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“QUERO IR PARA A MINHA CASA”: A PSICANÁLISE APLICADA À SAÚDE

MENTAL
Gladston dos Santos Silva

RESUMO
Esse texto tem dois objetivos: Definir um diagnóstico de acordo com a
psicanálise de orientação lacaniana baseado na primeira e segunda clinica de
Lacan, tendo como referencia as considerações sobre a teoria das psicoses
desenvolvidas nos seminários 03 e 23, onde é abordado a relação do psicótico
com a linguagem e levar o discurso analítico ao campo da saúde mental,
demonstrando que é possível através da construção do caso clínico tratar
psicanaliticamente casos graves atendidos nos serviços públicos de Saúde
Mental.

Palavras-chaves: Caso clinico, psicanálise, saúde mental

Introdução
Chamarei de Reisó um rapaz de 25 anos de idade que está institucionalizado
no CERSAM (Centro de Referencia em Saúde Mental) por 08 anos devido a
abandono familiar.
Histórico Familiar

desconhe
cido

Alcoólatra,
diarista
Pedreiro

Ole

16
ReiSó 25A
Anos

Genograma e ecomapa da família do Reisó


A mãe informa que morava numa cidade do interior de Minas Gerais em
condições muito precárias. Morava de aluguel com o marido e com os dois
filhos menores de idade e desde que ficou sabendo que estava grávida
desconfiou que havia algo diferente com aquela gravidez. Justifica que devido
a sua precária condição financeira não fez o Pré Natal regularmente e aponta
dois momentos marcantes durante a gestação:
O primeiro foi uma queda que levou batendo a barriga no chão, o segundo foi
que viu uma cobra toda colorida perto do filtro d’água , relata que assustou
muito e saiu correndo pedindo ajuda aos vizinhos que não encontraram a cobra
quando chegaram.
Começou a sentir as contrações uterinas ao entardecer, foi levada para o
hospital da cidade em um meio de transporte precário, foi atendida somente no
dia seguinte, porquê não havia médico de plantão durante a noite, relata que
ouviu das técnicas de enfermagem falando que ou ela ou o filho iriam morrer
porque passou da hora de nascer. Não tem lembranças durante o momento do
parto, acordou no dia seguinte com a colega de quarto que também havia
ganhado bebe naquela noite falando que um bebe havia morrido. Ela deduziu
que era o dela e se assustou quando a enfermeira colocou o bebe entre os
braços dela e falou “olha aqui o seu filho”.
Segundo ela, o bebe era diferente dos demais filhos, o médico pediu um EEC,
porém a mão não o levou para fazer, conta que as brincadeiras dele sempre
foram agressivas e foi piorando com o crescimento. Os vizinhos também o
achavam diferente e desde muito cedo ele frequentou o Centro de Saúde e o
CPP ( Centro Psico Pedagógico – atual CEPAI), devido o comportamento
agressivo e por não respeita nenhuma autoridade.
Não foi alfabetizado, foi expulso da escola devido agitação psicomotora e por
ter agredido os colegas de sala de aula.
O pai do Reisó era alcoólatra e sob efeito do álcool batia na esposa, nele e
quebrava os móveis da casa.
A mãe era diarista e trabalhava para ajudar no sustendo da casa. Ela tinha
medo que Reisó abusasse sexualmente da irmã mais nova, por isso a irmã foi
morar com parentes em outra cidade, voltando para casa quando ele estava
abrigado no CERSAM.
A mãe culpou-o por ter colocado fogo no sofá e com isso ter incendiando a
casa, resultando na expulsão da família dessa casa onde moravam de aluguel.
Pernoitaram em um abrigo por 06 meses, e depois mudaram-se várias vezes
sem deixar o endereço, para que Reisó não voltasse para casa.
O irmão mais velho é traficante.
O irmão do meio era mais presente na vida dele, tentou levá-lo para morar com
ele, mas desistiu devido ao medo que tinha do Reisó machucar seus filhos que
eram crianças.
A irmã mais nova sempre teve medo do Reisó, e por isso fez tratamento
psicoterápico ( versão da mãe)
A avó materna justificava que o Reisó não podia morar na casa dela, porque
ela tinha um cachorro muito bravo, e podia morde-lo.

HISTÓRIA CLÍNICA

Reisó, 25 anos de idade, foi atendido no Centro de Referência em Saúde


Mental (CERSAM) pela primeira vez em 2006, logo após ter completado 18
anos, trazido pelo SAMU, acompanhado somente pela vizinha, devido queixa
de ter quebrado os móveis em casa e agredido os familiares. Já estava em
acompanhamento no Centro de Saúde de sua área de abrangência e
anteriormente no antigo CPP (Centro Psico Pedagógico). Foi atendido,
medicado e re-encaminhado para continuar o tratamento no Centro de Saúde.
Na infância foi atendido no CPP ( atualmente CEPAI), e quando completou 18
anos foi encaminhado para o CERSAM, com o seguinte relatório:
“Trata-se de paciente, com 18 anos de idade, o qual esteve em
tratamento médico psiquiátrico, neste serviço, de forma irregular,
familiares traziam na urgência com maior frequência.
Hipótese Diagnóstica: F 71.1. (CID 10)
Desde a alta do CPP, a mãe o levava ao Instituto Raul Soares (IRS) na
tentativa de interná-lo. O IRS encaminhava-o para o CERSAM e a mãe
pressionava o serviço para deixá-lo em permanência dia, justificando que no
CPP funcionava desta forma. O paciente era liberado com a família com
encaminhamento para o Centro de Saúde, mas, no entanto, voltam em seguida
após brigas dentro do ônibus, deixando Reisó no serviço sozinho. Quando a
equipe foi levá-lo embora, não encontrou ninguém em casa, retornando com o
mesmo. Após contato no Centro de Saúde, ficamos sabendo que a família
tinha hábito de manipular situações com o objetivo de interná-lo.
O paciente manteve um tratamento irregular no CERSAM, chegando várias
vezes de SAMU.. Freqüentava uma instituição de ensino regular. Os mais de
18 prontuários descrevem e marcam sua história clínica e o percurso
institucional, escritos por assistentes sociais, psicólogas e demais profissionais
que se envolveram no caso.
Em 2007, Reisó foi levado para o Serviço de Urgência Psiquiátrica (SUP) após
ter sido encontrado andando pelas ruas sozinho. A mãe mudou de endereço e
o abandonou. Permaneceu em Hospitalidade Noturna no CERSAM até
conseguirmos uma vaga para pernoitar em um abrigo. Durante este tempo,
Reisó pedia insistentemente para ir embora, voltar para casa e para a escola.
Em vários momentos, devido às demandas frustradas, ele apresentava
episódios de agitação com auto e heteroagressividade. Ele foi expulso da
escola e do Abrigo devido a uma agitação psicomotora quando quebrou os
móveis.
No CERSAM ele mantinha o mesmo comportamento de agitação com auto e
heteroagressividade, sendo contido física e quimicamente varias vezes.
Em um dos vários momentos em que ele evadia do serviço, descobriu o
endereço da mãe e passou a morar com ela. A família boicotava o tratamento,
não administrando as medicações prescritas, a fim de produzir uma situação de
heteroagressividade que justificasse uma internação. Foi nesse momento que
ele colocou fogo no sofá incendiando a casa. A mãe informa que ele ficou
agitado porque havia pedido para ser levado ao Hospital e seu pedido não foi
atendido.
“ele estava brincando com uma caixa de fósforos e colocou fogo no
móvel”(fala da mãe)
De 2010 a 2013, ocorreram duas tentativas frustradas de moradia em casas de
uma Organização Não Governamental.
A primeira vez ficou por 30 dias, numa casa que não podia sair para passear
na rua, ele não aceitou essa regra agitou e destruiu os móveis da casa, sendo
expulso e retornando para o CERSAM.
A segunda tentativa não foi diferente, ele ficou somente 04 dias, destruiu os
moveis e ameaçou colocar fogo na casa, porque queria comer doce antes do
almoço e passar óleo de cozinha na testa para se benzer o que foi negado.
“ a moça ( cuidadora) não me deixava fazer nada, então fiquei nervoso e
quando fico nervoso, jogo o fogão no chão, o armário no chão, por que
fico agitado”(SIC)
Quando os policiais chegaram ao local e viram a destruição dos móveis e dos
vidros das janelas, acionaram os atiradores de elite para imobilizá-lo atirando
nas pernas dele, porém quando os policiais entraram na casa encontraram-no
em pé no meio do quarto sem expressar nenhuma resistência. Aceitou
prontamente entrar na viatura do SAMU e foi conduzido novamente para o
CERSAM
De volta ao CERSAM, evadia pulando os muros, andava pela cidade,
principalmente pelos bairros onde morou com a família e retornava no carro
de policia ou SAMU, após simular crise “convulsiva” ( se jogava no chão e
tremia os braços e as pernas freneticamente), alguns proprietários de loja e
bares descobriram que se jogar água fria nele, ele levantava-se rapidamente e
saia xingando. Na rua e nos bares e supermercados fazia uma caricatura de
débil mental, apresentando-se para o outro como aquele “digno de dó”,
apontava para o que queria ( bala, sorvete, chinelos,etc) e as pessoas
sensibilizadas pelo medo ou dó ou mesmo para ficar livre dele, compravam o
que ele queria e o expulsava.
Em outros momentos ele roubava e saia correndo. Foi estuprado por
mendigos ( tomou retrovirais), apanhava e era ameaçado pelos moradores de
rua.
Não aderiu ao Centro de Convivência quando levado pelos profissionais do
CERSAM, mas depois de determinado tempo frequentou por conta própria,
mantendo o mesmo comportamento, roubando comida e se exaltando quando
frustrado em suas intenções.
Passou a dormir na casa de um paciente do CERSAM, pedia comida na casa
dos vizinhos, quebrou os poucos moveis da casa desse paciente, perturbava
os moradores do entorno, tocando o interfone e correndo, quebrou o farol da
moto de um vizinho, foi ameaçado de morte pelos moradores e pelos
traficantes do bairro, porque a sua presença mobilizava carros de policia e
SAMU e isso incomodava os traficantes. Apesar das ameaças de morte,
evadia do CERSAM e voltava para essa casa, até que um dia, conta que viu
um vulto preto na parede, ficou com medo e saiu correndo, não voltando mais
a essa casa.

PRIMEIRAS ENTREVISTAS E O MITO DE ORIGEM

Entre cantigas de Rick Renner, solilóquios, risos imotivados, e o uso da


linguagem corporal, Reisó falou de suas lembranças:
Das brigas que presenciou entre os pais, representando todos os personagens
( o pai batendo e xingando a mãe, a mesma chorando e ele entrando na briga),
disse que deu um soco no “pau do nariz” do pai e chamou a policia para
prender o pai ( apresentou expressão de desespero nesses momentos, olhos
arregalados, olhar fixo, corpo estático).
Outra lembrança:
“eu mamava no peito da mãe e comia mingau de milho. O pai bebia e
pegou a mãe pelo pescoço e enforcou ela, a policia prendeu ele. Eu dei
um soco no olho dele, no pau do nariz e puz fogo na casa” .
Contou-me um único sonho e saiu do consultório: ele estava pilotando uma
moto com uma garota na garupa.
Falava de suas andanças pelas ruas da cidade, das coisas que comeu nos
bares e restaurantes ( pizza, churrasquinho, coca cola, paçoquinha, estc.), das
ameaças sofridas nas ruas, representando a fala e as “ caras e bocas” dos
personagens envolvidos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Seguirei o ensino de Lacan que privilegia a constituição do Ser falante e a


resposta do sujeito ao Outro Materno em termos de desejo e gozo
determinando o posicionamento do sujeito no discurso.
No projeto e na carta 52 Freud utiliza o modelo da fome para explicitar a
satisfação libidinal, onde o termo desejo ( wunsch) toma o sentido de desejo
inconsciente articulado com a primeira experiência de satisfação cujo objeto é
perdido para sempre e reencontrado apenas nos traços mnêmicos, portanto, o
inconsciente estruturado como uma linguagem e o sonho como realização de
um desejo é retomado por Lacan como o caminho que dá acesso ao
inconsciente, ao desejo e ao gozo.
Nesse modelo da fome Freud introduz a figura do Outro que traduz o choro do
bebê e oferece o leite + “alguma coisa” que será perdida para sempre.
Segundo Lacan no retorno à Freud esse Outro não só introduz a criança no
universo da linguagem, mas aponta para o seu posicionamento subjetivo
particularizando o seu discurso.
Lacan esforça em resgatar o estatuto simbólico do Pai – O Nome do Pai na
estruturação do sujeito e preconiza que a linguagem é organizada pelo
significante Nome do Pai onde há um deslizamento metafórico e metonímico.
A partir dessa premissa as estruturas clínicas são classificadas em neurose e
perversão quando há inscrição do Nome do Pai e Psicose quando há
foraclusão ( não inscrição) do Nome do Pai.
Reisó repetia inúmeras vezes a pergunta: “Você é o meu pai?” e ele mesmo
já respondida afirmativamente: ,”você é o meu pai”.
Nessa cena de se fazer ter um pai, sugere uma foraclusão do Nome do Pai e
uma colagem do S1 e uma não construção de uma cadeia de significantes.
Reisó tenta, sem o suporte da significação fálica lidar com a estrutura da
linguagem, tenta fazer alguma produção de sentido que o sustente
psiquicamente, criando uma frágil rede de sentidos para tentar protegê-lo da
voracidade do Real, que sempre se impõe vorazmente. O analista se ocupa de
assegurar e acompanhar a frágil construção delirante, que segundo MILLER
(1998), o ponto interessante e prático é :
“ como fazer para que a evolução do sujeito seja de preferência contínua
sobre descontínua, isto é, evitar-lhe crises, desencadeamentos, pausas”
Reisó falou de sua infância, imagens soltas de um sujeito preso no desejo
materno, sem o Nome do Pai para fazer um enigma, reinando sozinho nesse
lugar de puro gozo materno.
Fazia um apelo pela agressividade, imitando o discurso e o comportamento do
outro, mas ficava irritado que era imitado, ficava bravo e falava com o dedo em
riste: “ vou dar um soco no pau do seu nariz” e não raro ele se agredia
dando soco no próprio nariz até sangrar.
A relação transferencial se instala na erotomania e na devastação com
momentos de agressividade, esses momentos de impulsividade e passagens
ao ato apresentam dificuldades para o tratamento, mas também são as únicas
via de acesso ao sujeito do inconsciente.
Nessa vertente teórica, Reisó apresenta sintomas psicóticos pela insuficiência
do efeito metafórico, colocando o significante no real e fazendo o sujeito gozar.
“a moça não me deixava fazer nada, então fiquei nervoso e quando fico
nervoso, jogo o fogão no chão, o armário no chão, por que fico agitado”.
O significante, “nervoso” e “agitado” irrompe arbitrário, trazendo essa marca do
real e de como o inconsciente goza. O forcluído retorna no real, e segundo
Lacan no Seminário 3, a Foraclusão do Nome do Pai impossibilita que o
sujeito seja representado pelo significante, o S1 permanece colado ao S2 (
S1S2) não sendo possível o acesso ao simbólico.
Ao dizer de Lacan (1988) “ há a possibilidade de uma Verwefung primitiva, ou
seja, que alguma coisa não seja simbolizada, que vai se manifestar no real”
Lacan inova a clinica da psicose localizando essa estrutura na foraclusão da
linguagem e sugere aos analista que se posicione como secretario do
psicótico.
“ Vamos aparentemente nos contentar em passar por secretários do
alienado. Empregam habitualmente essa expressão para censurar a
impotência dos seus alienistas. Pois bem, não só nos passaremos por
seus secretários, mas tomaremos ao pé da letra o que ele nos conta”
Lacan, J página 24
A relação do Reisó com a linguagem aponta para a foraclusão da mesma, os
solilóquios, os risos imotivados, as frases interrompidas, e a reação de agitação
e exaltação nos momentos de frustração, as palavras invadem o corpo e ele
reage sem ter acesso ao simbólico num gozo psicótico ou fora do discurso
Se no seminário 3 a psicose é resultado da foraclusão do Nome do Pai,
fazendo uma clínica estrutural, descontinuísta onde a cadeia de significante
que permite a localização do gozo, no seminário 23 Lacan conserva as bases
teóricas da primeira clinica e avança reformulando o conceito de estrutura para
além do Outro estabelecendo uma clínica borromeana
“esse nó, qualificável de borromeano, é insolúvel sem que se dissolva o
mito do sujeito – do sujeito como não suposto, isto é, como real- que ele
não torna mais diverso do que cada corpo que assinala o falasser, cujo
corpo só tem estatuto respeitável, no sentido comum da palavra, graças a
esse nó”( Lacan 1981, pág. 37)
O nó borromeano, constituído pelo enlaçamento dos registros RSI elimina a
supremacia do Simbólico, deslocando para os efeitos do Real , surgindo o
conceito de sinthoma. Enquanto o sintoma é uma formação do inconsciente,
um significante sintomático, sinthoma é o resultado do esvaziamento desse
inconsciente e da demanda ao Outro, sendo uma resposta do sujeito consigo
mesmo, frente a uma dificuldade.
É uma clinica continuísta, há uma gradação no ponto de capitône, onde o
analista se coloca numa posição de companheiro na construção, na busca
comum desse ponto de amarração, com grande risco de desligamento.
Segundo Lacan no seminário 23 “ todo sujeito conta o seguinte: ele é
sempre e nada mais do que uma suposição, contudo, a experiência
demonstra que essa suposição está sempre entregue a uma ambiquidade.
Quero dizer que , como tal, o sujeito sempre é não somente duplo, mas
dividido. Trata-se de dar conta do que , dessa divisão, instaura o real”.
(Pág. 30)
O analista nesta clínica borromeana tem como função seguir o rastro do real
que estrutura o sujeito que ex-siste apenas no nó.
“A analise é isso. É a resposta a um enigma,(...) que é preciso conservar a
corda, quero dizer que corremos o risco de tartamudear, se não
soubermos onde a corda termina.” Pág .70
Reisó continua evadindo do serviço, ora se colocando em risco, ora
simplesmente andando pelas ruas da cidade, recusando a ser acompanhado
terapêuticamente. Quando volta representa teatralmente o que fez e a resposta
do outro a isso que ele fez, ora chega chorando, ora sorrindo de suas façanhas
e seus embates, na busca de um ponto de amarração, nesse “ quero ir para a
minha casa”, uma casa que é reproduzida incessantemente no dia a dia.
São nessas andanças pelas ruas da cidade, nesse trabalho que o sujeito se
submete a busca de uma família, de se fazer um pai, nesses momentos de
agressividade e destruição que Reisó busca esquizofrenicamente um lugar ao
sol.

PSICANÁLISE E DEBILIDADE

Mannoni (1964) foi a pioneira em introduzir o débil mental no estatuto de


sujeito. Afirmou que o importante não é o nível do quociente de inteligência e
que não se deve localizar a noção de inteligência no plano da eficiência, já que
a pedagogia com a reeducação não faz do débil mais inteligente.

Ao resgatar a dimensão de sujeito, Mannoni (1964) liberta-o do diagnóstico, do


prognóstico médico e de um déficit orgânico abrindo perspectiva para uma
nova abordagem antes tida como inviável à escuta e ao tratamento
psicanalítico.

Manonni (1964) ao reconhecer a debilidade mental como uma psicose suscitou


críticas por parte de outros autores, que defendem que na debilidade não
ocorre a foraclusão do Nome do Pai, condição sine-qua-non para o surgimento
da psicose (Bruno, 1986).

Vorcaro (1999) marca a diferença do Outro para a psicose do Outro para a


debilidade.

Na psicose “A criança fica colada ao mandato em que ela é o que falta no


Outro. Encarnando essa falta, ela preenche o intervalo entre significantes,
na mesma função de qualquer significante: remete-se a outro significante”
(VORCARO, 1999), enquanto na debilidade mental “a criança não encarna a
falta do grande Outro, porque a ele nada faltaria. Na debilidade, o objeto a
permanece incluído no Outro não barrado( VORCARO, 1999).

Na obra de Freud não encontramos uma teorização especifica sobre a


debilidade mental devido a uma etiologia orgânica, por provavelmente não
preencher uma categoria clínica como as neuroses e as psicoses.

No retorno a Freud, Lacan privilegia a constituição do sujeito e sua relação com


o Outro, deslocando a questão da debilidade até então identificado a um
deficiente para um outro lugar determinado pelo inconsciente. “a conduta
freudiana diante da hipótese de um déficit orgânico é a de partir do fator
propriamente constitucional e subtrair-lhe progressivamente a
importância, na medida em que, por meio da análise, se evidenciam
outros processos psíquicos mais relevantes na determinação da
patologia” ( SANTIAGO L, 2005 ).

A clínica psicanalítica está estruturada na busca de sentido da debilidade


mental para cada sujeito, na singularidade e não na Universalidade, sem
menosprezar ou desconhecer, contudo, uma etiologia orgânica na origem
desse quadro clínico. É nessa recusa de fundamentar a prática clínica no
comprometimento orgânico que a psicanálise faz incluir o fator da incidência da
linguagem sobre esses sujeitos, liberando para cada um a significação da
debilidade mental em sua história, privilegiando que o discurso do sujeito
possibilite algo novo nessa colagem S1S2, que Lacan teorizou como holófrase.
A partir da relação que se estabelece entre os significantes primordiais S1 e S2
é quando ocorre a construção do saber. Na alienação acontece o aparecimento
do significante advindo do campo do Outro, onde o SER e o SENTIDO
encontram se reunidos. No processo de separação ocorre a divisão entre o
SER (Sujeito) e o não ser ( Outro). Lacan aposta numa proximidade entre
debilidade e psicose quando reconhece a holofráse no S1, mas postula que a
debilidade não é uma estrutura, podendo ser uma roupagem que oculta
qualquer estrutura, seja ela psicótica, perversa ou neurótica.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUNO, Pierre. “A Cote de La plaque: sur la débilitémentale”,Ornicar? 37,


1986, pag.38-65.

ERIC Laurent. Psicose e debilidade, in: estabilizaciones em laspsicosis _


Manantial, EOL, Buenos Aires, 1989

Lacan, J. (1988 [1955-1956}. O Seminário, livro 3: as psicoses. Rio de


Janeiro:Jorge Zahar Ed.
Lacan, J. (1981 [1975-1976}. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Rio de
Janeiro:Jorge Zahar Ed.

MATTOS, C. P. a dialética entre a primeira e a segunda clínicas de Lacan.


Instituto de Psicanalise e Saúde Mental de Minas Gerais – Alamanaque On –
Line nº5

MILLER, J. A. Os casos raros, inclassificáveis da clínica psicanalítica. A


conversação de Arcachon. Biblioteca Freudiana Brasileira, 1998

MIRTA. Z. A clinica diferencial das psicoses e as psicoses ordinárias. Opção


lacaniana On line nova série. Ano 1, Nº 3. Nov. 2010.

MANNONI, Maud,A criança retardada e a mãe; tradução Maria Raquel


Gomes Duarte, 4ª Ed., São Paulo: Martins Fontes, 1995.

VORCARO,Ângela, Maria. Crianças na Psicanálise, instituição, laço social.


R. J.:Companhia de Freud, 1999. 208.p.

SANTIAGO, Ana Lydia. A inibição intelectual na psicanálise. R.J.: Zorge


Zahar Ed. 2005.

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