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Volume 01
Sumário - Filosofia Frente A
01 3 O pensamento filosófico
Autor: Richard Garcia Amorim
02 15 A origem da Filosofia
Autor: Richard Garcia Amorim
2 Coleção Estudo
FilosoFia MóDULO FRENTE
O pensamento filosófico 01 A
O SER HUMANO – UMA O que é o homem? Por meio dessa pergunta, começamos
nossa investigação filosófica acerca daquilo que distingue o
SÍNTESE ENTRE NATUREZA E homem dos outros seres da natureza. O que há de especial
no ser humano que o faz ser capaz de buscar respostas
Po r e s s a d e f i n i ç ã o, p e r c e b e m o s q u e , s e g u n d o
Pascal, a característica que marca definitivamente
o homem é sua capacidade de pensar. O raciocínio,
Leonardo da Vinci
Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 01
4 Coleção Estudo
O pensamento filosófico
FILOSOFIA
Dois estudos pioneiros, nas décadas de 1950 e 1960,
Suas ferramentas naturais, como asas, pelagem, garras,
foram fundamentais para diminuir essa distância.
força, dentes e velocidade, além de tantas outras
O primeiro, realizado na ilha de Koshima, no Japão, características, permitem-lhes superar os obstáculos e
detectou que os macacos da região eram capazes de
sobreviverem aos desafios que se impõem. Dessa forma, os
aprender novas técnicas para se alimentar a partir da
animais simplesmente se adaptam à natureza.
mudança do hábito de um dos seus pares. A pesquisa
revelou que um jovem macaco provocara uma pequena Já o homem, ao contrário dos animais, não traz em sua
revolução na ilha ao passar a lavar a batata-doce num
constituição natural nenhuma característica física especial
pequeno braço d’água antes de comê-la, ato que passou a
que o capacite a sobreviver aos desafios da vida e das forças
ser repetido por três quartos de todos os macacos jovens da
da natureza. Pelo contrário, se pensarmos com cuidado,
ilha. A descoberta provou que o homem não era o único a
transmitir um comportamento socialmente adquirido – não observaremos que o homem, dos seres vivos existentes,
transmitido geneticamente nem aprendido individualmente. é um dos mais frágeis e desprovidos de aparatos ou
O segundo estudo foi o da inglesa Jane Goodall que, ferramentas naturais que garantam sua sobrevivência. Não
ao conviver com chimpanzés na Tanzânia, provou que
podemos resistir ao frio, pois não temos a pelagem do urso
esses primatas tinham uma complexa vida social, uma
para isso. Nem podemos fugir dos perigos de forma eficaz,
linguagem primitiva com mais de 20 sons e a capacidade
pois não temos a velocidade de uma lebre para tal.
de usar diversas ferramentas para obter alimento – algo
considerado exclusivo da nossa espécie. Além disso, No entanto, conseguimos superar todas as nossas
os pesquisadores sabem que mamíferos como baleias,
limitações físicas pela capacidade de pensar. Assim,
golfinhos e elefantes conseguem aprender e ensinar.
acompanhando o pensamento de Gordon Childe, podemos
CAVALCANTE, Rodrigo. Superinteressante. Edição 240.
afirmar que:
Disponível em: <www. super.abril.com.br/mundo-animal/
animais-pensam-como-446990.shtml>.
Acesso em: 5 dez. 2010. Na história evolucionária, relativamente curta,
documentada pelos restos fósseis, o homem não
Porém, mesmo que encontremos alguns exemplos de
animais que possuem um maior grau de “inteligência” aperfeiçoou seu equipamento hereditário através de
– um raciocínio mais desenvolvido que lhes permite algumas modificações corporais perceptíveis em seu esqueleto. Não
proezas, como é o caso dos chimpanzés, golfinhos e algumas obstante, pôde ajustar-se a um número maior de ambientes
raças de cães – tal raciocínio não se compara ao raciocínio
do que qualquer outra criatura, multiplicar-se infinitamente
humano e sua capacidade de conhecer.
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o gavião. Com armas de fogo, pode derrubar animais que de que a inclinação para a agressão constitui, no homem,
nem o tigre ousa atacar. Mas fogo, roupas, casas, trens, uma disposição instintiva original e auto-subsistente, e
retorno à minha opinião, de que ela é o maior impedimento à
aviões, telescópios e revólveres não são, devemos repetir,
civilização. [...] Mas o natural instinto agressivo do homem,
parte do corpo do homem. Pode colocá-los de lado à sua
a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra
vontade. Eles não são herdados no sentido biológico, mas
cada um, se opõe a esse programa da civilização. Esse
o conhecimento necessário para sua produção e uso é
instinto agressivo é o derivado e o principal representante
parte do nosso legado social, resultado de uma tradição
do instinto de morte, que descobrimos lado a lado de Eros
acumulada por muitas gerações e transmitida, não pelo
e que com este divide o domínio do mundo. Agora, penso
sangue, mas através da fala e da escrita.
eu, o significado da evolução da civilização não mais nos é
CHILDE, V. Gordon. A evolução cultural do homem. obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte,
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966. p. 40-41. entre o instinto de vida e o instinto de destruição, tal como
ela se elabora na espécie humana. Nessa luta consiste
essencialmente toda a vida, e, portanto, a evolução da
Dessa forma, diferentemente dos animais que agem por
civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da
instinto, vivendo em um mundo fechado e sem liberdade,
espécie humana pela vida.
simplesmente se adaptando à natureza e cumprindo o que
a sua herança biológica determina, o homem pode superar FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução de
J. Octávio A. Abreu. In: Sigmund Freud.
suas limitações. O ser humano não apenas se adapta à
São Paulo: Abril Cultural, 1978.
natureza, mas adapta a natureza às suas necessidades.
Esse é o traço característico da presença do homem no Dessa forma, o homem é constituído de uma natureza que,
planeta. Dos seres vivos, portanto, o homem é o único que em muitos aspectos, tende a determinar sua vida, tal como
produz cultura e que tem possibilidade de transmiti-la aos citado por Freud quando este fala do “instinto de morte”, que
seus descendentes por meio, principalmente, da linguagem
leva ao afastamento e à não socialização dos homens. Por
simbólica.
outro lado, verificamos que a cultura permite que o homem
Dessa forma, compreendemos o pensamento de “controle” sua natureza. Por mais que os instintos atuem
Pascal, citado no início deste módulo, quando ele diz que em seu interior, levando-o a agir desta ou daquela forma,
“toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento”. podemos adaptar nossas ações de acordo com nossos valores
É o pensamento que, definitivamente, nos faz seres e ideias, o que demonstra nossa humanidade.
especiais, pois com ele podemos encontrar respostas novas Ao contrário, os animais não podem controlar sua
aos desafios da existência que se colocam diariamente e aos natureza, seus instintos, pois são determinados por eles.
quais precisamos responder.
Outra característica que marca nossa diferença em
Porém, o homem também é natureza. Na verdade, o ser relação aos animais é a possibilidade que o homem tem de
humano é uma síntese entre aspectos naturais herdados projetar-se ao futuro, tomando como baliza o passado e as
de sua espécie e aspectos culturais obtidos por meio de experiências do presente. Somente o homem é capaz de
seu convívio social. planejar e, portanto, tem ideia de finalidade.
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O pensamento filosófico
Uma aranha executa operações semelhantes às do Ó suprema liberalidade de Deus, ó suma e maravilhosa
tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto beatitude do homem! A ele foi dado possuir o que
humano com a construção dos favos de suas colméias. escolhesse; ser o que quisesse. Os animais, desde o nascer,
Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto já trazem em si, no ‘ventre materno’, o que irão possuir
da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua depois. [...] No homem, todavia, quando este estava por
cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo desabrochar, o Pai infundiu todo tipo de sementes, de tal
de trabalho, obtém-se um resultado que já no início sorte que tivesse toda e qualquer variedade de vida. As que
deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto cada um cultivasse, essas cresceriam e produziriam nele os
idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da seus frutos. [...]
forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na
MIRÀNDOLA, Pico Della. A dignidade humana. Tradução de
matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina,
Luis Feracine. São Paulo: Ed. Escala. p. 39-42.
como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual
tem de subordinar sua vontade.
As palavras de Pico Della Miràndola representam o que
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Nova Cultural,
até aqui falamos sobre a liberdade humana: só o homem é
1985, V.I. p. 149-150.
verdadeiramente livre. Enquanto os animais, nas palavras
Seguindo o raciocínio de Marx, podemos perceber que do filósofo, “desde o nascer, já trazem em si, no ‘ventre
somente o homem pode, fora da realidade concreta, pensar, materno’, o que irão possuir depois”.
idealizar, formular mentalmente aquilo que será, no futuro, Aqui é necessário que nos dediquemos a compreender
concretizado. Os animais não têm essa possibilidade de adequadamente o que é liberdade, conceito que contrasta
FILOSOFIA
projetarem, pois, ao agir, o animal não o faz por meio de uma com a visão de liberdade utilizada no senso comum. Uma
ideia antes concebida, mas segue seu instinto cego. Faz porque pergunta nos ajuda a esclarecer essa questão: quem é
a natureza assim determinou e nada mais. Por exemplo, mais livre, o pássaro que voa de um lado para o outro, sem
se observarmos os ninhos dos pássaros joão-de-barro, nenhuma limitação ao seu livre voo, ou o homem que está,
constataremos que, mesmo perfeitos à finalidade para a qual muitas vezes, absorvido em suas tarefas e obrigações diárias?
foram feitos, são sempre da mesma forma, construídos do À primeira vista, poderíamos pensar que o pássaro é que é livre.
Talvez, dentro de uma concepção de liberdade voltada para a
mesmo jeito, não podendo ser diferentes, uma vez que o
possibilidade de locomoção, o pássaro seria livre. Porém, dentro
ato de construí-los e a forma como isso será feito são coisas
de nossa reflexão sobre natureza e cultura, podemos afirmar
que estão inscritas na natureza do animal.
que o pássaro não é livre, pois ele está preso, determinado
por sua natureza. Por mais que ele possa se locomover de
O homem é livre um lado a outro, ele não o faz por planejar, por querer aquilo,
mas tão somente obedece aos seus instintos e age de forma
A ti, ó Adão, não te temos dado, nem um lugar determinado,
mecânica. A liberdade, como nós a entendemos na Filosofia,
nem um aspecto próprio, nem qualquer prerrogativa só
diz respeito à possibilidade de o homem se autodeterminar,
tua, para que obtenhas e conserves o lugar, o aspecto e as
de controlar, inclusive, seus instintos, não sendo escravo de
prerrogativas que desejares, segundo tua vontade e teus
sua natureza, apesar de também possuí-la, de modo que ele
motivos. A natureza limitada dos outros (seres) está contida
possa ser dono de si mesmo.
dentro das leis por nós prescritas. Mas tu determinarás a
tua sem estar constrito por nenhuma barreira, conforme teu Dessa forma, concluímos que o homem é um ser biológico
arbítrio, a cujo poder eu te entreguei. Coloquei-te no meio e cultural, integrando em si características hereditárias,
do mundo para que, daí, tu percebesses tudo o que existe
recebidas de sua espécie, e também características
no mundo. Não te fiz celeste nem terreno, mortal nem
adquiridas pelo contato com a cultura, com a sociedade.
imortal, para que, como livre e soberano artífice, tu mesmo
O homem se constitui, ao mesmo tempo, de características
te esculpisses e te plasmasses na forma que tivesses
advindas da natureza e da cultura, isto é, é uma síntese
escolhido. Tu poderás degenerar nas coisas inferiores, que
entre os dois polos, o que possibilita que ele transforme a
são brutas, e poderás, segundo o teu querer, regenerar-te
nas coisas superiores, que são divinas. natureza, mas também seja influenciado por ela, sem, no
entanto, ser determinado. É criatura e criador do mundo
[...]
em que vive.
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Frente A Módulo 01
O que é Filosofia
Ao longo do tempo, o termo filosofia foi utilizado de modos
e com significados distintos ao de sua origem. Buscaremos
agora a definição do que é Filosofia tal como estudamos
nas escolas e faculdades e a diferença desta definição em
relação aos demais usos do termo.
Mesmo não sendo um fato comprovado, acredita-se e leva a lugar nenhum”, contrariando exatamente
Pitágoras de Samos (século V a.C.), ao se referir a si e 3. Busca da verdade e fundamentação teórica sobre o
àqueles que, entre a multidão que ia assistir aos jogos homem e o mundo: a filosofia, vista em sua concepção
olímpicos, se dedicavam à observação de tudo e de todos, mais correta, é um modo de pensar o mundo, buscando,
buscando o conhecimento sobre as pessoas, os fatos, através da análise, da crítica, do questionamento,
enfim, sobre tudo o que faz parte da vida do homem. A da reflexão, a própria verdade sobre o homem,
partir desse fato, podemos compreender o dito pitagórico a sociedade, o pensamento, enfim, tudo o que pode ser
que resume o “espírito”, a “essência” da Filosofia e do pensado e que diz respeito à vida humana e à cultura.
ato de filosofar: “[...] a sabedoria pertence aos deuses, Nesse sentido, a filosofia sempre ocupou um lugar
mas os homens podem desejá-la, tornando-se filósofos”. privilegiado, pois, além de constituir-se um conjunto
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O pensamento filosófico
de ideias e teorias elaboradas desde seu surgimento Filosofia é, na verdade, um pensamento que busca as raízes
na Grécia, no século VI a. C., até os dias atuais, é uma do processo, busca um conhecimento profundo e rejeita
atitude frente ao mundo, tentando compreendê-lo a superficialidade do conhecimento. É um pensamento
de modo racional. Tudo o que diz respeito ao homem rigoroso, uma vez que busca formular um encadeamento
e à realidade que o cerca é objeto do pensamento de ideias que levarão a conclusões coerentes, não aceitando
filosófico. Nesse sentido, filosofia é a busca incessante contradições e ambiguidades. É um pensamento de
da verdade, do conhecimento verdadeiro que, apesar totalidade, de conjunto, pois busca um conhecimento que
de muitas vezes transitório, deve ser constantemente não fragmenta o real, proporcionando uma visão total da
buscado, levando a significações sobre a realidade, o realidade em suas explicações e teorias. Enfim, Filosofia não
homem e o mundo. se confunde com nenhuma outra forma de ser e compreender
a realidade e o homem, mas está além de todas as formas
Filosofia
ciências seguiram caminhos distintos, uma vez que, se estas
os que nos cercam. Nossa família, a escola, os meios
têm um objeto de estudo determinado, aquela não o tem. Isso
de comunicação, nossos vizinhos, enfim, todos os que
significa que a Física, a Medicina, a Química, a Engenharia,
participam do crescimento e desenvolvimento da criança
o Direito e todas as outras ciências têm seus objetos de
contribuem, cada um a seu modo, para a formação dos
estudo determinados, como o movimento dos corpos, caso
valores, ideias, conceitos, preconceitos e tudo o que faz
da Física, as leis e o seu papel social, no caso do Direito.
parte de nossa formação individual, moral e social. A isso
A Filosofia, porém, não tem um objeto de estudo
chamamos educação. Esse processo é normal e acontece
determinado. Dizemos que a Filosofia busca a verdade e,
com todos os indivíduos de uma sociedade, sem exceção.
nesse sentido, permeia os modos de conhecer de todas as
Nesse sentido é que se justifica a frase que diz sermos
ciências, servindo como fonte questionadora e crítica de
frutos do meio cultural, social e moral em que vivemos.
todas as ciências. Por tudo isso, compreendemos por que
a Filosofia era conhecida na Antiguidade como a ciência Porém, em um determinado momento de nossa existência,
das ciências. é necessário que todas essas ideias e valores, que até então
foram recebidos passivamente, do exterior para o interior,
Filosofia não é religião, embora seja uma forma de
questionamento sobre as explicações religiosas e suas se individualizem. O homem, já amadurecido intelectual e
origens, levando o homem a olhar criticamente para moralmente, deve encontrar um sentido próprio sobre o que
as diversas formas de manifestação religiosa e suas até então ele apreendeu de forma espontânea e acrítica.
particularidades. Filosofia se baseia principalmente na razão, A esse processo de crítica, de individualização, de busca
e a religião, por sua vez, na fé. Ambas, Filosofia e religião, do sentido dos valores, ideias, conceitos e preconceitos
são formas distintas e legítimas de explicação do homem chamamos atitude filosófica.
e do mundo, porém, com bases e fundamentos diferentes.
A atitude filosófica nos leva ao questionamento de
Filosofia não é pensar em nada, não é um pensamento tudo o que até então achamos natural. Aprendemos uma
assistemático, sem objetivos e sem critérios. Pelo contrário, infinidade de coisas ao longo da vida e, geralmente, não as
Filosofia é um modo de pensar sistemático, com começo, meio questionamos, pois cremos que aquilo existe ou que as coisas
e fim. Uma busca teórica de fundamentar a realidade de forma são como aprendemos. Vejamos um exemplo. Acreditamos
racional e compreensível, utilizando argumentos lógicos que que de fato a Terra gira em torno do Sol, pois dessa forma nos
defendam suas conclusões e que possam ser inteligíveis a todos. ensinaram na escola. Porém, nem sempre se acreditou nisso.
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O pensamento filosófico
Ao contrário, o filósofo acredita que não sabe nada, isto é, 02. Explique por que, no caso das meninas-lobo, elas,
reconhece que tudo o que sabe pode ser transitório; que as mesmo que de forma parcial, foram capazes de se adaptar
verdades alcançadas não são últimas e que seu conhecimento ao mundo humano. Algum outro animal teria a mesma
é ínfimo diante de tudo o que há para conhecer. Por isso, capacidade? Justifique sua resposta.
sua postura é de abertura, de investigação, de busca
constante da verdade, mesmo que não a encontre nunca. 03. [...] o homem não aperfeiçoou seu equipamento
Isto é ser filósofo: reconhecer sua própria limitação, sua hereditário através de modificações corporais perceptíveis
ignorância frente a tudo o que há para ser conhecido e buscar em seu esqueleto. Não obstante, pôde ajustar-se a um
incessantemente o conhecimento da verdade. número maior de ambientes do que qualquer outra
criatura [...]
“Nascer é ao mesmo tempo nascer no mundo e nascer nem o tigre ousa atacar.
do mundo.” CHILDE, V. Gordon. A evolução cultural do homem.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966. p. 40-41.
São Paulo: Martins Fontes. 1999. p. 608.
De acordo com o fragmento do texto, explique as
diferenças fundamentais entre os homens e os animais
02. A partir de seus conhecimentos, explique a seguinte
Filosofia
afirmação: o homem é o único ser que vive em um mundo e como os homens podem superar suas determinações
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Frente A Módulo 01
que não acredita precisar. composição e das características históricas que tornaram
seu uso possível, tal palavra indica
PLATÃO. Banquete, 204A1-7.
A) que o homem não possui um saber, mas o deseja,
Identifique e explique as duas atitudes em relação procurando a verdade por meio da observação das
à sabedoria descritas nesse texto. coisas, da natureza e do homem.
Em seu pequeno e brilhante livro Introdução à Filosofia, E) que a Filosofia, em sua essência, significa a atitude
daquele que tem consciência de que sabe pouco e
Jaspers insiste na idéia de que a essência da filosofia é
acredita que suas investigações o levarão à verdade
a procura do saber e não a sua posse. Todavia, ela ‘se
completa sobre as causas e origem de todas as coisas.
trai a si mesma quando degenera em dogmatismo, isto
é, num saber posto em fórmula, definitivo, completo.
Fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em
filosofia são mais essenciais que as respostas, e cada
gabarito
resposta transforma-se numa nova pergunta’. Há,
então, na pesquisa filosófica uma humildade autêntica
Fixação
que se opõe ao orgulhoso dogmatismo do fanático: o
01. O homem é resultado de uma junção de
fanático está certo de possuir a verdade. Assim sendo,
características herdadas biologicamente de sua
ele não tem mais necessidade de pesquisar e sucumbe
espécie e de características adquiridas através
à tentação de impor sua verdade a outrem. Acreditando
da cultura. Dessa forma, ao contrário dos
estar com a verdade, ele não tem mais o cuidado animais que nascem somente no mundo, e por
de se tornar verdadeiro; a verdade é seu bem, sua isso são determinados por sua herança biológica
propriedade, enquanto para o filósofo é uma exigência. inalterável, o homem, ao nascer do mundo, não
No caso do fanático, a busca da verdade degradou-se é mais determinado exclusivamente pelos limites
na ilusão da posse de uma certeza. Ele se acredita biológicos. Assim, o homem se autoconstrói, uma
vez que será fruto daquilo que aprender de sua
o proprietário da certeza, ao passo que o filósofo
cultura de forma passiva e também ativa. Por
esforça-se por ser peregrino da verdade. A humildade
isso, os homens seguem padrões morais distintos
filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence
e são tão diferentes entre si no modo de falar,
mais a mim que a ti, mas que ela está diante de nós. agir, sentir, etc.
Assim, a consciência filosófica não é uma consciência
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O pensamento filosófico
02. Viver em um mundo aberto, segundo o estudo partir do que foi vivido no passado. Então, apesar
sobre antropologia filosófica, significa dizer que de ser um caniço, o homem é um caniço pensante.
o homem é o único “ser de possibilidades” e E por mais que tenha limitações e fragilidades que
que é indeterminado. Os animais irracionais são o fazem pequeno diante das forças da natureza, ele
seres que vivem em um mundo fechado, pois sabe que é fraco, o que torna possível, inclusive,
não têm outras possibilidades na medida em pensar e criar alternativas e instrumentos que
que são resultado única e exclusivamente das possam torná-lo maior e mais forte do que
determinações da natureza. Não podem alterar praticamente todos os outros seres da natureza.
um modo de viver nem tão pouco mudar os 02. O caso das meninas-lobo é curioso e emblemático,
instintos e comportamentos de sua espécie. Por demonstrando com clareza as características
isso, vivem em um mundo fechado. O homem, que fazem dos seres humanos seres únicos e
ao contrário, pode superar suas determinações excepcionais. Qualquer outro animal, se levado
naturais utilizando sua inteligência, construindo ainda nos primeiros dias de vida para junto de
para si aquilo que lhe falta naturalmente. Assim, outros animais que não sejam de sua espécie,
viver em um mundo aberto significa viver de não se adaptariam ao seu modo de viver. Se um
forma a poder se autodeterminar, o que em cachorro crescesse junto a gatos, não significa,
Filosofia representa a verdadeira liberdade. absolutamente, que ele adotaria os hábitos e
O homem adapta a natureza a si enquanto os instintos próprios dos gatos. No caso do ser
animais irracionais simplesmente se adaptam à humano é diferente. As meninas, criadas no meio
natureza. de lobos, tomaram para si os hábitos e maneiras
próprias desses seres. Uivavam, comiam carne
03. O discurso filosófico se caracteriza
Filosofia
crua, andavam sobre pés e mãos. Somente o
fundamentalmente pela argumentação lógica e
homem, por sua capacidade de se adaptar advinda
coerente. O que se pretende na discussão filosófica
de seu pensamento, enfim, por ser também
é que o argumento, a racionalidade, supere a
fruto da cultura, pode adquirir tais hábitos.
força física ou da autoridade. Dessa forma, se
As meninas somente se tornaram semelhantes
em outras dimensões da vida humana o poder,
aos lobos e depois puderam passar por um
a hierarquia, o autoritarismo e a força de quem
processo de humanização graças à capacidade
manda ou exerce poder superam o pensamento, a
única do ser humano de pensar e adquirir novos
razoabilidade, na Filosofia o que vale, o que vence
hábitos. Isso significa, claramente, que nós não
é o poder, a força, a autoridade do argumento
somos determinados por nossa natureza, apesar
bem elaborado e inteligivelmente possível e
de a termos como os outros animais.
entendido por todos. A razão é que exerce seu
03. O texto de Gordon Childe trata, especificamente,
poder, fazendo dos homens iguais enquanto seres
da diferença fundamental entre homens e animais:
inteligentes e dispostos a discutirem para que
a capacidade elaborada de pensamento, exclusiva
a própria razão opere e estabeleça a verdade.
dos homens. Se os animais, condicionados por
A razão da força, enquanto representante da
seus instintos já nascem prontos para a vida na
lógica da autoridade e do mando, não serve
natureza, possuindo garras, penas, pelo, força,
absolutamente nada à Filosofia.
etc., o homem, apesar de não possuir nenhuma
dessas características naturais, pode superar suas
Propostos limitações criando, pela adaptação da natureza às
suas necessidades, objetos e instrumentos que
01. Segundo Pascal, o homem pode ser compreendido
atendam às suas demandas. Se não temos pelos
em duas perspectivas: se por um lado é um dos
suficientes que nos protejam do frio, podemos
mais frágeis seres da natureza, uma vez que uma criar roupas que nos aquecem ainda mais que os
simples gota-d’água é suficiente para matá-lo, ou pelos dos animais. Se o homem não tem a força do
seja, diante dos fenômenos naturais ele pouco touro para realizar seus trabalhos, pode construir
ou nada pode fazer, por outro lado é um ser máquinas e outras ferramentas que substituam a
pensante, o que lhe dá toda dignidade e o eleva força bruta do animal. Dessa forma, ao adaptar a
ao patamar de um ser superior. O pensamento, natureza às suas necessidades, o homem torna-se
a razão é a característica humana mais elevada, criador e criatura, superando suas limitações e
que torna possível superar toda sua limitação e transformando o mundo natural segundo suas
ter consciência do que faz, de planejar o futuro a necessidades.
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04. O que Freud constata é que o homem é Também se pode compreendê-la como pensamento
formado por características naturais e culturais ou origem das ideias, o que significa que a filosofia
que interagem entre si, e muitas vezes essas é vista como o simples ato de pensar, o que se
características naturais não são facilmente percebe quando alguém afirma “estar filosofando”.
algo facilmente controlado. Pelo contrário, esses sobre o homem, sobre a sociedade, sobre o
instintos, parte integrante da natureza humana, pensamento, enfim, sobre tudo o que pode ser
protestam contra o “programa de civilização”. pensado e que diz respeito à vida humana.
Assim, a tentativa de controle, por meio da 07. Atitude 1: A atitude dos deuses que não filosofam,
razão, da natureza humana e de adequação pois já são sábios e por isso não necessitam
desta àquilo que se pretende correto e justo é buscar o conhecimento. Se entendemos a filosofia
tarefa demasiado difícil e em alguns casos mesmo como caminho para o conhecimento, aqueles que
06. A filosofia pode ser entendida como modo de acredita saber tudo, ele se fecha à possibilidade
do conhecimento e não pode conhecer mais nada.
viver ou sabedoria de vida, assumindo um caráter
Seção Enem
pessoal. É a maneira que um indivíduo particular
tem de ver o mundo e de se portar diante das
situações. 01. A
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Filosofia Módulo FRENTE
A origem da Filosofia 02 A
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA por que a civilização ocidental, sob influência dos gregos,
portanto, da Filosofia, tomou uma direção completamente
diferente da civilização oriental.
As influências dos povos orientais das figuras geométricas. De modo mais simples: enquanto
o conhecimento matemático dos egípcios usava o cálculo
O início da civilização grega, que foi a primeira a se com fins práticos, Pitágoras (o primeiro a utilizar a palavra
desenvolver na Europa, se dá por volta do século XX a. C., filosofia) buscou alcançar a realidade matemática que existia
com a junção ou encontro das culturas minoica e micênica. por detrás daquilo que é perceptível aos sentidos humanos.
Tal civilização habitou a Península Balcânica, a mais oriental Se o mundo, aparentemente, é aquilo que está posto às
do sul da Europa, rodeada de inúmeras ilhas. Graças ao experiências humanas, a filosofia pitagórica (e boa parte
seu relevo montanhoso, inúmeras comunidades isoladas da Filosofia, pelos menos até Descartes, no século XVII) vai
e autônomas se desenvolveram, formando, a partir do buscar aquilo que está para além da aparência, procurando
compreender ou apreender a causa primeira, a essência
século VIII a.C., as pólis gregas ou cidades-estado. Isso
última das coisas. Perceba que o pensamento pitagórico
significa que, antes dos gregos, vários outros povos já
busca compreender a natureza numa generalidade muito
contavam com uma história de vários séculos. Mas por
mais ampla do que daquilo que se apresenta aos nossos
que a Filosofia nasceu com os gregos, mesmo sendo estes
sentidos. Pitágoras investiga a estrutura invisível da natureza
antecedidos por civilizações bastante desenvolvidas, como
que, para ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pela
a dos egípcios, dos babilônios, dos caldeus, dos chineses e
atividade puramente racional.
dos persas, por exemplo?
Enfim, a Filosofia é um modo de pensar a realidade, um
Há de se considerar, para compreendermos a genialidade modo de compreensão do mundo, que surge com os gregos
dos gregos na origem da Filosofia, o caráter não puramente dos séculos VII e VI a.C. e que, devido a razões históricas
quantitativo, mas qualitativo de suas pesquisas, o que e políticas, posteriormente se tornou o modo de pensar
representa uma absoluta e extraordinária novidade. o mundo de toda a cultura europeia ocidental, da qual,
Somente através dessa constatação é possível compreender como povo colonizado, nós participamos.
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Frente A Módulo 02
MENOR
IR
LID
e terras dos deuses, os quais faziam parte do
Atenas
IA
Éfeso imaginário do povo daquela época. Dessa forma, as
PELOPONESO
viagens marítimas são como o estopim que detona
MAR
JÔNICO
Esparta Mileto
um gradativo descrédito das explicações mágico-
imaginárias da natureza.
RODES
É interessante notarmos a estreita ligação que unia os
Cnossos gregos ao mar e a importância deste para o progresso
Cumae
CRETA
Nápoles
Taranto daquela civilização. Diante do aumento expressivo da
Editoria de arte
Hoje, ambas as teorias, “milagre grego” e orientalismo, foram 4. Escrita alfabética: se até então a tradição mítica se
superadas. Acredita-se atualmente que a Filosofia foi fruto sustentava sob uma tradição exclusivamente oral,
das condições históricas da Grécia dos séculos VII e VI a.C., transmitida de geração para geração pela fala, fato
que proporcionaram condições favoráveis ao surgimento que justifica o aparecimento de várias versões para
desse novo modo de pensar. Por isso, alguns estudiosos o mesmo mito, com a invenção da escrita alfabética,
da Filosofia, se referindo ao nascimento dessa forma de o mito é colocado no papel, é escrito, o que contribuiu
pensamento, dirão que ela é “filha da pólis”. Porém, que decisivamente para que se pudesse identificar seus
condições são essas? Podemos destacar os seguintes fatores: pormenores e suas contradições internas.
16 Coleção Estudo
A origem da Filosofia
Filosofia
a um todo coletivo. Dessa forma, o estado
tornou-se o horizonte ético do homem grego
e assim permaneceu até a era helenística.
Os cidadãos sentiram os fins do estado como
Jacob Jordaens
seus próprios fins, o bem do estado como
seu próprio bem, a grandeza do estado como
sua própria grandeza e a liberdade do estado
como sua própria liberdade (REALE, Giovanni. Prometheus
História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. São
Como foi dito, a civilização grega não nasceu junto à
Paulo: Paulus, 2003. V. I. p. 10).
Filosofia nos séculos VII e VI a.C. Esse povo tem suas
B – Ao conceberem por conta própria e segundo origens no século XX a.C. Também dissemos que o homem
seus próprios critérios as leis da cidade, tais não se contenta em não saber as coisas, ou seja, faz parte
leis passam a coincidir com a vontade dos da natureza humana buscar o conhecimento. Nas palavras
homens e não mais são impostas pela tradição de Aristóteles, “por natureza, todos os homens aspiram
e autoridade religiosas. A lei torna-se, então, pelo saber”.
expressão da coletividade humana que, pela
Se a Filosofia nasce treze séculos depois do surgimento da
racionalidade, tenta reproduzir na legislação da
civilização grega, como os homens respondiam à pergunta
cidade a própria ordem do cosmos.
“de onde veio o mundo” durante esse período?
Desse modo, a política, com a discussão das leis
e a tomada de deliberações importantes à vida da As duas “ferramentas” básicas que o homem tem para
pólis, estimula e exige um pensamento, um discurso explicar o universo são a razão e a imaginação. Logo,
racional, uma discussão política que necessariamente podemos dizer que, antes de utilizar a razão, manifestada
precisa de alto grau de inteligibilidade, coerência, no conhecimento filosófico, os gregos procuraram, como
permitindo a comunicação clara entre os cidadãos todos os povos do mundo, explicar a origem do universo
e seus pares. Tal necessidade faz surgir a semente e para tal utilizaram da imaginação a fim de compreender
do pensamento filosófico que, obedecendo a regras o funcionamento da natureza, da sociedade e o próprio
e princípios lógicos, não admite uma explicação que homem. Enfim, como forma de compreender o cosmos,
não se fundamente na razão livre ou que tenha como foi elaborada uma cosmogonia (tentativa de explicar o
base as explicações misteriosas e incompreensíveis nascimento, a origem do universo ou do cosmos por meio
do mito. Aqui se encontra a justificativa para a de narrativas imaginárias que remetem à fantasia, às formas
afirmação de que a Filosofia é “filha da pólis”. religiosas e míticas de expressão).
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Frente A Módulo 02
18 Coleção Estudo
A origem da Filosofia
Apolo, deus da música e da poesia; Ares, deus da guerra; Por outro lado, analisando o conteúdo, veremos que
Ártemis, deusa das montanhas, bosques e caça; Atena, a Filosofia não rompe definitivamente com o mito, uma
deusa da sabedoria e da estratégia militar; Caos, deus do vez que, em grande parte, os problemas tratados pela
indefinido, da desordem, daquilo que havia antes do cosmos; Filosofia são os mesmos que os mitos buscavam responder.
Cárites, deusas da beleza; Eros, deus do amor; Hades, deus Por exemplo, a questão da origem do universo e de seu
do mundo dos mortos; Gaia, deusa da Terra. funcionamento, antes explicada pela mitologia sempre por
meio de alusões ao campo divino, a Filosofia tentará explicar
Além dos deuses, na mitologia grega também há a
com base na busca pré-socrática pelo princípio primeiro e
presença de semideuses, heróis responsáveis por feitos
unificador da natureza, denominado por eles de Arché.
extraordinários, nascidos da relação amorosa entre deuses
e humanos. Entre os mais importantes, citamos: Teseu, que Dessa forma, é incorreto afirmar que a Filosofia rompeu
derrotou o minotauro. Hércules, que teve de cumprir doze radicalmente com os mitos. De alguma maneira, o que se
tarefas dadas a ele pelo oráculo de Delfos; Perseu, famoso observa, principalmente no início do pensamento filosófico, no
por ter decapitado a medusa. período pré-socrático ou cosmológico e também no período
antropológico ou socrático, é uma complementaridade de mito
É importante ressaltar que os deuses e os mitos diziam
e Filosofia na tentativa de conhecer e explicar a realidade.
respeito tanto à ordem do universo e da natureza quanto aos
aspectos da vida do homem, da condição humana, como os Não há de se pensar em mito como uma mentira e Filosofia
sentimentos, as habilidades, por exemplo, do artesanato, da como uma verdade.
construção, da fala e argumentação, da sedução, e também
a vida em sociedade, etc. [...] mito e logos são as duas metades da linguagem, duas
funções igualmente fundamentais da vida do espírito.
As histórias míticas na Grécia Antiga não são fruto da O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer.
FILOSOFIA
capacidade imaginativa de um só autor ou autores, mas O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à
são produtos de uma tradição cultural de um povo, a qual “lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta
tem seu início impossível de ser determinado. Os principais (sofisma). Mas o mito tem por finalidade apenas a si
poetas, considerados os grandes responsáveis pela maior mesmo. Acredita-se ou não nele, conforme a própria
parte do conhecimento sobre a mitologia grega que temos vontade, mediante um ato de fé, caso pareça “belo” ou
em nossos dias – Homero, que escreveu Ilíada e Odisséia verossímil, ou simplesmente porque se quer acreditar.
O mito, assim, atrai em torno de si toda parcela do irracional
(século IX a.C.) e Hesíodo, que produziu a Teogonia
existente no pensamento humano; por sua própria
(século VIII a.C.) –, na verdade não são os autores desses
natureza, é aparentado à arte, em todas as suas criações.
mitos, mas o que fizeram foi registrar os relatos orais da
tradição dos muitos povos que habitaram a Grécia desde o GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 3ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1982. p. 8-9.
século XV a.C.
visão racional da realidade, houve uma ruptura radical na autoridade de quem diz, pois pressupõe uma adesão
com a tradição e cultura gregas marcadas, antes, pelas daqueles que o recebem. Já a aceitação da Filosofia se
explicações religiosas, e agora pela Filosofia. Tal posição concentra naquilo que se diz, pois admite, ao contrário do
mito, uma atitude crítica e investigativa. O mito é dado
deve ser considerada em duas perspectivas: a da forma e
aos homens pela revelação ou visão dos videntes (poetas
a do conteúdo.
rapsodos que tinham o dom da vidência e transmitiam aos
Se analisarmos a forma de explicação própria da homens as mensagens dadas pelos deuses). Ele se baseia
mitologia em contraposição à da Filosofia, perceberemos na fé / confiança daqueles que o recebem como verdade e
que há sim uma ruptura dos primeiros filósofos com essa não necessita de justificativa nem de provas para ser aceito
forma imaginária de conhecimento, baseada na fantasia, e seguido. A Filosofia, ao contrário, deve ser justificada
no sobrenatural, no mistério, no sagrado e na magia. racionalmente, pois, se assim não for, o argumento torna-se
A Filosofia buscará suas explicações com fundamentos na inválido e não será aceito. O mito aceita contradições internas
razão, na observação da natureza, da phisys, justamente em seu discurso, já a Filosofia não aceita contradições, uma
como fizeram os primeiros filósofos, os pré-socráticos, que vez que deve ser inteligível e coerente com os princípios
estudaremos em seguida. básicos do pensamento lógico.
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20 Coleção Estudo
A origem da Filosofia
Na cultura e civilização gregas, o mito continua exercendo Ao elaborarem uma cosmologia, os pré-socráticos
um papel importante para as pessoas, ainda que ele vá, consideram que o universo segue uma ordem. Aqui
gradativamente, mudando sua função naquela sociedade. compreendemos o termo cosmos como harmonia. Seu
Se antes do nascimento da Filosofia o mito era a única forma contrário é o caos, que é a desordem, a desarmonia. Os gregos
possível de explicar a origem do mundo e as mudanças tanto entendiam que o universo, portanto, era organizado, tinha
da natureza quanto dos homens e da sociedade, a partir dos uma ordem, e essa ordem era possível exatamente por
séculos VII e VI a.C., o mito perderá tal função explicativa, haver uma racionalidade no cosmos. Assim, o cosmos pode
passando a fazer parte da tradição cultural do povo grego. ser compreendido também como uma ordenação racional,
O mito ainda será amplamente utilizado como uma Paideia, hierárquica, em que há uma relação de causalidade entre
ou forma de educar o povo, transmitindo, principalmente
os vários elementos, conferindo esse ordenamento à
por meio das tragédias, os ensinamentos morais que irão
natureza. Ora, se o universo segue essa ordem, então ele
forjando o caráter do homem grego.
é um cosmos, e este é racionalmente organizado. Se se
compreende essa racionalidade, esse ordenamento, essa
O que buscavam os primeiros relação hierárquica de causa e efeito, compreende-se
filósofos o próprio universo. É essa compreensão que os
pré-socráticos buscavam.
Os pensadores pré-socráticos, chamados por Aristóteles de
physiólogos ou pensadores da natureza (physis: natureza; Nesse mesmo caminho, os pensadores naturalistas
logos: razão, pensamento), são os primeiros homens buscavam encontrar o logos, entendido como discurso
da história a se dedicarem a encontrar uma explicação racional. O logos difere fundamentalmente do mythos, que
puramente racional para a origem do universo. O objetivo se baseia na imaginação, na narrativa poética e fantasiosa
dos pré-socráticos representa o oposto daquilo que os como modo de compreender o real. Se o mito não necessita
Filosofia
mitos realizavam. Enquanto estes explicavam a realidade de razões, o logos é essencialmente sustentado pelas razões
pela imaginação, aqueles queriam explicá-la pela razão, dadas àquilo que se conhece ou se quer conhecer. Por isso,
sem apelar a nada fantasioso e sobrenatural. Como foi dito ao dizer que os primeiros filósofos elaboraram explicações
anteriormente, a natureza e o mundo podem ser explicados ou discursos racionais sobre a natureza, dizemos que eles
pelo homem, de forma que não há mais mistério. É nisto elaboraram um logos. Esse logos consiste então em uma
que os primeiros filósofos acreditavam. explicação racional, argumentativa, na qual as explicações
e razões são sustentadas por meio de uma argumentação
Podemos afirmar que o objeto de estudo dos pensadores
da natureza é a physis ou a realidade natural. Eles buscam as sistemática e, ainda, sujeita à crítica e discussão.
causas dos processos e fenômenos naturais. Assim, a chave O pensamento dos pré-socráticos, principalmente da
que leva ao conhecimento da natureza encontra-se na própria escola jônica, não pretende, de forma alguma, ser dogmático,
natureza e não fora dela. Eles acreditavam que na natureza tudo e essa característica marca fundamentalmente a filosofia
agia e se transformava de acordo com uma relação de causa e desses primeiros pensadores. As respostas apresentadas não
efeito. Ou seja, tudo o que existe é um efeito de alguma causa querem se impor como verdades absolutas, ao contrário,
anterior. Desse modo, se se encontra a causa de um efeito, são passíveis de discussão, de crítica, de discordância,
essa causa, por sua vez, também se constitui como efeito exatamente porque são respostas e posições construídas
de uma outra causa anterior, da mesma forma, essa terceira
pelo homem e não respostas dadas por uma divindade, as
causa seria o efeito de uma quarta e assim sucessivamente.
quais não admitem oposição e reformulações. O melhor
Contudo, essa busca pela causa de um efeito poderia levar a
exemplo dessa característica tipicamente filosófica é que
investigação ao infinito, pois tudo seria um efeito de alguma
os discípulos mais importantes de Tales, Anaximandro
causa que é também o efeito de uma outra causa anterior.
e Anaxímenes, não concordaram com seu mestre sobre
Deste nexo causal entre tudo o que existe no universo, entre os
sua Arché, a água, e propuseram respostas diferentes,
fenômenos da natureza, nasce a ciência dos pré-socráticos. Se
respectivamente, o Ápeiron e o ar.
tal busca continuasse nessa lógica, os pré-socráticos cairiam em
uma busca infinita, o que, à semelhança dos mitos, tornaria a
1. Arché (Arkhé): o que está à frente. Essa palavra possui
Filosofia algo misterioso e inexplicável. Não admitindo a hipótese dois significados principais: 1) o que está à frente e por isso
de sair de uma explicação fantasiosa para entrar em outra, é o começo ou o princípio de tudo; 2) o que está à frente,
foi necessário admitir que deveria haver uma causa primeira, e por isso tem o comando de todo o restante. No primeiro
um princípio ou conjunto de princípios, uma matéria-prima significado, o mais relevante em relação ao princípio buscado
original, denominada Arché1, que teria dado início a todo o pelos pré-socráticos, Arché é fundamento, origem, princípio,
processo de transformação da natureza. É desse princípio o que está no princípio ou na origem, o que está no começo
original que os pensadores pré-socráticos estão à procura. de modo absoluto.
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Frente A Módulo 02
O que pensavam os pré-socráticos Da vida de Pitágoras nada se sabe. Alguns dirão que ele
pode nem ter existido, e que esse nome foi utilizado para
- a Arché - unir os adeptos de uma seita filosófico-religiosa. Porém, isso
Uma das principais dificuldades ao estudarmos o pouco importa para a Filosofia. Diz-se que nasceu em Samos
pensamento dos pré-socráticos é que o que se conhece deles e se estabeleceu mais tarde em Crotona, na Magna Grécia,
provém de fontes indiretas, ou seja, não se tem acesso às onde fundou uma confraria religiosa misteriosa, que mais
obras escritas pelos próprios filósofos, somente se conhece tarde chegou a tomar o poder naquela cidade.
o que outros (entre os principais, Aristóteles) escreveram Sua filosofia: os pitagóricos (termo que se refere aos
sobre seus pensamentos. Dessa forma, apenas podemos ter seguidores de Pitágoras ou pertencentes a essa seita
contato com partes diminutas de suas obras, seja porque religiosa, uma vez que esta não se divide da existência
se perderam na Antiguidade, seja porque, possivelmente, de seu fundador) afirmavam que a Arché do universo
de alguns deles não houve sequer obra escrita, sendo seus eram os números. Isso porque a natureza ou a physis é o
ensinamentos transmitidos exclusivamente pela oralidade. número, ou seja, seriam proporções harmoniosas entre as
Uma observação importante a ser realizada sobre o coisas. Portanto, o mundo seria regido por essas mesmas
pensamento dos pré-socráticos e suas investigações proporções. Assim, segundo os pitagóricos, os números são
acerca da Arché do universo é que há uma diferença as causas primeiras de todas as coisas.
fundamental que separa esses pensadores em dois Os pitagóricos, devido à sua filosofia, exerceram forte
grandes grupos: os pensadores da escola italiana e os influência no desenvolvimento da matemática grega,
pensadores da escola jônica. Tal diferença se reflete nos sobretudo no campo da geometria.
pensamentos dos dois mais importantes pré-socráticos:
paRMÊnides
Parmênides e Heráclito.
A escola italiana caracteriza-se por buscar a Arché do Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser.
universo não em coisas ou substâncias materiais, ou seja, E nada não é.
concretas, que podem ser percebidas pelos sentidos. Sobre a Natureza. In: Os Pré-Socráticos. v. 3; 6. São Paulo:
Abril Cultural, 2000. p. 123. Coleção Os Pensadores.
Os pensadores dessa escola buscarão respostas mais
abstratas e menos voltadas para uma definição a partir de
Nascido em Eleia por volta de 500 a.C., Parmênides
uma matéria concreta encontrada na natureza, como a água
representa um dos mais importantes pensadores
ou outro elemento. Ao contrário, se referem a conceitos
pré-socráticos. Segundo alguns autores, ele foi o fundador
totalmente abstratos e não perceptíveis pelos sentidos, como
da ontologia – disciplina que busca o conhecimento do ser
os números de Pitágoras.
em sua realidade mesma, ou, de forma mais simples, da
A escola jônica, por outro lado, caracteriza-se por buscar essência última dos seres. Pelo que tudo indica, Parmênides
na natureza física, nas coisas concretas, o princípio da se encontrou com Sócrates quando este ainda era jovem.
physis. Ou seja, os pensadores que fazem parte dessa escola Seu pensamento influenciou de forma determinante a
buscam, em geral, nos elementos naturais, aquele que seria filosofia, principalmente de Platão e Aristóteles, pois é
o princípio e a causa de todos os seres do universo. concedida a ele a prerrogativa de ser o filósofo do Ser
(a realidade última de todas as coisas em seu sentido
Além das escolas referidas, teremos também mais abstrato e fundamental), inaugurando, dessa forma,
a chamada segunda fase do pensamento pré-socrático, a metafísica.
denominada pluralista.
Sua filosofia: é adversário dos mobilistas, dizendo que
Falemos de cada escola e de cada pensador. o movimento não existe, por isso ficou conhecido como
defensor de uma concepção monista dos seres. Introduz na
Escola italiana ou eleata Filosofia a diferença entre essência e aparência, sendo que
esta muda constantemente (constitui o caminho da Doxa,
pitÁGORas da opinião, que é mutável e, portanto, instável) e aquela é
o caminho da Verdade, da Alétheia, que é imutável. Dessa
Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às maneira, contrariando o mobilismo de Heráclito, dirá que a
matemáticas, foram os primeiros a fazê-la progredir. via da opinião, da Doxa, não leva o homem ao conhecimento
Dominando-as, chegaram à conclusão de que o princípio verdadeiro, mas tão somente às opiniões variáveis sobre
das matemáticas é o princípio de todas as coisas. os aspectos mutáveis e passageiros das coisas. Segundo
Parmênides, o caminho correto do conhecimento é a via
ARISTÓTELES. Metafísica. 1, 5, 985b
da verdade, que conduz o homem para além da aparência,
22 Coleção Estudo
A origem da Filosofia
tal via é a verdade única, imóvel, eterna, imutável, sem A grandeza do pensamento de Tales está no fato de
princípio nem fim, contínua e indivisível. O único acesso que, pela primeira vez na história, ele pergunta não pela
à verdade do ser é o caminho da razão, do pensamento, qualidade da natureza (se é boa ou má), mas sobre do que
afastando-se da opinião formada pelos hábitos, impressões é feita a natureza.
sensíveis, que são por si só ilusórias, imprecisas e mutáveis.
anaxiMandRO (cerca de 610-547 a.C.)
A opinião se prende à experiência sensorial. Por outro lado,
a via da verdade é a do puro pensamento, da atividade
Princípio (arkhé) dos seres... ele disse que era o
intelectiva sem o uso dos sentidos. Por isso, ao afirmar que o
ilimitado [...]
ser é, ele está se referindo ao caminho do conhecimento do
mundo naquilo que ultrapassa a aparência e que é, portanto, SIMPLÍCIO. Física, 24, 13.
Não Ser. Parmênides dirá que este, na realidade, não existe, como discípulo e sucessor de Tales. Ele teria sido geógrafo,
pois, por estar em constante mudança, no mesmo momento matemático, astrônomo e político. Ao que parece, escreveu
que é, deixa de ser, portanto, não é absolutamente nada. um livro intitulado Sobre a Natureza que é considerado
a primeira obra filosófica escrita em língua grega, mas
Escola jônica tal obra se perdeu, restando dela apenas alguns poucos
fragmentos. A ele é atribuída a confecção do primeiro
tales (cerca de 625/624-558 a.C.)
mapa-múndi que continha todo o mundo habitado de sua
época. Criou o relógio solar e introduziu o uso do esquadro
[...] Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser água
(gnómon) para a medição das distâncias entre as estrelas,
[o princípio] (e por este motivo também que declarou
FILOSOFIA
sendo o iniciador da astronomia grega.
que a terra está sobre a água), levado sem dúvida a esta
concepção por ver que o alimento de todas as coisas Sua filosofia: ao contrário de seu mestre Tales, que dizia
é úmido [...] que a Arché é a água ou o úmido, portanto, uma matéria
Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 02
Sua filosofia: De acordo com Anaxímenes, o princípio, Heráclito a realidade só pode ser compreendida por meio da
a Arché do cosmos é o ar (pneuma). Para ele, o Ápeiron sensibilidade, dos sentidos, pois, se tudo está em constante
de seu companheiro Anaximandro, concebido como mudança, não há nada que esteja para além da aparência,
ilimitado, indefinido e indeterminado, se aproximava portanto, o que se percebe dos seres é sua aparência na
muito do caos, da desordem anterior à criação do constante mudança. Porém, a razão última das coisas,
cosmos (universo ordenado). Dessa forma, acredita que, o logos, só pode ser encontrado pelo pensamento.
apesar de ser ilimitado e eterno, o princípio ou Arché do
universo não pode ser indeterminado, porque a razão Escola pluralista
não poderia pensar aquilo que não tivesse determinação.
anaxÁGORas (cerca de 500-428 a.C.)
Percebemos que Anaxímenes, ao se referir ao ar, não faz
a opção por algo natural que seja concreto, como a água Anaxágoras de Clazômenas, [...] afirma que os princípios
de Tales, e também não opta por algo completamente são infinitos. Quase todas as coisas, formadas de partes
indeterminado e abstrato, como o Ápeiron de Anaximandro. semelhantes (homeomerias) como a água e o fogo, diz ele
Ao se referir ao ar, este não seria tão concreto como a água, que são geradas e destruídas por combinação e destruição.
nem tão abstrato como o Ápeiron. E por que o ar? Porque ele
ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3.
está presente, difundido em todos os lugares. É o primeiro
e último ato de um ser vivo, que ao nascer respira pela
Anaxágoras passou cerca de trinta anos em Atenas, onde
primeira vez e ao morrer respira pela última vez.
fundou a primeira escola da cidade. No ano de 431 a.C., foi
acusado de não acreditar nos deuses por dizer que o Sol é
HeRÁClitO (cerca de 540-470 a.C.)
uma pedra incandescente e que a Lua era uma terra e não
uma deusa. Pelo que parece, foi preso, mas logo depois
Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque
fugiu para Lâmpsaco, outra cidade da Jônia. Sua obra Sobre
o rio não é mais o mesmo.
a Natureza, da qual resta uma pequena parte, é a fonte
PLUTARCO. Coriolano, 18 p. 392 B. mais confiável de seu pensamento. Foi físico, matemático,
astrônomo e meteorologista.
Nascido na cidade de Éfeso, Heráclito ficou conhecido pelo
sua filosofia: Anaxágoras disse que a realidade é
codinome “O Obscuro”, ou “Heráclito, o fazedor de enigmas”,
composta de uma infinidade de pequenos elementos a que
devido à sua escrita de difícil compreensão e interpretação.
ele denomina de homeomerias. Tal como sementes, esses
Como Parmênides, pode ser considerado um dos grandes
elementos seriam a união de tudo o que existe. Dessa
fundadores da Filosofia. Outros estudiosos dirão que é o
forma, tanto os quatro elementos quanto todas as oposições
mais importante dos pré-socráticos. Diz-se de Heráclito que
encontradas na natureza, como quente-frio, estão presentes
desprezava a plebe, não intervinha na política da cidade,
em todas as coisas em proporções diferentes. Assim, a physis
desprezava os antigos poetas como Hesíodo e Homero, os
seria composta dessas sementes ou homeomerias, de forma
filósofos e a religião de seu tempo. Escreveu um livro em
que esse conceito representa a Arché de Anaxágoras.
prosa no dialeto de sua cidade natal também chamado Sobre
a Natureza. deMÓCRitO (cerca de 460-370 a.C.)
Sua filosofia: é considerado um dos principais defensores Átomo (i. e., não-cortáveis), maciços (i.e., unidades),
do mobilismo, concepção que dirá que todas as coisas grande vazio, seção, ritmo (i. e.; forma), contato, direção,
naturais estão em constante movimento, em constante entrelaçamento, turbilhão (termos encontrados num
mudança. Tudo muda o tempo todo, tudo está num papiro restaurado, em que Demócrito é acusado de plagiar
constante devir, num fluxo contínuo de mudança. Essa ideia, A Grande Ordem do Mundo, de Leucipo).
a mais conhecida de sua filosofia, é importante, porém seu
pensamento vai além disso. A ideia de logos é fundamental (Fragmento 1) Papiro Herculano, 1788
24 Coleção Estudo
A origem da Filosofia
FILOSOFIA
Sua filosofia: ao contrário de alguns pré-socráticos
04. O mito é uma forma autônoma de pensamento e de vida.
Nesse sentido, a validade e a função do mito não são
que buscavam um único princípio das coisas, Empédocles
secundárias e subordinadas em relação ao conhecimento
defenderá que são os quatro elementos, fogo, terra, água
racional, mas originárias e primárias, situando-se num
e ar que constituem o universo, ou seja, que a Arché
plano diferente do plano do intelecto, porém dotado de
da natureza são os quatro elementos que se unem e se
igual dignidade [...]
separam, formando os diversos seres da natureza, porém em
proporções diferentes em cada ser. Esses quatro elementos MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
são separados e unidos pelo ódio, que busca a diferença, São Paulo: Martins Fontes, 2007.
e pelo amor, que faz reunir as semelhanças, ou seja, pelo De acordo com a definição anterior, explique por
amor os elementos se unem e pelo ódio os seres se separam. que o conhecimento mítico tem a mesma dignidade do
conhecimento filosófico.
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
05. Na Antigüidade clássica, o mito é considerado um produto
01. explique, com suas palavras, a seguinte afirmação: a inferior ou deformado da atividade intelectual. A ele era
Filosofia é filha da Pólis. atribuída, no máximo, “verossimilhança”, enquanto a
‘verdade’ pertencia aos produtos genuínos do intelecto.
02. O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer.
Esse foi o ponto de vista de Platão e de Aristóteles. Platão
O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à
contrapõe o mito à verdade ou à narrativa verdadeira
“lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta
(Górg., 523 a), mas ao mesmo tempo atribui-lhe
(sofisma). [...] O mito, assim, atrai em torno de si toda
verossimilhança, o que, em certos campos, é a única
parcela do irracional existente no pensamento humano;
validade a que o discurso humano pode aspirar (Tini.,
por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas
29 d) e, em outros, expressa o que de melhor e mais
as suas criações
verdadeiro se pode encontrar (Górg., 527 a). Também
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 3ª edição. São Paulo: para Platão o M. constitui a “via humana mais curta” para
Brasiliense, 1982. p. 8-9. a persuasão [...]
MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
Redija um texto diferenciando a racionalidade do logos e
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
a irracionalidade do mito de acordo com o trecho anterior.
explique por que, segundo essa definição, o mito
03. De acordo com o estudado, faça um quadro comparativo é considerado mentira para pensadores como Platão
diferenciando as características do mito das características e Aristóteles. Você concorda com esta posição?
da Filosofia. justifique sua resposta.
Editora Bernoulli
25
Frente A Módulo 02
06. Mais que saber identificar a natureza das contribuições No mito Édipo Rei, são dignos de destaque os temas do
substantivas dos primeiros filósofos é fundamental destino e do determinismo. Ambos são características do
perceber a guinada de atitude que representam. mito grego e abordam a relação entre liberdade humana e
A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas providência divina. A expressão filosófica que toma como
acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição pressuposta a tese do determinismo é:
religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as A) “Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu
propriedades que definem a filosoficidade. tinha de mim mesmo.” Jean Paul Sartre
OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção B) “Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que
da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24. Deus nela escreva o que quiser.” Santo Agostinho
A partir do trecho e de outros conhecimentos sobre o C) “Quem não tem medo da vida também não tem medo
assunto, REDIJA um texto explicando a “guinada de da morte.” Arthur Schopenhauer
atitude” representada pelos pré-socráticos. D) “Não me pergunte quem sou eu e não me diga para
permanecer o mesmo”. Michel Foucault
07. “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é
E) “O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua
ser. E nada não é”.
imagem e semelhança” Friedrich Nietzsche
Sobre a Natureza, vv. 3; 6.
insolentemente, ordenou que saísse da estrada. Édipo na cidade, incluindo nela todos esses avanços
e mudanças, que a Filosofia surge como forma
reagiu e matou todos os integrantes do grupo, sem saber
sublime de busca do conhecimento.
que entre eles estava seu verdadeiro pai. Continuou a
viagem até chegar a Tebas, dominada por uma Esfinge. 2. O logos filosófico é caracterizado por sua ligação
intrínseca com a coerência do pensamento e
Ele decifrou o enigma da Esfinge, tornou-se rei de Tebas
a rigidez dos argumentos. Dentro da Filosofia
e casou-se com a rainha, Jocasta, a mãe que desconhecia.
não há espaço, em sua argumentação, para o
Disponível em: http://www.culturabrasil.org. erro lógico e a contradição. Pelo contrário, um
Acesso em: 28 ago. 2010 (Adaptação).
26 Coleção Estudo
A origem da Filosofia
Filosofia
MITO FILOSOFIA a existência de monstros que povoariam o mar,
terras habitadas por deuses, abismos no horizonte
Tem como fundamento a não eram verdadeiros. Tais histórias, presentes
imaginação manifestada em Tem como fundamento a razão. no imaginário dos gregos, foram gradativamente
discursos religiosos. perdendo sua força, e um dos principais motivos
dessa transformação foram as viagens. Além
Busca a formulação de
disso, as viagens marítimas tiveram um papel
Fictício, imaginário, histórias explicações que seguem um
importantíssimo no desenvolvimento do comércio
sem comprovação e que não rigor argumentativo lógico.
entre os povos, o que contribuiu decisivamente
se preocupam com uma lógica Se não houver coerência, o
para que houvesse uma troca de informações
metodológica do discurso. discurso e o argumento são
de povos diferentes, consequentemente levando
rejeitados.
à constatação de que as histórias míticas são
Baseia-se na fé / confiança muitas e variadas, levando também à constatação
daqueles que o recebem Baseia-se em formulações de que tais narrativas poderiam não ser verdades
como discurso inquestionável, racionais e não é aceito pela incontestáveis e absolutas.
pois confiam em quem diz; autoridade de quem diz, mas 3. A tradição mitológica diz respeito à tradição
pressupõe uma aceitação sim na realidade do que é dito, grega anterior aos séculos VII e VI a.C.,
e adesão daqueles que o ou seja, do argumento. quando nasce o pensamento filosófico. Esse
recebem. modo de explicar o cosmos se caracteriza
pela crença na divindade, aquela que rege e
Voltado para os sentimentos Voltada para a construção de faz que tudo aconteça. As narrativas míticas
humanos. argumentos lógico-científicos. representavam para os gregos a única verdade
possível, tanto que eram indiscutíveis, como
Nasce da intuição do homem eram inquestionáveis também aqueles que os
ou da sociedade que o constrói, Nasce da atitude crítica do transmitiam, denominados poetas rapsodos.
é acrítico e muitas vezes se homem diante da natureza e O mito se baseia na fé / confiança daqueles que
manifesta como forma ingênua de si mesmo. o recebem, uma vez que é a própria revelação
de ver a realidade. dos deuses ao homem. O mito não necessita ser
Procura explicações mais pro- explicado à razão, ele encontra eco no imaginário
Procura explicar a origem de um povo, onde se fundam sua eficácia e força.
fundas e pormenorizadas
de todas as coisas e seu Por outro lado, a Filosofia caracteriza-se pela
sobre o mundo e o homem,
funcionamento por meio de racionalidade e necessidade de compreensão
de forma a obter respostas
explicações que tendem à do que é dito. Não há mais a força da crença
provadas ou argumentativa-
totalidade. e da autoridade de quem diz, mas a força se
mente sustentadas.
estabelece naquilo que se diz, pois a ideia
Aceita contradições em suas Não aceita contradições em precisa ser clara à razão de todos. Um discurso
narrativas. seus argumentos. racional, inteligível e não contraditório, baseado
na reflexão, investigação e crítica.
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Frente A Módulo 02
4. Quando se fala de tipos ou modos de conhecimento racionais e inteligíveis, mas misteriosas e acríticas.
não é possível apontar aqueles que são melhores e Tal guinada representa a busca por respostas
aqueles que ocupam a segunda ou terceira posição racionais, baseadas no próprio homem, em sua
em relação à sua importância. Se a Filosofia se observação e estudos da natureza. A partir dos
baseia na razão como forma de compreensão pré-socráticos, temos o início da Filosofia que,
do mundo, o mito se funda na imaginação com mais do que um conjunto de saberes, é antes de
os mesmos propósitos. Com isso, não é correto tudo uma atitude crítica e investigativa em busca
afirmar que a razão é mais importante que a de respostas racionalmente justificáveis.
imaginação, portanto, que a Filosofia é mais 7. Podemos afirmar que o objetivo do pensamento
“correta” ou “verdadeira” que a mitologia. Trata-se de Heráclito e Parmênides é o mesmo, encontrar
de tipos ou modos de conhecimento distintos. a verdade sobre os seres. Porém, as posições
Ambos têm igual dignidade e ocupam a mesma defendidas por eles são fundamentalmente
posição em relação à necessidade de conhecer do distintas. Parmênides defenderá o imobilismo.
homem, diferenciando-se tão somente quanto à Considerado como um monista, afirma que os
sua origem, método e características. seres possuem uma aparência e uma essência,
5. Para Platão e Aristóteles, o mito pode ser sendo que esta é imutável, e aquela está em
considerado um modo inferior de conhecimento. constante mudança. Por isso, afirma que o ser é, ou
Dessa forma, ele é tido como uma narrativa seja, o que existe é somente a essência, que será
que não está preocupada com a verdade em si, conhecida pela razão e não pelos sentidos. O Não
com o conhecimento verdadeiro da realidade e Ser seria o nada, e por isso não é, ou seja, como
do homem, mas está comprometido com um a aparência está em constante transformação,
discurso explicativo que busca a satisfação ela não é nada, uma vez que aquilo que é em um
do desejo de conhecer ou explicar, sem se instante deixa de ser no instante posterior.
importar com a verdade última das coisas que Já Heráclito defenderá que não existe uma
Platão julga estar no inteligível e Aristóteles no diferença entre essência e aparência, mas
sensível. que todas as coisas são somente aparência
A posição assumida pelo aluno precisa estar e que mudam o tempo todo. Dessa forma, é
bem fundamentada. Dessa forma, pode-se um mobilista, pois afirma que tudo está em
argumentar: movimento e se altera. O conhecimento dos seres
é somente o conhecimento obtido pelos sentidos.
Posição favorável: O mito, baseando-se na Para além da aparência dos seres, existe o
imaginação e não estando comprometido com Logos, que é aquele que dá a unidade em meio
o conhecimento das essências ou natureza à pluralidade das transformações e dos opostos.
última dos seres, não pode ser considerado O Logos, entendido como razão, pensamento, dá
um conhecimento verdadeiro. Não passa de a lógica ao movimento e à luta dos contrários,
narrativas que tentam convencer, persuadir a fazendo com que as coisas sejam compreendidas
partir de fantasias que não servem para dizer mesmo na multiplicidade.
a realidade dos seres. Segundo Platão, o mito
8. Os pensadores pré-socráticos, chamados por
encontraria respaldo como forma de explicação
Aristóteles de physiólogos ou pensadores da
quando a razão se torna insuficiente para explicar
natureza, foram os primeiros homens da história
a realidade.
a se dedicarem a encontrar uma explicação
Posição contrária: O mito é uma forma puramente racional para a origem do universo.
particular de explicar o mundo e os seres. Dessa Rompendo com a tradição mítica, eles queriam
forma, não há de se questionar se é válido ou explicar a origem do universo de forma não
inválido, verdade ou mentira, mas há de se fantasiosa, por meio de pensamentos próprios
considerar somente que é uma forma diferente de e não por revelações de seres sobrenaturais.
outras, como a Filosofia, de explicar o real. Dessa Acreditando que tudo o que existe na natureza
forma, discorda-se de Platão e Aristóteles, uma é resultado de uma relação de causa e efeito,
vez que defendem a inferioridade do mito, não acreditavam que, se encontrassem a primeira
levando em consideração as diferenças inerentes causa de todas as coisas, encontrariam a
que constituem essa forma distinta de explicação resposta para a origem do cosmos. A essa causa
da realidade. primeira deram o nome de arché, que seria uma
6. Os pré-socráticos foram os primeiros filósofos espécie de matéria-prima inicial da qual todas
da história. Sua atitude diante do cosmos lança as coisas teriam surgido. Por exemplo, Tales
as raízes daquilo que se conhecerá a partir de acreditava que a arché do universo era a água.
então por Filosofia. A guinada de atitude que Dessa forma, via na água o princípio de todas as
eles representam se constitui exatamente na não coisas existentes.
aceitação de respostas fictícias e imaginárias sobre
a origem do universo e seu funcionamento. Tais Seção Enem
respostas míticas representavam a autoridade da
religião e da tradição, não sendo, por si mesmas, 01. B
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