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Formação de

Mediadores de Educação
para Patrimônio

Arte e
patrimônio
Sandra Nancy Ramos F. Bezerra
SUMÁRIO
1. Apresentação............................................................................... 51
2. A xilogravura chega ao cordel..................................................... 53
3. Os folhetos sem imagens............................................................ 56
4. As ilustrações em zincogravura.................................................. 57
5. A introdução da xilogravura nos folhetos.................................. 58
6. Movimento folclorista, musealização
e patrimonialização da xilogravura............................................ 60
Referências...................................................................................... 63
1.
APRESENTAÇÃO
o presente módulo, fare-
mos uma reflexão sobre
arte e patrimônio, to-
mando como base a xilo-
gravura popular produzida
em algumas localidades do
Nordeste e, em especial, no
município de Juazeiro do
Norte, Ceará.
A fonte documental
principal desse estudo é a coleção de xilo-
gravuras que constitui o acervo do Museu
de Arte da Universidade Federal do Ceará,
o Mauc, em Fortaleza, adquirida entre fins
dos anos de 1950 e início dos anos 1960.
A xilogravura é uma expressão artística
milenar, utilizada na Antiguidade para a es-
tamparia de tecidos e, em seguida, usada
no papel. Os testemunhos mais antigos de
xilogravura em papel datam do século VIII,
são orações budistas impressas no Japão.

PARA OS
CURIOSOS

Você conhece a técnica de


xilogravura? No seu estado
ou cidade existem artistas que
utilizam essa técnica ou museus e
galerias que guardam coleções de
xilogravura? Se não houver, busque
na internet informações sobre a
xilogravura brasileira, especialmente
sobre “como” ela é executada.

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Na sua chegada à Europa, no século XII,
a xilogravura trilhou o mesmo percurso dos
antigos, ou seja, a estamparia de tecidos, SE
para depois partir para imagens sacras e car- LIGA!
tas de baralho. No século XV contribuiu para
os primeiros livros impressos da história. A
partir daí foi sendo exercitada até alcançar
altos níveis artísticos (COSTELLA, 1984). Imprensa Régia. Editora lusitana,
O ingresso da xilogravura no Brasil se depois transferida para o Brasil,
deu no século XIX, com a implantação da em 1808, com a vinda da Família
Imprensa Régia, utilizada nos periódicos Real. Nela foi editado o primeiro
para torná-los mais atrativos quanto ao as- jornal da colônia, a Gazeta do Rio
pecto visual. Em um dos três mais antigos de Janeiro, periódico que permitiu
jornais em circulação no Brasil, o Mossoro- a circulação de notícias, embora
ense, a xilogravura era utilizada para desta- restritas, por ser um veículo usado
car as notícias, a publicidade ou os artigos para expandir a imagem que
assinados mais importantes de sua edição. convinha à Corte Portuguesa.
Contudo, é curioso e importante salien-
tar que além do uso na imprensa, há evi-
dências que apontam para o emprego da
xilogravura em uma época anterior ao pe-
ríodo mencionado, com outras finalidades,
entre os indígenas. É possível que a técni-
ca tenha sido repassada aos nativos pelos
missionários portugueses, no século XVII,
durante a realização da catequese.
Essa evidência foi identificada pelo pin-
tor italiano Guido Boggiani, no Mato Grosso
do Sul, em 1892, entre os Kadiwéu. Eles, com
apenas um pequeno pedaço de madeira en-
talhada, carimbavam o corpo com sinais e
figuras, além de estamparem raras peças de
vestuários (COSTELLA, 1984, p.83).

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2.
AS XILOGRAVURAS
CHEGAM AO CORDEL
importante salientar que a xilo-
gravura integrou o mundo das
artes visuais brasileiras, no século SE
XX, sendo praticada por Oswaldo LIGA!
Goeldi (1895-1961), natural do Rio
de Janeiro, considerado o “pai da
xilogravura brasileira”, entretanto,
paralelamente ao itinerário da Com o desenvolvimento de novas
arte oficial, no Nordeste, prestou- tecnologias de impressão e a morte
-se às atividades utilitárias, servindo como de José Bernardo, a Tipografia São
rótulo de produtos, como também ilus- Francisco entrou em decadência.
trações das capas dos folhetos de cordel, Seu acervo e equipamentos foram
sobre o qual discutiremos com mais deta- adquiridos pelo Governo do Ceará,
lhes posteriormente. sob novo nome – Lira Nordestina
Muitos poetas escreveram e, ao mesmo – sugestão do poeta Patativa
tempo, ilustraram suas obras com a técnica do Assaré. Hoje, a Universidade
que passou a ser considerada, de acordo Regional do Cariri (Urca) responde
com José M. Luyten, a verdadeira repre- por sua administração, que se
sentação do espírito do cordel (apud tornou um espaço de produção de
CASCUDO, 2002, p.752). xilogravura, superando a publicação
Nesse contexto de produção dos versos de cordéis.
populares e ilustrações com a técnica, a
Tipografia São Francisco, de propriedade
de José Bernardo da Silva, em Juazeiro do
Norte, Ceará, teve grande destaque, uma
vez que assumiu a posição de maior editora
de literatura popular do país.

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A partir dos anos de 1950, a xilogra-
vura popular passou a ser observada por
intelectuais em algumas localidades do
Nordeste de modo independente dos fo-
lhetos. Este novo olhar lhe conferia uma
valorização como produção artesanal
autônoma, iniciada em Alagoas, pelo
folclorista Téo Brandão, em seguida, no
estado de Pernambuco, por parte do co-
lecionador de arte Abelardo Rodrigues,
e pelo estudioso paraibano Ariano Suas-
suna, que escreveu artigos sobre elas no
Diário de Pernambuco.
Ainda entre os anos 1950-1960, com o
impulso da industrialização e dos novos
meios de comunicação, como o rádio e a
televisão, acreditava-se na morte ao cor-
del e, consequentemente, junto com ele,
a morte das xilogravuras. Na realidade, o
cordel adaptou-se aos novos meios co-
municacionais, passando a ser difundido
amplamente pelos repentistas nas rádios,
além de se articularem em feiras, espaços
e equipamentos públicos, sendo reconhe-
Tacos cidos por editoras de pequeno, médio e
São os pedaços grande porte. Embora o estilo discursivo
de madeira que tenha permanecido, continuou a propaga-
servem como matriz
ção do desaparecimento da xilogravura.
para o desenho e o
entalhamento da Nesse contexto, reverberava a visão fol-
gravura, a partir de clorista que percebia a xilogravura como ex-
objetos pontiagudos. pressão avessa à ideia de modernidade. No
Uma vez entalhados, Ceará, a mesma ideia de desaparecimento
os tacos recebem foi abraçada por agentes fundadores do
aplicação de tinta
sobre a imagem a ser
Mauc, inaugurado em 1961.
transferida Nos anos que antecederam à criação do
para o papel. Mauc, esses agentes recolheram os tacos
de xilogravuras utilizadas nas capas dos fo-
lhetos, livros de orações e rótulos de produ-

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tos que pertenciam a algumas gráficas do
Nordeste, como em Pernambuco, Paraíba
e Ceará. Constituíram, assim, uma coleção
do gênero que passou a ser revelada em
exposições, guardada e conservada como
acervo desse novo museu de arte.
Esta recolha possibilitou a valorização
da xilogravura vinculada ao cordel. Nossa
cultura prevê como locais específicos onde a
arte pode manifestar-se, os museu e galerias,
que também conferem estatuto de arte SE
aos objetos enobrecendo-os e garantindo-
-lhes o rótulo “arte” (COLI, 2006, p.32). LIGA!
Em 1962, o artista cearense Sérvulo Es-
meraldo, também ligado ao Museu e à Uni-
versidade Federal do Ceará, residia em Paris.
Mestre Noza: Inocêncio Medeiros
Por motivo de visita ao Juazeiro do Norte,
da Costa ou Inocêncio da Costa Nick,
acabou constituindo uma nova modalidade
como dizia chamar-se, nasceu em
de criação popular para as xilogravuras. En-
Taquaritinga do Norte-PE, em 1897.
comendou uma série representativa da “Via
Mudou-se para o Juazeiro do Norte
Sacra” ao mestre Noza, publicando-as em
em 1912, onde exerceu diversas
1965, na capital francesa, fundando assim a
atividades, entre as quais a de
experiência inédita de criação de álbuns
funileiro. A partir da década de 1930,
temáticos que passaram a ser comercia-
tornou-se conhecido como artista
lizados dentro da perspectiva do mercado
popular, pelas criações de esculturas
de arte, com numeração de cada gravura e
em madeira. Sua primeira escultura
assinatura do artesão/artista.
foi um são Sebastião, mas depois
resolveu esculpir uma imagem
do padre Cícero, levando-a para
apreciação do sacerdote, que achou
PARA OS graça e perguntou: “Eu sou assim?”.
CURIOSOS Desde então fez milhares de imagens
do padre (proclamado santo por
devotos de diversas localidades do
Brasil). Na década de 1950, recebeu
Quer saber mais sobre a história encomenda de José Bernardo
do Museu de Arte da UFC (Mauc)? da Silva para fazer xilogravuras,
Acesse: mauc.ufc.br/sobre-o-mauc/ tornando-se gravador.

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3.
OS FOLHETOS
SE
LIGA!
SEM IMAGENS
omo já foi visto, a xilogravura Leandro Gomes de Barros nasceu em 1865, em Pombal-
esteve presente nas ilustra- PB. Faleceu em Recife-PE, em 1918. Durante sua infância,
ções dos jornais, mas os cor- conviveu com violeiros. Em 1889 passou a publicar versos,
déis que eram impressos nas tornando-se um dos pioneiros da literatura de cordel. Em
gráficas, nas primeiras déca- 1906, adquiriu uma gráfica onde imprimiu seus os próprios
das do século XX, não traziam trabalhos para comercializar. Com sua morte, a família
ilustrações xilográficas em vendeu os direitos da sua autoria para o editor e poeta
suas capas. Eles apresentavam João Martins de Athayde, que passou a publicar os textos
apenas informações básicas, sem lhe creditar a autoria. Estima-se que a sua obra tenha
em formatação simples. Algu- sido constituída de mais de 600 títulos.
mas capas continham ornamentos, como Francisco das Chagas Batista é um poeta paraibano
cercaduras e arabescos. Por não trazerem nascido na Vila do Teixeira, no ano de 1882. Seu primeiro
ilustrações, ficaram conhecidos como “fo- folheto intitulado, Saudades do sertão, foi produzido aos
lhetos sem capa” (MELO, 2003, p. 113). 20 anos de idade. A partir do ano de 1905, passou a vender
A seguir, temos um modelo concebido cordéis em Recife. A sua afeição à leitura o fez entrar para
pelos primeiros poetas-editores da litera- o mercado de livros em 1911, em João Pessoa. Dois anos
tura popular do Nordeste, como Leandro depois, fundou a Livraria Popular Editora, tornando-se um
Gomes de Barros, Francisco das Chagas Ba- dos primeiros editores de cordel da época. Morreu aos 48
tista e João Martins de Athayde. anos, em João Pessoa, no ano de 1930.
João Martins de Athayde nasceu em 1880, no povoado
de Ingá do Bacamarte-PB. Migrou para Pernambuco
em 1898, por causa da seca, radicando-se no Recife.
FONTE: ACERVO GEOVÁ SOBREIRA / FOTO: LUCAS NUNES (2019)

Poeta e proprietário de gráfica, tornou-se o maior editor


de folhetos de seu tempo, entre os anos de 1920-1950.
Além de seus trabalhos, editava obras de outros poetas,
compradas ou adquiridas por meio de barganha. Foi uma
figura controversa. Elogiado por Mário de Andrade e por
Tristão de Ataíde, recebendo até votos para Príncipe dos
Poetas Brasileiros, em eleição promovida por Guilherme
de Almeida, ao mesmo tempo foi também acusado de
comprar títulos originais de vários poetas populares e
publicá-los sem mencionar seus autores, fato que ocasiona
sérias dificuldades na identificação da autoria de alguns
trabalhos. No entanto, este fato não reduz a importância
da sua obra, tampouco sua contribuição para a poesia
popular no Brasil. Faleceu em 1959, em Limoeiro-PE.

Cordel de 1925

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4.
AS ILUSTRAÇÕES
EM ZINCOGRAVURA
m dos pioneiros a introdu- é transparente. Leva-se a placa para remo-
zir ilustrações nas capas ver as partes moles do revestimento, isto
dos folhetos dos cordéis foi é, aquelas que correspondem as áreas não
João Martins de Athayde, iluminadas. Depois, a placa toma um banho
com o intuito de torná-los de ácido. Este ácido ataca a placa nas áreas
mais atraentes para o públi- nuas e não afeta aquelas que permanecem
co consumidor. Para tanto, cobertaspelorevestimentofotossensívelen-
recorreu aos caricaturistas durecido. Logo se tem uma matriz metálica
e desenhistas que faziam toda produzida fotoquimicamente. O pro-
trabalhos para alguns jornais em Recife. A cesso citado foi empregado pela primeira
ideia conquistou o gosto dos leitores e logo vez em 1870, mas aplicado comercialmente
passou a ser copiado por outros editores, a partir de 1895.”
inclusive os de centros distantes do seu,
como em Juazeiro do Norte-CE.
Athayde, para essa inovação, recorreu
aos ilustradores que desenhavam cartazes
de filmes para cinemas no Recife, aprenden-

FONTE: ACERVO LIRA NORDESTINA/URCA / FOTO: LUCAS NUNES (2019)


do a reproduzir o rosto dos artistas, como
também dos heróis das revistas em quadri-
nhos. Em meio aos processos criativos, de-
correram as ilustrações impressas em zinco-
gravura, que possibilitaram representações
das imagens dos astros de Hollywood, o que
acabou fazendo com que fossem emprega-
das, definitivamente, nas impressões das ca-
pas dos cordéis (MELO, 2003, p. 113-117).
COSTELLA (1984, p. 65.) define Zincogra-
vura como “uma técnica de gravura que uti-
liza a placa de zinco como matriz. O trabalho
é feito revestindo-se uma chapa metálica,
com material fotossensível e, em seguida, a
chapa é submetida a uma fonte de luz que
atravessa um negativo fotográfico. O pro-
cesso equivale a fazer uma cópia fotográfica
em chapa de metal, em vez de fazê-la em
papel. O revestimento fotossensível endure-
ce as partes que recebem luz e essas partes
correspondem àquelas em que o negativo Clichê de zinco

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FONTE: MUSEU DE ARTE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (MAUC)
5.
A INTRODUÇÃO
DA XILOGRAVURA
NOS FOLHETOS
Tipografia São Francisco, já
citada, ocupou uma posição
de destaque no mercado
editorial no país. Como dis-
semos, a editora pertenceu
a José Bernardo da Silva,
que de vendedor ambulante
dos folhetos de cordéis nas
feiras regionais, dedicou-se
ao universo da poesia popu- Capa de A história de Zezinho e Mariquinha,
lar adquirindo a anterior Folheteria Silva. de Damásio Paulo (s/d), elaborada em xilogravura
Em 1949, esta Tipografia alcançou gran- (Dimensão: 0,091 x 0,142 cm)
de apogeu, a partir da compra dos direitos
autorais dos folhetos de João Martins de
Athayde. De posse desses direitos, José Ber-
nardo aumentou a produção de cordéis e,

FONTE: MUSEU DE ARTE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (MAUC)


consequentemente, suas vendas, ganhando
o mercado nacional e tornando-se a maior
produtora desse gênero literário no Brasil.
A falta dos clichês de zinco para os fo-
lhetos fez com que Bernardo optasse por
introduzir a técnica já utilizada nos jornais,
a xilogravura, a partir do final dos anos
1940, ciente das dificuldades encontradas
para obtenção e elaboração da zincogra-
vura, que se configurava um procedimento
mais elaborado de ilustração e de aquisi-
ção. Esta técnica só existia nos centros de-
senvolvidos, sobretudo em Recife. A partir
da introdução da xilogravura nos cordéis,
esses folhetos passaram a contar com a
aplicação dos dois gêneros de gravura: a
zinco e a xilogravura (RAMOS, 2010). Autor: Walderêdo Gonçalves (s/d). Dimensão 0,090 x 0,078 cm.

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Os primeiros xilógrafos buscaram imitar
os clichês das zincogravuras e fizeram isso
com grande maestria. A maioria dos grava- PARA OS
dores procurados para confeccionar as ilus- CURIOSOS
trações dos folhetos foram iniciados por José
Bernardo da Silva. Alguns exerciam ofícios de
ourives, outros eram escultores em madeira,
mas a maior parte pertencia às classes me- Nascido no Crato, no ano de 1920,
nos abastadas e suas criações eram feitas Walderêdo se iniciou nas artes
como um meio de sobrevivência. gráficas muito jovem, por meio de
Contudo, o que esses gravadores faziam uma encomenda feita pelo editor
era arte, mesmo sem escolaridade artística José Bernardo, com a finalidade
ou acesso aos círculos dos artistas profis- de compor a capa de um livro de
sionais. A técnica por eles utilizada “encon- oração. Seu primeiro trabalho foi
trou na ponta da faca sertaneja, no canivete um Cristo crucificado e, após a
de cortar fumo de rolo e até nas hastes de encomenda, ele deu continuidade
guarda-chuvas, uma perfeita adequação e ao ofício de gravador, onde se
tradução de todo um imaginário de prince- destacou pelo traço e estilo próprio.
sas, dragões e mitos como Lampião e Padre Seus desenhos apresentavam
Cícero” (CARVALHO, 2010, p.10). formas realistas, muitos detalhes e
Alguns xilógrafos copiavam os clichês de efeitos únicos de luzes e sombras.
zinco, o que não era problema entre eles. Confira: acordacordel.blogspot.
Outros elaboravam seus próprios desenhos com/2011/06/mestres-da-gravura.html
a partir da própria criatividade. Um dos gra-
vadores desse período, bastante admirado,
foi Walderêdo Gonçalves.

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6.
MOVIMENTO
FOLCLORISTA,
MUSEALIZAÇÃO
E PATRIMONIALIZAÇÃO
DA XILOGRAVURA
POPULAR
or meio do Decreto-Lei nº
25/1937, é criado o Sphan (Ser-
viço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional), que teve
por objetivo propagar e defen-
der o chamado patrimônio
histórico e artístico nacional,
como vimos no primeiro módu-
lo de nosso curso.
As manifestações artísticas,
portanto, se consideradas a partir desse
dispositivo normativo como patrimônio
nacional, poderiam ser tombadas, nesse
caso, no Livro de Tombo das Belas Artes.
No entanto, durante décadas, esse e outros
órgãos de preservação do patrimônio, em
diversas esferas (municipal, estadual, fede-
ral) priorizaram a chamada “pedra e cal”, ou
seja, a patrimonialização de edificações
e monumentos e, às vezes, por consequ-
ência, os bens integrados a eles, como pe-
ças de valor artístico, principalmente aque-
las relacionados à memória das elites.

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Nesse sentido, se pensarmos a valoriza-
ção da xilogravura popular como arte e pa-
trimônio brasileiro, veremos que esse pro- PARA OS
cesso foi impulsionado menos pelo Sphan e CURIOSOS
Folclore mais pela Comissão Nacional de Folclore,
Conjunto de tradições uma entidade governamental brasileira. fun-
populares transmitidas dada em 1947, por Renato de Almeida, por
através das gerações,
como lendas, mitos,
meio de recomendação da Unesco (Organi- O trabalho da Comissão Nacional
folguedos, danças etc. zação da Nações Unidas para a Educação, a de Folclore, décadas depois, em
A palavra tem origem Ciência e a Cultura). A Comissão foi vinculada 2003, resultou na criação do Centro
inglesa: folk (povo) e ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência Nacional de Folclore e Cultura
lore (sabedoria). e Cultura, além da própria Unesco, e tinha Popular, que passou a integrar a
como foco a preservação das manifestações estrutura do Iphan (Instituto do
culturais do Brasil, associando-as a um dis- Patrimônio Histórico e Artístico
curso de identidade nacional. Nacional). Entre suas atribuições
Em 1958, com o título de Campanha está o gerenciamento do Museu de
de Defesa do Folclore Brasileiro, muitos Folclore Edison Carneiro.
intelectuais propuseram pesquisas para o Confira: www.cnfcp.gov.br/
levantamento de material de estudos, pro-
teção e guarda das manifestações folclóri-
cas, além do seu aproveitamento na edu-
cação, a fim de garantir a eficácia definitiva
dessa política (VILHENA, 1997, p.174).
A relação entre “folclore e educação” teve
como exímia defensora a poetisa Cecília
Meireles, que considerava de suma impor-
tância o papel dos museus nessa relação.
Levando-se em consideração o pensamento
da época, fica explícita a atmosfera propícia
à criação do Mauc, em Fortaleza-CE, como
espaço para elementos da cultura popular e,
consequentemente, para a xilogravura.
Nesse contexto de valorização dos
museus e, sobretudo, da arte popular, os
agentes culturais ligados à UFC, como o ar-
tista Floriano Teixeira e o folclorista Lívio
Xavier, respaldados pelo reitor da Institui-
ção, Antônio Martins Filho, viajaram para
as editoras do Nordeste a fim de recolher
tacos e xilogravuras para o Mauc, convenci-
dos da importância dessa expressão artís-
tica como patrimônio brasileiro.
A ação de patrimonializar, nesse aspecto,
nãoocorrepeloinstrumentodotombamento,
mas quando determinado objeto de cultura

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 61


material, no caso a xilogravura, é musealiza-
do, ou seja, entra para as vitrines do museu,
REFERÊNCIAS
SE perdendo o seu valor de uso e passando a ter
LIGA! outro que, em geral, é chamado de valor do-
BEZERRA, Sandra Nancy Ramos Freire. A
xilogravura do mestre Noza. Identidades
cumental ou simbólico, se afirmando pela
tecidas na madeira. Disponível em:
operação do olhar (KNAUSS, 2016, p.21-22).
https://www.editorarealize.com.br/revistas/
A musealização da arte popular tam-
coprecis/trabalhos/TRABALHO_EV077_
Pensando na patrimonialização bém tem o objetivo, entre outros, de inserir
MD1_SA13_ID1066_20082017152930.pdf.
das manifestações artísticas as comunidades no caminho do desenvol-
Acessado em 23/1/2020.
na atualidade, o que será que vimento social e econômico do país. A partir
permaneceu e o que se modificou do momento em que se agrega, além do va- CARVALHO, Gilmar de. Madeira
nas políticas públicas voltadas para lor simbólico e econômico a determinada Matriz. Cultura e Memória. São Paulo:
a sua valorização e preservação? referência cultural, espera-se que essa refe- Annablume, 1998.
rência produza o reconhecimento e a valori- _______. Memórias da xilogravura.
zação da população produtora do bem, com Fortaleza: Expressão Gráfica, 2010.
sua história e sua cultura singular, como tam-
_______. A xilogravura de Juazeiro do
bém possa gerar emprego, trabalho e renda.
Norte. Fortaleza: Iphan, 2014.
Após a recolha de vasto material e com ele
a organização de uma exposição no Museu de _______. Lyra popular. O cordel do Juazeiro.

PARA OS Arte Moderna de São Paulo (MAM), em 1960,


onde se apresentaram ao Sudeste as matrizes
Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria da
Cultura do Estado do Ceará, 2006.
CURIOSOS e as xilogravuras do Nordeste, com grandes
elogios dos críticos de arte e folcloristas, foi a
vez dos museus e galerias da Europa e dos Es-
tados Unidos conhecerem a xilogravura.
Para saber mais sobre o mestre O artista Sérvulo Esmeraldo acompa-
Noza e a sua arte, leia o texto do nhou as exposições no estrangeiro e, a partir
pesquisador Renato Casimiro: daí, teve a ideia de adotar para as gravuras
mestrenoza.blogspot.com/p/ populares um modelo já vivenciado pela
biografia.html gravura artística oficial: o álbum. Como vi-
mos, o artista encomendou uma série de
xilogravuras ao mestre Noza, apresentando
ao gravador imagens com representações
da Via Sacra para que, com base nelas, ele
produzisse a sua leitura na madeira. O resul-
tado final do trabalho atendeu às expectati-
vas deste agente cultural, que resolveu levá-
-las para a França e lançá-las em Paris, em
1965, pelo importante editor Robert Morel,
em formato de livro em edição de luxo.
Essa interferência rendeu reconheci-
mento para os trabalhos do mestre Noza
como artista, possibilitando a sua participa-
ção em diversas exposições, além de ter o
seu trabalho musealizado.
Estimulado pelo resultado exitoso dessa
primeira encomenda, Noza ocupou-se de ou-
tros temas já bastante conhecidos e ao gosto
dopúblicoqueiriaconsumir(BEZERRA,2017).

62 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


AUTORA
Sandra Nancy Ramos Freire Bezerra
_______. Xilogravura. Doze escritos na RAMOS, Everardo. Do mercado ao museu: é doutoranda em História pela
madeira.Fortaleza:MuseudoCeará;Secretaria a legitimação artística da gravura popular. Universidade Federal Fluminense
da Cultura do Estado do Ceará, 2011. In: Visualidades Goiânia: UFG, v.8, 2010. (UFF), mestra em História Social pela
Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/ Universidade Federal do Ceará (UFC),
_______. Mestres santeiros. Retábulos do
index.php/VISUAL/article/view/18209/10865 especialista em Teoria e Metodologia
Ceará. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria
da Cultura do Estado do Ceará, 2004. _______. Du marché au marchand. La da História e em Arte Educação
gravure populaire brésilienne. Paris: 4M pela Universidade Regional do
_______. (Org.). Bonito pra chover.
Impressions, 2005. Cariri (Urca). Graduada em História
Ensaios sobre a cultura cearense. Fortaleza:
pela Faculdade de Formação de
Edições Demócrito Rocha, 2003 SILVA, Sandra Siqueira da. A patrimoniali-
Professores de Arcoverde. Professora
zação da cultura como forma de desen-
_______. (Org.). Noza. O escultor do Padre e pró-reitora de extensão na Urca.
volvimento. Considerações sobre as teorias
Cícero. Fortaleza: UFC, 2014. Autora de vários trabalhos nas áreas
do desenvolvimento e o patrimônio cultural.
de Artes e História. Desenvolve
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Rio de Janeiro: Aurora, ano V, número 7, 2011.
pesquisa sobre Xilogravura, Arte e
Folclore Brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Disponívelem:www.marilia.unesp.br/aurora.
Cultura Visual e Memória e Patrimônio
Global, 2002 Acessado em 22/2/2020.
Cultural.  Atuou como coordenadora
COSTELLA, Antônio. História da VILHENA, Luiz Rodolfo. Projeto e missão. executiva da Comissão que elaborou
xilogravura. Campos do Jordão: Editora O movimento folclórico brasileiro o projeto e implantou os cursos de
Mantiqueira, 1984. (1947- 1964). Rio de Janeiro: Funarte; Artes Visuais e Teatro da Urca em
COLI, Jorge. O que é arte. 11ª ed. São Fundação Getúlio Vargas, 1997 Barbalha-CE. Coordenou o Projeto
Paulo: Brasiliense, 2006. do Registro da Festa do Pau da
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ITAÚ CULTURAL. Leandro Gomes de como Patrimônio Cultural Nacional.
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Barros. In: Enciclopédia Itaú Cultural É membro do Comitê e da Comissão
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watch?v=hB4DLSW22Ic
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pessoa5873/leandro- gomes-de-barros>. https://memoriasdapoesiapopular.com.br/
Acessoem:20deJan.2020. Verbete da
https://sites.usp.br/ieb/wp-content/uploads/
ILUSTRADOR
Enciclopédia. ISBN:978-85-7979-060-7 Daniel Dias é ilustrador e artista
sites/127/2016/07/04.-Desenho_grafico.pdf
KNAUSS, Paulo. No domínio dos acervos. gráfico, com extensa produção em
blog.comuniqueiro.com/2018/01/ projetos editoriais, sendo a maior
História e as práticas do olhar. In: Revista
imprensa-regia-1808.html parte destinada ao público infantil
Maracanan, publicação dos docentes do
PPGH-Uerj, vol. 12, n.14, p.12-24jan/jun, 2016. https://www.significados.com.br/cordel/ e infantojuvenil. Seu trabalho tem
como base a pesquisa de materiais e
MELO, Rosilene Alves de. Arcanos do Verso. https://casadaxilogravura.com.br/
estilos, envolvendo estudo de técnicas
A trajetória da Tipografia São Francisco em https://urca.br/liranordestina/ tradicionais de pintura, desenho,
Juazeiro do Norte, 1926-1982. Dissertação fotografia e colorização digital.
(Mestrado). Fortaleza, UFC, 2003. https://mestrenoza.blogspot.com/
https://mestrenoza.blogspot.com/p/
biografia.html
https://acordacordel.blogspot.
com/2011/06/mestres-da-gravura.html

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 63


Este fascículo é parte integrante do projeto
Formação de Mediadores de Educação
Patrimonial, em decorrência do Termo de
Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito
Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de
Fortaleza, sob o nº 02/2019.

Todos os direitos desta edição reservados à:

Fundação Demócrito Rocha


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EXPEDIENTE:
FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)
João Dummar Neto
Presidente
André Avelino de Azevedo
Diretor Administrativo-Financeiro
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Gerente Geral
Raymundo Netto
Gerente Editorial e de Projetos
Emanuela Fernandes
Analista de Projetos

UNIVERSIDADE ABERTA
DO NORDESTE (UANE)
Viviane Pereira
Gerente Pedagógica
Marisa Ferreira
Coordenadora de Cursos
Joel Bruno
Designer Educacional
Thifane Braga
Secretária Escolar
CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES
DE EDUCAÇÃO PARA PATRIMÔNIO
Raymundo Netto
Coordenador Geral, Editorial e Revisor
Cristina Holanda
Coordenadora de Conteúdo
Amaurício Cortez
Editor de Design e Projeto Gráfico
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Diagramador
Daniel Dias
Ilustrador
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Produtora

ISBN: 978-85-7529-951-7 (Coleção)


ISBN: 978-85-7529-955-5 (Fascículo 4)

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