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Análises dos efeitos do câmbio fixo valorizado sobre a atividade industrial entre 1994 e
1998
Introdução
No Brasil, uma característica extremamente marcante do período que se estende de 1994 a 1998,
estudado neste trabalho, é a taxa de câmbio, que se manteve extremamente valorizada e com uma paridade
próxima de 1 para 1 com relação ao dólar. Essa política cambial acarretou profundas mudanças em diversos
aspectos da economia e sociedade brasileiras.
O presente trabalho visa analisar os impactos dessa valorização cambial observada no período, focando
principalmente no que tange ao emprego, investimento e competitividade do setor industrial brasileiro.
As diretrizes governamentais do programa de governo Mãos à Obra (1995-1998) apresentam para
o Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, o papel de fortalecer a atuação junto ao setor privado. O
programa em si, listava entre os objetivos prioritários para o governo a necessidade de fazer reformas,
econômicas, políticas e sociais, para integrar o país nos processos globais de transformação e a
descentralização do governo federal, repassando atividades à iniciativa privada1. Nesse sentido, faz-se
relevante entender em que medida esses objetivos foram realmente atingidos pelo governo, tendo também
em mente os custos da política cambial vigente na época.
1 FHC, 1994.
2 Veiga, 200
3 Bresser, 2010
Não há dúvidas que a valorização cambial gerou perdas para a indústria brasileira no curto prazo. No
entanto, faz sentido admitir que setores industriais distintos possuem eficiência e produtividade diferentes
entre si, o que implica em uma grande variação nos impactos gerados pela valorização do câmbio. Vale
ressaltar, no entanto, que essa mudança na dinâmica industrial no Brasil também gerou profundos impactos
nos níveis de emprego.
Para Lazzarini et al. 4 “...a própria divisão clássica entre produtos básicos, semimanufaturados e
manufaturados deveria ser revista, uma vez que para gerar produtos ‘básicos’ é necessário um grande
leque de produtos e processos intermediários altamente elaborados. Por exemplo, há um bom tempo o
conceito de ‘setor agrícola’ foi expandido para acomodar cadeias integradas de produção de alimentos,
fibras e bioenergia, que reúnem indústrias e serviços a montante e a jusante da agricultura para produzir
commodities e produtos”
Dessa forma, ainda que os setores industriais menos competitivos tenham observado perdas
irreversíveis advindas da valorização cambial e liberalização do comércio, essa realidade não deve ser
generalizada. Essas mesmas políticas também aumentaram o acesso a bens de capital mais modernos e
produtivos, aumentando os níveis de competitividade nacional e internacional dos setores da economia em
que o Brasil possui naturalmente uma vantagem comparativa.
O câmbio valorizado do período, com paridade 1 para 1, tem uma relação direta com os
investimentos na indústria, na medida que prejudica a competitividade do setor frente aos produtos
importados, sufocando as firmas nacionais. Além disso, experimentamos a tendência decrescente da taxa
de juros (SELIC), que despencou do pico de 4,25% ao mês em junho de 1995 para o vale de 1,5% ao mês
em novembro de 19975, fator que contribui como um desincentivo para alocação de novos investimentos,
uma vez que retorno sobre eles seria menor.
É importante raciocinar também que o aumento da taxa de juros poderia não ser necessário para uma
economia com a inflação recém controlada e demanda reprimida, aspecto que mais assombrava o Brasil
há décadas. Muito provavelmente, esse trade-off foi levado em conta pelos policy-makers, já que houve
algum grau de proteção às industriais nos setores automobilístico, eletrônico e informática, têxtil e de
brinquedos, já que foram promovidos incentivos fiscais, P&D, isenção fiscal de IPI e linhas especiais de
financiamento pelo BNDES6 (Anexo 1). Na indústria automobilística, setor altamente exposto e sensível à
alterações macroeconômicas, essas medidas parecem ter funcionado, uma vez que as vendas totais de
unidades cresceram de 1,4 mi (1994) para 1,9 mi (1998)7 (Anexo 2).
Historicamente, países asiáticos como a China e Índia, igualmente parte dos BRICS, contaram
com taxas de câmbio depreciadas para viabilizarem o desenvolvimento da indústria manufatureira. O Yuan
chinês sofreu uma desvalorização de 50% em um intervalo de 2 semanas em janeiro de 1995 e, desde
então, nunca mais retornou os patamares pré 19958, mantendo-se desvalorizado em relação ao dólar. Não
coincidentemente, o crescimento exponencial chinês tem se dado desde os anos 2000. Caminhando na
direção oposta com o câmbio fixo e apreciado, houve no Brasil uma retração de 13 pontos percentuais na
participação do setor no PIB (de 40% para 27%)9. Apenas na construção civil, a taxa de investimento caiu
de 75% para 57% em 5 anos10. Já no setor de bens de capital, o decrescimento foi de 5%11.
Belluzo é enfático ao afirmar que o câmbio apreciado, além de gerar perda de competitividade, também
acarreta na desoneração tributária para as indústrias, alvejando diretamente o superávit fiscal. Essa quebra,
por sua vez, contribui para o aumento das pressões inflacionárias, da taxa de juros e queda dos
investimentos privados, o que conhecemos por Crowding-out. Para o economista, mesmo que o Plano Real
tenha tido sucesso no combate à inflação, cometeu o grave erro da apreciação cambial e falta de incentivo
governamental adequado para o setor industrial.
Na mesma linha de raciocínio, Rubens Ricupero, chama a atenção para o que ele nomeia de
“desindustrialização relativa”, ou seja, mesmo que haja algum ganho absoluto para o setor industrial (como
Os efeitos sobre inovação caminham no mesmo sentido dos sobre investimentos, já que aquele é
uma consequência deste, uma vez que inovar incorre em aumento de custos na maioria das vezes. Segundo
a visão shumpeteriana, a inovação é a “mola propulsora do capitalismo” (1911). Nesta seção, usaremos
patenteamento como proxy de inovação porque é o dado público mais acessível sobre as indústrias no
Brasil no período 94-98.
Segundo Campos et al., os países buscam constantemente intensificar seu esforço inovativo como forma
de elevar sua competitividade. No caso brasileiro, porém, esse esforço foi prejudicado devido à perda dela
nacional e internacionalmente. Em 1999, os dispêndios em P&D pelo setor privado brasileiro
representavam 0,4% do PIB. Na maioria dos países desenvolvidos, esse percentual alcançava 2% (2,4%
nos EUA)12. Entre os países da OCDE, a 63,4% desses gastos foram assumidos pelas corporações em
200113. No Brasil, esse percentual foi de 41,4% no mesmo ano14. Outro ponto relevante é a cooperação
com universidades e institutos de pesquisa como importante alternativa inovativa.
Em 2000, apenas 1,2% das empresas inovadoras possuíam vínculos com instituições de ensino e pesquisa
no Brasil15. Na Suécia, esse índice era de 44,5% em 199616. Assim, os autores argumentam que ao longo
da década de 90, as indústrias brasileiras, com poucas exceções, não desenvolveram capacidade inovativa
própria e não chegaram a desenvolver P&D comparáveis às de seus concorrentes, o que as deixou em
condições deficientes na integração com o mercado internacional. Esse movimento fica mais claro quando
analisamos o Anexo 3. Podemos ver que, enquanto o Brasil desenvolveu 34 patentes entre 1992 e 1998, a
Coreia do Sul deu um salto de 2.72. Isso significa que, em 6 anos, a Coreia do Sul desenvolveu 80 vezes
mais patentes que o Brasil, sendo que o país asiático contava com 9 patentes a mais que nós em 198417.
Ruberns Ricupero aponta que o Brasil nunca conseguiu criar uma indústria farmacêutica comparável às
grandes indústrias mundiais e perdeu a chance de construir uma indústria eletrônica e química avançada.
A incipiente indústria informática e telecomunicações nos anos 1980, e até meados de 1990, praticamente
sumiu justamente pela perda de competitividade causada pelo câmbio. Para Belluzzo, perdemos nossa
capacidade inovativa para a China. Bresser argumenta que “populismo cambial” pode ser igualmente
apontado como responsável pela tendência que dificultou e inviabilizou a industrialização e o crescimento
do país.
Entretanto, Lazzarini et al., sugerem que é no setor de serviço, não no industrial, em que a inovação
exibe a maior taxa. Eles argumentam que a via para aumentar a taxa de inovação tecnológica Brasil é via
serviços, e não manufaturados. Acreditamos que esse argumento é uma alternativa interessante e faz
sentido uma vez que o setor de serviços é menos exposto ao câmbio e se ajusta mais rapidamente aos
choques (a depender das políticas trabalhistas). Além disso, o setor de serviços é o que mais emprega e,
portanto, tem maior capacidade de geração de renda. A fraqueza do argumento, portanto, é fomentar
inovação tecnológica em um país em que 47% da população não tem acesso à rede de esgoto18.
Entre 1994 e 1998 o valor do salário passou de R$64,79 para R$120,0019. A valorização cambial
teve efeitos positivos quanto a elevação do poder aquisitivo dos salários, medidos em dólares20 refletindo
no controle inflacionário. No entanto, no que diz respeito às relações de trabalho, se faz necessário fazer
uma análise mais ampla, para entendermos que além da pressão competitiva na produção, gerada pela
Conclusão
21 IBGE, 2021.
22 Como mostra o gráfico deste documento de 1999, que circulou pelo gabinete presidencial na segunda gestão FHC.
23 Ipea, 2000
24 Alves, 2009
25 Achados econômicos, 2014.
26 Vianna, 1949.
27 Nova economia Internacional, 2007
28 Silva, 2013
29 O futuro da indústria no Brasil: desindustrialização em debate, 2013.
Anexos
Anexo 5 (Globo,1996)
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