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Aluno: Antonio Figueró Neto Matrícula: 10101626

1ª Prova Ciência Política

Ciências Econômicas

PRIMEIRA QUESTÃO:

Tendo como ponto de partida as seguintes passagens, analise as características


políticas do Estado Moderno e suas implicações para a análise da Ação
Política e da Teoria da História, em Maquiavel e Hobbes.

“Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo
sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os homens, com sua
prudência, não podem modificar nem evitar de forma alguma; por isso poder-se-
ia pensar não convir insistir muito nas coisas, mas deixar-se governar pela
sorte. Esta opinião tornou-se mais aceita nos nossos tempos pela grande
modificação das coisas que foi vista e que se observa todos os dias,
independente de qualquer conjetura humana. Pensando nisso algumas vezes,
em parte inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre
arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da
metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou
quase.” (Maquiavel, O Príncipe).

“Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens


concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a
qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria
o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser
seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como
os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse
homem ou assembleia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e
decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos os
restantes homens” (Hobbes, O Leviatã)

Em uma pesquisa antropológica visando encontrar as condições de formação


do Estado, buscando suas relações intrínsecas e extrínsecas com a organização
humana, assim Lawrence Krader define essa instituição política: "Na organização do
Estado, o homem concentra seu poder sobre o homem em um único cargo oficial. O
monopólio da foça física de que goza esse cargo é absoluto. Pode, sem dúvida,
canalizar seu poder mediante delegação específica; nos demais casos, e desde que o
Estado não seja derrubado, esse poder continua a disposição da autoridade central.
Em mãos do Estado o poder adota diversas formas e no uso de suas atribuições pode
proibir, matar, encarcerar, escravizar, multar. Mas as forças do Estado não têm
projeções meramente negativas. O Estado se apoia nas forças integradoras da
sociedade: o amor, a lealdade, a dependência recíproca, a fé religiosa, a tradição e a
força do costume. "Além disso, o Estado é uma autoridade central (monarca,
presidente) com poder sobre uma população que vive dentro de um território
determinado; mas é mais que uma unidade física, territorial ou legal; o poder político

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central transforma a unidade nacional, a representação, a defesa e o controle dessa
unidade em uma ideologia. A invasão do território de um Estado supõe uma dupla
ameaça: de um lado a invasão diminui a área geográfica do Estado, e de outro,
diminui o âmbito da autoridade central e, portanto, o poder de que desfruta. Quando
está em perigo a extensão geográfica de um Estado, se vê igualmente ameaçada a
ideologia da unidade do Estado, o território do Estado e o povo. A lealdade ao Estado
se baseia, em parte, na aceitação de seu poder e na fé neste poder. A debilidade pode
ser uma ameaça para essa fé ou, pelo contrário, pode ser que a debilidade do poder
atraia para ele mais adesão do que nunca.

Mas, em qualquer caso, o povo reage ao Estado e ao seu destino, e não


apenas à mera perda de população, território ou riqueza.

1) Podemos perceber, assim, que a institucionalização do Estado baseia-se em


características básicas do homem enquanto indivíduo, para fazer dele membro efetivo
de uma comunidade. Tal abertura política faz-se de tal maneira, que o membro de
uma comunidade centralizada em um Estado é capaz de abdicar de si mesmo para
defender não apenas as realidades que este Estado representa (o território, a riqueza
ou a população) mas também a própria abstração da potência de todos centralizada
em um único aparato político, o Estado enquanto tal. Historicamente, vemos que o
Estado, se não esteve sempre presente na organização humana.

2) É uma constante à medida em que cresce o grau de abrangência


populacional e consequente complexidade das organizações. Claro que assume as
mais variadas formas, de acordo com as condições de cada tempo e lugar, dos
Estados teocráticos e centralizados da antiguidade oriental aos Estados democráticos
e mesmo totalitários de nossos dias. O fato é que o Estado tal qual conhecemos hoje,
embora guarde profundas semelhanças com instituições políticas antigas, é fruto de
um processo de formação que se inicia no final da Idade Média, com a dissolução do
Estado teocrático feudal. Daremos ênfase aqui, muito mais conceitual do que histórica,
àquele que convencionou-se chamar de Estado Moderno.

Maquiavel procura esclarecer quais são os mecanismos que colocam em


movimento as engrenagens do agir político. Nesta perspectiva, sua investigação
aponta para os elementos que tornam possível promover uma ação política eficaz,
sobretudo, as boas armas e as boas leis. No entanto, em O príncipe, percebe-se
nitidamente que as boas armas têm mais relevância que as boas leis, uma vez que as
boas armas são colocadas pelo autor como condição primordial da existência de um
principado. Dessa forma, o esclarecimento das questões que envolvem as boas armas
ocupa um lugar privilegiado, visto que Maquiavel identifica nelas um instrumento
indispensável para a conquista, fundação, manutenção do poder do príncipe.

Hobbes procura examinar os limites da liberdade de ação do homem, isto é, de


seu direito natural, levando-se em consideração a finalidade última desse direito nos
Elementos da lei natural e política. Essa finalidade seria a autopreservação do homem.
Entretanto, para que esse direito seja efetivamente respeitado, Hobbes alega ser
necessária a constituição de um poder soberano. Não basta assim uma simples
convenção entre os homens para garantir a paz. Ou seja, se faz necessário a
existência de uma ordem política regida por um poder soberano absoluto para que a

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preservação da vida tenha efeito jurídico. Hobbes entende que somente o estado civil
é o único capaz de estabelecer as condições efetivas para que esse objetivo seja
atingido.

Se aponta, com freqüência, a falta de “sentido histórico” no pensamento de


Maquiavel. Mas, a rigor, o que significa isto? Ora, esperar encontrar na obra de
Maquiavel uma idéia desenvolvida de progresso é uma atitude anacrônica. Debitar
esta “falha” como atestado de insuficiência da perspectiva do autor o é igualmente. Se
a natureza humana é igual em toda parte — como ele acreditava —, e se esta é a
ferramenta analítica que faz a cadência de seu tempo cíclico, aí já se encontra
implícita a sua noção de sentido histórico, o que frequentemente se tem negado a
Maquiavel. A diferença pura e simplesmente está na evidência de que o seu sentido
histórico não se assemelha ao nosso. E não é isto o que importa saber quando se
pretende compreender idéias em contexto? Mais importante do que lamentar a
ausência de tais elementos é tentar identificar as razões de sua ausência, o que
ocorre com bem menor freqüência.

Extrair a concepção cíclica do tempo da teoria da ação política de Maquiavel é


como retirar o ar que ele respira. O resultado prático é que o seu pensamento histórico
e político — e é bom lembrar que Maquiavel foi sobretudo historiador e não
propriamente filósofo político — ficaria sem atmosfera. Então, a dita falta de sentido
histórico na obra do autor dos Discursos não deve ser vista como uma limitação ou
uma barreira, mas como o leito natural por onde tem curso livre as suas idéias, tão
circunstanciais quanto a visão mecânica de Hobbes ou a de qualquer outro autor
igualmente marcado pelas contingências de seu tempo. Aliás, é de se pensar qual
teria sido a fortuna crítica de Maquiavel se ele tivesse pensado a história fora dessa
moldura rígida de uma natureza humana eterna. Uma resposta plausível, dentre
outras, é que ele não seria o Maquiavel que se conhece e, certamente, seria bem
menos interessante do que é de fato.

SEGUNDA QUESTÃO:

Diferencie os modelos de Contrato Social de J. Locke e J.J. Rousseau e aponte


suas contribuições para o Liberalismo Político, considerando as questões
históricas e econômicas (Revolução Gloriosa e Revolução Francesa) que estão
nas raízes da democracia liberal contemporânea.

“É verdade que quando se trata de terra comum na Inglaterra, ou em qualquer


outro país onde o governo estende sua competência a um grande número de
pessoas, a quem não falta dinheiro nem emprego, ninguém pode cercar ou se
apropriar de qualquer parcela sem o consentimento de todos os seus
coproprietários; porque a terra permanece comum por convenção, ou seja, pela
lei da terra, que não deve ser violada. E embora ela seja comum em relação a
alguns homens, isso não ocorre em relação à toda a humanidade; mas constitui
a propriedade conjunta deste país ou desta região. (...)Pois nos governos as leis
regulam o direito de propriedade, e a posse da terra é determinada por
constituições positivas.” (J. Locke, Segundo Tratado...)

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“Aquele que faz a lei sabe, melhor do que ninguém, como ela deve ser posta em
execução e interpretada. Parece, pois, que não se poderia ter uma constituição
melhor do que aquela em que o poder executivo estivesse jungido ao legislativo.
No entanto, justamente isso torna o Governo insuficiente em certos aspectos,
porque as coisas que devem ser distinguidas não o são, porque o príncipe e o
soberano, não sendo senão a mesma pessoa, formam por assim dizer, um
Governo sem Governo” (Rousseau, O Contrato Social).

Os principais jusnaturalistas modernos, Thomas Hobbes, John Locke e Jean


Jacques Rousseau, também chamados de contratualistas, fazem parte de uma
doutrina que reconhece o "direito natural" (ius naturale) e a necessidade de um Estado
natural por parte dos homens. Porém, as idéias desses filósofos, apesar de terem
pontos de concordância, se diferem em alguns aspectos.

Os contratualistas, Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau,


acreditavam que o Estado teria surgido através de um contrato onde os homens
estabeleceram regras para o convívio social e subordinação política. Anterior à origem
desse contrato, todos os três afirmavam que o homem vivia naturalmente, sem poder
e sem organização, constituindo o estado de natureza. Entretanto, os três
contratualistas apresentam pontos de divergência na definição desse estado de
natureza.

Para Hobbes, o homem, no seu estado de natureza, vivia num verdadeiro


estado de guerra. Na falta de um Estado controlador e absolutista, o homem tende a
atacar o próprio homem. Tentando subjugá-lo na luta pelos interesses comuns, o
homem torna-se lobo do próprio homem.

O estado de tensão era constante e os conflitos iminentes, pois os homens,


disputando seus interesses, desejavam as mesmas coisas. Ele definiu direito natural
como sendo a liberdade que cada homem possui para usar seu próprio poder de
acordo à sua vontade.

Uma conseqüência desse estado de natureza hobbesiniano é a dificuldade do


homem em gerar riquezas: ocupa-se primordialmente em atacar os outros ou proteger-
se contra ataques alheios.

Para Locke, os homens viviam originalmente num estágio pré-social, pré-


político, caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade, denominado estado de
natureza. Locke afirmava que o estado de natureza era uma situação real pela qual
passara a maior parte da humanidade ao longo da história. O estado de natureza de
Locke diferencia-se do estado de natureza de Hobbes por ser um estado de paz e
harmonia, onde o homem já era dotado de razão, ao contrário de Hobbes, que dizia
que os homens no estado natural agem como animais.

Rousseau afirmava que os homens nascem livres, felizes e iguais. Porém, num
determinado momento, a civilização corrompeu esse homem e ele perdeu a liberdade
natural, sendo necessário o estabelecimento de um pacto social que o aproximaria do
estado natural. Esse pacto não seria legitimado na força nem em um chefe nascido
naturalmente para governar, mas sim na convenção estabelecida entre todos os
membros do corpo social. Dessa forma, Rousseau aponta para um Estado
Democrático onde a soberania pertenceria tão somente ao povo, e a este Estado
caberia conciliar a vontade individual e o bem coletivo.

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Para Rousseau, antes de mais nada, impõe-se definir o governo, o corpo
administrativo do Estado, como funcionário do soberano, como um órgão limitado pelo
poder do povo e não como um corpo autônomo.

Segundo Hobbes, é preciso que exista um Estado dotado de espada, armado,


para forçar os homens ao respeito. Desta maneira haverá, de acordo com Hobbes,
mais equidade, pois cada um receberá o que o soberano determinar. Mas o poder do
Estado tem que ser pleno. Hobbes desenvolve essa idéia e monta um Estado que é
condição para existir a própria sociedade. A sociedade nasce com o Estado.

E quais seriam as contribuições de John Locke e J.J.Rousseau ao Liberalismo?


Tomando-se inicialmente o primeiro, em sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo
(2005); neste livro, Locke vai expor suas ideias sobre o estado de natureza e a
formação e condução do corpo político. Para Locke, o homem nasceu sob o “estado
natural” ou “de natureza”: não existia poder comum ou lei estabelecida, exceto a lei
natural, que é a razão humana.

O estado natural tem uma lei de natureza para governa-lo, que a


todos obriga; e a razão, que é essa lei, ensina a todos os
homens que a consultem, por sermos iguais e independentes,
que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde,
na liberdade ou nas posses (Locke, ibid.:24).

Além disso, é preciso que existam executores para essa lei da natureza. E eles
existem: os próprios homens. Cada individuo tem o direito de castigar o ofensor da lei
– buscando assim a preservação própria e/ou a de outro, se for o caso – e de buscar
reparação para os danos que forem causados por esta ofensa.

No estado de natureza imaginado por Locke, o direito de propriedade existe e


tem um fundamento lógico: sendo o indivíduo senhor de seu corpo, é, logicamente,
igualmente proprietário dos frutos de seu trabalho. Ao modificar a natureza, um bem
que é comum a todos, pelo trabalho de seu corpo, é direito do homem a propriedade
daquilo que modificou: seja uma maçã que ele apanhou do pé, seja um animal que ele
caçou, seja um pedaço de terra que ele preparou e plantou, esta mesma lei também
regulamenta e limita a propriedade: o homem só tem direito sobre aquilo que pode
usufruir. Se alguém colher muitas frutas - além das necessárias à sua sobrevivência –
e elas estragarem, este homem deve ser punido, porque o excedente ultrapassou a
parte que lhe cabia e pertencia, assim, aos outros.

Ainda que Locke afirme que a lei da natureza permita uma vivência “perfeita”
para os homens, ela não dispõe de mecanismos para resolver controvérsias (um juiz
reconhecido por todos, por exemplo); não tem poder maior que efetive a sentença
quando esta for justa. Além disso, há outro motivo:

Se, como disse, o homem no estado de natureza é tão livre, dono e


senhor da sua própria pessoa e de suas posses e a ninguém sujeito,
por que abriria mão dessa liberdade, por que abdicaria ao seu império
para se sujeitar ao domínio e controle de outro poder? A resposta óbvia
é que, embora o estado de natureza lhe dê tais direitos, sua fruição é
muito incerta e constantemente sujeita a invasões porque, sendo os
outros tão reis quanto ele, todos iguais a ele, e na sua maioria pouco
observadores da equidade e da justiça, o desfrute da propriedade que
possui nessa condição é muito insegura e arriscada. Tais
circunstâncias forçam o homem a abandonar uma condição que,

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embora livre, atemoriza e é cheia de perigos constantes (Locke,
ibid.:92)

Os homens, visando à fundação de um corpo politico e a criação do estado civil


ou de sociedade, precisariam, de acordo com Locke, abdicar de parte de seu poder
original em favor da regulamentação dos poderes da sociedade. No estado de
natureza, eram direitos do homem, como já referidos, agir em favor da preservação
própria ou de outro e de buscar reparação pelas injúrias recebidas. No estado de
sociedade, os homens abdicam desses dois poderes em favor do poder legislativo
(que estabelece a utilização da força para a preservação dos membros da
comunidade, por meio das leis, e que, portanto, é o poder supremo daquela) e do
poder executivo, que é responsável por executar as leis em vigor e,
consequentemente, punir os infratores.

Essas são as contribuições principais do pensamento dfe Locke para p


Liberalismo: a idéia de indivíduo pré-social, pré-político e livre para unir-se a outros em
um pacto, que definiria um poder superior e comum, respeitado por todos. Esse poder,
derivado da vontade da maioria, seria o poder legislativo de cada sociedade, cujo
objetivo seria a preservação de cada membro, da liberdade e da propriedade. Além
disso, em Locke, o indivíduo efetiva-se por si só, mesmo no estado de natureza: ele é
livre, capaz de efetivar suas propriedades a partir de seu trabalho.

Para Locke, o poder legislativo poderia ser delegado pelo povo a alguns
homens, de modo que estes desenvolvam as atividades pertinentes, mas sem a
pretensão de governarem por meio de decretos arbitrários ou de buscarem outro fim
que não o bem geral. O autor ainda ressalta que o povo pode, se os legisladores não
estiverem agradando, trocá-los e até modificar a forma de organização deste poder.
Desse modo, a comunidade configurar-se-ia como o verdadeiro poder supremo,
embora este só se manifestasse quando o governo fosse destituído ou modificado.

Essas colocações nos permitem vislumbrar uma forma primeira (para não dizer
primitiva, termo carregado de conotações pejorativas) de democracia representativa: a
comunidade, por meio da escolha da maioria, elegeria representantes para atuarem
como legisladores. Estes poderiam, contudo, ser destituídos e o próprio modelo do
poder legislativo poderia ser transformado de acordo com os interesses da
comunidade. Além disso, seria também delegado um poder executivo, para fazer valer
as leis. Este poder executivo, sendo subordinado ao poder legislativo, estaria, em
última instância, igualmente dependente da comunidade, tal como nas democracias
representativas que conhecemos.

Se as contribuições de Locke para o liberalismo parecem ser maiores do que


para a democracia, ao falar de Rousseau temos exatamente a impressão contrária.
Partindo dos mesmos pressupostos do autor inglês, Rousseau também fala do estado
de natureza e do pacto social, que chama de contrato social. Contudo, ele é muito
menos individualista do que Locke, o que faz com que alguns lhe classifiquem de
antiliberal.

Para Rousseau, os homens também surgiram sob o estado de natureza e,


quando chegaram a um ponto (...) em que os obstáculos prejudiciais à sua
conservação no estado de natureza sobrepujam (...) as forças de que cada indivíduo
dispõe para manterse nesse estado, eles precisaram deixá-lo para não perecerem
(ROUSSEAU,J.J. Do Contrato Social, Nova Cultural, 1999).

O verniz liberal de Rousseau aparece nitidamente para tentar resolver a


seguinte questão:

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Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a
pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela
qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo,
permanecendo assim tão livre quanto antes (ROUSSEAU, ibid.: 70).

A preocupação do autor, como se vê, é articular a vida em comum, sob um


poder superior, o estado de sociedade, sem, contudo, fazer com que o indivíduo perca
sua liberdade. Liberdade é um valor muito importante para o autor: renunciar à
liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos
próprios deveres. Segundo ele, destituir-se da liberdade é também jogar fora a
moralidade (ROUSSEAU,ibid.:62). Por isso, é importante uma reposta àquela questão,
que para ele consiste no contrato social: todos e cada membro da comunidade se
alienaria abdicaria de todos os seus direitos totalmente em favor daquela. Sendo a
condição igual para todos, ninguém estaria mais ou menos prejudicado. Além disso,
sendo a alienação total, a união torna-se perfeita e ninguém pode reclamar de nada.

Enfim, cada um dando-se a todos não se dá a ninguém e, não


existindo um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito
que se lhe cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo que
se perde, e maior força paraconservar o que se tem (ROUSSEAU,
ibid.: 70-71)

Em termos sintéticos, o Contrato Social quer dizer: cada um se dá totalmente,


em favor da vontade geral, que será a dirigente suprema da comunidade. Rousseau
concebe que o Contrato faz nascer um corpo moral e coletivo , constituído por todos
os membros da sociedade em questão. Esse corpo ganha o nome de corpo político, e
Rousseau estabelece importantes conceitos: esse corpo político recebe o nome de
soberano quando ativo; estado quando passivo; e potência quando comparado a
outros. Portanto, em Rousseau, a soberania é exercida pelo corpo político, o corpo
moral e coletivo, os homens reunidos. O soberano constitui a reunião de todos os
particulares que, reunidos, tornam-se o público e os detentores da vontade geral.

A proposta de Rousseau é a seguinte: os homens, reunidos, formam o


soberano, que também deve ser o detentor do poder legislativo. As leis formuladas por
um Legislador e necessariamente sancionadas pelo soberano, consistindo, portanto,
em atos da vontade geral devem garantir principalmente a liberdade e a
propriedade. Os cidadãos, tendo a liberdade garantida dentro do estado de sociedade,
também precisam ter as desigualdades suprimidas ou diminuídas. Para o autor, o
estado social só é vantajoso aos homens quando todos eles têm alguma coisa, e
nenhum tem demais (ROUSSEAU, ibid.: 81, nota 4).

O poder legislativo deve ser exercido pelo soberano. E o executivo? Segundo o


autor, não deve ser por ele também exercido, porque (...) esse poder só consiste em
atos particulares que não são em absoluto da alçada da Lei, nem consequentemento
da do soberano, cujos atos todos só podem ser Leis (ROUSSEAU, ibid.: 136). Como
isso se resolve? Segundo Rousseau, o detentor do poder executivo deve ser o
Governo, um corpo encarregado de executar as leis e manter a liberdade.
Dependendo de muitas variáveis, tais como o clima, as condições geográficas, o
tamanho do território e o número de habitantes, o poder executivo (o Governo) deve
ser monárquico, aristocrático ou propriamente democrático. O autor afirma também
que pode haver formas mistas de governo (em verdade, ele assume que não existem
governos puramente simples, mas que todos são mistos ou complexos).

A identificação do poder legislativo com o soberano tem uma implicação muito


grande: para que o soberano legisle, ele precisa reunir-se. De acordo com o autor, a
soberania não é delegável: o soberano só pode ser representado por si mesmo.

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Também ela não é divisível: ou representa a vontade geral ou não. Assim, surge um
grande problema: em comunidades muitos grandes, com vasto número de habitantes,
seria virtualmente impossível essa reunião de todos os homens. O próprio Rousseau
confessa que sua proposta só é viável em pequenas comunidades (ibid.: 189).

O fato de alguns classificarem Rousseau como antiliberal vem exatamente


desta característica: ao dar muito mais valor ao corpo político (soberano) em sua
totalidade do que aos indivíduos, afirmando que a liberdade e a propriedade só
realmente se efetivam no estado de sociedade, sob o Contrato Social (ROUSSEAU,
ibid.: 77-78), Rousseau se distancia um pouco daquilo que Locke defendeu. Contudo,
os valores fundamentais do liberalismo estão presentes na obra daquele autor, como a
concepção de indivíduo e a importância do consenso e da liberdade dentro da
organização social e do estabelecimento do contrato.

O fato de Rousseau usar a palavra Contrato, ao invés de pacto, como usada


por Locke, já enuncia distinções: segundo o Miniaurélio Século XXI (FERREIRA:
2001), contrato significa acordo de duas ou mais pessoas, empresas, etc., que entre si
transferem direito ou se sujeitam a uma obrigação (FERREIRA, ibid.: 194). Já pacto
tem o seguinte significado: ajuste, acordo entre Estados ou particulares (IDEM, ibid.:
541). Pode-se vislumbrar que o termo e a proposta de Rousseau prenunciavam um
envolvimento muito maior por parte dos contratantes.

Voltando ao cerne da argumentação, as contribuições de Rousseau para


democracia foram muito grandes, embora não ele concordasse com o que hoje
chamamos democracia representativa. Ele sistematizou e formulou com todas as
palavras a idéia de que o poder vem do povo. Muito mais do que em Locke, o povo
para Rousseau tem o poder em suas mãos para fazer e aprovar as leis. A soberania é
exercida pelo povo, diretamente, sem delegados ou representantes. Esses, para o
autor, são inclusive frutos de uma degeneração dentro do Estado, causada pela (...)
confusão do comércio e das artes, é o ávido interesse pelo ganho, é a frouxidão e o
amor à comodidade (...) (ROUSSEAU, ibid.: 185).

Para Rousseau, portanto, a democracia deveria dar-se de maneira direta, como


acontecia entre os gregos, que são muitos citados na obra dele. Tido como grande
influência intelectual para a Revolução Francesa, a defesa intransigente da liberdade e
da igualdade em Rousseau o tornam um grande representante das teorias liberais e
igualmente grande defensor da democracia.

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