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Análise Crítica da Entrevista “Vania Alexandra de Souza - Damas de Laranja”

Ao ouvir a história de Vânia Alexandra de Souza, interna no Presídio Feminino de


Florianópolis, conseguimos detectar uma socialização primária completamente
desestruturada: a mãe era alcoólatra e cometeu 17 abortos, mas a detenta diz que
persistiu e nasceu, também afirma que seu nascimento é uma maldição.
Só com essa primeira parte do relato já observamos como a visão da mãe da Vânia
afetou a percepção própria dela, uma vez que a vontade de abortar a criança por si
só já fez com que a cativa enxergasse sua própria existência como uma maldição e
isso ocorreu logo na socialização primária e fez com que esses valores fossem
enraizados nela.
Vânia relata que desde pequena teve tendências suicidas, se cortava e que sofria
abuso dos tios e primos quando era deixada sozinha em casa com eles. Aos 11
anos começou a fumar maconha e um dia a mãe dela a vendeu para o vizinho e ao
relatar com a mãe que tinha sido estuprada a mãe dela ainda fez piada insinuando
que a criança já tinha tido vários parceiros, sendo que ela era virgem.
Aos 13 anos Vânia sofreu um segundo abuso, mas dessa vez acabou por matar o
algoz, sendo assim encaminhada para uma casa de menores infratores e, ao ser
contactada pela assistente social, a mãe dela ao invés de buscar a filha, assinou a
emancipação dela.
Dessa maneira, a detenta viveu dos 13 aos 17 nas ruas, envolvida com drogas e
criminalidade. Ela afirma também que sempre sentiu sua vida muito vazia e ao
conseguir um emprego como costureira começou a cheirar cocaína: ela trabalhava
para sustentar o vício.
Vânia afirma que quando seu filho nasceu, o pai dela morreu e que depois disso
começou a assaltar e assim ganhou muito dinheiro, o que fez com que ela desse
uma casa mobiliada para a mãe dela. Ela diz que enquanto ela levava dinheiro para
casa ela e o filho dela eram bem tratados, mas uma vez que ela parou de levar
dinheiro porque parou de roubar, o filho aparecia com marcas de agressão.
A detenta afirma que nessa época conheceu um sujeito que se juntou com a mãe
dela, que colocou as roupas dela na rua e sumiu com o filho dela, esse sujeito
apareceu com o carro e levou ela para casa e assim ela passou 9 meses em
cárcere privado, onde conheceu o crack. Ela afirma ter engravidado e ter sido
violentada mesmo assim: ela chegou a amarrar travesseiros com uma corda de
varal ao redor da barriga para proteger a criança e que depois de ter ganhado o
sujeito deu um chute no corte da cesária dela, arrebentou a cesária e mordeu o filho
dela todinho e que após esse evento ela ficou 8 dias na UTI.
Depois de 2 anos criando a filha, ela relata ter aparecido um oficial de justiça que
levou a filha dela e que tentou resolver o problema através da lei, mas não obtendo
êxito, acabou por dar 3 tiros no sujeito, não viu a filha e perdeu a guarda da criança
totalmente.
Após esse evento ela foi presa e afirma que por ter chegado machucada, sem poder
realizar as atividades da cadeia e que por conta disso sofreu muito preconceito, o
que causou nela uma reação de automutilação, pois a maneira como as pessoas da
cadeia a percebiam, contaminou a visão dela sobre si. Ela disse que lembrou de
tudo o que tinha acontecido com ela.
Conseguimos então observar que a socialização secundária de Vânia também foi
muito traumática e que os valores que ela importou na socialização primária fizeram
com que ela se enxergasse de maneira extremamente negativa.
A presidiária afirma que ficou 1 ano e 2 meses na cadeia e que quando saiu e,
finalmente, começou a se dar bem com a mãe, a mãe dela morreu e que isso
causou muita revolta nela, fazendo que ela voltasse a morar na rua e se tornasse
pedinte para sustentar o vício.
Segundo Vânia nessa época ela conheceu um senhor que a levou para casa dela,
onde foi esterotipada por uma senhora que lá morava como bandida, sofreu
preconceito porque esse estereótipo fez com que essa senhora tivesse carga afetiva
negativa em relação à Vânia e sofreu discriminação, através de violências verbais
que em um determinado dia se tornaram físicas e como reação Vânia deu uma
rasteira na senhora e deu uma tijolada na cabeça dela, levando ao óbito.
A reação da detenta diz bastante sobre como todas as experiências passadas
contribuíram para o seu processo de cognição social: ela se tornou uma pessoa
fria, pois criou schemas (pré-concepções que atribuímos às pessoas e à nós
mesmos) onde as pessoas são ruins e o sofrimento que essas pessoas causaram
nela fizeram com que ela se tornasse fria.
REFERÊNCIAS:
BOCK, A. M. B., FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. A Psicologia Social. In:
Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001.

UNISUL, Comunica. “Vania Alexandra de Souza - Damas de Laranja”, YouTube, 15


de mar. de 2016. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=WR5zp1CYS9A&t=166s>. Acesso em : 13 de
ago. de 2021.

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