diferenças em seus escores sejam devidas a diferenças entre as pessoas
que estão sendo medidas, e não a quaisquer variáveis estranhas
(Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014).
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Pasquali (2011), localiza a origem da Psicometria nos trabalhos de James
M. Cattell (em uma publicação no ano de 1890), que utilizou pela
primeira vez a expressão “testes mentais” e enfatizou a observação das
diferenças individuais no estudo de processos sensoriais, assim como
Spearman, que aplicou técnicas de correlação e análise fatorial ao
estudo das aptidões humanas, propondo a teoria do fator geral de
inteligência (fator g).
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Estes, desejavam identificar as crianças que, por algum tipo de
transtorno no seu desenvolvimento, não conseguiam acompanhar o
ritmo das classes regulares do ensino público, com o objetivo de aliviar
a pressão sobre essas, para que apresentassem um desempenho como
o das outras e oferecer a elas uma educação especial, que respeitasse
seu próprio nível de desenvolvimento (Pasquali, 2011; Cohen, Swerdlik &
Sturman, 2014 ).
Até o início dos anos 1900, de acordo com Cohen, Swerdlik & Sturman
(2014), não havia nenhuma crença disseminada de que a testagem para
variáveis, (como tempo de reação, por exemplo), tivesse algum valor
prático, apesar do fascínio do público, quando então, surgiram os
primeiros testes formais de inteligência.
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Tudo isso começou com um único teste projetado para uso com os
jovens alunos em Paris (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014), como
veremos adiante.
Após uma década, uma versão inglesa do teste de Binet, foi preparada
para ser usada em grupos em escolas nos Estados Unidos (EUA), em
resposta à necessidade dos militares de um método eficiente de
avaliação (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014).
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Bueno & Ricarte (2017) afirmam que o surgimento da ciência psicológica
no século XIX, fez com que os métodos e técnicas de avaliação logo se
mostrassem importantes para a efetivação do compromisso da
Psicologia com a sociedade. Dentre estas contribuições, os referidos
autores destacam duas linhas:
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Já os testes, são uma alternativa que apresenta procedimentos
padronizados e, principalmente, a possibilidade de utilização de
números para captar diferenças individuais, o que transforma esse
processo em um uma medida de comportamento, colocando a
Psicologia no patamar de outras ciências já estabelecidas na segunda
metade do século XIX (Bueno & Ricarte, 2017).
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Os testes projetivos, embora apresentem uma padronização de
procedimentos, e em sua maioria, propõem interpretações do
simbolismo presente na realização de certas tarefas, como por
exemplo: desenho, produção de histórias e interpretações de manchas
de tinta (Anastasi & Urbina, 2000).
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Muito tempo depois, essa valorização da testagem, em detrimento de
outras técnicas acabaria se revelando um grande problema para a área,
(Noronha et. al., 2002), como veremos no mais adiante.
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Mas, o principal evento desencadeador do desenvolvimento de
instrumento de medida, nesse período foi a entrada dos Estados Unidos
(EUA) na Primeira Guerra Mundial, no ano 1917.
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“Fatos como esses, mostram a importância da realização de estudos de
validade, especialmente o que hoje se denomina de evidências de
validade com base na relação com variáveis externas, cujos resultados
apontam inferências que podem ser feitas a partir de escores do teste
para prever algum critério do mundo real (como desempenho
acadêmico, profissional, etc.)” (Bueno & Ricarte, 2017).
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Imagem disponível em:
https://inovamentepsicologia.com.br/2016/10/avaliacao-psicologica/
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Inclusive, ao que parece, a expressão avaliação (assessment), apareceu
como termo psicológico no livro “Assessment of men”, do OSS, em
1948, utilizado para expressar o conjunto de processos que as pessoas
usam para formar impressões e imagens, tomar decisões e verificar
hipóteses sobre as características das outras pessoas no confronto
delas com seu meio ambiente (Sundberg, 1977 In: Cohen, Swerdlik &
Sturman, 2014).
Assim, além dos testes para medir a inteligência, surgiram testes para
medir a personalidade, o funcionamento do cérebro, o desempenho no
trabalho e muitos outros aspectos do funcionamento psicológico e
social (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014).
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Até meados de 1930 a testagem estava em plena expansão nos EUA, em
grande parte devido à sua cientificidade e às contribuições para a
sociedade em diversos âmbitos. Denota-se ainda, que o foco, que até
então era exclusivo às capacidades cognitivas, beneficiou os estudos
sobre a inteligência humana, recebendo esta área os maiores avanços
metodológicos, teóricos e científicos da época (Ambiel & Pacanaro,
2011).
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“Em geral, autorrelato refere-se a
um processo pelo qual os próprios
avaliandos fornecem informações
relativas à avaliação respondendo a
perguntas, mantendo um diário ou
auto monitorando pensamentos ou
comportamentos” (Cohen,
Swerdlik & Sturman, 2014).
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Todos estes avanços construíram a base para o surgimento da testagem
moderna, mas seu dinamismo originou-se na necessidade de se tomar
decisões na área da educação.
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O campo da seleção de pessoal na indústria e nas Forças Armadas se
desenvolveu em torno desses instrumentos, juntamente com o uso de
amostras de tarefas, dados biográficos e testes gerais de inteligência,
individuais e grupais. Muitos destes instrumentos também foram
usados com êxito para identificar os talentos de jovens em busca de
orientação vocacional (Urbina, 2007).
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Segundo Pasquali (2001/2011), entre 1940 e 1980, três eventos podem
ser citados como fundamentais, no que ele denominou como a era da
sistematização: a criação de sociedades científicas relacionadas com a
Psicometria, a criação de periódicos de publicação especializada nesse
tema e a publicação de obras que, por um lado, sintetizavam o
conhecimento reunido nos periódicos e, por outro, fazia críticas a esse
conhecimento, proporcionando o desenvolvimento técnico e teórico
dessa área do conhecimento.
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O estímulo ambíguo poderia ser uma mancha de tinta, um desenho,
uma fotografia ou outra coisa, como é o caso do teste desenvolvido por
Hermann Rorschach (1884 - 1922), médico psiquiatra suíço, que
elaborou as manchas, suas respectivas aplicações em pacientes e em
pessoas normais (Freitas, 2005), resultando na publicação do seu livro
“Psicodiagnóstico”, em 1921 (Rorschach,1978). Neste livro, Rorschach
apresentou diretrizes para a administração, pontuação e interpretação
de respostas dadas a um conjunto padronizado de 10 manchas de tinta
que posteriormente ficou conhecido como o “Método de Rorschach”
(Butcher, 2010; Weiner e Greene, 2008).
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Segundo Cohen, Swerdlik & Sturman (2014), quando figuras ou fotos
são usadas como estímulos projetivos, os respondentes em geral são
convidados a contar uma história sobre a figura que está sendo
mostrada, para que sejam então analisadas em termos de quais
necessidades e motivações eles podem estar projetando nas figuras
ambíguas.
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“A apercepção constitui-se como uma interpretação significativa que
um organismo faz de uma percepção (aspecto sensorial), unindo-a a
experiências passadas e também ao estado psicológico atual do
sujeito” (Tardivo & Xavier, 2008).
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O uso atual dos testes, que acontece em uma ampla variedade de
situações, pode ser classificado em três categorias: (a) tomada de
decisões, (b) pesquisas psicológicas e (c) autoconhecimento e
desenvolvimento pessoal. Estes três tipos de uso diferem vastamente
em seu impacto e, em muitos outros aspectos, e o primeiro deles é
certamente o mais visível ao público (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014).
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São elas: produção médico-científica acadêmica (1836-1930);
estabelecimento e difusão da psicologia no ensino nas universidades
(1930-1962); criação dos cursos de graduação em psicologia (1962-1970);
implantação dos cursos de pós-graduação (1970-1987); e emergência dos
laboratórios de pesquisa (1987 em diante).
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Para Andriola (1996), o período entre 1930 e 1962, poderia ser
considerado como a “fase de ouro” no que se refere à produção
científica e à construção de instrumentos de medida, com o
desenvolvimento de testes específicos para a população brasileira,
embora ainda se recorresse à prática de usar instrumentos importados
sem maiores esforços de adaptação para a realidade do país.
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A Lei nº4.119/62, culminou com a criação do Conselho Federal de
Psicologia e de suas sucursais regionais, em 1974. Os cursos de
formação em psicologia foram oficializados, tendo currículos mínimos
estabelecendo os conteúdos básicos a serem ensinados nas graduações
e em organizações como a Fundação Getúlio Vargas e o Instituto de
Seleção e Orientação Profissional (ISOP), sob a direção de Emilio Mira Y
López, assim como outros laboratórios e departamentos que foram
fundados em universidades (Ambiel e Pacanaro, 2011).
Alchieri & Cruz (2003), chamam a atenção para o fato de que, o rápido
crescimento de cursos de Psicologia e a consequente necessidade de
professores para o ensino, culminou no final da década de 1960, em
“certo comprometimento na qualificação dos psicólogos,
especialmente na área de avaliação psicológica”, o que teria gerado um
desinteresse pela aprendizagem de medidas psicológicas e o descrédito
em relação ao uso de instrumentos psicométricos.
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“Em relação aos testes
psicológicos, este período foi
considerado pobre, havendo sido
abandonados ou usados sem
atualização de suas normas. A
pesquisa foi nula, assim como a
produção e publicação de artigos, o
que se faz sentir no despreparo dos
profissionais e docentes da área de
avaliação psicológica até os dias de
hoje (Amendola, 2011)”.
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No entanto, nem tudo se limitou a prejuízos e descrenças, no que se
refere à Psicologia e, especialmente à AP, em território nacional.
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Os psicólogos que faziam uso desses testes, por não terem suficiente
conhecimento para perceber a carência técnica e metodológica, não
tinham maiores críticas em utilizá-los, ensejando uma reação da
sociedade, dos usuários e das vítimas do uso abusivo e indiscriminado
desta prática por parte de psicólogos despreparados quanto à AP
(Amendola, 2011; Pasquali & Alchieri, 2001/2011).
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Associações científicas, que funcionam até hoje, passaram a influenciar
e a promover o desenvolvimento da área e a colaborar com
importantes decisões que envolvem a psicologia no país (Noronha &
Reppold, 2010), como é o caso da Associação Brasileira de Rorschach e
Outros Métodos Projetivos (ASBRO – www.asbro.org.br) e o Instituto
Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP – www.ibapnet.org.br).
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Esta certificação é dada com base em requisitos técnicos mínimos,
como estudos de validade, precisão, padronização e base teórica
relevante, estabelecidas com base em regras internacionais para a
construção destes instrumentos, como a “American Psychological
Association (APA)” (Alves, Silva & Fernandes, 2016), realizadas pela
comissão Consultiva em Avaliação Psicológica, que revisou todos os
testes comercializados que estavam em uso no Brasil (CFP, 2010).
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No ano de 2003, o CFP substituiu a Resolução nº 25/2001, pela nº
02/2003, revogando a primeira e estabelecendo um conjunto de
requisitos psicométricos mínimos, com base em parâmetros
internacionais, para serem considerados “favoráveis” ao uso
profissional (Noronha, Primi & Alchieri, 2004).
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Acesse o link abaixo, para ler a referida Resolução na íntegra:
http://satepsi.cfp.org.br/docs/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-n%C2%BA-09-
2018-com-anexo.pdf
4. CONCLUSÃO
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Paralelamente, denota-se a necessidade de o próprio psicólogo
compreender que a AP envolve o conhecimento de todo o processo,
desde a definição dessa atividade exclusiva dos psicólogos, seus
diversos contextos de atuação, seus instrumentos de aplicação (e não
apenas os testes), os documentos provenientes dessa atividade e a
Legislação referente ao tema, a saber, o Código de Ética Profissional, as
Resoluções e Notas Técnicas pertinentes.
42
Referência Bibliográficas
43
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constituição. São Paulo: EDUC/UNIMARCO, 2001.
44
BORSA, J.C. (Org.) Avaliação Psicológica: aspectos teóricos e práticos.
Petrópolis, R.J.: Vozes, 2017.
45
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2013. Brasília: CFP, 2013.
46
FREITAS, M. H. As Origens do Método de Rorschach e Seus
Fundamentos. Psicologia: Ciência e Profissão, nº 1, ano 25, pp. 100-117,
2005.
47
NORONHA, A.P.P.; NUNES, M.F.O.; AMBIEL, R.A.M. Importância de
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<https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/6135>. Acesso em: fev. 2019.
49
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Disponível em: <
http://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2011/01/arte-da-
renascenca.html>. Acesso em: nov. 2018.
50