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RESUMO: Uma das oposições mais acaloradas e polêmicas do século XXI baseia-se no
conflito entre as cosmologias criacionista e evolucionista, relacionadas ao início e
continuidade da vida. Com o auxílio da filosofia, é possível traçar uma linha contínua entre
Deus e o conceito de arché. Através do estudo das teorias naturalistas de filósofos como Tales
de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes e Heráclito assim como Parmênides, Zenão,
Empédocles e os atomistas Anaxágoras e Demócrito, fica clara a diversidade de pensamento e
crenças fundada na península helênica. Apesar da diversidade de opiniões, é perceptível a
descrença no acaso. Partindo deste argumento, podemos traçar uma linha unindo teorias como
o criacionismo e Design Inteligente, aprofundados no desenvolvimento do texto. Uma das
maiores motivações para o estudo científico é o descobrimento de respostas, porém, nem
mesmo a teoria da Seleção Natural proposta por Charles Darwin e a ciência são capazes de
responder tudo, dando espaço para outras hipóteses. Nenhuma teoria sobre o surgimento da
vida ou até mesmo a ciência pode ser considerada absoluta, pois assim como a filosofia, as
conclusões baseiam-se nas opiniões da pessoa que sobre esse assunto reflete. Agregando o
conhecimento da filosofia, da ciência e do criacionismo, é possível aproximar-se de uma
maneira mais concisa em respostas e soluções.
1 INTRODUÇÃO
1
Acadêmica do segundo ano do Ensino Médio pelo Colégio Adventista Boqueirão. e-mail:
marianerycarvalho@hotmail.com.
2
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba e acadêmico de Filosofia pela Universidade Federal
do Paraná. e-mail: aloisio.segundo@gmail.com.
grandes questões do surgimento e da manutenção da vida que avançaram juntamente à
humanidade pela história.
3
Princípio originário de todas as coisas.
4
Substância e movimento de todas as coisas.
5
Em tradução corriqueira: “Sem limites ou fronteiras”.
dessa substância área. Todas as outras coisas se originariam dessa substância, sucessivamente.
A mudança seria o princípio.
Heráclito, conhecido por sua obscuridade, concordou em partes com as teorias e
observações de seus antecessores filósofos. O segredo para ele estava justamente no
dinamismo das coisas. A eterna mutação da natureza era simbolizada pelo fogo, precisamente
por sua maestria em tornar-se uma infinidade de outras coisas. O fluxo se compreende
extremamente importante para a manutenção da vida. Chamada de devir6, a mudança era
justamente o trânsito dos opostos, podendo ser comparada com o movimentar-se de um rio.
Adverso à teoria de Heráclito, Parmênides, filósofo proveniente da cidade de Eleia,
considerava o ser como algo imutável. Sua divergência com Heráclito não se fundava apenas
nesse quesito. Parmênides consolidou seu pensamento na frase: “O ser é, o não ser não é”7.Ao
analisar o pensamento de Parmênides, nos deparamos com um novo ponto de vista, agora
ontológico. Denominado de princípio da verdade, o ser é o contrário absoluto do não ser.
Simplificando: tudo que podemos pensar ou dizer, é, ao mesmo tempo que o não ser, por não
poder ser dito ou pensado se torna o nada absoluto. O ser é algo incorruptível e imutável,
perfeito. Tem-se como verdade absoluta no pensamento de Parmênides a ideia do ser “não
gerado” e uno, sendo todo o resto apenas meras designações vazias.
O pensamento espesso e intricado de Parmênides foi revalidado por Zenão, fundador
da dialética da refutação. Zenão utilizou-se da teoria de Parmênides e demonstrou por meio da
dialética e de paradoxos, a invalidade do não-ser e da pluralidade.
Empédocles, Anaxágoras e Demócrito - filósofos conhecidos como pluralistas,
preocupavam-se não apenas em formular teorias e hipóteses sobre a arché, mas em explicar
seu funcionamento. Empédocles foi o filósofo preocupado em superar paradoxos como de
Zenão e explicar a “agregação” e “desagregação” das coisas bem como os quatro elementos
originários: água, ar, terra e fogo. Anaxágoras herdou a teoria de Empédocles, a
complementando com a agregação de uma inteligência cósmica (independente e responsável
pela pluralidade das substâncias). Demócrito, um dos fundadores da escola atomista, foi
responsável por congregar as teorias naturalistas antecessoras e introduzir o conceito de
átomo (eterno, forma originária e indivisível). Fundindo o pensamento de Demócrito temos
como definição principal o vazio e o movimento agindo como explicações válidas para toda a
realidade.
6
Fluxo constante e lei geral do universo.
7
PARMÊNIDES, apud ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia: filosofia pagã e antiga.
Volume 1. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2007. p. 59.
Todos os filósofos naturalistas pré-socráticos possuíam um interesse comum: a
vontade de descobrir a origem e o funcionamento da natureza e das coisas, pensamento que
perpetuou e continua perseverando pela sociedade e atingiu diversas áreas do conhecimento,
da ciência e da religião.
Muito se divaga sobre o real sentido do Universo, suas origens e fundamentos. Disse
Xenófanes: “A verdade certa, homem nenhum conheceu, nem conhecerá”8. Todavia, o
homem sempre indagou sobre a natureza e o sentido da vida, sendo através da observação e
raciocínio como os pré-socráticos, da explicação prática da ciência ou por meio de um Ser
superior como no criacionismo.
Na busca por respostas, o homem sempre desempenhou o papel principal. Sempre
existiu uma sensibilidade mitológica sendo contraposta pela razão na incessável busca por
soluções, independentemente de seu período ou contexto histórico. E é justamente essa
rivalidade que gera os extensos e complexos argumentos sobre a origem da vida, dos seres e
da realidade como um todo.
Charles Darwin, com sua publicação de A Origem das Espécies (1859), causou
alvoroço na comunidade científica da época. Com uma explicação racional e biológica da
origem da vida, condensou os pensamentos sobre a teoria da evolução antecedentes
apresentando um ancestral comum para todas as espécies. Em conjunto de Alfred Russel
Wallace, elaborou a teoria da seleção natural, que atua como “selecionador” heterogêneo dos
seres mais fortes e com melhores condiçõesde reprodução e perpetuação de suas espécies,
favorecendo assim a continuidade da natureza. Controversa no seu tempo de lançamento, a
teoria foi rejeitada por muitos biólogos e cientistas da época. Com o avanço da ciência e de
suas descobertas, o evolucionismo e a seleção natural atualmente são vistos como hipóteses
verossímeis para o princípio da vida.
8
XENÓFANESapud TARNAS, Richard. A epopeia do pensamento ocidental: para compreender as ideias que
moldaram nossa visão de mundo. 8. ed. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2008. p. 39.
Do lado outro, no entanto, a teoria do Design Inteligente9 mostra-se o oposto das
hipótesesdarwinistas. Através da interferência de um ser inteligente e superior, a vida teve
início. Com três argumentos primordiais essa teoria é fundada: a complexidade irredutível
(dependência das espécies para sua eficiência na natureza); a complexidade específica
(impossibilidade do acaso como gerador da existência); e o princípio antrópico (condições
perfeitas para a vida). Ainda assim, o Design Inteligente não pode ser comparado em sua
totalidade com o criacionismo pois não reporta como ser inteligente nenhum tipo de Deus.
Mesmo assim, por mais que não haja correlação imediata, é certo que a base argumentativa é
muito semelhante entre o Design Inteligente e o Criacionismo – não havendo razão alguma
para atribuir alguma diferença de nível epistêmico entre ambos.
9
Para efeitos de simplicidade, agruparemos todas as teorias cosmológicas teístas sob a denominação de “Design
Inteligente”.
10
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ática: São Paulo, 2000. p. 320.
11
Conceito criado por Gaston Bacherlard; dificuldades e barreiras enfrentadas no processo da aprendizagem.
religiosos e criacionistas, assim como religiosos que utilizam a ciência como meio
comprovante de sua fé.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A filosofia, além de ser uma das áreas mais abrangentes do conhecimento, funciona
como base para o entendimento dos pensamentos mais simples aos mais complexos. Como
meio apaziguador de um dos conflitos mais extensos e acalorados da humanidade - a ciência
evolucionista contra o criacionismo, o argumento filosófico e suas teorias de séculos atrás
ainda se mostram extremamente necessárias e úteis.
A ciência, como produto típico do Ocidente, teve seu início justamente na capacidade
(ou, ao menos, a tentativa) que o ser humano possuiria de explicar a realidade exterior nas
suas mais diversas manifestações. Assim, o que deu o primeiro passo para a Filosofia, e
consequentemente para a cultura geral e para a ciência do Ocidente, foi precisamente o
interesse em investigar os fundamentos e as origens das coisas que existem. A partir da
concepção daquilo que chamaram arché, os filósofos naturalistas pré-socráticos idealizaram
possibilidades para explicar os princípios de surgimento do universo. Ao concebermos tal
realidade que como algo ordenado, regido por leis de causas e efeitos, chegaremos perto do
conceito de “cosmos” – o oposto do caos. Por haver ordenação causal dos eventos, é
necessário conceber também e ao mesmo tempo um princípio ordenador, algo capaz
justamente de prover a origem, o surgimento e a manutenção das coisas que existem; dando
conta simultaneamente de explicar como é possível que tais coisas se transformem e para
onde se encaminham no contexto da realidade ordenada.
A primeira filosofia, no sentido formal do termo, foi metafísica, e constituiu por isso
um grande divisor de águas entre a especulação e a ciência. Interessante notar que
modernamente distingue-se também a “metafísica” da “ciência”, sendo a primeira considerada
uma “explicação de segunda classe” para os fenômenos naturais, por não poder, em tese, ser
posta à prova empírica. Tal distinção deriva fundamentalmente de um ideal cientificista e
positivista do século XIX, quando o conceito de realidade exterior passou a abarcar questões
muito mais complexas que aquelas que foram pensadas pelos primeiros filósofos gregos. No
entanto, toda ciência, é, nesta acepção muito específica, metafísica – justamente por tentar
investigar as relações causais entre os fenômenos que ocorrem na realidade. Fazer ciência, em
qualquer seara, é fazer uma espécie de metafísica, ou, no mínimo, depender dela, uma vez que
é precisamente tal explicação que dá fundamento ao sentido da investigação.
Neste contexto, chega-se a uma concepção muito peculiar do criacionismo. Mais que
uma concepção puramente religiosa, o criacionismo pode ser encarado como uma proposta
metafísica para a compreensão da realidade exterior e de seus princípios ordenadores –
caracterizada justamente pela regulação e pela lógica interna de seu argumento principal. O
criacionismo não precisa ser visto necessariamente como uma tese teísta e cientificamente
ilógica; mas, ao contrário, pode oferecer uma estrutura teórica muito semelhante à filosofia
pré-socrática na explicação dos fenômenos da natureza e também do que os transcende
(oferecendo, portanto, resposta a questões que a própria ciência não responde).
É possível, portanto, compreender o criacionismo como uma alternativa cosmológica
perfeitamente válida, íntegra, e dotada de lógica interna argumentativa –com o mesmo
statusdas teorias filosóficas pré-socráticas:um limiar da ciência e da metafísica no contexto
dos saberes humanos.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2008.