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A COSMOLOGIA DOS PRÉ-SOCRÁTICOS

Em termos históricos, a cosmologia pré-socrática é apontada como um momento


decisivo na história do pensamento ocidental, pois assinala os primeiros passos do pensamento
filosófico grego. Grosso modo, as explicações apresentadas por aqueles designados por
Aristóteles como fisiólogos marcará um importante rompimento com as visões cosmogônicas
sobre a origem e natureza do universo, às quais eram disseminadas há séculos pelos relatos
míticos. Como se sabe, no relato mítico, tanto a origem do universo como os fenômenos que
ocorrem na natureza são produto da atuação das inúmeras divindades. A cosmologia pré-
socrática é a primeira tentativa de superação dessa visão.

Obviamente, há inúmeras peculiaridades no pensamento dos pioneiros da cosmologia


grega. Não obstante, há pelo menos um elemento que permite unificar estes filósofos. Trata-se
do estabelecimento de um princípio originário de todas as coisas. O archê, como este elemento
foi designado, além de apontar para origem do universo (cosmos), confere sentido e ordem à
natureza (physis) e se apresenta como um sustentáculo permanente de todas as coisas. Embora
a pergunta acerca do elemento originário seja comum a estes primeiros filósofos, as respostas
apresentadas por eles divergiram consideravelmente.

Inicialmente, o princípio é concebido em sua dimensão singular, material e determinada,


como se percebe na clássica proposta apresentada por Tales para quem o elemento primordial
de todas as coisas seria a água. “Tudo é água”, afirmava o pensador de Mileto. Tal proposição
será considerada filosófica por Nietzsche, sobretudo, porque contém o pensamento de que tudo
é um, a existência de um princípio que unifica a multiplicidade da physis. O caráter determinado
do archê proposto por Tales será rejeitado por seu discípulo Anaximandro. Para este filósofo, o
elemento primordial capaz de justificar a multiplicidade da physis deveria ser uma substância
infinita e indeterminada à qual ele designou ápeiron (a – não, peirás – determinado). Justamente
por ser qualitativa e quantitativamente ilimitado, o ápeiron poderia dar origem a todas as coisas.
Anaxímenes, segundo a tradição, discípulo de Anaximandro, procurará resolver o impasse
deixado pelos dois primeiros filósofos jônicos. Ao apontar o ar como o elemento originário, ele
oferece uma síntese das respostas apresentadas por Tales e Anaximandro. Em linhas gerais, o
ar seria um meio termo entre o determinismo proposto por Tales e o indeterminismo absoluto
contido na doutrina do ápeiron. Em virtude de sua volaticidade o ar poderia realizar um
movimento perene capaz de justificar as variações e transformações responsáveis por todas as
coisas. Para a crítica moderna, sobretudo para Hegel, o pensamento de Anaxímenes
representará o auge da cosmologia milesiana.

A partir das teses fornecidas pelos filósofos de Mileto, percebe-se que há um princípio
originário que justifica e confere sentido à natureza. Esse caráter unificador do arché,
obviamente, já pressupõe a existência de uma inteligência que conduz o movimento que dá
origem a todas as coisas. Não obstante, será apenas com Heráclito em sua doutrina do Logos
que esse elemento implícito assumirá uma condição determinante. Tradicionalmente, Heráclito
teria defendido o fogo como o elemento originário de todas as coisas. Este entendimento do
filósofo de Éfeso estaria de acordo com sua doutrina do “fluxo contínuo” (panta rhei), uma vez
que o fogo expressa de modo exemplar a característica da mudança contínua. Além disso, o
fogo, em seu movimento marcado ao mesmo tempo pela destruição e pela criação, expressa de
modo adequado a famosa doutrina heracleana da “harmonia dos contrários”. Mas qual seria o
papel do Logos no pensamento de Heráclito? Como inteligência inifinita, o Logos confere
racionalidade ao movimento. Isso significa que o fogo primordial não atua de modo caótico e
desordenado, mas orientado teleologicamente. Noutros termos, o Logos infinito é a garantia do
devir, que a harmonia, de fato, possa surgir dos contrários. Em Heráclito, contudo, o Logos
possui uma atuação não apenas em relação ao movimento do universo físico, mas no que tange
às ações corretas dos indivíduos, o que representa uma antecipação de questões éticas e
antropológicas já no contexto da cosmologia pré-socrática.

A doutrina do fluxo contínuo de Heráclito será contraposta pelos pensadores eleatas


Parmênides e Zenão. “O ser é; o não-ser não é”. Esse dito atribuído tradicionalmente a
Parmênides assinala sua defesa da imutabilidade do ser, deslocando o debate do âmbito da
cosmologia para a ontologia. Para os eleatas, se o ser é imutável, torna-se inviável a existência
tanto do não-ser quanto do vir-a-ser, ficando também comprometida a possibilidade do
movimento. Existindo apenas o ser, e sendo este imutável, fica excluído o movimento. Não sem
razão, Zenão, discípulo de Parmênides, será lembrado, na história da filosofia pelo
desenvolvimento de seus famosos paradoxos (por exemplo, o paradoxo de Aquiles e a tartaruga)
tentando demonstrar a impossibilidade do movimento

Até o presente momento, o arché é concebido em sua singularidade, sendo a


multiplicidade devida apenas às coisas que dele se originam. Com Empédocles, pela primeira
vez, a multiplicidade é também aplicada ao princípio. Rompendo com o monismo jônico,
Empédocles postulou a existência de quatro substâncias primordiais às quais ele denominou
“raízes”: água, ar, terra e fogo. É da combinação dessa raízes que se originam todas as coisas.
Tais substâncias são qualitativamente inalteráveis, o que muda são apenas as combinações que
elas realizam na natureza. Aparentemente, Empédocles tenta conciliar a doutrina do
movimento contínuo de Heráclito e a doutrina da imutabilidade do ser defendida pelos eleatas
Parmênides e Zenão.

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