O atomismo para começar, por via de regra, nada tem em sua composição singular, ou seja, o próprio átomo, de igual com o uno parmenídico da escola eleata e de todos aqueles da qual derivam suas filosofias, seja de corrente platônica ou aristotélica, sendo por assim dizer, o que houve de mais sofisticado nas teorias dos chamados filósofos da natureza no período “pré-socrático”, apesar de o principal expoente da teoria ser um contemporâneo daquele que é responsável por esta passagem de época. Deixando a historicidade dos fatos um pouco de lado, é muito claro haver uma certa “ponte” necessária na teoria de Demócrito e Leucipo quanto a formulação daquilo que seria(m) a(s) “unidade(s)” primordiais da natureza e que por consequência formariam todo o universo ou cosmos, não no sentido este último de ser ordenado mas composto por esses entes materiais, e que por isso estabeleceria(m) todo e qualquer tipo de sensação, sentimento e até mesmo da natureza da alma, com outros pensadores da escola jônica, desde Tales, passando por Anaximandro, Anaxímenes e Anaxágoras, os três primeiros correspondendo a escola jônica e no que diz respeito ao último foi o idealizador das partes constituídas do universo, cujas, são divisíveis ao infinito, as quais, cada uma das partes são iguais às anteriores divididas denominadas “homeomerias” e que influenciou no pensamento acerca da criação do átomo por esta partícula elementar formar a physys e ser sua menor parte constituinte indivisível. Já quanto ao mais antigo dos filósofos, pode-se comparar ao “rhytmós” e a um de seus significados, a fluidez, sendo assim, igualmente como a “água”, na natureza tudo flui, pois, se assim não fosse, na mesma o movimento seria impossível e os átomos perderiam um de seus atributos fundamentais que é o próprio movimento e sua velocidade correspondente. De Anaximandro, o movimento infinito dos contrários está contido na própria constituição do átomo que compõe os contrários sensíveis como o doce e o salgado, frio e quente e pesado e leve. De seu discípulo próximo Anaxímenes, o próprio ar pode ser comparado em relação a velocidade e ao peso do átomo, para isso dois exemplos são demonstráveis: o assoprar lento e frio referente a velocidade variante de um rápido e quente e, o ar mais leve e quente, por conseguinte, mais rarefeito e menos denso que sobe de um aparelho ar- condicionado do que o menos rarefeito e mais denso ar frio do mesmo. Dos três significados de “rhytmós” duas outras interessam tanto quanto a primeira, e são o limite de movimento e a velocidade. O primeiro descreve-se pelo fato do núcleo atômico ser a área mais estável, porém, não estática de toda sua estrutura e que apresenta a sua periferia como a mais movimentada e por isso lá acontecer os choques entre átomos ou o “turbilhão” por assim dizer. Apesar de no núcleo haver um movimento mais equilibrado e menos disperso, inicialmente pode-se afirmar que prevalece o choque constante entre eles que dá origem ao turbilhão e somente depois tendem a se reunir e por assim dizer se “pacificar”. É muito importante salientar a ideia de átomo sempre no plural por este apresentar uma característica, a qual, seria a que melhor o definiria, sendo, portanto, a de “vibração”, por que se não fosse dessa maneira jamais haveria a matéria visível ou condensada e logicamente a união entre estes. A constituição atômica se dá por três características que são: figura, ordem e posição. Figura é a delimitação do átomo, sua estrutura (apesar de os átomos em suas totalidades serem infinitos) ou até mesmo sua forma, contudo, essa última acepção é muito vulgarmente associada a Platão e sua eidética e também pela palavra no grego está mais próxima de Morphé, já que na etimologia platônica a palavra “Eidos” põe-se além de simplesmente delimitação da figura. Sendo assim, diz-se figura do triângulo ou do átomo e forma do corpo ou de qualquer outro objeto sensível, porém, a atomística não se resume a considerar toda sua parte integrante apenas de figura mas também de peso, sendo a própria força gravitacional o que permitiu primeiramente a queda dos átomos em deslocamento ao vazio representado pelo “clínamen” de Lucrécio, cujo, apesar de não mencionado por Epicuro, a própria atração ou “vibração” após a queda explicaria por que os átomos se reuniram e formaram mundos e todo o cosmos e não simplesmente permaneceram paralelos uns aos outros em um eterno não encontrar-se, vindo a não ser aquilo de que chamamos universo observável. Para o Poeta latino, isso dever-se ao acaso, mas, isso traria um decréscimo muito grande a filosofia epicurista e acabaria por ferir o primeiro princípio de seu autor: O de que nada vem do nada. Tudo aquilo que compõe a matéria composta é formada por alguma coisa, que tem de ser sempre igual desde o princípio, pois, se assim se transformasse, acabaria por não ser ou se igualaria ao vazio por não estar mais presente. Apesar de haver essa objeção a doutrina do pensador helenista, a defesa desta ideia é a de ela justamente reafirmar a perenidade, cuja, o universo repousa, sendo os desvios primeiros dos átomos na chuva atômica o que permitiu a formação deste. Na psicologia jônico-epicurista, encontra-se também a conjectura da alma que apesar de ser material e consequentemente mortal ao menos não é renegado a conhecê-la apenas os iniciados nos antigos mistérios, como no caso do orfismo e também de seus seguidores a exemplo de Platão, Pitágoras e Parmênides, a qual, para estes era imaterial e a cultuavam através da prática do ascetismo, buscando assim, negar todo e qualquer prazer material e amortizar consequentemente tudo que tivesse como via o corpo, objetivando deste modo uma vida futura perfeita e por isso mesmo superior a terrena. Para Demócrito, a alma era composta de átomos mais sutis, assim como o ar de Anaxímenes, além de não ter nada de assustador na para a morte, pois, este processo não é senão a decomposição destes átomos, enquanto que para Lucrécio, a alma era composta por partes diminutas que permeiam pelo corpo todo e adentrando mais ainda no ser, encontra-se o que convencionalmente nos dias atuais se chama espírito, composto por partes mais diminutas ainda do que a alma e que por sua natureza assemelha-se ao pensamento, cujo, segundo o filósofo sua velocidade seria o que há de mais rápido no universo. Desse mesmo espírito tem por equivalência no grego com a palavra “Nous” que significa gênio, inteligência, já a palavra latina “anima” tem por seu equivalente na língua grega “Psiché” o que pode responder à necessidade de reafirmar que o pensamento ou o espírito assim como para o poeta latino é o que há de mais intrínseco e essencial no ser humano. Igualmente a Demócrito, que propôs o átomo sendo uma bola maciça, indivisível, eterna e indestrutível, também imaginara igualmente Lucrécio como sendo esférico pelo seu aspecto dinâmico o que lhe conferia grande velocidade em seu caminho pelo vazio (o não ser). Apesar de atualmente os modelos atômicos terem sido reconfigurados, é inegável que ainda permanecem alguns princípios dos primeiros atomistas da ciência como no caso de um átomo representar a unidade indivisível de um elemento, o qual, sem a devida distribuição eletrônica e contagem do número de prótons e nêutrons, perde sua identidade e acaba por ser considerado um outro elemento, já no caso das substâncias, decompõe-se apenas em elementos primordiais. Um outro princípio de Epicuro, o qual, se assemelha com o de Anaximandro é o pensamento de que tudo se origina de uma semente inicial tanto como a semente que era o primeiro ser vivo da terra de acordo com o último e desta forma, toda vida teria surgido dessa maneira envolto os organismos em uma espécie de casca, como se observa também nas sementes das plantas e árvores. Apesar de os átomos serem infinitos em quantidade, a proporção de figuras dos mesmos não pode ser definida igualmente, até por parecer ser impossível imaginar uma infinitude de estruturas geométricas , mas, no que concerne a alma são eles limitados e mais ainda, em pequeno número, sendo a sua principal parte situada no peito, ou por assim dizer onde reside o espírito, o que por si só já é uma aversão ao que propunha por exemplo Platão quando diz que a alma racional situa-se na cabeça, enquanto que, a irascível ou a correspondeste às paixões no peito, portanto, não relacionada ao componente inteligente da mesma e confundindo-se com a parte que o próprio Lucrécio diz estar na periferia do corpo responsável pelas sensações e que de acordo com o seu pensamento, diz , misturar-se com aquilo conhecido nos dias atuais como sistema nervoso, que por relevância a ciência atual revelou ser parte intransponível de um corpo para outro (por exemplo o fato de não ser possível clonar as células nervosas ou neurônios) e por assim dizer constituindo o que chama-se “alma” ou ainda simplesmente a individualidade de cada ser humano, usar como exemplo apenas o homo sapiens sapiens por que no que se apresenta no mundo natural parece ser o que há de mais diverso em comparação com outras espécies de seres vivos, o que também justificaria a sensibilidade diferente em que cada um manifesta suas experiências. Além do mais, apesar de as partes daquilo que se chama alma ou espírito para Lucrécio serem integradas, há situações, as quais, apenas a alma sensitiva sente a dor seja física ou emocional, de um dardo penetrando os nervos ou simplesmente a dor de uma paixão arrebatadora, e que não causa nenhum incômodo do espírito, porém, quando o contrário acontece já não se pode alegar o mesmo porque parece que todo o corpo é tomado por uma tensão que dentre muitos sintomas pode causar o empalidecimento, a língua enrolar, o corpo suar frio e a habitual tremedeira, todos estes, são causados quando o espírito encontra-se de alguma forma arrebatado em seu cerne, e aí está o que pode considerar-se o que há de mais íntimo no ser, e, portanto, a parte mais importante que goza de certa “independência”. Apesar de a doutrina jônico-epicurista e também a de Lucrécio consequentemente serem materialistas, elas permitem viver bem sem a preocupação de uma morte eminente por simplesmente denotar a não existência desta perante a vida, pois, como na célebre frase de Epicuro demonstra toda a síntese do seu pensamento “Quando a vida está presente, é a morte que não se faz. Quando morte se faz presente, já é a vida que não se faz mais”, por isso Lucrécio diz que Epicuro descortina todo o mistério da natureza das coisas e o trata como figura divina r que também pereceu diante desse destino implacável, mas que soube dar as devidas luzes, principalmente pelo contexto de sua época em que a Grécia tinha sido dominada pela Macedônia e pelo fato de as outras correntes filosóficas não oferecerem uma vida salutar em enfrentar as crises da época e por renegar o prazer como uma fonte segura de amenizar e porque senão partir deste com o duplo benefício da carne e também intelectual, contudo, a primazia pelo primeiro é reiterada quando afirma que os prazeres são divididos em dois: os que causam uma perturbação da alma, os quais, são rápidos e intensos e os da intelecção, cujos, são perenes e estáveis. Deve-se comparar isso com o próprio mecanismo de funcionamento do átomo e seu vórtice decorrente de suas partes mais afastadas de seu núcleo e também no contato com outras partículas atômicas que, por conseguinte, deverão estar igualmente passando pelo vórtice inevitável de sua própria estrutura. Em suma, a doutrina atomista não renega nenhum prazer material porque para ela o princípio de tudo é material e não de um teleológico ou idealista, e de que tudo são átomos distribuídos pelo vasto cosmos a vagar pelo vazio, perpetuando seu eterno movimento. Bibliografia: ESTRELA, Rafael. Questões de método. Belém, 2020. ESTRELA, Rafael. A teoria dos átomos. Belém, 2020. ESTRELA, Rafael. Psicologia jônico-epicurista. Belém, 2020. CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: As escolas helenísticas. Vol II. São Paulo: Companhia das letras, 2010. Bibliografia: LUCRÉCIO, Tito. Da natureza. 3 ed. São Paulo: Os pensadores, 1985.