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DO ESTADO
por Jorge Martínez Barrera
tradução livre por Allan Dos Santos
Apesar de tudo, não se pode duvidar que, com Cícero, haja uma
mudança de matiz em relação a Aristóteles. De fato, para o
Estagirita, embora seja verdade que o sujeito da lei ocupa uma
posição privilegiada em seu pensamento político, seu interesse
primordial em questões políticas continua sendo o da eupraxia,
a da boa ação e a da boa sociedade, objetivo ao qual se
subordina o assunto da legislação. Para Cícero, porém, e insisto
que se trata ainda de uma matiz e não uma diferença
substancial, esse interesse muda para a legislação, digamos, a
estrutura jurídica que oferece uma espécie de plano geral de
convivência. Para Cícero, devemos a ideia da importância
capital do direito na organização da convivência política,
embora, certamente, se nos atemos ao seu conceito de lei, é
claro que seria muito difícil acusá-lo de ser “juridicista” no
sentido em que falamos hoje desse termo. A lei, para Cícero, tem
uma conexão essencial com o sistema da moralidade:
Se os direitos fossem baseados na vontade do povo, as decisões
dos príncipes e os julgamentos dos juízes, seria legal o roubo,
legal a falsificação, legal a suplantação dos testamentos, desde
que tivessem em seu favor os votos ou que agradasse a massa.
E se o poder da opinião e a vontade dos estúpidos é tal que eles
podem, com seus votos, perverter a natureza das coisas, por
que eles não sancionam que o que é ruim e pernicioso
considerado que é bom e saudável? E por que, se a lei pode
transformar a injustiça em algo justo, ela também não pode
transformar o mal em bem? É que para distinguir o bem do
mal não temos outra norma que a da natureza […]. A natureza
nos deu assim um senso comum, que delineava em nosso
espírito, para que identificássemos o honesto com a virtude e o
desonesto com o vício. Pensar que isso depende da opinião de
cada um e não da natureza, é uma coisa louca (demência est).