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DIREITO PENAL:
PARTE ESPECIAL
Parte Especial
RUI SANHÁ
LIÇÕES DE
DIREITO PENAL:
Parte Especial
PARTE ESPECIAL
Parte Especial
Sumários desenvolvidos das aulas do Direito Penal II,
Ministradas ao 5.º Ano tronco Comum do ano Letivo de
2020/2021
RUI SANHÁ
Índice
1.1 AS RELAÇÕES ENTRE A PARTE GERAL (PG) E A PARTE ESPECIAL (PE) DO DIREITO
PENAL (DP) E A ESTRUTURA SISTEMÁTICA DA PARTE ESPECIAL ..................................... - 9 -
1.1.1 CONEXÃO ENTRE A PARTE GERAL E A PARTE ESPECIAL. A «FUNÇÃO DE
PARÊNTESIS» («KLAMMERFUNKTION») DA PARTE GERAL: A FORMAÇÃO DO TIPO
SISTEMÁTICO E DO TIPO DE GARANTIA. .................................................................................- 9 -
1.2 A ORGANIZAÇÃO SISTEMÁTICA DA PARTE ESPECIAL ............................................ - 10 -
1.2.1 OS CRITÉRIOS DE ORDENAÇÃO DOS TIPOS DE CRIME ..................................................- 10 -
1.2.1.1 Os critérios internos e externos de ordenação dos tipos .................................... - 10 -
1.2.1.1.1 Critérios gerais ou externos de sistematização ................................................ - 10 -
A) Críticas ......................................................................................................................... - 11 -
1.2.1.1.2 Critérios internos ou específicos de sistematização ......................................... - 12 -
1.2.1.2 A insuficiência do bem jurídico como critério de sistematização e de
interpretação dos tipos de crime ......................................................................................... - 13 -
1.2.1.2.1 Outros critérios de ordenação: exemplificação. .............................................. - 13 -
2. O TIPO OBJETIVO................................................................................................ - 65 -
6. AS AGRAVAÇÕES ................................................................................................ - 67 -
2. CONCURSO ........................................................................................................... - 68 -
1. ENQUADRAMENTO ............................................................................................. - 72 -
1.7 CONCURSO ENTRE CRIMES CONTRA A VIDA E CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA-
89 -
CAPITULO XII CRIMES CONTRA A VIDA PRIVADA (ART.º 139 E SEGUINTES) ..-
109 -
Sumário: 1. - Da dogmática da Parte Especial (PE); 1.1 - As relações entre a Parte geral (PG) e a Parte Especial (PE)
do Direito Penal (DP) e a estrutura sistemática da PE; 1.1.1 - a Conexão entre a PG e a PE: a «Função de
parêntesis» («Klammerfunktion» da PG: a Formação do tipo sistemático e do tipo de garantia; 1.2 – A
organização sistemática da PE; 1.2.1 – Os critérios da ordenação dos tipos de crime; 1.2.1.1 – Os critérios
internos e externos da ordenação dos tipos; 1.2.1.1.1 - Os critérios gerais ou externos de sistematização; a)
- Críticas; 1.2.1.1.2 - Critérios ou específicos de sistematização; 1.2.1.2 - A insuficiência do bem jurídico
como critério de sistematização e de interpretação dos tipos de crime; 1.2.1.3 - Outros critérios de
ordenação: exemplificação.
1.1 As relações entre a Parte Geral (PG) e a Parte Especial (PE) do Direito
Penal (DP) e a Estrutura sistemática da Parte Especial
i) o crime doloso;
ii) a moldura penal superior a três anos; ou, em alternativa
iii) a lei o dizer expressamente.
seria punível porque se trata de um crime negligente; salvo se o próprio art.º 111.º o
dissesse expressamente.
Diz-se que “a cuja consumação corresponde pena superior a 3 anos” porque a tentativa é uma
forma especial de crime e à ela corresponde a pena de consumação especialmente
atenuada. O tipo do art.º 145.º é um crime doloso. Logo, admite-se, em princípio, a
hipótese de a tentativa ser punível, por estar preenchido o primeiro requisito que é de o
crime ser doloso; por não se encontrar solucionado o passe seguinte, que é do
preenchimento do segundo requisito que é de a moldura penal ultrapassar os três anos,
não poderia haver a punibilidade da tentativa salvo se a lei o dissesse expressamente que
a tentativa é punível como o fez no nº 2 do mesmo preceito.
1
Que justifica aqui uma abordagem especial por não ser fácil entender a sua colocação e formulação,
é aquele segundo o qual, os tipos de ilícito devem ser ordenados em função dos motivos ou segundo a sua
objetividade.
encontrar o crime de roubo, devo ir para o capítulo respeitante aos crimes contra o bem
jurídico património, e assim por diante.
O critério do bem jurídico tutelado assenta no primado do bem jurídico como critério
de sistematização dos tipos incriminadores da parte especial de um código penal
moderno. Segundo a formulação de SILVA DIAS (2007, p. p. 11.)2, o bem jurídico e a
ofensa ao bem jurídico constituem critérios fundamentais de merecimento de pena e,
consequentemente, de seleção dos comportamentos puníveis
Para o critério dos meios utilizados, os tipos são arrumados consoante os meios que
forem empregues na sua realização. Por exemplo: os crimes cometidos mediante
violência (roubo, homicídio, etc., estariam no mesmo capítulo); os crimes cometidos
mediante fraude (por exemplo burla, fraude sexual – que existe no Direito português –
estariam no mesmo capítulo.
Segundo o critério dos motivos do crimes, os tipos de ilícitos devem ser ordenados
em razão dos motivos da sua realização. NELSON HUNGRIA (2018, p. 3 e ss.) cita
Lombardi para asseverar que
A) Críticas
2 AUGUSTO SILVA DIAS, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, em Materiais para o
Estudo da Parte Especial do Direito Penal 5, 2.ª edição, revista e atualizada, Lisboa: AAFDL, 2007.
por exemplo: podíamos ter crimes contra a vida e os crimes contra o património no
mesmo capítulo bastando para isso que o legislador decida punir estes últimos com a
moldura penal igual ou próxima da dos primeiros.
Como se pode constatar, o critério mais lógico e por isso mais utilizado, é o do bem
jurídico tutelado porque é um critério que facilita a localização como tem correta lógica
de arrumação.
3
Ibid.
móvel4 com intenção de apropriação para si ou para outrem” (a figura do art.º 145.º)
para se preencher o tipo destes crimes. Etc.
O critério da conduta lesiva central tem, pois, a ver com o preenchimento do tipo base
ou fundamental do crime; o preenchimento do tipo sui generis5.
Por não se revelar suficiente o critério do bem jurídico como critério de ordenação e
de interpretação dos tipos, o legislador muitas das vezes recorre a outros critérios
complementares para completar o processo de ordenação realizada na parte especial do
código penal (CP). É o que o nosso legislador penal fez lançando mão de outros critérios,
nomeadamente os critérios da qualidade do agente nos crimes funcionais [art.º
247.º(corrupção), art.º 249 (peculato), 232.º (prevaricação) e 233.º (prevaricação de
advogado ou solicitador)], dos meios utilizados no cometimento do crime nos crimes de
perigo (art.ºs 211.º e 212.º: crimes de atentado contra os meios de transporte e de
condução perigosa respetivamente) e do bem jurídico finalmente protegido/tutelado nos
crimes complexos [art.º151.º, (crime de roubo) etc.].
II
Os crimes funcionais são aqueles em que a qualidade do agente releva para o seu
cometimento.
Crimes de perigo são aqueles em que há uma antecipação da tutela penal. Crimes
deste tipo são cada vez mais frequentes nas sociedades atuais, caracterizadas pelo risco.
Modalidades de perigo: perigo pode ser abstrato (ex.: art.ºs 203.º/1, 206.º, 207.º,
208.º, n.º1; 210.º, etc.), concreto (ex., 113.º/1, 212.º/1, etc.) e abstrato concreto (ex., art.ºs
209.º/1, 211.º/1, etc.).
Os crimes complexos são aqueles em que o agente preenche vários atos com a sua
conduta onde alguns atos constituem crimes meios para atingir o crime fim.
4 O s.n.
5 Quanto à distinção entre os crimes sui generis e os derivados, temos como exemplos, os seguintes (e
respeitam a classificação dos crimes segundo o momento da sua formação):
Os crimes “sui generis” ou autónomos [art.º 114.º (ofensas corporais simples), art.º107.º (homicídio
simples)] ou derivados [art.º115.º (ofensas corporais graves), art.º108.º (homicídio agravado)]. Os
derivados são crimes construídos a partir de um crime base.
Sumário: 1 - Dos crimes contra as pessoas; 1.1 – Crimes contra a vida; 1.1.1 – Introdução; 1.1.1.1 - A determinação
dos bens jurídicos fundamentais: a função do bem jurídico imanente ao sistema; 1.1.1.2 – O bem jurídico
protegido/tutelado nos crimes contra a vida: a delimitação temporal do bem jurídico e a sua necessidade
para o Direito Penal; 1.1.1.2.1 – O início da vida para o DP; 1.1.1.2.2 – O termo da vida para o DP; 1.2 -
Outras situações com relevância penal relativamente aos crimes contra a vida; 1.2.1 – A eutanásia; 1.2.2 -
Eutanásia e Distanásia: Conceitos e Caraterização; 1.2.2.1 – Breve relance histórico; 1.2.3 - Modelos de
construção do tipo sistemático do crime contra a vida: dualista e monista.
1.1 Introdução
Nos tempos passados, direito penal positivo dos estados tinha a ordem de prioridade
diferente nos catálogos dos tipos de ilícitos. Como exemplo, podemos tomar as partes
especiais dos códigos penais de 1852 e de 1886 que vigorou na Guiné-Bissau, por força
da lei n.º 1/1974, até a entrada em vigor, em 1993, do novo CP. Assim como também em
Portugal até a entrada em vigor do CP de 1982, cuja versão originária foi a fonte principal
do CP guineense de 1993.
II. Nesse código penal de 1886 (PORTUGAL: Código Penal, 1886)6, o legislador
adotou uma ordenação sistemática que, no Livro II,— que trata da Parte Especial,
composta de seis Títulos sobre os crimes e um (o sétimo) sobre contravenções de
polícia— colocou em primeiro plano os valores constitucionais que atinem ao
Estado, à pessoa do rei, tratando dos crimes contra a instituição do rei, o seu
império, a sua religião (a religião católica, apostólica romana, etc.); ocupando os
três primeiros longos primeiros Títulos para só depois, no Título IV, vier a falar
dos crimes contra as pessoas. Com efeito, o CP a parte especial do código de 1886
apresentava a seguinte arrumação sistemática:
Mas tal situação não deixa a pessoa humana enquanto individuo à descoberta da
proteção penal. Os códigos penais continuam a testemunhar isso ao colocar os crimes
contra a vida em primeiro lugar na sistematização.
Uma vez que o bem jurídico tutelado no crime de homicídio é a “vida humana”, a
doutrina “penal” costuma iniciar o estudo deste crime com a delimitação do que seja a
vida humana, o seu início e o seu termo.
A vida humana corresponde ao ser humano que tem a sua existência desde a nidação
que é a fixação do óvulo fecundado no útero da mulher. Este facto ocorre cerca de 14 dias
desde o encontro ou cruzamento do espermatozoide com o óvulo.
Mas o momento marcante para o efeito do direito penal e que vamos adotar, como é
de costume em tratamento penal desta matéria, é o da nidação e que é a tal fixação do
óvulo fecundado no útero da mulher.
A partir desse período até ao nascimento, temos aquele hiato a que se denomina
período de gravidez. Tudo que ocorre durante esse lapso de tempo no sentido de
eliminação do produto da conceção e que é o feto, é enquadrado como aborto, e tudo que
ocorre depois desse transcurso, é homicídio. A vida do feto é a vida intrauterina. Por isso,
muitos códigos penais falam do bem jurídico vida-intrauterina relativamente ao aborto,
de “vida humana” extrauterina como bem jurídico tutelado no homicídio.
E quando é que começa a “vida” para os efeitos de homicídio? Quando é que podemos
dizer que estamos perante a “vida humana” para os efeitos do homicídio?
Através de vários métodos um dos quais e o mais utilizado foi docimasias que é uma
técnica de imersão de pulmões do recém-nascido defunto na água para obter ou não
bolhas do ar nessa água. Se sair bolhas na água, concluía-se que nasceu com vida porque
chegou de respirar ar. Caso contrário, concluía-se pelo não nascimento com vida por não
ter chegado a respirar ar no momento do nascimento completo.
Este critério tradicional do nascimento completo com vida é hoje bastante minoritário
na medida em que, em virtude da larga autonomia científica do direito penal já há muito
tempo, tem-se baseado o direito penal em considerações de natureza probatória científica
que mostra que o respirar ar por exemplo é falível como método porque, no processo do
nascimento, antes de o feto se separar completamente do corpo da mãe – a tal expulsão
para fora do corpo da mãe completamente, ou a desligação do nascituro do corpo
incluindo do seu umbigo – pode o nascituro engolir porção de ar, o que pode levar ao
engano de que tenha nascido com vida naquele momento.
Por isso, surgiu a teoria ou critério dos trabalhos do parto para o qual a vida
começa para o efeito do homicídio com os trabalhos do parto. Trabalhos do parto é o
ato do nascimento. E o inicio dos trabalhos do parto corresponde exatamente ao inicio do
ato do nascimento E em relação a este assunto, assume papel de relevância os
conhecimentos médicos.
7
Cfr. Hans Luttger, Medicina y Derecho Penal, Edersa, 1984.
8 FIGEUIREDO DIAS Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra: Almedina,
1999, comentário ao art.º 131.º, § 10; também, seguindo o critério civilístico, GONÇALVES, Manuel Maia.
Código Penal Português anotado e comentado e legislação complementar. 12.º edição. Vol. 1. Coimbra:
Almedina, 1998; ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, Bioética e Diagnóstico Pré-Natal, Coimbra:
Coimbra Editora, 1996; do mesmo autor ainda: O Aborto e o Problema Criminal, Coimbra: Coimbra
Editora, 1985; RUI CARLOS PEREIRA, O Crime de Aborto e a Reforma Penal, AAFDL, Lisboa, 1995;
LESSEPS DOS REYS e RUI PEREIRA, Introdução ao Estudo da Medicina Legal, vol. I, Lisboa:
AAFDL, 1990.
entende que o momento inicial deve ser a incisão no útero da mulher grávida. Também
Jorge de Figueiredo Dias entende que se o fim da intervenção cirúrgica for outro que não
o parto (por exemplo a extração do mioma conservando lá o feto), deve ser o da anestesia.
Nesses dois últimos casos, quer-nos parecer que se aplica a mesma regra - o momento
inicial dos trabalhos do parto deve ser o da anestesia.
Aqui, tal como para a determinação do início da vida, há a chamada teoria ou critério
tradicional ou da síndrome cardiorrespiratória, segundo o qual a pessoa já morreu, ou a
vida já não existe quando o coração e a respiração deixam de funcionar.
9 Cf. PAULA FARIA Aspectos Jurídico-Penais dos Transplante, p. 77 e ss; também FARIA COSTA,
BFD, 1993, 201 — O Valor do Silêncio do Legislador Penal e o Problema das Transplantações;
FIGUEIREDO DIAS, O Problema da Ortotanásia: Introdução à sua Consideração Jurídica, em As
Modernas Técnicas de Reanimação; conceito de Morte; Aspectos Médicos, Teológico-Morais e
Jurídicos, 1973, p. 29 e ss. Sobre o tema, também VICTOR DE SÁ PEREIRA e ALEXANDRE
LAFAYETTE, Código Penal Anotado e Comentado, Legislação conexa e complementar, 2ª Edição,
Lisboa: QUID JURIS, Sociedade Editora, 2014; também, Teresa QUINTELA DE BRITO, Direito Penal
Para concluir, se o fim da vida se verifica com a morte cerebral, então, podemos
definir a morte, com FIGUEIREDO DIAS (1999, pp. 10, §16), como sendo a “destruição
anatómica estrutural do cérebro na sua totalidade” que, para o autor, nunca pode ser “uma
mera lesão cerebral (por mais grave que seja) ou mesmo a chamada «morte» neocortical”.
Tendo que ser aprovado de acordo com critérios objetivos (que posso chamar de método
que durante algum tempo vinha sendo considerado “como pouco menos que infalível o
das linhas iseoeléctricas do Electro-encefalograma (EEG) já visto, “critério (ou método)
esse que hoje, segundo o autor
1.2 Outras situações com relevância penal relativamente aos crimes contra a vida
1.2.1 A eutanásia
Também não releva a condição de se encontrar já em fase terminal (DIAS F. , 1999,
pp. p. 11-15)11. Por isso, mesmo que a pessoa esteja numa situação de não poder mais
— Parte Especial, 2007; JOSÉ DE FARIA COSTA, O fim da vida e o Direito Penal, em BIBER
DISCIPULORUM para Figueiredo Dias, Coimbra: Coumbra Editora, 2003.
10 Neste sentido, também, VIVES ANTÓN / CARBONELL MATEU / GONZÁLEZ CUSSAC 705:
O art.º 10.º do Real Decreto Espanhol de 22-2-80., apud FIGUEIREDO DIAS ibid.
11 Sobre este assunto, também LAURA FERREIRA DOS SANTOS, Ajudas-me a morrer? A morte
assistida na cultura ocidental do século XXI, Sextante Editora, 2009; sobre assunto de morte (fim de
sobreviver, se alguém ajudar esse individuo a por termo a vida, fazer com que ele morra,
estamos perante homicídio; uma vez que o legislador guineense não adotou eutanásia.
Portanto, mesmo o morituros — mesmo que em sofrimento e sem esperança —, constitui
objeto possível do crime de homicídio.
Não tem relevância, igualmente, matar alguém porque ele padece de uma
enfermidade que não tem cura. Porque aqui estaremos sempre perante a antecipação da
morte. O processo de morte é sempre condição inerente à vida humana: todos nós
morremos um dia. É um processo a que nenhum ser humano pode escapar-se. Por isso,
vida), ANTÓNIO CARVALHO, MARTINS, A Colheita de Órgãos e Tecidos nos Cadáveres, Coimbra:
Coimbra Editora, 1986; sobre a eutanásia; v., ainda, CLAUS ROXIN, A Apreciação Jurídico-Penal da
Eutanásia, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, IBCCIM, Editora Revista dos Tribunais, Ano N.º
32, São Paulo, 2000, p. 19; Homicídio a Petición y Participación e el Suicídio — Derecho Vigente y
Propuestas de Reforma, in Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, TomoLXVI, MMXIII,
Ministerio de Justicia, Madrid 2014, p. 19, BGHSt 32, p. 370 e ss; GÜNTHER JAKOBS, Suicídio,
Eutanásia e Direito Penal, Vol. 10, Tradução de Maurício António Ribeiro Lopes, Manole, São Paulo,
2003, p. 17 e s., onde o autor expressa que:
qualquer ato de pôr termo a vida humana é sempre a antecipação desse processo natural,
inerente ao ser humano.
Por isso, nos países como o nosso em que não se admite a eutanásia, quem puser
termo a vida de outrem em qualquer se seja o momento ou circunstancia, preenche o tipo
objetivo de homicídio.
O conceito de eutanásia foi utilizado pela primeira vez por ROGER BACON (1214-
1294). E a este conceito vieram a ser enxertadas doutrinariamente, sobretudo na
Alemanha nacional-socialista, as situações que ficaram conhecidas como das “vidas
indignas de ser vividas” com a pretensão ilegítima de buscar para estas situações da
parte da opinião pública, uma compreensão que, desde sempre, acompanhou a prática da
verdadeira eutanásia.
12
Estudo Jurídico da Euttanásia, 2000, p. 33 e ss.)
13
Os Problemas Penais da Eutanásia 2017, p. 19.)
14 Ver também CRISTINA SOFIA DE OLIVEIRA PARDAL, Eutanásia — Representações Sociais:
Coimbra, Fevereiro de 2016, Instituto Superior Bissaya Barreto, disponível em https://comum.rcaap.pt, e
consultado no dia 25 de Out. de 2019-10-25, às 00H29.
Nesta situação, entende FIGUEIREDO DIAS que apesar de ser “convicção generalizada
quer na população, quer na própria classe médica de que ali é decisiva a vontade dos
parentes ou das pessoas próximas do paciente”, esta vontade é infundada; é “juridicamente
irrelevante, salvo na medida em que possa servir como elemento para determinar a
vontade presumida do paciente”.
Afirma o mesmo autor citando Hirsch que é este valor indiciário é de atribuir aos hoje
frequentes “testamentos” (documentos anteriores em a pessoa deixa indicações para o
caso de ser atingido por uma doença incurável e se não encontrar em condições de decidir
sobre o seu tratamento e sobre os limites em que (e o ponto até ao qual) este deverá ter
lugar” (DIAS F. , 1999, p. p. 14.).
15
Crimes contra a vida, p.43.
16 HELENA MORÃO, Eutanásia Passiva e Dever Médico de agir ou omitir em face do Exercício da
Autonomia Ética do Paciente, in RPCC, Ano 15, p. 83.
18 s. n.
19 Igualmente, Pius XII Sagt, 1958, 63 e s, no seu discurso aos médicos anestesistas de 1957 (Pius XII
Sagt 1959, 63 e s.) apud J. FIGUEIREDO DIAS, comentário cit., p. 13.
Além da eutanásia passiva acabada de ser citada, há eutanásia ativa que é subdividida
em eutanásia ativa direta e eutanásia ativa indireta (também designada de
ortotanásia).
a) Fase da morte branca. Algumas tribos antigas denominavam por morte branca a
obrigação "sagrada" que o filho tinha para com o pai velho e doente, de fazer-lhe
"adormecer suave e definitivamente". Entre os camponeses da América do Sul, era
prática, durante longo período dos tempos bastante recuados, imprimir, com emprego de
arma branca, a morte aos velhos e doentes graves, em situação extrema naquilo que
denominavam por aliviar a morte desses;
b) Idade Média. Na Idade Média, chamou-se misericórdia matar os feridos e mutilados de
guerra;
c) Homicídio caritativo. Durante algum tempo, na Europa e nos Estados Unidos, passou-se
a denominar homicídio caritativo a prática da eliminar a vida em certas situações.
20 Apud FIGUEIREDO DIAS, Comentário cit., 14.; sobre a Eutanásia Ativa Direta, v., também, TERESA
QUINTELA DE BRITO, Eutanásia Activa Directa e Auxílio ao Suicídio: não punibilidade? In Direito Penal,
PE: Lições, Estudos e Casos, Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
[§212 (Homicídio)]:
21
Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, 3. ed., Forense, 1955, v. p. 125).
22
JORGE DE CASTILO PIMENTEL, Teoria da acção Social, pp. 203
Esta teoria dualista não é hoje defensável tanto do ponto de vista político-criminal
quanto do ponto de vista dogmático conveniente como argumenta FIGUEIREDO DIAS em
desaprovação da mesma, da seguinte forma23:
25 EDUARDO HENRIQUES DA SILVA CORREIA, A Teoria do Tipo Normativo de Agente, FDUC 19, 1943,
p. 11-25; disponível também (o endereço) em https://www.uc.pt, e consultado em 22 de Out. de 2019-10-
24; também Direito Criminal I, Coimbra: Livraria Almedina, 1971, p. 197-198, no sentido de se ter, como
ponto de partida, o facto para a intervenção penal e não apenas tipos legais de agentes; embora aqueles
tenham sempre, ou por vezes, o tipo legal de agentes “mas não já em atenção a uma certa conformação da
personalidade como tal, mas a uma certa personalidade que se exprime num determinado facto ou série de
factos, isto é, na expressão de GALLAS, a «tipos de autores referidos a factos»”. A referência a GALLAS,
aqui diz respeito a pena e sentença do infrator — Tatstrafe u. Täter Strafe, em ZStW, 60º (1941) 380”; LUIZ
ALBERTO MACHADO, Tipo: Evolução Histórica, 1974 [falando do tipo, seus elementos (negativos, p. 188),
as suas formas, as suas funções, a sua classificação (o tipo de facto e o tipo de autor, etc., p. 194 e ss.)],
disponível em https://revistas.ufpr.br e consultado em 24 de Out. de 2019-10-24: 20h19.
28 O Negrito é nosso.
tipos normativos do agente. Mas com base no Direito Penal do fato e, por outro lado, a
expressão «entre outras» consagrada no corpo do número 2 do artigo em causa revela
outro verso da moeda indiciando que não estamos perante técnica de tipos fechados, que
estamos perante a existência de outras circunstancias agravantes não contempladas neste
mesmo preceito, que não estamos perante uma previsão taxativa, como é claro pela
expressão em referência.
Comprovado ex post que houve violação do ou agressão ao bem jurídico, há que se ter
em conta, como etapas para ver se se verificou especial censurabilidade ou perversidade por
parte do agente, o que implica ex ante que, para a comunidade, ou a olho de um seu
representante, que sabe o mesmo que o autor, a conduta do agente tenha tido aparência de
o mesmo agente ter agido com expressão de uma especial censurabilidade ou
perversidade e que, depois, terá que ser comprovado. Este preenchimento de
circunstâncias de mera ilicitude, pois (uma, de ilicitude: a verificação do fato típico; e
outra, de aparência, mera aparência de culpa que, assim, ainda carece de comprovação a
posteriori), exige, para a sua efetiva ocorrência, a prova da sua verificação, através da
comprovação de que a ação em causa preencheu especial censurabilidade ou perversidade
por parte do agente, o que se lhe é assacado em função da sua personalidade expressa no
fato.
Por isso, prossegue o mesmo SILVA DIAS (2007, p. 26) dizendo, expressamente, que
29
AUGUSTO SILVA DIAS, Crimes contra a vida, cit., p. 25
30
Ibid., p. 26
meio idóneo ou de que falta o objeto essencial à consumação”. Bastando apenas, como
segundo momento, para a sua punibilidade que, “ex ante, aos olhos da comunidade ou de
um representante desta, que sabe o mesmo que o autor, a ação cria a aparência de
verificação da circunstância qualificante e assim do indício de especial censurabilidade
ou perversidade”. Após a comprovação da punibilidade da tentativa impossível através
de tais critérios que, para o mesmo autor, são critérios de ilicitude, é necessário, como
terceiro momento, testar a existência da especial censurabilidade ou perversidade do agente em
concreto, a prova de tal aparência que se apresentou no segundo momento, (o que era
uma mera aparência, deixa de sê-lo, dissipou-se a ideia aparente de existência da especial
censurabilidade ou perversidade pela prova de que existiu realmente).
O autor, deu um exemplo de escola de duas situações que para ele, enquadra melhor a
situação de tentativa impossível no homicídio qualificado, e qua são as seguintes:
A. Abel quer e pensa que está a matar o próprio pai. Dispara e atinge outra pessoa
que confundiu com o referido pai. Neste caso, não estando manifesta a inexistência do
objeto e sendo comprovada a especial censurabilidade ou perversidade de Abel, este,
segundo o autor, será punido pela tentativa impossível de homicídio qualificado; e não
pelo homicídio simples consumado, que, neste caso, funcionaria como solução atenuante.
Solução que o autor afasta.
Comparado este caso com o de erro sobre a factualidade típica, entende o autor ser
B. O segundo caso apresentado é que o Abel, ao invés da situação anterior, pensa que
esta a utilizar veneno para matar, nas pelo contrário, está na verdade a utilizar sais de
fruto sem disso se dar conta, ou pensa que as pontas de fogo que aplica à vítima servem
para infligir a esta fortes dores quando o agente, pelo contrário, esta inconsciente sem que
o agente se apercebesse disso.
31 TERESA SERRA, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida de Pena, Coimbra: Livraria
Almedina, Contributo para o Estudo da Técnica dos Exemplos Padrão no art.º 132.º do Código Penal
1995.
é tentar tirar a vida, mas resultando disso, por utilização de um meio inidóneo, que, como
tal, não permitiu o desiderato, isto é, a lesão de um bem jurídico vida.
Quanto à primeira hipótese (a de Abel querer matar o pai), ao disparar o Abel sobre
outra pessoa na suposição de se tratar do seu pai que queria atingir, matando aquela ao
invés do pai, a situação não deixa de levantar a mesma dúvida quanto à correção
porquanto punir Abel, neste caso, por tentativa de homicídio qualificado deixa patente a
mesma preocupação levantada quanto à aplicação de pena de homicídio qualificado
tentado porque, apesar de ter matado uma pessoa, o Abel não queria um homicídio
qualificado relativamente a esta pessoa que não em relação ao seu pai. Por isso, ficamos
com dúvida sobre a justeza de aplicação de uma pena mais grave de que a pena de
homicídio simples.
Nestes casos, como disse Prof.ª Teresa SERRA (1995, p. p. 79.) — falando de
exemplos-padrão do Código Penal português —, a falta de representação ou a deficiente
representação dos pressupostos de uma circunstância qualificante pelo agente determina
a não aplicação da moldura penal agravada, porque, nesta situação, não se pode considerar
que tenha sido indiciada a especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Quanto ao erro sobre o tipo de relação existente entre o agente e a vítima, há duas
teses: uma que entende que existindo uma relação de sangue entre a vítima e o agente,
esta circunstância só por si é suficiente para preencher a circunstância especial
censurabilidade ou perversidade do agente para efeito de qualificação do homicídio. Entende
esta tese que o vínculo de sangue entre as pessoas é mais for de qualquer outro vínculo,
que não precisa de qualquer outra relação para justificar a agravação no homicídio. Outra
tese exige, para além de relação consanguínea, a existência de uma relação especial entre a
vítima e o agente para o efeito do preenchimento da circunstância da agravação ou
preenchimento do exemplo padrão do n.º 2, als. a) e b) do art.º 132.º do CP português.
Esta segunda tese (e a que adiro) foi defendida por Prof. Silva dias nas aulas que proferiu,
na Faculdade de Direito de Bissau, em Curso Prático do Direito e Processual Penal destinado
aos Magistrados e Inspetores da Polícia Judiciária, destinado ao efeito de preparação
destes operadores, por ocasião do advento da entrada em vigor do Código Penal e Código
de Processo penal guineenses de 1993 com os quais irão começar a trabalhar.
ambos do CP guineense; tal como ocorreria no caso do CP português, art.º 132.º, n.º 2,
als. a) e b) do CP português34, por força do disposto no art.º 28.º, n.º135 deste mesmo
diploma legal.
A solução que aparenta ser séria é a do sentido inverso e que é de o autor achar,
quando não é, que o pedido é sério, ou que é insistente e age pensando estar a agir em
função dessa natureza do pedido, este tipo de ação também não releva para efeito do tipo
do pedido com base no homicídio privilegiado por não terem importância as
circunstâncias erroneamente representadas pelo agente. Neste caso, a responsabilidade do
agente continua a ser lhe assacada sem ter em conta as circunstâncias que, erroneamente
representou e que, na verdade, não existem. Ou seja, não beneficia de qualquer privilégio
concernente a elementos privilegiantes.
(negrito é nosso).
36 O Código Penal de 1993, aprovado pelo Decreto Lei n.º 4/1993, em 15 de Setembro de 1993,
promulgado em 6 de Outubro de 1993, e publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.º 41, de 13 de
Outubro de 1993, com alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2002, publicada no Boletim Oficial n.º 21, de
27 de Maio de 2002 (que alterou o art.º 146.º — furto qualificado — e introduziu o art.º 146 —A), e pelo
art.º 13 da Lei n.º 7/97, de 2 de Dezembro, publicada no Suplemento ao Boletim Oficial n.º 48, de 2 de
Dezembro de 1997 ( que introduziu a contrafação e falsificação da moeda — franco da comunidade
financeira africana, FCFA).
37 Plural “intranei”.
No caso de unidade de agente, seguindo a tese seguida por Prof. SILVA DIAS (Crimes
Contra a Vida, 2007, pp. p. 65-66.), STRATENWERTH (STRATENWERTH,
Schweizerisches Strafrecht, BT, I, p. p. 32.) e COSTA PINTO (PINTO, 8 (1998)), ambos
por ele citados, não é possível haver o concurso entre ambas as circunstancias
(qualificantes e privilegiantes); porque um fato não pode ser, concomitantemente,
qualificado e privilegiado, porque uma circunstancia não pode ser qualificante, dando
origem a um fato (fato, pois, típico, elícito, culposo e, possivelmente punível) qualificado,
e, ao mesmo, privilegiante, originando um fato (típico, ilícito, culposo e, eventualmente
punível) privilegiado; assim como, não é possível uma circunstância ser torpe sendo
repugnante do ponto de vista social e, paradoxalmente, de relevante valor moral, ou de
relevante valor social, portanto aprovado, aceite como compreensível e aprovado pela
mesma sociedade. Disse Prof. SILVA DIAS, citando os autores suprarreferidos, que:
Mas quando — reconhece Prof. SILVA DIAS (2007, p. p. 66.) — no mesmo homicídio
circunstâncias de ambas as espécies, não é comprovável o tipo de culpa do art.º 132.º do
CP português. neste caso, a circunstância privilegiante poderá relevar, levando o caso
para o âmbito dos homicídios privilegiados lato sensu verificando-se, deste modo
sensivelmente a culpa do agente correspondente ao tipo de culpa em causa. Ou, então, em
caso de a circunstância privilegiante não produzir tal efeito, poderá, então homicídio
simples eventualmente atenuado, nos termos do art.º 72.º do Código Penal português
[Atenuação especial da pena] e art.º 71.º do Código Penal guineense. Foi com base nesta
última solução (a de homicídio atenuado) que se posicionou e resolveu, o stj português,
os casos dos Acórdãos de 5 de Fevereiro de 1986 e de 26 de Novembro de 1986.
29.º do Código Penal português (DIAS A. S., 2013)39, art.º 18.º do Código Penal
guineense, não há exclusão entre as circunstâncias qualificantes e privilegiantes no que
diz respeito à sua relação. Neste caso, um cúmplice pode ser punido por homicídio
privilegiado e o autor, por homicídio qualificado ou agravado.
CAPÍTULO IV Do Homicídio
Sumário: Homicídio — 1 – A Origem e Evolução histórica; 1.1 – Etimologia; 1.2 – Variações ou espécies; 1.3 –
Evolução; 1.4 – O tipo base ou fundamental do homicídio (art.º 107.º, CP/1993 e 144 do Projeto do Novo
CP); 1.5 – Generalidades; 1.6 – Relance ao critério da conduta lesiva central; 1.7 – O tipo objetivo; 1.8 –
O tipo subjetivo; 1.9 – O objeto da ação; 1.10 – O bem jurídico protegido; 1.11 – Justificação; 1.11.1 – Por
consentimento; 1.11.2 – Por legítima defesa; 1.12 – O homicídio agravado; 1.12.1 - Elementos agravantes;
1.13 Homicídios privilegiados no direito penal guineense (art.º 110, Infanticídio); 1.13.1 – Relance ao
direito comparado; 1.13.2 – Quadro comparativo legislativo a nível da CPLP; 1.13.3 – Portugal; 1.14 - O
homicídio privilegiado e o homicídio a pedido da vítima; 1.14.1 – O homicídio privilegiado; 1.14.1.1 – O
conceito; 1.14.1.2 - O fundamento do privilegiamento; 1.14.2 – O homicídio a pedido da vítima; 1.14.2.1
– Conceito; 1.14.2.2 – O fundamento do privilegiamento; 1.14.2.3 – Problemática da comissão por omissão.
1.1. Etimologia
O Homicídio, do Latim Homo (“homem”, que provêm de húmus40, terra, país ou do
sânscrito bhuman) + o sufixo cídio que vem do Latim cædere (“matar”, “imolar”,
“derrubar”, “destruir”)41, significando matar o homem, ou a “morte de um ser humano
causada por outra pessoa”42. Para alguns também minis excidium (o ato de uma pessoa
matar a outra).
39 AUGUSTO SILVA DIAS (dir.), Código Penal e Legislação Complementar. Edição Universitária,
2.º Edição, Lisboa: AAFDL, 2013.
40 Sublinhando o carater da contingência de ser humano, composto de corpo que à imagem bíblica
de criação faz referência à “lama”, barro.
1.3. Evolução
O homicídio sempre acompanhou a humanidade ao longo das suas civilizações. O
primeiro homicídio relatado pela Bíblia foi de Abel, morto pelo seu irmão Caim em
virtude de inveja, por Deus ter recusado a oferta deste (Gn. 4). O homicídio sempre foi
considerado como crime ao longo da história da humanidade, relatando antunes josé
(JOSÉ, 2016)43 que todas as civilizações antigas consideravam o homicídio como crime
punido de forma mais severa numas e, noutras, de forma mais branda44.
43 V. José ANTUNES — Jus Brasil, Homicídio: dos primórdios aos dias atuais, disponível em
https://joseaop1984.jusbrasil.com.br, consultado no dia 15.11.2019, às 21:00H.
44 V. Antunes josé, Homicídio cit. ibid. a evolução conforme as diferentes civilizações desde o Código
de Hamurabi, que para alguns estudiosos teria tido origem nas leis sumérias onde vigorava a vingança “de
olho por olho, dente por dente”, ou seja, o sistema do Talião. Outros historiadores, a maioria, teria surgido
este Código de Hamurabi na região de Babilónia onde, em regra, os crimes de homicídio eram punidos com
pena de morte, indiferentemente de serem dolosos ou negligentes; salvo se se dissesse respeito ao fato de a
vítima ser escravo, altura em que se substituía a referida vítima por outro escravo. Vigorando, assim, a
admissão por parte do mesmo código, a violação do princípio de igualdade, apanágio da época. Basta,
também, ver que o homicídio era punido com empalação, isto é, com a morte que consistia no ato de ser o
corpo encravado (empalado) numa grande estaca. Passando pelo:
√ Código Assírio, escrito cerca de 1.400 a.C., com as suas leis ainda mais rigorosas do que o Código
Hamurabi, onde o homicida era entregue ao familiar mais próximo da vítima, que, com o seu livre
arbítrio, poderia impor ao meso homicida ou a pena de morte, ou tomar os seus bens;
√ Leis Criminais Hititas, que, segundo o mesmo autor, teriam tido origem nos crimes de homicídio,
tendo em conta a frequência da existência, naquele império, de fratricídio e parricídio como forma
de alcançar o trono pela sucessão. Mas tratava de homicídio de forma mais branda de que o Código
de Hamurabi;
√ A legislação hebraica, diretamente ligadas a Moisés, sendo, por isso mesmo, chamadas, por
alguns, de “legislação mosaica”, tinha como princípio os dez mandamentos ditos por Deus a
Moisés no Monte Sinai a caminho da Terra Santa (êxodo). Quanto ao homicídio, tinha duas regras:
uma geral e uma regra específica. A regra geral dizia “não matarás” (o quinto mandamento); e a
regra específica estabelecia os pormenores sobre o homicídio negligente e as cidades asilos que,
no Direito Canónico, segundo mário curtis giardoni (ob. cit., p. 39), citado por antunes José, “[…]
O homicídio involuntário era castigado com pena capital” que era aplicada apenas “depois de um
processo em que houvesse o depoimento de pelo menos duas testemunhas. O homicídio
involuntário não era punido com a morte: o acusado podia buscar refúgio em cidades escolhidas
especialmente como asilos”;
√ Legislação grega onde existia diferença entre as leis das principais Cidades-Estados, não havendo
punição de homicídio em Esparta, cidade caraterizada pela existência de poucas regras e onde era
normal que os jovens emboscassem a matassem os escravos (ilotas) por estes não serem
considerados nem cidadãos, nem homens livres. Era um ato de treinamento uma vez que a cidade
era importante na criação de “«homens-máquinas» para servir a todo o tempo em guerras”. Ao
passo que, em Atenas a legislação punia o crime de homicídio. Havia um desenvolvimento
legislativo, com a adoção inclusive de graus de penas. Segundo itagiba (ob. cit., p. 34),, citado por
antunes josé (JOSÉ, 2016), aqui o “réu” podia ser temporariamente. Ou, em caso de reincidência,
condenado à morte, ou desterrado perpetuamente com perda de bens;
√ Direitos romano, germânico e canónico, segundo magalhães noronha (ob. cit., p. 13), citado por
antunes josé (JOSÉ, 2016), “ foi o homicídio contemplado pelos três direitos que mais influencia
teve nas legislações dos povos civilizados: o romano, o germânico e o canónico”. Em Roma o
homicídio era crime público e punido pelas leis de Numa Pompílio e a Lex Cornelia de sicariis,
distinguindo-se, naquelas épocas dos outros crimes. Mas era aplicada a pena de forma censitária
aplicando-se a pena de deportação e a perda de bens àqueles que tinham condições, e aos pobres,
a pena de morte. Naquela época, segundo antunes josé (JOSÉ, 2016), citando LUIZ regis prado
(ob. cit., p. 62) na citação que este fez de Mommsen, o parricídio e o homicídio eram expressões
sinónimas no Direito Romano. “paricidium originalmente como a morte de um cidadão sui júris
1.4. O tipo base ou fundamental do Homicídio (art.º 107.º, CPGB/1993 e art.º 147.º
do Projeto do Novo CP)
De acordo com o critério de arrumação ou organização interna dos crimes, adotado
pelo legislador de 1993, o art.º 107.º, o tipo base ou fundamental do crime de homicídio.
Preenche-se com o matar ou — a expressão preferida pelo legislador pátrio — o tirar a
vida da outra pessoa. Desde logo o homicídio significa tirar a vida, mas a vida de um ser
humano (fragmentaridade de 1º grau) de outra pessoa (fragmentaridade de 2.º grau).
1.5. Generalidades
Matar significa, pois, tirar a vida, destruir o homem; mas a vida de outra pessoa, ou
de “homem” alheio (e não a própria pessoa detentora da sua vida). Em relação a vida
própria, estamos perante uma esfera livre de direito, não constituindo o suicídio — e que
é “pôr termo” a própria vida —, um crime. Por esta razão é que se pune o auxiliador ou
instigador já por ter se intrometido na vida alheia, por ter se interferido na vida alheia. Só
temos a notícia da punibilidade de suicídio — mas já a título de tentativa —, no direito
penal inglês de 1961. E a título de tentativa porque não é possível punir quem já é extinto,
o cadáver, salvo nos casos dos tempos da inquisição em que era possível punir tanto os
animais, por se entender que os animais se encarnavam nos seres humanos e que, havendo
“infrator”, era necessário puni-lo, ou o espírito maligno que se encontrava no “ser
infrator”. E o cadáver, por se entender que, de acordo com a teoria retributiva das penas,
a pena deve ser aplicada, mesmo ao morto, para que o seu sangue não caia sobre os
sobreviventes da coletividade.
Deixado que ficou a matéria dos critérios gerais de sistematização adotados pela
Comissão Revisora do Código Penal português a proposta de ordenação dos tipos na PE
(paris cœdes ou paris excidium) — e não necessariamente a morte dada ao ascendente (patris
occidium) era severamente punido”.
45 CEZAR ROBERTO BITENCOURT, Tratado de Direito Penal. Parte Geral, volume 1, 17.ª
edição ampliada e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2012.
(Actas, 1979, p. 9 e ss.); e feito, de forma geral, tratamento dos critérios internos, agora
vamos, em termos de recordação, para entrar na PE, relativamente ao homicídio:
art.º107.º do CP guineense começa o capítulo i, do título ii da Parte Especial, com o
homicídio como modo básico e paradigmático de lesão do bem jurídico vida, para depois
incriminar as formas agravadas (art.º 108.º) e as formas privilegiadas (art.º 110.º) e menos
graves como o homicídio negligente (art.º 111.º) e o abandono ou exposição (art.º 113.º).
46 V. sobre este último caso, FREDERICO ISASCA, in Código Penal Anotado, Ordem de Advogados
da Guiné-Bissau e TIPS/USAID, 1997, p. 32-33, onde o autor entende que só se verifica o crime de
homicídio doloso quando recaia sobre o agente um dever especial de agir fundado numa posição de garante.
Esta posição acompanhámos nas nossas anotações sobre o homicídio (at.º 107.º), in Código Penal Anotado,
Ordem de Advogados da Guiné-Bissau e TIPS/USAID, 1997, p.122.
O dolo de matar alguém. O dolo pode ser aqui direto (art.º 22.º, n.º 1, exemplo:
esfaquear mortalmente a vítima), necessário (art.º 22.º, n.º 2; v.g., tramar o afundamento
do barco com passageiros para receber o seguro o mesmo), ou eventual (art.º 22.º, n.º 3;
v.g., avançar com uma viatura sobre crianças a brincar na estrada, prevendo a
possibilidade de as atropelar e não se importando com isso, assumindo a possibilidade de
produzir o resultado atropelamento).
1.11. Justificação
Em relação ao homicídio, a doutrina geral das causa de justificação tem que ser vista
de forma mais exigente acentuando a questão de, em relação a consentimento, seja ele
efetivo ou presumido, não deva excluir, em caso algum, a ilicitude. Apesar de discussões
que se possa travar sobre a questão, entendemos que a questão deve ser reservada, ao
invés da constelação do consentimento (muito embora pareça poder ser: a menos que não
seja na vertente da cláusula dos bons costumes), a outras constelações, quais sejam “as
práticas socialmente adequadas” e “casos de risco permitido”. Exemplos: casos de
homicídios ocorridos em cede de práticas desportivas, intervenções médico-cirúrgicas,
práticas de circuncisão masculina (prática universalmente aceite e reconhecida, ao
contrário da excisão clitoridiana em volta da qual há tempestade de celeuma) e um sem
número de outros casos em que por razoes culturais ou outras, as pessoas se veem
entregues de corpo e alma ou por devaneio, sem contar com riscos ou por não acreditarem
na sua ocorrência, ou por os admitir na eventualidade, mas obterem por aquilo que
entendem ligados às vicissitudes da vida. Não obstante existir tendência minoritária em
admitir a justificação, por consentimento, nos casos homicídio negligente: nomeadamente
47
A Justificação por Legitima Defesa como Problema de Delimitação de Direitos, p. 41 ss.
48
49 v., por todos, FIGUEIREDO DIAS, “Legítima Defesa”, Polis III; criticamente FERNANDA PALMA,
Legitima Defesa cit. 385 ss. e TAIPA DE CAIRVALHO, A Legítima Defesa, 1994 251 ss., 311 ss. e 414
s.
50 Estando, neste sentido, designadamente Fernanda PALMA, Direito Penal Especial. Crimes Contra
as Pessoas 1983 40 s. e TERESA SERRA, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena 1990
49).
A guisa de uma notícia sucinta, a técnica de qualificação utilizada no art.º 132.º, n.º 2
do CP/P, e que também foi seguida pelo CP de Macau no art.º 129.º; e at.º 130.º do CP
Sã-tomense, é diferente da que foi utilizada no art.º 1886, no seu art.º 351.º em que
constava uma descrição taxativa das circunstâncias conducentes a qualificação do
homicídio, ao que acrescia a existência dos tipos autónomos do envenenamento (art.º
353.º) e do parricídio (art.º 355.º) que, na vigência do CP/P de 1982, foi seguida,
praticamente, em unanimidade pela jurisprudência portuguesa; representando o exemplo
disso os Acs. do STJ português de 26-11-86 e de 12-7-89, BMJ 361" 283 e 389" 310. Em
relação aos restantes países da Língua portuguesa em África, a situação em Angola, Cabo
Verde e Guiné-Bissau, é de:
E que, na explicação de Jorge Carlos da FONSECA (1996, p. 397 ss.)51 citado por
FIGUEIREDO DIAS (1999, p. 25), são divididos em dois grupo:
51
O Anteprojecto do Novo Código Penal de Cabo Verde: uma leitura, em jeito de apresentação,
1996.
52 Diz o mesmo diploma legal:
ARTIGO 148.º
1. É punido com pena de prisão de 20 a 25 anos o homicídio cometido com recurso aos seguintes
meios:
a) Veneno ou outro meio insidioso;
b) Dissimulação ou outro meio que torne difícil ou impossível a defesa por parte da vítima;
c) Actos de crueldade ou tortura;
d) Por experiencias medico-medicamentosas ou outros meios tecnológicos afins sem o
consentimento do paciente.
2. O homicídio é punido com a mesma pena quando o facto for praticado:
a) Por duas ou mais pessoas;
b) Com grave abuso de autoridade, sendo o agente funcionário público.
ARTIGO 149.º
É punido com pena de prisão de 20 a 25 anos o homicídio cometido em razão dos seguintes motivos:
ARTIGO 150.o
O Projeto do Novo Código Penal guineense traz uma formulação mais criativa e
mais desenvolvida no seu artigo 149.º e que é a seguinte:
a) Ter agido com premeditação e insídia, utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso;
b) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na
intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;
c) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
d) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio
particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum.
a) Ter sido determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica
ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual da vítima;
b) Ter sido determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para
excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer outro motivo torpe ou fútil;
c) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou
assegurar a impunidade do agente de um crime.
1.13.3. Portugal
I
1.14.1.1 Conceito
O homicídio privilegiado é aquele em que o agente mata outra pessoa, movido por
situação de a vítima se encontrar perante um sofrimento atroz e comovente que impele o
agente a agir para pôr termo à vida da vítima.
1.14.2.1 Conceito
Quanto ao homicídio a pedido da vítima é aquele homicídio que ocorre quando
alguém cansado de viver se dirige a outrem um pedido expresso, sério e instante para que
este lhe ponha termo a vida.
54
FERNANDA PALMA, Direito penal: Parte Especial, Crimes Contra as Pessoas, edição policopiada., DFL
– PBX, 1983.
1.15 O infanticídio
I
1.15.1 Generalidades
(Aborto, 1999, p. 146)]. E como tal (por deixar de fundamentar, autonomamente o tipo
privilegiado) a ocultação da vergonha social passou a poder ser “sempre” apreciada na
aplicação da pena — na medida concreta da pena — (GONÇALVES, 1998, pp. art.º 136,
3) e mesmo, em circunstâncias especiais ou excecionais, para o efeito de homicídio
privilegiado do art.º 133.º do Código Penal português, ou, pelo contrário — mas não
indiferentemente, para não violar o princípio da proibição da dupla valoração do mesmo bem
jurídico (ne bis in idem) —, para efeito de atenuação especial, consoante o juiz encontre
razões mais fortes para o privilegiamento, ou as que justificam simplesmente a atenuação
especial56.
56 Por todos, FIGUEIREDO DIAS, Comentário I, pp. 48 a 50, § 4; e 100-101; também Em sentido
contrário, justificando o afastamento do tipo de homicídio privilegiado no Código Penal cabo-verdiano,
JORGE CARLOS DA FONSECA, RPCC, 1996, p. 399 e seguintes; no sentido próximo — mas não coincidente
— de a cláusula da reprovabilidade social para o efeito de aborto não ter mais cabimento de referência
autónoma para efeito atenuativo especial, mas como integrante de circunstância de atenuação geral (j-m-
DAMIÃO DA CUNHA, Comentário conimbricense I, p. 146.)
Sumário: 1 – Razões de política criminal e a carência da pena como fundamento da responsabilização penal nos
crimes negligentes; 2 – Os elementos constitutivos tipo de ilícito; 2.1 – O tipo subjetivo; 2.2 - O Tipo
incriminador: os critérios da imputação objetiva e a sua concretização — doutrinas; 2.2.1 - 2.2.1 - Casos
especiais de imputação com base na medida de cuidado exigido: o chamado princípio de confiança;
2.2.2 - Cuidados em domínios altamente especializados (negligência na assunção ou aceitação de
responsabilidades); 2.2.3 - Responsabilidade nos trabalhos em equipa; 2.2.3 - Responsabilidade nos
trabalhos em equipa.
O objeto de facto (ou da acção) é outra pessoa, tal como em relação ao homicídio
doloso, mas apenas com peso acrescido porquanto cá se pune o homicídio negligente ,
não se pune o aborto negligente (no nosso sistema e no sistema português e de muitos
outros países, salvo a notícia da punição do aborto a título de negligencia no Código penal
espanhol de 1995).
consciente não nos em que há negligencia inconsciente (posição assumida por Figueiredo
DIAS), e, derradeiramente a tese que perfilha a admissão de individualização de um tipo
subjetivo de ilícito sem reserva (amparada por Struensee). Parece-nos de sufragar esta
última tese: sempre perguntamos sobre o tipo subjetivo nos crimes, ao que respondemos
ou com o dolo, ou com a negligência.
O primeiro e mais importante elemento concretizador, para figueiredo dias, vem das
normas de comportamento; sejam elas gerais e abstratas, contidas em leis ou
regulamentos, sejam individuais, contidas em ordens ou prescrições da autoridade
competente. Para ele, a violação de normas desta natureza constitui indício por excelência
de uma contrariedade ao cuidado objetivamente devido; mas não pode em caso algum
fundamentá-la definitivamente: “quando o perigo típico de um comportamento
pressuposto pela norma jurídica falte excecionalmente, em virtude da especial
configuração do caso concreto, não pode um tal comportamento ser considerado como
contrário ao cuidado objetivamente devido (Temas cit., p.359). “O que in abstrato é
perigoso, pode deixar de o ser no caso concreto”; se, por exemplo, um condutor “fura” a
luz vermelha de um cruzamento em condições de plena visibilidade e quando as vias estão
com movimento quase nulo, não preenche o tipo de ilícito das ofensas à integridade física
ou de homicídio se alguém se atira subitamente para baixo do automóvel e, em
consequência, fica ferido ou vem a falecer”( cf. Roxin, AT, § 24, n.º m. 16; Figueiredo
DIAS (1999, pp. 108, § 5); Paula FARIA (1999, pp. 261-262, § 7); assim como pode haver
plena observância de todas as prescrições legais e regulamentares, e mesmo assim haver
violação de dever objetivo de cuidado quando as circunstâncias exigem ou aconselham à
observância de um cuidado acrescido — por haver suspeita fundada de um perigo atípico
—, podendo fundamentar-se o tipo de ilícito negligente
3.1 As normas de tráfego constituem outra fonte de aferição de deveres objetivos de
cuidado. São as normas correntes em certos domínios de atividade: normas escritas (não
jurídicas) de comportamento, fixadas ou aceites por certos círculos profissionais e
análogos e destinadas a conformar as atividades respetivas dentro de padrões de
qualidade, nomeadamente a evitar a concretização de perigos para os bens jurídicos que
de tais atividades pode resultar. É o sucede com, por exemplo, normas profissionais e
análogos (nomeadamente com as de carácter técnico, as chamadas leges artis) referentes
à atividade de médicos, dentistas, enfermeiros, engenheiros, arquitetos, caçadores,
desportistas, soldados, hoteleiros, etc.
57
FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal.
Sobre a Doutrina Geral do Crime, 2001.
O princípio de confiança funciona nos crimes negligentes onde cada membro de uma
equipa de intervenção médico-cirúrgica confia que cada colega cumprirá as suas tarefas
conforme as regras deontológicas da profissão. Igualmente tem relevância nas regras da
circulação rodoviária onde cada motorista confia que os outros que circulam cuidam
igualmente do cumprimento das regras da sua prioridade não tendo que se preocupar com
os incumprimentos dos outros: quem circula na sua área de prioridade não é obrigado a
preocupar-se com as imprudências e imperícias dos outros, isto é, deve poder contar com
o cumprimento das regras, tal como ele, por parte dos outros.
Exemplo:
Neste caso, o que vem da direita tinha obrigação de prever que o outro podia não
parar, devendo, por isso abrandar no cruzamento para evitar o acidente?
A resposta será, evidentemente, a negativa. A não ser que outra fosse a circunstância
que o levasse a presumir que o que vem pela esquerda não pararia. Supunha, por exemplo,
que era uma ambulância, ou um carro transportando feridos ou outros carros que gozam
de prioridade segundo as normas do Código da Estrada e vinha de tal forma que para
qualquer pessoa colocada na situação do condutor em causa era normal e previsível que
não ia parar. É que quem se apresenta pela direita num cruzamento tem direito de partir
do princípio de que quem se lhe apresenta pela esquerda lhe vai ceder a prioridade porque
assim mandam as regras do transito rodoviário. É o que se chama princípio da confiança.
Este princípio funciona em vários aspectos da vida real e aqui (no caso de transito)
qualquer pessoa colocada na situação do condutor que vem da direita teria que prever,
normalmente (com base no juízo de prognose póstuma), que o que vinha da esquerda ia
parar.
Outras situações:
O princípio da confiança manda que numa situação geral, quem age correctamente
dentro da sua esfera de responsabilidade deve esperar dos outros a mesma actuação, não
sendo responsável pelo resultado que se concretizou por risco criado ou incrementado por
outros. Nos exemplos dados, riscos criados não foram daqueles condutores que gozavam
da presunção de que outros iam respeitar as regras de trânsito e não causar o perigo que
ocorreu. Bem como, no caso das operações cirúrgicas, o médico não responde pelos
resultados que se verificaram porque se deveram aos riscos criados pela enfermeira e pelo
anestesista.
Assim, o princípio de confiança vai até aonde a normalidade da vida nos permite:
cessa quando nos encontramos perante facto que a experiência da vida nos mostra que
não é normal confiar naquela situação concreta. Neste caso é exigível ao agente um
comportamento conforme com as regras de vida, sendo-lhe imputável o resultado que ele
não soube evitar, seja a título de negligência ou de dolo (conforme o caso).
Neste sentido, diz-nos figueiredo dias que, apesar de existir hoje uma tendência
minoritária de autores a defender a admissão de eficácia do consentimento qua tale para a
justificação de certos casos de morte, dada a hoje em dia de frequência crescente de um
sem número de produções de mortes -—devidas, vária ordem de fatores relacionados com
condutas negligentes da hoje denominada sociedade de risco, designadamente às
intervenções médico-cirúrgicas, ao tráfico rodoviário, à prática de desportos perigosos
em que se não suscita sequer razoavelmente a questão de uma eventual responsabilização
dos seus autores por homicídio negligente, apesar de poder pôr-se com alguma
consistência a hipótese de ter sido violado um dever objetivo de cuidado; e de, nestes
casos, a vítima ter dado o seu assentimento ao risco de produção do resultado mortal. A
corrente maioritária, continua na posição de inflexibilidade na recusa da sua eficácia: ora
(e por regra) com base na indisponibilidade do bem jurídico vida, ora em nome da cláusula
dos bons costumes, como, aliás, assevera FIGUEIREDO DIAS (1975, p. 179) 58 ; ambas as
variantes da corrente maioritária preferem que o problema seja equacionado no âmbito
“mais geral e anterior da heterocolocação em perigo consentida; caso em, segundo o mesmo
autor (Comentário I, 1999, p. 111) que serão então outras constelações dogmáticas, que não a
do consentimento, a poderem emprestar a justificação do facto em certas situações, v. g.,
as do risco permitido e da adequação social”. Para o autor, “O problema ganha deste modo a
sua verdadeira sede que é o tratamento da PG do direito penal e a sua discussão não deve
por isso ser aqui levada mais longe.” Assim, inclinamo-nos a considerar que, os
argumentos do autor acautelam a maior ponderação para evitar uma decisão isolada sobre
a matéria que, pela sua natureza, apesar de ocorrerem casos de maior gravidade material,
que à luz dos princípios da indisponibilidade do bem jurídico ou da violação dos bons
costumes, poderiam ter seu tratamento, não há terreno melhor para a ponderação sobre a
solução em sede da doutrina geral de risco permitido e da adequação social, sendo de remeter
o assunto para o tratamento da PG.
58
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal: Sumários, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1975, p. 179.
suicídio que, apesar de a sua pertinência ser irrecusável, não logram sucesso no sentido
de combater o incitamento ou auxilio ao suicídio.
Para Schmidäuser, o suicídio é um facto típico (de Homicídio), ilícito, mas não
culposo. Por isso mesmo, à luz do princípio da acessorialidade limitada, dá suporte à
punibilidade do cúmplice. Para este autor, e partindo da incriminação do homicídio no
sistema alemão (at.º 212.º do CP): “Quem matar uma pessoa”, no tipo de ilícito, quer se
mate ou se produza a morte de outra pessoa ou da própria vítima, estamos sempre perante
a morte de uma pessoa. E a ilicitude radica “no dever, para com a comunidade, de
continuar a viver”. Mas na formulação típica do Incitamento ou ajuda ao suicídio, no nosso
casso e no caso português, não tem enquadramento o conceito de homicídio por
inexistência de ligação com a figura de Homicídio (art.º 107.º, CPGB) que tem a ver com o
Tirar a vida a outra pessoa: o objeto de acção aqui ser o corpo de outra pessoa
(fragmentaridade de 2.º grau). Apesar de em ambas as figuras estar em causa a vida
humana.
2 O tipo de ilícito
a) Uma corrente doutrinária entende que só há suicídio quando uma pessoa, cansada
de viver, quer morrer e é ela a decidir do “se” da própria morte. Assim sendo, não há
suicídio quando alguém produz a sua morte de forma negligente ou imprudente. De
acordo com esta tese defendida por MANUEL DA COSTA ANDRADE, não se pode falar de
suicídio para o efeito da infração se uma pessoa que não quer morrer decide apenas levar
a cabo uma “Tentativa” de suicídio para chamar a atenção sobre si ou obter a satisfação
de uma pretensão. Salvo se a vítima representa a ocorrência da morte como possível e
com ela se conforma. A tese defendida por SILVA DIAS (a que adiro) entende que é
irrelevante a existência de dolo ou de negligência;
b) Quando alguém atingido por doença grave e terminal desiste de lutar contra o
inevitável, não há suicídio e, consequentemente, a infração para os que lhe prestam o
apoio físico ou psíquico;
c) Não há suicídio na recusa de tratamento por parte de um doente, mesmo quando
a recusa pode provocar a morte do paciente, não cometendo a infração o médico que,
respeitando a vontade do paciente, não intervém para o salvar;
d) Já há homicídio para quem não presta auxílio a partir do momento em que a vítima
desiste do seu propósito, sobretudo quando toma esta mudança de sentido claramente
através, por exemplo, de pedido de socorro ou de quaisquer outros sinais;
3 Estrutura da incriminação
O incitamento pode ocorrer por qualquer meio, desde que idóneo para provocar a
prática do suicídio: conselho, exortação, sugestão, promessa, recompensa, dando uma
notícia, induzindo em erro, infligindo maus tratos, etc.
Ajudar é cooperar, de qualquer forma, que não constitua o incitamento; desde que
causal em relação à conduta do suicida na sua conformação concreta. Pode ser moral
(aconselhar, reconfortar a vítima e reforçá-la na decisão tomada convencendo-a a vencer
hesitações) ou material (fornecer a pistola, dar a corda ou mesmo facultar a casa para a
prática do ato, dar informações sobre a técnica de praticar o facto). Se a ajuda assentar
num acordo entre o agente e a vítima e aquele atuar com “excesso de auxílio”, responde
por homicídio. Por exemplo se o acordo era de entregar à vítima um produto que lhe
provocaria a morte lenta e o agente lhe facultar um que lhe provoque a morte imediata, o
agente responde por homicídio e não por ajuda ao suicídio.
Também tem que haver causalidade entre a ajuda e o suicídio. Por exemplo se A
empresta a B um veneno para este se suicidar e esta vier a morrer por se ter enforcado ou
por qualquer outro meio, A não responde pela ajuda ao suicídio.
Quanto a estrutura, podemos sintetizar com silva dias a relação analógica do suicídio
com a instigação e a cumplicidade:
de ser ilícito, é de todos, por isso que tem também de ser abrangido pelo
dolo dos participantes (sob pena de violação do principio da culpa na
respetiva punibilidade);
ii) O suicido é um facto que, pelas mesmas razões por que não é ilícito, não é
comunicável aos “participantes. Ele pertence apenas e só ao suicida; só nesta
precisa medida é juridicamente indiferente. Daí que
iii) O dolo consiste em representar e querer – em qualquer das modalidades do
art.º22.º — incitar ou ajudar outrem a suicidar-se, sendo já irrelevante que
o suicídio efetivamente se realize. Porque também faz parte de dolo típico
quem crie noutrem a vontade de se suicidar confia ou acredita que tal
suicídio não ocorrerá. Assim sendo, a posição do agente relativamente às
condições de realização do suicídio é indiferente para a comprovação e
atribuição do dolo importando apenas que o ele queira incitar e represente a
possibilidade desse incitamento se concretizar no ato suicida.
ato está fora da estrutura do ilícito típico, não pertencendo à conduta típica do agente; a
sua realização está dependente da vontade de outra pessoa e por isso a sua falta nenhuma
interferência tem na configuração do tipo de delito (ilícito-típico de culpa): não é por
faltar o ato suicida que cada um dos comportamentos típicos deixa de ter sido
efetivamente realizado. Apenas não são punidos, porque, na ausência daquele ato, o
legislador considera que o comportamento ilícito e culposo não tem dignidade penal.
Assim,
d) Quer o suicídio seja tentado, quer seja consumado, em nada isto tem a ver com a
punibilidade de quem incita ou ajuda, o que reforça a ideia de que se trata de um
pressuposto da punibilidade.
III
IV
com a vítima (o suicida) a servir de mero instrumento para a concretização do plano. Mas,
pelo contrário, se o facto se der devido, preponderantemente, à contribuição da própria
vítima (= a partir da situação psíquica ou espiritual da própria vítima), é porque estamos
perante suicídio, respondendo o participante pelo incitamento ou ajuda ao suicídio (e não
por homicídio a pedido da vítima).
Esta questão da definição das linhas separatórias tem importância tanto do ponto de
vista dogmático quanto do ponto de vista prático-jurídico: nos ordenamentos jurídicos
que dispõem da incriminação do incitamento ou ajuda ao suicídio, como é o caso do
nosso, do português e do austríaco, tal delimitação pode decidir do como da punição
(incitamento ou ajuda ao suicídio ou homicídio); nos que não dispõem de tal
incriminação, pode decidir, pura e simplesmente, do se da mesma punição. Isto porque,
quanto a estes últimos sistemas, e segundo ROXIN, “uma vez que a participação no suicídio não
é punível, só pode fundar-se a autoria por homicídio quando se puder negar a responsabilidade do suicida
pelo seu ato”.
A doutrina da culpa é o critério tradicional e que continua ainda a ser defendida por
um número considerável dos autores. A doutrina do consentimento foi inicialmente
lançada por Herzberg e Geilen e hoje é defendida por um número crescente de autores, e
exige critérios mais apertados.
A solução da culpa é assim batizada porque recorre a aplicação analógica das regras
ou princípios de exclusão da culpa, nomeadamente a inimputabilidade e o estado de
necessidade desculpante. Segundo ela, deverá afirmar-se a responsabilidade por
homicídio em autoria mediata do terceiro quando a vítima atua em circunstâncias tais
que, na hipótese de ela lesar bens jurídicos alheios, veria afastada a sua culpa.
Não nos é possível aqui fazer maior desenvolvimento sobre estas teorias por o carácter
destas notas não comportar tal tratamento, só simplificamos com silva dias, em jeito de
conclusão, que há homicídio em autoria mediata quando:
a) O agente induz a vítima em erro que afaste o dolo de autolesão. Por exemplo,
quando o agente leva a vítima ao erro sobre o carácter letal da acção (assim também costa
andrade, (Comentário I, 1999, p. 89 § 35). O erro sobre os motivos ou sentido concreto
da acção não afasta o enquadramento como incitamento ao suicídio (é o que aconteceu
com o caso “Sírius” da jurisprudência alemã e que está relatado no Comentário, I (p. p.
90 §37 e § 38) por COSTA ANDRADE);
b) a vítima não possua a capacidade natural mínima para compreender o sentido do
facto que pratica, nomeadamente se:
Quanto aos casos de duplo suicídio em que um dos suicidas sobrevive, há seguinte
critério de solução (tendo em conta a confrontação do caso Gisele da jurisprudência alemã
com o caso que esteve na base da jurisprudência do STJ português de 8/1/1992):
Delimitação deste último tipo com casos de homicídio em autoria imediata (critério
de domínio de facto – se o domínio facto pertence à vítima, estamos perante o suicídio;
se a terceiro, estamos perante homicídio) e de homicídio em autoria mediata (em que a
vítima é executante do crime) onde existem as chamadas teorias (ou soluções) de culpa e
de consentimento.
As formulações com interesse para a matéria da distinção entre as duas situações são
as que podemos emprestar dos autores59 como Azt/Weber (BT I, 1981, p. 85), para quem,
há Homicídio a pedido da vítima “quando o suicida potencial ultrapasse a resistência, a pôr a
mão sobre si mesmo, colocando nas mãos de outro”. Ou a de Charalambakis, para quem, no
Homicídio a pedido da vítima “o protagonista do acontecimento é o agente que produz a morte
de outra pessoa”; e, inversamente, no Auxílio ao suicídio, o protagonista do acontecimento
é o próprio suicida e o outro um mero auxiliar” (GA, 1986, p. 491). ou, ainda, a de Roxin,
para qual, presta auxílio “quem deixa a realização do ato libertador da morte à atuação
livre e responsável do próprio desejoso de morrer; já comete Homicídio a pedido da vítima
quem retira à pessoa cansada de viver a acção que decide da vida e da morte” (NStZ,
1987, p. 347).
Sumário: 1- Considerações iniciais; 2 – O tipo objetivo; 3 – O tipo subjetivo; 4 – Justificação e exclusão de culpa;
5. - Tentativa, comparticipação e concurso; 6 – As agravações.
1. Considerações iniciais
No Código Penal Português de 1982, havia discussão sobre se o abandono, uma das
modalidades do preenchimento do tipo do antigo art.º 138.º era praticada por omissão:
porque a redação da alínea b) do n.º 1 do art.º138.º, que tinha “a referência típica ao fato
de o agente ter intencionalmente incapacitado a vítima [havendo necessidade de remover
o perigo criado] e ainda à omissão de auxílio (“não prestando auxílio...”)” [assim: J. M.
DAMIÃO DA CUNHA (comentário I, 1999, p. 117)]. O CP guineense de 1993, se fez eco
dessa querela tendo sido seguida, com algum descuido, por nós na anotação ao art.º 113.º
deste mesmo diploma tese que entende que a modalidade de “abandono” é cometida por
omissão. Apesar de a redação do art.º 113.º não ter correspondência com a redação do
antigo art.º 138.º do CP/P na parte da referencia que justificava a posição; tendo mais
semelhança com a redação do atual art.º 138.º nesta parte de omissão ou comissão por
omissão.
2. O tipo objetivo
60 n. n. o.
Hoje, apesar das querelas, é entendimento (de sufragar) de que a conduta do abandono
é ativa (positiva): o abandono é praticado por ação, podendo ser praticado também por
comissão por omissão (CUNHA J. M., 1999, p. 121). Assim, p. ex., o agente que tendo
abandonado, sem perigo para a vida da vítima, não regressa, atempadamente, colocando
assim a vítima em perigo, comete o crime de abandono; contra: SILVA DIAS (Crimes
Contra a Vida, 2007, p. 81). Parece-me (como referi) de sufragar a primeira posição.
3. O tipo subjetivo
O tipo subjetivo é doloso: só se preenche o tipo legal com dolo, bastando o dolo
eventual. E dolo neste tipo legal deve abarcar a criação de perigo para a vida da vítima
como também a ausência de capacidade para se defender por parte da vítima.
Pode haver justificação nos casos de conflito de deveres (abandono para salvar outra
pessoa) e de direito de necessidade.
Haverá exclusão da tipicidade nas situações em que o agente age com o intuito de
salvar a vítima; p. ex.: deslocando-a com intenção de procurar apoio para ela, ou
abandonando-a com o mesmo propósito. Neste caso, a atuação do agente não teve por
escopo potenciar os riscos a que a vítima, está exposta, mas, pelo contrário, diminuí-los.
A tentativa é punível neste tipo de crime, desde logo em virtude do critério formal
de ligação ou da função de parêntese da PG, que nos leva a aplicar as regras do n.º 2 do
art.º 28.º: “a tentativa é punível nos crimes dolosos a cuja consumação corresponde pena
superior a três […]”. Em segundo lugar, baseando no critério material, a tentativa é
punível (muito embora mais no caso de exposição: quando o agente não tenha chegado
ao local para que pretenda deslocar a vítima). A desistência pode ser relevante aqui, caso
o agente voluntariamente impedir a consumação do resultado não compreendido no tipo
(morte ou ofensa greva à integridade física). Ou seja já, o agente, tendo colocada em
perigo a vida da vítima, haverá, da sua parte, desistência relevante se procurar minimizar
o perigo (risco) ou evitar a produção do dano.
6. As agravações
Sumário: 1 – Delimitação do objeto da ação e do bem jurídico; 2 – Concurso; 2.1 Com crimes contra a integridade
física; 2.2 – com homicídio; 2.3 – Pluralidade de abortos; 2.4 – A agravação pelo resultado; B) -
Interrupção ilegal de gravidez no CP guineense de 1993 (art.º 112.º) e no Projeto do Novo CP de 2021
(art.º 155.º);
Põe-se problema de saber da sorte das lesões ocorridas durante a gravidez — e não
no momento dos trabalhos do parto. Por exemplo, infeções ocorridas durante os trabalhos
de acompanhamento médico, nas consultas pré-natais. A tendência doutrinária é,
praticamente, unânime a considerar o momento da verificação do resultado: se depois do
nascimento, estamos perante homicídio; se antes, perante aborto.
2. Concurso
O aborto pode concorrer com o crime de ofensas corporais negligentes quando, por
atos negligentes relativamente à gravida, acontecer a lesão à integridade física da grávida
– uma vez que tem íntima ligação a vida do feto com a vida da mulher grávida: não pode
haver, durante a fase da gravidez, lesão ao feto sem que tal lesão mexa com a vida da
grávida; tudo que acontece, durante essa fase, está intimamente ligado com a vida da
grávida. Por isso, tudo que atinge a vida do feto, atinge a ida e a integridade física da
mulher grávida. Sendo assim, se durante o processo de aborto houver lesão à integridade
física da grávida por negligência, esta ofensa física é imputada ao agente a título de
negligencia. Mas se a lesão for “intencional”, estaremos perante ofensa corporal dolosa.
Pode a ofensa causar incapacidade para a procriação. Neste caso estaremos perante ofensa
corporal grave incapacitante dando origem a responsabilização criminal nos termos do
art.º 115.º al. c) do n.º 1: por exemplo, o agente extrai útero da grávida por um processo
de infeção ao preparar o aborto.
Pode haver pluralidade de abortos, tendo em conta que o bem jurídico perfilhado no
aborto é pessoal. Neste caso, a pluralidade de abortos implicará, por regra, a pluralidade
de crimes (CUNHA J. D., 1999, p. ibidem.).
Crime de aborto pode ser agravado pelo resultado, tal como acontece com o n.º 1 do
art.º 141.º do CP português. mas no caso guineense, não há preceito paralelo, pelo que se
apresenta discutível a aplicação da figura isoladamente ao aborto: só parecerá possível
naqueles casos em que o agente quer produzir resultado ofensa corporal (simples ou
grave) nos temos do art.º 116.º do CP, e vier, em virtude disso, a causar ofensa corporal
grave ou a morte da vítima: uma modalidade, segundo SILVA DIAS, (1961, p. 106)61 de
preterintencionalidade 62 . Mesmo assim, uma hipótese não muito clara de
admissibilidade. A não admissibilidade da figura de forma expressa leva à
impossibilidade de qualquer interpretação conducente à sua aplicabilidade porquanto a
agravação pelo resultado, por regra, tem que (como uma das suas características) estar
tipificada. Os crimes agravados pelo resultado são aqueles tipos de delito cuja pena
aplicável é agravada em função de um resultado que derivou da realização do tipo
fundamental. A qualificação (ou agravação) desta natureza não pode resultar da atividade
jurisprudencial, isto é, não deve ser uma criação jurisprudencial sob pena da violação do
princípio constitucional da legalidade do crime e da pena — nullum crimen, nulla pœna
sine lege —: tem de estar consagrado em um qualquer preceito da PE. Exemplo clássico
desta espécie de crime é da agravação das ofensas à integridade física e que no Direito
Penal guineense se consagra no art.º116.º do CP.
61
Responsabilidade pelo Resultado e Crimes Preterintencionais, polic. 1961. (Dissertação para exame
do Curso Complementar de Ciências Jurídicas), e Coimbra: Livraria almedina 1961
ao mesmo tempo as condições que assegurem a prática sem pôr em causa a vida da mesma
grávida, não há outro recurso a exigir para a sua realização: que haja o consentimento e
condições seguras para que tudo ocorra com maior segurança para a integridade pessoal
da mulher grávida, é permitida a realização do aborto. É um avanço registado pelo
legislador guineense numa matéria que tem suscitado infindáveis celeumas noutras
paradas.
O tipo subjetivo é dolo (em qualquer das suas modalidade): o crime é doloso.
Sumário: 1 – Enquadramento; 1.1 – Bem jurídico tutelado: conceito e delimitação; 1.2 – O afastamento da
tipicidade: as ações socialmente adequadas; 1.2.1 – As situações de risco permitido ou de risco
juridicamente irrelevante; 1.2.2 – As ações de pequena gravidade socialmente toleráveis; 1.2.3 – Casos
de risco permitido; 1.2.3.1 - Intervenções e outros tratamentos médicos feitos por pessoa
profissionalmente habilitada; 1.2.3.2 – Requisitos da validade das intervenções e tratamentos médicos;
1.2.4 – As ofensas corporais consentidas; 1.2.4.1 - 1.2.4.1 - Os problemas especiais do consentimento:
estudo panorâmico nos artigos 112.º, 114.º, 133.º 139.º e 140.º141.º e 142.º ; 1.2.4.2 - O consentimento;
1.2.4.2.1 – Considerações iniciais; 1.2.4.2.2 - Causas de justificação ou de exclusão da tipicidade?;
1.2.4.2.2.1 - Teses distintivas; 1.2.4.2.2.2 - O consentimento como causa de justificação; 1.2.4.2.2.3 -
O consentimento presumido; 1.3 As automutilações; 1.4 - As ofensas corporais agravadas (art.º115.º);
1.5 - A agravação pelo resultado; 1.6 - A problemática da violência doméstica e maus-tratos; 1.7 -
Concurso entre crimes contra a vida e crimes contra a integridade física.
1. Enquadramento
É difícil separar lesão no corpo da lesão na saúde. porque uma ofensa no corpo acaba
por às vezes afetar saúde. Mas é fácil constatar lesão no corpo: contusão, incisão, cortar
cabelos a alguém, etc. Já perturbar um vizinho com barulho e música, que lhe deixam
sem dormir durante uma noite, causando-lhe mal-estar ou doença, é ofensa (lesão) na
saúde.
A ideia geral que se tem é de que as ações socialmente adequadas são as que a
sociedade tolera passando a fazer parte de comportamento aceite pela sociedade e, por
isso, não realizam nenhum tipo de ilícito, não são típicas. Uma vez não típicas, não se
trata, aqui, de afetação de nenhum dos elementos do tipo em particular, mas sim todo o
tipo. Daí se retiram duas consequências a saber: por um lado reafirma-se o princípio de
que os tipos não são valorativamente neutros, mas o reflexo de um determinado ilícito
culposo; por outro lado, a valoração errada de um comportamento típico como
socialmente adequado não constitui um erro de tipo, mas sim um erro sobre a ilicitude
uma vez que incide sobre o desvalor do sentido global do comportamento63.
Fazem parte deste tipo, por exemplo: as gorjetas que se oferecem aos empregados dos
bares, restaurantes e hotéis; as afirmações objetivamente injuriosas proferidas entre os
indivíduos pertencentes a um determinado grupo, ou em determinadas cerimónias de
iniciação tradicional (fanados, por exemplo); as pancadas como alhos-porros; a receção
dos caloiros com pinturas com ovos nos seus rostos e cabeças ou mesmo com lama, etc.,
são situações socialmente toleradas e que, nesses contextos, não constituem qualquer tipo
de ilícito. O desvalor da ação nestas situações ou não existe ou é insignificante: nenhuma
das condutas lesa ou põe em perigo realmente um bem jurídico.
Para roxin e silva dias, a ação socialmente adequada mais não é, afinal, do que um
princípio de interpretação dos tipos: “sob esta designação genérica (ou desta fórmula
geral64 ) se abrigam os múltiplos critérios que retiram à ação aparentemente típica a sua
natureza desvaliosa e que urge descobrir por detrás do tipo em questão (DIAS A. S., 1992/93, p.
199)65.”
64 O grifo é nosso.
daquele país africano — que há cerca de 60 anos tem trabalhado e aplicado medicamentos
a base das plantas medicinais, sem depender dos critérios da OMS —, apesar das
possíveis boas intenções que acompanha as atitudes e exigências dos organismos
internacionais em causa, incluindo os restantes países africanos que têm ainda dúvidas
sobre a sua aplicação —, têm sido entendidas como recusa de reconhecer que seja um
país africano a descobrir tratamento para uma epidemia que o mundo considera ainda sem
cura, apesar de dizimar, praticamente, a humanidade. Com dados que não parem de subir
a cifrar milhões de mortes em todo o mundo, parou e colocou povos e nações na sua
globalidade em confinamento e quarentena.
“Só pode falar-se de intervenção terapêutica nos casos em que se verifica, não apenas
a indicação médica objetiva e a execução segundo as legis artis, mas também a direção da
vontade do agente para a terapia — Engisch apud COSTA ANDRADE (1999, p. 303).
67 V. (WK § 110 4s do ÖStGB) — (Bertel apud Costa Andrade, Comentário Conimbricense I, p 303
Fonte especificada inválida.
i) indicativa médica; e
ii) realização segundo leges artis.
1.2.4.2 O consentimento
68 Ibidem. Defende tese contrária Kindhäuser (KINDHÄUSER 2009, p. 595 e s.), em Portugal,
Costa Andrade e Taipa de Carvalho, entre outros.
69
FARIA COSTA, Noções Fundamentais do Direito Penal, 3ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p.
301-302.
70
A. SILVA DIAS, Apontamentos, 1992/93, Lisboa: FDL, 219.
71
Idem.
Para SILVA DIAS e costa andrade — por ele citado — alicerça a sua fundamentação
no “critério material-teleológico de distinção das duas figuras”, contrapondo “a uma
fundamentação policêntrica e imanente ao tipo de acordo («só no contexto e horizonte
hermenêutico demarcado pelos pertinentes tipos será referenciar o seu conteúdo material
e as exigências normativas»), uma fundamentação monométrica, transcendente ao tipo e
ancorada numa relação de descontinuidade entre a autonomia e o bem jurídico”.
72
Idem.
73
FARIA COSTA, Noções Fundamentais cit., p. 306.
lei não a prevê para estas situações, por um lado e, por outro, e segundo as palavras
de SILVA DIAS (1992/93, p. 220)74,
iii) De acordo com o mesmo autor (1992/93) 75, também há disparidade entre
o consentimento e acordo inquinados por erro do titular do bem jurídico.
74
Apontamentos cit., p. 220.
75
A. SILVA DIAS, ibid. idem.
76
Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal, cit., p. 304.
77
A. SILVA DIAS, Crimes Contra a Vida cit., p. 479.
A cláusula dos bons costumes, entendida por alguns como resquício da ligação que
ainda existe entre o direito (penal) e a moral (COSTA, 2012, pp. p. 304-305), é (ou deve
78 E em comentário ao art.º 149.º do CP português (Comentário I, p. 291), citando Hirsch (LK §226
a, 9)) e Burgstaller (WK § 90, 84).
ser interpretada como) enquadrada nas ideias de gravidade e irreversibilidade da ofensa, como
afirma FIGUEIREDO DIAS, (2007, p. p. 481). E não como representando uma contrariedade
à moral. É uma cláusula indeterminada, imprecisa, o que leva uma parte considerável da
doutrina a pugnar pela sua inconstitucionalidade por violação do princípio da
determinação da lei penal. Por isso o Código Penal português, no seu art.º 149.º, n.º 2,
veio estabelecer — através de uma cláusula restritiva — e que se encontra, também, no
art.º340.º do Código Civil —, uma fórmula de enquadramento normativo da ideia
balizando, a título exemplificativo (DIAS A. S., 1992/93, p. 220), alguns critérios,
tópicos, para decidir se uma ofensa ao corpo ou à saúde é contrária aos (ou violadora dos)
bons costumes, entre os quais conta os motivos e os fins do agente e do ofendido, os
meios empregados e a amplitude previsível da ofensa —, nos precisos termos em que
expressou o legislador: “tomam-se em conta, nomeadamente, os motivos e os fins do
agente ou do ofendido, bem como os meios empregados e a amplitude previsível da
ofensa” (COSTA, 2012, p. ibid.).
Com esta consideração, fica afastada a identidade do conceito dos bons costumes
com o da moralidade devendo ser, assim, os aspetos decisivos a referência ao bem juridico
em jogo e outros interesses juridicamente relevantes. Os artigos 38.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1
deixam evidente tal referência ao fato que constitui o seu objeto; e não ao consentimento
enquanto tal, ao referirem à lesão dos bons costumes. É deste modo que o caráter grave e
irreversível da ofensa constitui um critério operativo importante: uma lesão leve da
integridade física nunca é contrária aos bons costumes, sejam quais forem os motivos e
fins e da sua prática (DIAS A. S., 1992/93, p. 221). Autores há que, como Eduardo Correia
(Direito Criminal II, 1973, p. 27), incluem aos bons costumes os atos contra a natureza
(por exemplo, sadismo).
79 O Código Penal guineense de 1993, não tem previsão de intervenções médicas arbitrárias
exemplo). A suposição a que se refere tem a ver com a experiências anteriores do agente:
relações (íntimas e de confiança) entre o agente e o titular do bem, tomar habitualmente
conta da casa do vizinho na ausência deste, a secretária abre as cartas do patrão, assim
como o interesse esclarecido do titular do bem e também as declarações de vontade deste
em contrário. Valem aqui os requisitos da validade do consentimento como já ficou dito
supra.
Sendo caso da necessidade de tomar uma medida, é também — o consentimento
presumido, — um caso de estado de necessidade em sentido amplo.
“Além dos casos especialmente previstos na lei, o consentimento exclui a ilicitude do facto quando
se referir a interesses jurídicos livremente disponíveis e o facto não ofender os bons costumes.
1. O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver
mais de 16 anos e possuir o discernimento necessário para
avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o
presta”.
83 Diz o art.º 149.º, n.º 1 o seguinte:
“quando A ministra a B uma injeção para dormir, ocultando que ela tem
efeitos nocivos para a saúde; ou quando C obtém de D consentimento para
lhe dar uma bofetada, ocultando que a sua mão esta armada, v. g., com uma
luva de boxe. Já não será assim se E, gerente de uma clínica, obtém de A
consentimento para doar sangue contra o pagamento de uma soma em
dinheiro, mas ocultando a insolvabilidade da clínica”.
1.3 As automutilações
Exige-se ainda que o membro ou o órgão de que se priva a vítima seja importante.
Para FREDERICO ISASCA (1997), o legislador penal guineense de 1993 tipificou apenas
uma tentativa de ofensas corporais graves que não existem: não há figura de ofensas
corporais graves no âmbito desse mesmo código penal porquanto com a formulação
“Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa com intenção de [n. n.]:” inserta no
n.º 1 do art.º 115.º, o legislador, inexplicavelmente, “autonomizou e criou, no n.º 1 do
84 Com a entrada em vigor do DL n.º 4423/91, de 30 de Outubro, com as alterações da Lei n.º 10/96,
de 23 de Março e da Lei n.º136/99, de 28 de Agosto, que prevê uma indemnização Pública às vítimas de
crimes violentos, entre os quais o de ofensas corporais graves.
Os crimes agravados pelo resultado são aqueles tipos de delito cuja pena aplicável é
agravada em função de um resultado que derivou da realização do tipo fundamental. A
qualificação (ou agravação) desta natureza não pode resultar da atividade jurisprudencial,
isto é, não deve ser uma criação jurisprudencial sob pena da violação do princípio
constitucional da legalidade do crime e da pena – nullum crimen, nulla pœna sine lege -: tem
de estar consagrado em um qualquer preceito da PE. Exemplo clássico desta espécie de
crime é de agravação das ofensas à integridade física e que no Direito Penal guineense se
consagra no art.º 116.º do CP.
parte final a aplicação da pena ao agente que este actue pelo menos a título de negligência,
o que deixa entender que se admite aqui também a existência de um resultado agravante
doloso como veremos mais adiante.
Esta última formulação colhe unanimidade na doutrina como sendo requisito que —
ao contrário do princípio da responsabilidade objetiva que as ordens jurídicas primitivas,
mormente as da influência germânica — admite a compatibilização do instituto com o
princípio da culpa de que a ninguém seja aplicada uma pena criminal sem fundamento na culpa,
muito embora se continue a questionar se tal agravação não continuará a configurar uma
responsabilidade penal objetiva sendo, assim, uma violação do princípio da culpa que não
proíbe apenas a aplicação de uma pena sem culpa, mas também implica que “uma
agravação da pena tem de pressupor uma agravação da culpa”. Com efeito, apesar do
progresso operado pela influência do Direito Canónico medieval, através da figura do
chamado “versari in re illicita” (DIAS J. D., Direito Penal, 2007, p. 316), segundo o qual só
podiam ser imputados ao agente os resultados danosos derivados da sua acção desde que
esta fosse ilícita — e ao exigir-se que a acção fosse ilícita, já se avançou um pouco em direção
ao princípio da culpa ao recusar-se uma pura responsabilidade penal objetiva —,
continuou a verificar-se — segundo a doutrina consolidada até ao séc. XX – a
responsabilidade penal objetiva: na medida em que, nem se exigia que, no plano objetivo
do ilícito, o resultado fosse um efeito normal e previsível da acção — podendo mesmo
ser um resultado aleatório —, nem no plano subjetivo da culpa, a censurabilidade (a título
de negligencia) do agente relativamente ao resultado. Ou, como disse figueiredo dias, “o
resultado agravante não requeria a sua imputação a título de culpa, antes se exigia apenas
que entre ele e o comportamento típico fundamental pudesse estabelecer-se um nexo de
imputação objetiva, nomeadamente, sob a forma de uma relação de causalidade
adequada”.
Esta posição não colhe hoje unanimidade na doutrina decidindo a corrente maioritária
(à qual adiro) pela combinação dolo/negligência, negligência/negligência e dolo/dolo. A
combinação dolo/dolo pode verificar-se com o resultado agravante a título de dolo
eventual ou necessário. Por exemplo: A pratica cópula com B que tem 13 anos de idade.
Em razão de tal ato e dada a violência do mesmo, B sofreu ofensas graves à sua
integridade física aliada a traumas psicológicas vindo a falecer. A tinha consciência de
que, em razão de tal ato, e tendo em conta a pouca idade e a estrutura física de B, este
poderia sofrer tais consequências, circunstancia a que A se mostrou indiferente. Neste
caso, A responde nos termos do art.º 137.º, n.º1, al. c) do CP. Ou A priva B de liberdade
num local desconhecido para conseguir dos familiares deste um resgate. B padece de uma
enfermidade que lhe obriga a sujeitar-se a uso constante de um medicamento,
circunstância conhecida por A sem que se interesse pela possível ocorrência da morte
deste. Com a possibilidade de que, se os familiares não pagarem o resgate a tempo, B
pode morrer: o facto até pode servir de um meio de pressão para os familiares de B
relativamente ao rápido resgate de B. Tal resgate não é pago a tempo de B conseguir sair
do local onde esteve colocado por A com vida. A, neste último caso, não responde por
rapto agravado pelo resultado nos termos do art.º 125.º, 2, com referencia à alínea c) do
art.º124.º, n.º 2 ambos do CP, quando, na realidade, seria de admitir a agravação pelo
resultado no caso. É uma falha do legislador: podia se admitir a agravação pelo resultado
tanto em caso da negligência como em caso de dolo.
1.7 Concurso entre crimes contra a vida e crimes contra a integridade física
85Art.ºs. 152 e 152-A respetivamente do CP/P. Ver, sobre o assunto, no nosso sistema penal, Lei n.º
6/2014, de 4 de Fevereiro — Lei que Criminaliza todos os Actos de Violência praticados no Âmbito das
Relações Domésticas e Familiares —, designadamente tipologia de penas (artigos 17.º e seguintes),
agravação das penas (artigo 20.º), atenuação das penas (artigo 21.º) e, principalmente, dos Crimes: violência
física simples (art.º22.º), violência física grave (art.º 23.º), violência psicológica (art.º 24.º), violência sexual
(art.º 25.º), crimes patrimoniais (art.º 26.º) e restrição da liberdade (art.º 27.º)
Sumário: 1 – Crimes contra a liberdade pessoal; 1.1 Generalidade; 1.2 – Estrutura e delimitação
dos tipos; 1.2.1 Dimensão da tutela penal da liberdade; 1.2.2 - Gestão da relação de
tensão entre interesses contrapostos na proteção da liberdade de decisão e de acção;
1.2.2.1 – Configuração e motivação da ameaça; 1.2.2.1.1 - Configuração da ameaça;
1.2.2.1.2. – Motivação da ameaça; 1.3 – O bem jurídico;1.4 – O tipo objetivo de ilícito;
1.4.1 - As características integrantes do conceito de ameaça; 1.4.2 - Critério para a
aferição da eficácia ou da adequação da ameaça; 1.4.3 - Ameaça com prática de um
crime; 1.4.3.1 - As formas da prática do crime de ameaça e as modalidades da prática
do crime objeto do crime de ameaça; 1.4.4 – Concurso; 2. - Crimes contra a liberdade
pessoal— Coação (art.º 123.º); 2.1 Considerações iniciais; 2.2 - O Bem jurídico
protegido no crime de coação; 2.3 - O tipo objetivo de ilícito; 3. - Crimes contra a
liberdade pessoal — Sequestro (art.º 124.º) e rapto (art.º 125.º); 3.1 - Relance global;
3.1.1 - Distinção entre sequestro (art.º 124.º), rapto (art.º 125) e tomada de revéns; 4.
- Crime contra a liberdade pessoal — Rapto (art.º 125.º); 5. - Crimes contra a liberdade
e a autodeterminação sexual (artigo 133.º e seguintes); 5.1 - Considerações iniciais;
5.2 - Violação — (art.º 133.º); 5.2.1 -Conceito 5.2.2 - Conteúdo da ação; 5.2.3 -
Conceito de coação sexual; 5.2.4 - O tipo objetivo; 5.2.4.1 - O agente e a vítima;
5.2.4.2 - Atos sexuais significativos (ou atos sexuais de relevo); 5.2.4.3 - As
modalidades da acção;
1.1 Generalidades
Segundo TAIPA DE CARVALHO (1999, p. ibid.), citando Eser e Carlo Fiore, EncG
Libertà 2.,
Nos crimes contra a liberdade, nomeadamente nos crimes de ameaça e coação, estão
em causa simultaneamente o interesse na salvaguarda da liberdade de decisão e de acção
e interesse social em não limitar excessivamente a liberdade social de acção, isto é, a
liberdade de acção de terceiros; para cujo ponto razoável do equilíbrio o legislador
procura estabelecer balança entre as duas realidades: procurar que a tutela penal, ao
mesmo tempo que acautele as essenciais manifestações da liberdade individual, não caia
na excessiva criminalização das condutas que, se bem que infrinjam, em certa medida, a
liberdade individual, são socialmente inevitáveis. Esta procura do ponto de equilíbrio
patenteia-se (a) na oscilação legislativa entre o considerar bastante, no caso de crime de
ameaça, que o “mal ameaçado” seja um “mal importante” (CP de 1886) e exigir que o
“mal ameaçado” constitua crime (CP de 1982 e Revisão de 1995) — (Actas, 1993, p. 232
s.); formulação que o legislador do CP da Guiné-Bissau de 1993 preferiu seguir,
naturalmente por ter como fonte próxima o art.º 155, n.º 1 do CP português de 1982.
II
Também revela-se esta tensão na vacilação entre se deve exigir-se, no caso de crime
de coação, que o objeto de ameaça (enquanto meio para coação) seja a prática de um
crime ou, pelo menos, de um facto ilícito, ou se deve bastar a ameaça de “um mal
importante”. Eduardo correia (autor do Anteprojecto da Revisão do Código Penal de 1982
e presidente da mesma Comissão) fez-se eco desta preocupação de equilíbrio manifestada
na Comissão Revisora (Actas, 1979, p. 84), ponderando que o n.º 1 do art.º 170.º do
Anteprojecto (crime de coação) tem uma intenção restritiva relativamente à disposição
correspondente do Código Penal de 1886 (art.º 379.º § único), substituindo a fórmula “por
qualquer meio” ali constante por “outros factos também criminalmente ilícitos”. O
86N. o.
motivo de tal substituição é, pois, restringir o teor da fórmula substituída, para o perigo
de tornar punível toda ou quase toda a atividade social do homem. Não obstante isso, a
cláusula da não censurabilidade da utilização do meio (ameaça com “mal importante”:
art.º 154.º após a Revisão) para a consecução do fim visado (art.º 154.º-3 a) é, segundo
taipa de carvalho, a manifestação da referida tensão sendo um apelo a procura doutrinal
e jurisprudencial da já (também referida) posição de equilíbrio entre o interesse da defesa
da liberdade individual de decisão e de acção e o interesse em salvaguardar a liberdade
social de acção de terceiros.
III
1) Mal futuro;
2) O mal tanto pode ser de natureza pessoal (p. ex., lesão da saúde ou da reputação
social) como patrimonial (p. ex., destruição de um automóvel ou danificação de
um imóvel).
3) Dependência da vontade do agente para a concretização do mal ameaçado.
O mal objeto de ameaça, tem de ser futuro. Vale dizer que o mal objeto de ameaça
não tem que ser iminente, uma vez que, neste caso estaremos perante a tentativa de
execução do ato violento ou do respetivo mal87. Esta característica temporal da ameaça é
um dos critérios de distinção, no âmbito do crime de coação, entre ameaça (de violência)
e a violência propriamente ditada. Ilustrando com exemplos de escola, temos que: há
ameaça quando alguém afirma “vou te matar”, sem precisar ou mostrar gesto ou atitude
de querer levar avante a realização do mal com carácter de iminência; coisa diferente é
quando afirma: “vou-te matar já”. Neste caso, estaremos perante violência (tentativa de
execução do mal objeto da ameaça). Na ameaça é necessário, pois, não haja iminência de
execução.
87 TAIPA DE CARVALHO, Anotação aos crimes contra a liberdade pessoal, in Comentário Conimbricense
do Código Penal, 1999, p. 343.
Por último, é necessário que a concretização futura do mal objeto da meaça dependa
(ou apareça depender) da vontade da vítima. Aqui reside a distinção entre a ameaça e a
advertência ou simples aviso: se a concretização do mal da ameaça depender da vontade
da vítima, é porque estamos perante advertência e não ameaça88. Assim “não há ameaça,
mas sim uma advertência ou aviso, quando A, visando que B lhe pague a importância do
cheque que não tinha provisão, afirma que o vai meter na prisão, ou quando C [médico]
diz ao doente D que este irá morrer em breve”89. Nesta última hipótese, poderá pôr-se o
problema de homicídio negligente, se na sequência do “aviso” D vier a morrer por colapso
cardíaco90.
Concordo com o argumento, mas não acompanho sem reserva o exemplo, salvo
naquele caso em que, dada à debilidade mental, não foi possível valorar a ameaça como
não idónea para criar inquietação, medo, perturbação interior como seria com um
“homem médio” considerado como tal na perspetiva da sociedade em concreto: numa
sociedade onde é comum ou predominante a crença na bruxaria, não deixa de ser possível
ameaçar alguém com bruxaria ou irã. Exemplos há, na sociedade guineense (como é
possível noutras realidades africanas): houve, nos tempos passados, um caso (não
noticiado, mas que me foi confidenciado por um dos integrantes do coletivo do
julgamento) de a suspensão de um julgamento porque um suspeito ter aparecido no ato
88 Assim, p. ex., Palin, WK, §74, 20; Stratenweth I § 5, 8 bb); Larguier, 72 e s; citados por TAIPA
DE CARVALHO, Comentário I, 343.
89
TAIPA DE CARVALHO, Notações aos Crimes contra pessoas, in Comentário Conimbricense de Código
Penal I, 1999, p. 346.
90
Ibid.
91TAIPA DE CARVALHO, Anotações aos crimes contra as Pessoas, in Comentário Conimbricense de
Código Penal I, 1999, p. 343-344
92
Ibid.
com pau coberto de pano vermelho, símbolo de baloba; outros dois casos (do meu
conhecimento) foram do encerramento da porta da instituição (CIPA) pela empregada de
limpeza daquela instituição, durante meses, em razão da dívida de salário; e do
encerramento da porta da casa onde funcionava o 4.º Juízo do Tribunal de Sector de
Bissau., no Bairro de Belém, pelo proprietário por falta do pagamento de renda por parte
do Estado. Bruxaria não deve ser considerada isoladamente como fato de somenos
importância para a configuração do crime de ameaça. Dependendo da fé ou crença da
pessoa. A acrescer a esta consideração está o fato de crime de ameaça ser um crime de
resultado (que se verifica com o medo ou inquietação da vítima) e semipúblico (
dependendo da queixa de quem se sente ameaçado: fato que, na nossa perspetiva, não
pode ser discutido...).
II
No sistema português, com a revisão encetada pelo legislador no art.º 153.º do CP/p,
entende-se que o tipo passou a ser crime de perigo concreto (embora tenhamos dúvida se
não se trata de crime de aptidão, tendo em conta a formulação “… de forma adequada
a93 provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação
…”). Com isso deixa de pôr-se problema da querela sobre se a adequação ou seriedade
da ameaça depende da verificação do resultado como defendia uma corrente doutrinária
[assi: Eduardo Correia (Actas, 1979) e Leal-Henriques/Simas Santos, 1982, art.º 155.º];
uma vez que no CP de 1982 o crime de ameaça era um crime de resultado. Tal solução é
rejeitada por autores como TAIPA DE CARVALHO (Comentário I, 1999, p. 349) que entende
não fazer sentido hoje, porque a mesma solução “se já não passava de um círculo vicioso
e de uma inaceitável presunção da adequação da ameaça a partir do resultado, agora é,
mesmo formalmente, rejeitável, pois que após a Revisão de 1995, o crime de ameaça
deixou de ser um crime de resultado”. Agora exige-se apenas que a ameaça seja suscetível
de afectar, de lesar a paz individual ou liberdade de determinação, não sendo necessário
que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, ou tenha afectado a liberdade
de determinação do ameaçado [assim, FIGUEIREDO DIAS (Actas, 1993, p. 500); TAIPA DE
CARVALHO (Comentário I, 1999, p. 348). No nosso CP de 1993, tal como no Código
Penal português de 1982, o crime de ameaça e crime de resultado. Mas a evolução
doutrinária não deixa de mostrar o melhor caminho: não seguir a tese de resultado como
critério para avaliar a adequação ou seriedade da ameaça.
93 S. n.
inimputabilidade (p. ex., em estado de completa embriaguez)94. Não basta, pois, que
constitua “ um “mal importante”, como, p. ex., ameaça de despedimento [Assim:
Figueiredo Dias, posição dominante no sistema português, segundo Taipa de Carvalho
(pp. id., 344); contra: Manso Preto — (Actas, 1993, p. 232)].
A forma de prática do crime de meaça não importa, podendo ser oral (p. ex., direta
ou por telefone) ou escrita (assinada ou anónima)95. O crime objeto do crime de
ameaça pode ser por ação ou por omissão: o exemplo apontado desta última modalidade,
é de alguém ameaçar outra pessoa em relação à qual tem dever de lhe prestar assistência
e alimentos, de que lhe irá deixar de prestar assistência. Desde que crime objeto de ameaça
seja, no CP/P, com alteração introduzida pela Reforma de 1995, para a qual passa a ser
“crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e
autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor” (art.º 153.º-1).
Ao contrário do CP de 1886 e da redação primitiva do CP/P de 1982 e que está no nosso
art.º 122.º-1); e que se basta com a prática de qualquer crime. A restrição operada pela
Reforma portuguesa de 1995 parece-me seguir o princípio da legalidade e da intervenção
mínima e de fragmentaridade do Direito Penal.
1.4.4 Concurso
O crime de ameaça cede perante o crime de coação (art.º 123.º), crime de roubo art.º
151.º, crime de extorsão (art.º 166.º) bem como perante todos os crimes para cuja prática
a ameaça serve como meio. Salvo se para tal crime houver desistência relevante da
tentativa e o crime de ameaça se consuma [assim: TAIPA DE CARVALHO (Comentário I,
1999, p. 350)]-
95 Ao contrário da exigência que constava no art.º379.º do CP de 1886 que dizia: “Aquele que, por
escrito assinado, ou anónimo, ou verbalmente, ameaçar outrem […]”, formula que caiu com a entrada em
vigor do CP de 1982.
Já acabámos de referir que o tipo de art.º 123.º (coação) funciona numa relação de
subsidiariedade, só tendo aplicação quando não há a subsunção do fato a um dos crimes
de cação tipicamente singularizados (pela espécie de liberdade de ação lesada); assim,
não havendo uma previsão legal singularizada, em razão da espécie de liberdade de ação
posta em causa, como nos casos do impedimento da liberdade de circulação rodoviária
(ferroviária, etc.) através das chamadas cortes de estrada (como o que acontece nalgumas
manifestações), reconduz-se e subsume-se à figura geral e subsidiária de coação96. Nestes
casos de (ilegais) manifestações com bloqueios ou cortes de estradas (ou e vias
ferroviária), há coação consumada quando e relativamente aos automobilistas que se
viram obrigados (coagidos) a inverter a marcha, por se deparar com (e necessitar de se
livrar) ação de oposição ameaçadora para com os que tentassem furar a barreira ou
bloqueio. Desde que estes bloqueios ou cortes de estrada sejam suscetíveis de intimidar
os automobilistas, não importando que os agentes bloqueadores da estrada estejam
interiormente decididos a não usar da violência e a não proferir ameaças concretas. Exige-
se apenas os mesmo agentes tenham consciência da adequação da sua conduta à
intimidação dos automobilistas, por ser este o objetivo imediato da sua atuação, embora
o fim (o objetivo) último seja político ou social.
96
Taipa de Carvalho, Anotação aos crimes contra a liberdade pessoal, in Comentário Conimbricense
do Código Penal I, 1999, p. 353 3 66.
Sequestro, tal como rapto (art.º 125.º) e tomada de reféns ( e que o nosso legislador
aptou afastar do capítulo de crimes contra a liberdade pessoal em que sistematicamente
se encontra os crimes de sequestro e de rapto), estando colocados no Título dos Crimes
Contra a Paz e a Ordem Pública [art.º 204.º, depois do art.´203.º (organização terrorista)
que é o primeiro artigo deste Título), tem proximi¬¬dade semântica com os crimes contra
liberdade onde estão os crimes de ameaça, coação, sequestro e rapto (artigos 122.º, 123.º,
124.º e 125.º respetivamente), e sobretudo com crimes de sequestro e rapto, cujas
características distintivas vão ser traçadas logo a seguir. A proximidade, e que justifica,
ao nosso ver, o tratamento dogmático próximo, é o seu elemento nuclear que é a privação
de liberdade de locomoção ou de movimento (presente em todos estes três tipos de ilícito);
e que permitiria, como enquadramento sistemático correcto, a sua localização no capítulo
dos crimes contra a liberdade pessoal.
Continuaão...
5.2.1 Conceito
97 n. o.
98
FIGUEIREDO DIAS, Comentário aos Crimes contra a liberdade de Autodeterminação Sexual, in
Comentário Conimbricense de Código Penal I, 1999, p. 472.
Está aqui, segundo este entendimento, não ser importante posição sustentada (p.
ibidem)99 a partir do conceito acabada de citar, como “poderia, até às alterações do CP
de 1998, invocar-se a circunstância — que de ponto de vista médico se considera hoje em
todo o caso improvável — de já o contacto vestibular com ejaculação poder conduzir à
gravidez”100 ; o que para o autor101, “para além de que isto significaria estender o âmbito
de protecção próprio da violação a casos que não são em geral adequados a lesara
especificidade de bem jurídico, uma tal interpretação não é compatível com o sentido
comum do teor literal do preceito (“cópula”) e portanto com o princípio nullum crimen sine
lege”.
A delimitação dos tipos nos crimes contra a liberdade sexual reside no seguinte:
violação e coação sexual em sentido próprio (coação geral) (antigo atentado ao pudor) X
violação (coação específica: mais grave):
Por esta concepção, entende figueiredo dias que o bem jurídico protegido nos crimes
sexuais é, simultaneamente (i) a liberdade sexual (negativa) perante atos sexuais e (ii) a
liberdade (positiva) para atos sexuais.
100Neste sentido, Dreher / Tröndle, D / Trondle § 173 6 (em Português: Código penal e leis
secundárias), Deck, 1995 apud FFIGUEIREDO DIAS cit., p. 472.
101
Ibid.
Atos sexuais integrantes do tipo objetivo de ilícito do crime de coação sexual, são
apenas os relevantes (significativos). A apuração da relevância dos atos neste prisma é
atribuída à função negativa destinada a excluir do tipo os atos considerados
insignificantes ou bagatelares (figueiredo dias e doutrina alemã dominante), partindo-se
do princípio de que toda a hermenêutica típica deve, em Direito penal, subordinar-se à
chamada cláusula (ou princípio) da significância (fundamental PALIERO, “Minima non
curat prætor”, 1985)102. Mas, também, exige-se do intérprete a adoção de uma função
positiva para aferir, ao mesmo tempo, da relevância do ato na perspectiva do bem jurídico
tutelado (figueiredo dias).
a) Não é punido como coação sexual, mas apenas como ato exibicionista
(art.º135.º) ou, eventualmente, como crime de coação (art.º123.º) o ato sexual
significativo praticado pelo agente ou por terceiro perante a vítima
(diferentemente do que acontecia com o conceito geral do “atentado ao
pudor”, constante no art.º CP/P de 1982, embora logo contrariado pelo n.º do
art.º, que apenas considerava típico o “praticar …contra outra pessoa” – beleza
dos santos), mas apenas o constrangimento a ato praticado na vítima
(figueiredo dias, reis alves);
b) Também releva o tocar na vítima, não sendo indispensável o mútuo contacto
corporal. Podem bastar toques com objeto ou ações como as de ejacular ou
urinar sobre a vítima (jurisprudência suprema alemã). Não é Necessário (ao
contrário do que pensava Mouraz Lopes) que o objeto tenha uma “natureza
sexual”, v.g., vibradores, pénis artificiais, etc.). a introdução violenta na
vagina ou no ânus de qualquer objeto, pode constituir um ato sexual
significativo (figueiredo dias).
c) O desnudar alguém para fotografar não integra, podendo ser coação geral do
art.º123.º
d) O coito anal ou oral não integram o n.º1 do art.º133.º, mas sim a coação sexual
geral do n.º2.
102 carlo enrico paliero, Minima non curat prætor. Ipertrofia del diritto penale descriminlizzazione
dei reati bagatellari, 1 de Janeiro de 1985
Sumário: 1 - Nótula inicial; 2 – Conceito; 2.1 – a) – Honra subjectiva ou interior; b) – Honra objetiva ou exterior;
2.1.1 – Críticas; 2.1.1.1 – Quanto à honra subjetiva; 2.1.1.2 – Quanto à honra objetiva; Conceção
fáctica de honra; 2.2 – Concepção normativa da honra; a) - Concepção (conceito) normativo-social
de honra; b) - Concepção (conceito) normativo-pessoal de honra; 2.2.1 Críticas; a) - Quanto à
concepção normativo-social de honra; b) - Quanto à concepção normativo-pessoal de honra; c) -
Concepção mista (conceito dual) de honra;3 – Os crimes de difamação e de injúria (artigos 126.º,
129.º, 130.º e 131.º); 3.1 – Conceitos de difamação e de injúria; 3.1.1 Estrutura e delimitação dos
tipos (tipos objetivo e subjetivo); 3.2 – Razões político criminais da punição; 3.3 – Qualificação
dos crimes de difamação e de injúria em função dos meios e da qualidade da vítima [art.º127.º, n.º1,
als. a) e b) respectivamente]; 3.4 - Estrutura e natureza do bem jurídico protegido no crime de
ofensa à memória de pessoa falecida (art.º131.º); 3.5 - Da consciência da falsidade da imputação:
3.6 - A causa de justificação especial do art.º 180º, nº 2 do CP/P: relevância e âmbito de aplicação
– posição adoptada: 3.7 - Casos de dispensa de pena (explicações da ofensa): direito comparado –
funcionamento do direito da resposta.
1 Nótula inicial
Nos tempos passados, a doutrina divergiu sobre a dignidade da punição dos factos
relacionados com a honra entendendo uma corrente que as condutas difamatórias não
deviam ser incriminadas por não merecer à dignidade penal. Hoje em dia a corrente que
colhe a dignidade penal dos factos relativos a dignidade e honra da pessoa faz
vencimento. Entende esta tese que se não se punir a difamação e a injúria, poderia surgir
conflitos sociais em virtude das vinganças que disso resultariam por causa de as pessoas
verem-se na necessidade de fazer justiças com as suas próprias mãos por terem
necessidade de acautelar as suas honras.
2 Conceito — teorias
Esta forma de ver as coisas não deixa de suscitar outra divisão de cariz material qual
seja a de considerar a honra com base nos critérios subjectivístico ou interior e
objectivístico ou exterior como se segue:
a) A honra subjectiva ou interior, que consiste no juízo valorativo que cada pessoa
faz de si mesma — no fim de contas estamos, aqui, mergulhados no domínio de
"apreciação de cada um por si, na autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo,
particularmente do ponto de vista moral" como considerava beleza dos santos (RLJ 92°
168) ou, se se quiser, "o homem coloca-se perante si mesmo como objeto de percepção e
de valoração, por força de um processo autónomo de objectivação, que constitui o
instrumento apto à configuração de um quadro da própria personalidade de conteúdo
variável, porquanto dependente da quantidade e do tipo da representação singular. Esta
representação, pode referir-se tanto às manifestações externas da vida do homem, quanto
aos seus hábitos, à sua posição na vida social, quer às suas qualidades espirituais ou
físicas, fundindo-se num quadro único, como consequência da percepção de si mesmo
(Selbswahrnehmung) feita pelo sujeito (Musco, Bene giuridico, . 11);
b) A honra objectiva ou exterior, que é equivalente à representação que os outros
têm sobre o valor de uma pessoa isto é, a consideração, o bom nome, a reputação de que
uma pessoa goza no contexto social envolvente.
2.1.1 Críticas:
Estes conceitos deixam sérias lacunas quando com eles se pretende medir a existência
ou não de ofensa:
Para a tese que segue a diretriz de que o decisivo na delimitação de honra é uma
dimensão pessoal, a honra é um aspeto da personalidade de cada indivíduo, que lhe
pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radicada na sua inviolável
dignidade; sendo a comunidade em que cada um se insere apenas o lugar em que ela
(honra) se deve atualizar, não sendo fonte da honra. Assim sendo, a honra pertence por
igual a todos sendo indiferente ao valor social de cada. Neste sentido, enfatiza HIRSCH
(Ehre und Beleidigung, Grundfragen dês strafrechtlichen Ehrenschut 1967, 57, apud josé de faria
costa, Comentário conimbricense, 606): “a vida de uma monja dedicada a Deus e o espírito
de sacrifício de um homem excecionalmente caridoso não conferem qualquer plus de
honra em face de todos os outros”.
2.2.1 Críticas:
√ Como se acabou de ver, é verdade, segundo Dudolphi (SK 5, antes do § 185), que
“a pessoa só pode viver e desenvolver-se de forma adequada quando os outros membros
da comunidade lhe reconhecem a qualidade de pessoa, consistindo, assim, precisamente
a desonra em recusar à pessoa esse valor. Mas não é menos verdade que (JOSÉ DE
FARIA COSTA, Comentário conimbricense, 606) pretender ver na comunidade em que cada
indivíduo se insere o fundamento ou a fonte de onde brota a pretensão de respeito, é
aceitar a existência de diversidade de honra repartindo honra em conformidade com as
diversas franjas sociais que possam existir. Com efeito, conforme afirma com razão
FARIA COSTA (loc. cit.) seguindo o pensamento de SAUER, se cada comunidade de
pessoas, com interesses similares ou idênticos ou conceções recíprocas de valor, dá origem à honra,
temos, então, de aceitar a existência de uma honra de status: uma honra dos funcionários públicos, uma
honra dos comerciantes, uma honra dos artesãos, uma honra dos professores e assim por diante, o que
nos levaria a uma infinidade de honras, conforme divisões e subdivisões nas diferentes
categorias sociais.
√ É de enfatizar, assim, com FARIA COSTA (recordando que tal aconteceu durante
o período nacional-socialista na Alemanha) o perigo de tal concepção extremada poder
conduzir “à limitação do valor pessoal de cada indivíduo ao valor do seu status e, em
último termo, à negação de qualquer honra a todos os que não pertençam a uma
comunidade reconhecida como atributiva de honra”.
√ Para esta concepção, honra representa um objeto ideal em que a lesão se dá apenas
no ataque à pretensão de respeito decorrente daquele valor, sendo essa pretensão o objeto
da acção dos crimes de difamação e injúria. E aqui reside, segundo FARIA COSTA
(Comentário conimbricense, I, 606-7), uma das fragilidades dessa concepção, por esvaziar o
bem jurídico honra que, dessa forma, fica demasiadamente identificado com a dignidade
pessoal (que pertence por igual a todas as pessoas) não criando nem permitindo, segundo
os críticos da mesma tese, “identificar as diferentes densidades normativas que sempre urge detetar
em qualquer bem jurídico”.
c) Concepção mista:
“Artigo 180"
(Difamação)
Artigo 181"
“(Injúria)
1. Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita,
ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sue honra ou consideração, é punido com pena de
prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
“Artigo 183.º"
(Publicidade e calúnia)
as penas da difamação ou da injuria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo
e máximo.
“Artigo 184"
(Agravação)
As penas previstas nos artigos 180°, 181° e 183° são elevadas de metade nos seus
limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea j) do n.º 2
do artigo 132°, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for
funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.”
Sumário: 1 - Conceito; 2 - Delimitação: vedação simbólica e vedação física(?) Posição adoptada; 3 - Domicílio
e lugar vedado ao público; |4 - O portador do bem jurídico; 5 - Violação de segredo e devassa da
vida privada (artigos. 142.º e 143.º); 5.1 - Conceitos; 6 - Teoria de vontade e teoria de interesse; 7
- Teoria de três graus ou três esferas (factos que integram a privacidade); 8 - Concepções sobre o
bem jurídico tutelado (valor pessoal individual e o bem jurídico supra-individual/ institucional ou
comunitário)
I. Conceito
Sumário:1 - Património e propriedade; 2 - Crimes contra a economia nacional (art.º174.º e seguintes); 2.1 -
Problema do enquadramento dogmático — Direito Penal secundário e Direito Penal principal;
I. Património e propriedade
O conceito de património tem, segundo NELSON HUNGRIA uma extensão temática
abrangendo coisas que, embora sem valor venal (ou vendível ou vendável), representam uma
utilidade, ainda que simplesmente moral (valor de afeição) para o seu proprietário.
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