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Avaliação 01

Aluno: Guilherme Luis Silva Busato GRR: 20174332


Disciplina: Formas da Poesia
Professora: Sandra Mara Stroparo

Sobre apenas escrever

Decido aqui pela análise do poema "Sobre escrever" de Ricardo Aleixo, publicado
em seu livro "Antiboi".
Lançado em 2017, esta obra se estabelece como mais um marco na caminhada de
resistência deste poeta tão politicamente engajado.
O livro não se resume, no entanto, a somente um significante de resistência. Existe
também uma dimensão pessoal-familiar e um "eixo-espiral amoroso", como denomina
esse último o professor Fábio Belo. Entre poemas como "Monstra" e "Grau zero", "Sobre
escrever" a princípio parece fugir da unidade consolidada de poesia que é "Antiboi", pois
não transita em nenhum desses dois eixos. Ao invés disso, "Sobre escrever" se apresenta
como uma reflexão metapoética e metalinguística, na qual o eu-lírico trava um debate
interno consigo mesmo a respeito das razões de escrever... ou não!
Olhando de outra maneira, no entanto, podemos visualizar "Antiboi" a partir de um
eixo interno e externo. Divido aqui, entre interno e externo, a ideia do eu-lírico que olha
para si e o eu-lírico que olha para um mundo que o cerca, e postula sobre ele. Embora
alguns dos poemas do livro operem sob apenas um ou outro eixo, como por exemplo
"Homens" e "Por Dentros", a maioria deles apresenta estas duas dimensões em seu
corpo. O poema "Perspectivismo" é um bom exemplo desta dualidade, no qual, ao mesmo
tempo em que explicita o conceito antropológico do perspectivismo ameríndio, o poeta
também faz uma auto-reflexão a partir desta perspectiva: Eu era feliz e não sabia.

eu era felino

e não sabiá

Em "Antiboi", estamos habituados à técnica de enjambement, com a qual Aleixo


constrói a maioria de seus jogos de palavras, e que acaba por irregularizar muito da sua
escrita em termos de verso e estrofe. Nesse sentido, "Sobre escrever" também se
apresenta como exceção, com 8 estrofes de 4 versos cada mas continuando a não
apresentar rimas. Ainda assim, as estrofes e versos se conectam uns aos outros a partir
da repetição de um modelo:

(Não) Escrever porque esta/este...


Aposto justificador
(não) melhor + Substantivo temporal
para (não) escrever

Os "nãos" se inserem na fórmula da estrofe periodicamente: o 1o e o 3o nas estrofes


pares, enquanto o 2o "não" aparece na 3a, 7a e 8a estrofe.
Estas inserções da palavra "não" alteram o significado de cada estrofe, em algumas
o eu-poético defende o ato de escrever, em outras não, e a sua motivação para sim (ou
não!) escrever é também afetada pela inserção das negativas na frase, resultando em 8
frases de semântica única apesar da repetição.
Vale lembrar que o que chamei aqui de "Aposto justificador" também se altera em
cada frase mas a função exercida é a mesma: justificar o que é dito depois.
"convenhamos", "verdade seja dita", "em última instância", são todos exemplos de frases
ditas quando buscamos a validação dos nossos argumentos.
"Sobre escrever" se trata, portanto, de uma tentativa de convencimento, seja do
próprio eu-poético, seja de um terceiro, quanto ao momento apropriado para escrever.
Nesta reflexão, o autor não especifica se fala-se da escrita artística, sendo possível
interpretar "a escrita" como expressão de si através da palavra. Seja como for, é visível o
conflito interno do eu-poético que se alterna entre fazê-lo e não fazê-lo, e as suas
motivações para tal.
Esta alternância interna, juntamente com o título "Sobre escrever", me parece
apontar para as justificativas inventadas por escritores quando enfrentando o desafio de
seu ofício e que constantemente lutam contra o impulso da procrastinação e da inação.
Ou como bem colocou Vincent Van Gogh em carta a seu irmão mais novo Theo: "Você
não sabe o quão paralisante é o olhar fixo de um quadro em branco que diz ao pintor
'você não consegue fazer nada'. O quadro tem um olha idiota que enfeitiça alguns
pintores, então eles se tornam idiotas eles próprios." (1884, van Gogh) (tradução minha)

Escrever ou não escrever, seria este o momento certo?


Apesar da dúvida do eu-poético, me parece aqui que é justamente ao apresentar
todas estas possibilidades de justificativas (inclusive com uma tripla negativa na última
estrofe), que Aleixo parece nos enviar uma mensagem. Esta sim, uma reflexão externa.
"Está vendo? Não há hora certa...".
A primeira frase do poema "Escrever porque esta é, sem sombra de dúvida, a
melhor hora para escrever", tem o seu significado dobrado e alterado 7 vezes, cada vez
justificando o ato de sim ou não escrever. Esta construção aponta para a futilidade do
argumento, pois ele pode ser sustentado para qualquer direção, com qualquer
justificativa. Como um viciado em estado de negação de seu vício, o eu-poético é capaz
de defender qualquer uma das ponderações.

Nos resta, portanto, apenas escrever.

Bibliografia:

ALEIXO, Ricardo (2017), Antiboi. Belo Horizonte, Crisálida/Lira.


RIBEIRO, Guilherme Trielli (2013), Ricardo Aleixo: Outros, o mesmo. Elyra, 1,
3/2013: pg. 25-38. Porto, Portugal.

MACIEL, Lucas da Costa. 2019. "Perspectivismo ameríndio". In: Enciclopédia de


Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia.
Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/conceito/perspectivismo-amerindio

Letter, 464, To Theo, van Gogh. Nuenen, Thursday, 2 October 1884.


(http://vangoghletters.org/vg/letters/let464/letter.html)

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