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CAPÍTULO 4.

PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

Ao final do capítulo você deverá ser capaz de:


- Entender conceitos termodinâmicos relacionados com trocas de calor e
realização de trabalho, e a partir daí, aplicar a primeira lei da termodinâmica.
- Identificar e caracterizar os processos termodinâmicos. Saber qual a
importância dos processos reversíveis para determinação do trabalho realizado e do
calor transferido.
- Interpretar e representar diagramas termodinâmicos, seja no plano PV , PT
ou VT .
- Definir gases ideais, conhecendo as suas principais características e em que
condições os gases reais podem ser tratados como ideais.
- Aplicar estes conhecimentos na resolução de problemas e questões.

A primeira lei da termodinâmica foi formulada por Helmholtz na metade do


século XIX, baseando-se num princípio fundamental em física: a conservação da energia.
Entretanto, como os processos termodinâmicos envolvem também trocas de calor, além
do trabalho mecânico, este princípio foi ampliado e introduzido o conceito de energia
interna de um sistema <ABRIR LINK> A energia interna de um sistema pode ser
entendida como a soma da energia cinética de todas as partículas que constituem o
sistema somada com a sua energia potencial total, devido à interação entre elas.
<FECHAR LINK>. A energia interna será representada pela letra U .
Da mesma forma como acontece para a energia potencial gravitacional de um
corpo, a variação da energia interna (∆U = U f − U i ) depende apenas dos estados inicial e
final. Como veremos neste capítulo, a primeira lei da termodinâmica nos dá uma relação
para encontrar ∆U a partir do calor transferido e do trabalho realizado, com isso, é
possível definir um valor específico de U para um estado de referência e dessa forma
encontrar a energia em qualquer outro estado.
O estado termodinâmico de um fluido homogêneo (líquido ou gás) é descrito pela
sua pressão ( P ) , volume (V ) e temperatura (T ) , sendo que ele fica inteiramente
determinado por um par destas variáveis, que pode ser ( PV ) e neste caso a temperatura
fica determinada, ou ( PT ) ou (VT ) .
Um sistema termodinâmico é caracterizado por ser capaz de realizar trocas de
energia com sua vizinhança, ou seja, ele interage com o meio ambiente em sua volta. Isso
pode ocorrer através de transferência de calor ou realização de trabalho.
Neste capítulo, iremos abordar a primeira lei da termodinâmica, discutir alguns
processos termodinâmicos a partir da primeira lei e aplicar isso em situações práticas.
Este estudo é importantíssimo para o entendimento de máquinas térmicas, como será
visto mais adiante.

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4.1 Equivalente mecânico de caloria

A relação entre energia mecânica e calor foi estabelecida por Joule em meados do
século XIX, estudando o aquecimento da água quando a mesma era mexida por um
agitador, como ilustrado na figura 4.1. Ele utilizou um recipiente contendo água e
constituído de paredes adiabáticas <ABRIR LINK> As paredes adiabáticas não
permitem troca de calor com o meio externo, constituindo um sistema termicamente
isolado. <FECHAR LINK>, o movimento das pás era controlado pelo trabalho de subida
e descida das massas conectadas ao eixo de giro, permitindo dessa forma calcular o
trabalho realizado pelas pás.

m m

Figura 4.1: Esboço do esquema utilizado por Joule para determinar o equivalente
mecânico de caloria. Consiste de um recipiente com paredes adiabáticas contendo água,
constituído de pás giratórias para agitar a água.

Joule verificou que o aumento da temperatura era proporcional ao trabalho


realizado, sendo que eram necessários 4,186Joules para aumentar a temperatura de
1, 0grama de água de 14,50 C para 15,50 C , o que equivale a 1, 0caloria , então
estabeleceu-se a relação:
1, 0cal = 4,186 J . (4.1)
Além disso, Joule mostrou por métodos diferentes que a mesma quantidade de
trabalho era necessária para ter o mesmo efeito na temperatura. Um outro método foi
utilizar uma resistência elétrica para aquecer a água (é isso que acontece num chuveiro
elétrico), neste caso, o gerador de corrente que alimenta a resistência é que realiza o
trabalho sobre o sistema.
No sistema internacional de medidas (SI) adota-se o Joule como unidade básica
de energia, inclusive para o calor.
Vamos estudar agora algumas formas de transferência de energia entre um
sistema e sua vizinhança, e como isso interfere na energia interna deste sistema.

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4.2 Trabalho adiabático

Vamos considerar um gás em equilíbrio termodinâmico num recipiente de paredes


adiabáticas com um pistão móvel. Esse gás é descrito pela sua pressão inicial ( Pi ) e seu
volume inicial (Vi ) . Quando é realizado um trabalho sobre o sistema, que pode ser
através da colocação de uma massa m sobre o pistão, o sistema tende para uma nova
posição final de equilíbrio com Pf e V f , ver figura 4.2.
<ABRIR QUADRO-DESTAQUE> É importante lembrar que as leis da termodinâmica
podem ser aplicadas apenas nas situações de equilíbrio termodinâmico. Portanto, os
parâmetros do estado final podem ser considerados apenas após este estado ter atingido o
equilíbrio. Sabemos que isso não ocorre durante o deslocamento do pistão pela ação da
força peso da massa, onde ocorrem movimentos turbulentos no gás, portanto estes
estados intermediários não são de equilíbrio. Mais adiante veremos que a condição de
equilíbrio dos estados intermediários é necessária para que se possa obter uma curva num
diagrama PV , tornando o processo reversível. <FECHAR QUADRO-DESTAQUE>.

Paredes
adiabáticas
m

Pi ,Vi
Pf , V f

(a) (b)

Figura 4.2: Ilustração de uma compressão adiabática de um gás através da


colocação de uma massa m sobre um pistão móvel. (a) estado de equilíbrio inicial, antes
de colocar a massa, descrito por Pi e Vi e (b) estado de equilíbrio final, depois de
colocada a massa, descrito por Pf e V f .

Na nova configuração de equilíbrio ( Pf , V f ), percebemos que o volume foi


reduzido e com isso a pressão interna deve ter aumentado. Diz-se que neste processo foi
realizado um trabalho adiabático sobre o sistema, pois não houve troca de calor. Esse
trabalho por sua vez, produz um aumento da energia interna do sistema, que, pelo fato
das paredes não permitir fuga de calor (como no caso do experimento de Joule), reflete
num aumento da temperatura do gás.
Da mesma forma, se agora a massa m for removida na figura 4.2 (b), o gás iria
expandir-se até uma nova posição de equilíbrio, realizando trabalho sobre o pistão e
resultando no seu movimento. Neste caso, diz-se que o sistema realizou trabalho,
causando uma diminuição da energia interna do gás. A partir destas considerações
podemos definir:
∆U = −Wi → f , (4.2)

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ou seja, em um sistema termicamente isolado, a variação da energia interna ∆U é igual
ao trabalho realizado Wi→ f do estado inicial ao estado final. O sinal negativo aparece por
definição histórica do estudo de máquinas térmicas onde padronizou-se que o trabalho é
positivo, W > 0 , quando é realizado pelo sistema e negativo, W < 0 , quando é realizado
sobre o sistema. Portanto, como o trabalho realizado pelo sistema diminui a energia
interna , então coloca-se o sinal negativo na equação (4.2).
A força que as moléculas do gás exercem sobre as paredes de um recipiente está
relacionada com as colisões momentâneas das moléculas com a parede. O trabalho, por
sua vez, na mecânica está associado como um deslocamento durante a aplicação de uma
força. Então, o trabalho é identificado apenas quando ocorre um deslocamento da parede,
que é observado no caso do pistão do exemplo acima.
Considerando A como sendo a área do pistão, a força F sobre ele pode ser
expressa por:
F = P. A, (4.3)
onde, P é a pressão que o gás exerce sobre o pistão <ABRIR LINK> No próximo
capítulo, sobre a teoria cinética dos gases, veremos como a pressão é definida do ponto
de vista microscópico. <FECHAR LINK>. Desta forma, para um deslocamento
infinitesimal dx , o trabalho relativo a esta força é:
d ′W = Fdx = P. Adx,
mas Adx = dV , que representa uma pequena variação de volume, então:
d ′W = PdV . (4.4)
<ABRIR QUADRO-DESTAQUE> A notação d ′W é utilizada para identificar que d ′W
representa apenas uma variação infinitesimal de trabalho, não sendo uma diferencial
exata. Como veremos mais adiante, isso está relacionado com o fato que o trabalho não é
uma função de estado termodinâmico e, portanto, o trabalho realizado depende do tipo de
processo (se adiabático, se isotérmico, etc...). <FECHAR QUADRO-DESTAQUE>.
Então, para uma variação finita de Vi até V f , o trabalho é dado pela integral da
equação (4.4) nestes limites:
Vf

Wi→ f = ∫ PdV .
Vi
(4.5)

Em geral, a pressão do sistema pode variar durante a variação do volume.


Portanto, para calcular o trabalho a partir da equação (4.5) é necessário conhecer o
caminho entre os estados Vi e V f , ou seja, conhecer a função P = P (V ) <ABRIR LINK>
Veremos mais adiante que essa função só pode ser obtida se o processo for reversível.
<FECHAR LINK>.

4.2.1 Análise gráfica

Vamos considerar um processo termodinâmico descrito num diagrama PV , que


ocorre de um estado inicial (1) para um estado final (2) . No gráfico da figura 4.3 estão
ilustrados três caminhos em que o sistema pode evoluir de 1 para 2 . Como a temperatura
fica definida por cada ponto do par ( PV ) do diagrama, cada caminho define como a
temperatura varia ao longo do processo.

4
P
1 c
P1

P2 2
a
a
V1 V2 V

Figura 4.3: Representação de um processo termodinâmico num diagrama PV ,


onde estão ilustrados três caminhos para ir do estado 1 para o estado 2 .

O caminho ao longo da curva b (1b 2) pode representar uma isoterma (onde a


temperatura é constante); os caminhos 1a 2 e 1c 2 são compostos de trechos isocóricos
(volume constante) e isobáricos (pressão constante), respectivamente. A partir da figura
4.3 fica claro que o trabalho realizado neste processo depende do caminho e é obtido pela
equação (4.5), representando a área compreendida entre a curva P = P (V ) e o eixo V , de
V1 até V2 . Por exemplo: a área hachurada na figura representa o trabalho para ir de 1 até
2 pelo caminho 1b 2 . Podemos ver que nos trechos 1c e a 2 , onde a pressão é constante,
da equação (4.5) temos:
W1→c = P1 (V2 − V1 )
Wa →2 = P2 (V2 − V1 ),
que também representam as áreas abaixo da curva para P1 e P2 constantes, entre V1 e V2 .
Como P1 > P2 , vemos que W1→c > Wa →2 , confirmando que o trabalho é diferente de acordo
com o caminho tomado. Nos trechos 1a e c 2 , o trabalho é nulo, pois o volume é
constante.
No caso de um processo cíclico, onde o sistema volta ao estado inicial, o trabalho
total é descrito pela área contida dentro da curva fechada, como mostra a figura 4.4. Num
processo cíclico, a variação total da energia interna é nula ∆U = 0 , isso vem do fato que
a energia interna depende apenas dos estados inicial e final e não do caminho. Portanto, o
trabalho total (quando diferente de zero) está relacionado com uma quantidade de calor
transferida no processo.
P
1
P1

P2
2

V1 V2 V

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Figura 4.4: Representação de um processo termodinâmico cíclico num diagrama
PV . A área achurada dentro da curva indica o trabalho total realizado neste processo.

Através da figura acima podemos ver que o trabalho total será negativo se o ciclo
ocorrer no sentido horário e negativo quando ocorrer no sentido anti-horário. Nestes
processos é correto escrever a equação (4.5) na forma:
Wciclo = ∫ PdV , (4.6)

onde, o símbolo ∫ representa uma integral num cicuíto fechado.

4.3 Transferência de calor

Vamos considerar agora que a passagem do estado de equilíbrio inicial para o


final de um recipiente contendo gás não ocorre pela realização de trabalho adiabático,
mas pela transferência de calor. Neste caso, uma das paredes do recipiente
necessariamente precisa ser diatérmica (que permite a troca de calor) e estar em contato
com um reservatório térmico. Portanto, se não houver realização de trabalho, a variação
da energia interna depende apenas da quantidade de calor transferida:
∆U = Q. (4.7)
Por definição, padronizou-se que a quantidade de calor é positiva, Q > 0 , quando
é fornecido calor ao sistema (aumentando a energia interna) e negativo, Q < 0 , quando é
retirado calor do sistema.

4.4 Primeira lei da termodinâmica

No caso mais geral, em que ocorre transferência de calor e realização de trabalho,


a variação da energia interna depende destas duas componentes e é dada por:
∆U = Q − Wi → f . (4.8)
A equação (4.8) representa a forma analítica da primeira lei da termodinâmica,
que atribui a variação da energia interna ∆U , que não provém do trabalho realizado, ao
calor transferido ao sistema ou retirado do sistema. A primeira lei pode ser enunciada da
seguinte forma:
“A energia interna de um sistema termodinâmico se conserva se for considerada
a transferência de calor”.

4.5 Processos reversíveis

Como dito anteriormente, para determinar o trabalho através da equação (4.5), é


necessário conhecer a função P = P (V ) . Isso só é possível se o processo para levar o
sistema do estado inicial ao final for reversível, neste caso, ele deve necessariamente

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ocorrer de forma quase-estática. Para um processo ser quase-estático, ele deve obedecer
duas condições:
- Ocorrer muito lentamente: esta condição é necessária para se ter uma sucessão
infinitesimal de estados de equilíbrio termodinâmico, com P e V bem definidos;
- O atrito ser desprezível: esta condição é necessária para não haver dissipação de
energia por atrito.
Podemos imaginar uma situação prática disso, considerando o pistão da figura 4.2
(b), onde a massa m é substituída por um monte de areia de igual massa. Se retirarmos
um grão de areia, o sistema tende a buscar uma nova condição de equilíbrio, após o
equilíbrio ser atingido retiramos outro grão de areia e assim por diante, lembrando que
entre a retirada de um grão de areia e outro, esperamos o sistema atingir o equilíbrio
termodinâmico. Se a cada grão retirado medirmos a pressão e o volume, conheceremos os
pontos que ligam os estados inicial e final, e seremos capazes de desenhar a curva
P = P (V ) . Este procedimento permite determinar o caminho que leva do estado inicial ao
estado final, tornando assim possível a utilização da equação (4.5) para cálculo do
trabalho realizado.
Nos processos irreversíveis apenas os estados de equilíbrio inicial e final são
conhecidos (como o exemplo da figura 4.2, onde o caminho de i até f não é conhecido),
sabemos apenas que o trabalho realizado equivale à variação da energia interna, mas não
podemos calculá-lo diretamente com a equação (4.5).
A transferência de calor num processo reversível obedece às mesmas condições
descritas acima, mas agora é a quantidade de calor que deve ser transferida lentamente,
onde a transformação do estado inicial ao final deve passar por uma sucessão densa de
estados de equilíbrio termodinâmico intermediários, permitindo a determinação das
variáveis termodinâmicas durante o processo. Neste caso, podemos utilizar a expressão
para determinação da quantidade de calor, estudada no capítulo anterior:
d ′Q = CdT , (4.9)
onde integrando temos:
Tf

Q = ∫ CdT , (4.10)
Ti

sendo que C = mc é a capacidade térmica. Lembrando que o calor específico c varia de


acordo com o processo: cV para volume constante e cP para pressão constante. Portanto,
a quantidade de calor transferida Q para levar o sistema do estado inicial ao estado final
também depende do caminho, não representando uma função de estado termodinâmico.
Da mesma forma como discutido para o trabalho infinitesimal d ′W , d ′Q também
representa apenas uma quantidade infinitesimal de calor transferida, não constituindo
uma diferencial exata.
<ABRIR QUADRO-DESTAQUE> É interessante notar que a energia interna U de um
determinado estado termodinâmico de equilíbrio não pode ser identificada nem com W ,
nem com Q . É impossível dizer qual proporção de U representa trabalho ou calor. Isso
vem do fato que W e Q não são funções de estado termodinâmico. Os termos calor e
trabalho referem-se sempre a trocas ou fluxos de energia entre um sistema e sua
vizinhança. <FECHAR QUADRO-DESTAQUE>.

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A forma infinitesimal da primeira lei da termodinâmica para um número de moles
fixo é dada por:
dU = d ′Q − d ′W
(4.11)
dU = CdT − PdV .

Exemplo 1: Um sistema termodinâmico é constituído de 3, 0 Kg de água a 800 C .


Mediante agitação da água, se fazem 25 × 103 J de trabalho sobre o sistema e ao mesmo
tempo se removem 15 × 103 cal de calor. Determine: (a) A variação da energia interna
∆U e (b) A temperatura final do sistema.
Solução: (a) Inicialmente precisamos converter a unidade de calor para Joule através da
relação apresentada na equação (4.1):
Q = (15 × 103 )(4,186 J ) = 62,8 × 103 J .
Agora utilizamos a equação (4.8) para determinar ∆U , lembrando da convenção de
sinais: trabalho realizado sobre o sistema W < 0 e calor retirado do sistema Q < 0 , então:
∆U = Q − W = −62,8 × 103 J + 25 ×103 J = −37,8 × 103 J .
Percebemos que a variação da energia interna é negativa, isso quer dizer que foi
removido mais energia em forma de calor do que adicionada em forma de trabalho.
(b) Para encontrar a temperatura final T f precisamos saber a variação de temperatura
∆T = T f − Ti , visto que a temperatura inicial do sistema é conhecida Ti = 800 C . Para isso,
utilizamos a equação (4.9), que relaciona uma quantidade de calor transferida com uma
variação de temperatura: ∆Q = mc∆T , sendo que o calor específico da água é igual a
4,186 ×103 J / Kg.0 C , então:
∆Q (−37,8 × 103 J )
∆T = = 3 0
= −3, 00 C.
mc (3, 0 Kg )(4,186 ×10 J / Kg. C )
Como T f = ∆T + Ti , temos que:
T f = −30 C + 800 C = 77 0 C.

4.6 Aplicação em processos termodinâmicos

Nesta seção, vamos estudar alguns casos específicos de processos termodinâmicos


que ocorrem em várias situações práticas. A identificação do processo envolvido é o
primeiro passo na resolução de problemas que envolvem a primeira lei da termodinâmica.

4.6.1 Processo adiabático

Neste processo não existe troca de calor com o meio externo, ou seja, Q = 0 . Isso
usualmente é conseguido isolando-se termicamente o sistema num recipiente de paredes
adiabáticas. Então a equação (4.8) fica simplesmente:
∆U = −Wi → f . (4.12)

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A variação da energia interna está relacionada apenas com a realização de
trabalho (neste caso, chamado de trabalho adiabático). Como vimos na seção 4.2, no
caso de um gás confinado num recipiente com paredes adiabáticas e um pistão móvel,
quando é realizado trabalho sobre o sistema, tem-se que ∆U > 0 e a energia interna
aumenta, e quando o sistema realiza trabalho, tem-se que ∆U < 0 e a energia interna
diminui. Geralmente este processo resulta também na variação da temperatura.
Processos termodinâmicos suficientemente rápidos, em que não há tempo para
ocorrer uma troca significativa de calor, também podem ser considerados adiabáticos. Por
exemplo: a expansão de vapor numa máquina térmica, o aquecimento do ar quando
bombeamos um pneu de bicicleta, etc...

4.6.2 Processo isocórico

Neste processo o volume não varia, em geral isso significa que o sistema não
realizou trabalho com a sua vizinhança, ou seja, Wi→ f = 0 . Logo pela primeira lei:
∆U = Q. (4.13)
Temos então que a variação da energia interna depende apenas da transferência de
calor, sendo que U aumenta ( ∆U > 0 ) quando é fornecido calor ao sistema e U diminui
( ∆U < 0 ) quando é retirado calor do sistema. Um exemplo disso é o aquecimento de
água em um recipiente cujo volume é mantido fixo.
É importante notar que a realização de trabalho não está vinculada apenas à
variação de volume. É possível realizar trabalho num sistema por agitação, como foi
demonstrado no experimento de Joule, na seção 4.1. Neste exemplo, apesar de se tratrar
de um processo isocórico Wi→ f ≠ 0 .
Uma outra situação interessante de análise é a expansão livre de um gás <ABRIR
LINK> A expansão livre de um gás é um experimento onde um recipiente contendo gás
está ligado por uma válvula com outro recipiente mantido a vácuo. Quando a válvula é
aberta, o gás se expande livremente para o recipiente com vácuo, como o ar não
empurra nenhuma parede no seu movimento o trabalho realizado pelo gás é nulo, apesar
de variar o volume. <FECHAR LINK>. Este não é um processo isocórico, pois o volume
do gás aumenta; entretanto, o gás não realiza trabalho porque não empurra uma parede.

4.6.3 Processo isobárico

A pressão é mantida constante neste processo. Neste caso, em geral nenhuma das
grandezas ∆U , Q e Wi→ f é nula. Entretanto, o cálculo do trabalho é simples, pois a
pressão sai da integral na equação (4.5), resultando na relação:
Wi→ f = P(V f − Vi ) . (4.14)
Isso ocorre, por exemplo, no processo de ebulição da água numa panela aberta,
onde a pressão atmosférica é constante ( Patm = 1, 0atm ). Neste exemplo, a variação da
energia interna é dada por:
∆U = mLV − Patm (Vvapor − Vágua ),
onde, m é a massa de água e LV o calor latente de vaporização da água. Esta variação de
energia interna é interpretada como a energia necessária para romper as forças de atração

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das moléculas no estado líqudo, na transição para o estado gasoso. Obs: Resolva o
problema 2 da lista no final deste capítulo.

4.6.4 Processo isotérmico

Neste processo a temperatura é que permanece constante. Para isso, é necessário


que a transferência de energia ocorra muito lentamente, permitindo que o sistema
permaneça em equilíbrio térmico. Num processo isotérmico, em geral ∆U , Q e Wi→ f
não são nulos.
Um caso especial ocorre para um gás ideal <ABRIR LINK> Os gases ideais
serão estudados na próxima seção. <FECHAR LINK>, para o qual a energia interna
depende apenas da temperatura, sem ser influenciada pelo volume e a pressão. Portanto,
∆U = 0 num processo isotérmico em um gás ideal, logo Q = Wi → f . Ou seja, qualquer
energia que entra no sistema em forma de calor, sai novamente em virtude do trabalho
realizado por ele.

4.6.5 Processo cíclico

Num processo cíclico o sistema volta sempre para o seu estado inicial. Como a
variação da energia interna depende apenas dos estados inicial e final, então ∆U = 0 num
ciclo completo, logo:
Q = Wi→ f , (4.15)
ou seja, a transferência de calor é igual ao trabalho realizado. Este resultado se aplica no
estudo de máquinas térmicas que operam em ciclos repetidos, este é o objeto de estudo da
segunda lei da termodinâmica.
Uma outra situação bem particular em que ∆U = 0 ocorre para um sistema
isolado, que não permite nem troca de calor nem realização de trabalho, ou seja,
Q = Wi→ f = 0 , resultando que a energia interna de um sistema isolado permanece
constante.

Exemplo 2: Um recipiente termicamente isolado, cheio de água, cai de uma altura h do


solo. Considerando que a colisão seja perfeitamente inelástica, onde toda a energia
mecânica se transforma em energia interna da água, qual deve ser a altura para que a
temperatura da água aumente de 1, 00 C ?
Solução: A variação da energia mecânica quando um corpo cai de uma altura h é dada
por mgh , onde g é a aceleração da gravidade e m a massa do corpo. Se a energia
mecânica for totalmente convertida em energia interna e sendo o sistema termicamente
isolado, essa queda acarretará num aumento de temperatura da água equivalente a uma
transferência de energia térmica Q = mc∆T . Então:
mgh = mc∆T .
Para se obter uma aumento de temperatura ∆T = 1, 00 C = 1, 0 K , temos que a altura é:

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c∆T (4,18 ×103 J / Kg.K )(1, 0 K )
h= = = 426,5metros.
g 9,8 N / Kg
É interessante notar que a altura não depende da quantidade de água, ou seja, da massa
m.

Exemplo 3: A partir do diagrama PV da figura abaixo, preencha as lacunas da tabela ao


lado. Os valores em negrito são dados do problema, os outros são os valores calculados,
veja a solução abaixo.
P (N/m2)

2x105
c
Etapa Q(J) W(J) ∆U ( J )
ab 500 800 300
bc -750 -950 -200
ca 0 -100 -100 1x105
abca -250 -250 0 a b
a
5x10-3 10x10-3 V (m3)

Solução: Nesta resolução utilizaremos a primeira lei da termodinâmica, equação (4.8). A


sugestão é inicialmente acrescentar na tabela os valores das grandezas a partir do
conhecimento dos processos termodinâmicos envolvidos em cada etapa, depois realizar
os cálculos das etapas conhecidas. É importante sempre acrescentar os valores na tabela,
porque ao final o trabalho resume-se a somar linhas e colunas.
É fácil perceber que, na etapa ca , o trabalho Wc →a = 0 porque trata-se de um processo
isocórico. Isso quer dizer que Qca = ∆U ca = −100 J . Além disso, sabemos que num ciclo
completo a variação de energia interna é nula, portanto ∆U abca = 0 .
Para determinar o trabalho na etapa ab utilizamos a equação (4.14), pois trata-se de um
processo isobárico. Então:
Wa →b = Pa (Vb − Va ) = (1×105 )(5 × 10−3 ) = 500 J ,
e lembrando que este valor representa a área debaixo da curva ab , entre Va e Vb . Logo,
pela primeira lei encontramos:
∆U ab = Qab − Wa →b = 800 J − 500 J = 300 J .
Observando agora para a última coluna da tabela, sabemos que:
∆U abca = ∆U ab + ∆U bc + ∆U ca . Substituindo os valores conhecidos obtemos que
∆U bc = −200 J .
O trabalho para o sistema ir de b para c pode ser calculado pela área debaixo da curva
entre estes pontos, percebe-se de antemão que este trabalho deve ser negativo porque o
volume diminue, o que representa que o trabalho é realizado sobre o sistema.
( P − P )(V − V )
Wb→c = Pb (Vb − Vc ) + c b b c = −500 J − 250 J = −750 J .
2
Então, utilizando novamente a primeira lei podemos encontrar Qbc :

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Qbc = ∆U bc + Wb→c = −200 J − 750 J = −950 J .
Bom, agora basta somar as colunas para encontrar os valores de:
Wabca = −250 J ,
Qabca = −250 J .

4.7 Gás ideal

As condições físicas ou estado físico de um dado material são descritas pela sua
pressão ( P ), volume ( V ), temperatura ( T ) e sua quantidade (relacionada à massa m ),
sendo que, em geral, não podemos introduzir variações em nenhuma dessas grandezas
sem afetar as outras. Existem casos em que a relação entre estas variáveis é bastante
simples, o que torna possível explicitá-la em termos de uma equação matemática,
chamada de equação de estado. Quando esta relação é complicada, usualmente utilizam-
se gráficos ou tabelas numéricas para facilitar a visualização, mas de qualquer forma a
relação entre as variáveis existe. A seguir vamos discutir a equação de estado de um gás
ideal, que é muito utilizada para explicar o comportamento termodinâmico dos gases.
O conceito de gás ideal traz a idéia que estes gases tendem a apresentar a mesma
relação entre as variáveis P , V , T e m , em qualquer condição. Este é um conceito
idealizado, que na verdade não existe, mas experimentalmente observou-se que os gases
reais seguem uma mesma relação em situações de densidade baixa (quando a distância
entre as moléculas do gás é muito grande) e quando a velocidade de deslocamento das
moléculas que constituem o gás é alta. Isso ocorre quando a pressão é baixa e a
temperatura elevada. <ABRIR QUADRO-DESTAQUE> Veremos no capítulo 5 que
existe uma relação entre a temperatura e a velocidade instantânea de deslocamento das
moléculas do gás <FECHAR QUADRO-DESTAQUE>.
No caso dos gases, é geralmente mais fácil descrevê-los em termos do número de
moles n ao invés da massa. Por definição, um mol de qualquer substância pura equivale a
massa dessa substância (em gramas) igual à massa molecular M . Nas Condições
Normais de Temperatura e Pressão (CNTP), que corresponde a T = 273,15K = 00 C e
P = 1, 0atm = 1, 013 ×105 Pa , a Lei de Avogadro <ABRIR LINK> A principal
contribuição de Avogadro foi perceber que volumes iguais de todos os gases, nas
mesmas condições de temperatura e pressão, contêm o mesmo número de moléculas.
<FECHAR LINK> leva ao resultado importante que 1, 0mol de qualquer gás ocupa
sempre o mesmo volume V = 22, 415litros ; além disso, 1, 0mol de qualquer substância
tem sempre o mesmo número de moléculas, dado pelo chamado Número de Avogadro
N 0 = 6, 023 × 1023 moléculas / mol .
Através de experimentos com vários gases diferentes, que foram inseridos em
cilindros onde era possível controlar P , V e T , mantendo-se fixo o número de moles n
para uma densidade suficientemente baixa de moléculas, observou-se que:
a) Quando a temperatura era mantida constante, a pressão variava inversamente com o
volume ( P ∝ 1/ V ). Daí tiramos que P.V = cte ( cte quer dizer constante), conhecida
como Lei de Boyle.

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b) Quando a pressão era mantida constante, o volume variava diretamente com a
temperatura ( V ∝ T ). Daí tiramos que V / T = cte , conhecida como Lei de Charles e
Gay-Lussac.
Juntando-se as duas observações anteriores, a) e b), podemos escrever uma única
relação entre P , V e T , para o caso de n fixo:
PV PV Pf V f
= cte → i i = , (4.16)
T Ti Tf
onde os índices i e f referem-se aos estados inicial e final do gás. Como o volume
ocupado por um gás, com P e T , é proporcional a sua massa (que está relacionada com
o número de moles), então a constante cte na equação (4.16) deve ser proporcional a n ,
ou seja:
PV = nRT . (4.17)
A princípio R é uma constante a ser determinada para cada gás, mas na condição
de densidade baixa, observou-se que ela tem o mesmo valor para todos os gases.
Portanto, a equação (4.17) é chamada de equação de estado dos gases ideais, onde R é a
constante universal dos gases ideais, dada por R = 8,314 J / mol.K .
<ABRIR QUADRO-DESTAQUE> Na resolução de problemas através da equação (4.17)
é necessário utilizar as unidades do sistema internacional de medidas (SI), para o qual foi
obtido o valor de R = 8,314 J / mol.K . No SI a temperatura é dada na escala Kelvin, o
volume é dado em m3 (lembrando que 1, 0m3 = 1000litros ) e a pressão é dada em Pascal,
1, 0 Pa = 1, 0 N / m2 (lembrando que 1, 0atm = 1, 013 ×105 Pa ). <FECHAR QUADRO-
DESTAQUE>.

Exemplo 4: Uma amostra de 100g de CO2 ocupa o volume de 55litros a 1, 0atm de


pressão. (a) Qual a temperatura da amostra? (b) Se o volume for aumentado para 80litros
e a temperatura for mantida constante, qua a nova pressão? Dados: a massa molecular do
CO2 é M ≈ 44 g / mol .
Solução: (a) Inicialmente precisamos encontrar o número de moles n da amostra, que
pode ser determinado a partir da massa m da amostra e da sua massa molecular M
através da relação:
m 100 g
n= = = 2, 27moles.
M 44 g / mol
Agora podemos determinar a temperatura através da equação (4.17), onde precisamos
lembrar de transformar o volume em litros ( 55litros = 55 × 10−3 m3 ) e a pressão em Pascal
( 1, 0atm = 1, 013 ×105 Pa ), portanto:
PV (1, 013 ×105 Pa)(55 ×10−3 m3 )
T= = = 295, 2 K ≈ 220 C.
nR (2, 27moles )(8,314 J / mol.K )
(b) Para encontrar a nova pressão pelo aumento do volume de 55litros para 80litros com
a temperatura permanecendo constante, podemos usar a relação P.V = cte :
Pi .Vi = Pf .V f = (1, 0atm)(55litros ) = Pf .(80litros )
Pf = 0, 688atm.

13
4.7.1 Energia interna de um gás ideal

Vamos realizar aqui uma discussão qualitativa para chegar a conclusões sobre a
energia interna de um gás ideal <ABRIR LINK> No capítulo seguinte, que trata da
Teoria Cinética dos Gases será apresentada uma dedução um pouco mais rigorosa.
<FECHAR LINK>. Para isso, consideremos a expansão livre de um gás, neste processo o
gás é mantido num recipiente com um determinado volume conectado por uma válvula a
outro recipiente no qual foi produzido vácuo. Consideremos ainda que este sistema está
isolado termicamente através de paredes adiabáticas. Quando a válvula é aberta o gás se
expande livremente, ocupando assim um volume maior, portanto, percebe-se uma
variação do volume e da pressão do gás. Como o gás não realiza trabalho porque não
empurra nenhuma parede e como não há troca de calor com meio externo, pela primeira
lei da termodinâmica a variação da energia total do gás é nula, ∆U = 0 . Se suposermos
que a temperatura do gás se manteve constante neste processo, é possível afirmar que a
energia interna depende unicamente de T , e não tem relação alguma com P e V , mas
isso é verdade?
É importante perceber que as considerações acima são válidas para qualquer gás,
seja ele ideal ou não, pois baseiam-se unicamente na primeira lei da termodinâmica.
Medidas realizadas com o experimento de expansão livre de um gás trouxeram a resposta
para a questão acima e comprovaram que para gases reais ocorre uma pequana
diminuição da temperatura, apesar da energia interna permanecer constante. Neste caso, a
energia interna depende também de P e V . Entretanto, a variação da temperatura cai pra
zero quando a densidade do gás for pequena, ou seja, para um gás ideal. Portanto, para
gases ideais, a energia interna depende unicamente da temperatura, U = U (T ) . Esta
propriedade combinada com a equação de estado dos gases ideais (4.17) constituem o
modelo de um gás ideal.

4.7.2 Capacidade térmica de um gás ideal

No capítulo anterior discutimos que as capacidades térmicas para gases podem ser
bem diferentes, dependendo de como a variação de temperatura ocorre: a pressão
constante ou a volume constante; o que está relacionado com os calores específicos cP e
cV . Vamos discutir estas diferenças através dos dois caminhos ( a e b ) pelos quais é
possível passar da isoterma T1 para a isoterma T2 , onde T2 > T1 , como ilustrado na figura
4.5. O caminho a representa um processo isocórico ( V constante) enquanto o caminho
b um processo isobárico ( P constante).
<ABRIR QUADRO-DESTAQUE> As isotermas são obtidas considerando-se a
1
temperatura constante na equação (4.17), de onde obtemos que P ∝ T . É fácil ver que
V
as curvas T1 e T2 na figura 4.5 representam temperaturas constantes, onde T2 > T1 , e são
obtidas quando representamos a função P = P (V −1 ) num diagrama PV . <FECHAR
QUADRO-DESTAQUE>.

14
P

P2
a

P1 b T2

T1

V1 V2 V

Figura 4.5: Representação esquemática de duas isotermas ( T1 e T2 ) num


diagrama PV , onde a passagem de T1 para T2 pode ocorrer por processo isocórico ( a )
ou isobárico ( b ).

Sendo CM = Mc a capacidade térmica molar de um gás ideal, temos que a


quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de n moles do gás de T1 para T2
é dada por:
d ′Q = nCM dT . (4.18)
Como d ′Q depende do caminho pelo qual se faz a transferência de calor, o que está
relacionado com o fato das capacidades térmicas serem diferentes se o processo ocorre a
volume constante ou a pressão constante, então definimos:
d ′QV = nCMV dT (volume constante),
d ′QP = nCMP dT (pressão constante).
Agora vamos aplicar a primeira lei da termodinâmica aos caminhos a e b da
figura 4.5:
- O caminho a ocorre a volume constante, isso significa que não existe realização de
trabalho, então pela primeira lei temos:
dU a = d ′QV = nCMV dT . (4.19)
- O caminho b ocorre a pressão constante, percebemos então que além da transferência
de calor existe também realização de trabalho, que é dado pela equação (4.4):
d ′W = PdV , logo:
dU b = d ′QP − d ′W = nCMP dT − PdV , (4.20)
sendo que através da equação de estado dos gases ideais (4.14): PdV = nRdT , pois a
pressão é constante. Como discutido anteriormente, a variação da energia interna de um
gás ideal depende apenas da variação da temperatura, portanto podemos igualar as
equações (4.19) e (4.20), pois em ambos os caminhos a variação de termperatura é a
mesma, logo dU a = dU b :
nCMV dT = nCMP dT − nRdT ,
dividindo ambos os lados por ndT , resulta que:
CMP = CMV + R. (4.21)

15
A equação (4.21) mostra que para gases ideias a capacidade térmica molar a
pressão constante é sempre maior que a capacidade térmica a volume constante. Isso vem
do fato que no processo isobárico existe também realização de trabalho. Além disso, a
diferença entre as duas capacidades térmicas é dada pela constante universal dos gases
ideais ( R ).
Na tabela 1 apresentamos os valores de CMP e CMV medidos para alguns gases a
baixa densidade. De acordo com o modelo cinético teórico (o qual será visto em detalhes
3 5
no próximo capítulo) CMV = R , resultando que CMP = R e, por conseguinte:
2 2
CMP 5
γ= = = 1, 67 . Este modelo considera que as moléculas do gás possuem apenas
CMV 3
energia cinética de translação, o que atende muito bem para gases monoatômicos. Para
gases constituídos de moléculas com mais de um átomo, outros efeitos precisam ser
considerados, como a rotação e vibração das moléculas, resultando num aumento da
5 7
energia interna do gás. Para gases diatômicos: CMV = R → γ = = 1, 40 , o que também
2 5
concorda com os valores medidos. Portanto, vemos que o modelo de gás ideal apresenta
boa concordância para gases monoatômicos e diatômicos, mas começa a falhar para gases
mais complexos.

Tabela 1: Valores experimentais de CMP e CMV para alguns gases com densidade
pequena.
Tipo de gás Gás CMP CMV CMP - CMV =R CMP
γ=
(J/mol.K) (J/mol.K) (J/mol.K) CMV
Monoatômico He 20,78 12,47 8,31 1,67
Ar 20,78 12,47 8,31 1,67
Diatômico H2 28,74 20,42 8,32 1,40
N2 29,07 20,76 8,31 1,40
O2 29,17 20,85 8,31 1,40
Poliatômico CO2 36,94 28,46 8,48 1,30
SO2 40,37 31,39 8,98 1,29
H 2S 34,60 25,95 8,65 1,33

CMP
A constante adimensional γ = é sempre maior do que 1 para gases; esta
CMV
grandeza desempenha um papel importante no processo adiabático de um gás ideal, o que
será visto a seguir.
Vamos analisar uma expansão isotérmica de um gás ideal, por exemplo: de V1 até
V2 ao longo da curva T1 na figura 4.5. Como a temperatura não varia ao longo da
isoterma, a energia interna permanece constante ( ∆U = 0 ), pois U = U (T ) . Então pela
primeira lei temos que Q = Wi → f , ou seja, a quantidade de calor transferida é igual ao
trabalho realizado, que é determinado por:

16
V2 V2
1
W1→2 = ∫ PdV = nRT ∫ dV ,
V1 V1
V
V 
W1→2 = nRT [ ln V2 − ln V1 ] = nRT ln  2  . (4.22)
 V1 
V2
Pela equação (4.22) vemos que quando V2 > V1 o logaritmo neperiano de é
V1
positivo, o que significa que o sistema realiza trabalho ( W1→ 2 > 0 ) e quando V2 < V1 o
trabalho é negativo, como era de se esperar.

4.7.3 Processo adiabático de um gás ideal

Num processo adiabático sabemos que não há troca de calor, portanto d ′Q = 0 .


Então, a primeira lei nos dá que:
dU = − d ′W = − PdV ,
mas vimos pela equação (4.19) que a variação da energia interna de um gás ideal pode ser
escrita como:
dU = nCMV dT , (4.23)
<ABRIR QUADRO-DESTAQUE> É importante lembrar que a energia interna depende
apenas da temperatura, então a variação da energia interna depende unicamente da
variação da temperatura em qualquer tipo de processo. Portanto, se a equação (4.19) for
válida para um gás ideal em um determinado processo (neste caso, isocórico), ela será
válida para um gás ideal em qualquer outro tipo de processo com o mesmo dT .
<FECHAR QUADRO-DESTAQUE>
logo,
nCMV dT = − PdV . (4.24)
Através da diferenciação da equação de estado dos gases ideais (4.14), obtemos
que:
PdV + VdP = nRdT ,
substituindo na equação (4.23):
VdP = − PdV + nRdT = nCMV dT + nRdT ,
VdP = n ( CMV + R ) dT = nCMP dT . (4.25)
Isolando-se dT na equação (4.24) e substituindo-se na equação (4.25), tem-se:
C
VdP = − MP PdV = − γPdV ,
CMV
que podemos reescrever na forma,
dP dV
= −γ . (4.26)
P V
Integrando-se ambos os lados da equação (4.26) entre os estados iniciais ( Pi , Vi ) e
os estados finais ( Pf , V f ):

17
−γ
 Pf   Vf   Vf 
ln   = − γ ln   = ln   ,
 Pi   Vi   Vi 
logo, aplicando-se a operação exponencial em ambos os lados:
γ
Pf V 
=  i  → Pf V f γ = PV i i .
γ
(4.27)

Pi  V f  
A equação (4.27) nos diz que PV γ = cte num processo adiabático. Uma
conseqüência do fato que γ > 1 para gases ideais é que num diagrama PV as curvas
adiabáticas são sempre mais inclinadas que as isotermas <ABRIR LINK> Lembrando
que para temperatura constante a equação de estado dos gases ideais pode ser escrita
como PV = cte , o que equivale a ter γ = 1 . <FECHAR LINK>. Portanto, uma expansão
adiabática de um gás ideal é sempre acompanhada por uma redução da temperatura, por
causa da diminuição da energia interna provocada pelo trabalho realizado pelo sistema. Já
numa compressão adiabática observa-se um aumento da temperatura do gás, devido ao
trabalho realizado sobre ele, aumentando assim a sua energia interna.
Para obtermos uma relação entre a temperatura e o volume num processo
adiabático de um gás ideal, basta substituir a pressão na equação (4.27) utilizando-se a
nRT
equação de estado dos gases ideais: P = . Faça as contas e mostre que:
V
T f V f γ −1 = TV
i i
γ −1
→ TV γ −1 = cte. (4.28)
Vamos determinar agora o trabalho realizado por um gás num processo
adiabático, para variar a temperatura de um estado inicial até um estado final. Como
d ′Q = 0 , temos que d ′W = − dU , sendo que podemos utilizar a equação (4.23) para dU .
Então:
d ′W = − nCMV dT .
Diferenciando a equação acima temos: W f →i = − nCMV (T f − Ti ) , ou seja,
Wi→ f = nCMV (Ti − T f ) . (4.29)
Dessa forma, sabendo-se o número de moles e as temperaturas inicial e final
pode-se calcular o trabalho a partir da equação (4.29). Esta equação pode ser reescrita
utilizando-se a equação de estado dos gases ideais para torná-la dependente da pressão e
PV PV PV
do volume: T = , ou seja, Ti = i i e T f = f f , logo:
nR nR nR
CMV
Wi→ f =
R
( PVi i − Pf V f ) ,
C 1
mas, MV = (esta expressão pode ser obtida através da equação (4.21) e a relação
R γ −1
C
γ = MP , faça esta demonstração como exercício). Então:
CMV
1
Wi→ f =
γ −1
( PVi i − Pf V f ) . (4.30)

18
Analisando-se as equações (4.29) e (4.30), vemos que se o processo adiabático for
uma expansão a temperatura do gás diminui ( T f < Ti → Pf V f < PV i i ), resultando num

trabalho positivo, que por sua vez diminui a energia interna do gás. No caso de uma
compressão ocorre o inverso e o trabalho é negativo. Vemos portanto, que estes
resultados condizem com as definições iniciais dos sinais do trabalho a partir da primeira
lei da termodinâmica.

3
Exemplo 5: Um mol de gás Hélio, com CMV = R , inicialmente a 10atm e 00 C , sofre
2
uma expansão adiabática reversível, como primeiro estágio num processo de liquefação
do gás, até atingir a pressão atmosférica. Vamos considerá-lo como sendo um gás ideal.
(a) Calcule a temperatura final do gás. (b) Calcule o trabalho realizado na expansão.
Solução: (a) Neste processo, todas as três variáveis termodinâmicas variam ( P , V e T ).
Então, para determinar a temperatura final, precisamos inicialmente calcular os volumes
inicial e final. Para isso, vamos recorrer a equação de estado dos gases ideais:
PV = nRT , lembrando que 10atm = 1, 013 × 106 N / m 2 e 00 C = 273K , logo:
nRTi (1mol )(8,31J / mol.K )(273K )
Vi = = 6 2
= 2, 2 × 10−3 m3 = 2, 2litros.
Pi 1, 013 × 10 N / m
3 5
Sendo CMV = R e usando a equação (4.21) obtemos que CMP = R , e portanto,
2 2
CMP 5
γ= = . Então, podemos utilizar a equação (4,27) para encontrar o volume final.
CMV 3
5 2 5/ 3
i i → (1, 013 × 10 N / m )V f
Pf V f γ = PV γ
= (1, 013 × 106 N / m 2 )(2, 2 × 10−3 m3 )
V f = (10)3/ 5 (2, 2 × 10−3 m3 ) = 8, 75 ×10−3 m3 = 8, 75litros.
Agora podemos utilizar novamente a equação de estado dos gases ideais para achar a
temperatura do estado final,
PV (1, 013 × 105 N / m2 )(8, 75 × 10−3 m3 )
Tf = f f = = 107 K = −1660 C.
nR (1mol )(8,31J / mol.K )
(b) Numa expansão adiabática d ′Q = 0 , ou seja, dU = − d ′Wi→ f , então podemos utilizar a
equação (4.23):
3 
dU = nCMV dT = (1mol )  × 8,31J / mol.K  (−1660 C )
2 
dU = −2.069 J .
Então, d ′Wi→ f = 2.069 J .

7
Exemplo 6: 1, 0litro de H 2 , para o qual γ = , a pressão de 1, 0atm e temperatura de
5
27 0 C , é comprimido adiabaticamente até o volume de 0,5litro e depois resfriado a
volume constante até voltar à pressão inicial. Finalmente, por expansão isobárica, volta
ao estado inicial. Considere como sendo um gás ideal. (a) Represente o processo no plano

19
PV , indicando P (atm) , V (litro) e T ( K ) para cada vértice do diagrama. (b) Calcule o
trabalho total realizado.
Solução: (a) Inicialmente, precisamos identificar os vértices do diagrama e os dados que
já constam no problema. Assim vamos chamá-los de A , B e C onde:
- Em A : VA = 1, 0litro , PA = 1,0atm e TA = 27 0 C = 300 K ;
- Em B : VB = 0,5litro , PB e TB ;
- Em C : VC = 0,5litro , PC = 1, 0atm e TC .
Além disso, é importante identificar os processos que levam de um vértice para outro:
- A → B : compressão adiabática;
- B → C : resfriamento a volume constante (isocórico);
- C → A : expansão a pressão constante (isobárico).
Agora podemos começar a calcular os valores que faltam.
No processo A → B usamos a equação (4.27) para encontrar PB :
PBVB γ = PAVA γ → PB (0,5 × 10−3 m3 )7 / 5 = (1, 013 × 105 N / m 2 )(1, 0 × 10−3 m3 )7 / 5
PB = (2)7 / 5 (1, 013 × 105 N / m2 ) = 2, 67 ×105 N / m 2 = 2, 64atm.
Agora para encontrar TB , podemos utilizar a equação (4.16):
PBVB PAVA PV
= → TB = TA B B
TB TA PAVA
(0,5litro)(2, 64atm)
TB = (300 K ) = 396 K .
(1, 0litro)(1, 0atm)
A única variável que ainda falta calcular é TC , e como o processo B → C ocorre a
volume constante, então podemos utilizar a relação:
P P P
= cte → C = B
T TC TB
PC  1, 0atm 
TC = TB = (396 K )   = 150 K .
PB  2, 64atm 
O diagrama PV deste processo está representado na figura abaixo:

P(atm)

B TB=396K
2,64

TA=300K
C
1,0 A
TC=150K

0,5 1,0 V(litros)

20
(b) O trabalho total é igual a soma dos trabalhos em cada uma das etapas:
Wtotal = WA→ B + WB →C + WC → A .
Na etapa A → B , trata-se de um trabalho adiabático, portanto podemos utilizar tanto a
equação (4.29) como a equação (4.30), vamos usar aqui a primeira opção e fica sugestão
para você conferir o resultado com a outra equação.
WA→ B = nCMV (TA − TB ) , o número de moles pode ser determinado através da equação de
PAVA 7 5
estado dos gases ideais, onde n = , além disso vimo que para γ = → CMV = R ,
RTA 5 2
logo:
5 PV  5  (1, 013 × 105 N / m 2 )(1, 0 × 10−3 m3 ) 
WA→ B =  A A  (TA − TB ) =   (−96 K ) = −81J .
2  TA  2 300 K 
O trabalho na etapa B → C é nulo, WB →C = 0 , porque o volume não varia.
Na etapa C → A , a pressão é constante, então utilizamos simplesmente a equação:
WC → A = P (VA − VC ) = (1, 013 × 105 N / m 2 )(0,5 × 10−3 m3 ) = 50, 6 J .
Portanto, o trabalho total é dado por:
Wtotal = WA→ B + WC → A = −81J + 50, 6 J = −30, 4 J .
Observe que o trabalho total é negativo, isso condiz com o fato de ser um processo
cíclico no senti anti-horário, como discutido anteriormente.

4.8 Resumo

- A primeira lei da termodinâmica está relacionada com o princípio de conservação da


energia interna de um sistema, e pode ser enunciada da seguinte forma: “A energia
interna de um sistema termodinâmico se conserva se for considerada a transferência
de calor”.
- A expressão matemática que identifica a primeira lei é:
∆U = Q − Wi→ f ,
onde se adota a seguinte convenção de sinais:
Q > 0 , quando for transferido calor ao sistema, contribuindo para o aumento de U ;
Q < 0 , quando for retirado calor do sistema, contribuindo para a diminuição de U ;
Wi→ f > 0 , quando o sistema realiza trabalho, contribuindo para a diminuição de U ;
Wi→ f < 0 , quando é realizado trabalho sobre o sistema, contribuindo para o aumento
de U .
- O caminho percorrido pelo sistema entre um estado inicial e final só é conhecido se o
processo termodinâmico for reversível, para isso, ele deve necessariamente ocorrer de
forma quase-estática. Essa condição é essencial para permitir o cálculo do trabalho
realizado e o calor transferido em um sistema.
- Processos termodinâmicos:
a) Adiabático: o sistema não troca calor com o ambiente, Q = 0 .

21
b) Isocórico: o volume permanece constante, em geral, Wi→ f = 0 ;
c) Isobárico: a pressão permanece constante;
d) Isotérmico: a temperatura permanece constante;
e) Cíclico: o sistema retorna ao estado inicial, ∆U ciclo = 0 .
- A equação de estado dos gases ideais é dada por:
PV = nRT ,
onde R = 8,314 J / mol.K é a constante universal dos gases ideais e n é o número de
moles.
- A energia interna de um gás ideal depende apenas da temperatura: U = U (T ) .

4.9 Bibliografia básica

- Curso de Física Básica, Volume 2, H. Moysés Nussenzveig, Editora Edgard Blücher


LTDA, São Paulo.
- Física, volume 1 (quinta edição), Paul A. Tipler e Gene Mosca, LTC Editora, Rio de
Janeiro.
- Física, volume 2, R. Resnick e D. Halliday, LTC Editora, Rio de Janeiro.
- Sears e Zemansky, Física II – Termodinâmica e Ondas (décima edição), Young &
Freedman, Editora Pearson / Addison Wesley, São Paulo.

4.10 Bibliografia complementar comentada

1) Na seção “17.2 Sistemas termodinâmicos”, do livro: Sears e Zemansky, Física II –


Termodinâmica e Ondas (décima edição), você pode obter mais detalhes sobre sistemas
termodinâmicos.
2) Na seção “22.6 Calor e trabalho”, do livro: Física, volume 2, R. Resnick e D. Halliday,
existe uma discussão interessante sobre a relação entre calor e trabalho na primeira lei da
termodinâmica.
3) Para saber mais sobre processos reversíveis sugere-se a leitura da seção “8.6 Processos
reversíveis”, do livro: Curso de Física Básica, Volume 2, H. Moysés Nussenzveig.
4) Para saber mais sobre de gases ideais sugere-se a leitura do capítulo 23 “Teoria
cinética dos gases I, seção 23.1 e 23.2”, do livro: Física, volume 2, R. Resnick e D.
Halliday.

22

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