Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
São Paulo
2017
CAMILA PARDUCCI ARRUDA
São Paulo
2017
CAMILA PARDUCCI ARRUDA
Aprovada em:
Ao Prof. Dr. Alberto P. Lima Filho, por ser meu primeiro mestre na Psicologia
Analítica e um grande exemplo de profissional e pessoa. É uma honra ter você na
minha banca.
Às minhas queridas amigas, Ana Cecília, Carla, Luana e Manoela, por todo
apoio que me deram durante o período de elaboração deste trabalho, apoio sempre
presente em vários momentos da minha vida.
PARDUCCI, Camila. Imagens que falam: um estudo de caso de uma menina com
queixa de abuso sexual. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2017.
In the world’s population, about 20% of women and 5% to 10% of men report
having been sexually abused in childhood (WHO, 2014). This research approached
the theme from the theory and practice of Analytical Psychology, and aimed at
conducting a clinical study of a five year old girl with a complaint of sexual abuse.
The psychodynamics and emotional state of the child are described based on an
interpretive and symbolic analysis of her graphic and verbal expressions. The
qualitative method used was that of the case study. The analysis is based upon
impressions gained and data gathered during six psychodiagnostic sessions that
included anamnesis with the mother of the child, application of HTP, CAT-A, drawing
of the Person in the Rain, spontaneous graphic productions, observations of play and
the child’s behavior. The case study identified signs of complex trauma (VAN DER
KOLK, 2005), with characteristics that frequently occur in cases of child sexual
abuse, such as dissociative defenses, sadness, lowered self-esteem, insecurity,
graphic expressions of imprisonment and contents that clearly held sexual
connotations. It was found that the therapeutic setting offers a protective and all-
encompassing place for the expression of anguish and pain in cases of victimization
and/or complaint of sexual abuse, as well as for the symbolic disclosure of the
trauma and its consequences. The study concludes that early psychological
intervention is fundamental to minimize severe prognosis when child sexual abuse is
suspected and to assist the child in his/her development.
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12
2 LEVANTAMENTO DE PESQUISAS SOBRE O TEMA ............................... 16
3 TRAUMA E ABUSO SEXUAL ..................................................................... 23
3.1 A psique traumatizada, memória traumática e memória sadia............... 23
3.2 Psique traumatizada e mecanismos de defesa ........................................ 25
3.3 Consequências do trauma complexo ....................................................... 26
3.4 O trauma do abuso sexual ......................................................................... 28
4 O DESENHO NA PSICOLOGIA ANALÍTICA .............................................. 30
4.1 Desenho e desenvolvimento infantil......................................................... 31
4.2 O desenho da criança de 4 a 6 anos ......................................................... 32
4.3 Desenho e abuso sexual infantil ............................................................... 33
5 OBJETIVO ................................................................................................... 34
5.1 Objetivo geral .............................................................................................. 34
5.2 Objetivos específicos ................................................................................. 34
6 MÉTODO ...................................................................................................... 35
6.1 Participante ................................................................................................. 35
6.2 Local ............................................................................................................ 35
6.3 Instrumentos ............................................................................................... 36
6.3.1 HTP – Casa-Árvore-Pessoa ......................................................................... 36
6.3.2 Teste de Apercepção Infantil-Animal (CAT-A) .............................................. 36
6.3.3 Desenho da Pessoa na Chuva ..................................................................... 36
6.3.4 Desenhos espontâneos e Temática do jogo lúdico ...................................... 37
6.4 Procedimento .............................................................................................. 37
6.4.1 Procedimento de seleção da participante ..................................................... 37
6.4.2 Procedimento de intervenção ....................................................................... 37
6.4.2.1 Anamnese ................................................................................................... 38
6.4.2.2 HTP - Casa-Árvore-Pessoa ......................................................................... 38
6.4.2.3 Teste de Apercepção Infantil-animal (CAT-A) .............................................. 38
6.4.2.4 Pessoa na Chuva ......................................................................................... 38
6.4.2.5 Desenhos espontâneos e Temática do jogo lúdico ...................................... 39
6.4.3 Procedimento de análise .............................................................................. 39
6.4.4 Procedimento ético ....................................................................................... 40
7 RESULTADOS E ANÁLISE ......................................................................... 41
7.1 Anamnese ................................................................................................... 41
7.2 Expressões gráficas ................................................................................... 42
7.2.1 Casa ............................................................................................................. 43
7.2.2 Árvore ........................................................................................................... 44
7.2.3 Figuras humanas .......................................................................................... 45
7.3 CAT-A .......................................................................................................... 53
7.4 Jogo lúdico ................................................................................................. 55
7.5 Síntese ......................................................................................................... 56
8 DISCUSSÃO ................................................................................................ 59
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 64
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 66
Apêndice A – Anamnese ............................................................................ 71
Apêndice B – Primeira sessão – Jogo lúdico .......................................... 74
Apêndice C – Segunda sessão – Aplicação HTP ..................................... 76
Apêndice D – Terceira sessão – Jogo lúdico ........................................... 79
Apêndice E – Quarta sessão – Aplicação CAT-A..................................... 80
Apêndice F – Quinta sessão – Pessoa na Chuva e Desenho livre ......... 85
Apêndice G – Sexta sessão – Desenho livre e Jogo lúdico .................... 86
Anexo A – Termo de Compromisso do Pesquisador Responsável ....... 87
Anexo B – Carta de Autorização da Instituição ....................................... 88
Anexo C – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética ...................... 89
12
1 INTRODUÇÃO
(KALSCHED, 2013; VAN DER KOLK, 2005; SCHORE, 2003; HERMAN, 1992)
escrevem sobre o impacto e as possíveis consequências do trauma precoce no
desenvolvimento cognitivo, emocional e social das vítimas. Crianças expostas a
experiências traumáticas sofrem multifacetadas consequências, tanto imediatas
como de longo prazo, que podem se estender até a adolescência ou a vida adulta.
Na população mundial, crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual tendem a
desenvolver e apresentar transtorno de ansiedade, sintomas depressivos e
agressivos, problemas quanto ao seu papel e funcionamento sexual bem como
dificuldades em relacionamentos interpessoais. Há forte associação entre abuso
sexual e transtornos mentais tais como transtorno afetivo, transtorno de estresse
pós-traumático, distúrbios alimentares, dependência química e transtornos
psicossexuais (SERAFIM et al., 2011; VAN DER KOLK et al., 2005). Segundo
pesquisa realizada na cidade de São Paulo (SERAFIM et al., 2011), as crianças
vítimas de abuso sexual apresentaram elevada tendência para depressão e
transtorno de estresse pós-traumático, com as meninas tendendo a apresentar
comportamento mais erotizado e os meninos, isolamento. Comportamentos e
sintomas podem ser indícios para os pais ou cuidadores desconfiarem da violência.
As vítimas de abuso sexual infantil costumam apresentar dificuldade de
concentração, medos, choro frequente, pesadelos, comportamento sexualizado e
enurese (BORGES & DELLAGLIO, 2008).
O desvelamento do ocorrido é difícil, tanto por parte da criança como da
família. O abuso sexual infantil é uma transgressão secreta, permeada por sensação
de culpa, vergonha e inadequação. É um processo dinâmico que não diz respeito
apenas aos participantes diretos, mas atinge todo o núcleo familiar. O temor e a
resistência em assumir a dor levam os conteúdos dolorosos a serem reprimidos ou
calados, tornando-se fonte de complexos. Jung (1951/2011a) já descrevera que
complexos familiares se perpetuam por modos de agir, por atitudes emocionais e
pelas crenças compartilhadas entre os membros da família. O rompimento desse
ciclo patológico só é possível com a quebra do silêncio.
A questão do desvelamento do segredo é enfatizada em diversas pesquisas
(SORSOLI, KIA-KEATING & GROSSMAN, 2008; JONZON & LINDBLAD, 2000;
KOGAN, 2004). Foi observado que, quanto maior o período em que o abuso é
silenciado, mais nocivo é o efeito sobre a personalidade da vítima. Pesquisas
indicam que menos da metade das vítimas reportam o abuso. A quebra do silêncio
15
muitas vezes é dificultada pela culpa, vergonha e opressão que as vítimas sofrem,
tanto individual como socialmente. As que relatam a experiência são, muitas vezes,
desacreditadas pela família e entes queridos. A dificuldade das vítimas em revelar o
que lhes aconteceu dificulta a intervenção psicológica assim como aumenta a
chance de revitimização.
Ambientes e técnicas que permitam a quebra do silêncio são necessários. O
ambiente terapêutico é percebido como um lugar protegido para crianças vítimas de
abuso sexual falarem sobre o trauma (POLLI, SAVEGNAGO e ARPINI, 2013), e o
desenho projetivo mostra ser um facilitador da expressão de sentimentos,
pensamentos e emoções no caso de crianças vítimas de abuso sexual infantil. Por
meio do desenho, é possível comunicar o que é difícil de ser falado.
A relevância da presente pesquisa encontra-se em explorar meios
psicodiagnósticos que facilitem a comunicação com a criança e a compreensão da
experiência por ela vivida. Visa ainda mobilizar meios verbais e especialmente não
verbais mediante observação de comportamentos, interação lúdica, técnicas
projetivas e expressão gráfica com fundamentação na Psicologia Analítica e na
leitura simbólica dos conteúdos emergentes. Espera-se mostrar que esses recursos
ampliam a possibilidade de representação psíquica do evento traumático e podem
constituir importante auxílio em diagnóstico e psicoterapia com crianças
traumatizadas.
Para embasar este trabalho, os capítulos iniciais se dedicarão ao
levantamento de pesquisas e à revisão da literatura relativa ao abuso sexual infantil,
às relações entre tal experiência e trauma e ao emprego do desenho como
instrumento para compreensão da psique da criança vítima de abuso sexual. A
essas seções seguem-se a discriminação dos objetivos de pesquisa e da
metodologia empregada, a apresentação e análise dos resultados encontrados, as
conclusões deste estudo e algumas considerações finais.
16
Van der Kolk et al. (2005) apontam que a exposição ao assim chamado
“trauma complexo” começa, na maioria das vezes, na primeira infância, e o impacto
imediato ou contínuo da situação traumática leva a uma deficiência em todos os
domínios do desenvolvimento. Esses autores observaram que crianças expostas ao
trauma complexo frequentemente apresentam dificuldades que podem se estender
da infância à adolescência e até a vida adulta. Tais dificuldades referem-se,
principalmente, à perda da capacidade básica de autorregulação e ao
estabelecimento de relacionamentos interpessoais. Os autores sugerem sete
domínios primários de comprometimento observados nessas crianças: relação de
apego, regulação de afetos, dissociação, regulação de comportamento, cognição e
autoconceito.
Alice Miller (1997), no livro O drama da criança bem-dotada, postula que,
durante o processo de desenvolvimento, a criança tem a necessidade básica de ser
vista e respeitada como indivíduo, e a validação de seus sentimentos e sensações
primárias por parte das figuras parentais e cuidadores proporciona a construção de
uma autoestima saudável. Para a autora, uma relação abusiva também ocorre
quando a criança é objeto narcísico dos pais. Nesse tipo de relação, a criança tem
suas vontades e sentimentos ignorados e precisa apenas corresponder às
expectativas de seus genitores. Crianças inteligentes, sensíveis e empáticas
percebem os desejos dos pais e começam a agir com o objetivo de agradá-los,
suprimindo seus próprios desejos e vontades.
27
5 OBJETIVO
Realizar estudo clínico do caso de uma menina com queixa de abuso sexual.
6 MÉTODO
6.1 Participante
A participante da pesquisa foi uma menina de cinco anos e meio com queixa
de abuso sexual desde bebê, sendo o pai biológico o possível perpetrador. Neste
estudo, a participante será identificada apenas por Juliana e sua mãe, por Olívia,
nomes fictícios, como meio de preservar suas identidades e garantir o necessário
sigilo.
6.2 Local
6.3 Instrumentos
6.4 Procedimento
6.4.2.1 Anamnese
Foi entregue à participante uma folha de papel tamanho ofício, sem pauta, na
posição vertical, e lápis grafite preto. A pesquisadora orientou a participante dizendo:
39
7 RESULTADOS E ANÁLISE
7.1 Anamnese
Ao ser perguntado a Juliana por que veio, ela imediatamente contou, fazendo
gestos para demonstrar, que, quando era bebê, o pai a encostava em seu corpo.
Este relato é o mesmo que a mãe conta, aparentando ser uma narrativa aprendida e
repetida sem uma apropriação do que de fato significa. Juliana não demonstrou
relacionar o ocorrido com o fato de não poder mais ver o seu pai e relatou sentir
saudades dele.
7.2.1 Casa
Figura 1 – Casa
7.2.2 Árvore
Figura 3 – Pai
,
46
Figura 4 – Família
47
Juliana opta por desenhar a família toda, no segundo desenho, mesmo diante
da instrução de que deveria desenhar uma mulher. Antes de começar, comenta,
rindo, “vou desenhar minha família, casos de família”.
O desenho está posicionado no lado superior esquerdo. Não há nenhuma
referência espacial, o que dá a impressão que as figuras estão soltas no ar. Os
cabelos foram desenhados com traços fortes, o que pode indicar tensão ou
repressão. As figuras são rudimentares e não mais esperadas para a faixa etária em
que Juliana se encontra.
Vale ressaltar que “Casos de família” é o nome de um programa
sensacionalista da TV aberta, em que famílias revelam segredos e brigam diante
das câmeras. Pode-se entender que, de alguma forma, Juliana expressa, em seu
desenho, o conflito no ambiente familiar e inferir que ela o relaciona à mãe, uma vez
que o desenho é elaborado em resposta à solicitação “desenhe uma mulher”.
48
Ao fazer o desenho livre (Figura 8), Juliana desenha uma menina e com um
bebê dentro da barriga. Comenta que a menina é ela e o bebê, um menino.
Percebe-se, novamente, que a figura feminina é mais completa do que a masculina.
Esse desenho sugere algumas interpretações. Seria como se Juliana estivesse
expressando: “eu sou a companheira do meu pai, porque eu tenho um bebê para
ele”, ou “quem deu um bebê para o meu pai fui eu” ou, ainda, “quem é a mãe aqui?”
7.3 CAT-A
elaborada antes da sessão em que realizou a série de desenhos que cobriu com
cola colorida.
A figura masculina apareceu ora infantilizada, sem força, desvitalizada, não
ameaçadora, ora monstruosa e agressiva. O pai foi, por vezes, equiparado a um
irmão, a um semelhante. De outro lado, na prancha nove, o pai é o cozinheiro, o que
parece refletir o passado de Juliana, quando era o pai que se responsabilizava por
sua alimentação. Pode-se concluir que a figura masculina se mostra, para Juliana,
ambígua, pois é aquela que protege e alimenta ao mesmo tempo em que é
monstruosa e fraca.
Juliana demonstrou perceber situações de disputa e conflito e discorreu sobre
isso de forma clara. Em pranchas que apresentavam situações que podiam ser
vistas como conflituosas, Juliana pareceu se identificar com os animais menores
(rato na prancha três e macaco na prancha sete). Em um primeiro momento, o
animal menor conseguia fugir do maior, apesar de este ter uma imagem monstruosa.
Juliana também viu o animal grande e imponente, representado pelo leão na
prancha três, tendo uma atitude passiva (assistir TV) e fraca (doença), enquanto que
o animal menor (rato) mostrava uma atitude ativa, podendo até surpreender o maior.
Todavia, mesmo tais personagens pequenos apresentando aspectos positivos e
atitude ativa de fuga, os filhotes, de maneira geral, eram vistos como estando
assustados ou com medo.
Os temas da desproteção e da ameaça estiveram presentes na maioria das
pranchas: os pintinhos precisavam se cuidar sozinhos; não havia a presença de
adultos; os filhotes estavam à mercê de monstros. Pode-se considerar, assim, que é
desta maneira que Juliana percebe o ambiente que a rodeia.
55
7.5 Síntese
8 DISCUSSÃO
cognição e autoconceito. Esse autor ressalta, ainda, que o trauma complexo gera
comprometimentos psíquicos, principalmente no que diz respeito à capacidade
básica de autorregulação e ao estabelecimento de relacionamentos interpessoais.
Neste estudo, apesar de a criança ter apenas cinco anos, é possível perceber uma
tendência a defesas dissociativas e indícios de comprometimento do autoconceito.
Todavia, notou-se que sua capacidade de vinculação parece preservada, quando é
possível estabelecer um elo de confiança, o que denotaria, provavelmente, uma
organização psíquica com bom potencial para enfrentamento.
O atual estudo endossa dados da pesquisa de Polli, Savegnago e Arpini
(2013) que revela que o ambiente psicoterapêutico apropriado é continente e
facilitador para crianças vítimas de abuso sexual compartilharem suas vivências. O
estudo psicodiagnóstico realizado recomendou um procedimento terapêutico com o
intuito de incentivar fatores de resiliência que pudessem diminuir possíveis
comportamentos destrutivos e intercorrências negativas no desenvolvimento.
64
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
______. Inscapes of the Child’s World: Jungian Couseling in the Schools. Dallas,
TX: Spring Publications, 1988.
ALLEN, B.; TUSSEY, C. Can projective drawings detect if a child experienced sexual
or physical abuse? A systematic review of the controlled research. Trauma,
Violence, & Abuse. Washington: SAGE Publishing, 13.2, p. 97-111, 2012.
BERTOIA, J. Drawings from a dying child: insights into death from a Junguian
perspective. New York: Routledge, Taylor & Francis e-Library, 2001.
JONZON, E.; LINDBLAD, F. Disclosure, reactions, and social support: Findings from
a sample of adult victims of child sexual abuse. Child Maltreatment: Journal of the
American Professional Society on the Abuse of Children. n. 9, p. 190-200, 2004.
______. Relação da psicologia analítica com a obra de arte poética. In: JUNG, C. G.
O espírito na arte e na ciência. O. C. 15. Petrópolis: Vozes, 1922/2013a.
SORSOLI, L.; KIA-KEATING, M.; GROSSMAN, F. K. "I keep that hush-hush": Male
survivors of sexual abuse and the challenges of disclosure. Journal of Counseling
Psychology, v. 55, n. 3, p. 333- 345, 2008.
VAN DER KOLK et al. Complex Trauma in Children & Adolescents. Psychiatric
Annals, p. 390-398, 2005. Disponível em:
<http://www.traumacenter.org/products/Complex%20Trauma%20White%20Paper.pd
f >. Acesso em: 12 jul. 2015.
Apêndice A – Anamnese
Queixa
Histórico
Juliana não quer entrar sozinha na sala de atendimento e pede que sua mãe
entre junto com ela. Já na sala, começa a contar que, quando era bebê, o pai a
pegava e a passava no corpo dele (imita os movimentos que o pai fazia com as
mãos). Comenta que achava normal esse jeito dele e que, quando ela estava de
perna aberta, ele mexia “lá”, mas, quando ela estava de perna fechada, isso não
acontecia. Ao fazer esse relato, Juliana olha constantemente para a mãe, como que
buscando aprovação e dando a impressão de que o seu discurso havia sido
combinado, anteriormente, entre elas.
A pesquisadora explica que Juliana, quando quiser, pode pedir que sua mãe
saia da sala. A menina responde não querer que isso aconteça, preferindo que a
mãe fique com ela. A pesquisadora explica que irão brincar e que, às vezes, pedirá
que ela desenhe, ao que Juliana responde que não sabe desenhar.
Ela comenta que o tio está “lá embaixo”, sozinho. Quer que ele suba até onde
ela está, para conhecer a sala. A pesquisadora diz que ele já esteve naquela mesma
sala, e Juliana pergunta se o pai já lá estivera também. A pesquisadora responde
que não e indaga se ela gostaria que o pai fosse até lá. Juliana responde que não.
Abre a caixa de brinquedo com o pé e, depois, com as mãos. Inicialmente,
abre o estojo que contém secador, maquiagem e espelho. Pega o secador. Pergunta
por que a boneca é careca. Abre a embalagem com os bonecos que representam a
família, retira uma boneca, que escolhe para ser a mãe, e outra, que será o pai.
Comenta que a boneca-mãe está com um vestido muito curto. Pega a boneca menor
e dá risada ao ver a saia levantada. Coloca a boneca-mãe e a boneca-menina no
cavalo. A mãe de Juliana diz que a saia da boneca-menina é muito curta para que
ela possa andar a cavalo.
Juliana abre a bolsinha que contém uma chupeta. Pergunta de quem é a
chupeta. A pesquisadora diz que a chupeta é da boneca. Juliana, então, pergunta se
a chupeta não é dela, Juliana. A pesquisadora responde que, se ela quiser, a
chupeta pode ser dela. Juliana experimenta colocar a chupeta na boneca, percebe
que não cabe e, então, declara: “é minha, então!”. Em seguida, quer usar a chupeta.
Juntas, a pesquisadora e ela lavam a chupeta. A seguir, Juliana coloca a chupeta na
boca e finge que é um bebê, para a mãe, dizendo “sou um bebezinho”.
75
Quer que o tio suba para a sala onde ela está. A mãe diz, como que
brincando, que ele deve ter ido embora. Diante dessa observação da mãe, Juliana
dá mostras de ansiedade. A pesquisadora pergunta se Juliana quer verificar se o tio
está realmente na sala de espera. Ela responde que sim, pois quer mostrar a
chupeta para ele. A pesquisadora e Juliana descem até a sala de espera e ela pede
a seu tio que suba até a sala de atendimento. Ele atende ao pedido. A pesquisadora
nota que, em alguns momentos, a mãe e o tio de Juliana procuram se comunicar por
gestos, inclusive com a própria pesquisadora, de modo a não deixarem Juliana
perceber o que estão tentando dizer.
Juliana também quer brincar com a mamadeira, quer beber água da
mamadeira. A pesquisadora explica que isso não é possível, porque o bico da
mamadeira não é furado e promete levar, na sessão seguinte, uma mamadeira de
verdade.
Juliana passa a escrever. Primeiro, o seu nome e, depois, o do pai. Em
seguida, pede para a mãe soletrar o próprio nome e o do tio. Em certo momento,
enquanto escreve, procura esconder a prancheta e quer utilizar a borracha, pois diz
que errou (o traço horizontal do A), pois escreveu “muito forte”. Quando está
escrevendo, comenta que o pai esteve na rua de sua casa, e pede para a mãe
confirmar essa informação. A mãe confirma. Juliana comenta, ainda, que não pode
ver o pai. A pesquisadora pergunta por quê. Juliana responde “porque não”. A
pesquisadora, então, indaga se ela tem vontade de ver o pai e Juliana responde que
sim e que, às vezes, tem saudades dele.
76
Juliana quis, inicialmente, montar o castelo. Com os muros, traça uma linha
divisória entre a pesquisadora e ela. Encontrou o príncipe e a princesa. Colocou-os
frente a frente, encostados, e esfregou um boneco no outro, fazendo sons de beijo.
Comentou que eles precisavam fazer isso dentro da torre.
Em seguida, pegou os brinquedos de salão de beleza e pediu para pentear o
cabelo da pesquisadora. Mostrou-se extremamente carinhosa e delicada ao fazer
isso, dizendo que o achava muito bonito por ser liso e fácil de pentear. Deu mostras
de gostar muito dessa brincadeira.
80
Prancha 1
Um cozinheiro, um com uma colher e um com um prato, só isso que eu escutei.
P: O que você viu?
Assim, um menininho com uma colher e um menininho fazendo macarrão e o outro
com prato, esperando.
P: E o que está acontecendo aí? O que os animais estão fazendo?
Eles estão fazendo, ajudando o outro. Só isso que eu vi na história.
P: O quê?
Só isso daí e a galinha vendo.
P: O que é, então, que eles tão fazendo?
Uma galinha olhando, um com uma colher e o outro esperando com o prato, mas
eles ‘tão ajudando. Aí a galinha ‘tá vendo.
P: O que eles estão ajudando a fazer?
Eles tão ajudando a fazer o macarrão. Pronto.
Prancha 2
Eu ‘tou vendo eles dois puxando a corda e ele querendo puxar pra ser dele, e
pronto.
P: Para o quê?
É assim: esses dois ‘tá (sic) ajudando a pegar a corda dele. Aí ele ‘tá querendo
puxar pra ser dele, e os três ‘tá (sic) ajudando, né? Porque essa corda é deles dois.
Aí, ele ‘tá puxando pra ser dele. Aí eles ‘tão brigando por causa da corda. Pronto.
P: E quem que ganha?
Se ele ganhar a corda vai ser dele.
P: Mas, na sua história, qual ganha?
Ele. Esses dois. Pronto. Só isso.
81
Prancha 3
Ele ‘tá assistindo TV sentando no sofá, e o negócio perto dele. E o menininho aqui, e
ele ‘tá com um martelo na mão e pronto. E o negócio aqui em baixo que eu não sei o
nome.
P: E qual o final da história?
Ele ‘tá assistindo, eu acho, o jornal. Pronto.
P: E quem é ele?
Quê? Eu não sei!
P: É homem ou mulher?
Homem, pronto.
P: E o que é isso aqui que você falou? (aponta para a bengala)
É que ele ‘tá doente.
P: Doente do que?
Não sei.
P: O que você acha?
Doente de dor de perna.
P: Por quê?
Porque sim.
P: Então ele ‘tá doente e com dor de perna. E isso aqui serve para quê?
Pra segurar assim e andar.
P: E esse aqui que você falou? (aponta para o ratinho)
É um pintinho.
P: E o que ele ‘tá fazendo aí?
Não. Ele é um ratinho. E ele (aponta para o leão) não sabe que ele ‘tá ali, e ele vai
acabando dar (sic) um susto. Pronto.
Prancha 4
Tinha um menininho andando de bicicleta e tem outro filhotinho na barriga dele. E,
aí, ela é a mãe e ele é o pai. A mamãe está levando uma cestinha para a casa da
vovozinha e, aí, o vento passou. Aí, ‘tava frio e eles ficaram com frio. Só isso. E o
nenenzinho ‘tá levando uma bexiga pra brincar no meio da rua, na barriga da
mamãe. Só isso que eu vi.
P: O que tem na cesta?
Doces.
82
Prancha 5
O menino estava dormindo aí. O menino grande ‘tava dormindo e o filhotinho ‘tava
acordado, fingindo que ‘tava dormindo. E aí a luz estava apagada. Aí veio o ratinho,
entrou dentro do berço e foi dormir. E foi dormir para sempre.
P: Como para sempre?
Para sempre dormindo. Pronto.
P: Me mostra onde ‘tá a criançinha, o ratinho.
Esse é dois rato.
P: E você falou que tinha um menino maior.
O menino maior é aqui (aponta para a cama), e o rato veio aprontar com ele.
P: O que é aprontar?
Apronta com o bebezinho. Aprontar é bagunça. Bagunça as coisas.
P: Bagunça como? Me mostra como é bagunçar.
Colocar as coisas no chão, assim.
Prancha 6
Eu vou escrever o que ‘tá aqui.
P: Onde?
Aqui em cima.
P: Vai me contando o que você está escrevendo.
É... ‘Pera aí. Eu ‘tou errando tudo. Rapidinho...
Era uma vez um cacho... Um... ele tinha uma casinha bonita. Aí, ele... Ele é... ‘Tou
errando tudo.
P: Não tá errando, não.
Aí, ele... Ele tinha uma casinha O filhinho ‘tava dormindo do lado dele. Aí o monstro
veio do la... ‘Tava atrás dele.
P: Dele quem?
Do filhinho, aí. Aí... Aí, ele... Você tem filho ou não?
P: Não.
Aí, ele levou um susto e acordou o bichinho.
P: Quem acordou o bichinho?
O monstro, porque esse é o monstro.
83
Prancha 7
Aí... Esse eu não sei contar não.
P: Não?
Não.
P: Tenta. Você está contando tão bem suas histórias.
Aí, o macaco ‘tava ali... Aí, o macaco ‘tava ali... Aí, o macaco ‘tava ali... Aí o... Como
é o nome dele mesmo?
P: Dele quem?
Desse grande.
P: Quem você acha que é?
Não sei, não. Daí, ele levou um susto e quase ia pegar ele pra comer, puxando o
rabo dele e ele fugiu fora. Ele não conseguiu pegar ele. Ele não conseguiu pegar o
rabo dele, e ele fugiu. Só.
Prancha 8
Aí, a mãe fez uma fofoca pro pai. Fofoca no ouvido. Aí, ela ‘tava fazendo fofoca e o
filhinho e o pai. E o irmão dele brigando com ele, falando que não pode teimar, não
pode ouvir a conversa dos outros: se você ouvir você vai tomar um castigo, vai ficar
bem no cantinho. Aí, tinha uma foto da vovozinha corica. Aí, ela ficou de... De raiva
porque ele ‘tava ouvindo as fofocas.
P: Quem ficou com raiva?
Esse daqui.
P: Quem é ele?
O irmão dele. Pronto.
Prancha 9
Esse um, já li.
P: Não leu não.
Ai, isso não é um joguinho.
P: É um joguinho de contar a história.
Aí a porta ‘tava aberta. O coelhinho abriu a porta. Ele viu que o pai dele saiu... Aí...
Aí, ele ficou lá sozinho, olhando para a porta, se o pai dele ‘tava na cozinha. Aí, o pai
dele não ‘tava. Aí, ele levantou e ficou com o zoinho aberto e ficou se cobrindo no
cobertor. Fim.
84
Prancha 10
Aí, o aleão querendo pegar... Aí, o cachorro não deixou o aleão ir no banheiro. Aí, o
vaso ‘tava entupido. Aí, ele... Aí, o monstro foi lá, pegou ele escondido e, aí, ele ficou
com medo e deu um grito. Só isso.
P: Quem o monstro pegou?
A cachorrinha no banheiro. Aí, ele foi lá e pegou.
P: Pegou quem?
O cachorrinho. Ela pegou o cachorro. Pronto.
Ela ou o monstro?
O monstro. O monstro de homem.
85
Título: Imagens que falam: um estudo de caso de uma menina com queixa de abuso
sexual
Assinatura: ________________________________________________________
Assinatura da Orientadora:____________________________________________
Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes –São Paulo – SP – CEP: 05015-001 Edifício Reitor
Bandeira de Mello, sala 63-C. Telefones: (11) 3670-8466 E-mail: cometica@pucsp.br
88
- cont. -
91
- cont. -
92
- cont. -