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ECG Completo.

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Introdução ao ECG
CAPÍTULO

José Nunes de Alencar Neto 1


INTRODUÇÃO
Figura 1 - Várias câmeras capturando a
beleza da “Dama del paraguas”, um ponto
O eletrocardiograma (ECG) é um
turístico de Barcelona.
exame simples e barato, obrigatório
em emergências. Ele registra traça-
dos que, ao serem analisados, possi-
bilitam identificar e intervir precoce-
mente em patologias potencialmente
fatais como o infarto agudo do mio-
cárdio e arritmias.
O funcionamento do aparelho é
simples, vamos ver. O profissional res-
ponsável posiciona eletrodos que irão
registrar as atividades elétricas (di-
ferenças de potencial) a partir de um
“ponto de vista” específico, portanto,
saibam desde já que é importante
posicionar corretamente os eletrodos
e iremos falar disso logo mais. O ECG Para a melhor visualização de todos os pontos de vista desse monumento,
funciona como se “câmeras” fossem várias câmeras são usadas. Desenho de Pilarín Bayés de Luna, irmã do pro-
posicionadas em volta do coração em fessor Bayés de Luna.
locais pré-determinados e estas regis-
tram os impulsos elétricos que se apro- Se esse potencial está ocorrendo no sen-
ximam ou se afastam de cada eletrodo tido da câmera, então a seta do vetor
(Figura 1). apontará para ela. Simples assim.
A atividade elétrica cardíaca gera Essas “câmeras”, de que falo, pos-
uma diferença de potencial (voltagem) suem um nome especial no ECG: de-
que é registrada pelo aparelho de ECG. rivações. Elas são compostas sempre
O pré-requisito para que haja uma dife- por dois polos (bipolares, portanto). As
rença de potencial é a existência de dois derivações dos membros, que chama-
pontos com potenciais diferentes. Uma mos de periféricas, registram a dife-
derivação, portanto, é uma câmera que rença de potencial dos próprios polos
registra a atividade em dois pontos. entre si; e as derivações do precórdio,

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CAPÍTULO 1

chamadas de derivações horizontais, o bem-estar do animal, saiba que a Ro-


registram a diferença de potencial do yal Society of London também ficou, e
eletrodo no tórax até um ponto central o que se sabe da época é que nenhum
virtual criado matematicamente pelas maltrato foi registrado no simpático
quatro derivações periféricas. Como animal (5) (Figura 2).
no caso das derivações dos membros,
um vetor parte de um polo para outro, Figura 2 - Uma demonstração da captura de
e no caso das derivações precordiais, um eletrocardiograma do bulldog Jimmie,
o vetor parte deste polo virtual para animal de estimação de Augustus Waller.

o eletrodo no tórax, os livros didáticos


erroneamente chamam os eletrodos
periféricos como “bipolares”, e os pre-
cordiais como “unipolares” (1).

HISTÓRICO

No fim do século XIX, era senso


comum entre cientistas o fato de que
nervos e músculos podiam ser estimu-
lados artificialmente. Fisiologistas se
deram ao trabalho de procurar ativi-
dade elétrica em animais, até que em
1856, Koelliker e Muller conseguiram
Essa demonstração causou certo estranhamento no público presente,
demonstrar biopotencial elétrico no
causando debate se o Ato de Crueldade aos Animais fora contravertido.
coração de um sapo. E foram além, no
A resposta do secretário de estado foi: “Mr. Gladstone, eu entendo que o
mesmo experimento, ao posicionar a
cachorro ficou em pé por algum tempo em água com sal. Se meu honra-
pata de um sapo na mesma solução do amigo já tivesse remado no mar, saberia a sensação” (5).
em que estava contido o coração, per-
ceberam que a atividade elétrica que
contraía a pata precedia a sístole car- Nos seus experimentos, Waller
díaca – a descoberta de que a ativida- usava uma cinta no tórax conten-
de elétrica precedia a sístole e poderia do dois eletrodos: o primeiro na
ser a razão pela qual os corações ba- parte frontal do tórax, conectado
tem (2,3). a uma coluna de mercúrio de um
Esses avanços levaram ao primei- eletrômetro capilar; e o segundo
ro registro de um eletrocardiograma no dorso conectado a ácido sulfúri-
humano, em 1887, por Waller (4), que co (Figura 3). A coluna de mercúrio
fez também vários experimentos em se movia para cima e para baixo de
seu cachorro de estimação, o bulldog acordo a atividade elétrica e o que
Jimmie. Se você está preocupado com movia a placa onde se desenhava

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INTRODUÇÃO AO ECG

Figura 3 - Traçado do primeiro eletrocardiograma humano realizado em Waller.

A marcação “t” é a representação de um segundo, a marcação “h” é a movimentação da parede do tórax, e a representação “e” representa o eletro-
cardiograma através da movimentação da coluna de mercúrio no eletrômetro (4).

essa atividade para que um registro de – 25 milímetros por segundo e


temporal fosse adquirido era um um fotoquimiógrafo projetava uma
trem de brinquedo. linha vertical mais grossa após 4 li-
É lamentável que o papel de Waller nhas mais finas. O galvanômetro se
seja negligenciado na história da ele- moveria 1mm caso uma diferença de
trocardiografia, mas o próprio parece potencial de 0,1mV fosse registrada.
ter subestimado seus achados que, Também nesse artigo foram alcunha-
sim, eram de má qualidade (mas eram das as deflexões do eletrocardiogra-
os primeiros!) e inadequados para pro- ma: PQRST (6,7). Nesse momento, o
pósitos clínicos e chegou a afirmar que leitor já percebe que Einthoven não
não imaginava que a eletrocardiogra- apenas criou o primeiro eletrocardió-
fia encontraria papel extenso em hos- grafo passível de utilização na práti-
pitais. ca clínica, como definiu seus funda-
O médico holandês Willem Ein- mentos, tudo em duas publicações
thoven, insatisfeito com o eletrôme- – isso lhe rendeu o prêmio Nobel e
tro capilar usado nos experimentos 40 mil dólares em prêmio em 1924
de Waller, desenvolveu em 1901 um (8). As letras escolhidas (PQRST),
novo galvanômetro de corda, supe- aliás, são fruto de discussão até hoje:
rior ao capilar usado até então com uns afirmam que Einthoven escolheu
sensibilidade e metodologia aplicá- letras no meio do alfabeto para dei-
veis em Medicina. Ele desenvolveu xar espaço para outras deflexões que
um método em que a placa fotográ- poderiam ser (e foram) descobertas;
fica onde seria registrada caía numa outros – e esta é também a opinião
frequência constante pela gravida- do autor – afirmam que teve influên-

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CAPÍTULO 1

cia dos trabalhos geométricos e médi- esquerda (13). E a lei de Einthoven


cos (de fisiologia ótica) de Descartes postula que D1 + D3 = D2, de acordo
(9–11). com a lei de Kirchoff (1).
Em 1908, em um extenso artigo,
Einthoven descreve seus aprendizados Figura 4 - Triângulo de Eithoven, como

com a observação de 5 mil eletrocar- desenhado em seu trabalho original (8).

diogramas já realizados. Definiu que a


onda P representava a ativação do átrio
e onda Q fazia parte do ventrículo (12).

TEORIA DAS DERIVAÇÕES

Para que se uniformizasse o exa-


me no mundo inteiro, era necessário
saber em que ângulos essas “câme-
ras” iriam olhar para o coração. Esfor-
ços se iniciaram para criar derivações
que pudessem ter importância práti- Burger, no entanto, levou em con-
ca na avaliação da atividade elétrica sideração que o corpo humano é tri-
cardíaca. dimensional, tem formato irregular e
A teoria clássica das derivações foi volumes condutores não homogêneos
proposta por Einthoven. Essa teoria e corrigiu o triângulo de Einthoven
assume que o corpo humano é parte imaginando um triângulo não equilá-
de um condutor homogêneo e infini- tero (Figura 5), mas permaneceu com
to em que as fontes elétricas cardía- a ideia de dipolo fixo (14,15).
cas são representadas por uma única
Figura 5 - Triângulo de Burger.
corrente de dipolo que varia com o
tempo, mas preso a uma localiza-
ção fixa. Resumindo: um único vetor
a cada batimento. As derivações de
Einthoven usam derivações em três
membros: braços (direito e esquerdo)
e perna esquerda.
O triângulo de Einthoven (Figura 4)
foi, então, criado a partir dessas deri-
vações: a derivação D1, por exemplo,
grava o potencial de ação entre o bra-
ço direito e o braço esquerdo, D2 entre
Perceba que não é equilátero. Leva em consideração diferenças de campo
o braço direito e a perna esquerda e
elétrico de diferentes órgãos do corpo humano (15).
D3 entre o braço esquerdo e a perna

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INTRODUÇÃO AO ECG

Em 1934, Wilson uniu os três tencial do braço direito, da perna


vértices do triângulo de Eintho- esquerda e do braço esquerdo, res-
ven a resistências de 5 mil ohms, petivamente (17). Para entender a
introduziu esse tal ponto virtual razão de eu ter falado isso tudo,
do qual já falamos na introdução introduzo agora o famoso “Círculo
deste capítulo: o “terminal central de Cabrera”, na Figura 6. Não dei-
de Wilson”. Esse ponto virtual foi xe de ler a legenda.
inicialmente criado com o intuito
de calcular a diferença de poten- O ELETROCARDIOGRAMA
cial do braço direito, por exem- HUMANO E SUAS ONDAS
plo, até o centro do triângulo de
Einthoven, o que foi chamado na Se você não entendeu muita coisa
época de VR (16). Por fim, em 1942, do que foi escrito acima, não tem pro-
Goldberger, introduziu um aumen- blema. Esta é uma introdução teórica,
to na sensibilidade dessas últimas mas com pouco papel na prática. A
derivações, que agora teriam um partir de agora, vamos focar no que in-
“a” em frente a seus nomes, surgin- teressa na vida de um profissional que
do, então, aVR, aVF e aVL – o po- lida com eletrocardiograma.

Figura 6

No painel A, observamos o triângulo de Einthoven e o terminal central de Wilson criado pelas três resistências de 5000ohms colocadas em cada
vértice do triângulo. No painel B, observamos o triângulo de Cabrera, em que temos as derivações clássicas D1, D2, D3, mais as criadas por Wilson e
aumentadas por Goldberg: aVR, aVL e aVF, todas dispostas de acordo com seus ângulos.

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CAPÍTULO 1

O registro elétrico do coração é • Despolarização dos ventrículos:


composto pelas seguintes atividades, complexo QRS (Q é a onda nega-
em sequência: tiva, R é a primeira onda positiva;
S é a onda negativa após o R. Al-
• Despolarização dos átrios (pri- gumas situações podem dar uma
meiro direito, depois esquerdo). segunda onda positiva, sendo
• Intervalo átrio-ventricular. chamada R’ - lê-se erre linha).
• Despolarização dos ventrículos. • Repolarização dos átrios: atividade
• Repolarização dos átrios. de baixa voltagem que coincide
• Repolarização dos ventrículos. com o QRS, portanto, não é vista
Cada uma dessas atividades cor- em situações normais de repouso.
responde a uma entidade do eletro- • Repolarização dos ventrículos:
cardiograma, seja ela uma onda, um segmento ST e onda T.
complexo de ondas, um intervalo
ou um segmento (Figura 7). Vamos Para entender melhor essa seção,
aprender: vamos revisar cada um desses tópicos
individualmente. E para fazer isso, vou
• Despolarização dos átrios (pri- relembrar duas regras importantes da
meiro direito, depois esquerdo): eletrocardiografia.
onda P. 1. Lembre-se que as diferenças de po-
• Intervalo atrioventricular: inter- tencial decorrentes da despolarização do
valo PR. átrio, do ventrículo e também pela repo-

Figura 7 - Ondas, complexos, intervalos e segmentos do eletrocardiograma de superfície.

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INTRODUÇÃO AO ECG

larização ventricular serão capturadas pe- formação de uma onda negativa, cha-
las derivações que vimos anteriormente mada onda Q. Por definição: onda Q
e formarão “ondas” no traçado do eletro- é uma onda negativa que se inscreve
cardiograma. Tenha em mente que tudo antes da onda R. Se a onda é negativa,
que se afasta da câmera será gravado então, o vetor se afasta de D2.
como negativo, e tudo que vai de encon- As mudanças iônicas geradas pelo
tro à câmera será positivo no ECG. potencial de ação seguem, então, em
2. Se revisarmos o círculo de Cabre- direção ao ápice cardíaco pelos ramos
ra (Figura 6) e imaginarmos um cora- direito e esquerdo, se aproximando in-
ção no meio desse círculo, observare- tensamente da nossa “câmera” D2. O re-
mos que D2 é uma derivação muito sultado é a grande onda R, por definição
próxima ao eixo elétrico cardíaco nor- a onda positiva. Se é assim, esse vetor, o
mal – afinal, o eixo elétrico resultante maior de todos, vai em direção a D2.
cardíaco irá apontar de cima para bai- Posteriormente, a ascensão pelas
xo e da direita para esquerda (some os paredes livres dos ventrículos, se afas-
vetores). Por conta disto, esta é uma tando novamente da câmera, forma a
derivação de muita didática e será uti- onda S, por definição, a onda negativa
lizada nos próximos parágrafos. que vem depois da onda R, afastan-
Comecemos. O impulso gerado do-se de D2, acabando assim de des-
pelo nó sinusal segue em direção ao nó polarizar os ventrículos. A soma dos
AV despolarizando os átrios, ou seja, se vetores de Q + R + S é o vetor elétrico
aproximando da câmera de D2. Sendo cardíaco, e deverá ser posicionado no
assim, esta registra uma onda positiva Círculo de Cabrera para análise. Vere-
(porque se aproxima de D2) e de pe- mos isso no próximo capítulo. Por fim,
quena amplitude e duração (porque o após a despolarização, as células retor-
átrio tem pouca força e massa, compa- nam ao seu estado original, ou seja,
rada ao ventrículo), que é a onda P. se repolarizam. O resultado, de modo
O nó AV atrasa o impulso e, como simplista, é o registro da onda T.
não há maiores áreas sendo despola- É importante lembrar que essas on-
rizadas, registra-se apenas uma linha das possuem essa conformação que
reta que denominamos de intervalo descrevemos em D2 e também em
PR. Após isto, o ventrículo iniciará sua algumas outras derivações, mas não
despolarização. O que você vai ver nos em todas. Por exemplo, em aVR, que é
próximos parágrafos também pode praticamente oposta a D2 (vide Círculo
ser traduzido em vetores. de Cabrera), o normal é termos uma P
A despolarização inicial do septo negativa, uma onda Q apenas (não su-
promove a despolarização em diver- cedida de R ou S) e uma T negativa.
sos sentidos, entretanto a resultante Outras ondas ou eventos podem
de todas as direções se afasta da fil- aparecer no eletrocardiograma. São de
madora em D2 e este é o motivo da interesse por enquanto: (a) o ponto J é

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CAPÍTULO 1

o ponto em que o complexo QRS ter- características ambíguas de músculo e


mina e o galvanômetro ganha nova- condutora de estímulo elétrico).
mente a linha de base do eletrocardio- Sobre o complexo QRS, devemos
grama; (b) o ponto Y é de interesse na ter em mente que ele só existe no ele-
eletrocardiografia de estresse, como trocardiograma caso a despolarização
discutiremos no capítulo 26; (c) a onda ventricular apresente três vetores – um
U é motivo de controvérsia até hoje negativo, outro positivo, e o terceiro
(discutiremos com detalhes no capítu- negativo. Caso apresente apenas dois
lo 4) e pode corresponder à repolariza- complexos, o leitor deve observar na-
ção das fibras de Purkinje ou das célu- quela derivação qual deflexão inicia
las M (células médio-miocárdicas com a atividade ventricular: se negativa,

Figura 8 - Padrões de complexos QRS.

Perceba que devemos obedecer a três regras para a correta nomenclatura deste complexo. A primeira é: sempre seguir a ordem alfabética. A segunda
é: a onda “q” é sempre negativa, a onda “r” é sempre positiva, e a onda “s” é sempre negativa. A terceira regra é: se uma onda é pouco ampla, ela será
marcada por letra minúscula “e” e uma letra é muito ampla, ela será marcada por uma letra maiúscula. Sabendo das regras, fica fácil perceber que um
complexo com uma pequena deflexão positiva seguida de uma grande deflexão negativa será chamada “qR”.

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INTRODUÇÃO AO ECG

sabemos que teremos um complexo CONFIGURAÇÃO DO


“q” seguido de alguma coisa que pode ELETROCARDIÓGRAFO
ser “r” ou “s”; se positiva, teremos um
complexo “r” seguido de alguma coi- Já vimos que o eletrocardiógrafo tem
sa que só pode ser “s”. Temos que se- a capacidade de representar estímulos
guir a ordem alfabética! Por exemplo: elétricos através da inscrição gráfica de
um complexo cuja primeira deflexão uma voltagem (diferença de potencial
é negativa, seguida de uma positiva elétrico) em um papel milimetrado –
é chamado de complexo “qr”. O leitor quem convencionou isso foi Einthoven.
também precisa se acostumar ao fato Quando configurado no modo padro-
de que a amplitude da deflexão tam- nizado (N de “ganho” e 25 mm/s de
bém dita se usaremos letras minúscu- velocidade), cada milímetro do papel
las ou maiúsculas. Mais um exemplo: para cima ou para baixo corresponde a
se um complexo começa com uma 0,1 mV de amplitude (é o “tamanho” da
onda positiva de pequena amplitude e onda), e para esquerda ou para direita a
é sucedida de uma negativa de grande 40 ms ou 0,04 segundos de duração (é a
amplitude, sua descrição no texto es- “largura” da onda) (Figura 9).
tará como complexo rS – atenção, não
podemos chamar de rQ, pois isso não Figura 9

segue a ordem alfabética.


Caso tenhamos um complexo com
apenas uma deflexão negativa, cha-
mamos esse complexo de QS. Caso a
deflexão seja exclusivamente positiva,
chamamos “R puro”.
Em último caso (mas não infre-
quentemente), se tivermos um com-
plexo com uma onda positiva, segui-
da de uma deflexão negativa e mais
uma positiva, teremos que começar
o complexo pela letra “r”. A deflexão
negativa será chamada de “s”. A ter-
ceira deflexão positiva, seguindo o
Papel milimetrado: cada milímetro ou quadradinho corresponde a
alfabeto, não pode chamar-se “T”,
0,1mV e 40ms (0,04 segundos). Cada quadradão, portanto, corresponde
pois essa significa a repolarização
então a 0,5mV e 200ms.
ventricular. Então, a saída foi chamar
de R’ (lê-se erre linha): complexo rsR’,
típico do bloqueio de ramo direito Já vimos o que significam as deri-
em V1. Veja o resumo dessas deno- vações: são uma espécie de olho ou
minações na Figura 8. câmera que enxergam aquilo que está

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CAPÍTULO 1

na sua frente. Mas elas têm um filtro: O ECG padrão conta com 12 deriva-
não enxergam movimento, não en- ções, sendo seis periféricas (D1, D2, D3,
xergam infravermelho; elas enxergam aVR, aVF e AVL) e seis precordiais (V1, V2,
uma diferença de potencial (ou volta- V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o cora-
gem). Se uma diferença de potencial é ção através de um ponto de vista diferen-
criada com um vetor que vai de encon- te: as derivações periféricas, por exemplo,
tro àquela derivação, a caneta do ele- enxergam se o estímulo elétrico vai para
trocardiógrafo irá desenhar algo para cima ou para baixo e para a esquerda ou
cima no papel (positivo). Se o vetor para direita, mas não se anterior ou pos-
fugir da derivação, a caneta desenha- teriormente; já as derivações precordiais
rá algo negativo (para baixo) no papel. enxergam se o estímulo vai para frente e
Também obedecerá à voltagem e ao para trás, para a esquerda e para a direita,
tempo de ativação. Se fugiu 0,5mV, mas não se superior ou inferiormente. Por
teremos uma deflexão negativa com isso, para avaliar um eletrocardiograma, o
amplitude de 5 quadradinhos (ou 1 profissional experiente avalia as 12 deri-
quadradão). Se essa atividade durou vações em conjunto. E em algumas situa-
80ms, então teremos uma deflexão ções clínicas, usamos até 18 derivações,
que durará 2 quadradinhos. ou até inventamos uma (18).

Tabela 1 - Correto posicionamento de eletrodos em eletrocardiografia.

Eletrodo Posição
Eletrodo amarelo Braço esquerdo

Eletrodo verde Perna esquerda

Eletrodo vermelho Braço direito

Eletrodo preto Perna direita

V1 4º EIC. Para-esternal à direita

V2 4º EIC. Para-esternal à esquerda

V3 Entre V2 e V4

V4 5º EIC. Linha médio-clavicular esquerda

V5 Entre V4 e V6

V6 5º EIC, Linha axilar média

V7 Entre V6 e V8

V8 Inferior à ponta da escápula

V9 Medial a V8

V3R Entre V1 e V4R

V4R 5º EIC. Linha médio-clavicular direita

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INTRODUÇÃO AO ECG

Elas são dispostas pelo corpo do em prontos-socorros de Cardiologia a


paciente de maneira a obter êxito em solicitação de um “eletrocardiograma
um objetivo: o de registrar no papel a de 17 derivações”. Nele estão inclusas
atividade elétrica do coração, na tenta- as derivações V7, V8 e V9, V3R e V4R
tiva de capturar a maior área possível (Figuras 10, 11 e 12). O motivo da so-
– lembre-se da “Dama del paráguas”. licitação destas derivações é aumentar
A localização exata dos eletrodos a área vista por esses olhos ou câmeras
onde vamos plugar essas derivações, que são as derivações.
portanto, é de fundamental impor- No capítulo 5, revisaremos o que
tância para um eletrocardiograma de acontece quando há troca de eletro-
qualidade. Reveja na Figura 10 e Tabe- dos ou quando qualquer outro artefa-
la 1. Você viu que podemos ter quan- to influencia na correta realização do
tas derivações quisermos. É clássico exame.

Figura 10 - Posicionamento correto das derivações em plano horizontal: V1 e V2 no quarto


espaço intercostal, sendo V1 vizinho ao esterno à direita e V2 vizinho ao esterno à esquerda.
V3 fica no meio do caminho entre V2 e V4. V4, V5 e V6 ficam no quinto espaço intercostal.
Elas devem ser dispostas de tal maneira que V6 deve estar na linha médio-axilar.

Um erro bastante comum na preparação para a obtenção de um eletrocardiograma de 12 derivações é o posicionamento de V1 e V2 no segundo espaço
intercostal. Como você reparou no texto, essas derivações do plano horizontal não são capazes de perceber se um estímulo está vindo de cima ou de
baixo, portanto, a localização deles em um espaço intercostal diferente do preconizado pode levar a uma interpretação errada.

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CAPÍTULO 1

Figura 11 - Na mesma altura de V6, coloca-se V7, V8 e V9, sendo que


V8 fica no plano da ponta da escápula.

Figura 12 - Para o posicionamento de V3R e V4R, deve-se imaginar


que foi colocado um espelho no esterno do paciente. No mesmo
local onde deve ficar V3 à esquerda, fica V3R à direita, idem com V4

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INTRODUÇÃO AO ECG

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CAPÍTULO 1

17. Goldberger E. A simple, indifferent, electrocardiographic electrode of zero potential and a tech-
nique of obtaining augmented, unipolar, extremity leads. Am Heart J [Internet]. Elsevier; 2018
Jan 11;23(4):483–92. Available from: <http://dx.doi.org/10.1016/S0002-8703(42)90293-X>.
18. Alencar Neto JN de. Eletrocardiograma: do internato à cardiologia. 1st ed. São Paulo: Porto de
Ideias; 2016.

30

ECG Completo.indb 30 26/08/2019 09:26:24


Anatomia e CAPÍTULO

eletrofisiologia cardíacas
José Nunes de Alencar Neto
2
INTRODUÇÃO faremos considerações breves sobre
anatomia e fisiologia, mas, quando for
Não me leve a mal, mas para o uso necessário, daremos a sugestão que o
prático básico de eletrocardiograma, autor retorne aqui.
isto é, detectar sobrecargas, bloqueios, Em resumo, este capítulo pode ser
isquemia e arritmias, o conhecimento “pulado”, caso você esteja procurando
da anatomia e da eletrofisiologia car- por um conteúdo mais prático, mas o
díaca pode ficar em segundo plano. autor não aconselha.
Com “segundo plano”, no entanto, não
quer dizer que esse conhecimento é NOÇÕES DE ANATOMIA DO
desnecessário. Não. Tanto para um SISTEMA ELÉTRICO CARDÍACO
interno de Medicina que irá prestar
prova de Residência, como para um O sistema elétrico é composto de
médico que quer se aprofundar no co- células musculares cardíacas especia-
nhecimento dessa arte, esses concei- lizadas que formam nós (ou nodos) e
tos precisam ser conhecidos. feixes que possuem a capacidade de
Neste capítulo traremos informa- gerar o impulso (potencial de ação) e
ções básicas sobre tudo o que é im- de conduzir o mesmo com uma maior
portante para a ciência do eletrocar- velocidade (Figura 1).
diograma. Nos capítulos que sucedem

Figura 1 - Sistema de condução cardíaco.

31

ECG Completo.indb 31 26/08/2019 09:26:24


CAPÍTULO 2

Todo o sistema elétrico cardíaco chmann, por exemplo (1,2). Sua ativa-
possui a capacidade de geração do ção é incapaz de ser capturada pelos
impulso, porém cada estrutura im- eletrocardiógrafos.
prime velocidades diferentes para Nessa fase do ciclo cardíaco, a des-
executar o processo de geração de polarização ocorre apenas nas células
despolarização de membrana que atriais. Até aqui, falando em termos
detalharemos mais à frente. Desse elétricos, o que temos é a geração da
modo, a estrutura que mais rápido onda P (pois os átrios foram despolari-
conseguir executar todo o passo a zados). Concomitante a isso, o estímu-
passo necessário para que sua mem- lo que desceu pelos feixes internodais
brana tenha um salto em voltagem em direção a outro nó na fronteira
interrompe o mesmo processo que entre os átrios e os ventrículos que é
vinha ocorrendo nas demais células o nó atrioventricular, nó de Aschoff-
elétricas que estavam ainda tentan- -Tawara (carinhosamente chamado de
do despolarizar-se, e estas passarão nó AV). O nó AV foi caracterizado por
apenas a conduzir o impulso gerado. Sunao Tawara em 1906 (3). É uma es-
Por esse motivo, em condições fisio- trutura ovaloide com 1 x 3 x 5 mm de
lógicas, o nó sinusal, que é localiza- área localizada dentro do triângulo
do no teto do átrio direito, em sua de Koch, uma região endocárdica de
parede posterolateral, é considerado interesse para arritmologia delimitada
o maestro do coração. Este impulso anteriormente pelo folheto septal da
não é capturado pelos eletrocardió- valva tricúspide, posteriormente pelo
grafos, portanto, nessa fase ainda tendão de Todaro, tendo no ápice o
existe um silêncio elétrico no ECG. corpo fibroso central e na base o óstio
Dura pouco tempo, porque em ques- do seio coronariano (4) (Figura 2).
tão de 50 ms o impulso sai do nó si- Em situações normais, só há uma
nusal e começa a despolarizar a mus- forma de o estímulo elétrico passar
culatura dos átrios. do átrio para o ventrículo: é através do
Esse potencial de ação gerado é nó AV. O esqueleto fibroso cardíaco é
transmitido pelo átrio direito por cé- um complexo de tecido fibroso que
lulas miocárdicas atriais dispostas pa- sustenta as valvas cardíacas à base do
ralelamente e erroneamente chama- coração e é o responsável por isolar
das de feixes internodais (espere um eletricamente as câmaras atriais das
pouco para compreender a razão do ventriculares (5) (Figura 3). Dessa for-
erro) e também para o átrio esquerdo ma, a propagação do impulso atinge
através de células miocárdicas atriais as células transicionais do nó AV (cé-
não especializadas e não insuladas, lulas que não possuem características
portanto, erroneamente chamadas de histológicas de condução nem de con-
feixe de Bachmann - o melhor seria tração), onde há reduzidas junções co-
chamar esse local de “região” de Ba- municantes, propiciando de maneira

32

ECG Completo.indb 32 26/08/2019 09:26:24


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

Figura 2 - Região do triângulo de Koch fisiológica um atraso na condução do


delimitada por triângulo vermelho. impulso nervoso. Esse atraso que o nó
AV imprime à condução do estímulo
elétrico é o responsável pelo silêncio
elétrico que existe entre a onda P (des-
polarização dos átrios) e o complexo
QRS (despolarização dos ventrículos).
O intervalo PR (ou mais corre-
tamente “PQ”) é a expressão eletro-
cardiográfica da baixa velocidade da
condução do impulso pelo nó AV –
atenção, existe atividade elétrica, mas
Na sua porção anterior está o folheto septal da valva tricúspide, na
esta é imperceptível aos eletrocardió-
porção posterior o tendão de Todaro, no ápice está o corpo fibroso central grafos. Aliás, se pararmos para pensar,
onde se localiza o feixe de His e a base do triângulo é o óstio do seio ainda bem que isso ocorre. Se não fos-
coronariano (4). se por essa pausa, os átrios e os ventrí-
culos iriam despolarizar praticamente
juntos, com todas as válvulas abertas.
Para onde o sangue iria?
Figura 3 - Esqueleto fibroso cardíaco que dá O nó AV compacto mergulha no
sustentação às suas valvas. esqueleto fibroso do coração e, na re-
gião do corpo fibroso central, as fibras
do feixe de His nascem (esse sim um
“feixe” de fato com 5-10 mm de com-
primento). Esse feixe é importante na
prática clínica porque, marca o início
do território elétrico ventricular, mas
em eletrocardiografia é irrelevante,
porque sua atividade não consegue
ser capturada pelos galvanômetros
dos eletrocardiógrafos. Portanto, não
vemos a atividade de His no ECG.
Em eletrofisiologia invasiva, no
entanto, podemos posicionar um ca-
teter próximo ao feixe para capturar
Também serve como isolante elétrico, não permitindo a passagem sua atividade e assim definir o nível de
do estímulo elétrico dos átrios para os ventrículos, a não ser pelo nó
bloqueio atrioventricular de um pa-
atrioventricular ou algum feixe acessório que por ventura o paciente
ciente. Em um bloqueio de condução
tenha (5).
atrioventricular que não chegou a des-
polarizar o feixe de His, por exemplo,

33

ECG Completo.indb 33 26/08/2019 09:26:25


CAPÍTULO 2

sabemos que o defeito está no tecido apresentar seis fascículos no total (teo-
atrial ou no nó atrioventricular. Quan- ria hexafascicular). Detalhes serão vis-
do o bloqueio ocorreu depois do feixe tos no capítulo 10.
de His, denominado “bloqueio infra- Por fim, o impulso irá prosseguir
-hissiano”, o problema não é mais o nó pelas fibras de Purkinje, continuações
AV, e sim o tecido de condução ventri- desse sistema elétrico, até atingir as
cular, denotando maior gravidade. Isto células que irão contrair os ventrí-
será importante no capítulo 23. culos, gerando o complexo QRS. O
Ao adentrar no esqueleto fibroso trajeto nos ventrículos aumenta a
rumo ao septo interventricular, o fei- eficiência da sístole ventricular. Isso
xe de His se divide na sua porção bi- porque o estímulo contrátil chega
furcante em ramo direito, mais fino e primeiro às células do ápice cardíaco
frágil, e ramo esquerdo, que chega a e, posteriormente, ascende pelas pa-
possuir 5-7 mm de diâmetro. redes. Dessa forma, o ápice se contrai
O ramo direito passa pela muscula- em direção à base do coração, onde
tura septal na base do músculo papilar se encontram as artérias, que são os
medial do ventrículo direito e penetra destinos do sangue acumulado nas
nas trabeculações ou na banda mo- câmaras inferiores.
deradora (6). O ramo esquerdo parte
inferior e anteriormente e se divide Figura 4 - Anatomia esquemática do feixe
em fascículo anterossuperior e fascí- de His e de seus ramos direito e esquerdo,
culo póstero-inferior (7). O fascículo além dos fascículos anterossuperior e
anterossuperior cruzará a via de saída póstero-inferior do ramo esquerdo (8).
do ventrículo esquerdo e terminará
na base do músculo papilar anterior.
O fascículo póstero-inferior, mais cali-
broso, se curvará posteriormente para
atingir o músculo papilar posterior (8)
(Figura 4).
Tem-se questionado a natureza tri-
fascicular do sistema de condução. De
porções distais do fascículo póstero-
-inferior ou do anterossuperior emer-
ge uma intrincada rede de tecidos de
condução septal, o que resultaria na
existência de quatro fascículos – um
da direita e três da esquerda (9). Há
também quem defenda que o ramo BM = banda moderadora; Hb = feixe de His (His bundle); MPA =
direito também se bifurca ou trifurca, músculo papilar anterior; MPP = músculo papilar posterior; RD = ramo
podendo, em teoria, um ser humano direito; RE = ramo esquerdo.

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ECG Completo.indb 34 26/08/2019 09:26:25


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

SITUAÇÕES ESPECIAIS Kent (nomenclatura julgada errada por


alguns especialistas, já que Kent afir-
São de importância para eletrofisio- ma ter encontrado, mas não descreve
logia alguns detalhes sobre a condu- com detalhes, em seu artigo original
ção do estímulo elétrico: (a) na maioria conexões átrio-ventriculares múltiplas
das pessoas, o nó AV possui capacida- que seriam responsáveis pela condu-
de de condução anterógrada e retró- ção elétrica de conduções normais)
grada, seguindo do átrio para o ventrí- (11-13), capazes de condução elétrica,
culo ou, se por desventura o ventrículo que "trapaceiam" o atraso de condu-
despolarizar-se primeiro, do ventrículo ção fisiológico imposto pelo nó AV. Se
para o átrio – é o que chamamos de o impulso elétrico chega aos ventrícu-
condução retrógrada. Em até 35% das los antes do habitual atraso no nó AV,
pessoas, existe ainda o que chamamos irá haver o que chamamos de pré-ex-
de “dupla fisiologia nodal”, em que citação ventricular, e o que três cardio-
ocorre uma espécie de bifurcação do logistas, Wolff, Parkinson e White des-
tecido nodal a nível de nó AV compac- creveram em 1930 como a síndrome
to (10); (b) outra situação digna de nota que leva seus nomes (14): a síndrome
é a presença de “atalhos” através do es- arritmogênica de Wolff-Parkinson-
queleto fibroso, contendo feixes aces- -White, ou WPW, essas estruturas serão
sórios usualmente chamados feixes de descritas com detalhes no capítulo 19;

Figura 5 - Resumo das fibras que conseguem “by-passar” o esqueleto fibroso cardíaco.

Feixe de típicos: vias acessórias rápidas que produzem PR curto e onda delta e a síndrome de Wolff-Parkinson-White. Feixe de Mahaim: vias acessórias
lentas histologicamente semelhantes ao nó AV que produzem mínima ou nenhuma pré-excitação. Feixe de James: Não “by-passa” o esqueleto, mas
falamos aqui por ser similar às anteriores. São fibras histologicamente semelhantes ao nó AV que conectam o átrio ao feixe de His, atuando como um
nó AV acessório. Pode ser uma das causas do achado de um intervalo PR curto sem onda delta no eletrocardiograma.

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ECG Completo.indb 35 26/08/2019 09:26:26


CAPÍTULO 2

(c) outro tipo de atalho conhecido que conectar o átrio com o feixe de His, fun-
o estímulo pode tomar para ganhar os cionando como um nó AV acessório.
ventrículos é uma estrutura histolo- Esse feixe foi responsabilizado pela Sín-
gicamente semelhante ao nó AV, mas drome de Lown-Ganong-Levine (inter-
conecta estruturas distintas. São as fi- valo PR curto sem onda delta), mas este
bras de Mahaim e foram originalmen- termo está em desuso devido à falta de
te descritas por Mahaim e Benatt como correlação clínica e anatômica (16–18).
estruturas que conectavam o nó AV ao Também estará descrito no capítulo 19.
ramo direito ou ao ventrículo (15), mas O resumo dessas fibras que produ-
hoje em dia sabe-se que há sete tipos zem bypass através do esqueleto car-
de “vias acessórias atípicas”, que serão díaco está contido na figura 5.
descritas com detalhes no capítulo 19;
(d) por fim, vamos citar uma estrutura NOÇÕES DO SUPRIMENTO
que não “bypassa” o esqueleto cardía- SANGUÍNEO DO SISTEMA
co, mas pela sua semelhança com as ELÉTRICO
anteriores, será citada aqui. O feixe
de James, ou via acessória atípica O nó sinusal é irrigado pela artéria
átrio-hissiana é uma estrutura histolo- do nó sinusal, um ramo da artéria co-
gicamente semelhante ao nó AV pode ronária direita (CD) em 53% dos casos

Figura 6 - Sequência da atividade elétrica cardíaca e sua expressão no eletrocardiograma.

1: O nó sinusal se despolariza e inicia a ativação atrial direita e esquerda: onda P. 2: O estímulo elétrico corre lentamente pelo nó AV: intervalo PR.
3: O ventrículo começa a despolarizar: complexo QRS. 4: A repolarização ventricular se completa.

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ECG Completo.indb 36 26/08/2019 09:26:26


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

e da circunflexa nos outros 42% e de posterior do ramo esquerdo é a por-


ambas artérias em 3%. A região de Ba- ção menos vulnerável do sistema, re-
chmann recebe sangue de um ramo cebendo suprimento duplo: DA e arté-
da artéria do nó sinusal (19). O nó AV ria descendente posterior (DP) (21). O
e o feixe de His são supridos pela arté- átrio é irrigado pelos ramos atriais das
ria no nó AV, um ramo da CD em 72% artérias coronárias (22) e os ventrículos
dos humanos e da Cx em 28% (20). O possuem irrigação complexa que será
ramo direito e o fascículo anterior do descrita com detalhes no capítulo 12.
ramo esquerdo são supridos pelos ra- Um resumo de tudo o que foi fa-
mos septais proximais da artéria des- lado até aqui pode ser encontrado na
cendente anterior (DA). O fascículo Figura 6 e na Tabela 1.

Tabela 1 - Estruturas anatômicas de interesse em eletrofisiologia, sua irrigação sanguínea


e expressão eletrocardiográfica.

Estrutura Irrigação ECG

Despolarização é incapaz de ser


Artéria do nó sinusal (ramo da CD em
Nó sinusal sentida pelo eletrocardiórafo -
53%, Cx em 42% e dupla em 3%).
Silêncio elétrico.

Átrio direito Ramos atriais da coronária direita. Porção inicial da onda P.

Silêncio elétrico não interferindo


Região de Bachmann Ramo da artéria do nó sinusal.
na onda P.

Átrio esquerdo Ramos atriais da coronária esquerda. Porção final da onda P.

Despolarização é incapaz de ser sen-


Artéria do nó AV (ramo da CD em 72% e
Nó AV tida pelo eletrocardiógrafo, gerando
da Cx em 28%).
silêncio elétrico - Intervalo PR.

Despolarização é incapaz de ser sen-


Feixe de His Mesma irrigação do nó AV. tida pelo eletrocardiógrafo, gerando
silêncio elétrico - Intervalo PR.

Ramo direito Ramo septal da DA. Intervalo PR.

Ramo esquerdo DA e descendente posterior. Intervalo PR.

Fibras de Purkinje Depende da parede. Complexo QRS.

Ventrículos Depende da parede. Complexo QRS.

Siglas: AV: atrioventricular; CD: coronária direita; Cx: circunflexa; DA: descendente anterior

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ECG Completo.indb 37 26/08/2019 09:26:26


CAPÍTULO 2

INTRODUÇÃO À uma maior concentração de potássio


ELETROFISIOLOGIA – POR QUE no seu interior e uma maior concen-
O CORAÇÃO BATE? COMO tração de sódio e cálcio externamente.
O ESTÍMULO ELÉTRICO É A situação polarizada do nó sinusal se
CONDUZIDO? mantém devido à presença de um ca-
nal de potássio com corrente pratica-
Calma, este tópico não morde. mente constante (IK).
Vamos apenas entender como o estí- A automaticidade das células do
mulo elétrico é formado e conduzido nó sinusal se deve a dois canais: (1)
célula a célula, fibra a fibra. O proces- os canais lentos de sódio que permi-
so de geração do impulso elétrico é tem uma entrada constante de sódio
realizado, na maior parte das vezes, independente do potencial de ação.
pelo nó sinusal, mas pode ocorrer A corrente gerada por esse canal é
em outras células com capacidade denominada IF, porque os nerds que a
automática, a saber: nó AV, feixe de descobriram acharam “funny” que um
His, fibras de Purkinje. A nível celular, canal de sódio pudesse ser lento (23);
ocorrem mudanças nas concentra- (2) os canais tipo T de cálcio (ICaT ) que
ções iônicas que resultam na despo- fazem entrar cálcio, também carga
larização da membrana celular das positiva para dentro da célula. Esses
suas células que estavam polarizadas dois canais vão aos poucos deixando
e essa perturbação iônica é propaga- menos negativo o potencial da mem-
da para as células adjacentes muscu- brana. Até que a carga de – 40 mV é
lares, provocando a contração destas, atingida. Quando o potencial alcança
e para o restante do sistema elétrico esse valor, os canais de cálcio depen-
que irá transmitir esse estímulo para dentes de voltagem (ICaL) se abrem,
as demais regiões cardíacas. permitindo assim um grande influxo
O potencial de ação das células au- de cálcio que eleva o potencial para
tomáticas é diferente do potencial de valores positivos em torno de + 10
ação das células musculares. Vamos mV, ou seja, leva à despolarização da
observar em detalhes estas diferenças. membrana (10,24) (o leitor atento per-
ceberá que o potencial de ação passou
POTENCIAL DE AÇÃO DAS de polarizado negativo para polariza-
CÉLULAS AUTOMÁTICAS do positivo, mas, por convenção, cha-
mamos essa transformação em carga
A membrana de uma célula do nó positiva de “despolarização”). Despo-
sinusal possui canais de sódio, potás- larização em eletrofisiologia significa:
sio e cálcio. Inicialmente, essas células positivei o potencial, fiz nascer o
se encontram com uma carga negativa estímulo. Pronto. Agora você já sabe
em relação a concentração extracelu- por que o coração tem o potencial de
lar, ou seja, polarizada (- 60 mV), com “bater” sozinho (25).

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ECG Completo.indb 38 26/08/2019 09:26:26


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

Mas a vida continua e ao se obter POTENCIAL DE AÇÃO DAS


um potencial positivo, abrem-se os ca- CÉLULAS CONTRÁTEIS
nais de potássio (IK), que promovem a
repolarização da membrana. Repolari- O potencial de membrana de re-
zação em eletrofisiologia significa: vol- pouso das células musculares cardía-
tei o potencial para negativo, repo- cas é aproximadamente – 90 mV (ou
larizei a célula para iniciar de novo seja, a célula muscular tem um poten-
o processo. cial mais negativo que as células au-
Você encontrará esses passos que tomáticas). Ao ocorrer influxo de íons
revisamos como “fases” em livros tex- provenientes das células que já se des-
to. A fase 4 é a fase de repouso, em que polarizaram antes através das junções
a célula está polarizada e as correntes comunicantes, este potencial irá ser le-
IF e ICaT estão pronunciadas. A fase 0 é vemente positivado, o suficiente para
a fase de despolarização lenta coman- abrir os canais rápidos de sódio (INa)
dada pela abertura dos canais de cál- e desencadear um grande influxo de
cio da corrente ICaL. A fase 3 é a fase em sódio positivando o potencial de ação
que há abertura dos canais de potássio para + 47 mV. Consequentemente, os
que repolarizam a célula. Veja o resu- canais rápidos de sódio despolari-
mo desses passos na Figura 7. zam a membrana.

Figura 7 - Potencial de ação da célula automática, particularmente a do nó sinusal.

A fase 4 é a fase de repouso, em que a célula está polarizada e as correntes IF e ICaT estão pronunciadas. A fase 0 é a fase de despolarização lenta
comandada pela abertura dos canais de cálcio da corrente ICaL. A fase 3 é a fase em que há abertura dos canais de potássio que repolarizam a célula.

39

ECG Completo.indb 39 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 2

Essa despolarização irá resultar ser suficiente para mantê-los abertos.


na abertura dos canais antagônicos Consequentemente, a repolarização
responsáveis pela fase de repolari- ocorre, afinal apenas o potássio (carga
zação: potássio que repolariza a cé- positiva) está saindo da célula. E assim
lula e cálcio que segue deixando-a permanece por toda a fase de repouso
despolarizada. Entenda: as corren- com a célula polarizada devido à ação
tes potássio (I to, I Kr e I Ks) servem para do canal retificador IK1. O resumo des-
que saiam cargas positivas e a célula tes passos você encontrará na Figura 8.
seja repolarizada. Já a corrente len-
ta de cálcio (ICaL), por onde entram Figura 8 - Potencial de ação e correntes
cargas positivas, seguem positivan- iônicas por canais.
do o potencial da célula. Devido à
abertura mais gradual dos canais de
cálcio, sua ação é atrasada em rela-
ção aos canais de potássio. Logo, a
saída de potássio inicia a repolariza-
ção da célula (fase 1), contudo, de-
vido a entrada lenta de cálcio, irá se
formar um breve equilíbrio na mo-
vimentação das cargas. Esse antago-
nismo representa a fase de platô do
potencial de ação.
Vou repetir pra que fique bem en-
tendido: a fase de platô é a fase 2 do
potencial de ação. Nela acontece algo
curioso: duas correntes brigam entre Na fase 4, a célula se mantém polarizada pela ação do canal retificador
si. Canais de potássio tentam repolari- IK1. Quando há uma perturbação iônica na membrana devido à entrada
zar a célula e canais de cálcio tentam de íons provenientes de células vizinhas já despolarizadas através de
deixa-la polarizada. junções comunicantes, o canal rápido de sódio se abre (INa) e despolari-
Essa entrada de cálcio também dis- za a membrana, levando seu potencial de -90 mV para + 20 mV, sendo
para a liberação do cálcio armazenado responsável pela fase 0. Na fase 1, a ação da corrente Ito faz com que
no retículo sarcoplasmático. Dessa for- potássio seja expulso da célula, que perde um pouco da sua positividade.
ma, uma grande quantidade de cálcio A fase 2 é a de platô. A ação dos canais de potássio (IKr e IKs) em tirar

se concentra no meio intracelular e irá carga positiva da célula se opõe à ação dos canais lentos de cálcio (ICaL)
que tentam colocar carga positiva. Na fase 3, com o fechamento do canal
participar do processo de contração
de cálcio, o potássio reina absoluto, repolarizando a célula (27).
muscular.
Entretanto, não demora para os ca-
nais de cálcio se fecharem novamente, E aí, com todo esse cálcio no inte-
pois, com a leve queda do potencial rior da célula, o que acontece? Ele se
durante o platô, a voltagem deixa de liga à troponina C, que por sua vez

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ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

irá se ligar à tropomiosina e facilitar o triculares despolarizam-se quase que


acoplamento das moléculas de actina instantaneamente (25). Nomeie um
e miosina, levando à contração da cé- órgão mais bonito que esse e falhe mi-
lula. Concomitantemente a isso, uma seravelmente.
parte dos íons sódio e cálcio já foram Na tabela 2, você encontrará um
para as células adjacentes através resumo dos potenciais de ação da cé-
das conexinas e estarão se contrain- lula automática. Na tabela 3, você en-
do logo em seguida. Desse modo, as contrará um resumo dos potenciais de
milhões de células miocárdicas ven- ação da célula contrátil.

Tabela 2 - Resumo do potencial de ação de células automáticas.

Fase Correntes Efeito

Fazem entrar cargas positivas e


elevam lentamente o potencial
4 - Repouso IF e ICaT
de membrana de – 60 mV até
próximo de – 40 mV.

Fazem entrar cargas positivas e


elevam pouco rapidamente o
0 - Despolarização ICaL
potencial de ação de – 40 mV até
+ 5 mV.

Fazem sair cargas positivas e


trazem o potencial de membrana
3 - Repolarização IK
para negatividade de repouso
(-60 mV).

41

ECG Completo.indb 41 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 2

Tabela 3 - Resumo do potencial de ação das células contráteis.

Fase Correntes Efeito

Transporta potássio para dentro


da célula Célula permanece nesse
4 - Repouso IK1 potencial até que perturbações
externas a fazem passar para
próxima fase.

Entra carga positiva na célula e


0 - Despolarização INa seu potencial passa muito rapida-
mente de – 90 mV para + 20 mV.

Canal de potássio age pratica-


mente sozinho por um curto
1 – Repolarização inicial Ito
período tirando carga positiva e
repolarizando parte da célula.

A corrente de cálcio faz entrar


carga positiva e a corrente de
2 - Platô ICaL x IKr e IKs potássio faz sair carga positiva,
permanecendo constante por um
breve período.

Agora que o canal de cálcio fe-


3 - Repolarização IKr e IKs chou, a célula retorna à sua carga
de repouso.

42

ECG Completo.indb 42 26/08/2019 09:26:27


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

RESUMO SOBRE AS CORRENTES IF


IÔNICAS
Despolarizante. A corrente funny
Falamos do potencial de ação, mas é ativada por hiperpolarização da
não falamos das características elétri- membrana. É amplamente responsiva
cas de cada corrente. à ação do sistema nervoso autônomo
e está presente no nó sinusal, nó AV e
INa células de Purkinje.

Despolarizante. Miócitos atriais e Ito
ventriculares e células de Purkinje são
densamente populadas por esses ca- Repolarizante. É a chamada corren-
nais. Eles abrem muito rapidamente te transiente “outward” de potássio.
(< 1 ms), por isso chamamos de “ca- Sua importância clínica se deve ao fato
nais rápidos de sódio” acima. Pouco de que essa corrente é expressa em
presentes nas células dos nós sinusal e magnitudes diferentes pelo miocárdio
atrioventricular. ventricular: é robusta no epicárdio e
A função inadequada desses canais modesta no endocárdio, levando a um
pode levar à Síndrome de Brugada, ao gradiente transmural de potencial de
QT longo congênito tipo 3, e à síndro- membrana que pode gerar a onda J de
me de Lev-Lenegre. Osborn ou a repolarização precoce no
eletrocardiograma.
ICaL
IKur
Despolarizante. É a corrente lenta
de cálcio. Estão presentes em todas as Repolarizante. É uma corrente ul-
células do coração. É desativado por trarrápida. Presente nas células atriais,
despolarização da membrana, mas por isso elas possuem um potencial de
desativa bem mais lentamente que ação mais curto que o ventricular.
a corrente rápida de sódio. Tem ação
crucial no potencial de ação de células IKs e IKr
automáticas.
Repolarizantes. Importantes na
ICaT fase 3 do potencial de ação de células
automáticas e contráteis. O IKs (“s” de
Despolarizante. A corrente tipo T “slow”), por sofrer uma desativação
de cálcio é expressa no miócito atrial mais lenta, permanece aberto de um
e nas células nodais e condutoras. Tem batimento cardíaco para outro em fre-
ação importante na saída da fase de quências muito rápidas. Isso faz com
repouso da célula automática. que a próxima repolarização seja mais

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CAPÍTULO 2

rápida, afinal já tem canal aberto. Esta IKach


é a razão pela qual nosso intervalo QT
(ou seja, nossa repolarização) encurta Corrente ligada à proteína G ini-
a frequências elevadas. bidora e expressa nas células auto-
Defeitos genéticos na transcrição máticas e Purkinje. A proteína G ini-
do IKs com perda de função levam à bidora é ativada tanto pela ação dos
Síndrome do QT longo congênito tipo canais muscarínicos pela ação do sis-
1 e defeitos na transcrição do IKr com tema nervoso autônomo parassim-
perda de função levam ao QT longo pático como pela ação do receptor
congênito tipo 2 (26). de adenosina (A1). Sua ativação ativa
O ganho de função do IKr e IKs e tam- a saída de potássio e hiperpolariza a
bém do IK1 leva ao QT curto congênito. célula, deixando-a mais difícil se ati-
var (27).
IK1 A adenosina age nas arritmias por
reentrada nodal justamente desta
Corrente retificadora voltagem de- maneira: a ação no canal A1 ativa a
pendente que serve para deixar o poten- proteína G inibitória que ativa a cor-
cial de membrana próximo de – 90 mV. rente IKach, o que leva a uma hiperpo-
A potenciais mais negativos que isso, ela larização da célula, deixando-a mais
deixa potássio entrar na célula para man- difícil de despolarizar, quebrando a
ter o potencial próximo de – 90 mV. arritmia (28).

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ECG Completo.indb 44 26/08/2019 09:26:27


ANATOMIA E ELETROFISIOLOGIA CARDÍACAS

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ECG Completo.indb 45 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 2

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ECG Completo.indb 46 26/08/2019 09:26:27


O eletrocardiógrafo e os CAPÍTULO

sistemas de derivações
José Nunes de Alencar Neto
3
INTRODUÇÃO que magnifica sinais elétricos e em um
galvanômetro que move uma agulha
O eletrocardiograma é uma fer- de acordo com a magnitude do poten-
ramenta indispensável na Medicina. cial elétrico do paciente e também de
Sua análise é complexa e muitos de- acordo com a direção dessa corrente:
talhes podem passar despercebidos positiva se o eletrodo está face a
por olhos menos treinados. Como face com o vetor e negativa se o ve-
qualquer exame da prática clínica, o tor está indo em direção contrária
profissional que irá fazer a sua análise ao eletrodo. Esse é um dos conceitos
precisa estar ciente do funcionamento mais fundamentais da eletrocardio-
correto do aparelho para detectar pos- grafia.
síveis artefatos. De acordo com as convenções fei-
Neste capítulo, revisaremos o corre- tas pelo inventor do galvanômetro de
to funcionamento do eletrocardiógra- corda, Einthoven, a inscrição do traça-
fo, desde sua configuração até o posi- do eletrocardiográfico deverá ser ca-
cionamento adequado dos eletrodos. librada no exame padrão da seguinte
Se você não dormir até o fim do capí- maneira: a cada 0,1 mV de diferença
tulo, ainda vamos apresentar maneiras de potencial registrada pelo galvanô-
diferentes de posicionar os eletrodos metro, 1 quadradinho (ou 1 milímetro)
pra tentar enxergar coisas diferentes será inscrito (Figura 1) – quando essa
no ECG. Foco, força e fé. configuração está selecionada, o apa-
relho trará a letra “N” maiúscula ou a
CONFIGURAÇÃO DO inscrição da Figura 2. Com relação ao
ELETROCARDIÓGRAFO – tempo, o papel corre pelo aparelho a
VELOCIDADE E GANHO uma velocidade de 25 mm/s. Essa é
a configuração padrão de um ECG.
O eletrocardiógrafo é um apare- Precisa ser aprendida, tá ok?
lho designado para gravar a ativida- Às vezes, por razão de melhor lei-
de elétrica cardíaca através de cabos tura do traçado, ou pesquisa de algo
para placas de metal em cada deri- específico, podemos solicitar para que
vação. Consiste em um amplificador se aumente ou diminua o “ganho” do

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ECG Completo.indb 47 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 3

traçado. Por exemplo: se você está em quem trabalha em emergência ou uni-


dúvida sobre uma linha reta no moni- dade de terapia intensiva sabe do que
tor, você pode configurar o aparelho estou falando. Resumindo, uma onda
para dobrar o ganho para você, isto é, pequena pode ser vista com mais ni-
se antes cada 0,1 mV significava 1 mm, tidez. Da mesma forma, se um traça-
agora significa 2 mm e talvez isso des- do de um paciente hipertrófico, por
mascare uma fibrilação ventricular – exemplo, está muito confuso porque

Figura 1 - Diagrama no papel de ECG demonstrando configuração.

Falando sobre voltagem ou amplitude, na configuração N, cada 10 mm corresponderá a 1 mV/mm, ou seja, 0,01 mV/mm. Falando sobre o tempo,
na velocidade habitual de 25 mm/s, cada 5 quadradinhos (ou 1 quadradão) corresponderão a 200 ms, e 1 quadradinho a 40 ms.

Figura 2 - No painel A, temos uma coluna com 10 mm, o que significa que cada 1 mV será
inscrito em 10 mm, esta é a configuração “N” padronizada por Einthoven. No painel B,
temos uma coluna com 5 mm, ou seja, a cada 1 mV serão inscritos apenas 5 mm, portanto,
N/2. No painel C, a cada 1 mV serão inscritos 20 mm, ou seja, 2N.

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ECG Completo.indb 48 26/08/2019 09:26:27


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

tem ondas muito amplas e elas se en- mm/s ela ocuparia 2 quadradinhos ou
contram com as outras derivações de 2 mm no papel do ECG. Agora, como
modo que você não consegue ver seus estou gravando a 50 mm/s, os mesmos
limites, o examinador pode solicitar 80 ms serão gravados em 4 quadradi-
para reduzir o ganho pela metade ou a nhos, pois o papel vai passar com o do-
um quarto. Assim, cada 0,1 mV vai de- bro da velocidade por algo que mante-
senhar apenas 0,5 mm ou 0,25 mm – o ve a sua duração constante (1).
eletrocardiograma vai ficar mais limpo.
Aumentar o ganho de um ECG é CONFIGURAÇÃO DO
transformá-lo de “N” para “2N”. E reduzir ELETROCARDIÓGRAFO –
é deixá-lo em “N/2” ou “N/4” (Figura 2). FILTROS
Atenção: muitas avaliações dependem
da amplitude de ondas ou segmentos. A configuração de filtros é uma fer-
Um exemplo clássico é a medição do ramenta frequentemente negligencia-
supradesnivelamento do segmento ST da até mesmo por especialistas. Muitos
para infarto agudo do miocárdio, como artefatos podem interferir na gravação
veremos no capítulo 12. Considere que de um exame, a saber: contração mus-
determinado paciente tenha em D2 cular, respiração, linha elétrica, cam-
e D3 um supradesnivelamento de 1,5 pos magnéticos, marca-passos, pulsos
mm quando o aparelho está configura- arteriais, movimento, má adesão do
do em “N” – o que lhe dá o diagnóstico eletrodo com a pele.
de infarto. Mas imagine que no plantão Por essa razão, os aparelhos mo-
anterior, alguém apertou “sem querer” dernos de eletrocardiograma passa-
o botão do ganho e o reduziu para N/2. ram a filtrar sinais que não interessam
Esse paciente terá um supradesnivela- ao exame. Para isso, estudaram qual a
mento de 0,75 mm (metade) e o médi- frequência (em Hz) das ondas estuda-
co do dia errará em dizer que o pacien- das de interesse em eletrocardiografia.
te não tem infarto agudo. Erros em ECG Veja na tabela 1. Agora resta configu-
podem custar vidas. Uma dica prática é rar o aparelho para excluir do traçado
multiplicar as amplitudes por 2 em um as frequências dos artefatos, deixan-
ECG N/2, por 4 em um N/4, dividir por 2 do visíveis apenas a faixa que contém
em um 2N, e assim por diante. componentes normais do ECG. O leitor
Outra modificação passível de ser atento à tabela 1 perceberá que isso
realizada é aumentar a velocidade do nem sempre é possível. Um exemplo é
traçado e isso pode ser a chave para o artefato muscular que possui a mes-
encontrar ondas escondidas em rit- ma frequência de oscilações dos com-
mos muito acelerados. Como assim? ponentes do ECG. Sorte que resolver
Se uma determinada atividade elétri- isso é fácil: é só pedir para o paciente
ca, por exemplo, uma onda P, possui não se mexer durante a aquisição do
80 ms de duração, significa que a 25 exame.

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ECG Completo.indb 49 26/08/2019 09:26:27


CAPÍTULO 3

Tabela 1 - Frequências em Hz de componentes normais do ECG e artefatos.

Componentes do ECG Frequência

Batimentos cardíacos 0,67 Hz – 5 Hz (i.e., 40 – 300 bpm)

Onda P 0,67 Hz – 5Hz

QRS 10 – 50 Hz

Onda T 1 – 7 Hz

Potenciais de alta frequência 100 – 500 Hz

Artefatos Frequência

Contração muscular 5 – 50 Hz

Respiração 0,12 – 0,5 Hz (8 – 30 irpm)

Rede elétrica Brasil: 60 Hz (pode variar conforme cidade)

Campos magnéticos > 10 Hz

Como sabemos da sua dificuldade em física, trouxemos a fórmula de transformação de Hz em oscilações por minuto: é só multiplicar por 60. Pode usar
uma calculadora se quiser.

Para excluir sinais com oscilações em 1975 a respeito do tema sugeriu


lentas, ou seja, de baixa frequência, configurar os aparelhos para excluir
como a oscilação de baseline, que é frequências menores que 0,05 Hz, fre-
quando o traçado fica subindo e des- quência que não distorcia o ECG, mas
cendo pelo papel, introduzimos o não protegia contra oscilação de base-
“high-pass filter”, ou “filtro de passa-alta”. line. Por sorte, os novos filtros digitais
O problema relacionado a esse filtro conseguem corrigir essa distorção e
é que se excluirmos oscilações me- hoje podemos usar o limite de até 0,67
nores que 0,67 Hz, podemos não ver Hz sem prejuízos (2). Acorda aí. Vou re-
frequências cardíacas menores que 40 sumir o parágrafo pra você: em apare-
bpm, então foi decidido por excluir os- lhos modernos, podemos configurar o
cilações menores que 0,5 Hz e o resul- filtro de passas-altas em 0,05-0,67 Hz.
tado não foi animador: com essa fre- Para excluir sinais de alta frequên-
quência existe considerável distorção cia, como rede elétrica, o mais sensato
no ECG, principalmente em áreas em seria estabelecer um filtro que excluís-
que a amplitude de frequência muda se sinais com frequência maior que 50
abruptamente, como no segmento ST Hz (frequência máxima do complexo
(figura 3). A primeira recomendação QRS) e para esse fim foi criado o “filtro
da American Heart Association (AHA) de passa-baixa”. O problema, no en-

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ECG Completo.indb 50 26/08/2019 09:26:27


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

Figura 3 - Mudança de configuração do segmento ST de um batimento cardíaco em V1 sem fil-


tro (azul) e filtrado em passas-altas (vermelho) – perceba a importante distorção do segmento
ST em vermelho e os potenciais erros diagnósticos que podem acontecer secundários a isso.

tanto, é que isso reduz sobremaneira vido à mudança abrupta no espectro


a capacidade diagnóstica do exame, do domínio da frequência (Figura 4).
pois ondas de alta frequência (100 –
500 Hz) podem aparecer em algumas Figura 4 - “Artefato de anel” ausente em A e
patologias, como a onda épsilon em presente em B devido à configuração de um
displasia arritmogênica do ventrículo “notch filter” (29).

direito (3). Por isso, a recomendação é


que se configure um filtro de 150 Hz para
adultos (2) e 250 Hz para crianças (4).
O leitor atento deve perceber que
se um filtro que exclua frequências
maiores que 150 Hz for configurado, a
linha de rede elétrica, que possui 60 Hz
na maior parte do Brasil, não será ex-
cluída da gravação. Para rejeitar esses
sinais, um filtro específico é configura-
do: o line frequency filter (LFF), também
chamado “notch filter”, basicamente
um filtro que exclui frequências de 59
– 61 Hz. O problema desse filtro é a ge-
ração de “artefatos de anel” que ocor-
rem após complexos QRS e ocorre de-

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ECG Completo.indb 51 26/08/2019 09:26:28


CAPÍTULO 3

O último filtro digno de nota é o do remos o eletrodo da perna direita de


eletrodo da perna direita ou com- “eletrodo terra” quando for oportuno.
mon mode rejection que serve para
cancelar os artefatos de rede elétrica CONFIGURAÇÃO DO
que vêm do próprio paciente, que nes- ELETROCARDIÓGRAFO –
se caso está servindo como antena. O POSICIONAMENTO DOS
aparelho faz isso automaticamente co- ELETRODOS NO PACIENTE
letando sinais na faixa de frequência
de rede elétrica provenientes dos de- O correto posicionamento dos ele-
mais membros e enviando ao apare- trodos no corpo do paciente em um
lho um sinal exatamente oposto a este ECG padrão já foi visto no capítulo 1.
(5). É para isso que serve o eletrodo da Revisamos de forma prática suas loca-
perna direita. Por essa razão, chama- lizações na tabela 2. Falando especifi-

Tabela 2 - Correto posicionamento de eletrodos em eletrocardiografia.

Eletrodo Local

Eletrodo amarelo Punho esquerdo

Eletrodo verde Tornozelo esquerdo

Eletrodo vermelho Punho direito

Eletrodo preto Tornozelo direito

V1 4º EIC. Para-esternal à direita

V2 4º EIC. Para-esternal à esquerda

V3 Entre V2 e V4

V4 5º EIC. Linha médio-clavicular esquerda

V5 Entre V4 e V6

V6 5º EIC, Linha axilar média

V7 Entre V6 e V8

V8 Inferior à ponta da escápula

V9 Medial a V8

V3R Entre V1 e V4R

V4R 5º EIC. Linha médio-clavicular direita

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ECG Completo.indb 52 26/08/2019 09:26:28


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

camente sobre o posicionamento dos Sistema Mason-Likar


eletrodos de membros, eles precisam
estar distais aos ombros e ao quadril, Em 1966, Mason e Likar sugeriram
não necessariamente nos pulsos e transferir os eletrodos dos membros
tornozelos. Existe, no entanto, descri- para o tórax em testes ergométricos,
ção de modificações em amplitudes e assunto que será discutido no capí-
durações de ondas de ECG quando o tulo 26. A mudança foi proposta para
eletrodo do braço esquerdo tem sua reduzir os artefatos causados pelos
posição modificada (6). Devido a isso, movimentos dos membros dos pa-
a recomendação do autor é posicioná- cientes enquanto eram submetidos ao
-las a nível de pulsos e tornozelos, evi- exame. No artigo original, não houve
tando colocá-las diretamente sobre as diferenças importantes em amplitudes
artérias radial e tibial anterior, pelo ris- quando se movia o eletrodo do braço
co do artefato de pulsação arterial que direito (RA) para a fossa infraclavicu-
será visto com detalhes no capítulo 5. lar direita medial à borda do músculo
A preparação da pele também é deltoide, dois centímetros abaixo da
crucial para a realização de um exame borda inferior da clavícula, o eletrodo
sem artefatos e deve ser perseguida do braço esquerdo (LA) em posição si-
em todas as situações da prática clí- milar à esquerda, e o eletrodo da perna
nica. A pele é um pobre condutor de esquerda (LL) na linha axilar anterior,
eletricidade e pode criar artefatos im- no ponto médio entre o rebordo cos-
portantes, pois não podem ser filtra- tal e a crista ilíaca. O eletrodo da perna
das pelo aparelho e sua amplitude é, direita foi ilustrado como posicionado
muitas vezes, muito maior que a do no membro no trabalho original de
traçado do paciente. A preparação da Mason e Likar, mas por conveniência, o
pele deve ser feita da seguinte manei- posicionamento em região análoga à
ra: (1) tricotomia da região onde os ele- da perna esquerda foi adotado (9) (Fi-
trodos serão fixados; (2) limpe a região gura 5). A adaptação, no entanto, não
com água e sabão ou álcool; (3) seque é isenta de falhas e críticas. O sistema
a área vigorosamente com papel toa- Mason-Likar de eletrodos causa um
lha ou gaze, realizando abrasão do lo- desvio de eixo do vetor cardíaco para
cal até que a pele fique cor de rosa. Es- a direita, reduz a amplitude das ondas
ses passos são suficientes para reduzir R em D1 e aVL e aumenta a amplitude
a impedância desse sistema pele-ele- da onda R em D2, D3 e aVF. Ainda mais
trodo (7,8). importante: é possível que esse desvio
Existem, na prática, outros tipos de de eletrodos faça com que os eletrodos
posicionamento de eletrocardiograma “inferiores” vejam a parede anterior do
de acordo com a indicação clínica. Nos coração, uma possível explicação para
próximos parágrafos, você vai encontrar velhos dogmas da eletrocardiografia
detalhes sobre os mais importantes: de esforço: (a) o infradesnivelamento

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ECG Completo.indb 53 26/08/2019 09:26:28


CAPÍTULO 3

no teste não determina parede com ST, por isso sua importância em testes
isquemia; (b) a parede inferior sofre de ergométricos. Existem outras posições
altos índices de falso-negativo (10). em que esse eletrodo pode ser fixado,
por exemplo, na fronte do paciente
Figura 5 - Posicionamento de eletrodos pelo (Figura 6).
sistema Mason-Likar a ser usado em testes
ergométricos.
Figura 6 - Posições de eletrodos para aquisi-
ção de derivações bipolares extras.

O braço direito (RA) é posicionado na fossa infraclavicular, 2 cm abaixo da


borda inferior da clavícula, medial à borda do músculo deltoide. O braço
esquerdo (LA) é posicionado em região análoga à esquerda. A perna esquerda H: fronte do paciente. Usada da Suécia em eletrocardiogramas durante
(LL) é posicionada na linha axilar anterior, ponto médio entre o rebordo costal exercício em bicicleta ergométrica. S: fossa infraclavicular. M: manúbrio
e a crista ilíaca (9). esternal, de longe a mais utilizada. Tem uma sensibilidade importante em
detectar alterações de segmento ST, por isso seu uso em larga escala em
testes ergométricos. B: inferior à escápula. R: braço direito. C: em posição
No eletrocardiograma de exercício, análoga ao V5, mas do lado direito. Importante conhecer: manúbrio esternal.
acrescenta-se outro eletrodo no ma-
núbrio esternal do paciente que será
usado como polo negativo para o ele- Hospitalar
trodo V5. Perceba: V5 seguirá sendo
usado como dipolo do terminal cen- Para fins de monitoramento
tral de Wilson, mas também servirá hospitalar, o uso do sistema Mason-
de polo para o eletrodo do manúbrio Likar já discutido no tópico anterior
esternal. Desse modo, tem-se a deriva- é também amplamente utilizado,
ção CM5, que é uma das mais sensíveis apenas com os eletrodos dos
para detectar alterações de segmento membros. O acréscimo de um eletrodo

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ECG Completo.indb 54 26/08/2019 09:26:28


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

simulando V2 para-esternal à esquerda Figura 7 - Planos vetorcardiográficos frontal,


pode ajudar em situações de análise horizontal e sagital e eixos x, y e z.

de ritmo.
Outro sistema bastante usado é
chamado de “Modified Chest Lead” ou
“Mariott’s Chest Lead”, onde o posicio-
namento de três eletrodos original-
mente descrito obedecia à seguinte
ordem: eletrodo do braço esquerdo no
local de V1, eletrodo do braço direito
locado infraclavicular à esquerda e ele-
trodo terra em qualquer local (11).

Derivações ortogonais e o vetor-


cardiograma

O leitor até aqui já deve ter perce- x: latero-lateral; y: supero-inferior; z: póstero-anterior. PF: plano frontal, PH:
bido que a atividade elétrica cardíaca plano horizontal, PS: plano sagital.
pode ser traduzida pela soma das di-
ferenças de potencial das células car- tas três derivações/eixos. No entanto,
díacas. Uma diferença de potencial entre 1945-1955, um conhecimento
resultante pode ser traduzida mate- maior sobre a geometria cardíaca e
maticamente como um vetor resultan- a relação do vetor resultante com os
te. Cientistas perceberam que o vetor diferentes posicionamentos de eletro-
cardíaco resultante poderia ser avalia- dos demonstrou que essas os sistemas
do através da construção de sistemas criados até então, Duchosal, tetaedro
ortogonais, que são nada mais do que de Wilson e cubo de Grishman, não
sistemas que representam três deriva- eram tão ortogonais assim. Não vamos
ções: x, y e z. Por convenção, x detecta nos ater a esses sistemas, pois estão
as forças laterais (similar à derivação em desuso na prática clínica.
D1 do ECG convencional); y detecta A importância do parágrafo an-
forças superiores ou inferiores e, assim terior é que foi a partir disso que sur-
como aVF, tem deflexão positiva caso giram as “derivações ortogonais cor-
um vetor aponte para o pé do pacien- rigidas”. Frank, em 1956, publicou o
te; e z, um eletrodo que detecta cor- primeiro sistema realmente ortogonal
rentes anteroposteriores, similar ao V2 (12), pelo menos nos modelos de torso
do ECG (Figura 7). em tanques (13) (Figura 8).
Nas décadas de 40 e 50, investiga- O sistema de Frank, ortogonal cor-
dores projetaram sistemas de medi- rigido, possui cinco eletrodos (A, C, E, I
ção do vetor resultante cardíaco nes- e M). A e I são posicionados nas linhas

55

ECG Completo.indb 55 26/08/2019 09:26:28


CAPÍTULO 3

Figura 8 - Modelos de torsos estudados por SISTEMAS DE ECG


Frank e que foram a base para a correção dos “TRANSFORMADOS”
sistemas ortogonais (13).

Na década de 70, a fim de reduzir


o tempo de realização de um exame
e os custos com eletrodos, Dower in-
troduziram o sistema de “derivações
transformadas” (14) – soa estranho em
português, mas significa que com o re-
gistro de apenas três derivações (X, Y e
Z), serão calculadas matematicamente
as derivações clássicas do eletrocar-
diograma. O progresso da técnica foi
reportado pelo autor 11 anos mais tar-
axilares médias esquerda e direita, res- de trazendo um resultado no mínimo
pectivamente. E e M no esterno e colu- conflitante: o ECG derivado seria me-
na. C deve ficar 45º distante de A e E, em lhor correlacionado com os achados
uma posição similar ao ápice cardíaco. clínicos que o ECG de 12 derivações
Todas essas derivações estarão dispos- (15), resultado que foi duramente cri-
tas no 4º ou 5º espaço intercostal. Existe ticado. Anos mais tarde, diferenças
mais um eletrodo: o H, que geralmente em coeficientes de transferências fo-
é posicionado na porção posterior do ram percebidas e apresentadas no 14º
pescoço, mas sua localização não é par- Congresso Internacional de Eletrocar-
ticularmente importante (Figura 9). diografia (16).

Figura 9 - Posicionamento de eletrodos do sistema de Frank.

56

ECG Completo.indb 56 26/08/2019 09:26:29


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

O contrário também é possível. HOLTER E OUTRAS FORMAS DE


Com todos os eletrodos posicionados ECG AMBULATORIAL
no tórax de um paciente, uma trans-
formação inversa de Dower (6) (IDT, Desenvolvido por Norman Jeff Hol-
sua sigla em inglês) ou transformação ter com sua primeira publicação em
de Kors (17), um aparelho de eletrocar- 1949, o eletrocardiograma ambulato-
diograma pode capturar um eletrocar- rial, hoje conhecido pelo nome do seu
diograma de 12 derivações e um vec- inventor, pesava 38 kg (Figura 11). Os
torcardiograma ao mesmo tempo. aparelhos atuais são leves e discretos
O uso dessas transformações pode e realizam monitorização contínua de
ser muito importante clinicamente ECG, com características distintas a
caso seja estudado em cenários clíni- depender do modelo escolhido pelo
cos e validado em pacientes de dife- clínico: detecção automática de arrit-
rentes formatos físicos. Por enquanto, mias, análise do ST e do QT, variabilida-
os seus idealizadores defendem os de de onda T, etc.
métodos de transformação por trazer
Figura 11 - Eletrocardiograma ambulatorial
mais informações sem o gasto de ele-
elaborado por Norman Jeff Holter em 1947,
trodos adicionais, e pela possibilidade
com trabalho publicado em 1949.
de retorno do estudo vetorcardiográfi-
co ao arsenal de exames complemen-
tares do cardiologista (11).
Outro sistema de ECG “transforma-
do” é o EASI, também proposto por Do-
wer, que consiste no uso de 4 eletrodos.
São posicionados nas posições A, E e I
de Frank, adicionando um eletrodo S
no topo do esterno (18) (Figura 10).
Figura 10 - Posicionamento de eletrodos no
sistema EASI.

O Holter (escreve-se com letra


inicial maiúscula) mais conhecido da
comunidade médica é o gravador
de ECG ambulatorial de 24-48 h, mas
pode chegar a capacidades de grava-

57

ECG Completo.indb 57 26/08/2019 09:26:30


CAPÍTULO 3

Tabela 3 - Rendimento diagnóstico dos diferentes tipos de ECG ambulatorial.

Duração da Tipo de grava- AVC


Palpitações (%) Síncope (%)
gravação dor criptogênico
24 – 48 horas Holter 10-15 1-5 1-5

3-7 dias Holter patch 50-70 5-10 5-10(?)

1-4 semanas Loop externo 70-80 15-25 10-15

Até 36 meses Loop implantável 80-90 30-50 15-20

AVC: acidente vascular cerebral (20).

ção de 30 dias. Ele pesa entre 200-300 ramo direito ou esquerdo. Isso é pos-
g e pode possuir cabos e eletrodos sível caso haja a montagem de uma
ou apenas um patch adesivo na pele derivação “tipo V1” que consiste no po-
(19). Os sistemas de eletrodos variam sicionamento de um eletrodo positivo
de acordo com as diferentes marcas, no quarto espaço intercostal direito a
mas geralmente se limitam a dois ou 2,5 cm do esterno e um eletrodo ne-
três canais bipolares independentes, gativo no terço lateral da fossa infra-
10 eletrodos para a gravação de 12 de- clavicular. Se isso não for respeitado,
rivações ou o sistema EASI. Com o po- é impossível inferir se há bloqueio de
sicionamento de eletrodos bipolares ramo direito ou esquerdo ou apenas
nos locais corretos, um clínico pode bloqueio intraventricular (11).
inferir, a partir da gravação do Holter, Loop recorders são uma das varia-
que o paciente tem um bloqueio de ções do método. Nesse caso, deriva-

Figura 12 - Diferentes tipos de ECG ambulatorial.

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ECG Completo.indb 58 26/08/2019 09:26:31


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

ções bipolares são posicionadas por Nos últimos anos, temos visto ainda
semanas a meses na pele (Loop exter- a introdução de gravadores de ECG em
no) ou implantadas (Loop implantável) no smartphones e smartwatches. O Kardia
subcutâneo do paciente. Essa modalida- Mobile (AliveCor, Inc., Estados Unidos)
de reconhece automaticamente a arrit- é um device portátil em que se posi-
mia e podem gravar até 1 hora do evento. cionam os dois dedos para obter um
Muito útil para arritmias infrequentes. registro da gravação D1 (21). O Apple
Monitor de eventos é o terceiro Watch mede o fluxo sanguíneo atra-
tipo de gravação de ECG ambulatorial. vés de reflexos que o sangue causa em
Neste caso, o paciente ativa o gravador luzes de LED emitidas na parte poste-
com um botão. Bom para arritmias sin- rior do relógio ou através de infraver-
tomáticas. Tipicamente seu uso pode melho. Quando há irregularidade do
durar até 30 dias. ritmo cardíaco, o aparelho notifica o
A tabela 3 resume o rendimento usuário a tocar com o dedo da mão
diagnóstico e a figura 12 ilustra cada contralateral ao relógio para obter um
um desses aparatos (20). registro de D1 (Figura 13).

Figura 13 - Funcionamento do registro eletrocardiográfico do Apple Watch.

Pulsos de luz verde são enviados em alta frequência e os sensores de luz observam quantas vezes há reflexo dessa luz (o vermelho do sangue reflete luz verde).
O LED infravermelho também pode fazer contagem de ritmo cardíaco. Quando o aparelho detecta anormalidade, ele solicita ao usuário que posicione seu dedo
contralateral à mão onde está o relógio na “Digital Crown”, criando assim uma derivação braço esquerdo – braço direito, ou seja, D1.

59

ECG Completo.indb 59 26/08/2019 09:26:31


CAPÍTULO 3

DERIVAÇÕES ESPECIAIS Figura 14 - Derivação de Lewis.

Na tentativa de melhorar a detec-


ção de uma onda específica no ECG,
algumas derivações “especiais” foram
propostas ao longo dos anos (22).
A derivação de Lewis é usada para
melhorar a detecção de atividade atrial
no ECG. Bom para situações em que a
onda P tem baixa amplitude ou existe a
suspeita de que ela está escondida em
outra onda ou complexo do ECG (23). Os
eletrodos dos braços são movidos para o
tórax do paciente da seguinte maneira:
braço direito fica posicionado no segun-
do espaço intercostal direito próximo Eletrodo do braço direito posicionado no 2º EIC direito e eletrodo do braço es-
ao esterno e braço esquerdo no quarto querdo posicionado no 4º EIC direito. Demais eletrodos dos membros podem
espaço intercostal direito próximo ao ser posicionados em qualquer lugar. O eletrocardiógrafo deve gravar um D1

esterno. Nessa configuração, o eletro- longo (obrigatoriamente) a diferentes velocidades.

cardiógrafo deve ser configurado para


gravar obrigatoriamente um D1 longo
– lembre-se que D1 é a derivação que
mede a diferença de potencial entre os Figura 15 - Derivações de Fontaine para
detecção de ondas épsilon da Displasia
dois braços - a diferentes velocidades (25
Arritmogênica do Ventrículo Direito. Para po-
mm/s, 50 mm/s) (Figura 14).
sicionamento dos eletrodos e detalhes sobre
As derivações de Fontaine foram
a gravação, vide texto.
descritas a fim de aumentar a capaci-
dade de identificação de ondas épsi-
lon, as ondas presentes em diversas si-
tuações, mas classicamente descrita na
displasia arritmogênica do ventrículo
direito. Os eletrodos são posicionados
no manúbrio esternal (braço direito),
no apêndice xifoide (braço esquerdo)
e no lugar de V4 (perna esquerda) com
o eletrodo de perna direita posiciona-
do em qualquer lugar. As derivações
D1, D2 e D3 devem ser gravadas e
substituídas pela nomenclatura FI, FII
e FIII (24) (Figura 15).

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ECG Completo.indb 60 26/08/2019 09:26:32


O ELETROCARDIÓGRAFO E OS SISTEMAS DE DERIVAÇÕES

Derivações esofágicas podem ser em veia jugular interna ou subclávia,


usadas para detectar atividade atrial cuja ponta do cateter esteja mergu-
devido à proximidade do esôfago com lhada no do átrio direito, pode-se
o átrio esquerdo (25). Com um eletro- seguir o seguinte passo-a-passo: 1)
do de braço direito adaptado posicio- aspirar o conteúdo do acesso com
nado no esôfago a nível de silhueta uma seringa para assegurar que não
cardíaca e um eletrodo de braço es- há bolhas de ar, 2) um sistema agu-
querdo conectando a um amplificador, lha-seringa contendo solução salina
a uma derivação no tórax ou a um polo deve ser inserido na ponta distal do
proximal no próprio eletrodo esofági- acesso central (ou um fio-guia), 3)
co utilizado. A utilização desse método um eletrodo de V1 deve ser conec-
pode ser diagnóstico em até 86% dos tado a essa agulha (ou fio-guia). 4)
casos em que o ritmo não estava bem com os demais eletrodos conectados
definido (26) (Figura 16). às suas posições habituais, gravar 12
Derivações intracardíacas tam- derivações ou V1 longo (27,28). Aten-
bém podem ser tentadas. Num pa- ção: garanta a esterilidade de todo o
ciente com acesso venoso central procedimento.

Figura 16 - Posicionamento de eletrodo esofágico conectado a um eletrocardiógrafo.

61

ECG Completo.indb 61 26/08/2019 09:26:32


CAPÍTULO 3

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62

ECG Completo.indb 62 26/08/2019 09:26:32


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63

ECG Completo.indb 63 26/08/2019 09:26:32


O ECG Normal
CAPÍTULO

José Nunes de Alencar Neto


4
INTRODUÇÃO IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE
E CONFIGURAÇÕES DO
A interpretação de um ECG por um ELETROCARDIÓGRAFO
examinador experiente é feita compa-
rando aquele exame com a memória Tudo começa pelo básico. Identi-
fotográfica e com o conhecimento que fique o paciente, seu sexo e idade.
possui de outros ECGs normais e anor- Veremos nos próximos capítulos que
mais que já foram vistos. No início da isso pode ser crucial para uma correta
caminhada, é comum que se faça ne- análise do exame, pois os valores de
cessário o uso de guias, livros curtos, referência de alguns achados podem
resumos, manuais de plantão, aplica- mudar.
tivos e outros materiais que nos traga Sobre o eletrocardiógrafo, o leitor
a recordação dos padrões normais e deve relembrar tudo que leu no ca-
anormais. pítulo anterior. Está configurado em
Justamente na fase em que ganha- N e 25 mm/s? Seus filtros estão ade-
mos experiência, é comum ficar fasci- quados? E mais: fique atento à possí-
nado ou assustado com um determi- vel presença de artefatos que serão
nado achado (por exemplo, a primeira vistos com detalhes no capítulo 5.
vez que um leitor pouco experiente Houve troca de eletrodos ou outro
diagnostica um bloqueio divisional artefato que impossibilita a correta
anterossuperior ou como quando um análise do ECG?
examinador com experiência média
acha que viu uma onda épsilon) e isso RITMO E FREQUÊNCIA
pode levar ao erro diagnóstico por CARDÍACA
subestimar outros achados. A melhor
maneira de evitar isso é sistematizan- O próximo passo é olhar para o
do a análise do ECG. Isso deve ser feito ECG e identificar o ritmo do pacien-
por todos, independentemente do ní- te. Isso pode ser realizado através da
vel de conhecimento sobre o assunto. seguinte análise: as ondas e com-
Este capítulo fará a análise sistemática plexos sempre vêm em intervalos
por você. Cada tópico a seguir será um iguais? Pode ser necessário um com-
passo a ser realizado para que o ECG seja passo ou que você desenhe numa fo-
avaliado por completo. Vamos começar. lha à parte dois traços denotando a

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ECG Completo.indb 65 26/08/2019 09:26:32


CAPÍTULO 4

distância entre duas ondas P ou dois Figura 1 - Ativação atrial iniciando pelas
complexos QRS e a partir daí obser- forças atriais direitas (AD) e terminando

var se essas distâncias se mantêm pela esquerda (AE).

constantes.
O ritmo cardíaco pode ser sinusal,
ectópico ou arrítmico. O ritmo sinusal
será visto neste capítulo. O ectópico e
o arrítmico serão discutidos na seção
2 deste livro. Antes de começarmos
essa avaliação, devemos lembrar um
pouco da eletrofisiologia cardíaca,
vista no capítulo 2. O estímulo elétri-
co cardíaco, em condições normais, é
gerado no nó sinoatrial ou nó sinusal,
uma estrutura anatômica localizada
O vetor resultante está descrito em VR, apontando para inferior e
no teto do átrio direito. O caminho para esquerda. Como o vetor muda de direção a cada momento da
percorrido por ele será despolarizar despolarização atrial, é possível também imaginar o a alça que a
as células atriais circunvizinhas, de- despolarização desenha no plano frontal, com os sucessivos múltiplos
pois ganhar os feixes internodais (que vetores instantâneos.
não são exatamente feixes, como dis-
cutimos naquele capítulo) até chegar
ao nó atrioventricular, uma estrutu-
ra mais inferior e mais à esquerda, e equivocadamente descritas como um
sofrer uma “pausa” em seu processo. feixe, que são responsáveis por trans-
Nesse momento, o estímulo está ten- mitir o estímulo através do septo inte-
tando vencer a baixa velocidade de ratrial para o átrio esquerdo. Quando
condução dessa região (Figura 1). Bachmann está lesado, o estímulo será
O importante do parágrafo an- conduzido através da fossa oval ou
terior foi demonstrar para você o do seio coronário (veremos isso com
vetor da onda P no plano frontal (a mais detalhes no capítulo 6). Mas o in-
onda desenhada pela ativação atrial teressante é perceber que a segunda
nas derivações dos membros): ela porção da onda P é determinada justa-
vai do teto para uma região mais mente pela ativação do átrio esquerdo.
inferior e mais à esquerda. O vetor Como o átrio esquerdo é ativado de
da onda P, portanto, apontará para cima para baixo e de frente para trás
derivações mais à esquerda (D1) e (é uma estrutura mais posterior que o
inferiores (D2 e aVF), sendo positivo átrio direito, em contato direto com o
nessas derivações. esôfago), o vetor de ativação do átrio
Além dos feixes internodais, exis- esquerdo apontará de cima para baixo
tem também as células de Bachmann, e de frente para trás. Portanto, outra

66

ECG Completo.indb 66 26/08/2019 09:26:33


O ECG NORMAL

Figura 2

Entenda a figura antes de passar adiante. À esquerda, temos os vetores do átrio direito (AD) e do átrio esquerdo (AE). A soma dos dois vetores (VR) aponta
para inferior e para a esquerda no plano frontal, mais especificamente em direção a D2. D2, portanto, terá a maior amplitude, D1 e aVF também serão
positivas. D3 geralmente é positiva. aVR está quase diametralmente oposta ao vetor, portanto negativa. À direita, temos o vetor no plano horizontal,
portanto, nas derivações precordiais. Perceba que a ativação final (VR) realizada pelo AE traz o vetor para negativo na sua segunda porção, em V1. Adaptado
de Gertsch.

derivação a que o leitor precisa ficar A ausência de onda P no ECG pode


atento é V1, que visualiza justamente o significar o diagnóstico de fibrilação
diâmetro anteroposterior do paciente: atrial, ondas P de formatos distintos ou
em V1 a onda P tem um formato “plus- em dentes de serra podem significar
-minus” (ou seja, primeiro positiva, de- taquicardias atriais multifocais e flut-
pois negativa) ou apenas “minus” (caso ters atriais, arritmias que serão porme-
o nós sinusal seja uma estrutura muito norizadas nos capítulos 16 e 17.
anterior naquele coração). A frequência sinusal normal tem
Resumindo, a onda P precisa ser posi- seus limites entre 50-100 batimentos
tiva em D1, D2 e aVF, plus-minus ou mi- por minuto. O cálculo dessa frequên-
nus em V1. D3 pode ser plus ou plus-minus cia deve ser feito em todos os ECGs
e aVL pode ser plus, minus ou minus-plus. avaliados e são diversas as maneiras
Se tudo isso for respeitado, teremos um com que isso pode ser alcançado. A
ritmo sinusal na imensa maioria dos casos mais fidedigna é dividir 1500 pelo
(Figura 2). Um diagnóstico diferencial raro, número de quadradinhos entre uma
mas importante, mesmo quando tudo é onda P ou um complexo QRS e outro.
respeitado é o ritmo atrial para-sinusal do A razão do número “1500” é bastante
átrio direito ou atrial de veia pulmonar su- fácil: em um ECG com velocidade de
perior direita, no átrio esquerdo, estruturas 25 mm/s, um segundo será gravado
muito próximas e que, portanto, podem em 1500 quadradinhos. Então 1500/X
produzir vetor muito semelhante. = frequência cardíaca.

67

ECG Completo.indb 67 26/08/2019 09:26:33


CAPÍTULO 4

Outra maneira é a “regra dos qua- Se o ritmo for irregular, esses cálcu-
dradões”. Cada quadradão possui 5 los não poderão ser realizados. A ma-
quadradinhos, então, 1500/5 = 300. neira de estimar a frequência é calcular
1500/10 = 150. 1500/15 = 100. Por aí a média de batimentos em 6 segundos
vai. Sabendo dessa regra, você pode e multiplicar por 10. Para isso, conte 30
inferir de maneira menos fidedigna a quadradões (30 x 200 ms = 6 segundos)
frequência (Figura 3). e multiplique a quantidade de bati-
mentos encontrados por 10 (Figura 4).

Figura 3 - Pela regra dos “quadradões”, a frequência cardíaca desse paciente estará entre
100 e 75. Para saber com exatidão, dividir 1500/19 = 79.

Figura 4 - Cálculo da frequência cardíaca quando ritmo for irregular. Contar 30 quadradões (6
segundos) e multiplicar o número de batimentos por 10.

A ONDA P de, é determinada pela ativação do


átrio direito; e a sua segunda meta-
O ritmo da onda P denota a ati- de é determinada pela ativação do
vidade sinusal ou ectópica do co- átrio esquerdo. Na porção média da
ração. Já a morfologia e duração da onda P, existe uma sobreposição de
onda P denotam a morfologia dos atividades – o átrio direito está tendo
átrios. Como vimos nos parágrafos suas últimas fases da despolarização
anteriores, o início da onda P, mais enquanto o átrio esquerdo está ape-
especificamente sua primeira meta- nas começando (Figura 5).

68

ECG Completo.indb 68 26/08/2019 09:26:33


O ECG NORMAL

Figura 5 - A onda P é gerada pela ativação dos dois átrios. Na figura, está representada a
atuação de cada átrio na geração dessa onda. Perceba que a primeira metade é comandada
pelo átrio direito, enquanto o átrio esquerdo ganha importância na segunda metade. Na
porção central da onda, temos as últimas células do átrio direito e as primeiras células do
átrio esquerdo despolarizando-se.

A onda P precisa ser avaliada em sua dessa onda podem denotar atrasos de
amplitude, pois aumentos podem deno- condução. Adianto aqui uma importan-
tar sobrecargas atriais. Em D2 a onda P te divergência entre este livro e as ideias
não pode ultrapassar 2,5 mm de am- desse autor que vos fala para a literatura
plitude (dois quadradinhos e meio), pois já escrita. Repito: o alargamento da onda
mais que isso seria sinal de sobrecarga P denota atraso da condução intra ou
atrial direita. Em V1 a onda P não pode inter-atrial, que pode ou não ser secun-
ultrapassar 1,5 mm de amplitude em dário a uma sobrecarga atrial direita ou
sua porção positiva e 1 mm de ampli- esquerda. Esse assunto será discutido no
tude em sua porção negativa (Figura capítulo 6. A onda P não pode exceder
6), o que denotaria sobrecarga atrial di- 100 ms de duração (dois quadradinhos
reita e esquerda respectivamente. e meio)
A onda P também precisa ser avalia- Leia o resumo sobre a onda P na Ta-
da em sua duração, pois alargamentos bela 1.

Figura 6 - Onda p normal em D2: positiva, com > 2,5 mm de amplitude e 2,5 quadradinhos de
duração.

69

ECG Completo.indb 69 26/08/2019 09:26:34


CAPÍTULO 4

Tabela 1 - Características normais da onda P.

Despolarização atrial primeiro direita,


Significado
depois esquerda

De cima para baixo, da direita para esquerda,


Vetor porção inicial de trás para frene e porção final
de frente para trás.

Positiva em D1, D2 e aVF. Plus-minus ou minus em


Formato
V1.

Duração Até 100 ms (dois quadradinhos e meio).

INTERVALO PQ lo elétrico obrigatoriamente precisa


passar por essa pausa para chegar
O intervalo PQ (ou PR) normal aos ventrículos e dar início ao com-
vai de 121 a 200 ms, ou seja, > 3 e plexo QRS. Portanto, é esperado que
≤ 5 “quadradinhos” (ou um “quadra- todos possuam um intervalo PQ nos
dão”). É medido do começo da onda limites já citados.
P até com o começo do complexo A redução do intervalo PQ pode,
QRS, tomando como base a deriva- então, significar que há um defeito
ção em que este parecer maior. Às no esqueleto fibroso que está permi-
vezes, é necessário medir o começo tindo a passagem do estímulo elétri-
da P em uma derivação, pois naquela co do átrio para o ventrículo, uma via
se inicia alguns milissegundos antes, acessória, causador da Síndrome de
e o começo do QRS em outra, exa- Wolff-Parkinson-White, um feixe de
tamente aquela em que também se James, causador da extinta Síndro-
inicia sutilmente antes. me de Lown-Ganong-Levine (ambas
O intervalo PQ é o silêncio elé- descritas no capítulo 19) ou uma va-
trico produzido pela passagem do riante do normal.
estímulo elétrico pelas células tran- O alargamento do intervalo PQ
sicionais e pelas poucas junções co- para além de 200 ms pode significar
municantes do nó atrioventricular bloqueio atrioventricular de 1º grau
(AV). Como, em situações normais, (capítulo 6), encontrado em doenças
todos temos um esqueleto fibroso do nó AV e também em indivíduos
que separa completamente as célu- normais: 8% dos homens e 12% das
las atriais das miocárdicas, o estímu- mulheres (1,2).

70

ECG Completo.indb 70 26/08/2019 09:26:34


O ECG NORMAL

O COMPLEXO QRS Com relação à sua duração, o com-


plexo dura normalmente menos que
Representa a despolarização dos 100 ms, e não deve ultrapassar 120
ventrículos. Na sua abordagem siste- ms (três quadradinhos), indicando um
mática do ECG, é necessário que se ve- atraso na condução dos ventrículos,
rifique seu formato, sua duração, sua seja por uma doença miocárdica ou,
amplitude e seu eixo. mais frequentemente, por bloqueio de
Na análise do formato, o leitor precisa ramo.
avaliar qual o formato do complexo QRS: Com relação à sua amplitude, o
se qRs, rS, etc. Uma forma muito simples, complexo deve ter pelo menos 5 mm
porém, bastante útil para aqueles que em pelo menos uma derivação do
trabalham muito raramente com o ECG plano frontal e 8 mm em pelo menos
e não têm acesso a consultas rápidas é a uma derivação do plano horizontal.
dica a seguir: existem dois padrões ele- Valores abaixo disso são definidos
trocardiográficos básicos mais comuns como "baixa voltagem". A amplitude
em um ECG e podem ser usados para di- máxima depende de critérios que serão
ferenciar um exame normal de um anor- descritos e discutidos no capítulo 7.
mal. A figura 7 exemplifica esses padrões O cálculo do seu eixo é motivo de
e dá a dica preciosa. terror para os alunos da graduação
desde os primeiros semestres da Uni-
Figura 7 - Dica preciosa. Dois complexos QRS
versidade. E, como muitos assuntos
que exemplificam as principais morfologias abordados naquela época, tem seu
encontradas em um ECG. valor. Para falar sobre o eixo cardíaco,
demonstraremos como o ventrículo se
despolariza e como são formados os
clássicos três vetores cardíacos – 1, 2 e
3, ou mais basicamente chamados de
Q, R e S.
Foi um elegantíssimo estudo de
Durrer publicado em 1970 que revo-
lucionou o conhecimento da comuni-
dade médica. Utilizando agulhas com
O complexo da esquerda é tipicamente encontrado em D1, aVF, V4 e V5, microeletrodos em corações humanos
enquanto o complexo da direita é tipicamente encontrado em V1 e V2. Se post-mortem, Durrer definiu a despola-
os passos dessa dica forem desrespeitados em um determinado exame, rização ventricular esquerda e direita
você provavelmente tem um ECG anormal. Claro, essa é uma simplificação conforme será descrito adiante:
extrema do método, mas pode servir aos mais inexperientes e a quem tem Nos primeiros 5 ms do início da
pouco contato com o ECG.
despolarização ventricular, três áreas
são ativadas: uma área para-septal
anterior próxima ao músculo papilar

71

ECG Completo.indb 71 26/08/2019 09:26:34


CAPÍTULO 4

anterior (região da divisão anteros- (com maior massa e amplitude de ve-


superior), uma área no centro da face tor) e direita e início da parede livre do
esquerda do septo, uma área póste- VE. Após cerca de 10-20 do início até
ro-septal a um terço da distância do 40-50 ms, a segunda fase da despola-
ápice para a base. Essas áreas crescem rização leva em consideração a parede
e se tornam confluentes nos primeiros livre do VE e do VD e a transmissão da
20 ms. A esse ponto, grande parte do onda de despolarização para o epi-
septo e da parede livre já despolariza- cárdio. E a última fase (após 50 ms do
ram. Até 40 ms todo o endocárdio ven- início, durando até os 70 ms) denota a
tricular esquerdo já estará despolariza- despolarização das porções basais de
do. O ventrículo direito começa a sua ambos os ventrículos. Essas três fases
despolarização em torno de 5 a 10 ms formam três vetores.
após o ventrículo esquerdo, inician- O primeiro vetor (0 – 20 ms) que
do a sua ativação no músculo papilar representa basicamente o septo endo-
anterior e indo em direção ao septo e cárdico e o início da parede livre apon-
parede livre, chegando às últimas por- ta da esquerda para a direita e para a
ções (área sub-pulmonar e posteroba- frente. Esse vetor é basicamente cha-
sal) (3) (Figura 8). mado de onda Q, mas essa facilitação
Perceba que a ativação mais inicial acaba se tornando um equívoco, pois
(primeiros 20 ms) denota septo inter- em V1 na verdade temos uma onda r.
ventricular em suas faces esquerda Veja, como o vetor aponta de trás para

Figura 8 - Representação original do artigo de Durrer sobre a ativação ventricular


esquerda e direita.

A ativação vai seguindo a sequência rosa-vermelho claro, escuro, laranja, amarelo, verde e azul. Perceba que o estímulo nasce no septo endocárdico em
direção às paredes livres de ambos ventrículos e ao epicárdio (3).

72

ECG Completo.indb 72 26/08/2019 09:26:34


O ECG NORMAL

frente, e V1 é uma derivação que en- Figura 9 - Vetor cardíaco no plano frontal
xerga o eixo antero-posterior, nada apontando para inferior e esquerda

mais fácil de compreender que aqui


teremos um vetor positivo. Em V6, por
outro lado, sim temos uma onda Q, visto
que é uma derivação quase oposta a V1.
O vetor 2 (21 – 50 ms) representa o
restante das paredes livres do VE (com
maior força e magnitude) e do VD, as-
sim como a transição do estímulo para
as regiões epicárdicas. Esse vetor se
direciona da direita para a esquerda,
e de cima para baixo. Representa a
maior parte do complexo QRS e é ba-
sicamente chamada de R, mas sofre do
mesmo problema já citado no pará-
grafo anterior – em aVR, por exemplo,
O ciclo de Cabrera é dividido em
esse vetor determina uma onda S.
quatro quadrantes. O quadrante nú-
O vetor 3 (51 – 70 ms) representa as
mero 1 é aquele que está entre D1 (0º)
porções basais, e se direciona de infe-
e aVF (+ 90º), ou seja, normal. O segun-
rior para superior, um pouco para di-
do quadrante está entre D1 (0º) e - aVF
reita e posterior. É, de maneira genera-
(- 90º) e pode ser normal até – 30º, mas
lizada, chamada de “S”, mas representa
a partir daí chamamos esse desvio de
o pequeno r final em aVR.
“desvio de eixo para esquerda”. O ter-
Como o vetor 2 representa a maior
ceiro quadrante é a chamada “terra
magnitude de área cardíaca despolari-
de ninguém” ou "extrema direita", pois
zada, sua representação eletrocardio-
poucas e graves enfermidades desviam
gráfica será mais ampla e importante
o eixo cardíaco para estas posições en-
na análise do exame. Como dissemos,
tre - aVF (- 90º) e - D1 (+ 180º). O quarto
esse vetor, em situações normais,
quadrante está entre aVF (+ 90º) e -D1
aponta da direita para esquerda
(+ 180º) e quando o eixo cardíaco está
e de superior para inferior. O eixo
situado naquele local, chamamos a si-
cardíaco é representado basicamente
tuação de “desvio de eixo para a direita).
pelo vetor 2. Posicionado o vetor 2 no
Veja a figura 10 para entender.
ciclo de Cabrera (plano Frontal), obte-
O leitor atento percebeu que D1
mos a Figura 9.
e aVF são os limites dos quadrantes.
O vetor resultante da atividade ven-
Então, para um cálculo básico, o do
tricular deve se situar entre – 30º e +
quadrante em que o eixo se encontra,
90º no círculo de Cabrera. Ou seja, en-
basta olhar para D1 e aVF. D1 positivo,
tre aVL e aVF.

73

ECG Completo.indb 73 26/08/2019 09:26:34


CAPÍTULO 4

Figura 10 - Quadrantes do ciclo de Cabrera. Para o cálculo exato do vetor re-


sultante e do eixo cardíaco, o exami-
nador deverá observar os complexos
QRS do plano frontal (ou seja, D1, D2,
D3, aVR, aVL, aVF) e seguir um passo a
passo simples (4):
1. Qual(is) derivação(ões) pos-
sui(em) um complexo isodifásico? (ou
seja, a onda R é de mesmo tamanho da
onda S) – essa pergunta se faz impor-
tante porque complexos isodifásicos
determinam que o vetor está perpen-
dicular (ou seja, a 90º graus, caso você
aVF positivo: quadrante normal; D1 tenha faltado a aula de geometria)
positivo e aVF negativo: possível des- àquela derivação.
vio para esquerda (normal até – 30º); 2. Qual(is) derivação(ões) possui(em)
D1 negativo e aVF positivo: desvio do complexos QRS de maior amplitude (seja
eixo para direita; D1 negativo e aVF ne- positivo ou negativo, mas não isodifási-
gativo: quarto quadrante (Tabela 2). co)? – essa pergunta se faz importante

Tabela 2 - Cálculo do quadrante elétrico do vetor resultante cardíaco.

D1 aVF Quadrante Eixo

Positivo Positivo Normal (0 a + 90º)

Possível desvio para


Positivo Negativo
esquerda (0 a - 90º)

Desvio para direita (+


Negativo Positivo
90º a + 180º)

“Terra de ninguém” (-
Negativo Negativo
90º a + 180º)

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ECG Completo.indb 74 26/08/2019 09:26:35


O ECG NORMAL

porque, como já vimos nos capítulos an- Algumas enfermidades alteram o eixo
teriores, o vetor cardíaco estará indo de cardíaco. A Figura 13 resume essas possi-
encontro àquela derivação caso seja mui- bilidades. A Tabela 3 resume as principais
to ampla positiva, e fugindo daquela de- características do complexo QRS normal.
rivação caso seja muito ampla negativa.
Figura 12 - Exemplo de ECG para cálculo de
3. Caso haja duas derivações igual-
eixo cardíaco.
mente amplas, o vetor estará entre elas.
Existe também uma maneira práti-
ca de inferir se o eixo está normal, mas
não calcular seu ângulo. Segue:
4. D1 e D2 são mais positivos que
negativos.
Veja exemplos nas Figuras 11 e 12.

Figura 11 - Exemplo de ECG para cálculo de


eixo cardíaco.

Qual derivação está isodifásica? aVR. O ângulo estará então em + 120


ou – 60º (os dois são perpendiculares a aVR). Qual derivação tem maior
amplitude? D3. O eixo, portanto, está em D3 (+ 120º).

Figura 13 - Diagnósticos diferenciais possí-


veis pelo cálculo do quadrante em que está
presente o eixo cardíaco.

Qual derivação está isodifásica? D2. O ângulo cardíaco estará, então, em


+ 150º ou -30º (perpendiculares a + 60º). Qual derivação tem maior
amplitude? aVL (- 30º), então o ângulo está a -30 graus. Perceba que as
amplitudes de D1 (positiva) e D3 (negativa) são similares, apontando para
algo que está entre D1 e – D3, mais uma vez aVL é a derivação escolhida.
Eixo -30º. BDAS: bloqueio divisional anterossuperior. BDPI: bloqueio divisional
póstero-inferior. HVD: hipertrofia ventricular direito; HVE = hipertrofia
ventricular esquerda.

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ECG Completo.indb 75 26/08/2019 09:26:36


CAPÍTULO 4

Tabela 3 - Características normais do complexo QRS.

Significado Despolarização ventricular

Vetor principal De cima para baixo, da direita para esquerda

Eixo Entre – 30º e + 90º (D1 e D2 positivos).

Depende da derivação. Não pode ser menor que 5


Formato mm no plano frontal e 8 mm no plano horizontal.
Geralmente tem uma onda R que cresce de V1 a V5.

Duração Até 120 ms (três quadradinhos).

O SEGMENTO ST cardíaco visto no capítulo 2, a fase de


platô (Figura 14).
O fim do complexo QRS é chamado O segmento ST é, portanto, uma
“ponto J”. É no ponto J que se inicia o fase de silêncio elétrico, já que todas
segmento ST, indo até o início da onda as células miocárdicas estão em platô.
T. Representa o início da repolarização Quando as primeiras células começam
das células ventriculares e está rela- a se repolarizar, a onda T se inicia de
cionada à fase 2 do potencial de ação maneira gradual.

Figura 14 - Comparação temporal entre o ECG de superfície (acima) e o potencial de ação da


célula miocárdica (abaixo). Perceba que o segmento ST (do fim do QRS até o início da T) é
relacionado à fase 2 (platô) do potencial de ação e está ligada ao influxo de cálcio.

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ECG Completo.indb 76 26/08/2019 09:26:36


O ECG NORMAL

Figura 15 - Medição do ponto J (ao fim do complexo QRS) demonstrando um ponto J elevado
em relação à linha de base (linha isoelétrica do intervalo PR). Se esse desnivelamento for
maior que 1 mm, é considerado anormal.

O normal é que o ponto J esteja ao cos que acontecem em fases diferen-


mesmo nível da linha de base do ECG tes pelas células endocárdicas, células
ou até 1 mm desnivelado para cima ou M e células epicárdicas. Na verdade, o
para baixo. A linha de base é a linha que acontece é que as primeiras célu-
isoelétrica do intervalo PR (Figura 15). las a serem repolarizadas são as célu-
A exceção à regra se faz nas deriva- las do epicárdio – e você lembra dos
ções V2 e V3, onde até 70% dos ECGs parágrafos anteriores que estas foram
podem conter um supradesnivela- as últimas células a despolarizarem.
mento do segmento ST de até 1,5 mm, Depois do epicárdio, o endocárdio
chegando até 4 mm e se prolongando repolariza e, por fim, as células M (6)
até V6 em algumas situações. Isso se (Figura 16).
dá por estimulação vagal e é mais pro- Veja bem: a onda T é nada menos
nunciado em homens jovens e atle- que a subtração (ou “cancelamento”)
tas (5). Este padrão era antigamente do potencial de ação do endocárdio,
chamado de “repolarização precoce”, do epicárdio e das células M.
termo que deve ser substituído por Para ser ainda mais exato, todo o
“supradesnivelamento inespecífico do ECG parece ser uma ciência de cance-
segmento ST” devido à síndrome de lamento (subtração) de potenciais de
repolarização precoce que tem acha- ação do coração. Primeiro o endocár-
dos diferentes e será discutida com dio despolariza fugindo do eletrodo
mais detalhes no capítulo 24. intracardíaco e gerando um eletrogra-
ma negativo (q), dando origem àque-
A ONDA T las q ou r iniciais em algumas deriva-
ções, dependendo se o eletrodo está
A onda T se inicia quando as pri- visualizando de frente ou por trás esse
meiras células começam a se repola- vetor. Depois vem a passagem trans-
rizar. A sua gênese é complexa e será mural e o passeio para a parede livre
resumida nas próximas linhas. Ela é musculosa indo de encontro ao ele-
uma representação eletrocardiográ- trodo extracardíaco, dando origem à
fica dos potenciais de ação miocárdi- onda R no ECG.

77

ECG Completo.indb 77 26/08/2019 09:26:36


CAPÍTULO 4

Figura 16 - Tempo em milissegundos, após uma estimulação atrial, em que ocorre a despola-
rização e a repolarização do endocárdio e do epicárdio ventricular (6).

O que acontece agora é similar Figura 17 - Exemplo anedótico que ajuda a


ao que ocorre no exemplo que vou entender o vetor da repolarização.

descrever: um carro vai andando em


direção a um homem parado no fim
de uma rua. Do ponto de vista desse
homem, o que pode ser visto são os
faróis brancos da parte dianteira do
carro (encare isso como o vetor positi-
vo). Esse carro chega perto do homem
e breca. Depois começa a dar ré. O que
o homem parado vê ainda são seus fa-
róis brancos, mas se afastando (o vetor
permanece positivo, mas se afasta do
homem). É assim que ocorre a repola- Na parte superior, um homem observa um carro se aproximando dele com
rização pelo fato de que as últimas cé- os faróis brancos dianteiros apontando em sua direção e ficando cada vez
lulas despolarizadas são as primeiras a mais próximos dos seus olhos. A ponta do vetor é representada por esses
repolarizarem (Figura 17). faróis, pois sugere a positividade. Na parte inferior, o carro se afasta de ré,
Quando o epicárdio inicia sua repo- mas segue apontando seus faróis brancos dianteiros para o homem, dessa
larização, ele reduz as forças positivas vez deixando-os cada vez mais longe, ficando o vetor positivo cada vez me-
que “olhavam” para o eletrodo extra- nor, mas ainda positivo. É isso que ocorre com o potencial de ação da célula
cardíaco (homem no final da rua), mas miocárdica e é o fato de que o epicárdio repolariza primeiro que faz com
ainda deixa células endocárdicas des- que esse exemplo seja adequado.

polarizadas, portanto, fazendo a onda


T “subir” no ECG – afinal o cancelamen-
to de forças positivas só ocorreu em

78

ECG Completo.indb 78 26/08/2019 09:26:37


O ECG NORMAL

um dos locais. Essa subida da onda T Agora imagine o que ocorre quan-
persiste até o momento em que o en- do o endocárdio, por um motivo de
docárdio começa a também se repo- isquemia, repolariza primeiro. O ve-
larizar, quando as forças positivas que tor positivo vai ser direcionado agora
estavam “sobrando” no endocárdio para o eletrodo intracardíaco, sentido
acabam desaparecendo, começando a oposto ao eletrodo extracardíaco. No
porção descendente da T e trazendo-a nosso exemplo do homem no fim de
para a linha de base. Depois disso, ain- uma rua, ele vai enxergar as luzes ver-
da as células M persistem repolarizan- melhas da traseira do carro (ou seja, a
do, mas sem uma importante interfe- cauda do vetor) se aproximando dele.
rência eletrocardiográfica (Figura 18). Por isso, em isquemia, o segmento ST
e/ou a onda T são negativas.
Figura 18 - A repolarização ventricular é um Dessa anedota, podemos obter al-
cancelamento dos potenciais de ação do gumas conclusões importantes, preste
endocárdio, epicárdio e células M. atenção:

1. Uma despolarização que vai de


encontro a um eletrodo gera uma
onda positiva.
2. Uma repolarização indo em sen-
tido oposto a um eletrodo gera uma
onda positiva.
3. As ondas T são usualmente posi-
tivas na maioria das derivações porque
as últimas células a despolarizarem são
as primeiras a repolarizarem (Figura 19).

As alterações secundárias à isquemia


serão vistas com detalhes no capítulo 12.
A onda T normal é concordante
com o QRS e assimétrica.
a: epicárdio já iniciou sua repolarização ficando menos positivo, enquanto a
positividade do endocárdio permanece mais importante, isso faz com que INTERVALO QT
a onda T comece a crescer. b: o epicárdio inteiro já repolarizou. A T agora
começa a perder a positividade à medida que as últimas células do endo- É a representação gráfica da dura-
cárdio também repolarizam, até chegar à linha de base. c: o endocárdio ção dos potenciais de ação de todas as
inteiro repolarizou, trazendo a onda T para a linha de base. d: as células M células cardíacas durante um batimen-
são as últimas a se repolarizarem. to cardíaco, visto que se vai do início
do complexo QRS até o fim da onda T,
englobando também o segmento ST.

79

ECG Completo.indb 79 26/08/2019 09:26:37


CAPÍTULO 4

Seus valores de normalidade variam a onda U e frequências cardíacas mais


de acordo com o sexo e idade. E a sua elevadas, que sobrepõem a onda P à
medição é motivo de muitas dúvidas, onda U. Desse modo, convencionou-se
que vamos solucionar agora. medir apenas o intervalo QT, mesmo
Dúvida número 1: em qual deriva- que você veja a onda U. Isso não impe-
ção medir? Historicamente o intervalo de, porém, que você avalie a morfologia
QT se mede em D2, visto que desde e duração da U, visto que há síndromes,
o trabalho seminal de Bazett, foi usa- como a de Andersen-Tawil, que atuam ali.
do D2. Nossa recomendação é que se Dúvida número 3: se eu não meço
meça também em V3-V5, consideran- a U, como saber onde terminou a onda
do o maior resultado (7). T e começou a onda U? A forma mais
Dúvida número 2: e a onda U? aceita é considerar o intervalo PR
Ela será detalhada no próximo tópico, como linha de base, depois visualizar a
mas já adianto que faz parte da repo- porção final da onda T e desenhar uma
larização do miocárdio, então, deveria linha tangente. Onde essas duas linhas
sim ser medida. Porém, existem difi- se cruzarem, temos o final da onda T.
culdades como filtros que escondem Veja um exemplo na Figura 20.

Figura 19 - Demonstração mais exata do que ocorre na repolarização cardíaca. Na parte


superior, a seta cheia demonstra a despolarização indo de encontro a um eletrodo extracar-
díaco e dando origem à onda R do ECG. As setas tracejadas demonstram o coração repola-
rizando em sentido oposto. Como vimos na regra número 2 do texto e como explicado nos
parágrafos anteriores, uma repolarização indo em sentido oposto a um eletrodo gera uma
onda positiva, por isso a onda T é positiva na maior parte das derivações do ECG. Na parte
inferior da figura, verificamos a relação temporal dos potenciais de ação epicárdicos e endo-
cárdicos. É quando o epicárdio começa a repolarizar e o endocárdio permanece despolariza-
do que a onda T cresce sua positividade. Quando também o endocárdio repolariza, a onda T
tem sua porção negativa, voltando à linha de base.

80

ECG Completo.indb 80 26/08/2019 09:26:37


O ECG NORMAL

Figura 20 - Medição correta do intervalo QT quando uma onda U está presente.

Apesar da onda U também significar repolarização miocárdica, foi convencionado que ela não será medida. O correto é desenhar uma linha na tangente da
porção final da onda T e outra linha na linha de base do ECG (correspondente ao intervalo PR). O ponto de encontro entre essas duas linhas será o fim da onda T.

Dúvida número 4: já ouvi falar mais elevadas que 100 por minuto,
que o intervalo deve ser corrigido pela mas também falha nas bradicardias
frequência cardíaca. Sim. Você ouviu (9). Framingham (10) e Hodges (11)
correto. O intervalo deve ser corrigido são métodos mais recentes que usam
pela frequência cardíaca porque os ca- fórmulas lineares de correção, ao invés
nais responsáveis pela repolarização de raízes quadradas ou cúbicas. As fór-
do potencial de ação (vide capítulo 2) mulas, que você usará um smartphone
têm sua abertura modificada pela fre- para calcular, estão descritas na Figu-
quência cardíaca, alterando assim sua ra 21. As fórmulas lineares, Hodges e
duração. Mas como corrigir? A primei- Framingham, são mais reprodutíveis
ra fórmula foi proposta por Bazett, e é a frequências cardíacas mais variadas
até hoje a mais utilizada (8) e envolve (12) e são aconselhadas pelo autor.
uma raiz quadrada para seu cálculo Para pacientes com bloqueio de ramo
– o autor recomenda o uso de calcu- esquerdo, a recomendação é que se
ladoras em smartphones. A fórmula subtraia 50% do valor do QRS da con-
de Bazett, no entanto, demonstrou-se ta total do intervalo QT (13). Em casos
falha nas frequências cardíacas fora de ritmos cardíacos irregulares, como
da faixa de 60-100 batimentos por mi- no caso da fibrilação atrial, a fórmula
nuto. A fórmula de Fridericia, também de Fridericia parece ser a que possui
proposta em 1920, e que envolve uma melhor correlação em comparação a
raiz cúbica em seu cálculo revelou-se Bazett e Framingham (Hodges não foi
mais acurada a frequências cardíacas comparado) (14).

81

ECG Completo.indb 81 26/08/2019 09:26:37


CAPÍTULO 4

Figura 21 - Fórmulas para correção do inter- je, (2) repolarização tardia de músculos
valo QT de acordo com a frequência cardíaca. papilares, (3) forças eletromecânicas e
(4) repolarização de células M (17).
O intervalo entre o fim da onda T
e o ápice da onda U é usualmente de
100 ms, sem relação com a frequên-
cia cardíaca. Sua distinção da onda T
pode ser difícil, especialmente quando
a onda T é bífida ou mesmo em casos
em que há fusão da onda T com a onda
U. Algumas manobras podem ser usa-
das para diferenciá-las: a distância de
100 ms já citada e a correlação tempo-
ral que essa onda possui com a segun-
HR = heart rate (frequência cardíaca em batimentos por minuto); RR = da bulha cardíaca.
intervalo de uma onda R para outra em milissegundos. As características de normalidade
da onda U são: possuem a mesma
polaridade da onda T. Dura em tor-
Dúvida número 5: qual o valor no de 170 ms (± 30 ms) em adultos
normal do intervalo QT? O leitor deve e tem uma amplitude de até 25% da
ter em mente que não há um valor es- amplitude da onda T. Sua morfologia
tabelecido na literatura. Há uma inter- é definida como uma porção ascen-
secção de intervalos QTs de indivíduos dente rápida e uma porção descen-
doentes e sadios (15). Os valores acima dente lenta (o oposto do que ocorre
e abaixo do percentil 2,5 para norma- com a onda T).
lidade do intervalo QT são considera- A onda U é frequentemente negli-
dos pontos de corte: acima de 450 ms genciada na análise do ECG, mas sinais
para homens e 460 ms para mulhe- como inversão de onda U são de imen-
res (16). Valores abaixo de 350 ms para sa importância clínica, podendo estar
homens e 360 ms para mulheres são presente em até 20% dos ECGs isquê-
considerados anormais. Veremos mais micos.
detalhes sobre as Síndromes do QT As características normais de cada
longo e curto no capítulo 24. onda, intervalo ou segmento visto até
aqui serão resumidas na Tabela 4.
ONDA U

Está presente em 25% dos ECGs.


Possui um significado ainda indefinido.
Postula-se que pode se tratar da (1) re-
polarização tardia de fibras de Purkin-

82

ECG Completo.indb 82 26/08/2019 09:26:37


O ECG NORMAL

Tabela 4

Item Duração (ms) Amplitude (mm) Eixo médio


Até 2,5 em D2 e 1,5 em Entre 0º e 90º (positivo
Onda P Até 100
V1. em D1, D2 e aVF).

Intervalo PR 120 a 200

> 5 em qualquer deriva-


ção do plano frontal e > Entre – 30º e + 90º (Posi-
Complexo QRS Até 120
8 em qualquer derivação tivo em D1 e D2).
do plano horizontal.

Até 450 em homens e


Intervalo QT
460 em mulheres

Desnível de até 1 mm
Segmento ST (V2 e V3 dependem do
sexo e idade).

Acompanha o eixo do
Onda T
QRS.

Onda U Até 200 ms Até 25% da onda T. Acompanha o eixo da T.

VARIANTES DA NORMALIDADE Padrão de bloqueio de ramo di-


reito de primeiro grau: a presença
Achados variados de um padrão rSr’ em V1 é um acha-
do frequente em indivíduos jovens.
Padrão QIII: a presença de uma O achado de um r’ < r é crucial para o
onda Q em D3 isolada pode ser nor- estabelecimento de uma variante da
malmente encontrada em alguns indi- normalidade. Caso o r’> r, ainda assim
víduos. a variante da normalidade é a primeira
Padrão QSV1/V2: a ausência de onda hipótese, mas doenças do ventrículo
R nessas derivações é uma variante direito precisam ser descartadas.
do normal, não sendo diagnóstico de
infarto anterosseptal na maioria dos Rotações do coração
casos (18). Algumas vezes está rela-
cionada ao posicionamento alto (no O coração pode “estar rodado” tri-
segundo espaço intercostal) de ele- dimensionalmente no tórax de um pa-
trodos. ciente.

83

ECG Completo.indb 83 26/08/2019 09:26:37


CAPÍTULO 4

Uma pessoa mais longilínea pode nesses indivíduos, em V2, a onda R já


ter um coração verticalizado com o é maior que a onda S. Pode ocorrer em
eixo mais próximo de + 90º que de 0º. até 10% das crianças, mas em apenas
A aVL nessas situações pode até ter P e 1% dos adultos. Até os 8 anos de ida-
QRS negativos. de, o coração da criança é tipicamente
Um coração horizontalizado é visto rodado anti-horário, com um R>S já
em pessoas obesas e tem seu eixo di- em V1, padrão que pode persistir até
recionado para próximo de - 20º, mas a adolescência. O diagnóstico dife-
não ultrapassando – 30º (Figura 22). rencial se faz com zona inativa lateral,
miocardiopatia hipertrófica e pré-exci-
Figura 22 - Corações com eixos verticalizados
tação ventricular por uma via acessó-
(longilíneos), intermediários e horizontais
ria.
(obesos). É importante enfatizar que algumas
vezes as rotações horária e anti-horária
podem ser causadas pelo simples arte-
fato de posicionamento errado de ele-
trodos fora do espaço intercostal em
que devem estar posicionados.

Variações de acordo com o sexo

As amplitudes do QRS em deriva-


ções do plano horizontal tendem a ser
menores em mulheres, possivelmente
Uma rotação horária do coração
por influência do tecido adiposo e da
em seu eixo ocorre quando a “zona de
mama (19). Em mulheres, a onda T ten-
transição” (guarde esse conceito, pois
de a ser invertida em V1 e pode ser in-
será muito usado nesse livro), ou seja, a
vertida até V3. Também nas mulheres,
derivação do plano horizontal em que
em derivações inferiores pode haver
a onda R passa a ser maior que a onda
alguma alteração do segmento ST. Mu-
S, é desviada para derivações mais à
lheres também possuem um intervalo
esquerda. Esse padrão é também cha-
PR e um complexo QRS sensivelmente
mado de “progressão lenta de R nas
mais curtos que o dos homens.
precordiais” e pode estar presente
em situações de normalidade, nos blo-
Variações de acordo com a raça
queios divisionais e nas zonas inativas
por infarto do miocárdio prévio.
Na rotação anti-horária ocorre o Pessoas da raça negra podem apre-
oposto: a transição ocorre já em V2: sentar inversão de onda T em V1-V3,

84

ECG Completo.indb 84 26/08/2019 09:26:38


O ECG NORMAL

especialmente as mulheres (20). Na


raça chinesa, a inversão de T isolada
em V3 também é vista com prevalên-
cia de até 10% (21).

Variações de acordo com a idade

O fator que mais influencia o ECG


é a idade, considerando desde o re-
cém-nascido até o idoso. O ECG de
recém-nascido e da pediatria no geral
será analisado no capítulo 28. As maio-
res diferenças do idoso em relação ao
adulto são: (1) menor amplitude e du-
ração do complexo QRS e maior inter-
valo PR.

85

ECG Completo.indb 85 26/08/2019 09:26:38


CAPÍTULO 4

REFERÊNCIAS

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ECG Completo.indb 86 26/08/2019 09:26:38


O ECG NORMAL

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87

ECG Completo.indb 87 26/08/2019 09:26:38


Artefatos
CAPÍTULO

José Nunes de Alencar Neto


5
INTRODUÇÃO ARTEFATOS DE PREPARAÇÃO
DO EXAME
Artefatos são anormalidades eletro-
cardiográficas produzidas por fatores Já vimos no capítulo 3 as orienta-
alheios aos defeitos elétricos cardíacos. ções sobre como fazer a preparação da
Os artefatos podem ocorrer por proble- pele, grudar os eletrodos na pele do
mas relacionados à técnica de aquisi- paciente, e a localização correta dos
ção do exame (mau posicionamento de eletrodos. Nos próximos parágrafos
eletrodos) ou a problemas intrínsecos veremos o que acontece quando essas
ao paciente (por exemplo, tremores). orientações não são seguidas à risca.
Neste capítulo revisaremos esses
artefatos com dois intuitos: (1) alertar Eletrodo solto
aos profissionais de saúde como um
simples mau posicionamento pode Um eletrodo mal aderido à pele
trazer consequências deletérias, (2) do paciente pode trazer uma linha de
treinar o leitor a identificar esses arte- base e um segmento ST errôneos (Fi-
fatos e não errar o diagnóstico eletro- gura 1). É comum em pacientes diafo-
cardiográfico. réticos, pela impossibilidade de cone-
Para evitar problemas, antes da rea- xão perfeita do eletrodo com a pele,
lização do exame, o médico deve asse- mas também ocorre por preparação
gurar-se que o seu eletrocardiógrafo inadequada da pele e com o uso de
está configurado adequadamente: em “peras” mal aderidas. Uma boa pre-
N, 25 mm/s, com filtros adequados. Ve- paração da pele com abrasão leve e a
rifique se houve preparação adequada troca de eletrodos cuja aderência não
da pele e revise o posicionamento de está boa pode resolver esse problema.
eletrodos no tórax do paciente, cer-
tificando-se que nenhum deles está Baseline ondulante
solto. Proceda com a obtenção do tra-
çado em um momento que o paciente O leitor com alguma experiência
esteja calmo e sem movimentar-se. já deve ter se deparado com ECGs
Já adianto a dica mais importante em que a linha de base não era reta,
do capítulo: trate o paciente, não seu mas ficava ondulando pelo papel. Isso
eletrocardiograma. ocorre na maioria das vezes por arte-

89

ECG Completo.indb 89 26/08/2019 09:26:38


CAPÍTULO 5

fato de movimento: seja do paciente, Para resolução desses problemas, o


seja da ambulância. primeiro passo é melhorar a preparação
A movimentação da caixa torácica da pele e a aderência dos eletrodos. Pe-
causou este artefato da figura 2. A mo- dir para o paciente parar de se mover e
vimentação dos membros do paciente até respirar enquanto se grava o traçado
causou o artefato da figura 3. O movi- pode ser feito. Pedir para a ambulância
mento da ambulância causou o artefa- parar é sempre uma opção se isso não
to da figura 4. trouxer malefícios ao paciente e à equipe.

Figura 1 - Artefato de eletrodo mau posicionado.

Perceba que um leitor menos atento poderia confundir esse traçado com uma grave arritmia ventricular. A dica para perceber que se trata de um arte-
fato é que, ao mesmo tempo dessa bagunça em D2 e D1, a derivação D3 mostra um ritmo perfeitamente normal. No caso em questão, as derivações
D1 e D2 estão apresentando o mesmo artefato. D1 é a derivação braço esquerdo x braço direito. D2 é braço direito x perna esquerda. O braço direito é o
eletrodo em comum no caso. Um melhor posicionamento do eletrodo resolveria esse problema.

Figura 2 - Artefato de baseline ondulante. Perceba que a baixa frequência de ondulação,


condizente com a respiração do paciente.

90

ECG Completo.indb 90 26/08/2019 09:26:38


ARTEFATOS

Figura 3 - Artefato de movimento do paciente causando baseline ondulante.

Figura 4. Artefato de movimento da ambulância.

Artefato de tremor artefato clássico de geração de pseu-


do-ondas F de flutter, pseudo fibri-
O tremor da musculatura peitoral lação atrial e até mesmo pseudo ta-
e de membros dos pacientes pode in- quicardia ventricular e o examinador
fluenciar negativamente na obtenção desatento pode errar o diagnóstico
de um bom traçado. Por ocorrer em caso não observe derivações livres de
uma frequência de onda similar à dos artefatos e spikes entre o que parece
componentes do ECG (5 – 50 Hz), os ser complexo QRS (na verdade os spi-
filtros normalmente não neutralizam o kes são os verdadeiros QRS) (Figuras 5
sinal deste artefato. O tremor tem um a 7) (1–4). A tabela 1 revisa as frequên-

Figura 5 - Artefato de tremor em ECG causando o aparecimento de pseudo-ondas F em D2


e D3 e simulando um flutter atrial. O examinador atento vai perceber que há onda P bem
visível em um ritmo normal em algumas derivações, como V2.

91

ECG Completo.indb 91 26/08/2019 09:26:39


CAPÍTULO 5

Figura 6 - Paciente com pré-excitação ventricular no ECG basal (não visível nesta tira de ECG).

ECG realizado logo após evento sincopal com características vaso-vagais. Os asteriscos demonstram complexos que aparentam um ritmo de fibrilação atrial
pré-excitada. No entanto, as setas apontam para os “spikes”, que são os verdadeiros complexos QRS obscurecidos pelo artefato de tremor.

Figura 7 - Artefato de tremor em ECG causando aparecimento de ondas com aparência simi-
lar a complexos QRS, simulando uma taquicardia ventricular.

O examinador atento vai perceber que nas derivações precordiais, não tão influenciadas por tremor, os complexos QRS possuem frequência muito menor
que em D2. Em D2, podemos observar spikes entre os complexos, que são os verdadeiros complexos QRS obscurecidos pelo artefato.

92

ECG Completo.indb 92 26/08/2019 09:26:40


ARTEFATOS

Tabela 1 - Frequências em Hz de componentes normais do ECG e artefatos. A fórmula de


transformação de Hz em oscilações por minuto é: multiplicar por 60.

Componentes do ECG Frequência


Batimentos cardíacos 0,67 Hz – 5 Hz (i.e., 40 – 300 bpm)

Onda P 0,67 Hz – 5Hz

QRS 10 – 50 Hz

Onda T 1 – 7 Hz

Potenciais de alta frequência 100 – 500 Hz

Artefatos Frequência
Contração muscular 5 – 50 Hz

Respiração 0,12 – 0,5 Hz (8 – 30 irpm)

Rede elétrica Brasil: 60 Hz (pode variar conforme cidade)

Campos magnéticos > 10 Hz

cias de onda de componentes do ECG Para reduzir artefatos de rede elétri-


e de artefatos. Perceba que há interse- ca, o notch filter (capítulo 3) é ligado
ções entre muitos. na maioria dos aparelhos. Se o proble-
A melhor conduta nessas situações ma for o aterramento, verifique se a
é a mais simples: resolva os tremo- tomada do eletrocardiógrafo está bem
res quando possível. Cubra com uma aterrada e faça um teste de gravar o
manta o seu paciente que sente frio, ECG usando a bateria do aparelho
promova analgesia adequada para (sem conexão com a rede elétrica). O
aquele que sente dor e acalme aque- problema pode estar no aterramento
le que treme de ansiedade. Posicione inadequado de outros aparelhos elé-
os eletrodos nas raízes dos membros tricos próximos – desligue-os e reti-
(onde o tremor é atenuado). Em últi- re-os da tomada para testar. Como a
mo caso ou em situações de urgência, maioria das redes elétricas espalhadas
reduza o filtro de alta frequência (pas- pelo mundo demonstra uma frequên-
sa-baixa) para 40 Hz (Figura 8). cia de onda de 50 Hz (220 V) ou de 60
Hz (110 V), configurar o aparelho para
Artefatos eletromagnéticos um filtro de passa-baixa de 40 Hz tam-
bém pode resolver o problema. Lem-
São artefatos de alta frequência bre-se, no entanto, que manter o pon-
causados pela rede elétrica, por apa- to de corte superior do filtro em 40 Hz
relhos móveis ou por aterramento ina- pode reduzir a acurácia do seu exame,
dequado (Figura 9). pois alguns componentes do próprio

93

ECG Completo.indb 93 26/08/2019 09:26:40


CAPÍTULO 5

Figura 8 - Artefato de tremor muscular com filtro de passa-baixa configurado a 150 Hz acima
e 40 Hz abaixo.

Perceba que o artefato foi reduzido, mas persiste. Isso ocorre por que o artefato de musculatura se apresenta numa faixa de frequência de onda entre 5 – 50
Hz, similar à de componentes do ECG como o complexo QRS.

Figura 9 - Artefato de rede elétrica. Perceba a alta frequência dos eventos (se você
observar com uma lupa vai ver que existem milhares de artefatos nessa pequena tira),
comportamento que deixa a linha de base ilegível.

ECG acabariam sendo filtrados. Como hospitalar, como monitores, máquinas


visto no Capítulo 3, a recomendação é de hemodiálise, ventiladores mecâ-
que os filtros sejam padronizados em nicos, etc (7). O quanto um aparelho
0,5 Hz – 150 Hz no adulto (5) e 0,5 Hz – pode interferir no exame depende de
250 Hz na criança (6). fatores como: distância; tecnologia do
O uso de aparelhos móveis como aparelho móvel – digital ou analógico;
celulares e smartphones pode inter- sinal da operadora de telefonia; tec-
ferir não apenas na obtenção do ECG, nologia do equipamento médico em
mas no funcionamento de outros apa- resistir à interferência eletromagnéti-
relhos de uso frequente em ambiente ca. A recomendação é que o aparelho

94

ECG Completo.indb 94 26/08/2019 09:26:40


ARTEFATOS

móvel esteja a uma distância de pelo pazes de remover o sinal na frequên-


menos um metro do aparelho no mo- cia de onda da compressão para que
mento do seu funcionamento (8). o ECG seja analisado concomitante às
compressões torácicas (10–12).
Artefato de compressões torácicas
Artefatos de equipamentos médicos
É sabido que durante uma reanima-
Artefatos de pseudo-ondas F têm
ção cardiopulmonar, não se deve ana-
sido descritos em pacientes em hemo-
lisar o eletrocardiograma do paciente.
diálise.
É essa uma das razões pelas quais as di-
O Neuro Estimulador Elétrico Trans-
retrizes de ressuscitação cardiopulmo-
cutâneo (TENS), estimulador nervoso
nar fixam a análise de ritmo cardíaco
periférico (Figura 11) causam artefatos
para cada 2 minutos de compressões
de alta frequência que podem ser con-
eficazes (9). Este é o momento no qual
fundidos com espículas de marca-passo.
a equipe deve afastar-se do paciente,
para que nenhuma fonte de artefato
Artefato de pulsação arterial
esteja presente.
A figura 10 mostra um exemplo
de ECG obtido durante compressões O aparecimento de ondas T bizar-
torácicas. A indústria tem trabalhado ras sem alterações do segmento ST
no sentido de criar desfibriladores ca- pode estar associado ao artefato de

Figura 10 - Artefato de compressões torácicas. Perceba que a frequência de compressões está em


torno de 115 por minuto, frequência adequada de acordo com as últimas diretrizes sobre o tema.

95

ECG Completo.indb 95 26/08/2019 09:26:40


CAPÍTULO 5

Figura 11 - Artefato causado por um neuro-estimulador transcutâneo.

posicionamento de algum eletrodo


dos membros sobre uma artéria do Figura 12 - Artefato de pulsação arterial.
paciente, como a artéria radial, ulnar,
tibial posterior e dorsal do pé. A pul-
sação desta artéria periférica no mo-
mento da onda T acaba por causar
essa distorção que pode facilmente
ser confundida pelo examinador me-
nos experiente (Figura 12). O artefato
é mais evidente nas derivações do pla-
no frontal, principalmente naquelas
que dependem diretamente daquele
eletrodo que está em contato com a
artéria. Entretanto, também ocorre nas
precordiais mesmo que estas não este-
jam sobre uma artéria, pois devemos
lembrar que as derivações precordiais
são construídas a partir do terminal
central de Wilson e este a partir das
derivações dos membros (13).

O posicionamento de um eletrodo sobre uma artéria periférica do


MAU POSICIONAMENTO DE
paciente, por exemplo, a radial, leva ao aparecimento de ondas T de
ELETRODOS
amplitudes e durações bizarras. Lembre-se que mesmo as derivações
precordiais são afetadas porque o terminal central de Wilson depende
O mau posicionamento de eletro- das derivações dos membros.
dos é extremamente danoso para o
paciente. Nem todo examinador está

96

ECG Completo.indb 96 26/08/2019 09:26:40


ARTEFATOS

apto para percebê-lo e condutas po- é ainda maior no Brasil. Para a análise
dem ser tomadas baseadas nesse ar- desse problema, Baranchuk criou um
tefato. É estimado que em até 4% dos algoritmo chamado REVERSE que
exames realizados em unidades de está presente na tabela 2 (15).
terapia intensiva haja artefatos (14). A Vamos analisar cada troca. A tabela 3
impressão do autor é que esse número traz um interessante resumo.

Tabela 2 - Mnemônico REVERSE para mau posicionamento de eletrodos.

Letra Achado anormal Significado

Troca de eletrodos de braço esquerdo por


R R e P positivas em aVR.
braço direito.
Troca de eletrodos do braço esquerdo por
E Extremo desvio de eixo (entre + 180º e – 90º).
braço direito.
“Very low” amplitude em alguma derivação Troca de eletrodo da perna direita por um dos
V
(linha reta isolada). braços
Troca de eletrodo de braço esquerdo por perna
E “Estranha” amplitude de P (P D1 > P D2).
esquerda.
Mau posicionamento ou troca de eletrodos
R R que progride anormalmente de V1 a V6.
precordiais.
S Suspeita de Dextrocardia (P negativa em D1). Troca de braço esquerdo por braço direito.

E Eliminar artefatos e interferências.

Tabela 3 - Resumo das trocas de eletrodos. BE = Braço esquerdo. BD = braço direito. PE =


perna esquerda. PD = perna direita.

Troca D1 D2 D3 V1-V6
BE/BD - D1 D3 D2 Inalterado

BE/PE D2 D1 - D3 Inalterado

BD/PE - D3 - D2 - D1 Inalterado

PD/qualquer Possível assistolia Possível assistolia Possível assistolia Distorcido

97

ECG Completo.indb 97 26/08/2019 09:26:40


CAPÍTULO 5

Troca de eletrodo de braço esquer- QRS em D1 nunca ocorre em corações


do por braço direito normais e é muito raro mesmo em co-
rações doentes. Pela substituição, todo
É a troca mais comum na prática o triângulo de Einthoven está alterado:
clínica. E, por sorte, é facilmente reco- aVR vira aVL e vice-versa. D2 vira D3 e
nhecível no ECG em ritmo sinusal. A vice-versa. V1 a V6 permanecem inal-
negatividade da onda P e do complexo terados (Figuras 13 e 14).

Figura 13 - Na troca de eletrodos de braços, é assim que fica a nova disposição das
derivações: D1 se inverte (vira “– D1”), D2 vira D3 e vice-versa. Em vermelho, o vetor cardíaco
normalmente esperado. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.

Figura 14 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, a troca foi de braço esquerdo
por braço direito. Perceba que D1 vira D1 negativo, D2 vira D3 e D3 vira D2.

98

ECG Completo.indb 98 26/08/2019 09:26:41


ARTEFATOS

Troca de eletrodo de braço esquer- Além disso, D3 vira “– D3”. Além dis-
do por perna esquerda so, aVL vira aVF e vice-versa. A dica
para encontrar essa troca é perce-
A substituição do braço esquer- ber a P de D1 mais ampla que a P
do por perna esquerda leva a uma de D2 (sinal de Abdollah), além de
primeira consequência óbvia: D1 um D3 com P negativa (16). (Figu-
se transforma no que antes era D2. ras 15 e 16).

Figura 15 - Na troca de eletrodos de braço por perna esquerda, D1 se transforma no que


antes era D2 e vice-versa. D3 agora é um “-D3”. Em vermelho, o vetor cardíaco normal. BE
= braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.

Figura 16 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, foi trocado braço esquerdo por
perna esquerda. Perceba que D1 vira D2 e D2 vira V1. D3 agora é D3 negativo. Observe
que a P de D1 é mais ampla que a P de D2.

99

ECG Completo.indb 99 26/08/2019 09:26:41


CAPÍTULO 5

Troca de eletrodo de braço direito “– D3”, D2 vira “-D2”, e D3 vira “- D1”.


por perna esquerda Então, a dica é observar P negativa em
D1, D2 e D3 ao mesmo tempo (Figuras
Aqui, as derivações assumem posi- 17 e 18).
ções negativas. D1 se transforma em

Figura 17 - Na troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda, D1 se transforma


em “- D3”, D2 se transforma em “- D2”, e D3 se transforma em “- D1”. Em vermelho, o
vetor cardíaco normal. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.

Figura 18 - Troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda. D1 se transforma em


“- D3”, D2 se transforma em “- D2”, e D3 se transforma em “- D1”.

100

ECG Completo.indb 100 26/08/2019 09:26:41


ARTEFATOS

Troca de eletrodo de perna direita derivação (“pseudo-assistolia”). Veja


por algum outro as figuras 19 a 22 para entender. Se
houver assistolia em D1 é sinal de tro-
Quando isso ocorre, o triângulo de ca BD-PD e BE-PE ao mesmo tempo; se
Einthoven é desfeito. Uma das deriva- em D2, a troca foi BD-PD; e se em D3
ções D1, D2 ou D3 vai se transformar troca foi BD-PE (17).
na diferença de potencial entre a per- Devido ao fato do triângulo de Ein-
na esquerda e a perna direita, o que thoven ser desfeito, as derivações pre-
é irrelevante em termos de vetor car- cordiais são distorcidas, não devendo
díaco, gerando uma linha reta naquela ser avaliadas (18).

Figura 19 - Entenda o que ocorre na troca de eletrodo da perna direita (eletrodo “terra”).

Em “a”, por troca de eletrodo de perna direita por braço direito, o eletrodo do braço direito ficou próximo do eletrodo da perna esquerda, em
uma posição que é irrelevante para o registro de diferenças de potenciais. Nesse caso, a derivação formada pela interação dos eletrodos de braço
direito e perna esquerda (D2) é neutralizada, aparecendo como uma linha reta (“pseudo-assistolia”) no ECG. Em “b”, com a substituição de braço
esquerdo por perna direita, D3 é a derivação neutralizada. Em “c”, numa troca dupla de braço direito por perna direita e de braço esquerdo por
perna esquerda, D1 fica neutralizado, registrando uma “pseudo-assistolia”. LA = left arm, braço esquerdo; LL = left leg, perna esquerda; RA =
right arm, braço direito.

Figura 20 - ECG de troca dupla de eletrodos: braço direito por perna direita e braço
esquerdo por perna esquerda. Perceba a “pseudo assistolia” em D1.

101

ECG Completo.indb 101 26/08/2019 09:26:42


CAPÍTULO 5

Figura 21 - ECG de troca de eletrodos de braço direito por perna direita. Observe que D2
está apresentando “assistolia”. Apesar da troca envolvendo perna direita, o triângulo
de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão iguais às dos ECGs das
figuras 14 e 16).

Figura 22 - ECG de troca de eletrodos entre braço esquerdo e perna direita. Observe
que D3 apresenta “assistolia”. Apesar da troca envolvendo perna direita, o triângulo
de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão iguais às dos ECGs das
figuras 14, 16 e 21).

102

ECG Completo.indb 102 26/08/2019 09:26:42


ARTEFATOS

A troca de eletrodos de perna direi- achados ocorrem porque os eletro-


ta por perna esquerda, em teoria, não dos ficam superiores ao átrio (20).
altera o eletrocardiograma seja no pla- Ao achado de um padrão rSr’, o ECG
no frontal como no plano horizontal. deve ser repetido sob olhos atentos
de um examinador experiente, para
Posicionamento alto de eletrodos que o posicionamento errado de ele-
precordiais trodos seja detectado (Figura 23).
Elevar o posicionamento de ele-
Quando o assunto é posicionamen- trodos, na verdade, pode ser útil em
to errado de eletrodos precordiais, a uma situação clínica: aumentar a sen-
taxa de erros é ainda maior, chegando sibilidade do eletrocardiograma em
a 50% dos exames realizados por téc- encontrar um padrão de Síndrome de
nicos experientes (19). Como vimos no Brugada (21). Como veremos no capí-
capítulo 1, V1 e V2 devem estar no tulo 24, o ECG pode ser realizado com
quarto espaço intercostal, V4 a V6 no V1 e V2 localizados um e dois espaços
quinto espaço intercostal e V3 no meio intercostais acima do normal.
do caminho entre V2 e V4. As deriva-
ções V1 e V2 são classicamente as mais Posicionamento baixo de eletro-
atingidas por erros de posicionamen- dos precordiais
to. Em alguns serviços chegamos a ver
o absurdo de se ter como padrão o po- Artefato comum em mulheres com
sicionamento de V1 e V2 no segundo mamas grandes. O posicionamento
espaço intercostal. O típico exemplo das precordiais V3 e, principalmente,
de um conhecimento que se perdeu V4 pode gerar dúvidas quando o exa-
com a falta de atualização. me é realizado neste tipo de paciente.
Um padrão visto em casos de Há controvérsias se o posicionamento
posicionamento alto de eletrodos é do eletrodo V3 sobre a mama pode
a onda P exclusivamente negativa atenuar sua amplitude ao passo que
acompanhada de um complexo QRS pode aumentar as amplitudes de V5
com padrão rSr’. Da mesma forma, e V6 (22). Outros autores encontraram
uma onda P que se apresente com variações insignificantes nas amplitu-
padrão plus-minus com porção ne- des dos complexos quando as deriva-
gativa mais ampla que a positiva em ções são posicionadas sobre ou sob a
V1 e V2 também pode ser um sinal mama (23). A recomendação é que se
desse mau posicionamento. Esses posicione sob a mama (24).

103

ECG Completo.indb 103 26/08/2019 09:26:42


CAPÍTULO 5

Figura 23 - ECG de posicionamento alto de eletrodos V1 e V2 no tórax (2º espaço


intercostal ao invés do 4º espaço, que é o local preconizado). Observe a onda P
totalmente negativa em V1 e pouco positiva em V2.

104

ECG Completo.indb 104 26/08/2019 09:26:43


ARTEFATOS

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105

ECG Completo.indb 105 26/08/2019 09:26:43


CAPÍTULO 5

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106

ECG Completo.indb 106 26/08/2019 09:26:43


Anormalidades atriais CAPÍTULO

José Nunes de Alencar Neto


Antoni Bayés de Luna
6
INTRODUÇÃO com muita frequência o bloqueio atrial
foi consequência da dilatação, motivo
Antes de começar a falar sobre as pelo qual seus achados são encontra-
anormalidades atriais possivelmente dos em conjunto no mesmo paciente,
avaliadas em um ECG, vamos lembrar levando a uma difícil, mas de relevân-
as características da despolariza- cia crescente, avaliação das anormali-
ção atrial no ECG: representada pela dades atriais (1). Existem achados de
onda P, que é composta pela ativida- bloqueio atrial isolados que serão revi-
de atrial direita na sua primeira me- sados neste capítulo.
tade e esquerda na segunda metade,
com um breve intervalo de interse- SOBRECARGA ATRIAL DIREITA
ção entre elas. Ela pode ter até 2,5
mm de amplitude em D2 e durar no As alterações miocárdicas atriais
máximo 100 ms (dois quadradinhos direitas alteram a primeira metade da
e meio). Em V1 a onda P costuma onda P e o fazem com aumento de
apresentar um padrão plus-minus e amplitude, como foi descrito por Kahn
pode ter até 1,5 mm de amplitude na pela primeira vez em 1927 em pacien-
porção positiva e 1,0 mm na porção tes asmáticos (2). Como o átrio direito
negativa. despolariza de posterior para anterior
Os átrios podem dilatar-se e, em e de cima para baixo, classicamente,
casos muito severos, aumentar sua as melhores derivações para que se-
massa miocárdica (“hipertrofiar”), mas jam visualizadas alterações atriais são
é mais comum encontra-lo dilatado. D2, V1 e V2. Além disso, por promover
Por isso, no capítulo usaremos o termo uma mudança na conformação ana-
“sobrecarga” quando nos referirmos a tômica cardíaca, trazendo o átrio para
este fenômeno. Também é importante uma região cada vez mais anterior no
frisar que os bloqueios atriais são en- tórax do paciente, a sobrecarga atrial
tidades distintas da dilatação/sobre- direita também leva a alterações do
carga/hipertrofia, assim como o que complexo QRS também em V1 e no
ocorre nos ventrículos. E n t r e t a n t o , eixo cardíaco. Os critérios que serão

107

ECG Completo.indb 107 26/08/2019 09:26:43


CAPÍTULO 6

demonstrados a partir do próximo pa- doenças pulmonares obstrutivas como


rágrafo possuem boa especificidade (> asma e doença pulmonar obstrutiva
90%), mas um perfil de sensibilidade crônica (DPOC) (sensibilidade de 86%)
que deixa a desejar (< 50%) (3). e doenças pulmonares parenquimato-
Os critérios de sobrecarga atrial di- sas do que para o diagnóstico de alte-
reita avaliados pela onda P são: (a) P ≥ rações atriais primárias (4). A onda “P
2,5 mm em derivações inferiores; e (b) congenitale”, por sua vez, costuma al-
porção positiva de V1 ou V2 ≥ 1,5 mm. terar a alça vetorcardiográfica da onda
O aumento da amplitude da onda P em P para que esta aponte um pouco mais
derivações inferiores é a definição do para esquerda e muito mais para an-
termo “onda P pulmonale” (Figura 1). terior. Sendo assim, a P congenitale se
O achado de uma P pulmonale é mui- apresenta com uma P ampla e positi-
to mais sensível para o diagnóstico de va em V1 e V2 (≥ 1,5 mm) (Figura 2).

Figura 1 - P pulmonale. Aumento da amplitude da P em derivações inferiores do plano frontal.

Figura 2 - P congenitale. Aumento da amplitude da porção inicial positiva da P em V1.

108

ECG Completo.indb 108 26/08/2019 09:26:43


ANORMALIDADES ATRIAIS

Os critérios de Kaplan, propostos em especificidade de > 95% para conco-


1994, são os que possuem melhor per- mitante sobrecarga atrial direita (5).
fil de sensibilidade e especificidade (49 O aumento de > 3x de amplitude do
e 100%, respectivamente): P ≥ 1,5 mm complexo QRS de V1 para V2 é cha-
em V2 associado a um desvio de eixo mado “sinal de Peñaloza-Tranche-
elétrico de QRS para a direita (> 90º) e si” e é explicado pela anteriorização
uma onda R > S em V1 (na ausência de do átrio direito crescido no tórax do
BRD) (3). paciente que atua como uma barrei-
Os critérios de sobrecarga atrial ra ao estímulo elétrico, levando a um
direita avaliados por alterações indi- complexo pouco amplo em V1 e mui-
retas no complexo QRS são: (a) mor- to amplo em V2 (6). O sinal de Peñalo-
fologia qR em V1; (b) aumento de > 2x za-Tranchesi tem um perfil de sensibi-
de amplitude do complexo QRS de V1 lidade melhor que os demais sinais já
para V2; (c) R>S em V1 e eixo desviado descritos: 85%, mas perde em especi-
para direita (≥ + 90º). A morfologia qR ficidade (60%). O achado de um com-
em V1 é indicativo de sobrecarga ven- plexo QRS < 4 mm em V1, somado a
tricular direita (Figura 3) – o ventrículo um aumento > 5x, ou seja, maior que
mais anteriorizado desvia o eixo para 20 mm, em V2, traz um valor preditivo
perpendicular a V1 – e é chamado de positivo de 86%, que chamaremos de
“sinal de Sodi Pallares” (Figura 4) e sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves
tem uma sensibilidade de 15% e uma (Figura 5) (7).

Figura 3 - O sinal de Sodi-Pallares é um indicativo de sobrecarga ventricular direita.


Acontece que com a hipertrofia muscular, o ventrículo direito assume uma posição mais
anterior no tórax, desviando o primeiro vetor de despolarização septal ventricular para
longe de V1 e o complexo QRS para perpendicular.

109

ECG Completo.indb 109 26/08/2019 09:26:44


CAPÍTULO 6

Figura 4 - Sinal de Sodi-Pallares em V1. Além disso, desvio de eixo para direita e sobrecarga
ventricular direita.

Figura 5 - Sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves: au- nador avaliar a onda P em busca de


mento de 5x da amplitude do QRS de V1 para V2. sobrecarga atrial direita. Em primei-
ro lugar, a voltagem da onda P sofre
influência de fatores extracardíacos
como hipóxia e estimulação simpá-
tica, que aumentam a sua amplitu-
de; ou enfisema que age como uma
barreira e diminui a sua amplitude.
O bloqueio interatrial pode fazer de-
saparecer os critérios de sobrecarga
atrial direita; e a P de amplitude ele-
vada em derivações inferiores po-
dem estar presentes em patologias
exclusivas do átrio esquerdo ou hi-
pocalemia (“pseudo P-pulmonale”)
(Figura 8) (8,9).
A tabela 1 resume os achados ele- As patologias que cursam com so-
trocardiográficos possíveis de serem brecarga atrial direita são justamente
encontrados em sobrecargas atriais as pulmonares obstrutivas e que en-
direitas. As figuras 6 e 7 exemplificam volvem aumento da pressão pulmonar
a sobrecarga atrial direita. e patologias congênitas como Tetralo-
Alguns fatores devem ser levados gia de Fallot, estenose de artéria pul-
em consideração quando o exami- monar e Anomalia de Ebstein.

110

ECG Completo.indb 110 26/08/2019 09:26:45


ANORMALIDADES ATRIAIS

Tabela 1 - Critérios de sobrecarga atrial direita (1,3,7).

Critério S (%) E (%)

QR ou qR em V1 (Sodi-Pallares). 15 > 95

QRS V1 ≤ 4 mm + QRS V2 5x maior que V1 (Peñaloza-Tranchesi-Reeves). 46 93

R > S em V1. 25 > 95

Eixo QRS > + 90º. 34 > 95

P > 2,5 mm em derivações inferiores. 6 100

Porção positiva da P > 1,5 mm em V1. 17 > 95

Porção positiva da P > 1,5 mm em V2. 33 100

Porção positiva da P > 1,5 mm + desvio do eixo elétrico de QRS para direita (além de +
49 100
90º) + onda R > S em V1 (na ausência de BRD).

Figura 6 - Sobrecarga atrial direita.

Figura 7 - Sobrecarga atrial direita (P mais ampla que 2,5 mm em derivações inferiores).
Além disso, desvio do eixo elétrico para direita (+ 90º) por bloqueio divisional póstero-infe-
rior e sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves.

111

ECG Completo.indb 111 26/08/2019 09:26:45


CAPÍTULO 6

Figura 8 - Pseudo P-pulmonale por Figura 9 - Sinal de Morris em V1. P com por-
hipocalemia (9). ção negativa mais longa de 40 ms
(1 quadradinho) e mais ampla que 0,1 mV
(1 quadradinho).

SOBRECARGA ATRIAL
ESQUERDA

Os critérios de sobrecarga atrial es- amplitude da porção negativa da P em


querda (P mitrale) serão descritos nos V1 ≥ 0,1 mV (ou seja, índice de Morris +
próximos parágrafos. Atente para a duração de P ≥ 120 ms), então já temos
importância da derivação V1 nos pró- uma redução importante da sensibili-
ximos parágrafos. Vamos quebrar um dade, mas com alta especificidade.
paradigma. Uma P que dura mais que 120 ms
A avaliação da onda P em V1 pode em D2, D3 e aVF isoladamente (sem
demonstrar uma P com porção nega- associação com a duração prolongada
tiva de duração maior que 40 ms (1 em V1) é um sinal mais associado a blo-
quadradinho). Quando a porção nega- queio interatrial que com SAE quando
tiva de V1 dura mais que 40 ms e tem avaliados por ecocardiograma e resso-
amplitude ≥ 1 mm, o índice de Morris nância magnética atrial (12,13). A SAE
está presente, um sinal muito específi- pode apresentar P ≥ 120 ms associado
co de sobrecarga atrial esquerda (SAE) a mais um critério que demonstra que
(10) (Figura 9). A combinação de uma o átrio esquerdo cresceu em seu eixo
porção negativa de P que dura mais posterior. O melhor critério é o índice de
que 40 ms em V1 com uma P que dura Morris positivo, ainda que, sobretudo
mais que 120 ms em D2 é mais um em idosos, pode haver SAE com índice
sinal que pode ser buscado (sensibili- de Morris negativo devido à presença
dade 50% e especificidade 87%) (11). de fibrose atrial, e sempre que o eletro-
Se adicionarmos à fórmula também a do está bem posicionado no 4º espaço

112

ECG Completo.indb 112 26/08/2019 09:26:46


ANORMALIDADES ATRIAIS

Tabela 2 - Critérios de sobrecarga atrial esquerda (1,10,13).

Critério S (%) E (%)

Porção negativa da P em V1 ≥ 40ms e 0,1mV (Índice de Morris) sempre que o eletrodo de


69 93
V1 está bem posicionado no 4º espaço intercostal.

P ≥ 120 ms D2 + porção negativa da P em V1 ≥ 40ms. 50 87

P ≥ 120 ms D2 + índice de Morris em V1. 20 91

P ≥ 120 ms em D2, D3 ou aVF. 60 35

Figura 10 - ECG exemplificando sobrecarga atrial esquerda.

Observe o sinal de Morris presente em V1 e se estendendo até V2, o que aumenta sua especificidade. Também, a duração da onda P nas derivações
inferiores é ≥ 3 quadradinhos.

Figura 11 - ECG exemplificando SAE. Perceba o índice de Morris presente em V1 e se esten-


dendo até V2.

113

ECG Completo.indb 113 26/08/2019 09:26:46


CAPÍTULO 6

intercostal. Esse tema será revisado na vações. O pectus excavatum pode


próxima seção. Não deixe de ler. também simular uma P de porção
Uma relação P/PR > 1,6 é conhecido negativa evidente em V1, o que
como Sinal de Macruz e é mais um si- pode falsear o diagnóstico eletro-
nal de sobrecarga atrial esquerda (14). cardiográfico de sobrecarga atrial
A tabela 2 resume os possíveis esquerda.
achados de sobrecarga atrial esquer- É importante citar que em alguns
da. As figuras 10 e 11 mostram exem- pacientes jovens com estenose mitral
plos de sobrecarga atrial esquerda. sem doença atrial avançada, uma P
Você viu a importância da deri- apiculada (pseudo P-pulmonale) sem
vação V1 (não de D2, D3 e aVF) para aumento da duração da P em D2, D3
o diagnóstico dessa anormalidade. e aVF pode ocorrer. Este é mais um
Também viu, no capítulo 5, que um motivo para que você valorize V1,
dos artefatos mais comuns da prá- sempre que o eletrodo estiver bem
tica clínica é o posicionamento in- posicionado no 4º EIC, e não as deri-
correto de V1 e V2 no tórax (no 2º vações inferiores se quer investigar
ou 3º espaço intercostal, ao invés SAE (Figura 12) (1).
do correto 4º espaço). Pois bem, o A sobrecarga atrial esquerda está
artefato gerado por esse posicio- presente em patologias como este-
namento incorreto é justamente nose mitral, cardiomiopatia dilatada,
a presença de uma P com porção hipertensão arterial e doença arterial
negativa mais ampla nessas deri- coronária.

Figura 12 - ECG de um paciente com doença valvar mitro-aórtica e diagnóstico recente.

Observe a curta duração da P e o padrão apiculado em derivações inferiores (pseudo P-pulmonale). O índice de Morris presente em V1 dá a pista para
o diagnóstico de sobrecarga atrial esquerda (1).

114

ECG Completo.indb 114 26/08/2019 09:26:47


ANORMALIDADES ATRIAIS

O diagnóstico eletrocardiográfico que 120 ms. Ela é bífida, ou seja, pos-


de SAE é atualmente motivo de dis- sui dois picos.
cussão, devido à baixa sensibilidade O BIA de terceiro grau ocorre por-
dos critérios expostos e ao fato de que que o impulso é bloqueado em Ba-
não há evidência de que o eletrodo V1 chmann e também na fossa oval, ha-
tenha sido posicionado corretamente vendo passagem apenas pelo seio
nos estudos citados (15). Novos estu- coronário, situado em uma área in-
dos são necessários para confirmar es- ferior do átrio. Nesse caso, a onda P
ses dados. também terá uma duração prolonga-
da, mas associada a uma onda P que
BLOQUEIO INTERATRIAL é plus-minus em D2, D3 ou aVF, com
a primeira porção positiva evidencian-
É importante que o leitor entenda do o estímulo elétrico propagando-
neste momento que o BIA pode ocor- -se do nó sinusal até as regiões mais
rer na ausência de sobrecarga atrial inferiores do átrio direito, e a porção
esquerda ainda que às vezes estejam negativa subsequente demonstrando
associados. o átrio esquerdo despolarizando da re-
A condução interatrial, ou seja, do gião mais inferior (seio coronário) até a
átrio direito, de onde nasce o estímulo, mais superior (Figura 13).
para o átrio esquerdo se dá através das A presença de BIA de terceiro grau
células de Bachmann em 2/3 dos ca- está intimamente relacionada ao apa-
sos. Em 1/3 dos casos, essa condução recimento de arritmias supraventricu-
ocorre através da fossa oval. Raramen- lares, principalmente fibrilação ou flu-
te através do seio coronário (16). tter atrial (20).
Foram definidos em consenso (17) A tabela 3 resume os achados do
três critérios para que se faça o diag- BIA e as figuras 14 e 15 o exemplifi-
nóstico de BIA: (a) o padrão eletro- cam.
cardiográfico pode aparecer transi- O BIA de segundo grau é a evolução
toriamente e pode mudar abrupta e de condução interatrial normal para o
progressivamente para formas mais padrão de primeiro grau ou de primei-
avançadas; (b) o padrão eletrocar- ro grau para terceiro grau de maneira
diográfico pode aparecer sem a con- intermitente no mesmo traçado ou em
comitância de uma sobrecarga atrial momentos diferentes (17,21). As figu-
esquerda; (c) o padrão eletrocardio- ras 16 e 17 exemplificam o BIA de se-
gráfico pode ser reproduzido experi- gundo grau. Leia as legendas.
mentalmente (18,19).
O BIA pode ser de primeiro, segun-
do ou terceiro grau. O BIA de primeiro
grau tem uma onda P que dura mais

115

ECG Completo.indb 115 26/08/2019 09:26:47


CAPÍTULO 6

Figura 13 - Bloqueios interatriais.

Em A, temos a ativação atrial normal: estímulo nascendo no nó sinusal em uma região superior do átrio e ganhando no átrio
direito de superior para inferior através das células internodais (1) e o átrio esquerdo através das células de Bachmann (2). Em B,
temos um atraso de importante da condução em Bachmann, deixando a onda P bimodal (dois picos). Em C, podemos observar
o que ocorre quando o estímulo não atravessa mais as células de Bachmann para ganharem o átrio esquerdo e o faz pelo seio
coronário (região mais inferior), ativando o átrio esquerdo de inferior para superior (vetor 2), trazendo forças superiores na alça
da P em plano frontal e deixando a segunda porção da P negativa em D2. Adaptado de Bayés de Luna.

Tabela 3 - Tipos de bloqueio interatrial e critérios. É importante lembrar que para o


diagnóstico do bloqueio interatrial isolado é necessário que não haja índice de Morris ou
duração prolongada da porção negativa da P em V1.

Grau Critérios

Primeiro grau P ≥ 120 ms em D2, D3 e aVF com morfologia bífida.

Segundo grau Primeiro ou terceiro grau intermitentes.

Terceiro grau P ≥ 120 ms em D2, D3 e aVF com morfologia plus-minus.

116

ECG Completo.indb 116 26/08/2019 09:26:47


ANORMALIDADES ATRIAIS

Figura 14 - Exemplo de BIA de primeiro grau (parcial) em paciente com bloqueio de ramo
direito e bloqueio da divisão anterossuperior do ramo esquerdo. Perceba a ausência do
índice de Morris em V1.

Figura 15 - Exemplo de BIA de terceiro grau (avançado). Perceba a ausência do índice de


Morris em V1. Pode existir SAE comprovada por ecocardiografia na ausência do índice de
Morris devido à fibrose atrial.

117

ECG Completo.indb 117 26/08/2019 09:26:48


CAPÍTULO 6

Figura 16 - A: ECG de um paciente de 77 anos com cardiomiopatia hipertrófica (CMP-h) a


uma frequência de 70 bpm demonstrando uma onda P que dura 160 ms (BIA de 1º grau)
e QRS com padrão de sobrecarga ventricular e strain. B: durante um episódio febril, com
uma frequência cardíaca em torno de 100 bpm, a onda P agora apresenta duração de 170
ms e morfologia plus-minus em D2, D3 e aVF (BIA de 3º grau). O padrão retornou ao basal
quando foi corrigida a febre (21).

Figura 17 - Tira de um D2 longo de um paciente de 82 anos com extrassístoles ventriculares


frequentes.

Os primeiros dois batimentos demonstram BIA de 3º grau (P ≥ 120 ms plus-minus em D2). A primeira onda P após a pausa pós-extra-sistólica
apresenta uma morfologia normal. Este é um exemplo de BIA de segundo grau induzido por uma pausa compensatória (21).

118

ECG Completo.indb 118 26/08/2019 09:26:48


ANORMALIDADES ATRIAIS

BIAs atípicos (Figura 18) bifásica em D3 e aVF mas com um com-


ponente final isodifásico em D2 (dá a
Nem todos os BIAs se encaixam impressão que a P tem uma duração
perfeitamente nos critérios propos- menor em D2 que nas demais); (b) P ≥
tos por Bayés de Luna. Por isso, re- 120 ms em D3 e aVF, mas com um com-
centemente, ele mesmo definiu os ponente final minus-plus (-+) em D2; (c)
BIAS atípicos. Os BIAs podem ser P ≥ 120 ms em D2 mas com um compo-
atípicos por morfologia ou por dura- nente inicial isodifásico em D3 e aVF (dá
ção. Quando atípicos por morfologia, a impressão de que a P em D2 começou
podemos ter três tipos diferentes. antes ou que se trata de um ritmo atrial
Quando atípicos por duração, uma baixo ou juncional) (Figuras 18 e 19) (22).
morfologia pode ser encontrada. Va- Quando atípicos por duração, te-
mos ver (Tabela 4): mos uma P plus-minus (+-), mas com
Quando atípicos por morfologia, duração < 120 ms em D2, D3 e aVF (Fi-
temos três tipos: (a) Tipo 1: P ≥ 120 ms gura 19).

Tabela 4 - BIAs atípicos.

Tipos Achados eletrocardiográficos

Morfológico tipo I P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final isodifásica em D2.

Morfológico tipo II P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final minus-plus em D2.

P ≥ 120 ms em D2 com morfologia plus-minus, mas em D3 e aVF a


Morfológico tipo III
porção inicial é isodifásica seguida por inscrição negativa da P.

Atípico por duração P plus-minus com duração < 120 ms.

119

ECG Completo.indb 119 26/08/2019 09:26:48


CAPÍTULO 6

Figura 18 - A: BIA avançado. B: BIA atípico por duração (P plus-minus, mas < 120 ms em D2,
D3 e aVF). C: BIA atípico por morfologia tipo I (P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção
final isodifásica em D2). D: BIA atípico por morfologia tipo II (P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas
com porção final bifásica em D2). E: BIA atípico por morfologia tipo III (P ≥ 120 ms em D2,
mas com porção inicial isodifásica em D3 e aVF associadas a porções finais negativas) (22).

Figura 19 - Exemplos eletro e vetorcardiográficos dos diferentes tipos de bloqueios


interatriais atípicos por morfologia.

A: onda P normal.
B: tipo 1, em que a P tem uma porção final isodifásica em D2, dando impressão de menor duração.
C: tipo 2, em que a P tem uma porção final bifásica minus-plus em D2.
D: tipo 3, em que a P tem uma porção inicial isodifásica em D3 e aVF, dando uma impressão de que começa antes em D2, todas seguidas de porções
finais negativas, dando a falsa impressão de ritmo atrial baixo ou juncional (22).

120

ECG Completo.indb 120 26/08/2019 09:26:48


ANORMALIDADES ATRIAIS

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121

ECG Completo.indb 121 26/08/2019 09:26:48


CAPÍTULO 6

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122

ECG Completo.indb 122 26/08/2019 09:26:48


Sobrecargas ventriculares CAPÍTULO

José Nunes de Alencar Neto 7


INTRODUÇÃO mente em hipertrofia concêntrica ou
difusa; já a sobrecarga diastólica, ou de
Bem-vindos ao capítulo dos crité- volume, caso das insuficiências aórtica
rios! e mitral, tende a gerar hipertrofia ex-
A sobrecarga ventricular direita ou cêntrica ou dilatada (1) (Figura 1).
esquerda pode ocorrer como dilata- A diferenciação eletrocardiográfica
ção ou hipertrofia. A hipertrofia pode entre sobrecarga sistólica e diastólica
estar delimitada ao septo e ao ápice foi proposta por Cabrera e Monroy em
ou difundida pelo coração. O compro- 1952, mas carece de correlação com
metimento hemodinâmico ventricular exames de imagem. Na verdade, o
pode se dar por sobrecarga sistólica, que era descrito como padrão de so-
quando a ejeção está prejudicada, ou brecarga diastólica, ondas R não tão
diastólica, quando o enchimento está altas acompanhada de leves elevações
excessivo. A sobrecarga sistólica, sinô- do segmento ST e ondas T apiculadas
nimo de sobrecarga de pressão, que e simétricas (2,3), atualmente é tido
ocorre na estenose aórtica ou hiper- como um estágio precoce da sobre-
tensão, acaba resultando mais comu- carga sistólica. Entretanto, os critérios

Figura 1 - Padrões de geometria ventricular normal e alteradas. IMV = índice de massa


ventricular. Adaptado de Bayés de Luna (1).

123

ECG Completo.indb 123 26/08/2019 09:26:49


CAPÍTULO 7

são pouco sensíveis para essa diferen- preceder as alterações anatômicas


ciação. No capítulo, usaremos apenas (7,8); (b) o prognóstico dessas altera-
o termo “sobrecarga ventricular” para ções eletrocardiográficas é pior do que
definir a presença dos critérios que das alterações ecocardiográficas (9).
discutiremos. Esses achados sugerem que a sobre-
A importância de se estudar a so- carga elétrica pode ocorrer na ausên-
brecarga ventricular se dá pelo fato de cia de sobrecarga anatômica (10).
que esta entidade está associada a um
maior risco de arritmias ventriculares e FATORES QUE INFLUENCIAM
morte súbita (4–6). OS CRITÉRIOS
ELETROCARDIOGRÁFICOS DE
SOBRECARGA ELÉTRICA X SOBRECARGA VENTRICULAR
SOBRECARGA ANATÔMICA
É lógico pensar que sexo e idade
Os critérios eletrocardiográficos de podem alterar os critérios de ampli-
sobrecarga ventricular esquerda que tude que serão demonstrados nesse
serão apresentados nesse capítulo ca- capítulo, visto que seus valores de nor-
recem de sensibilidade (normalmente malidade também são diferentes.
< 25%), porém apresentam boa espe- A distância do coração aos eletro-
cificidade (> 95% em algumas publica- dos também é um fator influenciador,
ções). Para lembrar, sensibilidade é a visto que altera a voltagem dos com-
capacidade de um teste encontrar um plexos nas derivações precordiais (11).
resultado positivo entre os verdadei- Há um efeito presente no campo
ros positivos comparados ao exame das teorias que também precisa ser le-
padrão-ouro (no caso em questão ven- vado em consideração: quando há um
triculografia ou ecocardiograma). Por- aumento no volume de sangue em
tanto, falar que a sensibilidade desses um ventrículo gerando também um
critérios é baixa significa dizer que eles aumento do seu volume e dilatação da
estão encontrando muitos resultados câmara, mesmo que transitória e sem
negativos em pacientes que possuem efeito direto na estrutura do músculo
ecocardiogramas alterados (falso-ne- cardíaco, há um aumento de amplitu-
gativos, portanto). de nas derivações precordiais. Este é o
Uma das possíveis razões para o chamado “efeito Brody” e se deve à
acontecimento disso é a teoria de que condutividade elétrica das células san-
a sobrecarga elétrica é uma entidade guíneas presentes em abundância no
diferente, mas com vários pontos de ventrículo alargado (12,13). Resumin-
interseção, da sobrecarga anatômica do, um paciente com maiores volumes
definida pelos exames de imagem. Os diastólicos tende a apresentar ondas
fundamentos dessa hipótese são: (a) R mais amplas nas derivações precor-
algumas alterações elétricas parecem diais. Há uma contradição óbvia nessa

124

ECG Completo.indb 124 26/08/2019 09:26:49


SOBRECARGAS VENTRICULARES

teoria: você já deve ter visto pacientes dinâmica. Só nesse capítulo já apren-
com disfunção grave de VE, portanto demos que até o volume sanguíneo
com volumes diastólicos aumenta- intraventricular e o líquido alveolar
dos, e baixa amplitude de complexos podem influenciar na sua análise. Ain-
QRS. A explicação para esse “paradoxo” da mais fundamental que esse dado é
pode ser a presença de líquido alveo- o conhecimento de que esse fantásti-
lar nestes pacientes, o que reduziria co exame avalia não só os fenômenos
a resistência à passagem do estímulo elétricos cardíacos, mas também é
pelos pulmões e reduziria a voltagem influenciado pela sua mecânica e bio-
dos complexos (14–16). A avaliação de química.
amplitudes de complexo QRS pode ser Na figura 2, observamos o modelo
usada, por exemplo, para avaliar a pre- comumente usado por médicos para
sença de hipovolemia (17). avaliação de sobrecarga ventricular.
Por fim, até a correlação entre a Na figura 3, observamos o modelo re-
massa ventricular e o tamanho da ca- centemente proposto para guiar no-
vidade parece influenciar na amplitu- vas pesquisas e análises sobre o tema
de dos complexos. Quando o tamanho (19). Esse novo modelo intenta avaliar
da cavidade é normal e suas paredes não apenas a amplitude dos comple-
alargadas, então o complexo é mais xos QRS, ou os critérios clássicos de
amplo. Ao passo que mesmo que as sobrecarga, mas que se perceba que a
paredes estejam alargadas, em caso sobrecarga ventricular esquerda, seja
de redução do tamanho da cavidade, por hipertrofia ou dilatação, é acompa-
a amplitude dos complexos tende a nhada de alterações estruturais, elétri-
reduzir (18). cas e bioquímicas que convergem ou
divergem em sua representação ele-
UM NOVO MODELO DE trocardiográfica. Tendo como exemplo
AVALIAÇÃO DE SOBRECARGA a mecânica cardíaca, já vimos que o
VENTRICULAR coração com paredes alargadas, mas
cavidade reduzida resulta em comple-
Você já deve ter percebido que o xos QRS menos amplos. Acrescente a
eletrocardiograma é uma ferramenta isso a redução da atividade das cone-

Figura 2 - Velho modelo de avaliação de sobrecargas ventriculares.

Perceba que se faz aqui um estudo muito superficial do problema e não leva em consideração fatores que podem influenciar na avaliação eletrocardio-
gráfica, como as inomogeneidades da caixa torácica, alterações bioquímicas e mecânicas. Adaptado de Bacharova (19).

125

ECG Completo.indb 125 26/08/2019 09:26:49


CAPÍTULO 7

Figura 3 - Novo modelo proposto para avaliação eletrocardiográfica de sobrecarga


ventricular esquerda.

O que se propõe aqui é que o examinador deve permanecer atento aos inúmeros fatores que podem influenciar na análise eletrocardiográfica de uma
sobrecarga e perceber que a sobrecarga traz consigo alterações estruturais/mecânicas, elétricas e bioquímicas que interferem de modo divergente
ou convergente nas alterações classicamente descritas. Um exemplo importante disso, é a sugestão do autor de não negligenciar o intervalo QT e a
morfologia do ST-T quando fizer essa análise. Adaptado de Bacharova (19).

xinas do ventrículo doente e teremos diograma e ondas T com “notchs” ou


um complexo QRS mais largo. Depois, bífidas. Nas alterações secundárias
acrescente as alterações iônicas do de repolarização, ou seja, aquelas
paciente com insuficiência cardíaca. produzidas pela alteração estrutural
A resultante de todos esses fatores é ventricular, foi percebido que há um
que definirá se o paciente terá ou não alargamento do QT associado a um
critérios eletrocardiográficos de sobre- alargamento do QRS, provavelmente
carga ventricular esquerda. devido à ação prejudicada das conexi-
Em uma elegante pesquisa, Bacha- nas, um aumento na magnitude da T e
rova comparou os complexos QRS, o no ângulo QRS-T no vetorcardiograma,
segmento ST, a onda T e o intervalo além de T amplas e opostas ao QRS nas
QT de modelos com coração normal, derivações precordiais (20). A diferen-
alterações puramente elétricas (alte- ciação entre onda T primária e secun-
ração “primária” de repolarização), dária será revisada no capítulo 11.
hipertrofia excêntrica, concêntrica e
dilatação (alterações “secundárias” SOBRECARGA VENTRICULAR
de repolarização). Na alteração pri- ESQUERDA
mária de repolarização, ele encontrou
um alargamento do intervalo QT asso- Análise do Segmento ST-T
ciado a alterações mínimas de duração
e amplitude de complexo QRS, alças Visto que demos tanta importância
de T mais arredondadas no vetorcar- à análise global do ECG para avaliação

126

ECG Completo.indb 126 26/08/2019 09:26:50


SOBRECARGAS VENTRICULARES

de sobrecarga ventricular, iniciaremos O padrão de strain é dinâmico:


nossa análise eletrocardiográfica exa- o primeiro evento é a depressão do
tamente pela avaliação mais negligen- segmento ST com manutenção da po-
ciada: a da repolarização. laridade da T. Depois, a onda T perde
O laudo de “padrão de strain ven- amplitude continuamente até inver-
tricular”, alcunhado em 1941 (21), foi ter-se, deixando o padrão do ST-T em
desencorajado na última diretriz ame- “descendente” ou “downsloping”. Por
ricana sobre o tema (22) devido ao fato fim, o ST-T adquire um formato cônca-
de que a alteração eletrocardiográfica vo (Figura 4) (23,24).
referida pelo termo não necessaria- A miocardiopatia hipertrófica,
mente está relacionada ao padrão me- particularmente a de padrão api-
cânico de “strain”, que significa “tensão” cal, apresenta um achado eletro-
ou trabalho aumentado das fibras. De cardiográfico clássico de alteração
acordo com essa diretriz, deve-se dar do ST-T: em derivações com onda
preferência ao termo “anormalidades R pura, a presença de um infrades-
secundárias de ST-T”. nivelamento do segmento ST as-
O padrão típico de strain ventri- sociada a uma T negativa e ampla.
cular é um infradesnivelamento do O fundamento para esse achado é
segmento ST em derivações apicais e que a região apical não sofre can-
laterais seguido de uma onda T inver- celamento de parede contralateral
tida e assimétrica. Ele ocorre devido a (que é a valva mitral, que não tem
uma mudança no padrão normal de manifestação eletrocardiográfi-
repolarização do miocárdio sobrecar- ca), apresentando, pelo miocárdio
regado: aqui, ele ocorre do endocár- exageradamente musculoso, uma
dio para o epicárdio. Sendo assim, o onda R muito ampla que carrega
vetor do ST e a alça da onda T serão consigo as alterações de repolari-
opostas ao QRS (1). zação (25). (Figura 5)

Figura 4 - Exemplo de eletrocardiograma com anormalidade secundária de ST-T do tipo côncavo.

127

ECG Completo.indb 127 26/08/2019 09:26:50


CAPÍTULO 7

Figura 5 - Exemplo de eletrocardiograma de miocardiopatia hipertrófica. Ondas R muito


amplas com padrão de strain em derivações ântero-apicais e uma T muito profunda.

 lterações Inespecíficas de Com-


A pode corroborar o laudo de sobrecar-
plexo QRS ga ventricular esquerda.
A miocardiopatia hipertrófica possui
Um discreto aumento na duração um padrão eletrocardiográfico clássico
do QRS (aproximadamente 110 ms), de presença de ondas Q amplas que po-
na ausência de critérios clássicos de dem chegar a ser maiores que a onda R.
bloqueio de ramo, é esperado. Esse
aumento na duração do complexo se Critérios de Amplitude do Comple-
deve ao aumento de massa ventricu- xo QRS
lar que distorce e prolonga a passa-
gem do estímulo elétrico transmural. Como já foi falado, os critérios de
O achado eletrocardiográfico de blo- sobrecarga ventricular esquerda classi-
queio incompleto do ramo esquerdo é camente se baseiam na amplitude dos
uma entidade comumente associada à complexos para o diagnóstico. Esses
sobrecarga ventricular esquerda. critérios possuem uma sensibilidade
Desvio de eixo elétrico para a es- que gira em torno de 25%, podendo
querda também pode ocorrer. Essa al- chegar a níveis tão baixos quanto 6%,
teração se dá por hipertrofia ventricu- mas uma especificidade em geral >
lar por si só ou pelo desenvolvimento 90%. A tabela 1 traz alguns dos critérios
de bloqueio divisional anterossuperior descritos na literatura (26–34). A tabela
secundário às alterações musculares. 2 traz o escore de Romhilt-Estes (32). As
Esse achado, assim como o de blo- figuras 6, 7 e 8 exemplificam casos de
queio incompleto do ramo esquerdo, sobrecarga ventricular esquerda.

128

ECG Completo.indb 128 26/08/2019 09:26:50


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Tabela 1 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda (26–34). Um


asterisco: comparado com ecocardiograma. Dois asteriscos: comparado com ressonância
cardíaca.

Risco de morte
Critério Valor Sensibilidade Especificidade
CV (Hsieh et al)

Lewis: (R1-S1) +
> 16 mm 43%*, 23,2** 83%*, 88,7** 1,4 (1,2 – 1,7)
(SIII-R3)

Gubner (RI + S3) > 25 mm 12%*, 13,8** 96%*, 94,5** 1,7 (1,4 – 2,1)

Sokolow-Lyon:
> 11 mm 17%* 95%* -
R aVL

Sokolow-Lyon: S V1
> 35 mm 29%*, 26** 89%*, 92,6** 1,9 (1,6 – 2,2)
+ R V5 ou V6

> 28 mm em
Cornell (ou Casale):
homens e > 20 mm 23%*, 15,1** 96%*, 97,3** 3,1 (2,5 – 3,8)
R aVL + S V3
em mulheres

14%*, 5,7** (para 100%*, 97,1**


Romhilt-Estes Vide tabela 2 3,7 (3,0 – 4,4)
≥ 5) (para ≥ 5)

≥ 28 mm em
Peguero: maior S
homens e ≥ 23 mm 70%* 89%* -
+ S V4
em mulheres

Tabela 2 - Critérios de Romhilt-Estes para diagnóstico de sobrecarga ventricular esquerda.


Valores: 4 pontos = SVE provável; ≥ 5 pontos: SVE (32).

3 pontos R ou S ≥ 20 mm no plano frontal ou ≥ 30 mm nas precordiais.

3 pontos Alteração de ST-T (strain) na ausência de digitálicos.

3 pontos Sobrecarga atrial esquerda por índice de Morris (vide capítulo 6).

2 pontos Desvio do eixo do QRS para além de -30º.

1 ponto QRS ≥ 90 ms sem padrão de bloqueio de ramo.

1 ponto Tempo inicial de ativação ≥ 50 ms em V5 ou V6.

1 ponto Alteração de ST-T (strain) na presença de digital.

129

ECG Completo.indb 129 26/08/2019 09:26:50


CAPÍTULO 7

Figura 6 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critério de


Cornell presente.

Figura 7 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de


Cornell e Lewis presentes.

Figura 8 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de


Cornell e Sokolow-Lyon presentes. Sobrecarga atrial esquerda e padrão strain também visíveis.

130

ECG Completo.indb 130 26/08/2019 09:26:51


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Na presença de bloqueio ventri- visional anterossuperior (40). As fi-


cular, seja de ramo ou de um fascícu- guras 9, 10 e 11 exemplificam casos
lo, os critérios a serem utilizados são de sobrecarga ventricular esquerda
diferentes. A tabela 3 resume esses associada a bloqueio de ramo es-
critérios (35–39). Cornell (ou Casale) querdo, bloqueio de ramo direito e
e Sokolow de aVL também podem bloqueio divisional anterossuperior,
ser usados em casos de bloqueio di- respectivamente.

Tabela 3 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda na presença


de bloqueios ventriculares (35–40).

Critério Valor Sensibilidade Especificidade

Bloqueio de Ramo Esquerdo

Klein: S V2 + R V6 > 45 mm 86% 100%

Bloqueio de Ramo Direito

Vandenberg: S V1 > 2 mm 52% 57%

Vandenberg: Desvio de
eixo p/ esquerda + S DIII
≥ 30 mm 52% 84%
+ (R+S maior complexo
precordial)

Bloqueio divisional anterossuperior

Bozzi: S V1 ou V2 + R V5
> 25 mm 74% 67%
ou V6

Gertsch: S DIII + (R+S


≥ 30 mm em homens e
maior complexo pre- 79% 47%
≥ 28 mm em mulheres
cordial)

Cornell (ou Casale): R > 28 mm em homens e


44% 84%
aVL + S V3 > 20 mm em mulheres

Sokolow-Lyon: R aVL > 11 mm 32% 91%

131

ECG Completo.indb 131 26/08/2019 09:26:51


CAPÍTULO 7

Figura 9 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a


bloqueio de ramo esquerdo. Observe que S V2 + R V6 = 25 mm e que o ECG está configurado
em N/2, portanto, essa soma, na verdade, resulta em 50 mm.

Figura 10 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a


bloqueio de ramo direito.

132

ECG Completo.indb 132 26/08/2019 09:26:52


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Figura 11 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a


bloqueio divisional anterossuperior. Critérios de Bozzi, Gertsch, Cornell e Sokolow de aVL
presentes.

SOBRECARGA VENTRICULAR ALÇA VETORIAL ANTERIOR


DIREITA
Ocorre em casos de hipertensão
INTRODUÇÃO pulmonar, doença valvar mitral e
doenças congênitas. A alça vetorcar-
A sobrecarga ventricular direita pode diográfica de ativação é anteriorizada
acontecer em casos de tromboembolismo no plano horizontal, levando a uma
pulmonar (TEP), hipertensão pulmonar, ativação progressivamente positi-
doenças congênitas (estenose pulmonar, va em V1: padrão rS que evolui para
defeito do septo interatrial, doença de Ebs- RS, depois Rs, chegando ao ponto de
tein, etc.), doença valvar, particularmente a apresentar um R puro. Em V5 e V6, um
estenose mitral, e cor pulmonale. padrão Rs ou RS pode aparecer e uma
A gênese das alterações eletrocar- onda q nessas derivações pode ser um
diográficas nesta situação é que a força achado compatível.
vetorial do ventrículo direito sobrecar- Outra forma de apresentação é o
regado contrapõe a força do ventrícu- padrão qR em V1 (Sinal de Sodi-Palla-
lo esquerdo, levando o vetor cardíaco res), já estudado no capítulo 6 quando
para a direita e para anterior ou pos- discutimos sobrecarga atrial direita. A
terior. Associado a isso, assim como na explicação é que a sobrecarga atrial
sobrecarga ventricular esquerda, há está sendo causada por uma sobre-
também um atraso de condução, nes- carga ventricular, por exemplo, numa
se caso do ventrículo direito e também situação de TEP.
alterações de repolarização.

133

ECG Completo.indb 133 26/08/2019 09:26:52


CAPÍTULO 7

ALÇA VETORIAL POSTERIOR CRITÉRIOS DE AMPLITUDE DO


COMPLEXO QRS
Esse padrão ocorre mais frequente-
mente em doença pulmonar obstruti- Os critérios que analisam a ampli-
va crônica (DPOC) e, mais raramente, tude do complexo para diagnóstico
estenose mitral. Aqui, a sobrecarga de sobrecarga ventricular direita são
ventricular direita está limitada a sua influenciados pelos mesmos fatores
zona basal posterior e o coração se que já demonstramos para sobrecarga
apresenta verticalizado, como comu- ventricular esquerda. Aqui, adicione o
mente visto em casos de DPOC. As fato de que há dois tipos de alças veto-
alterações encontradas nesse tipo de riais e elas modificam a disposição do
ativação são: (a) o padrão SI-SII-SIII complexo QRS em V1 e V6, justamente
com SII ≥ SIII, (b) onda R isolada em as derivações mais estudadas.
aVF; (c) r pequeno em V1; (d) onda S A tabela 4 resume esses critérios
ampla em V5 e V6 (1). (41–43). A figura 13 exemplifica uma
A figura 12 resume os padrões ve- sobrecarga ventricular direita.
torcardiográficos possíveis. Na presença de bloqueios ventri-
culares também pode ser sugerida a
presença de sobrecarga ventricular
direita (Figura 14). Esses achados estão
dispostos na tabela 5 (44).

Figura 12 - Representação das alças vetorcardiográficas dos dois padrões encontrados em


sobrecargas ventriculares direitas: aquele cuja alça do complexo QRS no plano horizontal
é anterior e apresenta ondas r mais proeminentes em V1, e aquele cuja alça é posterior e
não apresenta ondas r tão proeminentes (1).

134

ECG Completo.indb 134 26/08/2019 09:26:52


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Tabela 4 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular direita (41–43).

Critério Valor Sensibilidade Especificidade


R>S V1 - 6% 98%
S>R V5 ou V6 - 16% 93%
R V1 ≥ 7 mm 2% 99%
qR V1 - 5% 99%
R V5 e V6 < 5 mm 13% 87%
S V5 e V6 > 7 mm 26% 90%
SI-SII-SIII - 24% 87%

Figura 13 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga ventricular direita.

Figura 14 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga ventricular direita associado a


bloqueio de ramo direito. Perceba o padrão RsR’ que se estende além de V2 (no caso, vai
até V3) e o R puro em V1 (BRD tipo Cabrera).

135

ECG Completo.indb 135 26/08/2019 09:26:53


CAPÍTULO 7

Tabela 5 - Achados eletrocardiográficos que sugerem sobrecarga ventricular direita na


presença de bloqueios ventriculares.

Bloqueio de ramo direito

rsR’ que se estende além de V2

R’ de alta voltagem ou R puro em V1 (BRD tipo Cabrera)

Bloqueio de ramo esquerdo

Desvio de eixo para direita (além de + 90º)

R evidente em V1

A transição da R (ou seja, R>S) acontece apenas em V5 ou V6

SOBRECARGA BIVENTRICULAR ACHADOS


ELETROCARDIOGRÁFICOS
INTRODUÇÃO
Tendo em mente que a sensibilida-
A sobrecarga biventricular é en- de para encontrar sobrecarga ventricu-
contrada especialmente em casos de lar esquerda é baixa (em torno de 25%),
doença valvar e congênita. Baseando-se assim como também para sobrecarga
no princípio que temos usado até ago- ventricular direita (em torno de 6%), o
ra, que a sobrecarga de um ventrículo diagnóstico eletrocardiográfico de so-
aumenta até certo ponto a sua ampli- brecarga biventricular pode apenas ser
tude, a sobrecarga dos dois ventrícu- sugerido pela combinação de alguns
los pode fazer inclusive com que um critérios de um ou outro ventrículo.
ventrículo cancele o outro em termos A tabela 6 resume esses achados
eletrocardiográficos, ou seja, traga as (45–47). A figura 15 demonstra um
amplitudes para níveis normais. exemplo de sobrecarga biventricular.

Tabela 6 - Achados compatíveis com sobrecarga biventricular (45–47).

Onda R alta em V5 e V6 com desvio de eixo para direita (além de + 90º)

Onda R alta em V1, V2, V5 e V6

Complexo QRS de amplitudes normais acompanhado de alterações importantes de repolarização (padrão


strain)

Sinal de Katz-Wachtel: complexos difásicos gigantes em D1, D2 ou D3; ou R+S V3 ≥ 40 mm

136

ECG Completo.indb 136 26/08/2019 09:26:53


SOBRECARGAS VENTRICULARES

Figura 15 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga biventricular. Sinal de Katz-


Wachtel presente.

137

ECG Completo.indb 137 26/08/2019 09:26:53


CAPÍTULO 7

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ECG Completo.indb 138 26/08/2019 09:26:53


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ECG Completo.indb 140 26/08/2019 09:26:53


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141

ECG Completo.indb 141 26/08/2019 09:26:53


Bloqueio de ramo direito CAPÍTULO

truncal, periférico e zonal


José Nunes de Alencar Neto
8
INTRODUÇÃO estímulo elétrico pode ser mais distal
devido a um dano total ou parcial da
O sistema de condução ventricu- rede de Purkinje (chamadas “lesões pe-
lar é formado por dois ramos: direito riféricas”) ou de alguns dos seus ramos
e esquerdo. De acordo com a teoria (“lesões zonais”), bem como também
trifascicular de Rosenbaum, o ramo pode haver lesões no feixe de His (que
direito é dividido na rede Purkinje em chamaremos de “lesões truncais”). A
divisões específicas e o ramo esquerdo morfologia do bloqueio de ramo di-
em fascículos anterossuperior e poste- reito é semelhante em casos lesão do
rior-inferior. tronco, lesão no His ou a um bloqueio
Um distúrbio mais grave de condu- distal a nível periférico global. O blo-
ção do ramo direito ou esquerdo fará queio funcional do ramo direito tam-
com que os ventrículos se despolarizem bém pode ocorrer em determinadas
mais lentamente, levando a um alar- situações. Neste capítulo, revisaremos
gamento do complexo QRS ≥ 120 ms esses conceitos.
(três quadradinhos) – esse é o primeiro
critério de um bloqueio de ramo! Mas ANATOMIA DO FEIXE DE HIS E
calma, tem alguns outros critérios que RAMO DIREITO
precisam ser observados para o laudo
de um bloqueio de ramo. Esses critérios O feixe de His é uma continuação
vão ser revisados neste capítulo (blo- direta da porção distal do nó atrioven-
queio de ramo direito) e no capítulo 9 tricular e mede em torno de 5-10 mm
(bloqueio de ramo esquerdo). de comprimento e 4 mm de diâmetro.
A tendência dos examinadores me- Ela se inicia histologicamente quando
nos experientes é pensar que o atraso as células adquirem uma conforma-
do impulso elétrico em casos de blo- ção longitudinal no mesmo lugar em
queio de ramo ocorria apenas a nível que penetram no septo membranoso.
tronco do ramo direito ou esquerdo. Nesse local, temos a primeira porção
Em casos de distúrbios de condução do feixe, a porção penetrante do feixe
do ventrículo direito, tema deste capí- de His, que se direciona inferiormente
tulo, sabe-se, através de estudos expe- e não se divide por alguns milímetros
rimentais que o atraso da condução do (Figura 1) (1).

143

ECG Completo.indb 143 26/08/2019 09:26:53


CAPÍTULO 8

Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos dos diferentes graus de bloqueio de


ramo direito.

Bloqueio Achados eletrocardiográficos

• QRS ≤ 120 ms.


• s de curta duração em D1 e V6.
Bloqueio de ramo direito de primeiro grau
• r de curta duração e amplitude em aVR.
• rsr’ em V1.

• QRS > 120 ms.


• s “empastado” em D1 e V6.
Bloqueio de ramo direito de terceiro grau
• r “empastado” em aVR.
• rSR’ em V1 (tipo Grishman) ou R puro (tipo Cabrera).

O feixe de His possui três tipos e va- Figura 1 - Demonstração esquemática tridi-
mos conhecê-los agora (2). mensional do feixe de His.

Tipo 1, visto em 47% das pessoas,


tem sua porção penetrante coberta
por uma fina camada de fibras miocár-
dicas da porção membranosa do septo
atrioventricular;
Tipo 2, visto em 32% das pessoas,
tem sua porção penetrante insulada
por uma camada de fibras miocárdicas
fora da porção membranosa do septo;
Tipo 3, visto em 21% das pessoas,
tem o feixe de His “nu” sem cobertura ne-
nhuma de camadas celulares (Figura 2).
Um conceito importante sobre o fei-
xe de His é o da “dissociação funcio-
nal longitudinal de fibras”. Primeiro A porção penetrante se localiza na região septo membranoso e a bifur-
proposto por Kaufmann e Rothberger cação se dá a nível de crista de septo interventricular. A figura também

em 1919 (3), significa simplesmente demonstra fibras acessórias que ocorrem em situações anormais e serão
vistas com mais detalhes no capítulo 19.
que as fibras do feixe de His são longi-
tudinalmente dispostas a ponto de ha-
ver uma predestinação de fibras do fei-

144

ECG Completo.indb 144 26/08/2019 09:26:54


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

xe para conduzir em um ou outro ramo Figura 2 - Tipos de feixe de His.


(Figura 3). Em outras palavras, uma cé-
lula no início do feixe de His, ou seja,
bem proximal, vai se transformar dis-
talmente no ramo direito ou esquerdo.
Tecendo ainda mais em miúdos, uma
lesão focal no feixe de His pode causar
bloqueios de ramo ou divisionais. Na-
rula (4), em 1977, publicou uma série
de casos em que um marca-passamen-
to no feixe de His em sua porção mais
proximal, ou seja, bifurcante, era capaz
de normalizar bloqueios de ramo es-
querdo. El-Sherif (5), no ano seguinte,
demonstrou o mesmo para bloqueios
de ramo direito.
A nível de crista de septo interven-
tricular, o feixe de His passa por uma
bifurcação, dando início, então, à sua
porção bifurcante. O ramo direito é a
continuação direta da porção pene-
trante do feixe de His. É uma estrutura
fina e discreta. Ele se dirige ao ápice
cardíaco passando pela musculatura
do septo na base do músculo papilar
medial do ventrículo direito. No se-
gundo e terceiro terços do septo in-
terventricular, o ramo direito emerge A e B = tipo 1, em que o feixe é protegido por uma fina camada de cé-
do músculo para o subendocárdico, lulas musculares do septo membranoso; C e D = tipo 2, em que o feixe
onde fica vulnerável a traumas dire- é protegido por fibras musculares fora do septo membranoso; E e F =
tos, e ganha banda moderadora, co- tipo 3, em que o feixe não apresenta nenhum tipo de insulação. AVN: nó
nectando os músculos papilares ante- atrioventricular; AVB: feixe de His; AT: valva tricúspide; CS: seio coronário;
rior e médio (6). MS: septo membranoso; RB: ramo direito (2)

145

ECG Completo.indb 145 26/08/2019 09:26:54


CAPÍTULO 8

Figura 3 - Representação esquemática de uma lesão produzida na porção penetrante do


feixe de His causando bloqueio de ramo direito e bloqueio da divisão anterossuperior do
ramo esquerdo por consequência. Isto está em acordo com a teoria da dissociação funcio-
nal longitudinal das fibras de His. Como as células estão dispostas longitudinalmente, uma
lesão no feixe pode provocar alterações eletrocardiográficas de bloqueios de ramo (5).

FAS: fascículo anterossuperior; FPI: fascículo póstero-inferior; RD: ramo direito.

BLOQUEIO DE RAMO DIREITO dar nomes errados aos bois, aprenda: o


(BRD) termo “distúrbio de condução do ramo
direito” se refere de maneira genérica,
O bloqueio de ramo direito (BRD), e tanto na literatura internacional, como
também o esquerdo, pode acontecer na Diretriz Brasileira de Eletrocardiogra-
em três graus. O de primeiro grau é ca- ma (ECG)(8), à doença no ramo direito.
racterizado por um atraso de condução. O BRD de primeiro grau, chamado
O de segundo grau pela intermitência pela Diretriz Brasileira como “atraso de
no bloqueio. O de terceiro grau significa condução pelo ramo direito”, é carac-
que o estímulo não consegue mais ati- terizado por (a) ter um complexo QRS
var aquela área pelo caminho normal. ainda dentro dos limites da normalidade
O bloqueio de terceiro grau é melhor (< 120 ms), (b) uma pequena e estreita
chamado de “avançado” que “completo”, onda S em D1 e V6, bem como (c) uma
pois ainda há algum grau de passagem onda r com as mesmas características
de estímulo, mas esta se dá de maneira em aVR. (d) Em V1, observamos um pa-
tão lenta que o estímulo do ventrículo drão de rsr’ com amplitude variável da r’
oposto atravessa o septo interventricu- (Figuras 4 e 5). Nesse grau de BRD, par-
lar e acaba despolarizando o ventrículo te do septo interventricular à direita se
bloqueado célula-a-célula antes mesmo despolariza pelo estímulo elétrico que
do final do atraso (7). Atenção: para não veio do ramo esquerdo não bloqueado

146

ECG Completo.indb 146 26/08/2019 09:26:54


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

e atravessou o septo interventricular. A é que ventrículo esquerdo e ventrículo


maior parte do septo em seu lado direi- direito terminem sua despolarização
to, no entanto, é despolarizada normal- juntos). Essas áreas atrasadas se situam
mente pelo ramo direito nos BRDs de justamente na base do ventrículo direi-
primeiro grau. Esse pequeno atraso já é to, próximo à valva tricúspide. O vetor de
capaz de proporcionar, na porção final despolarização dessas áreas aponta para
da despolarização ventricular, o apare- cima, para direita e para frente, o que ex-
cimento de áreas no ventrículo direito plica todos os achados eletrocardiográfi-
que ainda não despolarizaram (o normal cos do BRD de primeiro grau (Figura 6).

Figura 4 - Padrão rsr’ visto em casos de bloqueio de ramo direito de primeiro grau. Observe
que o complexo QRS dura menos que 3 quadradinhos, portanto, menos que 120 ms.

Figura 5 - Atraso de condução pelo ramo direito (bloqueio de ramo direito de primeiro
grau). Observe a onda S de curta duração em D1 e V6, bem como a onda R curta em aVR. V1
apresenta um complexo QRS de conformação rSr’. A duração do complexo é < 120 ms.

147

ECG Completo.indb 147 26/08/2019 09:26:55


CAPÍTULO 8

Figura 6 - Representação esquemática da sos de sobrecarga ventricular direita, V1


ativação ventricular direita no BRD de pode apresentar padrão qR (sinal de So-
primeiro grau. di-Pallares) ou R pura (BRD do tipo Ca-
brera ou “tipos 2 e 3 de Baydar”) (9–11)
(Figuras 9 a 11). No bloqueio avançado
do ramo direito, a onda T se inverte ao
bloqueio, representado no eletrocardio-
grama pelo empastamento. Portanto,
em V1 e V2 (e às vezes até em V3) a onda
T será negativa, inversa à R’.
Em BRD de terceiro grau, obser-
vamos 4 vetores ao invés de 3. Como
o septo interventricular possui mais
massa miocárdica esquerda que direi-
ta, o primeiro vetor não varia: segue se
dando da esquerda pra direita e para
O vetor 1, como já sabemos, representa a ativação septal. Nesse caso, como frente. O vetor 2 diminui um pouco de
há um atraso de condução do ramo, parte do septo em seu lado direito aca- amplitude. Mas agora o jogo muda.
ba despolarizando pelo estímulo proveniente do ramo esquerdo normal Quando o ventrículo esquerdo quase
através do septo. O vetor 2 representa a ativação das paredes livres dos ven- inteiro já foi despolarizado, algo inte-
trículos esquerdo (mais proeminente) e direito. O vetor 3 será determinado ressante acontece: o terceiro vetor vai
pela última região do ventrículo direito a receber o estímulo elétrico. Como representar a despolarização através
houve atraso no princípio, essa região acabou ficando atrasada em relação
do septo proveniente de um estímulo
ao ventrículo esquerdo, que já terminou toda sua despolarização. Como
que veio do ramo esquerdo normal.
essa área despolariza sozinha, teremos repercussão eletrocardiográfica: o
Lembre-se: aqui o atraso é tão avança-
vetor 3 aponta para cima, direita e para frente, gerando a onda s curta em
do que o ventrículo direito só despola-
D1 e V6, a onda r curta em aVR e o padrão rsr’ em V1. Adaptado de Bayés
de Luna (7).
riza dessa forma: com a ajuda do ramo
esquerdo. Este terceiro vetor aponta
para a direita e pra frente. Por fim, o
O BRD de terceiro grau, por sua vez, quarto vetor representa a despolariza-
apresenta como característica funda- ção da base do ventrículo direito, pró-
mental um complexo QRS que dura mais ximo à valva tricúspide, última área do
que três quadradinhos, ou seja, > 120 coração a ser ativada.
ms. Nesses casos, a onda S em D1 e V6 Se você leu os parágrafos sobre a ati-
será prolongada e “empastada”. O r em vação do ventrículo direito nos bloqueios
aVR também seguirá o mesmo caminho. de ramo direito de primeiro e terceiro
E em V1, agora teremos um padrão do grau, bem como visualizou atentamente
tipo rsR’ com uma porção final bastante às figuras 6 e 12 e mesmo assim não en-
empastada (BRD do tipo Grishman ou tendeu nada, não se preocupe. Leia a ta-
“tipo 1 de Baydar”) (Figuras 7 e 8). Em ca- bela 1, decore aqueles valores e seja feliz.

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ECG Completo.indb 148 26/08/2019 09:26:55


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 7 - Bloqueio de ramo direito do tipo Grishman em V1. Perceba o padrão rSR’ e a du-
ração do complexo QRS ≥ 120 ms. Assim como em V1 disposto na figura, é esperado que V2
e V3 tenham ondas T invertidas ao empastamento, ou seja, apontando para baixo.

Figura 8 - Bloqueio avançado de ramo direito (terceiro grau). O complexo QRS dura ≥ 120
ms, há uma onda S empastada em D1 e V6, bem como uma onda R lenta em aVR. V1 apre-
senta padrão qR e não rSR’, sendo sugestivo de associação do BRD com sobrecarga atrial e
ventricular direita.

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ECG Completo.indb 149 26/08/2019 09:26:56


CAPÍTULO 8

Figura 9 -. BRD do tipo Cabrera: R puro em V1. Se for analisada a duração do complexo QRS
apenas em V1, o leitor menos atento pode pensar que não se trata de bloqueio de terceiro
grau, visto que em V1 o complexo dura menos que 120 ms. O correto, no entanto, é avaliar
o ECG por inteiro, medindo desde a primeira deflexão de alguma derivação até o final do
complexo, mesmo que em outra derivação. No exemplo, V2 demonstra um QRS ≥ 120 ms,
comprovando a existência de bloqueio avançado.

Figura 10 - BRD de terceiro grau tipo Cabrera: R puro em V1.

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ECG Completo.indb 150 26/08/2019 09:26:56


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 11 - Vetorcardiograma de um BRD do tipo Cabrera. Observe as forças finais atrasa-


das presentes no lado direito dos planos frontal e horizontal. Atraso final. A alça do QRS
dirige-se completamente para anterior nos planos horizontal e sagital.

Antes de seguir em frente, vamos, pelo tipo global. No caso do bloqueio pe-
mais uma vez enfatizar que o blo- riférico, ele ainda pode ser zonal.
queio de ramo pode se dar em vá- O bloqueio periférico global do
rias localizações anatômicas, a saber: ramo direito nada mais é que um BRD
truncal no feixe de His ou no ramo di- de terceiro grau que ocorre a nível de
reito ou periférico, que ainda pode ser banda moderadora ou ramificações pe-
parcial ou global e ainda funcional. A riféricas ainda mais distais e possui uma
morfologia eletrocardiográfica dos duração maior que 140, às vezes maior
bloqueios é similar, havendo apenas que 160 ms. Geralmente vem associa-
pequenas diferenças que serão discu- do a critérios de sobrecarga ventricular
tidas adiante. direita (vide capítulo 7) e desvio de eixo
elétrico para direita. Costuma estar asso-
BLOQUEIO PERIFÉRICO DO ciado a pós-operatórios de ventriculo-
RAMO DIREITO tomias em pacientes com Tetralogia de
Fallot ou outras cardiopatias congênitas
Mais uma vez, quero deixar claro que o com ou sem infundibulectomia. O diag-
bloqueio do ramo direito pode ser truncal nóstico de certeza através da medição
ou periférico. Em ambos os casos, o blo- intracavitária do tempo desde o início
queio pode ser global ou parcial. Falare- da ativação ventricular até a ativação do
mos agora especificamente do bloqueio ápice ventricular direito. Valores < 40 ms
periférico do ramo direito, começando sugerem bloqueios periféricos (12).

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ECG Completo.indb 151 26/08/2019 09:26:56


CAPÍTULO 8

Figura 12 - Representação da ativação vetorial em bloqueio do ramo direito de terceiro


grau.

Vetor 1 representa a despolarização septal praticamente normal (aponta para direita e para frente), o vetor 2 representa a ativação da maior parte da
massa ventricular esquerda (apontando para esquerda, inferior e posterior), o vetor 3 representa a ativação transseptal e as últimas células ventricula-
res esquerdas (aponta para direita e para frente), e o vetor 4 a ativação das últimas áreas atrasadas do ventrículo direito (para direita, superior e para
frente). Adaptado de Bayés de Luna (7).

O bloqueio periférico parcial é de bloqueios periféricos zonais: o blo-


indistinguível do bloqueio truncal par- queio da zona anterior subpulmonar e
cial do ramo direito. Ambos represen- o bloqueio da zona póstero-inferior.
tam o BRD de primeiro grau. O bloqueio zonal anterior subpul-
O bloqueio zonal ou divisional é monar foi caracterizado principalmen-
o bloqueio periférico que ocorre nas te pelo padrão S1S2S3, que significa
já citadas ramificações periféricas do ondas S maiores que as ondas R nas
ramo direito, mas não em todas ao derivações D1, D2 e D3 e o S de D2 ≥ S
mesmo tempo. Tem seu fundamento D3 (Figura 13). O bloqueio zonal pós-
descrito em 1917 por Oppenheimer tero-inferior é caracterizado pelo pa-
e Rothschild e foi chamado na época drão S1R2R3, que significa onda S > R
de bloqueio da arborização do ramo em D1, R > S em D2 e D3 com R D2 ≥ R
direito (13). A teoria foi comprovada D3 e uma onda S evidente em V6 (Figu-
posteriormente por diversos estudos ra 14). Esses achados comumente estão
baseados em injeções de substâncias presentes em pacientes com doença
ou incisões anatômicas nessa tal ar- pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
borização (14–20). Os estudos iden- e hipertrofia ventricular direita por cor
tificaram, basicamente, dois padrões pulmonale (21,22).

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ECG Completo.indb 152 26/08/2019 09:26:57


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 13 - Padrão S1S2S3 (S D2 > S D3) de bloqueio periférico zonal subpulmonar anterior
em paciente com disfunção ventricular direita. Está demonstrada também a presença de
uma ectopia ventricular de via de saída do ventrículo direito.

Figura 14 - Padrão S1R2R3 de bloqueio periférico zonal póstero-inferior em paciente de 78 anos


com doença pulmonar obstrutiva crônica. S > R em D1, R D2 > R D3, S proeminente em V6.

Esses dois tipos de bloqueio po- A tabela 2 reúne os achados dos


dem também estar presentes em in- bloqueios periféricos zonais. Perceba
divíduos normais. O bloqueio da zona que os critérios descritos são os mes-
anterior subpulmonar pode hipote- mos citados na diretriz brasileira como
ticamente acontecer por distribuição de bloqueio divisional dos fascículos
anormal das fibras de Purkinje ou por direitos. Este livro traz a teoria trifasci-
rotação posterior do coração (23). E cular como fundamento. Por isso, trou-
o traçado eletrocardiográfico clássi- xemos os bloqueios zonais direitos
co bloqueio da zona póstero-inferior neste capítulo, ao invés de trazê-los no
pode estar presente em pacientes com capítulo 10, que trata de bloqueios di-
pectus excavatum (20). visionais.

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ECG Completo.indb 153 26/08/2019 09:26:57


CAPÍTULO 8

Tabela 2 - Resumos dos achados eletrocardiográficos dos bloqueios periféricos zonais do


ventrículo direito.

Bloqueio Achados eletrocardiográficos

• QRS ≤ 120 ms.


Bloqueio periférico zonal subpulmonar
• S1S2S3 (ou seja, S > R em D1, D2 e D3).
anterior
• S D2 > S D3.

• QRS ≤ 120 ms
Bloqueio periférico zonal póstero-inferior • S1R2R3 (ou seja, S > R em D1, R > S em D2 e D3).
• R D2 > R D3.

R’ EM V1 E O ALGORITMO DE mais prevalente com 80% de prevalên-


BARANCHUK cia total e quase 100% em indivíduos
sem doença cardíaca.
O achado de um pequeno ou amplo O bloqueio de fase 3, ou bloqueio
r’ em V1 com um QRS ≤ 120 ms pode taquicardia-dependente, ocorre de-
abrir o leque para vários diagnósticos vido a canais de sódio que ainda não
diferenciais. O BRD de primeiro grau é tenham sido repolarizados após a
um deles, mas também o posiciona- despolarização do batimento anterior
mento alto de eletrodos precisa ser e, portanto, o seguinte potencial de
sempre checado, principalmente aqui ação será reduzido e mais lento. Como
em nosso país, onde a técnica nem o período refratário do ramo direito
sempre é acurada. é maior que o do ramo esquerdo em
Para esse fim, foi criado o algorit- frequência cardíaca normal, o ramo
mo de Baranchuk, que você pode en- direito é mais afetado. O fenômeno
contrar na figura 15 (24,25). de Gouaux-Ashman ou apenas Fe-
nômeno de Ashman (26) tem a sua
BLOQUEIO FUNCIONAL DO base fisiológica no bloqueio da fase
RAMO DIREITO 3 do potencial de ação (Figura 16).
Os períodos refratários se alargam a
Conhecido pelo termo “aberrância frequências mais baixas e encurtam
de condução”, o bloqueio funcional é a frequências mais elevadas: um ciclo
baseado na fisiologia do potencial de RR curto - longo – curto (ou apenas
ação das células do ramo direito e do longo-curto) pode produzir, devido
ramo esquerdo, mas a aberrância com a essas alterações súbitas no período
padrão de bloqueio de ramo direito é refratário, um padrão de bloqueio in-

154

ECG Completo.indb 154 26/08/2019 09:26:57


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 15 - Algoritmo de Baranchuk. Esse algoritmo serve em casos que há r’/R’ em V1 e V2.
Essas situações serão vistas em capítulos diversos do livro (24,25).

Figura 16 - Fenômeno de Ashman. Perceba que o batimento com padrão de bloqueio avançado
do ramo direito ocorre após uma variação de ciclo do tipo longo – curto (setas).

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ECG Completo.indb 155 26/08/2019 09:26:58


CAPÍTULO 8

termitente de ramo direito muito co- atenção! Não se trata de um bloqueio


mum em casos de fibrilação atrial ou concomitante, pois se um indivíduo
bloqueio tipo Wenckebach (duas si- bloqueio ambos os ramos em terceiro
tuações onde há irregularidade de rit- grau, teríamos um bloqueio atrioven-
mo) que pode confundir com ectopias tricular total com escape ventricular.
isoladas ou taquicardia ventricular Vamos escrever as mesmas infor-
(caso o fenômeno se sustente, passa a mações novamente, mas com outras
ser chamado “Efeito Fole” (27), descrito palavras nesse parágrafo: trata-se de
por García e Rosenbaum em 1972). Es- uma doença mais importante no ramo
sas alterações podem ser visualizadas direito que no esquerdo, portanto, tra-
tanto no ECG de 12 derivações como ta-se de um bloqueio de ramo direito
no sistema Holter. associado a uma doença fascicular es-
O bloqueio da fase 4, ou bloqueio querda – pode ser bloqueio anterossu-
dependente de bradicardia, quase perior ou póstero-inferior (30). Como
sempre se manifesta como padrão de as forças do atraso esquerdas são
bloqueio do ramo esquerdo e será dis- maiores que as direitas, aquelas preva-
cutido no próximo capítulo. lecem sobre o ECG no plano frontal.
Para se ter ideia da raridade desse
BLOQUEIOS MASCARADOS evento, Bayés de Luna encontrou ape-
nas 16 em 100 mil eletrocardiogramas
Fenômeno raro descrito em 1954 revisados (31).
por Richman e Wolff (28,29) que ocor- Os critérios eletrocardiográficos do
re quando há expressão eletrocardio- bloqueio do ramo direito mascarado de
gráfica de bloqueio de ramo direito esquerdo são: presença de rsR’ em V1, pre-
em derivações precordiais e do ramo sença de R proeminente em V6, ausência
esquerdo no plano frontal. É um blo- de S (ou, se tiver, que seja de baixa amplitu-
queio de ramo direito mascarado de de) em D1, aVL, V5 e V6 (Figura 17).
um bloqueio de ramo esquerdo. Mas Fim do capítulo. The cake is a lie.

156

ECG Completo.indb 156 26/08/2019 09:26:58


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

Figura 17 - Bloqueio de ramo direito mascarado de bloqueio de ramo esquerdo.

Perceba que o QRS é largo e apresenta forças finais proeminentes para a direita (R final em aVR e V1). D1 e aVL com padrão que lembra bloqueio de
ramo esquerdo e desvio do eixo para esquerda. O leitor desatento poderia laudar como BRD + BRE avançados (algo que só existe em eletrocardiografia
como bloqueio atrioventricular total). Retirado de Choudhary.

157

ECG Completo.indb 157 26/08/2019 09:26:58


CAPÍTULO 8

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158

ECG Completo.indb 158 26/08/2019 09:26:58


BLOQUEIO DE RAMO DIREITO TRUNCAL, PERIFÉRICO E ZONAL

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159

ECG Completo.indb 159 26/08/2019 09:26:58


Bloqueio de ramo esquerdo
CAPÍTULO

José Nunes de Alencar Neto 9


INTRODUÇÃO à esquerda (“regra da seta do carro”).
Para onde você empurra a seta do farol
Este capítulo é uma continuação do quando quer virar à direita? Para cima.
anterior. Sendo assim, não estranhe se O complexo QRS em BRD é para cima
introduzimos os capítulos com textos si- em V1. Para onde você empurra a seta
milares. Como disse, é uma continuação. do farol quando quer virar à esquerda?
Venho por meio deste, então, falar, Para baixo. O complexo QRS em BRE
mais uma vez, que o nosso sistema de é para baixo em V1. Esta é uma gene-
condução ventricular, após o feixe de ralização rasteira, mas serve aos que
His, é dividido em dois ramos, o esquer- estão iniciando na arte do eletrocar-
do e o direito. O ramo esquerdo, por diograma. Se você tiver paciência, este
sua vez, ainda se divide em pelo menos capítulo te ensinará muito mais do que
dois outros fascículos: anterossuperior essa decoreba.
e posteroinferior. Quem disse isso não A tabela 1 é dica de leitura para todos.
fui eu, foi o Rosenbaum (1), nos estudos
seminais que definiram os achados ele- ANATOMIA DO FEIXE DE HIS E
trocardiográficos desses fascículos. DO RAMO ESQUERDO
Um distúrbio mais grave de condu-
ção de um desses ramos fará com que O feixe de His é composto por dois
os ventrículos se despolarizem mais segmentos: a porção penetrante e a
lentamente, levando a um alargamen- porção bifurcante. A porção penetran-
to do complexo QRS ≥ 120 ms (três te possui 5 a 10 mm de comprimento
quadradinhos). Um distúrbio de con- e tem relação anatômica com a porção
dução de um fascículo isolado, por sua atrial do septo membranoso, o corpo
vez, leva a um desvio de eixo cardíaco fibroso e anéis mitral e tricúspide. A
e outras alterações que serão vistas no porção bifurcante é a continuação da
capítulo 10. anterior e marca a divisão de fibras en-
Uma maneira muito simples de tre ramo esquerdo e a aparente con-
decorar os bloqueios de ramo direito tinuidade do His, o ramo direito. Essa
(BRD) (tema do capítulo anterior) e es- aparente continuidade entre o feixe
querdo (tema deste capítulo) é imagi- de His e o ramo direito é a razão para
nar que você está dirigindo um carro se falar em “pseudo-bifurcação dos ra-
e precisa virar em uma rua à direita ou mos” (2).

161

ECG Completo.indb 161 26/08/2019 09:26:59


CAPÍTULO 9

Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos do BRE avançado e parcial em cada


localização possível.

Grau de Bloqueio /
Tronco Bidivisional Periférico
Local de bloqueio

• QRS ≥ 120 ms (ou ≥ 140 ms de acor-


• Igual ao bloqueio • QRS mais largo
do com Strauss).
truncal avançado (geralmente ≥ 150
• Ausência de onda q em D1, aVL e V6.
• Pode conter onda ms).
Avançado (terceiro • Notch ou slur na porção média do
q em D1 e aVL • Ausência de cri-
grau) QRS de pelo menos duas destas deri-
caso a fibra média térios clássicos de
vações: D1, aVL, V1, V2, V5 e V6.
exista e não esteja BRE truncal.
• QS ou rS em V1.
bloqueada
• Segmento ST-T oposto ao QRS.

• Perda das ondas q septais em D1, • TIDI (tempo de


• Indistinguível do
Parcial (primeiro grau) AVL, V5 e V6. deflexão intrinse-
truncal.
• Perda da r septal em V1. coide) de aVL > V6.

As fibras mais proximais do ramo culo papilar anterior; e a porção pos-


esquerdo se encontram no endocár- teroinferior se curva posteriormente
dico da região subaórtica, próximo para atingir o músculo papilar poste-
das cúspides não coronariana e co- rior (2) (Figura 1).
ronariana direita do seio de Valsalva. Como já comentamos no capí-
O ramo, então, parte em direção in- tulo anterior, foi proposto por Kau-
ferior e anterior e divide-se em dois fmann e Rothberger, em 1919 (5),
fascículos: anterossuperior, mais fino que as fibras mais proximais do feixe
e destacado de sua porção mais an- de His apresentam dissociação lon-
terior; e posteroinferior, de maior gitudinal entre si e por isso diz-se
diâmetro e com fibras que se con- que possuem um destino pré-de-
tinuaram do ramo esquerdo e não finido: elas farão parte futuramen-
partiram para a divisão anterossupe- te do ramo direito, ou do fascículo
rior (3,4). O fascículo anterossuperior anterossuperior, por exemplo. Uma
cruza a via de saída do ventrículo lesão cirúrgica pontual na porção
esquerdo em direção à base do mús- anterior da porção penetrante do

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ECG Completo.indb 162 26/08/2019 09:26:59


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

feixe de His produz bloqueio de


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
ramo direito ou bloqueio da divi-
são anterossuperior e não bloqueio
O padrão eletrocardiográfico do
atrioventricular total, dependendo
BRE pode se dar como consequência
da localização dessa lesão (6,7). Esta
de um bloqueio truncal do ramo es-
é a base fisiológica para a terapia de
querdo, um bloqueio bifascicular do
ressincronização cardíaca baseada
ramo esquerdo (divisões anterossu-
em marcapassamento direto do fei-
perior e posteroinferior com bloqueio
xe de His (8–10).
concomitante), e por um atraso de
condução intraventricular, “periférico”
Figura 1 - Ilustração da anatomia do feixe ou “zonal global” (12). O bloqueio tam-
de His e seus ramos direito e esquerdo. O bém será classificado quanto ao seu
ramo esquerdo ainda se divide em fascículo
grau: primeiro grau, quando ainda há
anterossuperior e posteroinferior.
apenas certo atraso na condução, se-
gundo, quando é intermitente; e ter-
ceiro grau, quando o bloqueio é “avan-
çado”. Atenção: se recomenda falar em
“avançado” em detrimento da palavra
“completo” nesses casos porque pro-
vavelmente ainda haveria passagem
de algum estímulo caso não houvesse
nenhum estímulo elétrico normal pro-
veniente do lado direito. Se você leu o
capítulo de bloqueio de ramo direito,
pode pensar que está agora tendo um
déjà vu, que há uma falha na Matrix.
Não. É isso mesmo.
No BRE de terceiro grau (que pode
Tem se questionado a natureza ser truncal ou bidivisional), a despola-
trifascicular do tecido de condução. rização inicia-se na base do músculo
É descrito que em porções distais do papilar anterior do ventrículo direito
fascículo posteroinferior e, menos pelo estímulo proveniente do ramo di-
frequentemente, do fascículo ante- reito normal e progride através do sep-
rossuperior emerge uma intrincada to com direção apontando para trás
rede de tecidos de condução pos- antes de alcançar o ventrículo esquer-
terior septal, resultando em quatro do. Nesses primeiros milissegundos, a
fascículos (o ramo direito somado a soma dessas ativações vai apontar da
três divisões do ramo esquerdo) (11). direita para esquerda em virtualmente
Essa controvérsia será discutida em todos os casos; portanto, uma onda q
pormenores no capítulo 10. septal em D1 e aVL não é esperada, a

163

ECG Completo.indb 163 26/08/2019 09:26:59


CAPÍTULO 9

menos que haja zona inativa ou blo- bloqueio de ramo esquerdo, é nor-
queio bidivisional com despolarização mal haver inversão completa entre
através de fibras médias, de acordo as polaridades do complexo QRS e
com a teoria tetrafascicular de Medra- do segmento ST-T, ou seja, todas as T
no (13,14), que considera a existência estarão invertidas ao QRS (Figuras 5
de um terceiro fascículo no ramo es- a 7) (16). Na era da ressincronização
querdo – o medial. cardíaca, alguns autores têm consi-
Após isso, ocorre a passagem do derado o bloqueio de ramo esquerdo
estímulo elétrico pelo septo, geran- apenas quando o QRS tem duração ≥
do os vetores médios, atrasados e 140ms (17). Em um bloqueio periféri-
com a presença de “notchs e slurs” na co do ramo esquerdo, os critérios são
porção média do complexo QRS, que basicamente os mesmos, entretan-
representam a ativação anormal do to, isso pode significar uma doença
ventrículo esquerdo: o primeiro not- muscular mais extensa, portanto, um
ch marca a ativação transeptal e o se- QRS mais largo é esperado.
gundo a chegada ao epicárdio da pa-
rede lateral (15) (Figura 2). Atenção.
Talvez a informação mais importan- Figura 2 - Comparação do aparecimento do
notch no eletrocardiograma com o mapa
te do capítulo: para diagnóstico de
de ativação dos ventrículos em casos de
BRE de terceiro grau, ou avançado, é
bloqueio de ramo esquerdo.
obrigatória a presença dos notchs.
A ativação vetorial do BRE se dá,
então, da seguinte maneira: o primei-
ro vetor é direcionado para esquerda
e para frente, o segundo vetor traz
uma rotação anti-horária no plano
horizontal em direção da direita para
esquerda e posterior, com o vetor 3
sendo menos posterior. O vetor 4,
das porções superiores do septo e da
parede livre do VE, reduz a amplitude
da alça progressivamente para as po-
sições iniciais (Figura 3) (16).
Os critérios eletrocardiográficos
para BRE são: ausência de onda q
septal em D1, aVL e V6; QRS ≥ 120ms; O primeiro notch ocorre na passagem do estímulo pelo septo e o segun-

presença de notch ou slurring na por- do ocorre quando o estímulo chega ao epicárdio ventricular. A presença
de notch em algumas derivações é obrigatória para o diagnóstico de blo-
ção média do QRS em mais que duas
queio de ramo esquerdo de terceiro grau. De Strauss (15).
derivações: V1, V2, V5, V6, D1 e aVL
(Figura 4); padrão QS ou rS em V1. No

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ECG Completo.indb 164 26/08/2019 09:26:59


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

Figura 3 - Alça vetorial do bloqueio de ramo esquerdo.

Primeiro vetor é a despolarização do septo ventricular esquerdo a partir do músculo papilar anterior do ventrículo direito (aponta para frente e para
esquerda), o segundo vetor é a ativação transeptal (aponta para esquerda e posterior), o terceiro e o quarto vetores representam a despolarização da
parede livre e das regiões basais da parede livre e do septo e são cada vez menos posteriores (16).

Figura 4 - Exemplo de um padrão de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Perceba:


ausência de q em D1 e aVL. Um pequeno r seguido de uma grande S em V1, notch em ≥ 2
derivações (D1, aVL, V1, V2, V5 e V6) – no caso D1, aVL e V6.

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ECG Completo.indb 165 26/08/2019 09:27:00


CAPÍTULO 9

Figura 5 - ECG de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Ausência de q em D1 e


aVL, rS em V1, notch em D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥ 120 ms. A onda T é oposta ao atraso: se o
complexo é positivo, a T é negativa.

Figura 6 - Bloqueio de ramo esquerdo avançado ou de terceiro grau. Ausência de q em D1


e aVL, rS em V1, notch em D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥ 120ms. A onda T é oposta ao atraso: se o
complexo é positivo, a T é negativa.

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ECG Completo.indb 166 26/08/2019 09:27:00


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

Figura 7 - VCG de um BRE de 3º grau (as setas demonstram o início da ativação). A ativação
se inicia da direita para esquerda no plano frontal, depois assume a parede livre si
dirigindo para posterior (planos horizontal e sagital) e esquerda (plano horizontal). O
atraso é médio-final.

O ramo esquerdo também pode bloqueio de primeiro grau como de


ser parcialmente bloqueado. No BRE terceiro grau podem ocorrer no tron-
de primeiro grau, parte do septo es- co do ramo esquerdo ou feixe de His
querdo despolariza através do estímulo (bloqueio truncal), nos dois fascículos
proveniente do ramo direito (por isso ao mesmo tempo com maior ou me-
há perda da onda q em D1 e aVL), mas nor grau em um ou outro (bloqueio
a maior parte da massa ventricular es- bifascicular do ramo esquerdo), e nas
querda consegue ser despolarizada fibras de Purkinje (atraso de condu-
pelo ramo esquerdo, como de costume ção intraventricular ou “periférico”)
(Figura 8). O BRE de primeiro grau tem (12). O bloqueio truncal é o padrão
como padrão eletrocardiográfico a per- clássico que foi descrito nos parágra-
da da onda q septal em D1, aVL, V5 e V6 fos anteriores.
e onda r em V1. A duração do QRS ainda O bloqueio intraventricular ou
é menor que 120ms. Pode haver notchs, “periférico” traduz doença ventricular
mas na porção ascendente da primeira extensa, gerando um QRS mais largo e
deflexão, simulando uma onda delta de ausência de critérios eletrocardiográfi-
pré-excitação ventricular (Figura 9). cos clássicos para BRE: pode não haver
Com relação à localização do blo- notchs, pode haver onda q em D1 e
queio, como já foi falado, tanto o aVL, etc. (Figuras 10 e 11).

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ECG Completo.indb 167 26/08/2019 09:27:01


CAPÍTULO 9

Figura 8 - Ativação ventricular em caso de bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau.


Parte do septo despolariza pelo estímulo proveniente do ramo direito, mas a maior parte
da massa ventricular consegue despolarizar pelo ramo esquerdo que estava atrasado.

Figura 9 - Bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau. QRS ≤ 120 ms, perda da q septal em
D1, aVL e V6. Perda da r septal em V1. Há notch na fase inicial do complexo em aVL, mas
que não define bloqueio de terceiro grau. Não há alterações na repolarização ventricular.

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ECG Completo.indb 168 26/08/2019 09:27:01


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

Figura 10 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo. Perceba que nesse ECG existe
claramente um complexo QRS alargado (em torno de 150 ms). No entanto, não se consegue
obter critérios de bloqueio de ramo direito ou esquerdo. Há critérios para bloqueio da
divisão anterossuperior do ramo esquerdo, como veremos no capítulo 10, mas isso não
é suficiente para explicar o atraso final da ativação ventricular. Estamos diante de um
bloqueio periférico do ramo esquerdo.

Figura 11 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo: perceba a ausência de critérios


clássicos de BRE (aqui só vemos notch em uma derivação – V5) e também de bloqueio da
divisão anterossuperior associado a um complexo muito alargado (em torno de 160 ms) e
uma possível sobrecarga ventricular esquerda (se contarmos critérios de SVE + BRE, ainda
não fechou. Mas existem critérios de SVE + BDAS).

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ECG Completo.indb 169 26/08/2019 09:27:02


CAPÍTULO 9

O bloqueio bidivisional (bloqueio po de deflexão intrinsecoide, a medida


da divisão anterossuperior associado do início do complexo QRS até o pico
ao bloqueio da divisão posteroinfe- da onda R) de aVL > V6, isto é, o início
rior) pode ocorrer de duas maneiras: da despolarização é mais demorado
(1) com ambas as fibras acometidas em aVL que V6 (Figura 12).
em graus similares; (2) com acometi-
mento de maior grau em um ou outro Figura 12 - ECG com associação de bloqueio
fascículo. No primeiro caso, o ECG será divisional anterossuperior esquerdo
igual ao demonstrado no bloqueio e posteroinferior esquerdo (bloqueio
truncal do ramo esquerdo. Para que bifascicular). O critério utilizado para o laudo
o segundo caso seja verdade, precisa- foi o tempo de deflexão intrinsecoide (TIDI)
mos assumir a teoria tetrafascicular de de 0,09 s em aVL e 0,065 segundos em V6.
Medrano como verdadeira (aquela que Além disso, se observa o primeiro vetor de

diz que o ramo esquerdo possui três ativação septal. (Adaptado de Medrano, 2002)

fibras, incluindo a média, e não duas).


Veja bem: visto que os fascículos são
importantes na despolarização inicial
do ventrículo esquerdo, numa situa-
ção em que os dois fascículos (ante-
rossuperior e posteroinferior) estejam
bloqueados, o ventrículo esquerdo de-
veria iniciar sua despolarização através
do estímulo do ramo direito atraves-
sando o septo, o que geraria um notch
e levaria a um ECG de bloqueio avan-
çado de ramo esquerdo. Entretanto,
se houver um terceiro fascículo fun-
cionante que consiga levar o estímulo
adiante, então o septo conseguirá se
despolarizar da esquerda para a direi- O resumo dos achados eletrocar-
ta, como ocorre normalmente. Esse diográficos dos diferentes tipos e lo-
terceiro fascículo, o medial, é o que, cais de atraso de condução no BRE
em teoria, ainda segura viva a ideia está disposto na tabela 1.
de que bloqueios bidivisionais podem
ocorrer sem levar ao bloqueio avança- BLOQUEIO FUNCIONAL DO
do do ramo esquerdo (14,18,19). Para RAMO ESQUERDO
dar esse elegante laudo, você precisa
verificar a presença de despolarização Como já discutimos no capítulo
septal esquerda para direita, ou seja, q anterior, a aberrância de condução
em D1 e aVL seguido de um TIDI (tem- funcional manifesta-se em 80% dos

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ECG Completo.indb 170 26/08/2019 09:27:02


BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO

casos como um bloqueio de ramo di- mento vem, a onda de despolarização


reito, sendo o fenômeno de Ashman o encontra as células do ramo (princi-
principal exemplo do bloqueio da fase palmente esquerdo) refratárias e voilà,
3 do potencial de ação. temos um bloqueio de ramo esquerdo
O bloqueio de fase 3, ou taquicar- (Figura 13).
dia-dependente, é de fisiopatologia
muito simples. Entre um batimento e
outro, um dos ramos do feixe de His Figura 13 - Bloqueio de ramo esquerdo
(muito mais comumente o direito) não funcional por bloqueio de fase 4,
teve tempo ainda de se recuperar, de bradicardia-dependente.
sair do seu período refratário. Desse
modo, no próximo batimento, esse
ramo estará bloqueado. As frequên-
cias cardíacas muito altas, o período
refratário do ramo esquerdo passa a
ser mais longo que o do ramo direito,
então este é o ramo que bloqueia. Sim,
existe fenômeno de Ashman com blo-
queio de ramo esquerdo.
No entanto, quando se fala em blo-
queio funcional do ramo esquerdo,
não está se falando dessa exceção e
sim do bloqueio de fase 4, o blo-
queio bradicardia-dependente (20).
Este sim ocorre como bloqueio de
ramo esquerdo. Vamos ver o que ocor-
re no bloqueio de fase 4: um tecido já
Perceba que a paciente tem um ritmo de fibrilação atrial de baixa respos-
está há muito tempo repolarizado (o
ta (ausência de ondas P, ritmo irregular bradicárdico). Um determinado
indivíduo está bradicárdico e o próxi-
momento, após uma longa pausa, o ramo esquerdo deve ter passado por
mo batimento não vem) – atenção, por
uma “micro-despolarização” que foi incapaz de gerar um batimento so-
muito tempo eu quero dizer algumas
zinho. Quando, finalmente, o estímulo elétrico conseguiu atravessar o nó
centenas de milissegundos. Por um AV, encontrou o ramo esquerdo bloqueado.
erro da automaticidade do tecido do
ramo (principalmente o ramo esquer-
do) ou pela ação errônea de tecidos
danificados, ocorre uma pequena des-
polarização que não é capaz de gerar
um batimento, mas é capaz de deixar
aquele tecido refratário ao batimento
que virá. Quando finalmente o bati-

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ECG Completo.indb 171 26/08/2019 09:27:02


CAPÍTULO 9

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