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A FORMAÇÃO

HISTÓRICA DA PESCA
ARTESANAL: ORIGENS
DE UMA CULTURA DO
TRABALHO APOIADA NO
SENTIMENTO DE ARTE
E DE LIBERDADE'

Cristiano Wellington N. Ramalhos

Homem livre, sempre amarás o mar. explorado pela leitura sociológica. Para tan-
(Charles Baudelaire) to, dentro do propósito a que se pretende o
presente texto, relatos de viajantes, textos
Introdução de época e estudos históricos, que tocam
Este artigo busca compreender as origens direta ou indiretamente no tema da pesca,
históricas das relações de produção da pes- tornam-se peças-chave para o desvelamento
ca artesanal pernambucana. Nele, o funda- dessas questões, a saber, da íntima articu-
mental é entender os elementos constitutivos lação entre arte e autonomia no mundo do
e constituídos da noção e do sentimento de trabalho pesqueiro, a partir da formação de
trabalho como arte e liberdade na pesca arte- uma cultura do trabalho.
sanal2 , que emergiu, apesar do contexto ad- Com este escrito pretende-se responder
verso, em pleno período escravocrata no as seguintes questões: como era a organiza-
Brasil Colônia e Império. ção social do trabalho da pesca artesanal e
O passado, assim, torna-se elo funda- quem foram os primeiros trabalhadores do
mental para se entender as diversas e pos- setor em Pernambuco, no período colonial?;
síveis determinações do existir ligadas ao por que o trabalho pesqueiro era também si-
cotidiano dos pecadores artesanais ainda nônimo de arte no Brasil Colônia e Império?;
hoje. O universo diacrõnico, portanto, ofere- como e por que o sentimento de autonomia
ce um acervo rico de possibilidades a ser emergiu na pesca artesanal?; e quais os

* Doutor em ciências Sociais pela Universidade Estadual de


Campinas-UNIcAMR Pesquisador-visitante na Fundação
Joaquim Nabuco. E-mail ciisliano.ramalho@yahoo.com.br
componentes societários que imbricaram tra- trabalho da pesca artesanal, em Pemambu-
balho, arte e liberdade na cultura do trabalho co, encontra seus antecedentes históricos nas
pesqueiro desenvolvido artesanalmente? corporações de ofício existentes em Portugal
As corporações de ofício: e que foram trazidas para o Brasil colônia com
a presença negra, a arte e o trabalho vistas a responder interesses de homens de
uma mesma profissão e ajudar, acima de tudo,
O sentimento do qual o trabalho pesquei-
o domínio político-administrativo lusitano em
ro artesanal seja arte e livre é elemento ex-
terras do novo continente.
presso por pescadores em diversas
comunidades costeiras pelo Brasil, de norte a A nova sociedade que se modela quer
continuar a sociedade portuguesa até
sul (CUNHA, 1987; DIEGUES, 1983; 1995;
nos mínimos detalhes. Já dissemos que
DUARTE, 1999; FURTADO, 1993; RAMALHO, as capitanias hereditárias foram uma ten-
2006), demarcando especificidades socio- tativa para calcar a organização feudal
culturais que engendram e alimentam o coti- no solo da colônia americana. Podería-
diano dos homens que voltaram sua ação mos dizer o mesmo das primeiras cida-
produtiva para a pesca. Em Pernambuco, isso des. Eram elas administradas como as
não é diferente, fato que pude constatar ao de Portugal por Câmaras municipais
pesquisar trabalhadores pesqueiros do mar- compostas de representantes eleitos
alto da praia de Suape, município do Cabo entre "homens bons", isto é, entre os
grandes proprietários fundiários; os pri-
de Santo Agostinho (RAMALHO, 2007a).
meiros artesãos se agruparam em "cor-
A pescaria é arte (Conrado, pescador de porações" com seus juízes, seus
Suape, 39 anos). regulamentos, seus exames para ascen-
Pesca é arte (seu Milton, pescador de der ao grau de mestre e em confrarias
Suape, 67 anos). de ofício sob a proteção de um santo
católico (BASTIDE, 1971, p. 55).
As pescarias só são feitas por artistas e
cabras libertos ( Gildo, pescador de Sua- Citando documento de época, Sérgio
pe, 45 anos). Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil,
mencionou ter a presença de vários ofícios
O cara que é pescador ele é artista e é nas cidades, inclusive o de pescador:
livre (Jorge', pescador de Suape, 23
anos). No Maranhão, em 174 queixava-se um
A formação históric
governador de que não vivia a gente em da pesca artesanal:
Pescar é arte (seu Gidinha, pescador de comum, mas em pafficular, sendo a casa origens de uma
Suape, 70 anos). cultura do trabalho
de cada habitante ou de cada régulo uma apoiada no
Acredito que a noção de trabalho com- verdadeira república, porque tinha os ofíci- sentimento de arte
e de liberdade
preendido por arte e liberdade, que compõe os que a compõem, como pedreiros, car-
o saber-fazer de alguns pescadores pernam- pinteiros, barbeiros, sangrador, pescador
etc. [grifo meu] (HOLANDA, 1995, p. 81). Cristiano Wellingtor
bucanos e integra sua cultura do trabalho', Noberto Ramalho
possa revelar a continuidade de componen- No século XVI em Pernambuco, após a
tes oriundos do passado organizativo e suas chegada da família do donatário Duarte Coe-
heranças históricas (simbólicas e materiais), lho e de alguns empreendedores agrícolas e
desde que não se realizem transposições degredados, que vieram em bom número, um
anacrônicas e mecânicas sobre o assunto. segundo grupo de vulto considerável aportou
Assim, é importante desenvolver uma abor- em terras da Nova Lusitânia pertencente, em
dagem histórica sobre o surgimento do grande medida, às mais diversas corporações
universo do trabalho vinculado à pesca ar- de ofício com seus mesteres ou misteres,
tesanal pernambucana, fato que passo a segundo escreveu Francisco Augusto Perei-
realizar em seguida. ra da Costa [ ... } constituía a classe dos mer-
No plano da organização social, a manei- cadores e dos mesteirais ou misteres, como
ra pela qual se estruturou e se desenvolveu o se dizia na época, dos ofícios, profissões, ar-
tífices e oficiais mecânicos; e enfim, da gente rias-primas, ou se executava uma ativi-
do mar e soldados de guarnição da praça [gri- dade, realizando um feito, tal como Hér-
fosmeus](COSTA, 1951, p151). cules ao desempenhar seus doze
Como afirmou o historiador lusitano Joel trabalhos. Em ambos os casos, o labor
humano ocorria baseado num sentido,
Serrão, os mesteirais ou misteres derivavam na criação de um significado, bem como
do termo mesteres, ou seja, "em sentido ri- no domínio de habilidades corporais e
goroso, esta palavra significa ofício ou arte mentais; consistia no exercício de ativi-
que implique uma aprendizagem e uma es- dades dotadas de uma alma, de um co-
pecialização" (SERRAO, 1981, p. 282), o ração (vale dizer, de um sentido
domínio agudo de determinado trabalho existencial) - tanto que o termo poiesis,
exercido e ensinado por aqueles homens que em nossa língua, veio posteriormente
eram portadores do grau de mestres de al- tornar-se poesia: um exercício criativo
guma arte, e que respeitavam um código voltado à construção da beleza [grifos do
autor] (DUARTE Jr, 2004, p. 102).
profissional pertencente ao setor de seu ofí-
cio, sua profissão. A expressão mesteres foi, Mais tarde, Platão, em seu livro A Repú-
assim, repassada para o Brasil, seja decor- blica, constrói um conceito amplo de arte ao
rente da organização social do trabalho nas defini-ia como a qualidade de um homem
corporações, seja na concepção de traba- hábil capaz de controlar determinado objeto
lho como arte, como misteres. De maneira sobre o qual volta seu trabalho, sua ativida-
geral, herança do período grego antigo, a de produtiva, sua técnica, empregando-lhe
idéia de arte foi difundida e vivida na época a forma desejada. Então, "as artes gover-
medieval européia - em várias cidades - nam e dominam_o objeto sobre o qual se
enquanto articulação precisa de comandos exercem" (PLATAO, 2002, p. 27). Todavia,
técnicos efetivados no trabalho, isto é, em efetivava Platão uma distinção entre artes
síntese, a arte era experienciada da seguin- nobres (liberais) e artes vis (mecânicas). As
te forma: primeiras estariam ligadas ao espírito (mú-
sica, poesia, pintura), sendo exercidas por
Como tradução do grego téchne, antes
homens livres (os cidadãos); e as segundas
recordado, equivalia a 'técnica", mas no
sentido mais preciso de capacidade teó-
presas ao corpo, ao trabalho manual efeti-
rico-prática de organizar e realizar uma vado por artesãos, que não eram escravos
formação histórica e nem cidadãos.
da pesca artesanal: atividade, graças ao uso racional das
origens de uma cognições e dos hábitos, não menos que Anos mais tarde. Aristóteles, em Seu tex-
cultura do trabalho to A Política, assim como Platão, revelou uma
apoiada no ao uso do idôneo mecanismo [grifo do
sentimento de arte autor] (RUGIU, 1998, p. 32). intensa preocupação com a presença na
e de liberdade
Segundo Cunha (2000), apesar das con- pólis dos artesãos, ao ver uma profunda in-
trovérsias e visões negativas que surgiram compatibilidade entre esses profissionais e
:ristiano Wellington
Noberto Ramalho depois na própria Grécia, na era pré-socrá- o sentimento de civismo:
tica o trabalho era associado à criação e ao [ . 1 jamais um Estado bem constituído
desenvolvimento humano. Para Antunes fará de um artesão um cidadão. Caso
(2005), visões depreciativas e/ou positivas isso ocorra, pelo menos não devemos
sobre o trabalho estiveram presentes em esperar dele o civismo de que falare-
todo período grego antigo. Na compreensão mos: esta virtude não se encontra em
toda parte; ela supõe um homem não
de Duarte Jr., a maneira pela qual a palavra
apenas livre, mas cuja existência não o
trabalho era entendida reforça e molda o seu faça precisar dedicar-se aos trabalhos
íntimo e inseparável convívio com a arte: servis. Ora, que diferença há entre os
No mundo grego, entendia-se o trabalho artesãos ou outros mercenários e os
ou como produção (poiesis), ou como escravos, a não ser que estes perten-
ação (práxis). Isto é: ao trabalhar, ou se cem a um particular e aqueles ao públi-
produzia um bem, transformando maté- co? (ARISTOTELES, 2002, p. 46).

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Durante a Idade Média, expressou-se De maneira geral, não existia ainda uma
uma ambigüidade em relação ao tema. Hou- distinção entre trabalho e arte. Sem dúvida,
ve a continuidade na distinção entre ativida- o artista na Antiguidade era tratado como um
des exercidas pelo trabalho manual ligadas trabalhador e foi essa a sua posição durante
ao uso do corpo diante das espirituais, pois toda a Idade Média (OSBORNE, 1970, p.
aquelas sedam impossíveis de purificar os 39), na qual o trabalho manual realizado por
sentimentos humanos, a saber, a questão artesãos era o locus também da arte, da
religiosa contida no ideário católico foi vetor habilidade em transformar, em utilidades
que continuou a operar essa separação e humanas, determinados objetos e de con-
antagonismo, mesmo interligando classes e trole das suas etapas de produção. A arte
grupos num corpo genérico, num corpo so- era também entendida como algo útil e, por
cial, dando unidade entre eles. Para Jacques isso, não desvinculada de sua função social
Le Goff e Nicolas Truong (2006), a sociedade imediata. A arte e também o artista não es-
medievalista assentava-se em três ordens de tavam separados do seu público, em termos
organização social sob o domínio da Igreja: de comunhão, uso dos produtos e deman-
das sociais daí oriundas, independentes de
As três ordens que compõem a socieda-
de tripartite medieval, oratores (aqueles
serem vistas como vis ou não.
que rezam), beilatores (aqueles que com- Com o florescimento do período renas-
batem) e laboratores (aqueles que tra- centista, além dos praticantes das artes li-
balham), são em parte definidas por sua berais emanciparem-se das corporações de
relação com o corpo. Os corpos sadios ofício e começarem a realizar suas ativida-
dos padres, que não devem ser mutila- des individualmente, eles tentaram distinguir-
dos nem estropiados; os corpos dos se ainda mais dos artesãos, no intuito de
guerreiros, enobrecidos por suas proe- conferirem valor simbólico maior às suas
zas de guerra; os corpos dos trabalha- atividades, seja a partir do surgimento da
dores, esgotados pela labuta [grifos dos categoria gênio para qualificá-los, seja devi-
autores] (LE GOFF & TRUONG, 2000, do ao caráter de suas obras que defendiam
p. 35-36).
como únicas, seja pela finalidade a qual elas
Por outro lado, em vários mosteiros me- eram destinadas (gozo intelectual, espiritu-
dievais católicos, afirmou-se ser necessário al), seja em decorrência do público diferen-
trabalhar "para salvar a alma" (RUGIU,1 998), A formação histórk
ciado que consumia a produção desses da pesca artesanal:
defendendo, por exemplo, que era menos artistas - nobreza e a Igreja (RUGIU, 1998; origens de uma
humilhante cultivar a terra do que scriber&, cultura do trabalho
PEIXOTO, 2003). Assim, o surgimento da apoiada no
porque a terra era testemunha contínua e concepção das belas-artes, no século XVIII, sentimento de arte
e de liberdade
natural do criador e, portanto, trabalhá-la era incentivou o divórcio do artista com os artífi-
como inserir-se no sulco da sua graça (Idem, ces [.] (OSBORNE, Idem, p. 40), mas sem Cristiano Wellingtoi
p. 28). Pode-se dizer que, em suma: que isso representasse ainda o desquite Noberto Ramalho
A partir do século XI e até o século XIII, entre arte e o trabalho dos artífices, situa-
ocorre uma revolução mental: o trabalho ção que só aconteceu com a consolidação
é valorizado, promovido, justificado. Para dos valores liberais e burgueses de mundo,
melhor e para o pior; aliás. De um lado, poucos séculos depois, pondo fim às própri-
os vagabundos são expulsos ou conde- as corporações de artífices (FISCHER, 1976;
nados a trabalhos forçados. De outro, os
WOLF€ 1981).
ofícios vis ou ilícitos até então proibidos
Quando do surgimento do capitalismo
aos clérigos e desaconselhados aos lei-
gos são reabilitados, como aqueles que
mercantil na Europa, as corporações de ofí-
exigem derramamento de sangue, como cio portuguesas eram territórios férteis de
o de açougueiro ou cirurgião ou ainda o diversas artes e das técnicas em exercê-las
de limpar imundície, como os tintureiros em plenitude, a partir do controle de todo
(..](LE GOFF; TRUONG, lbidem, p. 67). processo produtivo. Nesse sentido, a noção

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de trabalho como arte trazida ao Brasil pela Embora existisse tal proximidade no uso
colonização lusitana, através dos mestres do termo artistas para oficiais mecânicos e
artesãos e das corporações que aqui apor- liberais, o preconceito que a elite tinha - as-
taram e/ou foram recriadas, era algo comum sim como foi na Grécia de Platão e Adstó-
e inquestionável entre esses trabalhadores. teles em relação aos trabalhos manuais -
Além disso, os artífices eram chamados, de também era grande, pois ela enxergava nas
maneira geral no século XVIII, de artistas, corporações o habitat de homens indignos
assim como eram, também, os praticantes (mesmo os brancos livres) e que não deveri-
de ofícios (artes) liberais no Brasil colônia. am, portanto, ser alçados a condição de ges-
Sobre isso, Luiz Cunha, apoiando-se em tores da esfera pública.
documento de época, esdeveu: Além de existir várias corporações em
Alguns artistas, cujas atividades asseme- Pernambuco (como aludi), a presença de-
lhavam-se tecnicamente às dos oficiais las ocorria também em bom número na ci-
mecânicos, diferiam deles pelas carac- dade do Rio de Janeiro; situação que gerava
terísticas sociais do seu trabalho dotado embaraços administrativos por não se ter
de valor simbólico, como os arquitetos, "bons homens" ou "homens a altura" para
os escultores (às vezes chamados de colaborar na administração pública dos
entalhadores) e os pintores. Não eram centros urbanos, já que a elite morava em
chamados de mecânicos nem estavam fazendas e nos engenhos, pelo interior. A
sujeitos à agremiação corporativa, como
maioria da população urbana não era con-
era o caso da maioria destes. Eram os ofi-
ciais liberais, embora essa dominação não
siderada gente honrada ou limpa, pois, além
fosse comum, sendo a mais empregada a de fazer uso das mãos em suas profissões,
de artistas, confundindo-se, neste caso, era constituída por negros, principalmente,
com a categoria homônima à empregada mestiços e brancos pobres, entre os quais
para os oficiais mecânicos [grifos do autor] se encontravam os pescadores.
(CUNHA, Idem, p. 28-29). [..] dizia o conde Cunha, primeiro vice-rei
Reforçando essa questão, o historiador do Brasil, em carta escrita ao rei de Portugal
Pereira da Costa mostrou (com base numa em 1767, onde se descreve o Ro de Janeiro
contenda estabelecida em 13 de novembro como só habitado de oficiais mecânicos,
de 1756 junto à Câmara do Recife-PE, entre pescadores, marinheiros, mulatos, pretos
A formação histórica boçais e nus, e alguns homens de negócios,
da pesca artesanal:
mestres que eram favoráveis e os contrári-
dos quais muito poucos podem ter esse
origens de uma os à presença de negros escravos nos ofíci- nome, sem haver quem pudesse servir de
cultura do trabalho
apoiada no os) como o termo artista era empregado para vereador, nem sentircargo autorizado, pois
sentimento de arte os profissionais, até mesmo os escravos, as pessoas de casas nobres e distintas viviam
e de liberdade
voltados aos ofícios mecânicos (ou artesa- retiradas em suas fazendas e engenhos
nais), mostrando ser uso bastante corrente [grifo meu] (BUARQUE, 1995 p. 91).
Cristiano Wellington
Noberto Ramalho no período a classificação de artista dada a Na compreensão de Fernando Louren-
esses trabalhadores. ço: A discriminação racial contra os negros e
Naquele ato discutiu a câmara os preju- a discriminação social contra os pobres de
ízos que a oposição dos juizes acarreta- toda espécie, a "populaça", é uma invariante
va aos senhores de escravos artistas das várias manifestações do pensamento
[grifo meu], bem como ao público, por-
quanto as obras por é/es produzidas
social da camada dirigente I]
(2001, p. 99).
Dessa maneira, operou-se construção
eram mais baratas, e notando-se ainda,
que se é/es trabalhassem nas oficinas ideológica, por parte das elites frente aos
dos forros, 'tiravam esses para si uma trabalhadores artesãos, cujo uso das mãos
têrça ou quarta parte dos seus jornais, [efetivada por profissões populares] e sua
com grave prejuízo não só dos senho- condição de cor inferiorizava os homens das
res como dos consumidores" [grifos do corporações diante dos aristocratas, dos
autor] (COSTA, 1954, p. 145). cidadãos (mãos limpas e, por isso, refinados
de espírito). Tal situação foi também trans- outras razões, as corporações de ofícios
posta de Portugal para o Brasil no início da (irmandade ou "bandeiras") não tiveram, no
colonização, particularmente no que se Brasil Colônia, o desenvolvimento de outros
refere às funções públicas que só poderiam países [gros do autor] (CUNHA, 1987, p. 16).
ser exercidas por homens classificados de Decerto que em Portugal, entre os séculos
bons, como chamados de cidadãos. A XV e XVI, havia a presença de pescadores
sociedade lusitana estruturava-se, no escravos em corporações de ofício - na ativi-
momento da 'descoberta" da terra do Pau dade -' porém ela nunca suplantou e nem
Brasil, da seguinte maneira, segundo o ameaçou o domínio dos trabalhadores livres
historiador português: que se dedicaram à faina do mar (SILVA,
Os cidadãos, também chamados homens 2001). Todavia, no Brasil, isso não se operou
bons, gente honrada e gente limpa - da mesma forma, ocorrendo uma grande pro-
porque não trabalhavam com as mãos liferação de trabalhadores negros e/ou mu-
formavam uma classe de proprietários e latos em diversas artes, inclusive no universo
de mercadores que igualmente sabiam da pesca artesanal, sem deixar, contudo, de
investir na terra parte dos seus lucros. existir brancos pobres vinculados à condição
Manobravam a maioria esmagadora dos de artífices da pesca.
cargos municipais, estavam representados Os brancos abandonaram - sempre que
em Cortes e eram os únicos escutados pelo
monarca e pelos burocratas (MARQUES,
possível —suas posições de trabalhadores das
1985, p. 318). confrarias para que não tossem confundidos
e/ou diminuídos por realizarem atividades de
Nesse sentido, o trabalho não era tido
negros e mestiços. Por exemplo, ao escrever
como digno e, por isso, era compreendido
em 1844 Memórias históricas da província de
demeritodamente, com ingredientes capazes
Pernambuco, José Bernardo Femandes Gama
de bloquear o acesso dos artesãos e peque- denunciava a situação acima aludida:
nos comerciantes à condição de cidadãos. No
contexto brasileiro, assumiu proporções ain- [..] uma boa parte da população, que po-
deria optima e convenientemente ser
da mais pejorativas pelo tato de agregar, além empregada, nega-se, por antigos prejuí-
das questões aludidas, o problema que cer- zos, inevitáveis entre um povo, onde infe-
cava a questão negra, com a associação do lizmente há necessidade de escravaria a
que era considerado de trabalhos vis à situa- servir a quem lhe pague, pela repugnãn- A formação hlstóric
da pesca artesanal:
ção escrava, quando comparado a Portugal. cia que ainda tem de exercer misteres, origens de urna
Diferentemente do que ocorreu em terra lusi- quaes até ha bem poucos annos exclusi- cultura do trabalho
vamente se empregavam escravos apoiada no
tana e no restante da Europa no século XVI e sentimento de arte
XVII, especialmente por não existir número (GAMA, 1977, p. 5). e de liberdade

de trabalhadores suficiente no Brasil, boa Não se diferenciando de outras artes ou


parte das pessoas que se inseriu, fundou ei misteres, a atividade pesqueira estruturou- Cristiano Wellington
Noberto Ramalho
ou foi incluída nas corporações era, principal- se articulada a questão da cor, da origem
mente, de origem negra escrava. étnica, no Brasil.
Desde o inicio da colonização do Brasil, as No Brasil, diferentemente, não havia
relações escravistas de produção afastaram a qualquer tradição marítima formal e an-
força livre do artesanato e da manufatura. O terior no mundo da pesca, da navega-
emprego de escravos como carpinteiros, ter- ção de cabotagem ou mesmo do trabalho
em canoas. Trata-se de um universo li-
reiros, pedreiros, tecelões etc. afugentava os
vre á escravidão. Assim, os escravos
trabalhadores livres dessas atividades, empe- passaram em poucos anos, muito rapi-
nhados todos em se diferenciar do escravo, o damente, a constituir maioria em dados
que era da maior importância diante de senho- ofícios [.j sugere-se que foram fatores
res/empregadores, que viam todos os traba- como o meio natural tropical, a predomi-
lhadores como coisa sua. Por isso, entre nância da escravidão, ou seu caráter de

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relação social dominante, bem como um Os engenhos antigos do Nordeste viviam
desprezo ainda mais acentuado do que muito do mar e dos rios; dos peixes, dos
na metrópole pelos trabalhos vis que caranguejos, dos pitus, dos camarões,
explicam, na América portuguesa e, de- dos siris, que a dona de casa mandava os
pois, no Brasil imperial, a inibição do de- moleques apanhar pelos mangues, pela
senvolvimento da pesca efetuada por água, pelos arrecifes. Esses pescadores
homens livres em barcos tradicionais por- a serviço da casa patriarcal tomaram-se
tugueses ou a opção restritiva pelo negro jangadeiros iguais aos caboclos; tão
e pela jangada (SILVA, Idem, p. 82). peritos quanto eles no traquejo das
Contudo, nem sempre foi assim. Durante jangadas, das canoas e da rede de tucum,
os anos de 1500 até o início de 1600, o Re- na caça aos jacarés, às emas e aos
veados das margens dos rios. [..] O negro
cife, por exemplo, era uma vila com uma po-
que a princípio só trabalhou no 'Verde-
pulação constituída de comerciantes,
mar dos canaviais" depois tornou-se
marinheiros e, principalmente, de pescadores, também operário do outro mar[grifo meuJ
que ali viviam e que tinham erguido uma cape- (FREYRE, 2004, p. 67).
la a São Frei Pedro Gonçalves [ou São Teimo],
Por volta de 1620, Ambrósio Fernandes
ambos protetores, muito comuns em Portugal,
Brandão ao escrever Diálogos da Grandeza
dos mareantes. No povoado de Suape, situa-
do Brasil constatou já haver, no Estado de
do no Cabo de Santo Agostinho, na mesma
Pernambuco, aguda presença negra escra-
época, havia uma pequena fortaleza edifi-
va na pesca artesanal. Questão que revela
cada pelos portugueses e o convento de
a importância da atividade e as condições
Nazaré, sendo a população local formada por
sociais e econômicas sobre as quais a pes-
pescadores de jangada (COSTA, 1951;
ca se encontrava assentada.
GAMA, 1977).
Nesse período, a força de trabalho vin- Mas a principal pescaria de que se apro-
veitam os demais moradores deste Es-
culada à atividade da pesca estruturava-se,
tado é a que mandam fazer por negros
em larga medida, com base em homens
em jangadas, os quais nelas saem fora
brancos pobres livres e indígenas, fato que ao mar alto, aonde ao anzol pescam pei-
foi mudando ao longo do século XVII no xes grandes e formosos, com os quais
Nordeste, principalmente em decorrência da se tornam a recolher ao pôr do sol, e
, formação histórica torça que ganhou o mercado de escravos desta sorte se toma muito pescado
da pesca artesanal: (BRANDÃO, 1997, p. 184).
origens de urna negros odundos de regiões africanas e ex-
cultura do trabalho termínio dos povos indígenas. Houve uma adaptação das corporações
apoiada no
sentimento de arte Experientes nas lides comerciais com a ao caso brasileiro, em decorrência especial-
e de liberdade África e com a própria escravidão de mente da força de trabalho disponível à épo-
negros na Península Ibérica, os portu- ca, por conta da dinâmica e estrutura do
Cristiano Wellington gueses não tiveram grandes problemas
Noberto Ramalho capitalismo internacional e da situação na-
para fazer crescer em larga escala nos
cional naquele momento. A inserção do tra-
trópicos seus pequenos ensaios de São
balhador negro escravo, na imensa maioria,
Tomé ou dos arredores de Lisboa. As-
sim, em inícios do século XVII, o mundo fez com que muitos mestres artesãos portu-
da pesca nordestina - em profunda cor- gueses - chegados aqui - repassassem os
relação com o universo dos engenhos e ensinamentos de suas artes aos seus es-
lavouras de cana - começou a mudar cravos aprendizes, no intuito de torná-los
radicalmente quanto à composição de mestres o mais rápido possível, ao mesmo
sua mão-de-obra (SILVA, lbidem, p. 54). tempo em que pretendiam obter maior ren-
No livro Nordeste - de 1937 -, Freyre es- da extraindo-a do trabalho exercido por seus
creveu sobre essa transição, ao mencionar a negros artífices, de acordo com um paga-
passagem da força de trabalho livre, a qual mento estipulado aos próprios escravos, que
chama de cabocla, para a negra escrava. eram conhecidos como escravos de ganho

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ou de aluguel e que, desse modo, moravam de organização, a presença, nas primeiras
por conta própria, muitas vezes, longe de áreas da vida urbana que aqui se esboça-
seus senhores, arcando com suas próprias ram, de subgrupos cuja situação de classe,
escapando àqueles dois extremos, fé-los
despesas.
ter, entre nós funções semelhantes à de
A posse de escravos não se restringiu
grupos ou classes intermediários nas
aos grandes senhores de terra e de sobra- sociedades de composição mais comple-
do, porque se disseminou para outras clas- xas que as patriarcais ou tutelares. A
ses e grupos sociais, a exemplo dos subgrupos de mecânicos vindos do Rei-
artífices e ex-artífices brancos. O status de no ou da Europa foram-se juntando mui-
ser um senhor de escravo era uma das tos mestiços, hábeis em ofícios, peritos
formas fortes de ascensão social, expresso em caligrafia e em outras artes burocráti-
pela ideologia dominante da época. cas aprendidas com os brancos e que,
Muitos dos escravos, que passaram a de- desde os primeiros dias de colonização,
começaram a surgir na sombra das ca-
dicar-se à pesca artesanal e demais ofícios
sas-grandes e dos sobrados patriarcais
artesanais em Pernambuco, recaíam na cate- e, principalmente - naqueles primeiros
goria de escravos de aluguel, situação comum dias - dos colégios de padres. Daí se es-
no período, e que tinha sua condição escrava palharam pelas zonas ou espaços soci-
diferenciada dos domésticos, como descreveu ais mais livres, às vezes em competição
o inglês Henry Koster no início do século XIX, com aqueles outros elementos, não de
durante sua estadia neste Estado. todo insignificantes nas referidas áreas
No caso dos domésticos e do eito da urbanas: os mecânicos vindos do Reino
cana, por se encontrarem mais diretamente ou da Europa (FREVRE, 2003, p. 493).
ligados aos senhores, aos feitores e às ati- Relações de Produção na Pesca Artesanal
vidades da casa, não conseguiam auferir
Quando da organização do trabalho da
renda e, por isso, a oportunidade de com- pesca artesanal em base escrava no século
prar suas liberdades era quase impossível,
XVII, em diante, inúmeros negros advindos
a não ser por "bondade" de seus donos. Na
da Áfr
ica, que aqui chegaram, já detinham
situação de escravos de aluguel, estavam
alguma tradição pesqueira, permitindo a in-
pescadores, marceneiros, sapateiros e ou-
corporação deles, através de seus senho-
tros, 'que pagavam semanalmente aos seus
res, no setor. Portanto, é possível que alguns A rormaço histôric
donos um estipêndio proveniente do que ga- escravos tivessem suas vendas definidas por da pesca artesanal:
nham n'algumas ocupações feitas sem que seus talentos produtivos, diminuindo o tem-
origens de urna
cultura do trabalho
estejam sob o olhar do senhor" (KOSTER, po com vistas a prepará-los para o exercício apoiada no
2004, p. 633). Eles, assim, podiam experi- sentimento de arte
de certos ofícios, inclusive o de pescadores. e de liberdade
enciar uma liberdade possível e tinham a Recorrendo aos relatos de Tollenare em
chance de comprar suas alforrias. Ademais,
1816 percebe-se que, em Pernambuco, o Cristiano Wellingtor
o domínio do trabalho artesanal era tão for- Noberto Ramalho
trabalhador escravo recém chegado da Áfri-
temente exercido pelos negros e mulatos em
ca era adquirido para inúmeras atividades,
Pernambuco, que Koster enfatizou que "a
dentre as quais ele destacou a de artífices,
maioria dos melhores artesãos é também de no qual vários se situavam na condição de
sangue mestiço" (Idem, p. 600).
ganho:
Gilberto Freyre destacou a destreza des-
Os negros comprados são destinados
ses homens mulatos no exercício de suas pro-
aos engenhos, às plantações de algo-
fissões e da situação intermediária, quando dão, às fazendas de criação de gado e
libertos, que alguns ocupavam numa socieda- aos trabalhos na cidade. [..] enfim, os
de marcada por extremos socioeconõmicos: negros destinados à cidade são empre-
Deve-se, entretanto, reconhecer o fato de gados nos serviços caseiros, nas ofici-
que data dos começos da sociedade bra- nas e no porto. [...J entre os empregados
sileira configurada como sistema familiar nas oficinas encontram-se artífices bem
hábeis; os do porto ganham bem a sua disponibilidade de acesso às matérias-pri-
vida; estão organizados por cortes, ren- mas necessárias à feitura de barcos, espe-
dem geralmente de 7 a 8 francos por cialmente jangadas, graças ao número
semana aos seus senhores, alimentam- expressivo de matas existentes, e à facilida-
se a sua custa e podem Juntar dinheiro de de construção desse equipamento de tra-
se são econômicos (1978, p. 111).
balho. Portanto, a jangada não cobrava
Nunca é demais lembrar que em terras maiores dificuldades em sua edificação, por-
africanas, também de clima tropical, diver- que, além de seus materiais serem facilmen-
sos homens já eram pescadores e, por con- te disponíveis para sua elaboração, as
ta disso, haviam desenvolvido habilidades técnicas de fabrico eram largamente domi-
náuticas no trabalho marítimo e em rios da nadas pelos índios da região litorânea, sen-
região, isto é, já estavam familiarizados com do absorvidas facilmente pelos que aqui
a pesca artesanal. chegaram (portugueses e africanos). A es-
Constitui um fato que algumas das diver- trutura da jangada realizada sob tal referen-
sas nações ou etnias africanas envolvi- cial técnico-tecnológico perdurou por quase
das no tráfico atlântico entre os séculos dois séculos, após o início da colonização
XVII e XIX detinham um arcabouço técni-
imposta pelos lusitanos.
co simples, de pequena escala (armadi-
A jangada deixou de ser menos sofistica-
lhas, redes e embarcações), empregado
na peca marítima e litorânea e na nave- da a partir do momento em que se percebeu
gaçãoporrios e mar(SILVA, 2001, p. 61). o papel estratégico da pesca, na conquista
de alimentos para um crescente mercado
Somando-se a essa tradição do trabalho
consumidor oriundo do aumento da popula-
pesqueiro oriundo do braço negro, continuou
ção urbana e rural, fazendo com que a ativi-
existindo, em outro pólo, o trabalhador bran-
dade pesqueira cumprisse papel também
co livre e pobre na pesca. Contudo, esses
integrado à economia dominante da época.
procuravam, em certos casos, praias per-
Por conta dessa nova dinâmica, procurou-se
nambucanas mais afastadas (Cabo de San-
navegar mais distante da costa e passar mais
to Agostinho, Ipojuca, Itamaracá, Paulista,
tempo no mar, fato que se deu entre o final do
Tamandaré) e piscosas, onde pudessem
século XVIII e início do XIX, no entender de
exercer melhor o seu mister (SILVA, Idem),
Câmara Cascudo (2002) e de Araújo (2007).
formação histórica no intuito de fugir, dentre outras coisas, da
da pesca artesanal: O crescimento da demanda alimentar e
presença do trabalho escravo e de sua con-
origens de unia comercial levou pescadores a incorporar em
cultura do trabalho corrência na mesma atividade.
apoiada no suas jangadas vários elementos da tradição
sentimento de arte De fato, em várias localidades litorâneas
portuguesa de pescar, como a vela latina, o
e de liberdade do Brasil, havia a presença de homens livres,
banco do mestre, o leme, a poita (ou fatei-
que tinham na pesca artesanal sua base so-
xa), o anzol de ferro, que veio substituir o de
:ristiano Wellington cietária.
Noberto Ramalho espinha. Ademais, as madeiras deixam de
Comunidades especializadas e autárquicas ser rolos e ocorreu aumento de tamanho da
eram formadas por pescadores que, com-
binando técnicas nativas e portuguesas,
embarcação. Concomitantemente a isso,
proviam ao mercado um produto mercantil deu-se a difusão, para que tais componen-
específico e acessível. Elas se distribuíam tes pudessem ser utilizados, da arte de pes-
em aldeias pelas praias, dando uma ocu- caria, graças ao aparecimento dos misteres
pação humana permanente ao litoral. Cons- pesqueiros, o que fez surgir profissionais vin-
tituía uma outra economia da pobreza, que culados exclusivamente ao setor formado de
possibilitaria maior fartura, mas não ense- homens livres ou por escravos, na maioria,
java riqueza (RIBEIRO, 1995, p. 292). de ganho. Em suma, as transformações na
Os aspectos que acabaram colaboran- concepção da jangada representaram, além
do para a entrada e/ou a permanência de dos elementos já aludidos, a hegemonia da
inúmeros homens na pesca foram a farta arte de ser pescador, da consolidação dos

269
misteres ligados a um saber-fazer mais a incorporação da arte de ser pescador à
aprofundado sobre a pescaria. pesca de jangada, a conquista de espaços
A jangada histórica, sem leme de gover- mais amplos do mar e o predomínio de uma
no, sem vela e sem bolina, sem poita e técnica mais rica de manejo e desvelamento
tauaçu sem banco e espeques, sem to- dos territórios aquáticos marinhos.
letes e calçadores, era dirigida por um Cabe ressaltar que, quando a pesca era
simples remo de uma só folha, olhando praticada no mar perto da costa, não havia
a praia, com o indígena sentado, pernas maiores imperativos no campo de uma or-
estendidas e linha da mão. Já cento e ganização mais complexa do trabalho e tam-
cinqüenta anos depois é uma embarca-
pouco de um maior apuro de técnicas e
ção dirigida, afastando-se da costa, ru-
tecnologias náuticas e pesqueiras adapta-
mando mar largo, ampla, veloz, útil para
vários misteres [grifos meus](CASCUOO, das à jangada indígena.
2002, p. 116). Escreveu Câmara Cascudo:
Tal incorporação (de tecnologias e de téc- Ficaram pescando peito da costa, maris-
cando, suprindo os engenhos, confiado o
nicas lusitanas) projetou-se articulada à per-
emprêgo aos escravos brasileiros, os bra-
manência das indígenas existentes, como foi sis. Não se aventurariam mar a fora sem
o caso da jangada. Além da fartura de ingre- possibilidade de direção segura e em-
dientes para a feitura, houve uma adapta- prégo do vento. Não há alusão quinhen-
bilidade da jangada às características tista sõbre vela em jangada ou qualquer
naturais do ambiente marinho, seja passar embarcação aborígene (1957, p. 12).
facilmente sobre os arrecifes (nas idas e As transformações tomaram-se necessá-
vindas do oceano) e de ser lavada até à rias desde que se almejou aumentar à produ-
beira-mar para ser guardada, seja no apro- ção de pescados e ter certa rotinização do
veitamento de ventos com o uso da vela produto, particularmente numa época em que
para alcançar distâncias maiores em bus- o peixe era artigo de primeira necessidade
ca do mar-alto; aspectos que possibilitaram numa sociedade católica, isto é, num mundo
uma melhor apropriação dos pescados e social no qual a dieta à base de peixe fazia
das potencialidades náuticas existentes. parto do calendário litúrgico (SILVA, 2005, p.
Além disso, a instalação, nas jangadas, 69), enquanto componente e hábito alimen-
do banco de mestre (banco de governo em tar respaldador da fé, explicitando, assim, a A formação hlstórlc;
da pesca artesanal:
algumas localidades), que conferiu maior pre- força, em termos subjetivos e práticos, do ide- origens de uma
cisão ao trabalho marítimo e ajudou a dar di- ário católico também nesse universo. cultura do trabalho
apoiada no
reção mais precisa a tal instrumento Muitos viajantes europeus chegaram a sentimento de arte
e de liberdade
produtivo nos caminhos das águas, através narrar a forma das jangadas, a grande quan-
do uso do leme (ou remo de governo) tidade de pescadores e a habilidade desses
Cristiano Wellington
situado na popa, simbolizou, sem dúvida homens negros que as manejavam com des- Noberto Ramalho
alguma, a instauração de uma hierarquia treza no mar pemambucano. Em 1816, Louis-
no saber-fazer, de um domínio mais rigoroso François Tollenare afirmou:
e de um exercício sofisticado de uma arte O mar estava coberto de jangadas ou
da pescaria, cuja tradução manifestou suas pequenas balsas do país, nas quais os
marcas, ora na presença, a partir daí em negros pescadores se aventuram com uma
diante, do mestre no comando do barco, ora audácia assombrosa. As jangadas se
na cultura material que renovou essa compõem de três pedaços de madeira de
12a 15pésde comprido e fia Opolegadas
embarcação de vida secular, com a chega- de largo, apenas esquadriados e ligados
da do banco do mestre, principalmente, da por travessas; uma delas é munida de um
vela triangular, do leme, etc. Sendo assim, a buraco no qual se implanta o mastro que
entrada e a hegemonia do mestre na pesca suporta uma vela triangularde algodão; na
artesanal representaram, ao mesmo tempo, outra há um pequeno banco, de dois pés de

270
altura, sobre o qual se acocora o piloto, a pesqueiro, o aparecimento de uma verdadeira
fim de colocar-se um pouco ao abrigo das arte da pesca e, com isso, a construção de
vagas, que a todo o instante alagam a uma cultura marítima. Sendo assim, clarificou-
embarcação. Uma estaca fincada atrás do
se uma existência pautada na mantimidade
mastro serve para suspender o saco da
entre esses homens jangadeiros.
farinha e a cabaça de aguardente. Cada
jangada é tripulada pordois ou três homens Daí,a importância do conceito de mariti-
[..](TOLLENARE, 1978, p. 17-18). midade, entendido como um conjunto de
Ainda no início do século XIX, George várias práticas (econômicas, sociais e,
sobretudo, simbólicas) resultante da inte-
Gardner descreveu a estrutura da jangada
ração humana com um espaço particular
quando de sua chegada ao Porto do Recife-
e diferenciado do continental: o espaço
PE, no livro Viagens no Brasil:
marítimo. A maritimidade não é um con-
Enquanto esperávamos o momento de ceito ligado diretamente ao mundo oce-
entrar no porto, perto de nós passou gran- ânico, enquanto entidade física é uma
de número de barcos de pesca, de cons- produção social e simbólica [grifo do
trução originalíssima: chamam-se jangadas autor] (DIEGUES, 2004, p. 15-16).
e são formadas de quatro ou mais peças
de madeiras, atadas umas às outras, com Nesse sentido, ao mesmo tempo em que
um mastro e uma grande vela, um banco se afastou da organização produtiva indíge-
fixo em forma de mocho; mas, como não na, foi sendo empregada a portuguesa com
tem costados, as vagas rebentam de con- a presença do mestre' e de dois proeiros9,
tínuo sôbre eles; entretanto, navegam com no máximo, e, assim, emergiu uma cultura
bastante rapidez e aventuram-se a grande marítima em Pernambuco.
distância (GARDNER, 1942, p. 64). No caso dos instrumentos de captura dos
O desenvolvimento da jangada - com a pescados (redes e demais armadilhas), a
expansão de tecnologias lusitanas - articu- facilidade de acesso também se repetiu. As
lou-se à elevação da própria complexidade linhas e as redes, por exemplo, eram feitas
produtiva da pesca artesanal, já que o maior de fio de macaíba, ticum (ou tucum, a de-
distanciamento da costa exigiu, acima de pender da região), principalmente, e algo-
tudo, maiores compreensões do saber-fazer dão (COSTA, 1951; 1958).
formação histórica
da pesca artesanal:
origens de uma
cultura do trabalho
apoiada no
sentimento de arte
e de liberdade

:rlstiano Wellington
Noberto Ramalho

Em pintura feita por Fraris Posl em 1640, com Recife ao turco, observa-se .n poscacor nec ro em langaGa co rou.
sem vela, de estilo indígena, levando uma fateixa ao centro da sua embarcação (Fonte: SILVA. 2001).

271
-L ---
Jangada de Vela Latina, com banco de mestre, leme e fateixa, sendo conduzida por 2 pescadores negros
(proeiro e mestre), no inicio do século XIX, em Pernambuco (Fonte: KOSTER, vol. 1, 2002),

O ticum, por exemplo, era um material universo cognitivo e nos modos de operação,
usado em várias comunidades pesqueiras divisão e organização produtiva objetivadas
em Portugal (BRANDÃO, s/d), e por diver- no transcurso de várias décadas pelos traba-
sas populações indígenas e, em seguida, por lhadores pesqueiros artesanais, transforman-
muitas comunidades de pescadores ao lon- do-se num patrimônio societário. De maneira
go do litoral (ADRIAO, 2003; MUSSOLINI, geral, independentemente do setor produtivo,
1980) e do Rio São Francisco (MARQUES, não há produção possível sem trabalho pas-
2001) no Brasil, Em Pernambuco, a utiliza- sado acumulado" (MARX,2003, p228), sem
ção desse material durou até bem pouco experiências socioculturais adquiridas no
tempo, porque a maioria dos pescadores mundo do trabalho e que vão imprimir-lhe es-
A fomiaçc bistãrca
artesanais ainda o empregava até 1960, pecificidades, no seu diálogo e integração à da pesca ai'tesarial
como foi o caso de Suape. totalidade social, que é processo histórico, origens de um,1
cultura do rrabalh
Antigamente, a pesca era feita mais de eterno movimento. apoiada no
Articulando-se a tudo isso, rios pernam- sentimento de irtE
linha. Linha de seda, de macaíba, de al- e de :berdade
godão. linha o ticum. Fazia rede desses bucanos (Beberibe, Capibaribe, Igarassu,
materiais também. O forte era a linha. Ipojuca, Jaboatão) e o Oceano Atlântico tor- 1..! '.ti,'I1L'
Tinha que pintar, dar tinta. A gente fazia naram-se espaços sedutores para que ho- Ra
aqui mesmo. Essa rede de náilon entrou mens pudessem viver, principalmente por
há uns 40 anos (seu Neneu, pescador serem meios de acesso livre.
de Suape, PE, 67 anos). Isso diferenciava profundamente a pesca
Era de ticum e maca iba o material da rede, da agricultura, posto que a produção do açú-
lá pelos anos de 1960 (seu Luiz Augusto, car era uma atividade central e necessária ao
pescador de Suape, PE, 66 anos). capitalismo mercantil português. ao Estado lu-
As aludidas mudanças - na organização sitano, e o controle da terra era fundamental
da embarcação e do manejo pesqueiro e ná- para os interesses da metrópole no Brasil, ten-
utico realizado pelos homens marítimos - re- do como base o triângulo trabalho escra-
presentaram trabalho passado acumulado, vo negro, monocultura e monopólio
que se desnudou na aplicação de novas tec- fundiário (ANDRADE, 2005: FURTADO,
nologias nas jangadas, no aprimoramento do 2005; WANDERLEY, 1979). Assim, cabe

272
frisar que não houve, em boa parte da região senhores (SILVA, 1993). Portanto, aprender a
litorânea pernambucana, urna transição da arte da pesca e exercer tal ofício, para muitos,
condição de agricultores-pescadores para a era encontrar-se num espaço menos
de apenas pescadores, já que a concentra- autoritário e impositivo, longe de um controle
ção fundiária do lugar - imposta pela econo- excessivo, e/ou - quem sabe - de liberdade
mia agro-exportadora canavieira e várias plena. O mundo do trabalho da pesca era,
plantações de coqueiros, decorrentes da re- naquele contexto histórico, o construtor de
produtibilidade do capital - negou o acesso à autonomias possíveis.
terra na faixa costeira do Estado aos setores Além disso, havia algumas vantagens para
populares. Dessa maneira, muitos homens tor- seus senhores, já que o escravo de aluguel
naram-se jangadeiros sem terem sido antes podia se manter e ainda pagar - aos seus
agricultores, disUntamente do que aconteceu senhores - a sua condição de ganho. A im-
no sul e no sudeste brasileiro (caiçaras e aço- portância da pesca artesanal era facilmente
rianos, por exemplo). Diante disso, as águas percebida também em anúncios publicados
eram espaços mais democráticos de usos, de nos jornais. Neles havia oferta de armadilhas
trabalho, quando comparadas ao conUnente. de pesca e a busca por pessoas que pudes-
Até mesmo em relação a outros artífices sem ser responsáveis pelo uso delas:
escravos, a vida do pescador podia ser con- Precisa-se de uma pessoa que entenda
siderada, na maior parte das situações, me- de pescaria de costa de rios e de tapa-
nos controlada e, portanto, mais "livre". Por gem, pata tomar conta de uma rede em
exemplo, muitos artífices como carpinteiros, bom estado, muito maneira, e que pede
sapateiros, ferreiros, ourives, eram vigiados poucas pessoas para pescar: rua da Au-
diretamente por seus proprietários brancos. rora n° 40 (Diário de Pernambuco, 2 de
janeiro de 1857).
Quando esses senhores brancos não aban-
donavam a atividade e continuavam na mes- Além de tudo isso, confrarias e/ou cor-
trança exerciam-na comandando seus porações de pescadores tinham o direito -
escravos artífices em suas lojas. Além dis- concedido pela administração local - de ele-
so, era comum encontrar, em 1817, nas ruas ger seus representantes, desde que eles
de algumas cidades pernambucanas 'escra- respeitassem o princípio da vida ordeira e
vos trabalhando em calçados, roupas e ou- fossem, portanto, reconhecidos pelas auto-
formação hIstórica
tros misteres nas escadas das casas de seus ridades públicas locais como tais.
da pesca artesanal:
origens de uma senhores" (COSTA, 1954, p. 144). [..] escravos pescadores já constituíam
cultura do trabalho naqueles anos amplas corporações, com
apoiada no Para os escravos, o trabalho da pesca,
sentimento de arte nas jangadas, representava o mundo da li- sua hierarquia e seus "governadores", a
e de liberdade quem cabia controlar o trabalho dos pes-
berdade possível, pois quando o realizavam
cadores, contê-los em possíveis exces-
:ristiano Wellington
não estavam sob o controle direto do seu sos, e zelar pela ordem da corporação.
Noberto Ramalho senhor, pelas particularidades ligadas à or- O escravo Germano Soares, por exem-
ganização social do seu saber-fazer produti- plo, depois de ser considerado idôneo
vo e das impossibilidades e riscos que as pelo governo da capitania de Pernam-
características ecológicas do mar impu- buco, assumiu o posto de governo dos
nham. E possível que isso tenha estimulado a pescadores da Vila do Recife, em 1778
proliferação de negros de ganho ou de aluguel (SILVA, 2005, p. 66).
na pesca como atestaram, na época, as des- No século XVIII, os trabalhadores pes-
crições de Koster (2002;2004) e Tollenare queiros elegiam seus governantes, diretores,
(1978). Muitos escravos desejavam a pesca juízes e/ou oficiais, dando-lhes, apesar das
como alternativa concreta de realização de contradições que cercava esse processo,
uma condição possível de liberdade e alcan- certa consciência coletiva. Não só existiam
çar a sua própria alforria em muitos casos, eleições para governador dos pescadores
trabalhando distante dos olhares de seus no Recife, mas em Olinda também:

273
[..]já em fins do século XVIII, osjangadei- sejam constituídos por "negros" e "pardos" de
ros do alto da cidade de O/inda, por condição livre" (SILVA, 2001, p. 118).
exemplo, tinha o seu próprio governador Certamente, o trabalho de pescador per-
- aspecto que indica que esse grupo so-
mitiu a vários homens e seus familiares a
cial constituía uma verdadeira corpo-
ração de ofício desde então. Segundo
chance de adquirirem sua alforria. Não que
uma carta patente passada em 16 de ju- isso fosse um caminho fácil. Sobre isso, mais
nho de 1788 pelo governador da capita- uma vez, recorro ao relato do viajante Henry
nia de Pernambuco, dom Thomás José Koster, que constatou a construção dessa
de Meio, João Gomes da Silveira, era fei- estratégia por parte de um pescador escravo
to naquela ocasião governador dos pes- de aluguel:
cadores do alto da cidade de O/inda [grifos Um pescador obtivera a manumissão de
meus] (SILVA, 2001, p. 89). sua mulher porque, mesmo ele conti-
Além disso, os camaroeiros tinham seu nuando cativo, desejava que os futuros
próprio governador da profissão e sua hie- filhos nascessem libertos, e se manti-
rarquia de coronéis-conselheiros, majores, nha no propósito de adquirir posterior-
cadetes, capitães e brigadeiros, entre outras mente sua liberdade e a dos outros
patentes [.] (Idem, p. 91). filhinhos (KOSTER, 2004, p. 380).
Ademais, essas organizações pagavam Em 1844, outro viajante, o norte-america-
o dízimo - imposto - à administração pú- no Daniel Kidder, chegou a embarcar em uma
blica local, in natura, "depois do décimo- jangada conduzida por negros forros (ex-es-
quinto" (KOSTER, 2002, p. 107) peixe. No cravos), descrevendo, inclusive, a perícia des-
geral, a profissão e a posse do represen- ses jangadeiros no exercício de seu mister:
tante de determinado mistere teriam que ser Os nossos negros jangadeiros mostra-
reconhecidas pelas câmaras municipais, vam-se muito polidos e quietos durante a
obedecendo a regras locais, Segundo Pe- viagem. Eram ambos negros forros e mo-
reira da Costa, no Recife, pela carta de lei radores de Itamaracá. Mostravam-se co-
de 30 de agôsto de 1770, ninguém podia nhecedores de seus misteres e diligentes
exercer arte alguma sem carta de exami- em executá-los (KIDDER, 1943, p. 113).
nação do seu ofício, cujos títulos eram Sobre esse tema vale lançar um olhar
passados pela câmara do senado local [gri- mais atento. Muito desses pescadores arte-
sanais, que eram escravos de aluguel, não A formação históric
fo do autor] (1954, p. 143), Por lei, caberia da pesca artesanal:
ao mestre formar o aprendiz na arte que só deixavam de realizar seu trabalho fora do origens de uma
cultura do trabalho
desenvolvia, respeitando as normas da sua controle direto de seus senhores - a exemplo apoiada no
corporação. Com as ambigüidades ligadas dos engenhos em que os donos de terras e sentimento de arte
e de liberdade
a essa situação, os artífices escravos esta- de escravos tinham nos seus feitores a figura
vam sujeitos aos mesmos padrões de de "gerentes" atentos ao trabalho a ser reali-
Cristiano Wellingtor
aprendizagem e fiscalização dos homens zado -' como moravam também, em vários Noberto Ramalho
livres (CUNHA, 2000, p. 28). contextos, distantes de seus senhores", em-
Com o passar do tempo, particularmente bora o mando continuasse a sobreviver atra-
em 1856, o número de pescadores negros ei vés do pagamento de uma renda estipulada
ou pardos livres cresceu consideravelmente e da possibilidade de que, quando não res-
na província pernambucana, suplantando os peitado o pagamento, os mesmos serem pu-
homens de condição escrava dentro do uni- nidos severamente, com castigos.
verso de 644 pescadores matriculados junto Sem dúvida, a condição de escravos de
à Capitania dos Portos da referida província. aluguel era uma forma de exploração huma-
Assim sendo, dentro do número apresenta- na. Contudo, não deixava de ser também, para
do, não era estranho que nele "18,3% sejam esses homens, a chance de sentirem o gosto
considerados brancos, 1,3% sejam tidos da liberdade e, por isso, de não se sujeitarem
como "índios", 13,8% como "escravos" e 67% totalmente o uso de seu corpo (suas energias

274
vitais) e tempo a outrem, como acontecia com Os trabalhadores dos canaviais nos dis-
os negros do canavial, da casa grande, dos tritos vizinhos, perto da costa, e os pesca-
sobrados ou em outros ofícios. Quando de dores, têm caráter semelhante, todavia
falam mais favoravelmente dos primei-
sua visita ao engenho Salgado no litoral sul
ros do que dos últimos, e eu confesso
pernambucano, Tollenare observou esse que prefiro como criado um homem que
controle exacerbado nos canaviais: tenha sido plantador de mandioca àque-
Da senzala domina-se a planície onde se le cuja vida se passou sobre a jangada
cultiva a cana. O calor é de 27a 280, osol (KOSTER, op. cit. p. 500).
abrasador; vejo expostos aqui ao seu A não preferência, de Henry Koster, pe-
redor 30 negros e negras curvados para
los pescadores pode, sem dúvida, expres-
a terra, e excitados a trabalhar por um
feitor armado dum chicote que pune o
sar a autonomia e o não controle desse
menor repouso (1978, p. 44). grupo de trabalhadores. O "espírito". liberto
dos pescadores era menos confiável do que
Todavia, numa sociedade escravocrata,
o dos agricultores. Já o francês Tollenare
deter maior controle do tempo e do corpo
entendia a liberdade de uso do tempo e do
para exercer seu trabalho possibilitou o sur-
corpo realizada pelos pescadores negros
gimento de uma representação da qual os
livres como algo danoso, como se explicita
marítimos viviam e experimentavam cotidi-
na passagem a seguir:
anamente uma autonomia possível, cuja for-
Há sobre o aterro algumas cabanas fei-
ça estava ensejada na edificação de projetos
tas de folhagem, nas quais habitam mu-
de vida voltados à liberdade - comprar a al- latos e negros livres [. .] O marido vai
forria de sua esposa, filhos e dele mesmo apanhar alguns caranguejos nos man-
pescador, como descreveu Henry Koster. gues, compra um punhado de farinha de
Nesse projeto em busca da autonomia, o mandioca, por 3 ou 4 soldos, e com isto
trabalho de pescador artesanal era o solo sustenta a família, que pode, por meio
fértil, onde se enxergava possibilidades de de uma existência tão frugal, se entre-
concretização de sonhos emancipatórios, gar à ociosidade descuidada que consti-
para si e para seus entes queridos. tui toda a sua felicidade (Idem, p. 34).
Não quero, com isso, minimizar a de- Essa noção de que os trabalhadores da
plorável condição escrava que se abateu pesca eram ociosos (expressa por Tollenare)
¼ formação histórica ou que geravam desconfiança (frisada por
da pesca artesanal: sobre inúmeros pescadores, do Brasil Co-
origens de uma lônia e Império, más analisar o espaço ob- Henry Koster) acaba reforçando a tese de
cultura do trabalho que essa fração de classe tinha construído
apoiada no jetivo em que frutificaram sonhos, projetos
sentimento de arte existenciais, sentimentos de liberdade en- uma cultura produtiva peculiar.
e de liberdade
tre esses homens. Para tanto, o trabalho Lúcio Kowarick revelou que havia traba-
emerge como elemento essencial sem o lhadores libertos, que não se enquadravam
Cristiano Wellington
Ra
Noberto malho qual a liberdade, de fato, não estaria perto, na disciplina dominante brasileira, desde a
para eles, de sua confirmação. época colonial.
Devido ao grande número de trabalhado- Insisto nesse argumento que transcen-
res negros alforriados na pesca, desconfian- de as determinações de caráter exclusi-
ças, receios e preconceitos surgiram das elites vamente econômico: os livres, na medida
agrária e urbana. Sobre essa desconfiança, em que o cativeiro fosse o referencial do
Henry Koster sintetizou um sentimento existen- processo produtivo, só poderiam conce-
ber o trabalho organizado como a forma
te no início do século XIX, e que também era
mais degradada de existência. A seu tur-
seu como grande proprietário de terra, no, como o parâmetro que os senhores
concernente aos pescadores por conta da vida tinham do trabalho era pautado na es-
desses trabalhadores experienciadas com cravidão, do qual os livres procuravam
maior liberdade" quando comparada a outros de todas as maneiras escapar, cristali-
trabalhadores da época: zar-se-ia a percepção de que eram os

275
menos desejáveis: eram vistos como Clube do Cupim no Recife foram pesca-
verdadeiros «vadios", imprestáveis para dores, jangadeiros e barcaceiros. Trans-
o trabalho (KOWARICK, 1994, p. 43)11. portavam os escravos fugidos ou enviados
Cabe acrescentar que essa visão, no do Recife, Paraíba e Natal para Mossorá
período escravocrata, atingia qualquer gru- que se liberara em 1883 e para o Ceará
livre. Escondiam o segredo como de inte-
po de homens livres, que não atendia aos
resse próprio. Inútil a promessa de prêmi-
padrões da economia moral burguesa. Fer- os em dinheiro para obter a delação. Os
nando Lourenço destacou que, no século escravos alcançando as embarcações
XIX, os propagadores, no Brasil, do ideário estavam realmente livres. A tripulação
e da sociedade liberal buscaram construir constituía sua guarda pessoal. Compre-
mecanismos públicos que fossem capazes ende-se que a sociedade fundada em
de educar os negros, os pobres, ex-escra- Areia Branca em 10 de outubro de 1883
vos, pela moral burguesa do trabalho e seu por Almiro Alvares Afonso e Libânio da
ritmo produtivo também no campo: Costa Pinheiro, que foi o presidente, ti-
vesse o título reboante de «Sociedade
Seria preciso conferir aos libertos e aos
Antiservil dos Trabalhadores do Mar"
demais pobres, nacionais e estrangeiros,
(CASCUDO, 2002, p. 51).
não apenas as habi!iades técnicas indis-
pensáveis ao melhoramento dos cultivos, Os pescadores foram mais do que gran-
mas, principalmente, incutir-lhes o dever des apoiadores e inspiradores das campa-
e o amor do trabalho, atributos morais in- nhas abolicionistas; foram participes das fugas
dispensáveis e sem os quais permane- de seus irmãos de cor. Provavelmente, quan-
ciam alcunhados como subumanos do um escravo fugido chegava ao barco de
(LOURENÇO, 2001, p. 165). um pescador para trilhar clandestinamente
Exemplo disso, o Exército e, especial- seu projeto de autonomia, isso era o mesmo
mente, a Marinha Imperial Brasileira foram que se atingir o terreno da solidariedade e
espaços de correção moral daqueles que das águas esperançosas de uma possível
eram classificados de capoeiras, delinqüen- emancipação diante do trabalho compulsório.
tes, mendigos, preguiçosos, vadios, meno- O fim legal das corporações
res infratores: de ofício e a continuidade
[.. J a Marinha e o Exército foram os do sentimento de corporação.
caminhos encontrados por muitos che- A formação históric
No ano de 1824, é decretado, por meio da da pesca artesanal:
fes de polícia para corrigir esses ho-
mens que atormentavam a paciência
constituição do império, o fim das corporações origens de uma
cultura do trabalho
das autoridades públicas. Uma saída de ofício, após dois anos da independência do apoiada no
Brasil, sendo "reforçada pela lei de l' de outu- sentimento de arte
pragmática entre autoridades civis e e de liberdade
militares (NASCIMENTO, 1999, p. 62). bro de 1828, que deu nova forma às câmaras
Por conta da representação de autono- municipais, não prevendo a participação de Cristiano Wellingtor
mia transmitida a partir do trabalho e do representantes dos ofícios mecânicos, como Noberto Ramalho

modo de vida, os pescadores foram vistos juizes de ofício, procuradores ou, ainda, juizes
como sinônimo de liberdade, especialmente do povo" (CUNHA, op. cit., p. 56).
pelos abolicionistas que os tomaram por sím- Cabe lembrar que, até início do século XIX,
bolo de sua cruzada em busca do termino os municípios, apesar de existirem diretrizes
da escravatura. Somando-se a isso se junta mais gerais, tinham regras específicas em re-
o fato do qual pescador e canoeiro colabo- ação ao controle da pesca e dos pescadores,
ravam na fuga e libertação de escravos. especialmente no que diz respeito à utilização
Por toda campanha contra a escravidão o
de armadilhas de pesca, funcionamento das
pescador foi um elemento de simpatia corporações e, principalmente, pagamentos
abolicionista ou ostensivamente ligado de impostos às câmaras locais. Um alvará edi-
aos que combatiam a continuação do es- tado em 3 de maio de 1802 buscou tutelar,
cravo no Brasil. Grandes auxiliares do sem maiores êxitos, a atividade pesqueira a

276
um projeto de característica nacional. Tal alvará refinada, ato mecânico e pobre, antítese da
desnudou a importância dos mestres na pesca liberdade e, para muitos, algo somente
e, portanto, seu lugar como trabalho artesanal, necessário para permitir a mera sobrevivência.
um mister, essencial naquela sociedade colo- Desse modo, o percurso que levou a
nial, Constava no mencionado documento: hegemonia do modo de vida burguês acabou
As pescas costeiras e de alto-mar poderiam produzindo uma radical e definitiva separação
ser livremente exercidas, independente- entre trabalho e arte, para muitos homens e
mente de qualquer licença, ficando cada mulheres, por negar a noção de cdavidade,
meslre apenas obrigado a declarara qua- liberdade e beleza ao mundo do trabalho na
lidade de sua embarcação, redes utiliza- era do capital, atingindo fortemente, ademais,
das e o número de pessoas da sua o fazer artesanal. Assim, a arte passou a ser
companhia [grifo meu] (PAIVA, 2004, p. 9). vista, em decorrência da força do liberalismo,
A nova realidade (abertura dos portos, como antagônica ao trabalho, e o artista das
avanço do liberalismo, necessidade de de- belas-artes enquanto um ser quase transcen-
senvolvimento industrial, formação de mão- dental, o único capaz de ser verdadeiramen-
de-obra) tomou incompatível a presença das te criativo, um não trabalhador, de inspiração
corporações, especialmente quando se bus- "divina" e completamente distinto dos traba-
cou um desenvolvimento em bases nacio- lhadores fabris e artesãos (PEIXOTO, 2003;
nais para a recém nação brasileira. A baixa WOLFF, 1982).
capacidade produtiva dos artífices para res- Segundo Wolif,
ponder aos critérios de uma economia cada Em outras palavras, a criatividade artísti-
vez mais capitalista, de produção em larga ca corno um tipo de trabalho singularmen-
escala e o longo processo de aprendizagem te diferente, como um produto
de um artista para tornar-se mestre foram excepcional transcendente mesmo, é
obstáculos incompatíveis ao modelo mais uma noção errônea baseada em certas
mercantil e liberalizante da sociedade que tendências históricas e erradamente ge-
começava a se foar. Necessidade de produ- neralizada e considerada como essen-
ção em maior escala, constituição de uma cialà natureza da arte. (1982, p. 30).
nova moral burguesa do trabalho, dinamis- Diferentemente de outras artes, que sofre-
mo no mercado, construção de escolas de ram com a expansão do capitalismo (alfaiates,
íormaço histórica
da pesca artesanal: ofício e artes por parte do poder público para carpinteiros, ferreiros, ourives, sapateiros), os
origens de uma formar mão-de-obra e transformações nos pescadores responderam e vivenciaran, esse
cultura do trabalho
apoiada no meios de produção, que baixaram a exigên- processo de maneira não igual, já que o de-
sentimento de arte cia técnica dos trabalhadores, impuseram um senvoMmento capitalista na pesca nunca se
e de liberdade
reordenamento no mundo do trabalho e, por operou com a mesma força com que aconte-
:risrlano Wellington
isso, a extinção das corporações (COSTA, ceu em outros setores produvos em Pemani-
Noberto Ramalho 1954; CUNHA,2000).Concomitantemente a buco, devido às implicações e às mediações
esse processo expansionista do capital ao sociais e ecológicas peculiares ao trabalho
mesmo instante em que é parte dele, o traba- marítimo.
lho reduziu-se - em termos objetivos e Algo similar ao que Georg Lukács
subjetivos - às funções opostas da atividade (1969) descreveu sobre o avanço da
artística nos espaços atingidos pela econo- economia capitalista na França e na
mia capitalista moderna. Se o trabalho do Inglaterra, quando observou que, apesar de
artesão havia sobrevivido às intempéries e às uma mesma essencialidade, havia
tentativas efetivadas pelos adeptos das belas- expressões fenomênicas distintas desse
artes de retirar (ou desqualificar) o caráter de processo. Para tanto, o autor tomou como
arte de seu fazer profissional anteriormente, exemplo a eliminação do campesinato na
na era industrial o trabalho transformou-se em Inglaterra e a permanência dele na França,
inimigo do exercício criativo, de uma estética concluindo que:

277
Ambas são fundadas sôbre o mesmo de- Junqueira, faz com que se sintam, ainda hoje,
senvolvimento essencial, porém cada quase urna corporação, com linguagem e
desenvolvimento essencial é um aconte- hábito próprios, os homens do mar formam
cimento concreto e único na história e um grupo àparte (JUNQUEIRA, 2003, p. 10)12.
assume, por isso, no mesmo período e Mesmo em outras atividades esse fenô-
nas mesmas fases de desenvolvimento,
meno sobreviveu quase por um século, após
traços fenomênicos muito variados. Acho
a declaração do fim das corporações. Na ci-
que em relação a êste aspecto devemos
distinguir ontologicamente, no interior da dade de Santos-SP, por exemplo, até a 2a
economia, entre a parte constituída pelas guerra mundial, o historiador Fernando Tei-
leis essenciais e o mundo dos fenôme- xeira da Silva (2003) pesquisou que vários
nos (1968, p. 124).A pesca artesanal nun- trabalhadores do setor da construção e do
ca perdeu sua hegemonia. Hoje, detém porto identificavam-se como artífices, mes-
98% dos pescados capturados em Per- tres em seus ofícios, formando uma verda-
nambuco, o que corresponde 6.094 tone- deira cultura do trabalho como se fora uma
ladas (lbama, 2004). Tal fato deve-se, corporação, operários sem patrões e que ti-
antes de qualquer coisa, às próprias ca- nham orgulho de sua condição. Todavia, com
racterísticas naturais do ambiente, já que a expansão das empresas de construção, a
a plataforma costeira pernambucana é
ação política desta classe junto ao Poder
estreita e cheia de corais, tomando incom-
Público e a formação de engenheiros e de-
patível o uso de redes industriais para a
mais profissionais vinculados ao setor, con-
pesca (ALMEIDA, 1997); elemento esse
que se adiciona à inexistência de cardu- denou-se à existência desses artífices,
mes de grande porte, como no Sul do Bra- [..] vale lembrar que um dos objetivos da
sil, que são de interesse prioritário das Construtora era o de subtrair ao controle
grandes empresas (Ibama, Idem). exercido pelos mestres-de-obras, que ti-

A formação históric
da pesca artesanal:
origens de uma
cultura do trabalho
apoiada no
sentimento de arte
e de liberdade
É claro que as corporações de pescado- nham se 'arvorado projetistas e mentores
res também deixaram de existir, como acon- da evolução material da cidade". Assim, a Crtstiano Wellington
teceu com os demais ofícios artesanais, empresa buscava dominar completamen- Noberto Ramalho
porém a organização do trabalho inspirada, te o processo de produção das edificações.
em boa medida, nas antigas artes dos artí- [...]a construção da imobiliária não aumen-
fices, não se extinguiu em muitas comuni- tou o capita/lixo, mas o circulante (materiais
de construção) e o variável (força de
dades de trabalhadores do mar.
trabalho), levando-a a obter altas taxas de
Assim, a continuidade do sentimento de
mais-valia. Verificou-se, então, elevada a
corporação de oficio ainda é algo muito pre- exploração do trabalhadora crescente des-
sente na pesca artesanal. Segundo Diegues qualificação do artífice pela utilização de
(1983), tal sentimento de corporação, no qual materiais de construção industrializados e,
os pescadores artesanais se identificam com sobretudo, pela organização das grandes
um grupo possuidor de uma profissão (Idem, empresas que retiravam dos canteiros de
p. 197), distinguiria esses trabalhadores dos obras as decisões técnicas e econômicas
pescadores-lavradores em São Paulo, e, para (SILVA, 2003, p. 76).

278
Mais do que a lei, como se nota, foi a ex- práticas de sociabilidades geradas pelos
pansão do capital em determinados ramos marítimos têm no passado sua raiz capaz
econômicos que pôs fim aos mestres, a visão de oferecer pistas sociológicas importantes,
do trabalho como arte e a uma cultura do para se entender o tempo presente. Nesse
trabalho em bases mais igualitárias, onde o sentido, a junção entre pesca artesanal, tra-
trabalho suplantava o valor do capital; e em balho, arte e liberdade não surge desloca-
outros, onde ela continuou, as respostas dos da do processo histórico constituidor do
trabalhadores e o avanço do capital ocorre- mundo do trabalho pesqueiro, aliás, encon-
ram em outras bases, visto que o termo mes- tra nele suas bases influenciadoras, em ter-
tre ou artista popular (os outrora praticantes mos práticos e simbólicos, no que é vivido
das artes manuais) ainda sobrevivem, poden- no aqui e no agora.
do ser encontrados em artesãos estudados Conclusão
por Sylvia Porto Alegre (1994) e nos ourives de A pesca artesanal tomou-se, no período do
Juazeiro do Norte-CE, pesquisados por Brasil Colônia e Império, antítese do trabalho
Rosilene Alvim (1972). Especificamente no compulsório, território da liberdade ou o
caso da pesca artesanal pernambucana, se caminho mais promissor para se alcançar a
ainda há uma cultura do trabalho de forte ins- mesma, seja para vários brancos pobres es-
piração na sociedade do trabalho dos artífi- magados pelo monopólio da terra, seja espe-
ces, isso não quer dizer que ela sobreviveu cialmente para muitos negros escravos em
incólume e nem se dá de maneira semelhan- Pernambuco. Estruturada numa organização
te ao passado, porque isso seda urna trans- social do trabalho com base nas corporações
posição mecânica e um dogma anacrônico. de ofício importadas de Portugal, a pesca
Contudo, pode-se afirmar que, sem dú- edificou um saber-fazer produtivo sinônimo de
vida, o processo de socialização, o longo arte, em que trabalho e destreza técnica com-
tempo para feitura do mestre, a organização binaram-se e se projetaram umbilicalmente.
do trabalho no mar, a centralidade do saber- Nesse sentido, o trabalho da pesca, embora
fazer do trabalho, o valor de uso mais inten- sofresse o peso da sociedade escravocrata,
so que o valor de troca, a permanência de transformou-se em espaço de resistência, de
algumas técnicas e tecnologias, guardam autonomias possíveis, destoando da condição
A Formação histórica diversos aspectos vivos e fundantes do men- submetida a vários outros ofícios, a vários outros
da pesca artesanal:
origens de uma cionado sentimento de corporação, que pode trabalhos, que eram vistos, sentidos e vividos
cultura do trabalho ser entendido como laços de pertencimento como opressão. Concomitantemente a isso, o
apoiada no
sentimento de arte a uma determinada fração de classe, grupo surgimento da pessoa do mestre, as mudanças
e de liberdade societário (RAMALHO, 2006; 20079. tecnológicas nas jangadas e o aprofun-
Em suma, o mundo do trabalho pesqueiro damento das técnicas de manejo, acabaram
Cristiano Wellington
Noberto Ramalho não foi capturado e interferido, na mesma legitimando a noção de trabalho como arte,
medida, como foram outros setores econômi- fazendo da pesca artesanal espaço tensiona-
cos, outras artes, devido ao modo peculiar que do pela força da sociedade do trabalho e dos
assumiu o desenvolvimento capitalista nas seus sentimentos de arte e de liberdade. Muitos
regiões costeiras de muitas localidades e às desses aspectos repercutem, em alguma
mediações societárias (políticas, culturais, medida, ainda hoje, na vida de várias comu-
sociais) presentes no cotidiano dos trabalha- nidades de pescadores, ao se recriarem como
dores pesqueiros. Ao não ser capturada em uma cultura do trabalho que guarda em si a
igual medida ou plenamente, a sociabilidade noção de arte e de autonomia, em seu saber-
do trabalho ainda continua assumindo eixo fazer produtivo, traduzindo-se por meio de um
central no fazer desses profissionais. sentimento de corporação, de resistência
Então, a lógica de compreender o seu resultante de uma cultura produtiva que tem
trabalho por arte e como liberdade e as atravessado séculos.

279
Notas

O presente escrito é um texto sintetizado do 1 capítulo de dos costumes. Esses pertencem ao povo, e alguns deles
minha tese de doutorado: RAMALHO, Cristiano Wellington se baseiam realmente em reivindicações muito recentes'
f4oberto. Embarcadiços do encantamento: trabalho como (idem, p. 19). No caso dos pescadores, a rebeldia da cultu-
arte, estética e liberdade na pesca artesanal de Suape, PE. ra do trabalho não se expressa em uma resistência política
Tese de doutorado em Ciências Sociais. Campinas, Uni- necessariamente, mas se clarifica em práticas (simbólicas
camp, 2007. Estudo que foi orientado pelo Prof. Dr. Fer- e materiais) que atuam no trabalho, enquanto experiências
nando Antonio Lourenço (Unicamp). sociais sobre as quais se assentam o irredentismo pesquei-
2 Quando emprego a categoria liberdade, não o faço no ro, a insubordinação societária dos homens que pescam
sentido da emancipação humana, posto que a emancipa- diante dos valores do capital, de sua supremacia.
ção - na concepção marxiana - é uma construção coletiva Ato de copiar manuscritos, segundo o próprio Antonio
capaz de abolir práticas de alienação; de superar relações Santoni Rugiu (Ibidem).
de desigualdade entre nações. classes, de género e étni- Os séculos aludidos diferenciam-se dos anteriores: "na
cas; de forjar ações de respeito ao metabolismo e limites alta Idade Média, isto é, do século V ao XI, o trabalho é
ecológicos: de socializar os meios de produção; de consti- considerado uma peniténcia, uma conseqüência do peca-
tuição do trabalho associado: de universalizar bens cultu- do original. 1] Até o século XII, os monges são essencial-
rais: e de ter como esteio societário o fazer político mente beneditinos. De fato, a Regra de São Bento lixa a
consciente de homens e de mulheres, cotidianamente. Nes- prática do trabalho manual nos mosteiros, mas apenas en-
se sentido, não existe, no dia a dia dos pescadores a con- quanto peniténcia, obediência à lei expiatória imposta ao
cretização da emancipação humana, mas uma resistência homem quando da queda do jardim do Éden" [grito dos
societãria expressada a partir de uma autonomia possível, autores] (LE 00FF; TRUONO, op. cit., p. 66).
que se insurge contra os marcos de domínio absolutos (e
Além disso, mesmo tendo emergido no período renas-
muitas vezes autoritários) do capital. Por conta disso, quan-
centista, foi só posteriormente, no intuito de realizar uma
do, neste texto, empregar-se as categorias liberdade ou
separação ainda mais radical frente ao mundo dos arte-
autonomia na pesca deve-se entender, então, liberdade
sãos, que se atribuiu ao artista (especialmente o das belas-
possível ou autonomia possível e não emancipação huma-
artes) uma suposta liberdade plena do mundo terreno, onde
na. Acerca do tema da emancipação humana e de suas
o mesmo construiria sua obra de maneira espontânea, com
esferas constitutivas, seria oportuno ler: TONET, Ivo. De-
aguda subjetividade e criação sem interferências de regras,
mocracia ou liberdade? Maceió, Edutal, 1997; W000, Elfen
sentimentos de uma época histórica, submissões a juizos
Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do
predeterminados, à razão Sou à saciedade, tato que daria
materialismo histórico. São Paulo, Boitempo, 2003.
ao produto artístico caráter de originalidade. Assim, o artis-
Este é um nome fictício, porque o entrevistado não queria ta passou a assumir praticamente um valor transcendental,
ter sua identidade revelada. como se estivesse tora do mundo ou apenas vinculado ao
A cultura do trabalho resulta dos costumes, experiências seu próprio interior, sua subjetividade, tornando-se o es-
e valores pertencentes á determinada fração de classe so- plendor e a luz da própria liberdade externalizada no as-
cial, dando-lhe sentido e identidade ao permitir-lhe opor-se pecto singular de sua produção. Aqui, não é a arte e seus
Sou diferenciar-se de outros grupos sociais em termos prá- modelos que se impõem ao artista, mas ao contrário. Aarte A formação histórica
da pesca artesanal:
ticos e simbólicos, especialmente a partir do lugar em que seria em tudo inspiração e pura intuição não podendo ser origens de uma
ocupa na esfera da produção. Tal categoria será - no pre- descrita metodologicamente e nem apreendida cognitiva- cultura do trabalho
sente texto - utilizada tendo por referência a construção mente, por não se situar no plano da razão como a ciência. apoiada no
analítica desenvolvida pelo historiador E. P. Thompson. Para O artista na qualidade de indivíduo desenraizado social- sentimento de arte
Thompson, os costumes populares, presentes no século mente, como se estivesse envolvido numa redoma, situan- e de liberdade
XVIII, formaram a base - no universo do trabalho - dos do-se acima do bem e do mal, eclode aqui, vindo reforçar
direitos costumeiros do povo e de sua cultura produtiva, algumas das concepções do individualismo contido no ide- Cristiano Wellington
que se tornaram esteios de resistências frente aos setores ério liberal. A construção analítica elaborada por Immanuel Noberto Ramalho
dominantes da sociedade e do processo de expansão de Kant - em sua obra datada de 1790 Critica da faculdade do
uma economia de mercado, genuinamente capitalista, na- juizo - resplandeceu, em várias conotações, essa questão,
quele período. Assim, definiu Thompson (1998): 4A cultura dando-lhe um caráter mais profundo e articulado, cuja en-
conservadora da plebe quase sempre resiste, em nome do carnação suprema pode ser reconhecida na categoria de
costume, às racionalizações e inovações da economia (tais génio, como razão de ser e enquanto principal persona-
como os cercamentos, a disciplina do trabalho, os livres" gem das belas-artes, O "gênio é o talento que dá a regra
mercados não regulamentados de cereais) que os gover- arte [grito do autor]" (KANT, 1995, p. 153) e não o inverso.
nantes, os comerciantes ou os empregadores querem im- E o próprio Kant quem afirmou: "Disso se vê que o génio i)
por. A inovação é mais evidente na camada superior da é um talento para produzir aquilo para o qual não pode for-
sociedade, mas como ela não é um processo tecnológicoi necer nenhuma regra determinada, e não uma disposição
social neutro e sem normas ("modernização, "racionaliza- de habilidade para o que possa ser aprendido segundo qual-
ção'), mas sim a inovação do processo capitalista, é quase quer regra; conseqüentemente, originalidade tem de ser sua
sempre experimentada pela plebe como uma exploração, a primeira propriedade; 2) que, visto que também pode haver
expropriação de direitos de uso costumeiros, ou a destrui- uma extravagância original, seus produtos têm que ser ao
ção violenta de padrões valorizados de trabalho e lazer. mesmo tempo modelos, isto é, exemplares, por conseguin-
E ... ] Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa te, eles próprios não surgiram por imitação e, pois, têm de

KT€
servir a outros como padrão de mediada ou regra de ajui- são: o que ensina, aconselha, conduz e/ou guia na elabo-
zamento; 3) que ele próprio não pode descrever ou indicar ração de uma obra. A origem da prática da mestrança está
cientificamente como ele realiza sua produção, mas que presente desde a idade média, visto que "é na antiga orga-
eia como natureza fornece a regra; e por isso o próprio nização dos mesteres que o termo mestre assume o seu
autor de um produto, que ele deva a seu gênio, não sabe significado. O mestre dirige a oficina, mas, ao dirigi-ia, en-
como as idéias para tanto encontram-se nele e tampouco sina e simultaneamente, cria uma obra jgrifos do autor]"
tem em seu poder imaginá-las arbitrária ou planejadamen- (SERRÃO, vol, til, 1971, p. 48). Só existe mestre porque há
te e comunicá-las a outros em tais prescrições, que as po- uma arte a ser aprendida, produzida e repassada.
nham em condição de produzir produtos homogêneos. (Eis Ë o pescador que trabalha na proa da embarcação, fican-
por que presumivelmente a palavra "gênio" foi derivada de do responsável pelo ato de pesca e de despesca sob o co-
genius, o espírito peculiar, protetor e guia, dado conjunta- mando do mestre.
mente a um homem por ocasião do nascimento, e de cuja
'° Cabe aqui, mais uma vez, apoiar-me na descrição de
inspiração aquelas idéias originais procedem); 4) que a
Koster, quando de sua viagem de alinda a Paulista, litoral
natureza através do gênio prescreve a regra não à ciência,
norte de Pernambuco. No aludido percurso. Henry Koster
mas à arte, e isto também somente na medida em que esta
presenciou a existência de habitações de pescadores, por
última deva ser arte bela [grifos do autor]' (idem, p. 153-
conta do cesto de peixe e da cabaça pendurados na entra-
154). Não estou discordando do valor singular da obra de
da da casa e que eram muito usados por jangadeiros, ain-
arte, da sua riqueza, da originalidade estética e de seus
da, há poucas décadas atrás em Pernambuco; hoje existindo
impactos no pensamento e sentimentos humanos para além
em menor número. Além disso, a própria condição étnica
de seu próprio tempo (músicas de Georg Friedrich Handel,
(proprietário moreno") de um dos moradores dessas co-
Radamés Gnatlali e ViUaLobos; pinturas de Candido Porti-
sas foi abordada pelo viajante: "Nessa região os trechos
nari, Diego Rivera, Edgar Degas e Fabio Picasso; poemas
apraziveis são numerosos. São vistas cabanas no meio do
de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Meio
matagal, construídas de barro e cobertas com folhas de
Neto, Manuel Bandeira e Fabio Neruda), situação que, de
coqueiros. Usam com umente oalpendre saliente e uma área
tato, distingue diversos grandes artistas dos artesãos, pela
defronte, sempre limpa. Sob o alpendre está armada a rede,
capacidade que aqueles têm de revelar ao ser humano sua
com o proprietário moreno, idilicamente se balança, para
condição de gênero universal em seu sentido mais amplo;
frente e para trás, levantando a cabeça ao ouvir o tropel
porém compreender a produção artística como uma experi-
dos cavalos. O cachorro, estendido ao sol ou debaixo de
éncia indescritivei, impalpável ao conhecimento humano,
sombra, está prestes a lançar-se sobre os viajantes. Os ces-
dom único, intransmissivei por palavras, um não trabalho,
tos para peixe e as cabaças são pendurados nos ramos
é estabelecer uma série de conexões inumanas à atividade
salientes dos coqueiros que cobrem a pobre habitação'
da arte, aos artistas, ao gênio, como se esses profissionais
[grifos meus] (KOSTER, op. cit., p. 340).
fossem outra 'criatura', um ente quase extraterreno, um
ser transcendental. Acredito que Kant estabeleceu, com a Isso não se restringiu ao caso brasileiro. Robert Gastei
criação do conceito de gênio, também um embate com os (2005) - em seu belo estudo As metamorfoses da questão
mestres de ofícios, vendo nestes meros trabalhadores limi- social: uma crónica do salário - problematizou acerca da
tados a regras/padrões sociais e presos a repetições anti- questão da vadiagem como algo presente e preocupante
criativas. Tal elaboração de arte e de artista anula a nas próprias transformações que se operaram no mundo
possibilidade de ver em ambos produtos e construtos soci- do trabalho na Europa, partindo, centralmente, do caso da
ais, tato que vai repercutir ainda hoje no imaginário de mui- Fragça. Além disso, Karl Marx em dois momentos abordou
formação histórica tos e, inclusive, de vários profissionais desse ramo (músicos, o assunto: em O capital, particularmente no livro 1, vol. 1,
da pesca artesanal: atores, pintores, poetas e outros) que vêem sua atividade Capitulo VIII —A jomada de trabalho; e em um trecho exem-
origens de uma plar contido no livro Formações econômicas pré-capitalis-
cultura do trabalho na situação de não habitável em espaço terreno, em tudo
intuição, uma experiência mística. Ademais, Janet Woltt ta. Neste último, em relação á massa de antigos
apoiada no
sentimento de arte (1982) vai acrescentar 2 aspectos que justificariam a as- camponeses expulsos do campo na Inglaterra vitimados pelo
e de liberdade censão de tais fenômenos sociohistóricos (o individualismo processo de acúmulo capitalista (acumulação primitiva),
e o isolamento social que teria o artista): 'A primeira foi a escreveu Marx: 'Uma tal massa ficou reduzida ou a vender
ascensão do individualismo, concomitantemente com o de- sua força de trabalho ou a mendigar, a vagabundear ou a
:rlstiano Wellington senvotvimento do capitalismo industrial. A segunda foi a se- assaltar. A história registra o tato de que ela primeiro tentou
Noberro Ramalho a mendicância, a vagabundagem e o crime, mas foi torça-
paração real entre o artista e qualquer grupo social ou classe
bem definidos, e seu afastamento de qualquer forma segu- da a abandonar este rumo e a tomar o estreito sendeiro
ra de patrocinio quando o antigo sistema de patrocínio foi que conduz ao mercado de trabalho por meio da torça, do
substituído pelo sistema do crítico-comerciante, que dei- pelourinho e do chicote, (Por isto, os governos de Henrique
xou o artista numa posição precária no mercado. Antes des- VII, VIII, etc., constituem condições do processo histórico
se período, porém artistas e escritores estavam bem de dissolução e são os criadores das condições de existên-
integrados nas estruturas sociais nas quais trabalhavam, cia do capital)' (MARX, 1991. p. 104).
pintando e escrevendo por encomenda de protetores aris- 2 Até mesmo com o surgimento, em 1919, da colónia de

tocráticos, expondo em Academias e não se definindo, em pescadores - entidade representativa da categoria impos-
nenhum sentido, como marginais ou como adversários da ta pelo Governo Federal através da Marinha como parte de
ordem social" (Idem, p. 25). um projeto voltado ao controle da região costeira nacional
Mestre é o pescador que congrega dois atributos essenci- e de ter também braços de reserva para o serviço militar
ais: é o mais talentoso na arte da pescaria e é aquele que (CALLOU, 1994; RAMALHO, 1999; VILLAR, 1945)—, o pró-
possui, também, a capacidade de comandar os homens no prio poder público não deixou de reforçar esse sentimento
mar. O termo mestre, de modo geral, é originário de duas corporativo ao inspirar-se, para criação das aludidas enti-
palavras latinas magisterium e magister, cujos significados dades, nas antigas corporações de ofício, seja vendo os

281
pescadores ainda de modo homogêneo, seja dando pode- encontrou uma forma de manifestação adequada na insti-
res às colônias, em cada localidade sob sua responsabili- tuição da Colônia da Pesca local [ . 4 A forma corporativa
dade (zona de pesca), para representarem, aceitarem, assim apresentada pelo Estado vinha não só cobrir neces-
proibirem, cobrarem mensalidades e cadastrarem as pes- sidades imediatas da reprodução, mas também fornecer um
soas que podedam exercer (ou não) a profissão de pesca- órgão de expressão da identidade do grupo, legitimando-o
dor, tato que durou formalmente afê 1988 com a como digno de merecer as atenções do Governo e o res-
promulgação da Constituição da República Federativa do peito dos demais segmentos da sociedade abrangente.
Brasil e depois com o fim da Sudepe, em 1989. Quando de Essa representação, que se encontra ainda hoje subjacen-
sua pesquisa nos anos de 1978, sobre pescadores da praia te às formas de interferência do Estado nesse setor de pro-
de Jurujuba, RJ, o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte dução, encara as populações pesqueiras do pais como única
chegou a seguinte conclusão, no que diz respeito à funda- e mesma massa indiferenciada, pensada como unidade por
ção da colônia local: 'No passado, porém, parece ter havi- referência à idéia de 'pesca' enquanto atividade produtiva
do um momento em que essa expectativa de corporação específica mas homogénea' (DUARTE, Idem, p. 36-37).

A formação históri
da pesca artesanal:
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Cristiano Weilingto
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