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Introdução e bases do ECG

I. Princípios básicos e Fisiologia

O coração é um órgão capaz de gerar energia elétrica, como uma bateria. Essa
energia elétrica é gerada pelo fluxo de íons que entram e saem da membrana celular do
cardiomiócito, e é conduzida por uma rede especial de células cardíacas que se comportam
de maneira semelhante a fios elétricos que transmitem a corrente elétrica de uma tomada
elétrica para um aparelho eletrônico. Essa rede especial de células forma o Sistema de
Condução Elétrico do Coração, tendo os seus principais componentes representados a
seguir:

Esse fluxo de íons, que gera a


corrente elétrica, provoca uma
série de mudanças iônicas na
célula cardíaca, e determinam a
ocorrência dos processos de
despolarização e repolarização
no cardiomiócito. Essas
mudanças podem ser expressas
em um gráfico que avalia o
potencial da membrana em
função do tempo e que apresenta 5 fases:

• Fase 0: (despolarização
celular): entrada de Na⁺;
• Fase 1: interrupção da
entrada de Na⁺ e saída
de K⁺;
• Fase 2: entrada de Ca⁺⁺
e saída de K⁺;
• Fase 3: interrupção da
entrada de Ca⁺⁺ e saída
de K⁺;
• Fase 4: a célula alcança
a voltagem basal (-90
mV).

A frequência de despolarização das células cardíacas vai ser determinada pela parte
do coração que libere a maior quantidade de pulsos de energia por minuto. Essa estrutura é
chamada de marca-passo e, normalmente, é o nó sinusal (50-100 impulsos/min). O estímulo
elétrico gerado vai percorrer primeiro as vias internodais do átrio direito, seguindo-se também
para o átrio esquerdo pelo feixe interatrial (feixe de Bachmann). Nesse momento, no ECG,
será gerada a onda P.

O estímulo chega ao nó atrioventricular (AV), onde é retardado por alguns


milissegundos para que haja o esvaziamento dos átrios ainda com os ventrículos relaxados,
e segue para o feixe atrioventricular, o ramo esquerdo e direito e as fibras de Purkinje. A
primeira porção do ventrículo a se despolarizar é o septo interventricular, gerando um vetor
para baixo e para a direita, que será representado pela onda Q.

A despolarização segue-se pelas paredes do ventrículo e o vetor tomará sentido


para a esquerda, devido a maior massa do ventrículo esquerdo, e para baixo, formando a
onda R. Em seguida, seguirá para a porção basal dos ventrículos, formando um vetor para
cima e para a direita, representado pela onda S. Por fim, a repolarização gerará a onda T,
que segue a mesma polaridade do complexo QRS, já que as regiões que se despolarizam
por último são aquelas que se repolarizam primeiro.

→ O Eletrocardiograma normal e suas regiões, portanto, apresenta-se da seguinte


forma:
II. Posicionamento dos eletrodos e as derivações

• Derivações eletrocardiográficas dos membros:

São as derivações periféricas e formam o plano frontal. Através delas, é possível


saber se os vetores apontam para a direita ou para a esquerda, para cima ou para
baixo:

→ Derivações bipolares padrão dos membros:


Juntas formam o triângulo de Einthoven. A lei de
Einthoven determina que, se forem registrados
ECGs das três derivações ao mesmo tempo, a
soma dos potenciais de DI e DIII é igual ao
potencial de DII.
✓ DI: terminal negativo no braço direito e
terminal positivo no braço esquerdo;
✓ DII: terminal negativo no braço direito e
terminal positivo na perna esquerda;
✓ DIII: terminal negativo no braço esquerdo
e terminal positivo na perna esquerda.

→ Derivações unipolares aumentadas dos


membros: Dois membros serão conectados ao
terminal negativo do eletrocardiógrafo, e o terceiro
membro será conectado ao terminal positivo.
✓ aVR: terminal positivo no braço direito;
✓ aVL: terminal positivo no braço esquerdo;
✓ aVF: terminal positivo na perna esquerda.
• Esquema geral das derivações eletrocardiográficas periféricas:

• Derivações precordiais ou torácicas

Formam o plano horizontal e permitem saber se o vetor se desloca para trás ou para
a frente. Nesse exame, o eletródio negativo (indiferente) fica conectado aos membros,
e o eletródio positivo, ligado ao terminal positivo, fica sobre o tórax.

✓ V1: eletrodo na borda


esternal do 4º espaço
intercostal direito;
✓ V2: eletrodo na borda
esternal do 4º espaço
intercostal esquerdo;
✓ V3: eletrodo entre V2 e
V4;
✓ V4: eletrodo no 5º
espaço intercostal
esquerdo, na linha
hemiclavicular;
✓ V5: eletrodo no 5º
espaço intercostal
esquerdo, na linha
axilar anterior;
✓ V6: eletrodo no 5º
espaço intercostal
esquerdo, na linha axilar média.

→ Geralmente, nas derivações V1 e V2, os registros do complexo QRS do coração


normal são negativos. Isso porque estão mais próximos da base do coração, que fica
eletronegativa durante a maior parte do processo de despolarização ventricular.
Também é notável a progressão da onda R até V5 com redução para V6 e o aumento
da onda S de V1 para V2, seguida de redução progressiva até V6.

III. Interpretação do ECG

• Identificação do paciente

Verificar altura, gênero, idade, peso e outras informações.

• Padrão de gravação

Lembre-se de que o papel do ECG é milimetrado, marcado por linhas verticais e horizontais
que formam um plano cartesiano. Nesse sistema, o eixo horizontal representa tempo em
segundos e o eixo vertical corresponde à diferença de potencial em milivoltagem (mV). No
ECG, cada quadradinho disposto tem 0,04 s e 0,1 mV. Desse modo, sabendo que cada
quadrado grande tem 5 quadradinhos de comprimento e 5 de largura, um quadrado grande
tem 0,2 s e 0,5 mV.

Para que haja uma melhor interpretação do exame, é essencial checar a amplitude e a
velocidade do registro. Usualmente, os ECGs são registrados em um padrão em que 1,0 mV
corresponde ao deslocamento de 10 quadradinhos. Essa padronização é representada pela
letra N. A velocidade padrão de deslocamento é de 25 mm/s, em que o deslocamento de
1mm, no sentido vertical, corresponde a 0,04 s.
• Ritmo

Normalmente, o ritmo cardíaco é determinado pelo nó sinusal, portanto, o ritmo é sinusal. O


ritmo é assim determinado quando são encontradas as seguintes características: (I) onda P
positiva em DI e aVF, sendo negativa em aVR; (II) ondas P de mesma morfologia; e (III) ondas
P seguidas de complexo QRS.

Além de observar o tipo de ritmo, é preciso verificar sua regularidade. Para isso, deve ser
considerado que o ritmo cardíaco é regular quando os intervalos R-R forem iguais e
irregulares se forem inconstantes ou desiguais. Na prática, é comum de observar arritmia
fásica em crianças, ou seja, os intervalos R-R são diferentes, variando conforme o ciclo
respiratório, que também determina alterações na frequência cardíaca. Já em pacientes
idosos, a arritmia é comumente não-fásica, sendo relacionada à disfunção do nó sinusal.

• Frequência Cardíaca

Há diferentes formas de determinar a frequência cardíaca. A escolha de como determiná-la


vai depender não apenas da “preferência” do examinador, mas também da regularidade do
ritmo cardíaco. Em pacientes com ritmo regular, o avaliador poderá dividir 1500 pelo número
de quadradinhos entre dois complexos QRS (intervalo R-R) ou 300 pelo número de
quadrados grandes no intervalo R-R.

Nota: é usado 1500, porque o ECG no padrão N percorre 1500 mm em um minuto.


Quando o ritmo é irregular, ele pode ser calculado de duas maneiras similares observando-
se DII longo. Cada registro de DII longo tem 10 s, assim, devem ser contados o número de
complexos QRS nessa derivação e, em seguida, multiplicar por seis, já que um minuto tem
60 s. A outra maneira é contar o número de complexos QRS que tem em um traçado de seis
segundos e multiplicá-lo por 10.

Nota: para traçar seis segundos, é preciso lembrar que um segundo corresponde a cinco
quadrados grandes ou 25 quadradinhos.

• Eixo Cardíaco

O eixo cardíaco nada mais é do que o vetor resultante da despolarização dos ventrículos. Ou
seja, para determiná-lo, é necessário que se observe o complexo QRS nas derivações
periféricas.

Geralmente, existe uma certa dificuldade para se definir o eixo cardíaco aproximado, mas é
possível calculá-lo seguindo alguns passos simples:

1. Desenhar o sistema de eixos com as derivações periféricas. Atente que DI e aVF


dividem o círculo em 4 quadrantes.
2. Observar se o complexo QRS é positivo ou
negativo em DI e aVF. A partir desses dados, é
possível saber em qual quadrante se encontra o
eixo cardíaco.
3. Identificar a derivação periférica mais
isoelétrica (ou seja, aquela em que a amplitude
do complexo QRS é próxima a zero,
assemelhando-se a uma linha reta). O eixo
cardíaco se encontra perpendicular (a 90 graus)
à derivação isoelétrica, dentro do quadrante
previamente identificado.
Referências bibliográficas
4. CAVALCANTI LAPA SANTOS, EDUARDO, CÔRTES REMISIO FIGUINHA, FERNANDO,
MASTROCOLA, FABIO. Manual de eletrocardiografia cardiopapers. 1. ed. Rio de Janeiro:
Atheneu, 2017.
5. GUYTON, ARTHUR CHALL, JOHN E. Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2017.
6. THALER, MALCOLM S. ECG essencial [recurso eletrônico] : eletrocardiograma na prática
diária. Tradução e revisão técnica: de Jussara N. T. Burnier. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
7. FELDMAN, JOSÉ P. GOLDWASSER, GERSON. Eletrocardiograma: recomendações para a
sua interpretação. Revista da SOCERJ, v.17, n. 4, 2004.
8. BRUCE, M.K.; STANTON, B.A. Berne & Levy Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009
ECG NAS SÍNDROMES ISQUÊMICAS

INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

No IAM com supra de ST, os achados eletrocardiográficos variam conforme a oclusão


coronariana promove lesões no miocárdio em sua evolução temporal. Eles abrangem
principalmente o segmento ST e a onda T.
A região subendocárdica é a primeira a sofrer com a falta de perfusão coronariana,
visto que as artérias coronárias são epicárdicas e que essa região tem uma relativa maior
demanda energética (por um maior grau de encurtamento sistólico das fibras musculares
maior). Nessas situações, então, a repolarização dessa região se prolonga, tornando-a mais
negativa que o normal. Dessa forma, a onda T terá maior voltagem e torna-se pontiaguda.
Quando há um acometimento de toda a extensão da parede miocárdica (transmural),
entende-se que essa região acometida fica eletricamente mais negativa em relação a todas
as outras partes do VE. Por gerar um vetor de dentro para fora, surge o supra de ST no ECG.
Evolução de um IAM com supra não reperfundido e seus achados
eletrocardiográficos:

Retirado de Manual de Eletrocardiografia - Cardiopapers 1.ed.


A onda Q patológica pode não se formar, caso o tratamento de reperfusão tenha
ocorrido tempo hábil. Ela representa a morte do tecido isquêmico que se torna inexcitável.
Critérios: duração igual ou maior que 0,04s; amplitude igual ou maior que ¼ do QRS e
alterações em, pelo menos, 2 derivações vizinhas.

O IAM com supradesnivelamento do segmento ST é a causa mais importante de


elevação desse segmento. Diagnósticos diferenciais para outras causas de elevação do ST
incluem, por exemplo: pericardite, miocardite, BRE, SVE, repolarização precoce,
hipercalemia, Síndrome de Brugada, aneurisma de VE e angina de Prinzmetal.

Mas como medir o supra de ST?

O Manual de Cardiologia do Cardiopapers lista 5 passos simples para isso:

1-Detectar o fim do segmento 2- Tracejar uma linha 3- Identificar o ponto J. Este


PR. Este é a linha que fica entre o imaginária tocando o é o ponto entre o fim do QRS
final da onda P e o começo do final do segmento PR. e o início do segmento ST.
QRS.

4- Tracejar uma linha 5-Medir a diferença entre as


imaginária que passe pelo duas linhas.
ponto J.
CRITÉRIOS PARA ISQUEMIA / QUARTA DEFINIÇÃO UNIVERSAL DE IAM

Para o supradesnivelamento de ST, requere-se uma elevação maior ou igual a 1mm


do ponto J em pelo menos duas derivações contíguas. Exceto em V2 e V3, para quais temos:
● Supra de ST com elevação do ponto J ≥ 2 mm em V2 E V3 nos homens ≥ 40 anos;
● Supra de ST com elevação do ponto J ≥ 2,5mm em V2 e V3 nos homens < 40 anos;
● Supra de ST com elevação do ponto J ≥ 1,5 mm em V2 e V3 nas mulheres.

TOPOGRAFIA DO IAM E SUAS DERIVAÇÕES

Parede ântero-septal V1, V2 e V3

Parede anterior V1, V2, V3 e V4

Parede anterior extensa V1 a V6, D1 e AVL

Parede lateral D1, AVL, V5 e V6

Parede inferior D2, D3 e AVF

Parede dorsal V7,V8 E V9

Parede livre de VD V3R e V4R

IMAGEM EM ESPELHO: Padrão normalmente observado em que se encontra um infra de


ST em uma derivação oposta à que se encontrou o supra de ST.
*Sempre que houver infarto de parede inferior é necessário o registro das derivações V3R e
V4R para avaliar acometimento de VD e derivações V7 e V8 para avaliar extensão dorsal.
Quando houver infra de ST em V1-V3, pensar em IAM posterior e realizar V7, V8 e V9.

CORRELAÇÃO COM ARTÉRIA OBSTRUÍDA

IAM anterior Descendente Anterior (DA)

IAM lateral ou posterior Circunflexa (CX)

IAM inferior CD ou CX

IAM de VD Coronária Direita (CD)


Supra em V2, V3, V4. Imagens de infra, em espelho, em D2, D3 e AVF. Essas
alterações sugerem IAM de parede anterior, com provável acometimento de
Descendente Anterior Proximal.

REFERÊNCIAS:
CAVALCANTI LAPA SANTOS, EDUARDO, CÔRTES REMISIO FIGUINHA, FERNANDO,
MASTROCOLA, FABIO. Manual de eletrocardiografia cardiopapers. 1. ed. Rio de Janeiro:
Atheneu, 2017.
Fourth Universal Definition of Myocardial Infarction (2018). Kristian Thygesen, Joseph S.
Alpert, Allan S. Jaffe, Bernard R. Chaitman, Jeroen J. Bax, David A. Morrow, Harvey D. White,
The Executive Group on behalf of the Joint European Society of Cardiology (ESC)/American
College of Cardiology (ACC)/American Heart Association (AHA)/World Heart Federation
(WHF) Task Force for the Universal Definition of Myocardial Infarction. J Am Coll Cardiol.
2018 Oct, 72 (18) 2231-2264.

DescomplicandoECG. Pedro Veronese. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=ga3SGrataWw
BRADIARRITMIAS
As bradiarritmias são distúrbios do ritmo cardíaco em que a Frequência Cardíaca (FC)
encontra-se menor do que 50 bpm em um paciente adulto acordado. De maneira geral, são
classificadas em dois grandes grupos:
✓ Bradiarritmias Sinusais
✓ Bloqueios Atrioventriculares

→ Bradiarritmias Sinusais: englobam os distúrbios de condução que acometem a


função do nó sinusal, das paredes atriais ou do nó sinoatrial.
• Bradicardia Sinusal:
É uma condição geralmente benigna, comum em atletas profissionais, e se caracteriza
basicamente por uma FC menor do que 50 bpm em um paciente adulto acordado e
em repouso.

• Arritmia Sinusal:
Condição também de natureza benigna de um modo geral, caracterizada por variação
dos intervalos PP (acima de 160 ms segundo Katz e acima de 120 ms de acordo com
Bellet) durante o ritmo sinusal. Nesse caso, existe uma frequência de disparos
elétricos anormal no nó sinusal.

Observe que a variação entre os intervalos PP é de 400ms (1120-720), caracterizando uma arritmia sinusal

• Bloqueios Sinoatriais (BSA)


Nos bloqueios sinoatriais, há uma despolarização normal no nó sinusal, mas a onda
de despolarização ou é bloqueada na junção sinoatrial ou sofre graus variados de
atraso.
→ Obs: O ECG só permite o diagnóstico de BSA de 2o grau. Os demais são
diagnosticados através de estudos eletrofisiológicos!

1. BSA de 2o grau tipo I: Se caracteriza por um decréscimo gradual do intervalo


PP até a pausa, a qual é menor do que o dobro do intervalo PP antecedente.

2. BSA de 2o grau tipo II: Se caracteriza por intervalos PP regulares antes e


após a pausa. A pausa é um múltiplo (ou seja, dobro, triplo, ...) do intervalo
PP.

• Parada Sinusal:
Existe uma falha no nó sinusal que gera uma desordem na formação do impulso
elétrico. As pausas possuem intervalos que não são múltiplos de intervalos PP durante
o ritmo sinusal, geralmente sendo seguidas por um batimento de escape.

→ Bloqueios Atrioventriculares (BAV):


• BAV de 1o grau:
Configura-se como um retardo da condução elétrica no nó sinoatrial ou no feixe de
His, sendo caracterizado pelo prolongamento do intervalo PR (PR> 0,2s), com ondas
P em relação 1:1, ou seja, uma onda P para cada complexo QRS. Geralmente, é um
achado do ECG de pacientes assintomáticos.
• BAV de 2o grau:
→ Mobitz tipo I (Bloqueio de Wenckebach): Caracteriza-se por um aumento
progressivo do intervalo PR até ocorrer bloqueio da onda P, ou seja, não há
complexo QRS após a onda P. O intervalo PR que ocorre após a pausa é mais
curto do que aquele que a antecede. Geralmente são bloqueios nodais.

→ Mobitz tipo II: Usualmente de natureza infranodal, se caracteriza pela


presença de intervalos PR constantes seguidos de uma onda P bloqueada,
onde se reinicia um ciclo com intervalos PR também constantes.

→ BAV de 2o grau 2:1: Ocorre quando existe uma proporção de 2 ondas P para
1 complexo QRS, ou seja, a cada 2 ondas P, uma é bloqueada e outra é
conduzida

→ BAV de Alto Grau: Se manifesta quando há proporções maiores de ondas P para


cada complexo QRS (3:1, 4:1, por exemplo)
• BAV de 3o grau (BAV Total):
No BAV total, existe uma dissociação atrioventricular, ou seja: os átrios continuam a ser
regulados pelo ritmo do nó sinusal, mas os ventrículos passam a ter um marca-passo ectópico
de frequência mais baixa. Assim, há uma completa dissociação entre as ondas P e os
complexos QRS, sem nenhuma relação entre eles.

Referências bibliográficas
1. CAVALCANTI LAPA SANTOS, EDUARDO, CÔRTES REMISIO FIGUINHA, FERNANDO,
MASTROCOLA, FABIO. Manual de eletrocardiografia cardiopapers. 1. ed. Rio de Janeiro:
Atheneu, 2017.
2. THALER, MALCOLM S. ECG essencial [recurso eletrônico] : eletrocardiograma na prática
diária. Tradução e revisão técnica: de Jussara N. T. Burnier. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
3. FELDMAN, JOSÉ P. GOLDWASSER, GERSON. Eletrocardiograma: recomendações para a
sua interpretação. Revista da SOCERJ, v.17, n. 4, 2004.
4. Bradicardia (Bradiarritmia): Resumo completo com fluxograma! - Sanar Medicina. Disponível
em: <https://www.sanarmed.com/bradicardia-bradiarritmia-resumo-fluxograma-yellowbook>.
Acesso em: 20 jun. 2020.
5. Sinoatrial (SA) Exit Block ECG Review - Criteria and Examples | LearntheHeart.com.
Disponível em: <https://www.healio.com/cardiology/learn-the-heart/ecg-review/ecg-topic-
reviews-and-criteria/sinoatrial-exit-block>. Acesso em: 20 jul. 2020.
TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES
As taquicardias supraventriculares são definidas no eletrocardiograma por apresentarem FC
> 100 bpm e complexo QRS estreito (< 120 ms), salvo exceções.
Um importante conceito na classificação dessas arritmias, é o de P’R e RP’. Como sabemos,
a onda P representa a contração do miocárdio atrial em ritmo sinusal. A classificação de P’
ocorre quando a onda P é decorrente de ativação ectópica atrial. Dessa forma, enquanto o
intervalo P’R representa o intervalo entre a onda P que antecede o QRS e a onda R, o RP’
corresponde ao intervalo entre a onda R a próxima onda P, conforme representado na figura
abaixo:

Figura 1 – Intervalos P’R e RP’ representados em um ECG de ritmo sinusal.

Tanto no ritmo sinusal, como nas taquicardias supraventriculares, o intervalo P’R costuma
ser maior que o RP’.

TAQUICARDIA SINUSAL
Uma das arritmias mais presentes na prática clínica e que não indica, necessariamente,
cardiopatia associada, visto que costuma acontecer devido ao aumento da atividade
simpática. Portanto, exercício físico, ansiedade e dor, por exemplo, podem ser condições
precipitantes dessa taquiarritmia.

CRITÉRIOS ELETROCARDIOGRÁFICOS:

• FC > 100 bpm


• Intervalo regular entre os complexos QRS
• Presença de onda P precedendo todo o QRS
• Onda P positiva em DI e DII, de morfologia idêntica à P sinusal
• Intervalo RP’ > P’R
Figura 2 - Taquicardia sinusal com frequência aproximada de 135 bpm.

TAQUICARDIA JUNCIONAL
Trata-se de uma taquicardia típica da intoxicação digitálica, apesar de ter outras possíveis
etiologias (IAM, pós-op de cirurgia cardíaca, cardite reumática). Seu mecanismo é o
hiperautomatismo do nódulo AV.

CRITÉRIOS ELETROCARDIOGRÁFICOS:

• RR regular
• Geralmente a onda P não é visível
• Quando P é visível, pode ser de ativação anterógrada ou retrógrada, isto é, P’R pode
ser maior ou menor do que RP’
• É comum a presença de dissociação atrioventricular

Figura 3 – Taquicardia juncional, com P retrógrada.


TAQUICARDIA ATRIAL
As taquicardias atriais possuem diferentes aspectos entre si, tanto em relação ao seu
mecanismo eletrofisiológico (pode ser automática ou reentrante) como a sua apresentação
clínica (paroxística ou incessante). É importante salientar que a FC nessa taquicardia não
depende apenas da frequência atrial, mas também da condução atrioventricular, visto que a
presença de bloqueios 2:1, 3:1, é comum. Isto é, não necessariamente o RR será regular,
caso haja bloqueio associado.

CRITÉRIOS ELETROCARDIOGRÁFICOS:

• Frequência atrial costuma atingir entre 100-250 bpm


• Intervalo RP’ > P’R
• Onda P geralmente visível, porém de morfologia diferente da P sinusal. Na
Taquicardia Atrial Multifocal as ondas P são diferentes entre si e têm pelo menos 3
morfologias distintas em uma mesma derivação
• Presença de linha isoelétrica entre as ondas P, diferenciando do flutter atrial

Figura 4 – Taquicardia atrial. Notar P negativas em DII e aVF, e positiva em aVR, indicando
que não se trata de um ritmo sinusal.

Figura 5 – Taquicardia atrial multifocal. Notar as diferentes morfologias da onda P que


antecedem cada complexo QRS.
FIBRILAÇÃO ATRIAL
A FA ocorre em mais de 1% da população e é, portanto, a arritmia sustentada mais comum
na prática clínica. Tem relação íntima com o aumento de risco de AVC e outros fenômenos
cardioembólicos e por isso tem grande impacto na morbimortalidade dos pacientes
acometidos. Seu mecanismo de ação é decorrente de múltiplas microrreentradas, geralmente
originadas nos focos das veias pulmonares e além disso, ressalta-se que as duas principais
etiologias da FA são de origem hipertensiva e valvar.

CRITÉRIOS ELETROCARDIOGRÁFICOS:

• FC geralmente entre 90-200 bpm


• Irregularidade do intervalo RR
• Ausência de onda P ou qualquer atividade elétrica atrial regular
• QRS estreito, a não ser em casos de bloqueio de ramo associado

Figura 6 – Fibrilação Atrial. Notar ausência de ondas P no traçado e RR irregulares.

Figura 7 – Fibrilação Atrial de alta resposta ventricular (FC cerca de 170 bpm).
FLUTTER ATRIAL
O mecanismo do flutter é o de macrorreentrada, geralmente ao redor do istmo
cavotricuspídeo. Não apresenta ondas P, mas ondas F com aspecto serrilhado, que podem
ser bem observadas nas derivações inferiores. Caso as ondas F sejam negativas, denomina-
se flutter típico (tipo I), se positivas, flutter atípico (tipo II). É importante salientar que as ondas
F costumam ter uma frequência de 300 bpm, e como geralmente o flutter apresenta uma
condução 2:1, a FC gira em torno de 150 bpm.

CRITÉRIOS ELETROCARDIOGRÁFICOS:

• Intervalo RR regular
• Ausência de linha isoelétrica entre ondas atriais (ondas F), o que pode dar um aspecto
de “dentes em serra”
• A FC costuma ser de 150 bpm
• QRS estreito, caso não haja bloqueio de ramo associado.

Figura 8 – Representação de Flutter Atrial típico.

Figura 9 – Flutter atrial atípico que se apresentou inicialmente com condução 2:1. Após uma manobra vagal, as ondas
de flutter puderam ser facilmente visualizadas em D II.
TAQUICARDIA POR REENTRADA NODAL
Trata-se de uma arritmia comum na prática médica e pode acometer pacientes de qualquer
idade, se concentrando, principalmente, em mulheres jovens. O mecanismo dessa arritmia
depende da presença de dupla via nodal (presente em cerca de 25% da população, mas
apenas uma pequena parcela dessa população desenvolve a referida arritmia). Para que a
taquicardia por reentrada nodal se desenvolva, é necessário que haja um estímulo,
geralmente uma extrassístole atrial. Devido a disparidade entre os períodos refratários da
dupla via de condução nodal, o estímulo elétrico ao atingir o nódulo AV encontra a via rápida
(beta) em período refratário, passando pela via lenta (alfa). Como a condução é lentificada
na via alfa, quando o impulso elétrico acaba de percorrê-la, acaba o período refratário da via
beta, permitindo que o impulso suba por ela e encontre novamente o início da via lenta,
completando o circuito de reentrada. A TRN apresenta início e término súbitos e pode ser
revertida com uma manobra vasovagal, se não houver contra indicações.

CRITÉRIOS ELETROCARDIOGRÁFICOS:

• RR regular
• Sem onda P aparente ou com pseudo-S (em DII, DIII e aVF) e pseudo-R’ (em V1)
• RP’ < P’R

Figura 10 – Representação do mecanismo da taquicardia supraventricular paroxística (TSVP) por reentrada nodal.
TAQUICARDIA POR REENTRADA EM VIA ACESSÓRIA
Assim, como a taquicardia por reentrada nodal, faz parte do grupo das taquicardias
supraventriculares paroxísticas. Essa arritmia é caracterizada pela presença de um feixe
anômalo (feixe de Kent), localizada no sulco atrioventricular. A via acessória costuma ter uma
condução retrógrada (do ventrículo para o átrio) mais eficaz do que a anterógrada (do átrio
para o ventrículo). Por isso em quase 90% dos casos essa é a forma predominante da arritmia
– também chamada de forma ortodrômica, enquanto a forma antidrômica é caracterizada pela
condução anterógrada altamente eficaz. Vejamos suas diferenças eletrocardiográficas:
CRITÉRIOS ELETROCARDÍOGRAFICOS:
FORMA ORTODRÔMICA (mais prevalente):

• FC geralmente entre 150-250 bpm


• Início e término súbitos
• QRS estreito (se não houver bloqueio de ramo associado)
• RR regular
• RP’ < P’R

FORMA ANTIDRÔMICA:

• FC geralmente entre 150-250 bpm


• Início e término súbitos
• QRS alargado
• RR regular
• RP’ < P’R
Ambas as formas costumam apresentar onda P’ retrógrada (após o QRS), podendo causar
uma infradesnivelamento do segmento ST, mais proeminente nas derivações precordiais
(caso o infra de ST ocorra em DI, é chamado de sinal de Puech). Além disso, outra
característica comum dessa arritmia, é a alternância de amplitude dos complexos QRS.

Figura 11 – TSVP por reentrada em via acessória. Notar a presença de P’ retrógrada.


ARRITMIAS VENTRICULARES
As arritmias ventriculares são distúrbios de ritmo que se originam abaixo do nó AV

TAQUICARDIA VENTRICULAR (TV)


A taquicardia ventricular é definida pela presença de pelo menos três QRS alargados (mais
de 0,12s) em uma frequência cardíaca maior do que 100bpm, mais frequentemente entre 120
e 200 bpm.

Pode ser classificada em três tipos de acordo com sua duração:

• Se durar mais de 30 segundos ou causar instabilidade hemodinâmica é dita


sustentada
• Se durar menos que 30 segundos e não produzir instabilidade clínica é dita não
sustentada
• Se persistir por mais tempo que o ritmo sinusal nas 24h é dita como incessante
No que tange a morfologia, pode ser classificada em:
Monomórfica, se todos os QRS têm morfologia semelhante. Nessas arritmias, o intervalo RR
costuma ser regular, e 90% dos casos estão associadas a cardiopatias estruturais.

Polimórfica, quando há alteração morfológica do QRS em uma mesma derivação


A TV polimórfica está mais frequentemente associada a IAM, distúrbios eletrolíticos
importantes e condições que prolongam o intervalo QT, ao passo que a TV monomórfica é
mais frequentemente vista nos infartos cicatrizados
TORSADES DE POINTES
Quando a TV polimórfica surge a partir de um ECG que apresenta QT longo (QTc > 0,45s)
ela é denominada de Torsades des pointes (em francês, torção de pontas). As torsades se
assemelham a uma TV polimórfica comum, a exceção do fato de que os complexos QRS
parecem girar em torno da linha de base, alternando eixo e amplitude.

FIBRILAÇÃO VENTRICULAR (FV)


Arritmia encontrada com maior frequência em adultos que apresentam quadro de morte
súbita, a fibrilação ventricular é um evento pré terminal. Nela, o traçado de ECG ondula com
pequena amplitude (FV fina) ou se debate espasmodicamente (FV grossa). Não há
produção de débito cardíaco e é um ritmo chocável. A frequência é bastante elevada e o
ritmo, a forma e a amplitude são irregulares. Frequentemente é precedida por TV
REFERÊNCIAS:
CAVALCANTI, E. L. S. Manual de Eletrocardiografia Cardiopapers. 1 ed. São Paulo: Atheneu,
2017.
Pastore, CA; Grupi, CJ; Moffa, PJ; Ramires, JAF. Eletrocardiologia Atual – Curso do Serviço
de Eletrocardiologia do Incor. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2008.
Friedmann, JA; Grindler, J; Oliveira, CAR. Diagnóstico Diferencial no Eletrocardiograma.
Barueri: Manole, 2007.
Pastore CA, Pinho JA, Pinho C, Samesima N, Pereira-Filho HG, Kruse JCL, et al. III Diretrizes
da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos
Eletrocardiográficos. Arq Bras Cardiol 2016; 106(4Supl.1): 1-23.
Sobrecargas Cavitárias

SOBRECARGA ATRIAL:
Onda P normal:
A onda P representa a despolarização atrial, e o intervalo PR representa o intervalo
entre a despolarização das células do nó sinusal até o início da despolarização dos
ventrículos. A duração normal da onda P é 80 a 110ms (~2-3mm), com amplitude de até
2,5mm em DII. Lembre-se que a onda P é formada, inicialmente, pela despolarização do átrio
direito, onde está localizado o nó sinusal, e então pelo átrio esquerdo. Para avaliar o aumento
atrial, basicamente devemos olhar para as derivações D2 e AV1.Observe a imagem:

*PF: Plano Frontal.

Sobrecarga Atrial Direita:


No aumento atrial direito, a amplitude da onda P aumenta. O aumento atrial direito é
diagnotiscado pela presença de onda P com amplitude maior do que 2,5 mm nas derivações
inferiores.
Sobrecarga Atrial Esquerda:
No aumento atrial esquerdo, observa-se uma alteração proeminente na duração da
onda P ≥ 120 ms (3mm), apresentando morfologia bífida em D2, uma vez que a despolariação
atrial esquerda é representada pela porção terminal dessa onda. Na derivação V1, o
componente negativo apresenta mais do que 1mm² de área (índice de Morris positivo),
caracterizando a sobrecarga.

Índice de
Morris +
SOBRECARGA VENTRICULAR:

Sobrecarga Ventricular Esquerda:

Nós devemos saber alguns índices para aplicar na prática. Existem inúmeros índices
utilizados para avaliar a sobrecarga de ventrículo esquerdo. Abaixo, alguns critérios para
sobrecarga ventricular esquerda com suas respectivas sensibilidades e especificidades:

• Sokolow-Lyon (S de V1 + maior R de V5 ou V6 ≥ 35mm – S 57% E 86%);


• Cornell (R avL + S V3 ≥ 28mm se masc. ou ≥ 20mm se femin. – S 42% E 96%);
• R de avL ≥ 11mm (S 13% E 99%).
Resumindo:
• R V5 ou V6 + S de V1 > 35 mm = SVE;
• Onda R de avL > 11 mm = SVE.

Paciente com sobrecarga


ventricular esquerda secundária à
insuficiência mitral importante.

OBS.: Embora o padrão do ECG


de SVE seja facilmente
reconhecido, ele está presente
em apenas cerca de 50% dos
pacientes cujos ecocardiogramas
demonstram um ventrículo
esquerdo espessado. A
sensibilidade dos critérios
eletrocardiográficos para
sobrecarga ventricular esquerda
é, então, razoavelmente baixa.
Contudo, quando o padrão
eletrocardiográfico aparece, há
uma probabilidade de 90% de que
um ventrículo esquerdo
espessado seja visto no
ecocardiograma. A especificidade
dos critérios eletrocardiográficos
de SVE é, portanto, bastante elevada.
Sobrecarga Ventricular Direita:

Os critérios são:

• Desvio do eixo para direita (> +90º em adultos e > +110º em crianças). Isso reflete
uma nova dominância elétrica do ventrículo direito, que em geral é submisso do
ponto de vista elétrico;
• Desvio do eixo para frente (QRS positivo em V1);
• Ondas S em V5 / V6 ≥ 7mm;
• Alterações de Repolarização – Strain de VD.

REFERÊNCIAS:
CAVALCANTI LAPA SANTOS, EDUARDO, CÔRTES REMISIO FIGUINHA, FERNANDO,
MASTROCOLA, FABIO. Manual de eletrocardiografia cardiopapers. 1. ed. Rio de Janeiro:
Atheneu, 2017.
MARTINS, M. A. et al. Clínica Médica Vol 2: Doenças Cardiovasculares, Respiratórias,
Emergências. São Paulo: Manole, 2009.
Sokolow M, Lyon TP. The ventricular complex in left ventricular hypertrophy as obtained by
unipolar precordial and limb leads. Am Heart J. 1949;37(2):161-86.
THALER, MALCOLM S. ECG essencial: eletrocardiograma na prática diária. Tradução e
revisão técnica: de Jussara N. T. Burnier. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.

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