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Educação e Tecnologias

Curso de Especialização

Aplicações pedagógicas
do audiovisual

Alan Victor Pimenta de Almeida Pales Costa


Curso de Especialização em Educação e Tecnologias 2
Grupo Horizonte – UFSCar

© 2020, dos autores


Curso de Especialização em Educação e Tecnologias

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Reitora
Profa. Dra. Wanda Hoffmann

Vice-Reitor
Prof. Dr. Walter Libardi

Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em


Educação, Tecnologias e Linguagens (Grupo Horizonte)

Líderes do Grupo
Daniel Mill
Glauber Santiago

Curso de Especialização em Educação e Tecnologias

Equipe editorial, de diagramação e revisão


Daniel Mill
Glauber Santiago
Raiane de Oste
Paula Sayuri Yanagiwara
Clarissa Bengtson
Braian Veloso

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Grupo Horizonte – UFSCar

Aplicações pedagógicas do audiovisual


Alan Victor Pimenta de Almeida Pales Costa

Sumário

Mensagem aos estudantes ..................................................................5


Unidade 1. Audiovisual e Educação: reflexões, perspectivas e
propostas ...............................................................................................7
1.1. Apresentação ..............................................................................7
1.2. Educação audiovisual.................................................................8
1.3. Princípios do audiovisual: primeiros conceitos ................... 11
1.4. Considerações finais ............................................................... 19
Unidade 2. O audiovisual tensiona a educação .............................. 21
2.1. Apresentação: uma história do presente ............................ 21
2.2. Audiovisual como laboratório para as relações educacionais
........................................................................................................... 23
2.3. Abordagens audiovisuais ....................................................... 26
2.4. Considerações finais ............................................................... 30
Unidade 3. Audiovisual como conhecimento e invenção do
mundo .................................................................................................. 32
3.1. Apresentação ........................................................................... 32
3.2. A linguagem dos planos e movimentos ............................... 33
3.3. Linguagem audiovisual: pequeno glossário ........................ 35
3.4. Breve apontamento sobre criação audiovisual................... 37
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3.5. Algumas considerações sobre movimentos de câmera .... 38


3.6. Considerações finais ............................................................... 38
Síntese ................................................................................................. 40
Referências ......................................................................................... 41
Súmula curricular (sobre o autor) .................................................... 42
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Mensagem aos estudantes

Caro Aluno,

Bem vindo a esta etapa de sua especialização em Educação


e Tecnologias. Parabéns por sua iniciativa em trilhar este
caminho, ele certamente renderá bons resultados em sua
jornada.
Muito tem sido escrito e considerado a respeito das
aplicações pedagógicas do audiovisual. A Lei nº 13.006, de 2014,
acrescentou § 8º ao art. 26 da Lei 9.394/96, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar a exibição
de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. A
aprovação da lei significou um marco importante para o trabalho
com o audiovisual. Diversas pesquisas foram realizadas com o
objetivo de discutir as possibilidades e os entraves da
obrigatoriedade do trabalho com o cinema nacional nas escolas.
Este componente curricular tratará de algumas possíveis
aplicações pedagógicas do audiovisual.
Nossa discussão está dividida em três unidades temáticas:
▪ na primeira trataremos dos processos históricos da Educação
Visual a partir de alguns conceitos-chave: Imagens Agentes e
Intervalos Significativos;
▪ na segunda parte levantaremos alguns procedimentos
metodológicos para exibição e discussão de obras audiovisuais
em contextos de aprendizagem;
▪ por fim, apresentaremos algumas propostas centradas na
Pedagogia da Criação, desenvolvida por Alain Bergala.

O audiovisual é comumente empregado nas escolas como


uma forma de linguagem que se utiliza dos recursos visuais e
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sonoros para transmitir conteúdos específicos das disciplinas


curriculares. No entanto, essa forma de uso do audiovisual não
exclui possibilidades de trabalho com o cinema como linguagem
e saber próprio, podendo também ser realizado sem que seu
conteúdo seja reduzido à ilustração didática.

Objetivos
Espera-se que ao final do componente curricular o
estudante desenvolva:
▪ conhecimento sobre as modalidades de aplicação pedagógica
do audiovisual e suas dimensões político-culturais de ensino;
▪ habilidade para ampliar os processos reflexivos a partir de
produtos audiovisuais em ambientes educativos;
▪ preparação para o trabalho experimental com o audiovisual
em espaços escolares.

Acreditamos que o domínio do referencial teórico e das


habilidades práticas de trabalho só se efetive com o tempo de
realização e o acúmulo de experiências e experimentações por
vocês e pelos estudantes que possam vir a orientar. Existe um
velho ditado que diz que apenas aquele que sabe muito é capaz de
ensinar. Mas gostaríamos de propor aqui a inversão desse dito e
provocar a reflexão de que aquele que ensina pode ser capaz de
descobrir novas formas de aprender.
Desejamos a você um excelente estudo e uma prática
reveladora!

Alan Victor Pimenta de Almeida Pales Costa


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Unidade 1.
Audiovisual e Educação:
reflexões, perspectivas e propostas

1.1. Apresentação

Este componente pretende aproximar duas grandes áreas


do conhecimento, a Educação e a Arte. O audiovisual será
entendido aqui como parte das formas de criação artística que
faça uso de imagens e sons como método para sensibilizar o
espectador a produzir sentidos e ideias sobre determinado
assunto. O modo como esse processo é sistematizado enquanto
prática escolar compõe o repertório das aplicações pedagógicas
do audiovisual.
A Educação será pensada a partir de duas possibilidades: 1)
aquela que se desenvolve em ambiente escolar como
componente do currículo de formação do estudante, mas
também 2) sob os aspectos mais amplos da educação como
formação cultural, que dizem respeito às situações da vida
cotidiana na qual aprendemos e somos condicionados pelas
circunstâncias habituais.
Esta unidade temática pretende integrar o pensamento
sobre a educação ao cenário de modificações culturais ao qual
estamos integrados. Para isso, pensemos que os recursos
audiovisuais não são nenhuma novidade e que, na verdade,
estamos tratando de agentes educacionais já integrados e
estabelecidos nas vivências das pessoas. A consolidação da
sociedade midiática, com a aceleração do fluxo de informações,
gerou um novo contexto de relações pessoais, de produção
material e de conhecimento.
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Nesse contexto, cabe a nós pensar relações pedagógicas


que não partam do vácuo, da ideia de que o estudante é vazio
com relação às experiências audiovisuais. O espectro dos
ambientes de aprendizagem foi alargado, das salas de aula, dos
cinemas, do ambiente doméstico e até mesmo das rodas de
conversa no bairro para os territórios múltiplos dos ambientes
virtuais de construção e troca de conhecimento. É importante
considerar essas trocas como saberes legítimos e fundamentados
nas vivências individuais dos estudantes. A transposição dessas
individualidades para territórios coletivos de formação pode
constituir uma experiência de grande potencialidade formativa
para o ensino na era contemporânea.
Nas próximas páginas abordaremos alguns métodos que
possibilitam essa proposta.

1.2. Educação audiovisual

Imagens e sons são constantemente propagados pelo


cinema, pela televisão e pelas diversas plataformas e aplicativos
de difusão audiovisual encontrados na internet. É importante,
quando tratamos dos estudos audiovisuais, entendermos que
tratamos de linguagens específicas quando lidamos com essas
formas de conteúdo. No artigo A educação visual na televisão vista
como educação cultural, política e estética, publicado em 2000,
Milton José de Almeida chama atenção para um dos aspectos
mais comuns da Educação Visual no século XX, a naturalização
nos processos de entendimento da mensagem audiovisual.
Segundo o autor, a ideia de que é possível representar a
realidade por meio de recursos do cinema e da televisão mascara
alguns dos conflitos políticos e estéticos envolvidos na própria
linguagem audiovisual. Isso não significa que os produtos
audiovisuais sejam mentirosos ou enganosos em relação aos
dados de realidade, mas que quando trabalhamos com esses
recursos não podemos deixar de considerar os aspectos
específicos dessa forma de linguagem: câmeras, lentes, roteiros,
cenografia, planos, sequências, edição, entre outros fatores. É
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exatamente essa gama de elementos que constitui um saber


audiovisual que é perdido ou ignorado quando lidamos com o
audiovisual como dado de realidade, e não como uma das
linguagens da realidade.
Em O Discurso Cinematográfico, Ismail Xavier (1984) refere-
se ao intervalo existente entre duas imagens como o momento
no qual o efeito sequencial das reproduções cinematográficas
entra em choque com as noções de semelhança em relação ao
mundo visível. O intervalo entre essas imagens é instantâneo,
imperceptível ao olho humano, que percebe apenas que a
imagem mudou, que um corte foi feito, e a visão do espectador
foi transferida para outro ponto de vista, para outra cena.
Para os mais radicais na admissão de uma objetividade do
registro audiovisual, tendente a minimizar o papel do sujeito no
processo, Xavier aponta o processo de montagem como o
“momento crucial da perda da inocência” (1984, p. 17). Quando a
sequência das cenas parece apontar para uma continuidade do
espaço e do tempo, quando as personagens desenvolvem um
diálogo contínuo no mesmo lugar, por exemplo, a sensação de
artifício em relação à montagem diminui. Mas quando o corte da
cena parece avançar demais no tempo, ou remeter ao passado, a
descontinuidade da ação nas cenas poderá ser encarada como
um afastamento frente à nossa percepção do espaço e do tempo
da vida real – aqui estaria implicada uma ruptura com a
semelhança e com a representação objetiva (XAVIER, 1984).
Quando a ruptura cronológica ou espacial é evidente na
composição das cenas, não é difícil supormos que ali se deu ação
deliberada da equipe de realização audiovisual: roteirista, diretor,
cenógrafo e montador. No entanto, a realização das filmagens
obedece a uma ordem logística dada pela economia de produção.
Desse modo, não é incomum que em filmes ou programas
seriados, ou mesmo em pequenas peças audiovisuais, a distância
na captura (filmagem) das cenas seja de muitos dias, ou semanas,
e a montagem seja responsável por criar no espectador a
sensação de continuidade, ou de que as cenas foram filmadas
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exatamente uma após a outra, semelhantemente ao modo como


as vivenciamos em nosso cotidiano.
Algo parecido se passa quando atentamos ao som no
audiovisual, em especial no cinema. As técnicas de sonoplastia
envolvem uma série de recursos sonoros e artifícios auditivos que
induzem o espectador a se sentir um participante real da cena
que vê. Muitos documentários e tutoriais de sonoplastia foram
produzidos e podem ser facilmente encontrados, inclusive alguns
filmes memoráveis, como O Céu de Lisboa (1994), do cineasta
alemão Win Wenders. Nesses materiais é possível conhecer
algumas das técnicas de sonoplastia, que nos mostram, inclusive,
alguns casos de total descompasso entre o que vemos na tela e
os recursos empregados para sonorizar a cena que ouvimos. Mas,
para o espectador, em geral, a associação entre a imagem e o
som é tão imediata que parece natural1.
Esse processo de identificação real-audiovisual é nosso
primeiro ponto de reflexão. Grande parte dos produtos
audiovisuais é produzida para despertar em nós essa sensação de
que os vemos e ouvimos como se olhássemos por uma janela,
como se nós mesmos estivéssemos diante de situações e
ocupássemos a condição de testemunhas da realidade. Essa
sensação pode ser entendida como o primeiro produto de uma
educação audiovisual naturalizada.
A relação entre as artes, em especial o audiovisual, e a
educação faz parte da própria história das formas de expressão.
Desde os primórdios da produção artística ela foi considerada,
inclusive pelos próprios produtores, um poderoso instrumento
de educação e instrução. Um dos aspectos mais interessantes
quando se pensa em educação audiovisual é que ela coloca em
evidência um dos traços mais modernos da pedagogia: a de que a
aprendizagem do conhecimento constrói progressivamente uma

1
Lembramos, ainda, que as músicas que o grupo musical Madredeus executa
em cena foram gravadas em estúdio, separadamente, e apenas na montagem
são adicionadas às respectivas imagens, construindo a sensação audiovisual de
que imagens e sons foram captados ao mesmo tempo e no mesmo local.
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visão de mundo; e, mais, que as imagens/sons são elementos


concretos para que se construa essa visão de mundo (MIRANDA;
COPPOLA; RIGOTTI, 2006).
O estudo das técnicas sobre a composição imagética pode
nos ensinar que o audiovisual é um conhecimento a ser
compreendido e interpretado, e não apenas um recurso
ilustrativo de um conteúdo curricular. Como conhecimento
específico, importa-nos pensar os meios pelos quais é constituída
a mensagem fílmica e como ela compõe o entendimento do
espectador sobre determinado assunto.
Por educação audiovisual entendemos, portanto, não
apenas aquilo que os olhos e ouvidos captam fisicamente, mas
também o movimento interno do indivíduo que se põe em busca
de informações, de significados e sensibilidades para aquilo que
ouve e vê. Desse modo, é possível pensar o audiovisual como
arcabouço técnico, mas também como conjunto de referenciais
da indústria da cultura, considerando esta última como parte de
um programa estético/político mais amplo, que faz referência ao
processo histórico de construção de uma noção específica de
realidade. A visão de mundo materializada nos produtos
audiovisuais mostra-nos muito dos nossos pressupostos sobre o
mundo real. Desse processo histórico de formação cultural
também participam nossas referências sobre o errado e o certo,
o mal e o bem, o feio e o belo.
Diante do que foi exposto até aqui, perguntamo-nos: de
que modo a linguagem audiovisual possibilita a criação de
mensagens, ideias e sensações sobre determinados conteúdos,
de forma que podemos, inclusive, confundir a linguagem com a
própria concepção de realidade?

1.3. Princípios do audiovisual: primeiros conceitos

Como pudemos refletir anteriormente, quando estamos


diante de um filme, de uma imagem fotográfica, ou de uma
gravação sonora e temos a sensação de estarmos diante da
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“realidade dos fatos”, muitos processos culturais e técnicos estão


aí envolvidos. Como é possível ao audiovisual criar essa noção de
identificação no espectador?
Nos textos que seguem trabalharemos alguns princípios da
composição audiovisual que atuam de forma direta sobre essa
impressão de reprodução, ou de representação audiovisual da
realidade. É importante lembrarmos que a discussão proposta
aqui não está fundamentada nos conceitos de verdade ou de
mentira, de informações corretas ou enganosas, mas de
procurarmos entender um pouco mais a forma como os
elementos de composição do audiovisual estruturam uma trama
narrativa que impressiona o espectador com eficiência,
independentemente da realidade ou ficcionalidade do que é
apresentado.

Efeito Sequência

Figura 1. Efeito sequência.


Fonte: arquivo pessoal (fotografias do autor).

Quando assistimos a um vídeo/filme, temos um conjunto


grande de imagens estáticas organizadas em determinada
sequência e exibidas a uma velocidade tão alta que criam nos
olhos a impressão de que estamos vendo imagens em
movimento. São bastante conhecidos os experimentos que
Goete, Newton, Sacks e outros pesquisadores mais recentes,
como Jonathan Crary, realizaram e realizam sobre a visão, em
especial os efeitos da persistência retiniana sobre a simulação da
imagem em movimento.
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A persistência, ou retenção retiniana, acontece quando


imagens vistas pelo olho humano permanecem impressionadas
sobre a retina por uma fração de segundo após a sua recepção
pelos olhos. Desse modo, quando a projeção alcança um ritmo
superior a 16 imagens por segundo, elas associam-se na retina
sem interrupção. A cada uma dessas imagens individuais damos o
nome de “frame”. As projeções audiovisuais mais comuns variam
entre 24 e 30 frames por segundo (fps).
O resultado visual e a percepção sonora do que assistimos
em um filme constituem um conjunto audiovisual fragmentado,
mas cujo entendimento será unificado pelo espectador a partir
dos estímulos recebidos em conjunto por seus órgãos de sentido.
Lembrando que é comum em grande parte das produções
fílmicas que os sons do ambiente e as vozes das personagens
sejam captados e tratados separadamente, para no processo de
montagem ganharem uma relação audiovisual com as imagens.
Ou seja, a persistência retiniana poderia ser pensada também
como metáfora para a persistência dos sentidos, já que vemos
imagens e ouvimos sons que originalmente foram criados em
ambientes e em períodos separados, mas que ganham coesão na
simultaneidade de exposição ao espectador.
Mas ainda não é disso que trata o princípio de Efeito
Sequência. Quando vemos uma cena composta de vários planos,
a produção desses planos pelo diretor do filme não obedeceu,
necessariamente, à sequência que vemos e ouvimos quando
assistimos ao filme. Um exemplo, imaginemos uma cena em que
alguém caminha por uma calçada, até este momento não
sabemos para onde a personagem caminha. Acontece um corte,
e vemos a personagem entrar em um automóvel e girar a chave.
Depois de outro corte vemos um prédio empresarial, à noite, e o
carro saindo. Muitos sentidos podem ser criados para essa
sequência, mas o elemento comum a essa diversidade de
sentidos é que a ação desenvolvida na cena seguinte caracteriza
o sentido da primeira. Ou seja, o sentido da caminhada, somado
ao de ligar o carro, ganha uma conjugação específica quando
vemos o prédio, que poderia ser “voltar para casa”, “fim de
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expediente”, “happy hour”, e qualquer um desses sentidos será


alterado se na cena seguinte a personagem comentar com um
amigo que precisa procurar emprego.
De modo geral, o que o Efeito Sequência nos ensina é que o
sentido de uma cena vista/ouvida será contaminado pela cena
seguinte. A esse aspecto da construção do sentido geral das
cenas chamamos Efeito Sequência. Poderíamos arriscar concluir
que, assim como os frames exibidos em determinada velocidade,
acoplados a uma faixa sonora, criam a sensação de movimento
contínuo sobre o espectador, também o processo de significação
das imagens é simulado e alterado, a depender da organização
do conjunto das imagens e sons, gerando uma espécie de
persistência de um ou mais significados para a cena que é
vista/ouvida. Desse modo as personagens dos filmes são
caracterizadas em seus papéis na narrativa.
Para aprofundamento no tema, recomendamos a
apreciação do filme Um homem com uma câmera (1929), do
cineasta soviético Dziga Vertov.

Intervalos Significativos

O Efeito Sequência ajuda-nos a pensar sobre como se dá a


construção dos significados pelo espectador, na sensação de
continuidade entre as cenas fílmicas ou dos diversos programas
audiovisuais a que assistimos. Concluímos que as cenas têm seu
significado alterado de acordo com o lugar que ocupam na
narrativa. Portanto, interpretar uma imagem audiovisual não é
apenas completar as imagens com uma significação
interpretativa pessoal, mas encontrar como o sentido de uma
narração inteira afeta a construção de cada uma das cenas
separadamente. Afinal de contas, as cenas foram produzidas e
organizadas em uma ordem de exibição com o objetivo de
proporcionar um sentido final, ou uma diversidade de sentidos
para o espectador. Alguns produtos audiovisuais buscam
exatamente proporcionar uma multiplicidade de sentidos,
deixando o enredo mais “aberto” e propício para que o
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espectador influa sobre as cenas com sua história pessoal. Em


outros casos, como grande parte das peças publicitárias, por
exemplo, a margem de interpretação pessoal é mais restrita e
cede lugar a um objetivo mais direto, de impactar o espectador
com uma sensação específica sobre o produto a ser vendido, ou
ao significado que o realizador pretendeu alcançar.
Em ambos os casos, a ação do diretor, ou do montador
audiovisual, dá-se na possibilidade de atuar sobre a ordem de
apresentação das cenas, de agir sobre os pontos nucleares na
formação do sentido por parte do espectador. Retomando nosso
exemplo da caminhada/automóvel/edifício/emprego. Em uma
sequência como essa, nossa compreensão de que a personagem
tenha sido demitida não exige necessariamente que o diálogo
entre ela e seu empregador seja mostrado explicitamente, pois
as cenas seguintes podem confirmar essa compreensão. O
espectador atua, nesse caso, preenchendo essa lacuna com
informações que não foram vistas/ouvidas, mas que, tomadas de
sua vivência cotidiana, dão sentido à lacuna na sequência de
imagens/sons. A esse espaço lacunar, somado às cenas nucleares
(caminhada/automóvel/edifício/emprego), chamamos Intervalo
Significativo (ALMEIDA, 1999).
As cenas representadas como núcleos de entendimento
correspondem à escolha do diretor. Uma escolha originada não
só em sua individualidade restrita, em sua emoção particular, mas
como uma escolha que, por meio dele, é também a escolha da
instituição que representa, de sua orientação política, do grupo
de produção ao qual está subordinado, das características
históricas daquele tempo e lugar. Em outras palavras, tendo uma
longa história a ser retratada em somente alguns minutos, o
diretor deve fazer cortes. A escolha consciente/inconsciente das
cenas “mais representativas” da história traduzirá seu credo e
ideologia, levando em consideração, ainda, os desejos e pressões
dos produtores e financiadores e seus próprios desejos sobre o
possível entendimento do espectador.
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Imagens Agentes

Muitas vezes, compreendemos um assunto inteiro por uma


simples anotação, uma simples imagem. Por exemplo, o
promotor disse que o acusado matou um homem com veneno
e arguiu que o motivo do crime era uma herança, e declarou
que há muitas testemunhas e provas deste ato. Se, para
facilitar nossa defesa, desejamos nos lembrar deste primeiro
ponto, devemos formar em nosso primeiro local uma imagem
do assunto inteiro. Figuraremos de maneira viva o homem em
questão deitado doente no leito, [...] ao lado do leito,
colocamos o acusado, segurando na sua mão direita uma
xícara e na esquerda tavoletas, tendo no dedo médio os
testículos de um carneiro. Desta forma, podemos reter na
memória o homem que foi envenenado, a herança, e a
testemunha2. Da mesma maneira, e sucessivamente,
colocamos os outros dados do crime em locais, e,
cuidadosamente, a notação das imagens, poderemos
facilmente acompanhar com a memória aquelas que
quisermos.

(CÍCERO apud ALMEIDA, 1999, p. 69).

A expressão Imagens Agentes foi empregada por Milton


José de Almeida (1999) para refletir sobre a ideia da Arte da
Memória, debatida desde a Antiguidade até os dias atuais e
empregada com o objetivo de favorecer determinados
entendimentos sobre a realidade por meio da produção de
imagens. Ao lermos o exemplo dado por Cícero, reproduzido no
box acima, compreendemos que para memorizarmos um caso de
assassinato deveremos formular um ícone visual, que seja
ilustrativo dos fatos: homem doente deitado no leito, com o
acusado de pé ao seu lado, segurando elementos representativos das
ações supostamente praticadas pelo acusado, e de seus motivos;
temos não só uma imagem descritiva do ato da acusação/defesa,

2
Testiculi sugere testes (testemunha). Do escroto do carneiro foram feitas
bolsas; desta forma o dinheiro usado para subornar a testemunha poderia ser
também sugerido (nota do tradutor na edição inglesa do Ad Herennium).
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mas também o emprego de elementos visuais que qualificam


suas ações (xícara, tavoleta, testículos). Em outras palavras, ao
sintetizar ações em uma imagem, ela se torna um ícone, uma
forma visual que carrega o ato com juízos de valor, implícitos ao
próprio ato representativo. Alguém que observasse tal figura,
estando separado do contexto geral ao qual ela se refere,
possivelmente formularia uma interpretação bastante parcial
sobre a questão.
De modo semelhante, quando retomamos a sequência
exemplar de caminhada/automóvel/edifício/emprego, essas
imagens, em separado, constituem pontos nucleares na
formação de nosso entendimento sobre as cenas. A inversão da
ordem de apresentação provocaria a formulação de outros
sentidos para o que é visto. Desse modo, podemos concluir
parcialmente que o processo de montagem audiovisual se faz
como exercício de convicções estéticas e políticas, pois
possibilitam maior ou menor grau de controle sobre os processos
significativos e sobre a sensibilidade do espectador.

Efeito Kuleshov

Finalizaremos esta unidade com a observação do estudo do


cineasta russo Lev Kuleshov, que realizou uma série de
experimentos com a justaposição de diferentes planos que
resultavam em mensagens diferentes a cada combinação.
As fotos a seguir são do ator russo Ivan Mozzhujin,
intercaladas por três imagens: um prato de comida próximo a um
copo, uma mulher no caixão e uma mulher deitada num sofá. O
interessante do experimento consiste no fato de que a expressão
do ator não muda, e, no entanto, o espectador formula
diferentes sentidos sobre o seu humor, em relação à imagem
subsequente. Desse modo, os significados variam entre fome,
tristeza e desejo.
É interessante como as imagens agem umas sobre as
outras, operando processos significativos nos intervalos entre
elas. Essa riqueza artística do cinema mostra-nos o quanto à
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técnica de filmagem corresponde uma técnica de observação, e


que o realismo ou subjetivismo das imagens atuam sobre o
espectador e os significados que formula.

Figura 2. Efeito Kuleshov.


Fonte: Cinemascope (https://cinemascope.com.br/colunas/efeito-
kuleshov-ou-porque-os-russos-nao-brincam-em-servico).
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1.4. Considerações finais

Por ora nosso componente se apresentou como um filme:


trabalhamos alguns pontos reflexivos e conceitos que
aparentemente estão isolados uns dos outros, mas
recomendamos que você os releia e os pense em sequência.
Tente imaginar como um conceito interfere no outro e como, em
conjunto, formam uma narrativa inicial sobre as possíveis ações
pedagógicas do audiovisual. Mas, antes da cena final, retome
uma linha dramática desta unidade.
Vimos que o Efeito Sequência solicita a Ação do espectador
sobre os Intervalos Significativos – os cortes cinematográficos, a
montagem etc. Alguns filmes e vídeos são produzidos de modo a
disfarçar mais ou menos essa solicitação, ocultar a
descontinuidade narrativa da obra. Muitos recursos são utilizados
para dar à descontinuidade uma sensação de continuidade de
sentido e naturalizam um entendimento específico como sendo a
verdade real sobre as cenas apresentadas. Mas note que também
nesse caso o espectador trabalha ativamente no processo de
construção de significado, ao articular sua memória e
entendimento na formulação de uma mensagem audiovisual. A
diferença é que algumas obras encurtam o espectro das
possibilidades de entendimento do espectador.
Existe um segundo aspecto a ser considerado: grande parte
das imagens e sons que temos da realidade não é composta de
uma experiência pessoal, mas de uma memória artificial,
aprendida com os veículos de comunicação. Este é um efeito
interessante, porque nos possibilita “lembrar” imagens e sons de
lugares que não conhecemos, mas também consta como
elemento importante na naturalização de determinados
discursos e entendimento sobre o real, ou seja, sentimo-nos
capazes de opinar e cultivar sentimentos sobre realidades
completamente desconhecidas por nós. É nesse ponto que
chamamos atenção ao cuidado com a formação artificial
possibilitada e intensificada pelo audiovisual, seja ele de caráter
ficcional ou documental, de disseminação midiática.
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Aprendemos também que a arte de criar imagens


representativas de determinados fatos é um mecanismo
desenvolvido desde a Antiguidade e que recebe o nome de Arte
da Memória. Daí que o entendimento que formulamos tanto das
imagens fictícias quanto dos noticiários de TV é construído com
base na memória artificial criada por esses mesmos mecanismos
de difusão de informação.
Em resumo, somos educados não apenas pelo conteúdo
que recebemos, mas também pela forma como esse conteúdo é
veiculado, e isso consiste nas escolhas dos produtores e
diretores. Ao imaginarmos o que esse mecanismo pode
representar, do ponto de vista educacional, teremos um breve
vislumbre sobre o poder de controle da indústria da comunicação
sobre a ascensão e o declínio das narrativas políticas. Por esse
motivo, concluímos que toda escolha estética é, também, uma
escolha política.
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Unidade 2.
O audiovisual tensiona a educação

2.1. Apresentação: uma história do presente

Caro Aluno,
Nesta unidade refletiremos sobre o audiovisual como
laboratório de relações educacionais e pedagógicas. Assumimos
as seguintes provocações, emprestadas de Jaques Aumont
(1995): no período histórico de maior produção e difusão de
imagens, o homem estaria perdendo a capacidade de imaginar e
de narrar histórias? Seria a produção de imagens e sons com
sentido pré-constituído a maior causa dessa falta de imaginação?
O surgimento de determinadas tecnologias audiovisuais a partir
da segunda metade do século XIX – com a invenção da fotografia
e do cinema e, mais recentemente, do vídeo e do computador –
alteraria as formas de perceptibilidade e, consequentemente, os
modos de experiência na relação do sujeito contemporâneo com
seu universo circundante, decorrendo no empobrecimento da
faculdade da imaginação? Evidentemente, a resposta a essas
questões não é simples nem imediatista.
Seguindo a sugestão, imaginemos. Diante de qualquer obra
audiovisual ou objeto artístico, nós vemos, ouvimos, em alguns
casos tocamos e até mesmo saboreamos. Nossos sentidos
tomam contato visual, auditivo, tátil, e imediatamente essas
impressões formulam sensações, entendimento e pensamentos
sobre o que está diante de nós.
Se nos colocarmos novamente diante dessa mesma obra ou
de outras semelhantes, nossa relação com ela não será
exatamente a mesma, mas algumas informações, percepções e
intuições a esse respeito saltarão de pronto em nossa memória
sensorial e intelectual. Mesmo que as sensações sejam diferentes
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neste segundo encontro, a própria sensação de diferença será


perceptível apenas quando posta em relação à experiência do
primeiro contato. Ou, em caso de observarmos uma obra que,
aos nossos olhos ou ao nosso toque, lembre as sensações que
vivemos anteriormente, o conjunto de referências estabelecido
entre o novo toque e a memória passada é referencial no contato
com a nova obra. Isso acontece quase sempre, mesmo quando
nos pomos diante de algo que nos pareça completamente novo,
é comum que o contato inicial seja estabelecido em função das
semelhanças e/ou das diferenças, o que, em ambos os casos,
caracteriza uma experiência relacional com o objeto/filme, a
relação daquilo que vemos e sentimos com nossa memória
sensível e intelectual.
Quando pensamos nas aplicações pedagógicas do
audiovisual, esse breve exercício reflexivo ganha uma conotação
interessante. Isso porque é importante pensarmos que os
processos significativos daquilo que vemos e ouvimos tornam
ativo o exercício pedagógico da visão e da audição. Como choque
relacional entre as imagens e sons do filme e as imagens e sons
da memória do espectador, poderíamos imaginar poeticamente
que a visão e a audição não sejam sentidos que se façam
exclusivamente “de fora para dentro”, do mundo das impressões
sensíveis para o mundo interno dos significados e sentimentos.
Poderíamos imaginar que a produção de significado sobre algo
corresponderia a um exercício de projeção da memória do
espectador sobre aquilo que é visto/ouvido, como um encontro
de sentidos externos e internos na formulação de uma
mensagem fílmica.
Nesse sentido, assistir pedagogicamente a um filme
significaria poder assumir um encontro consigo mesmo ou um
encontro com o totalmente outro, o desconhecido. Alain Bergala
(2002) gosta de lembrar que assistir a um filme é sempre um
exercício de alteridade, porque os filmes têm o poder de nos
colocar no interior do outro. Ao assistir ao filme ocorre o
encontro das imagens e memórias que o espectador traz em si
mesmo, com as imagens e sons que se apresentam diante. Este
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encontro é o que dá dimensão à experiência cinematográfica.


Mas, para que essa elaboração de fato ocorra, a intervenção de
um outro é sempre necessária. Para efeito do nosso estudo neste
componente, tomaremos este outro como um facilitador, um
passeur, nas palavras de Bergala (2002), um papel que, tratando
do ambiente escolar, pode ser incorporado pelo professor.

2.2. Audiovisual como laboratório para as relações


educacionais

Nesta unidade você terá a possibilidade de conhecer parte


da obra de um pensador das relações do audiovisual com o
espaço escolar. Alain Bergala desenvolveu um trabalho
referencial para esse campo de conhecimento nas escolas
francesas.
O essencial na abordagem que Bergala faz em A Hipótese
Cinema está relacionado ao potencial da experiência do cinema
no trabalho sobre as relações sociais desenvolvidas em
ambientes pedagógicos. Para esse autor, a exibição de filmes não
deve se reduzir unicamente ao entretenimento ou ao suporte
pedagógico do conteúdo curricular. Como “conteúdo curricular”
nos referimos à diversidade de temas e assuntos abordados pelas
diferentes matérias e disciplinas escolares.
Esta é uma boa oportunidade para discutirmos, a partir de
alguns apontamentos propostos por Bergala, modos de aplicação
da Lei 13.006/14: A exibição de filmes de produção nacional
constituirá componente curricular complementar integrado à
proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por,
no mínimo, duas horas mensais.
Entendendo o cinema como uma modalidade audiovisual
das artes e que a Lei 13.006 possibilita a exibição não apenas de
filmes, mas também de vídeos nacionais, é relevante para o
contexto deste componente exercitarmos algumas ideias de base
sobre a relevância do audiovisual na escola. Faremos isso com
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base no material organizado pela Profa. Adriana Fresquet,


Cinema e Educação: a lei 13.006 (2015).
O trabalho com o audiovisual na escola pressupõe ao menos
três grandes apostas:

As experiências possibilitadas pelo cinema (audiovisual)


intensificam as invenções de mundos.

Essa perspectiva é bastante enriquecedora se imaginarmos


que o audiovisual possibilita a comunicação da esfera individual,
das belezas e tristezas do encontro do sujeito com o mundo.
Filmes, vídeos longos ou curtos, animações, stop-motions e toda
a série de produtos audiovisuais favorecem o exercício da
alteridade, da ampliação do repertório de relações centradas no
“eu-individual” para que o espectador se permita vivenciar
emoções de um universo distinto do seu, ampliando seu quadro
de sentimentos e de experiências na relação com o outro, por
meio das histórias assistidas, pensadas e conversadas em
conjunto com os colegas. A aplicação pedagógica do audiovisual
traz esta possibilidade, a de tencionar a própria arte a estar à
altura das experiências sensíveis dos espectadores.

A escola arranja-se como espaço no qual o risco dessas


invenções de tempo e espaço é possível e desejável.

Aceitar que o cinema, como propositor de mundos, não


significa a busca apenas do belo, do conforto ou da harmonia
significa trazer para o plano frontal das discussões temas e
assuntos que tensionam os espectadores e produzem
movimento no pensamento. Se desejamos que o audiovisual
possibilite relações de alteridade e construção de conhecimento
é porque aceitamos como possível a invenção de formas de ver e
estar no mundo que podem perturbar uma ordem dada, do que
está instituído, dos lugares de poder. Trata-se de um enorme e
estimulante desafio para os educadores, que ao mesmo tempo
possibilita o surgimento da Arte como forma de compreender e
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elaborar o mundo. A aposta na arte como processo de


construção, mais do que como produto final, significa estar
aberto para as possibilidades da dúvida, da incerteza e do não
saber. Nesse sentido, a arte audiovisual pode por em xeque a
validade formal do conteúdo curricular.

Apostar no espectador como ser ativo.

Aposta na possibilidade de entrar em contato com filmes,


imagens, sons que não trazem somente mensagens edificantes,
que não são pautadas pela função social ou pela necessidade de
fazer um mundo mais bonito. Trata-se da Arte como crença na
inteligência intelectual e sensível dos estudantes. Só com ela é
possível lidar com elementos que não se organizam somente
pelo discurso montado das imagens e sons em movimento, mas
que evidenciam a necessidade do espectador, de suas memórias
e vivências, para se concretizarem em um sentido.
Para que esse conjunto de apostas seja realizável, é
necessário em um primeiro momento que o educador se abra
para a realização desse trabalho sobre si mesmo e que, dessa
perspectiva, se entenda como partícipe de um processo
educacional significativo. Na condição de quem acompanha os
estudantes na travessia de um filme, que também se mistura às
suas cenas e mais indaga os sentidos do que confirma respostas,
o educador partilha com os educandos da matéria bruta
educacional: a vontade de conhecer mais. Mais do que uma
autoridade do conhecimento, um alguém que dita regras, o
educador as constrói junto, é companheiro no atravessamento
entre o mundo cotidiano dos estudantes e a realidade sensível do
conhecimento: é passeur (BERGALA, 2002), como a figura mítica
do barqueiro Caronte que atravessa almas pelo rio Estige. Não
como responsável pela travessia, mas como um condutor que já
percorreu esse caminho por outras vezes, antes, e carrega
referências significativas, mas não determinantes da experiência.
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2.3. Abordagens audiovisuais

Para apreciar um quadro, é preciso ser um pintor em


potencial, senão, não se pode apreciá-lo; e, na realidade,
para gostar de um filme é preciso ser um cineasta em
potencial; é preciso dizer: mas eu teria feito desse ou
daquele jeito; é preciso fazer seus próprios filmes, talvez
apenas na imaginação, mas é preciso fazê-los, senão não se
é digno de ir ao cinema (BERGALA, 2002, p. 128).

O trabalho com o audiovisual em salas de aula,


proporcionado pelo advento da tecnologia digital, representa um
marco didático na história da pedagogia. O formato digital
também facilitou a seleção e exibição de trechos que permitem,
em seu conjunto, a percepção de determinados elementos os
quais em um longo discurso poderiam se perder em termos de
apreensão conceitual. Quando o professor deixa ver a lógica de
continuidade transversal entre os trechos, podem-se estabelecer
diversas relações anteriormente imprevistas. As relações
produzidas entre os trechos podem funcionar como um convite
analítico, poético, de conteúdo, formais, entre outros, que numa
abordagem mais linear resultariam em categorias estanques.
As questões que comumente nos fazemos são: Como
trabalhar com o audiovisual em sala de aula? Que ferramentas
utilizar para chegar ao efeito esperado?
Muitas formas podem proporcionar resultados
interessantes. É possível iniciar um conteúdo novo com a exibição
de um filme, de trechos, de um vídeo produzido sobre o assunto
essencial das aulas seguintes. Durante as aulas seria importante
lembrar os estudantes as cenas vistas, estimular relações,
provocá-los a uma leitura mais densa do que foi visto.
Uma aplicação muito comum para o audiovisual é empregá-
lo no encerramento do conteúdo, como forma de fixar os pontos
trabalhados e lembrar as reflexões e discussões realizadas. Nesse
ponto é importante levantar questionamentos, que podem ser
feitos previamente pelo professor, por meio de uma ficha de
observação com pontos e questões a serem observados durante
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ou depois que a exibição terminar, em rodas de discussão. De


toda forma é importante que o professor realize uma mediação
da discussão com o levantamento de questões, de dúvidas que o
audiovisual possibilite em relação ao conteúdo trabalhado. Se o
filme ou vídeo atuar apenas como forma de fixação do conteúdo
já aprendido, corremos o risco de que sua aplicação se torne
desnecessária.
Dessa forma, muitos métodos foram desenvolvidos no
sentido de conduzir o olhar do aluno de modo a direcioná-lo
unicamente ao objeto a ser abordado pelo filme. É nesse sentido
que a figura do passeur é importante, pois o estudante pode ser
estimulado a recorrer à própria memória para interpretar o filme,
mesmo que se trate de um vídeo documental que verse sobre um
assunto muito específico da área científica. A imaginação do
estudante ainda é, nesse momento, seu meio mais importante
para o conhecimento. A condução do olhar do estudante pode
levar ao encontro de si e de sua comunidade na abordagem do
conteúdo específico, quando se trata do audiovisual.
Mas, para que as lacunas sejam encontradas sobre a coesão
da linguagem fílmica, alguns aspectos referentes à linguagem
audiovisual são importantes de serem conhecidos. Esses aspectos
serão abordados na Unidade 3 deste componente.
As abordagens direcionadas pelo orientador de atividade,
como passeur, podem servir de suporte para a leitura das relações
estabelecidas no espaço escolar, no bairro, na família, em
qualquer espaço/tempo educativo, e encaminhar a criação
artística a partir da captação do novo sentido para elas. Ao
observar os trechos dos filmes e relacioná-los com problemáticas
do próprio entorno, o estudante mobiliza o conhecimento do
conteúdo e o exercício pedagógico da criação. Nessa forma de
pedagogia, os(as) estudantes são convocados a recolocar essas
telas de cinema sob a luz incerta de sua origem, remontam a um
contexto no qual se inserem e daí por diante cessam a dúvida ou
a extraem da tela para transformá-la em categoria analítica a ser
aplicada ao seu próprio espaço, no ponto mais extremo do ato
cinematográfico. Segundo Alain Bergala, “o prazer de
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compreender é tão efetivo e gratificante quanto o prazer


supostamente ignorante do puro consumo” (BERGALA, 2002, p.
130). Essa proposta tende a dar o entendimento de que a
perspectiva da cena resulta de uma multiplicidade de ações,
escolhas e direcionamentos dados pelo cineasta, no sentido de
orientar o olhar a enxergar mais de perto as relações
estabelecidas em determinado contexto, daí seu potencial
pedagógico.
Interessante exercitar essas potencialidades de escolhas por
meio da observação de trechos, mas também como
encaminhamentos que se possa dar a uma produção própria.
Assim, a eleição de cenas passíveis de serem extraídas do meio
real segue o desejo de reelaborá-las para proporcionar
determinado entendimento sobre ela. Isso é possível por meio do
enquadramento de câmera e cortes de filmagem, entendendo
que o cineasta diz tanto por aquilo que mostra quanto pelo que
esconde na narrativa. Na filmagem, o cenário, os figurinos, a
tipologia dos atores e seus gestos dão o tom com o qual o
espectador caracterizará a cena. Quando temos uma cena
escurecida, chuvosa ou com fortes ventos, não é incomum que
seja este um recurso para dar a entender o estado interno da
personagem. Por meio desses recursos de linguagem, o cineasta
é capaz de exteriorizar sentimentos, dando visualidade a estados
de espírito. É interessante entender que, no cinema, o clima e a
luminosidade cumprem o papel de recursos cênicos.
Determinados fenômenos que julgamos naturais em nosso
cotidiano, quando empregados em um filme, não funcionam da
mesma forma, ou seja, sua interpretação não pode ser reduzida
às características naturalistas. Assim, a chuva no filme não é
apenas um fenômeno natural de precipitação de humidade, mas
um recurso que confere sentimento e sensibilidade à história que
é contada. Costumamos dizer que, no cinema, a chuva é uma
chuva de cinema.
A sonorização também cumpre um importante papel no
ambiente fílmico. Por meio dela o diretor é capaz de produzir
diversas sensações no espectador. Imaginemos aquela cena
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romântica à qual somos tão apegados. Agora experimentemos


assistir a essa mesma cena, só que sem o volume. Certamente ela
não terá o mesmo efeito emocional sobre nós. Isso porque o
papel dramático da cena é cumprido, em sua maior parte, pela
sonorização. O mesmo vale para os filmes de suspense ou terror.
No filme A Espinha do Diabo, dirigido por Guilhermo Del Toro,
temos uma surpresa bastante curiosa. A genialidade do diretor é
manifesta pelo fato de conseguir criar uma atmosfera de
suspense sem se valer de recursos sonoros. Ao contrário, é o
silêncio rigorosamente dirigido que gera a sensação de
suspensão tão característica desse gênero cinematográfico. Para
conseguir esse efeito, o diretor emprega outros recursos,
específicos da narrativa, que vão sendo construídos ao longo da
história.
O importante, para este contexto, é perceber que a maneira
como as personagens são apresentadas as caracterizará e as
posicionará com relação umas às outras. Se uma personagem é
enquadrada usando o recurso de contra-plongée, ou seja, de baixo
para cima, isso diz muito da forma como o diretor deseja que
entendamos o papel que ela desempenhará na dramaturgia. Esse
mesmo exemplo constitui um caso histórico, em que grandes
líderes políticos acabam sendo retratados, na maior parte das
vezes, dessa maneira, já que induz uma sensação de imponência.

Figura 3. Contra-plongée. Figura 4. Plongée.


Fonte: Mnemocine Fonte: Mnemocine
(www.mnemocine.com.br). (www.mnemocine.com.br).
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Nesse sentido, o propósito aparentemente banal do ponto


de vista corresponde a uma negociação entre o recurso e o
entendimento, entre o espaço fílmico e o espectador, de modo
que jamais se tratam apenas de escolhas simples, abstratas ou
intelectuais. Elas são operações mentais/emocionais, políticas,
sem as quais não há criação.

2.4. Considerações finais

Caro Aluno,
A análise audiovisual orientada pelo professor ao invés de
ser direcionada abre um universo de possibilidades de temáticas
a serem levantas e discutidas pelos próprios estudantes. O
mesmo vale para a relação entre pais e filhos, ou qualquer outra
relação de caráter educacional. O importante, em qualquer um
desses casos, é que ambos os lados da relação se deixem
envolver pelas potencialidades do que é visto/ouvido, tanto em
termos de conteúdo quanto em termos formais.
Nesta unidade, demos maior atenção a possibilidades de
trabalho pedagógico reflexivo a partir de um suporte audiovisual.
Na próxima, iniciaremos um percurso que propõe uma resposta a
esta reflexão analítica que seja repleta de possibilidades de
criação e intervenção.

Para saber mais

O vasto mundo da internet conta com uma diversidade de


materiais de suporte para o desenvolvimento de atividades
pedagógicas que partam do audiovisual, que o elaborem como
processo. Indicamos aos interessados que busquem entrevistas
com os autores trabalhados neste componente, nas plataformas
de difusão audiovisual. Alguns desses autores possuem vasta
produção na área, como Ismail Xavier, Lúcia Santaella, o cineasta
Cao Guimarães, César Migliorin, César Leite e outros.
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Também indicamos a apreciação de alguns filmes clássicos,


que constituem a própria história do cinema e do audiovisual,
como os filmes dos irmãos Lumière, por exemplo, de George
Méliès, Dziga Vertov, Sergei Eisenstein e quantos mais achar
pertinente.
É importante lembrar que a ampliação do repertório
audiovisual é o passo mais importante para iniciar suas aplicações
pedagógicas.
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Unidade 3.
Audiovisual como conhecimento e invenção do
mundo

3.1. Apresentação

O objetivo desta Unidade é propor o ato de criação


audiovisual como método na ampliação do repertório de
linguagem audiovisual para o espectador.
Uma questão importante de ser observada por nós, que
trabalhamos tanto tempo com crianças e jovens, é que eles
possuem a aptidão de buscar no cotidiano visível coisas que são
muitas vezes invisíveis para o mundo adulto. Você já se
perguntou o porquê disto? Independentemente da resposta que
possamos dar a esse questionamento, importa pensar que essa
busca é exatamente a matéria almejada pelos artistas e que nos
causa aquela velha sensação das obras de arte, de que estamos
sendo devolvidos a nós mesmos pelo Outro. Para as Artes, é
sempre importante nos lembrar do Outro.
Mobilizar essa sensibilidade é o trabalho do educador, do
passeur que aponta nos filmes/vídeos o movimento da
experimentação de si e consigo, tanto por meio da apreciação
quanto da criação. Essa linguagem propõe que exercitemos a
criação audiovisual como forma de conhecermos sua linguagem.
Ao praticar a leitura analítica dos filmes ao mesmo tempo em que
se propõe criar filmes, é interessante não perder o sentimento de
brincadeira da ação – luz, som, enquadramento e os possíveis
desdobramentos dessa arte, montagem, edição.
É importante assumirmos a perspectiva de aprender,
desaprender e reaprender, indicando uma forma de pensar o
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processo de produção cultural transmitida diariamente por


diversas formas e suportes audiovisuais.
Este é o aspecto que devolve a aura à experiência, no
sentido benjaminiano, transformando-a em experimentação.

3.2. A linguagem dos planos e movimentos

Este componente curricular não tem a intenção de formar


novos cineastas ou produtores audiovisuais, mas de plantar
inquietações. A seguir, movimentaremos alguns subsídios de
composição audiovisual. O mais importante, neste momento, é
ter em mente que para produzir qualquer material audiovisual é
importante, mas absolutamente dispensável, o uso de
equipamentos caros e sofisticados. Nossa intenção é apostar na
boa ideia e no exercício de criação como reinvenção do mundo e
de si mesmo por meio da brincadeira de olhar/ouvir e criar com
esse material oferecido pela própria realidade.
Indico o acesso aos materiais disponibilizados pela equipe
do Mnemocine (www.mnemocine.com.br). Nesses endereços
podemos encontrar ricos manuais técnicos de elaboração
audiovisual.
Quando estudamos a linguagem cinematográfica de planos
e movimentos, fazemos referência, em primeiro lugar, a um
conjunto de sinais empregados em uma forma de comunicação.
Esta é a definição mais elementar de linguagem.
O cinema e a TV utilizam dois meios para estabelecer a
comunicação: a imagem e o som. O som divide-se em três
categorias: locução, trilha sonora e efeito sonoro.
A imagem, por sua vez, constrói sua comunicação de duas
formas: pelo conteúdo da imagem e pela forma com que
captamos esse conteúdo. O conteúdo é responsável pelo sentido
lógico e racional. A forma potencializa ou minimiza a
dramaticidade do conteúdo. Em um exemplo direto, a imagem de
uma pessoa levando um tiro na cabeça choca o espectador de
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qualquer forma. A imagem é captada pelo olho, compreendida


pelo cérebro, e seu conteúdo produz uma sensação
desagradável.
Entretanto, a distância e o posicionamento da imagem
influem muito na dramaticidade do ocorrido, seja para um beijo
em uma telenovela, as lágrimas de uma criança em um telejornal
ou o discurso de um político em sua campanha eleitoral.

Os planos de enquadramento
Plano de câmera é o nome dado a uma imagem capturada
por uma câmera de cinema ou vídeo, que enquadre algo,
geralmente um ser humano, de uma forma previamente
definida.

O primeiro cineasta a nomear e padronizar estes


enquadramentos foi o norte-americano David Griffith, e,
por esta razão, ele é considerado por algumas escolas de
cinema o pai da linguagem cinematográfica.

Na verdade, a linguagem griffitiniana não é a única


linguagem de cinema, e muitos cineastas simplesmente a
ignoram em produções alternativas. Entretanto, é
impossível negar que a linguagem de David Griffith é
extremamente simples de se entender e que sua forma de
trabalhar os planos de câmera, pela composição e o
enquadramento, trouxeram significativos avanços à
estrutura narrativa.

Criada em uma época em que o cinema ainda era mudo, a


linguagem de planos e movimentos tem o importante
papel de desenvolver uma narrativa visual compreensível a
todos.

De certa forma, a linguagem deu ao cinema a oportunidade


de ser o primeiro veículo de comunicação de massas
globalizado; foi sua incapacidade de transmitir sons
sincronizados que forçou o cinema a desenvolver a
narrativa visual como única forma de comunicação. O
resultado foi a produção de filmes que podiam ser exibidos
sem nenhum tipo de adaptação. Um dos cineastas que mais
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soube tirar proveito desta linguagem foi o inglês Charles


Chaplin (PISANI, 2016, p. 16).

Existem diversos tutoriais nas plataformas audiovisuais da


internet que dão lições sobre os planos de enquadramento.
Notemos a importância de conhecermos alguns detalhes da
composição imagética daquilo que vemos/ouvimos. Essa forma
de linguagem, que muitas vezes passa despercebida, compõe
grande parte do conteúdo da mensagem que estamos
assimilando diante daquilo a que assistimos.
Passaremos agora à exemplificação de alguns planos
básicos de composição.

3.3. Linguagem audiovisual: pequeno glossário3

Tabela 1. Relação de planos de enquadramento

Enquadra todo o
ambiente onde está
o objeto da
Plano
filmagem, com este
geral
pouco definido em
função da
abrangência.

3
Por respeito à Lei de Direitos Autorais, optamos por não divulgar fotogramas
de filmes. As imagens aqui disponibilizadas são de autoria própria.
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Muito usado em
Hollywood nos anos
Plano 1940/1950. Mostra
americano aproximadamente
dois terços do
objeto.

Os planos próximos
Plano mostram menos da
próximo metade das
personagens.

Mostra parte
Close significativa do
objeto.

Mostra detalhe de
Plano parte significativa do
detalhe
objeto.

Fonte: elaboração própria (autoria própria).


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Profundidade de campo

Profundidade de campo é uma escala de distância ao longo


do campo perpendicular à imagem, definida pela nitidez visível. A
sensação de tridimensionalidade dada por determinada imagem
é garantida por essa sucessão. Chamamos primeiro plano o
conjunto de elementos “mais próximos” do nosso olhar, segundo,
terceiro e assim por diante à medida em que os elementos se
aproximam do “fundo” de cena, “distanciando-se” do nosso olhar.

Figura 5. Profundidade de campo.


Fonte: elaboração própria (arquivo pessoal).

3.4. Breve apontamento sobre criação audiovisual

Existem diversas maneiras de se trabalhar na criação de um


produto audiovisual. Alguns diretores trabalharam com roteiros
pormenorizados, falas prévias e cenas ensaiadas. Outros, como
Federico Fellini, jamais produziram um roteiro prévio e atuavam
no campo da experimentação mais aberta.
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3.5. Algumas considerações sobre movimentos de câmera

No início da história do cinema, as câmeras costumavam


ocupar uma posição estática. Eram as pessoas e os objetos que
deviam se movimentar no cenário. Essa limitação dificultava um
pouco o entendimento das ações no interior da cena por parte do
espectador, que muitas vezes não atentava para qual seria o
assunto central mostrado ali, por estar disperso em um plano que
era sempre amplo. A possibilidade de enquadrar subplanos no
interior do plano geral facilitou a dinâmica de entendimento, já
que especificou o assunto de cada cena dentro da trama geral
narrada pelo filme. As câmeras ganham então a possibilidade de
interagir com as cenas e desenvolver uma linguagem que era
impossível no contexto anterior, de tomadas exclusivamente
estáticas.

3.6. Considerações finais

Nossa intenção ao descrever os planos e movimentos de


câmera foi mostrar a forma como a linguagem cinematográfica
pode transmitir ideias por meio de seu comportamento em cena.
Tomamos como base o cinema e a produção audiovisual, mas o
mesmo poderia ser interpretado no que diz respeito a todas as
formas de comunicação. Existem estudos interessantes que
relacionam as dimensões dos corpos dos personagens de
histórias em quadrinho ao papel que cumprirão na narrativa. Por
exemplo, bandidos costumam ser caracterizados com uma
coloração mais escura, com corpos na maioria das vezes
defeituosos, deformados e tipologia psíquica conturbada.
Dizemos que suas representações encarnam o ideal social e
discursivo do vício. Já os personagens heroicos costumam
encarnar os ideais de beleza e boa estrutura física. É claro que
isso não se aplica como regra. Diversas produções atuais têm se
prestado justamente a confrontar esse antigo modelo, mas por
muito tempo esse paradigma funcionou como grande reforçador
de preconceitos e juízos.
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A escola é possuidora de meios de diálogo que não podem


nem devem estar desvinculados dessa nova realidade. O
contexto escolar fornece subsídios para que esses meios técnicos
sejam postos sob outro ponto de vista, discutidos e
problematizados à luz da nova realidade contemporânea.
Por fim, os modos de apropriação do saber mudaram e
mudarão ainda mais. As próprias teorias de aprendizagem
enfatizam a diferença entre a transmissão de conhecimento e a
mediação do saber, sendo esta última representada pelo modelo
interpretativo de apropriação de conhecimentos, caso no qual a
participação do aluno é fundamental. Desse modo, negligenciar a
importância dos meios de comunicação como instrumentos
pedagógicos representa a perda de um meio de formação
praticamente naturalizado pelos estudantes.

Para saber mais:

▪ Recursos técnicos: Existem diversas apostilas e manuais


disponíveis para download no site: www.mnemocine.com.br.
▪ Criação Audiovisual: www.primeirofilme.com.br/site/o-
livro/enquadramentos-planos-e-angulos.
▪ Curso de Fotografia – Lição 1 – Os Primeiros Passos no
Mundo da Imagem (Portugal): www.youtube.com/wa
tch?v=2Pu-y66MF20&feature=share&list=TLqUhJK2cH_HY .
▪ Este link representa o primeiro de uma enorme série de lições
audiovisuais muito boas e que servem de base para uma
investigação mais aprofundada. Mais material pode ser
encontrado no site: www.jardimdigital.com
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Síntese

Caros Alunos,
Com este componente curricular, esperamos o surgimento
de um novo mediador cultural sobre a figura tradicional do
professor. Seria, então, este um agente no entremeio da ciência
da educação, da arte e da comunicação que as situe além da
simples aquisição de conhecimentos escolares. Essa figura
intermediária vê nos meios de comunicação uma riqueza de
conteúdos informativos, sim, mas também farta pela maneira
como fornece uma representação de mundo da qual surge a
necessidade de análise e reflexão sobre seu lugar em sociedade.
O educador, nesse contexto, não objetiva fazer do aluno um tipo
de jornalista mirim ou aprendiz de apresentador televisivo, mas
se utiliza desses recursos para ensiná-lo a problematizar o poder
midiático do ponto de vista estético e político como montagens
do discurso e da cena, bem como dos artifícios empregados para
dar-lhes sentido.
O mais importante deste componente talvez esteja em
propor a ampliação da relação professor-aluno a ponto de que
ambos, durante as atividades, se misturem em seus papéis e
aprendam com essa troca de relações. O aluno pode ensinar ao
mestre (principalmente quando se refere às novas tecnologias
que ele domina e aprende com facilidade), os professores
também podem ensinar aos alunos, confrontando seus pontos de
vista ou suas fontes de informações ou suas soluções para o
problema proposto, em diálogo direto, por correio eletrônico ou
fórum mediado. Por fim, esperamos sensibilizar nossos
professores a aceitarem que entrem na escola outros universos e
outras modalidades de apropriação da realidade, em particular a
partir das emoções provocadas pela televisão, a trabalharem
sobre diversas abordagens do real e construírem
progressivamente um pensamento rigoroso.
Que não sejamos mais os donos do posto de
monopolizadores da transmissão do conhecimento e detentores
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do direito à palavra. Os professores que introduziram os meios na


escola, como a imprensa, a televisão, puderam perceber que isso
provoca mudanças profundas nos objetivos e nos métodos de
ensino. Esse movimento, já engajado com os meios de massa,
encontra-se multiplicado atualmente pelo desenvolvimento da
informática e das redes de comunicação, diante da proliferação
das fontes de informação e de conhecimento.

Referências

ALMEIDA, M. J. Cinema: A Arte da Memória. Campinas: Autores Associados,


1999.
______. A educação visual na televisão vista como educação cultural, política e
estética. ETD – Educação Temática Digital, v. 2, n. 1, p. 60-65, out. 2000.
Disponível em:
<http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/1858
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______. Imagens e Sons: A nova cultura oral. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
AUMONT, J. A Imagem. Campinas: Papirus, 1995.
BERGALA, A. L’hypothèse cinema: Petit traité de transmission du cinéma à
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FRESQUET, A. (Org.). Cinema e educação: a lei 13.006 – Reflexões, perspectivas
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Curso de Especialização em Educação e Tecnologias 42
Grupo Horizonte – UFSCar

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Súmula curricular (sobre o autor)

Alan Victor Pimenta de Almeida Pales Costa

Possui graduação em História pelo Instituto de


Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas, com especialização em
História Cultural das Ideias Científicas e
Religiosas, mestrado e doutorado em
Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte
pelo Laboratório de Estudos Audiovisuais
OLHO, Faculdade de Educação – Unicamp.
Estuda e realiza pesquisas sobre a História, Educação, Arte e
Memória nas diferentes linguagens – escrita, verbal, visual e
audiovisual –, que dão forma e ideologia à Educação Estética e ao
imaginário contemporâneo. Seus trabalhos e pesquisas também
compreendem obras de criação, ensaios plásticos e fotográficos,
e vídeos artísticos e experimentais. Possui pesquisas concluídas
sobre as obras cinematográficas de Abbas Kiarostami (Irã, 1940-
2016), Sergei Paradjanov (Armênia, 1924-1990) e Pier Paolo
Pasolini (Itália, 1922-1975).

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