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Dom Bosco - História e Carisma 1
Dom Bosco - História e Carisma 1
HISTÓRIA E CARISMA
1
ORIGEM: DOS BECCHI A VALDOCCO
(1815-1849)
DOM BOSCO:
HISTÓRIA E CARISMA
1
ORIGEM: DOS BECCHI A VALDOCCO
(1815-1849)
EDB
©2007. LAS Librería Ateneo Salesiano, Roma. Editor da obra original: Aldo Giraudo.
©2010. Editorial CCS, Madri. Editores da edição espanhola: Juan José Bartolomé e Jesús
Graciliano González.
©2012. Editora Dom Bosco. Brasília.
LENTI, Arthur J.
Isbn 978-85-7741-246-4
CDD 010
Apresentação do Reitor-Mor
biografias que conjuguem o apreço fundado pela sua pessoa e sua obra com
uma descrição objetiva da sociedade e da Igreja em que ele surgiu e atuou.
Após anos de estudo e docência, Arthur J. Lenti, biblista hábil conver-
tido em sua maturidade à salesianidade, conseguiu oferecer uma biografia
exemplar de Dom Bosco, na qual soube unir harmoniosamente uma visão
atualizada de Dom Bosco, baseada na própria pesquisa e na melhor e mais
recente historiografia (Stella, Braido, Desramaut, Prellezo etc.), com uma in-
vejável clareza expositiva. O resultado é um amplo e documentado manual,
sete volumes na edição original em inglês, três na edição espanhola, com o
mérito de localizar Dom Bosco em sua época e entre os seus contemporâ-
neos. A originalidade genial do personagem e da sua obra fica assim melhor
enquadrada e exposta.
Ao mesmo tempo em que agradeço de coração ao padre Lenti pelos seus
longos anos de dedicação ao estudo sério e ao ensino entusiasmado de Dom
Bosco e da história da Congregação, felicito os editores, o padre Aldo Girau-
do, pela edição em inglês, e os padres Juan José Bartolomé e Jesús Graciliano
González pela edição espanhola, pelo desejo de colocar esta obra valiosa nas
mãos do maior número de salesianos. Dom Bosco abençoe esta obra e seus
editores. Eu o faço em seu nome.
P. Pascual Chávez
Reitor-Mor
24 de junho de 2010,
onomástico de Dom Bosco.
Arthur J. Lenti
Instituto de Espiritualidade Salesiana
Don Bosco Hall
Berkeley, Califórnia (EUA)
10
Contar a vida de Dom Bosco e dar a razão da sua genialidade não é uma
empresa fácil. Além de travar conhecimento de forma verdadeira e atualizada
com a sua figura histórica, os atributos característicos da sua personalidade e
os aspectos mais significativos da sua obra, requer-se grande esforço de síntese
para integrar e conjugar os muitos fatores que confluem num personagem tão
complexo. As Memórias Biográficas, fonte inesgotável de informações, pedem
hoje uma leitura crítica que nem todos são capazes de fazer. Os valiosos escri-
tos críticos sobre temas concretos, a edição crítica das fontes e dos escritos de
e sobre Dom Bosco, além de serem parciais, não estão ao alcance de todos;
pressupõem uma preparação que nem sempre se tem e exigem um tempo e
uma concentração não fáceis de encontrar em quem está inserido plenamente
na atividade pastoral ou educativa.
É verdade que são muitas, em espanhol, as biografias populares de Dom
Bosco, laudatórias em geral, e que tampouco faltam estudos científicos de
valor reconhecido, mas até agora não dispomos de uma apresentação funda-
mentada, ampla e documentada sobre a sua pessoa e a sua obra, que recolha
os resultados consolidados da pesquisa historiográfica dos últimos decênios,
enquadrando-os no marco histórico, social e político da Itália do século XIX.
Sente-se, pois, a necessidade de uma biografia, suficientemente ampla e fun-
damentada na mais recente pesquisa crítica, e que seja, por sua vez, de fácil e
agradável leitura, didaticamente bem apresentada e com um conteúdo o mais
atualizado possível.
Pareceu-nos encontrá-lo na recente publicação de Arthur J. Lenti. Por
isso, crendo que valeria a pena colocar esta obra à disposição do público de
língua espanhola, nós assumimos a sua edição.
O Dom Bosco de Lenti não foi escrito para estudiosos, mas é obra de um
bom estudioso. Nascida da docência, embora revista para a sua publicação, a
obra demonstra facilmente a sua origem escolar: clareza na exposição, riqueza
11
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13
Bosco recebe uma formação teológica básica, embora, talvez, não totalmente
completa, que o prepara para a ordenação sacerdotal (1841).
Recém-ordenado padre, Dom Bosco entra no Colégio Eclesiástico de
Turim, seguindo o conselho do padre Cafasso; ali aprenderá a ser padre de
verdade. Durante esse tempo de exercício e aprendizagem pastoral (1841-
1844) amadurecerá a opção preferencial pelos jovens em situação de risco
e a concretizará escolhendo o Oratório como campo ordinário de trabalho
apostólico.
Saber quem eram os meninos “pobres e abandonados” na Turim da dé-
cada de 1840 e qual fosse a situação política vivida pela região do Piemonte
após a Revolução Liberal de 1848, ajuda a contextualizar melhor o período
em que Dom Bosco, primeiramente residente e estudante no Colégio Ecle-
siástico (1841-1844) e, depois, capelão a serviço das instituições caritativas
da marquesa Barolo (1844), faz a opção definitiva de trabalhar pelos jovens e
começa a se ver como padre para os jovens na direção de oratórios.
Depois de uma penosa peregrinação (1844-1846), o Oratório de Dom
Bosco encontra residência permanente na casa Pinardi, onde ao pequeno local
em que se estabelece o Oratório festivo, logo será acrescentada uma pequena
casa de acolhida para órfãos (1847), uma igreja, a capela de São Francisco de
Sales (1852), a casa de Dom Bosco e as primeiras oficinas (1853) que, uma
vez demolido o telheiro inicial e aumentada a casa Pinardi (1856), acolherá
uma escola secundária e um pensionato para estudantes (1855-1856).
Enquanto o Oratório de Valdocco expandia-se com rapidez, Dom Bos-
co foi-se responsabilizando de outros dois Oratórios diocesanos de Turim,
São Luís, de Porta Nova (1847), e Anjo da Guarda, no bairro Vanchiglia
(1849), dos quais em 1852 será nomeado oficialmente diretor espiritual por
dom Fransoni. Encerra-se assim um período de buscas e incertezas, com um
Dom Bosco totalmente consagrado a realizar a sua vocação.
Tão logo consolidada a obra dos Oratórios, Dom Bosco sentiu a urgên-
cia de contar com colaboradores e organizar a vida diária dos jovens. Embora
o trabalho crescesse sob a sua responsabilidade direta, ele encontrou tempo
para um novo e eficaz apostolado, a boa imprensa (1844-1849), que lhe dará
muitas satisfações como também dificuldades, e que maravilha ainda hoje
pela variedade dos temas tratados e o sucesso obtido. Dom Bosco escritor é
uma das facetas mais “modernas” de sua personalidade.
14
Fontes
Arquivos
São de interesse fundamental (1) os arquivos centrais salesianos, na Casa
Geral de Roma (ASC);1 (2) os arquivos do Oratório de São Francisco de
Sales, em Valdocco, Turim (AV); (3) os arquivos centrais do Instituto das
Filhas de Maria Auxiliadora, em sua Casa Geral de Roma; (4) vários arquivos
vaticanos; (5) os arquivos de algumas congregações surgidas no século XIX;
1
As seções sobre Dom Bosco, sobre o padre Rua e uma parte das seções de Mazzarello-FMA em ASC
estão disponíveis em microfichas. As de Dom Bosco têm a denominação de Fundo Dom Bosco (FDB).
17
2
Encontra-se uma primeira coleção das cartas de Dom Bosco em Eugenio Ceria, Epistolario di
San Giovanni Bosco, 4 volumes, Turim: SEI, Vol. I, 1955; Vol. II, 1956; Vol. III, 1958; Vol. IV, 1959.
Está em andamento a edição crítica, mais extensa, a cargo de Francesco Motto, Giovanni Bosco, Epistola-
rio: introduzione, testi critici e note. Roma: LAS, Vol. I, 1991; Vol. II, 1996; Vol. III, 1999; Vol. IV, 2003.
3
O elenco bibliográfico das obras de Dom Bosco encontra-se em Pietro Stella, Gli scritti a stampa
di San Giovanni Bosco. Roma: LAS, 1977, e em Francis Desramaut, Don Bosco en son temps (1815-1888).
Turim: SEI, 1996, 1369-1377.
Coleção de textos: Centro Studi Don Bosco. Opere edite. Ristampa anastatica. Série primeira:
Libri e Opuscoli, 37 volumes, Roma: LAS, 1977; Série segunda, Vol. 38: Contributi [...] Roma: LAS,
1987. Alberto Caviglia, Opere e scritti editi e inediti di Don Bosco nuovamente pubblicati e riveduti
secondo le edizioni originali e manoscritti superstiti, 6 volumes. Turim: SEI, 1929 a 1943, e póstumos,
1965. Estes volumes contêm o texto de seis obras importantes e um extenso estudo sobre cada uma de-
las. Pietro Braido (ed.), Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze. Roma: LAS, 1992. Joseph Aubry,
Scritti spirituali di San Giovanni Bosco. Roma: Nuova Editrice, 1976.
Textos independentes: parte das obras importantes de Dom Bosco apareceu separadamente em
edições críticas de professores do Istituto Storico Salesiano em Ricerche Storiche Salesiane. Em espanhol
foram publicadas algumas obras de Dom Bosco. Ver o elenco completo em Jesús-Graciliano Gonzá-
lez, Bibliografía general de Don Bosco y de otros temas salesianos. Roma: Aracne, 2008, títulos 1-120.
18
4
ASC A000-A011: Cronachette, FDB 792-1,294.
5
As atas são, em princípio, obra dos secretários, Júlio Barberis e João Batista Lemoyne: ASC
04: Conferenze Generali, FDB 1,869-1,873; ASC 04: Capitoli generali presieduti da Don Bosco, FDB
1,831-1,868; ASC 0592: Consiglio Superiore, Verbali, FDB 1,873-1,880.
6
Copia Publica transumpti Processus Ordinaria auctoritate constructi in Curia Ecclesiastica Tauri-
nensi super fama sanctitatis vitae, virtutum et miraculorum Servi Dei Joannis Bosco Sacerdotis Fundatoris
Piae Societatis Salesianae. FDB 2,323-2,430.
7
FDB 2,330 E3 - 2,430 A12.
8
FDB 2,435 E7 - 2,438 B8.
19
9
FDB 2,444 C10 - 2,481 C1.
10
FDB 2,487 A1 - 2,494 D1.
11
FDB 2,498 A10 - 2,525 C3.
12
FDB 2,520 D6 - 2,523 D1.
13
FDB 2,523 D2 - 2,564 E12.
14
Charles d’Espiney, Dom Bosco. Nice: Typographie et lithografie Malvano-Mignon, 1881, 180 p.
15
Albert Du Boÿs, Dom Bosco et la pieuse Societé des Salésiens. Paris: Jules Gervais Libraire-Editeur,
1884, VI-378 p.
16
Jacques-Melchior Villefranche, Vie de Dom Bosco fondateur de la Société salésienne. Paris: Bloud
et Barral, 1888, XII-356 p.
20
Desde meados dos anos oitenta do século XIX, João Batista Lemoyne,
secretário geral da Congregação, trabalhou intensamente recolhendo material
para escrever uma biografia. Começou a recolher as fontes disponíveis numa
antologia impressa para uso pessoal, que chegaria a 45 volumes, com o título
de Documenti. Os Documenti foram a principal fonte das monumentais Me-
mórias Biográficas, cujos autores foram o próprio Lemoyne e seus sucessores,
os padres Ângelo Amadei e Eugênio Ceria.
2. Cronistas e crônicas
Ao dizer “crônicas” referimo-nos aqui aos documentos escritos, con-
temporâneos, redigidos por Salesianos próximos de Dom Bosco, que foram
testemunhas do que ele disse e realizou. Esta iniciativa não foi uma ativida-
de ocasional de alguém, mas nasceu da consciência comum e do trabalho
de um grupo.
Praticamente, não consta nenhum relato contemporâneo em ASC com data anterior a 1860.
17
Uma razão pode estar no fato de serem poucos os Salesianos dispostos a aceitar essa tarefa, por estarem
muito ocupados e, provavelment e, por não perceberem sua importância. Outra razão pode ter sido a
desconfiança e hostilidade das autoridades civis contra a Igreja e suas instituições nos tempos da uni-
ficação da Itália (1859-1861). A polícia fez perquisições internas no Oratório e, para evitar qualquer
problema, Dom Bosco pode ter decidido destruir “papéis comprometedores”. Pode-se ler um relato das
perquisições internas em MB VI, 537-551.
21
em mente e atuou para o futuro [da Sociedade] são sinais claros da assistência so-
brenatural e predizem um futuro glorioso para ele e para o Oratório. Isso faz com
que recaia sobre nós o grave dever da gratidão. Temos a obrigação de não relegar
ao esquecimento nada do que se refira a Dom Bosco. Portanto, devemos fazer o
possível a fim de conservar esses fatos para a posteridade, de modo que algum dia,
quais tochas reluzentes, possam iluminar o mundo todo para a salvação dos jovens.
Essa é a finalidade pela qual instituímos este comitê. Seguem os nomes dos
membros fundadores: padre [Vitório] Alasonatti, padre [Miguel] Rua, padre
[Ângelo] Sávio, padre [João] Turchi, cavalheiro Frederico Oreglia di Santo
Stefano, clérigo [João] Cagliero, professor [João Batista] Francesia, professor
[Celestino] Durando, professor [Francisco] Cerruti, professor [João Batista]
Anfossi, professor [Francisco] Provera, clérigo [João] Bonetti, clérigo [Carlos]
Ghivarello e clérigo [Domingos] Ruffino.18
Ruffino continua:
Na primeira reunião [não há data], nomearam-se três membros que atuassem
como principais repórteres: Ghivarello, Bonetti e Ruffino. Na segunda reu-
nião, realizada em 30 de março de 1861 (estando ausentes Cagliero, Anfossi e
Durando), os membros procederam à eleição do presidente, do vice-presiden-
te e do secretário do Comitê. Foram eleitos respectivamente para esses cargos
padre Rua, padre Turchi e Ruffino.19
18
Croniche III, Ruffino, 1, em ASC A008s: Cronachette, Ruffino, FDB 1,211 A10. Cf. MB VI, 862.
19
Ibid., 1-2, FDB 1,211 A10-11.
20
Ibid., 2-3, FDB 1,211 A11-12.
21
Cf. Bonetti, Annali II, 59, abril 21, 1862, em ASC A004-5: Cronachette, Bonetti; FDB, 922 C5-6.
22
até nós. Temos também alguns breves relatos de Provera.22 A “breve crônica” de
Turchi, mencionada por Lemoyne nas Memórias Biográficas,23 não chegou até
nós, como também os relatos possivelmente feitos por Ghivarello.
As crônicas de Ruffino
Durante sua breve vida como Salesiano, Ruffino esforçou-se por anotar
os fatos e as palavras de Dom Bosco, e, em vários cadernos, deixou-nos cinco
Crônicas do Oratório e dois Livros de experiência sobre sua permanência em
Lanzo em 1864. Conservados em ASC (A008-13), estão no FDB, aparente-
mente em não perfeita ordem:
1. Caderno 1: Crônica do Oratório [...] N° 1, [1859]-1860.24
2. Caderno 2: Crônica do Oratório [...] N° 2, 1861.25
3. Caderno 3: Oratório de São Francisco de Sales, Nº 3. Crônica, Ruffino, 1861.26
4. Caderno 4: padre Ruffino, Crônica de 1861, 1862, 1863.27
5. Caderno 5: padre Ruffino, 1861, 1862, 1863, 1864.28
6. Livro de experiência: 1864, padre Ruffino.29
7. Livro de experiência: 1865, padre Ruffino, em Lanzo.30
As crônicas de Bonetti
Como principal membro do “Comitê histórico” de 1861, Bonetti con-
tinuou bastante sistematicamente o que iniciara já em 1858, ou seja, recolher
as palavras e os feitos de Dom Bosco. Suas crônicas preenchem cinco cadernos
que chegaram até nós. Podem ser vistos em ASC-FDB como segue:
MB VI, 453.
23
24
ASC A008-013: Cronachette, Ruffino, FDB 1,206 A5-E1.
25
FDB 1,210 D1 - 1,211 A8.
26
FDB 1,209 B2 -1,210 C12.
27
FDB 1,206 E2 -1,209 B1.
28
FDB 1,211 A9-1,212 A10.
29
FDB 1,212 A11, 213 C1.
30
FDB 1,213 C2-D7: Esta é mais curta por causa da morte inesperada do autor; está em ASC-FDB.
Transcrição reorganizada pelo padre Lemoyne das crônicas de Ruffino em três cadernos (FDB 1,213 D8-
1,217 A3) e também 20 páginas sem título, separadas, manuscritas, de Ruffino (FDB 1,217 A4-B11).
23
31
ASC A008-012: Cronachette, Bonetti, FDB 919 A2 - 920 A12.
32
FDB 920 B1 - 921 C6: Annali I.
33
FDB 921 C7 - 922 E7: Annali II.
34
FDB 922 E8 - 924 B2: Annali III.
35
FDB 924 B3-D1: Cronaca 1864.
36
Cf. p. 11 nota 55.
24
37
Lemoyne a Rua, Lanzo, Novembro 23, 1868, in ASC Rua V, 1, FDB 3,758 E3-4.
38
ASC 110: Cronachette, Rua, FDB 1,205 E6-1,206 A4. Cf. MB VIII, 204-205.
39
A. Amadei, Il Servo di Dio I, 253-254.
40
ASC A000-003: Cronachette, Barberis, FDB 833-849.
41
FDB 849-871.
25
42
FDB 792-831.
26
1. Um Caderno sem título, com registros que vão da sua chegada ao Oratório,
em 18 de outubro de 1864, até abril de 1865, testemunha o compromisso
imediato de Lemoyne à causa.44 À morte de Ruffino, em julho de 1865,
Lemoyne foi escolhido para sucedê-lo como diretor do vizinho colégio de
Lanzo, visitado com frequência por Dom Bosco. Ali, ele continuou sua
atividade de cronista.
ASC A004-013: Cronachette, Berto, FDB respectivamente: (1) 906 C8-907 D7; (2) 907 D8
43
-908 B4; (3) 908 B5-911 A8; (4) 911 A9 - D3; (5) 911 D4 - 912 A9; (6) 912 A10 - C11; (7) 912
C12 - 913 B12; (8) 913 C1 - 916 B9; (9) 916 B10 - 918 C12.
44
ASC A006-007: Cronachette, FDB 1,219 A7 - 1,221 B4 (está erroneamente sob o nome de Sala).
27
45
FDB 1,221 C8 - 1,222 B6 (também referido erroneamente a Sala).
46
Cf. FDB 860-963.
47
Ricordi di gabinetto é uma agenda iniciada em 1846, utilizada em parte por Lemoyne durante
seus anos de seminário e, novamente, para pequenos acontecimentos, quase quarenta anos depois! É
um caderno de formato pequeno com 402 páginas. Como acompanhava Dom Bosco nas pequenas
caminhadas pelos pátios do Oratório, ele conservou na memória, anotando mais tarde em seu caderno,
as lembranças dessas caminhadas com o Santo. As anotações originais conservam, entre outras coisas, o
último encontro de Dom Bosco com o cão Grigio [Cinzento] em Bordighera em 1883 (!), detalhes dos
problemas com o arcebispo Gastaldi, seu horário de dormir durantes os anos de atividade, a orientação
que desejava dar aos Salesianos Cooperadores etc., dados que não se encontram em outros lugares. O ca-
derno está em ASC A006-7: Lemoyne 4, mas pelo seu estado lamentável, não foi reproduzido no FDB.
48
Documenti per scrivere la storia di D. Giovanni Bosco, dell’Oratorio di San Francesco di Sales e
della Congregazione Salesiana, 45 volumes, impressos em cópia única para uso pessoal, em San Benigno
Canavese ou em Turim, Valdocco, desde 1885 (é citado como Documenti). Foi reproduzido em ASC
110: Cronachette, Lemoyne-Doc, e em FDB 966 A8 - 1,201 C12.
49
Memorie Biografiche di Don Giovanni Bosco, San Benigno Canavese e Turim: I-IX (1898-1917)
por João Batista Lemoyne; X (1939), por Ângelo Amadei; XI-XIX (1930-1939), por Eugenio Ceria.
Edição espanhola: Memorias Biográficas de San Juan Bosco (MBe), Volumes I-XX, Madri: Editorial
CCS, 1981-1998; traduzido do original por Basilio Bustillo.
28
As crônicas de Viglietti
O colaborador mais fiel de Lemoyne, a quem devemos o conhecimento
de Dom Bosco nos últimos anos, é Carlos Maria Viglietti (1864-1915). O
jovem Carlos sentiu-se cativado por Dom Bosco quando ainda era aluno
no colégio de Lanzo. Mais tarde, em 1884, Dom Bosco escolheu-o como
secretário e companheiro de viagem. Tanto por amor ao seu mestre como
por sugestão de Lemoyne, ele escreveu e conservou ciosamente os relatos do
que via e ouvia.
Viglietti foi responsável, sobretudo, pela anotação dos acontecimentos
das várias longas viagens feitas pelo Fundador em seus últimos anos, mas não
se esqueceu de anotar as coisas “de casa”, embora outros também o fizessem.
Comentário conclusivo
Apresentamos, resumidamente, as linhas mais importantes e os princi-
pais períodos dos relatos de testemunhas, voltando nossa atenção a personali-
dades relevantes. Deve-se levar em conta que chegaram até nós muitos outros
relatos de testemunhas, breves, mas significativos, sobre fatos relativos a Dom
Bosco. Em parte, eles preenchem os vazios de períodos importantes.
As numerosas recordações pessoais e as memórias, algumas bastante ex-
tensas, conservadas em ASC, também não foram detalhadas aqui. Elas pro-
porcionam um considerável conhecimento do Fundador, embora não tenham
o estatuto de testemunhas contemporâneas. A mais ampla delas é a memória
do coadjutor José Enria, ajudante de quarto de Dom Bosco enfermo.53
50
ASC A010-011: Cronachette, Viglietti, FDB 1,222-1,227.
51
ASC A010-011: Cronachette, Viglietti, FDB 1,232-1,240.
52
ASC A010-011: Cronachette, Viglietti, FDB 1,231 D5 – 1,232 C4.
53
ASC A013: Cronachette, “Enria Pietro Giuseppe nato il [...]”, FDB 932 D12 - 937 C8.
29
54
Palavras de Dom Bosco, como foram recolhidas pelo padre Viglietti em sua crônica sobre
Dom Bosco, dos anos 1884-1885, em ASC A 010-011: Cronachette, Viglietti, FDB 1,229 A10; cf.
MB VIII, 147s.
55
Os sete livros de Ruffino estão em ASC A010-011: Cronachette, Ruffino: [I] FDB 1,206 A5 –
E1; [II] FDB 1,210 D1 - 1,211 A8; [III] FDB 1,209 B2 -1,210 C12; [IV] FDB 1,206 E2 -1,209 B1;
[V] FDB 1,211 A9 -1,212 A10; [VI] FDB 1,212 A11 -1,213 C1; [VII] FDB 1,213 C2 - D7. Os livros
de Ruffino são acompanhados imediatamente da transcrição de Lemoyne: FDB 1,213 D8 - 1,217 A3.
30
17 anos. Permaneceu ali por dois anos, deixando-o para receber o hábito
clerical em sua cidade natal e entrar no seminário diocesano de Chieri. Em
1858, no entanto, uma espécie de saudade fê-lo retornar ao Oratório. Ali
começou a redigir uma crônica de fatos notáveis. Em 18 de dezembro de
1859 participou da primeira reunião da Sociedade Salesiana e foi eleito se-
gundo Conselheiro. Fez a profissão religiosa trienal em 14 de maio de 1862;
ficou ao lado do Fundador até a abertura do colégio de Mirabello, em 20 de
outubro de 1863, quando Dom Bosco o destinou para lá como professor,
tendo padre Rua como diretor. Foi ordenado em 21 de maio de 1864 e fez a
profissão perpétua em 15 de novembro de 1865. Já padre, substituiu padre
Rua como diretor do colégio de Mirabello em outubro de 1864, cargo que
ocupou até 1877, quando o colégio foi transferido para o próximo Borgo
San Martino.
Chamado novamente a Turim, ele exerceu cargos de responsabilidade na
Sociedade Salesiana: diretor do Boletim Salesiano (1877); diretor do Oratório
das Filhas de Maria Auxiliadora, em Chieri, de 1878 a 1883; comprometido
pessoalmente na controvérsia com o arcebispo Lourenço Gastaldi. Em 1886
foi eleito pelo Capítulo Geral IV para suceder ao bispo João Cagliero como
Diretor Espiritual da Sociedade Salesiana e das Filhas de Maria Auxiliadora.
Além de escrever importantes relatos e crônicas, foi autor de artigos, opúscu-
los e livros. De especial interesse para os Salesianos é a sua História do Orató-
rio, publicada em capítulos no Boletim Salesiano.56
Após a morte de Dom Bosco em 1888, foi nomeado postulador das
causas de beatificação e de canonização do Fundador. Como tal, recebeu do
padre Rua o encargo de reunir testemunhos e lembranças dos Salesianos so-
bre Dom Bosco. Morreu repentinamente em 5 de junho de 1891, aos 53
anos de idade.
Membro principal do “Comitê Histórico” de 1861, Bonetti continuou
de forma bastante sistemática o que iniciara em 1858. Suas crônicas preen-
chem cinco cadernos que chegaram até nós e abrangem os anos 1858-1863.
Apesar das questões de crítica que possam suscitar, as crônicas de Bo-
netti e de Ruffino são de fundamental importância para o conhecimento de
Dom Bosco na década de 1860.
56
G. Bonetti, La storia dell’Oratorio di San Francesco di Sales, publicada em capítulos no Boletim
Salesiano entre 1878 e 1886. Após a morte de Bonetti em 1891, foi publicada em forma de livro com o
título Cinque lustri di storia dell’Oratorio salesiano fondato dal sacerdote D. Giovanni Bosco. Turim: Tip.
Salesiana, 1892. A obra abrange os anos 1841-1865. O livro foi traduzido em espanhol como Cinco
lustros de historia del Oratorio Salesiano, Buenos Aires, 1897. O texto está em parte nas Memórias do
Oratório, de Dom Bosco, e em outros documentos de arquivo e de testemunhos.
31
A igreja de Maria Auxiliadora começou a ser construída em 1863 e foi inaugurada em 1868. A
58
Sociedade Salesiana, fundada em 1859, recebeu o decreto de louvor em 1864 e foi aprovada em 1869.
Suas Constituições foram aprovadas definitivamente em 1874.
59
E. Ceria, Profili, 308.
32
Em sua crônica, padre Barberis recolhe as palavras ditas por Dom Bosco
em certa ocasião:
Ele me disse: “Serás sempre o meu melhor amigo”. “Assim o espero certa-
mente”, respondi-lhe. “Serás o báculo da minha velhice (baculus senectutis
meae)”, insistiu Dom Bosco. Garanti-lhe: “Farei de muito boa vontade tudo
o que puder para ajudar”. Em seguida, Dom Bosco continuou: “Caberá a vós
concluir a obra que eu iniciei; eu fiz o desenho, vós terminareis o quadro”.
Respondi-lhe: “Espero que não destruamos a obra”. “Não, vós não a mutila-
reis”. “Eu estou fazendo simplesmente o rascunho da Congregação; a cópia
definitiva será tarefa dos que persistirem”.60
60
J. Barberis, Crônica autógrafa, 19 de maio de 1875, Caderno I, 15, FDB 833 C1 . “Serás o
báculo da minha velhice”, são palavras de encorajamento ditas por Dom Bosco também a outros Sale-
sianos, por exemplo, ao padre Lemoyne e ao seminarista Viglietti, conforme seu testemunho pessoal.
61
Entre outras, pode-se mencionar: Storia antica orientale e greca [História do Antigo Oriente
Médio e Grécia]. Turim: Tipografia Salesiana, 1877, 18ª ed. 1908; La terra e i suoi abitanti [A terra e
seus habitantes]. Turim: Libreria Salesiana, 1890. É especialmente notável o livro sobre a Pagatônia,
escrito para ser apresentado por Dom Bosco às autoridades eclesiásticas em Roma, em defesa das
missões salesianas, e publicado criticamente: La Patagonia e le terre australi del continente americano
[A Patagônia e as terras do sul do continente americano]. Introdução e texto crítico de Jesús Borrego,
Piccola Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 11. Roma: LAS, 1988.
33
ASC A004-5: Cronachette, Berto, FDB respectivamente: [I] 906 C8 - 907 D7; [I] 907 D8 -
62
908 B4; [III] 908 B5 - 911 A8; [IV] 911 A9 - D3; [V] 911 D4 - 912 A9; [VI] 912 A10 - C11; [VII]
912 C12 -913 B12; [VIII] 913 C1 - 916 B9; [IX] 916 B10 - 918 C12.
34
63
Cf. Carlos Maria Viglietti, Cronaca di Don Bosco, Prima redazione (1885-1888). Introdução,
texto crítico e notas por Pablo Marín Sánchez. Roma: LAS, 2009.
35
1. As primeiras biografias
A tradição biográfica de Dom Bosco teve início na década anterior à sua
morte, em 1888. O que caracteriza essa tradição, talvez caso único no gênero
hagiográfico, é que o mesmo Dom Bosco, ainda em vida, não só tivesse sido
motivo de várias biografias, como também, em ao menos um caso, fosse seu
próprio editor.
1
Pedro Ricaldone, Don Bosco educador, 2 vols. Buenos Aires: Edit. Don Bosco, 1954.
36
2
León Aubineau, Dom Bosco, sa biographie, ses oeuvres et son séjour à Paris. Paris: Josse, 1883. Un
Ancien Magistrat, Dom Bosco à Paris, sa vie et ses oeuvres. Paris: Libraire Ressaire, 1883.
3
O autor, Charles d’Espiney, nasceu em Bourg-en-Bresse (Ain) em 1824, estudou medicina em
Avinhão, Montpellier e Marselha e estabelecera-se em Nice, onde exerceu durante muitos anos a profis-
são de médico, mantendo excelentes relações profissionais e humanas. Seus contatos com Dom Bosco
datam ao menos de 1869. Em sua obra, ele narra o caso de um médico incrédulo que se apresentou a
Dom Bosco para que o curasse da epilepsia. D’Espiney conta com detalhes a conversa de Dom Bosco
com o médico e conclui com estas palavras sublinhadas no texto: “Nunca mais se repetiu o menor sinto-
ma daquela doença; e veio com frequência agradecer a Maria Auxiliadora, que o curou de corpo e alma”
(p. 101). As Memórias Biográficas repetem o fato, tomando-o, porém, da obra de d’Espiney, única tes-
temunha, parece, do que acontecera. Isto levou alguns a suspeitarem que se tratasse dele mesmo, apesar
das declarações de incredulidade do médico (“Eu não creio em Deus, nem na Virgem, nem na oração,
nem nos milagres”) não serem atinentes em absoluto à mentalidade do doutor d’Espiney, que naquele
momento já era um homem maduro, com 45 anos de idade. De qualquer forma, se não se tratava dele,
tudo leva a crer que ele estivesse presente no momento do fato e que, desde então, sua admiração e de-
voção por Dom Bosco foram constantes, tendo sido ele a introduzir Dom Bosco no círculo da nobreza
de Nice. Em 1879, acompanhou-o na visita ao conde Villeneuve, a quem Dom Bosco curou de uma
lesão recebida na cabeça ao cair de um cavalo. Poucos dias depois, também esteve presente à cura “mi-
raculosa” da condessa Villeneuve, deixando um atestado médico a testemunhar o fato. Em 16 de março
de 1881, organizou uma reunião de Salesianos Cooperadores, tendo lido uma poesia sua em que pedia
ajuda econômica para as obras salesianas. Em 6 de março de 1884, em Nice, atendeu a Dom Bosco que
se sentira enfermo, diagnosticando-lhe uma congestão hepática, e, por isso, os Salesianos chamaram o
doutor Combal, professor da Universidade de Montpellier, que nos deixou um detalhado diagnóstico
sobre o estado de saúde de Dom Bosco naquele momento. Por proposta de Dom Bosco, o Papa conce-
deu a d’Espiney a Ordem dos Cavaleiros de São Gregório Magno. Morreu em 13 de abril de 1891. Este
resumo da vida de d’Espiney foi tomado do artigo de Jesús-Graciliano González, publicado no Peru na
primeira tradução do “Dom Bosco” de Charles d’Espiney, em RSS 49 (2006) 397-413.
4
Charles d’Espiney, Dom Bosco. Nice: Tipografia e litografia Malvano-Mignon, 1881, 180
p. [citado como d’Espiney].
37
miraculosa de Maria Auxiliadora, era Deus que agia na vida de Dom Bosco.
Em consonância, a maior parte do livro, cerca de 100 páginas, era uma com-
pilação de “fatos miraculosos”, curas e outros feitos extraordinários.
A obra de d’Espiney tinha um atrativo autenticamente popular e ob-
teve grande sucesso. O livro foi impresso várias vezes, com não menos de
dez edições durante a vida de Dom Bosco; a décima terceira e última surgiu
em 1924. Ao rever a décima edição desta obra (1888), o padre salesiano
Luís Cartier realçou as credenciais do seu autor: “O relacionamento íntimo
e constante de d’Espiney com Dom Bosco, com o padre Rua [...] e com o
Patronato de São Pedro em Nice, dão a seu relato uma autoridade na qual o
leitor pode confiar com toda segurança”.5
Juízo excessivamente generoso, uma vez que a obra criou dificulda-
des para Dom Bosco e os Salesianos por causa das muitas inexatidões. Por
exemplo, um episódio narrava o fato de Dom Bosco ter recebido inespe-
radamente de presente uma grande soma em dinheiro num momento de
extrema necessidade. O nome do doador e os fatos relativos ao caso foram
totalmente alterados, produzindo o protesto do doador.6 Também grave era
o tom demasiado laudatório e a constante referência aos milagres. O episó-
dio da ressurreição do jovem Carlos também enfrentou objeções do próprio
Dom Bosco, que lançou sobre o doutor d’Espiney a responsabilidade da sua
narração, embora nunca tenha negado a veracidade do fato. A história não
apareceu mais na edição revista do livro em 1883; apesar de suas objeções,
Dom Bosco nunca desautorizou o livro. A décima edição, de 1888, comple-
tamente revista e reestruturada cronologicamente, obteve enfim a aprovação
dos Salesianos.
benfeitor do Oratório (MB IX, 762). Como resposta, Dom Bosco pediu ao conde que deixasse os bo-
atos de d’Espiney, garantindo-lhe que ele mesmo falaria com o médico na próxima visita a Nice [carta
de 18 de dezembro de 1881, em Epistolario Ceria IV, 99-100]. O relato da ressurreição do jovem Carlos
também não agradou a Dom Bosco. Este chamou a atenção de d’Espiney por ter falado do aconteci-
mento, embora nunca tenha negado que tivesse acontecido.
38
7
Trata-se do padre Luís Torra, nascido em Manresa (Barcelona) em 20 de novembro de 1851,
que ainda muito jovem foi para o Peru. Exerceu sua atividade sacerdotal na capital e em outros lugares
do Peru, pregando missões populares. Depois de alguns anos passados na Espanha, onde foi superior
do Convento de Loreto, perto de Sevilha, retornou ao Peru. Esteve também no Equador e trabalhou
nas missões mantidas pelos franciscanos entre os jívaros de Zamora. Era superior em Guayaquil quan-
do adoeceu e morreu santamente em 20 de setembro de 1900 aos 49 anos de idade. A circunstância
que, como ele mesmo disse, o levou e até o obrigou a imprimir a sua “deficiente” tradução foi uma
intervenção miraculosa em um naufrágio, no qual ele e seus companheiros imploraram os auxílios do
céu, formulando o voto de que, se saíssem com vida e sem lesões, fariam uma novena a Maria Auxilia-
dora e trabalhariam em favor da obra de Dom Bosco. Saindo indenes, cumpriram o voto e publicaram
em espanhol a obra de d’Espiney, que muito contribuiu para tornar conhecido Dom Bosco e sua obra
no Peru. Outros dados sobre essa tradução, cf. artigo citado de J. G. González, publicado no Peru...
(cf. capítulo 1, nota 3).
8
Don Bosco, pelo doutor Charles d’Espiney, Cavalheiro da Grande Cruz da Ordem Pontifícia
de São Gregório Magno; obra aprovada pela Congregação Salesiana. Segunda edição em espanhol,
traduzida da décima segunda edição francesa pelo presbítero da mesma Congregação, Camilo Ortúzar,
Turim: Tipografia e Livraria Salesiana, 1891; a obra foi publicada em português com o título Dom
Bosco pelo Dr. Charles d’Espiney. Niterói: Escolas Profissionais Salesianas, 2ª ed., 1928, 307 p.
9
Charles d’Espiney, Don Bosco. Barcelona: Tipografia e Livraria Salesiana, 1894.
10
Albert Du Boÿs, Dom Bosco et la pieuse Societé des Salésiens. Paris, Jules Gervais Libraire-
-Éditeur, 1884. O trabalho conciso de VI-378 páginas, formato médio, foi imediatamente traduzido
para o italiano por Giuseppe Novelli como Don Bosco e la Pia Società Salesiana. San Benigno Canavese:
39
Tipografia e Libreria Salesiana, 1884. Para a crítica da obra de Du Boÿs, veja-se Piera Cavaglià, Don
Bosco lettore della sua biografia: osservazioni al volume di A. Du Boÿs, Don Bosco e la Pia Società Sale-
siana (1884). RSS 22 (1984) 193-206. Albert Du Boÿs (1804-1889) nasceu em Metz numa família
monarquista conservadora, estudou em Paris e foi em seguida nomeado magistrado de Grenoble. Com
a queda da monarquia em 1830, abandonou a profissão legal e dedicou-se ao estudo das artes. É autor
de muitos livros jurídicos e históricos e vidas de santos. Foi amigo íntimo do bispo Dupanloup de
Orleáns, com quem compartilhou interesses histórico-literários e com ele assistiu ao Concílio Vaticano
I, momento culminante da sua carreira. Expressou, do ponto de vista conservador, as preocupações
políticas, religiosas e culturais do século XIX.
11
Esta visita é recordada pelo biógrafo Du Boÿs, mas aparentemente não foi registrada nos cír-
culos salesianos, cf. P. Cavaglià, Don Bosco, 200.
12
Cf. MB XV, 74-78, 90ss.
13
Cf. P. Cavaglià, Don Bosco, 200-203. Algumas revisões de Dom Bosco são muito pessoais.
Assim, onde Du Boÿs escrevera “santo padre”, Dom Bosco corrigiu para “pobre padre”. Na primeira
parte, Capítulo 6, “A preocupação caridosa de Dom Bosco pelos aprendizes do Oratório”, Du Boÿs
escrevera que quando os aprendizes retornavam para o almoço, punham-se em fila “enquanto Mamãe
Margarida servia a sopa de uma grande panela”. A adição lê “[Mamãe Margarida] e o próprio Dom
Bosco”. Onde o autor descreve os recreios e as atividades do Oratório, uma nota à margem explica:
“Dom Bosco interessou-se pessoalmente em aprender a tocar cada instrumento musical, para assim ser
capaz de instruir pessoalmente os jovens nos rudimentos desta arte”.
40
conservador, tinha uma tese a provar: a caridade cristã ainda não desaparece-
ra, mas brilhava radiosa na vida extraordinária de Dom Bosco.14
41
Os ataques provinham, em grande parte, do padre Cartier e do diácono Luís Roussin, diretor
16
do Boletim Salesiano francês em Turim. A obra foi praticamente condenada ao ostracismo pelos Salesia-
nos franceses; contudo, Villefranche viveu para ver sua obra publicada em inglês (1890) e em alemão
(1894). Para a crítica detalhada do curioso incidente, veja-se F. Desramaut, Mise à l’index, 72-82.
42
trabalhava nele com resultados “extraordinários”. Nada do que fazia era seu.
Como é lógico, devia sentir-se em situação difícil diante do que se dizia dele
ao público em geral, sobretudo com escritos extremamente laudatórios e que
encantavam narrando “milagres” e outros fatos “extraordinários”.
Dom Bosco não viveu para ler a obra de Villefranche. Podemos apenas
especular sobre o que poderia ter pensado dela. Sabemos, todavia, o que pensa-
va do livro do doutor d’Espiney e a atitude ambivalente diante daquela obra.17
Os sentimentos contrastantes de Dom Bosco são evidenciados nas cartas
escritas a Du Boÿs ao responder-lhe depois da publicação do livro. Numa
delas, depois de agradecer-lhe pelo “nobre, culto e importante trabalho” que
realizara, acrescentava: “Através da leitura do livro, senti-me muitas vezes
confundido, pois não mereço de modo algum esses louvores. Devem-se à sua
bondade, comprovada de muitas maneiras no passado, que o senhor queira
honrar a nossa humilde Congregação com este eminente trabalho”.18
Com o tempo, Dom Bosco aceitou a publicidade; talvez até lhe agra-
dasse, desde que ela contribuísse para promover a glória de Deus. Em 1885,
ao expressar sua preferência pela obra de Du Boÿs, Dom Bosco disse ao pa-
dre João Branda, diretor da obra salesiana de Barcelona-Sarriá: “Inicialmente
Dom Bosco sentia repugnância ao deixar publicar as coisas que se referiam
a ele; agora, porém, que a sorte foi lançada, é preciso ir adiante. O Du Boÿs
deve ser difundido o quanto mais se puder, vendê-lo, presenteá-lo, se for pre-
ciso, para que se faça conhecer a nossa verdadeira aparência”.19
Mencionou-se anteriormente a preferência pelo realce do miraculoso
nas antigas biografias de Dom Bosco. Ao apresentar agora o padre João Batis-
ta Lemoyne, o biógrafo que contribuiu, mais do que nenhum outro, para a
tradição biográfica de Dom Bosco, será preciso discorrer sobre uma forma de
fazer biografia que recorda a hagiografia medieval. Embora produto do século
XIX, esse modo de fazer biografia encerra uma mentalidade que conserva o
fascínio pelo sobrenatural, embora se sirva, em diversos graus, dos modernos
instrumentos de trabalho. Apesar de recorrer às fontes e à documentação,
esses escritos biográficos ainda prevalecem na tradição hagiográfica.
No caso de Dom Bosco, o propósito básico de Lemoyne consistia em
demonstrar que as graças extraordinárias do céu, além ou até mesmo em con-
tradição com as leis da natureza, atuavam continuamente. Essa era, inclusive,
Carta de 2 de outubro de 1884, nos arquivos da família Du Boÿs, citada por P. Cavaglià,
18
43
a convicção pessoal de Dom Bosco, igual à dos Salesianos e jovens que o rode-
avam, já que ele pertencia a esse entorno cultural e vivia e trabalhava com essa
mentalidade. Mentalidade que se pode qualificar de “pré-científica”. Há que
se aproximar, então, de todas as primeiras biografias de Dom Bosco, inclusive
a do padre Lemoyne e seus sucessores, com a compreensão exata de suas raízes
medievais, populares e religiosas.20
Em alusão à iniciativa do padre Rua, no prefácio do primeiro volume das Memórias Biográfi-
21
cas, padre Lemoyne escreveu: “Por outro lado, eu tinha ordem do nosso venerando Reitor-Mor padre
Miguel Rua de não omitir nada de quanto viesse ao meu conhecimento porquanto pudesse ser julgado
neste momento de alguma importância” (MB I, p. X).
44
Recolhendo a documentação
Padre Lemoyne pôs-se imediatamente a recolher a documentação que,
de algum modo, pudesse contribuir para contar a história de Dom Bosco.
Buscou todos os documentos existentes e acessíveis; para ele, o valor supre-
mo era a “história” narrativa. Estava especialmente interessado em tudo que
favorecesse a finalidade do seu trabalho: ressaltar a grandeza de Dom Bosco.
Como parte da história, tinham precedência as cartas, os relatos de sonhos,
as boas-noites e outras palavras de Dom Bosco. Além disso, para aproveitar
as fontes disponíveis, e com a finalidade de colecionar a maior quantida-
de possível de material, Lemoyne começou a interrogar sistematicamente as
testemunhas; primeira delas, o próprio Dom Bosco. Dessas pesquisas, por
exemplo, chegaram-nos os relatos sobre a mãe de Dom Bosco, Margarida
Occhiena, cuja biografia ele publicou em 1886, e uma considerável quantida-
de de materiais incluídos no primeiro volume dos Documenti e nas Memórias
Biográficas (MB).
Foram levadas também na devida consideração as atas do Capítulo Su-
perior (desde 1859), as atas das reuniões gerais dos diretores salesianos (desde
1864) e as atas dos Capítulos Gerais celebrados durante a vida de Dom Bosco
(1877, 1880, 1883 e 1886). Lemoyne fora o autor dessas atas desde 1883.
Lemoyne utilizou muitas crônicas e muitos memorandos feitos pelos
primeiros Salesianos. Serviu-se também dos relatos de muitas testemunhas
ouvidas no Processo de beatificação de Dom Bosco recolhidos no processo
Ordinário (1890-1897), que estiveram à sua disposição, apesar da natureza
restrita dessa informação.22
Os Documenti de Lemoyne
Após um período de pesquisa e coleta de material biográfico, ainda nas
primeiras etapas do projeto, Lemoyne decidiu organizar a obra em ordem
cronológica, distribuindo-a pelos anos da vida de Dom Bosco e imprimindo-
-as, para sua maior legibilidade. O resultado foi uma série de grandes e grossos
volumes — chegaram a 45 — que trazem o título Documenti (documentos).23
22
Cf. F. Desramaut, Memorie, 218-219; P. Stella, Canonizzazione, 111-112. Os clérigos salesianos
do Colégio de Valsalice dedicaram-se à transcrição das declarações sob a supervisão do padre Barberis.
23
Documenti per scrivere la storia di don Giovanni Bosco, dell’Oratorio di San Francesco de Sales
e della Congregazione Salesiana. Impressos para uso pessoal em San Benigno Canavese ou em Turim-
45
Escrevi a história do nosso amantíssimo pai Dom Bosco. Não creio que
tenha existido homem algum que mais amou a juventude e fosse amado
por ela. Reuni, não só tesouros admiráveis de fatos, palavras, trabalhos e
dons sobrenaturais como também incluí pequenos episódios que pode-
riam parecer sem importância, mas que, sem dúvida, ajudarão a formar
um juízo historicamente favorável sobre Dom Bosco e seu caráter. Não
omiti nada que me tenha chamado a atenção, já que tudo o que tivesse a
ver com ele era-me carinhosamente querido. São recortes de um álbum,
talvez desordenado; contudo, um índice ajudará sua consulta. Algumas
notícias são repetidas. As provas tipográficas não foram corrigidas ade-
quadamente. Isso se deve ao enorme trabalho de buscar e organizar os
documentos e atende, ao mesmo tempo, às ocupações que a obediência
ou a necessidade me impuseram. O tempo era essencial. Algumas passa-
gens careciam de correção crítica, especialmente aquelas que se referem
aos sonhos de Dom Bosco ou às predições sobre o futuro; porque se tem
a impressão de que a sua modéstia lhes deu certo relevo, ou talvez porque
não tenham sido corretamente entendidos por aqueles que conservaram
o relato ou a memória dos fatos. De minha parte, fiz constar com exa-
tidão o que muitos jovens, padres e seminaristas do Oratório deram-me
por escrito e o que eu mesmo vi e ouvi dos lábios de Dom Bosco. Acres-
centaria uma palavra de advertência. Estas provas tipográficas não são
mais do que um manuscrito, uma lembrança pessoal. Nelas, refiro-me a
muitas pessoas pelo nome, com a finalidade de estabelecer o caráter efe-
-Valdocco, a partir de 1885: ASC A 006-007: Chronachette-Lemoyne-Doc, FDB 966 A8 - 1.201 C12.
Os volumes estão encadernados com tecido preto, com o título em dourado no dorso.
46
24
Documenti I, 1, FDB 966 A 10.
47
25
Cf. prefácio de Amadei: MB X, p. IV-VI.
26
Cf. Eugenio Valentini, “Don Ceria scrittore”, Salesianum 19 (1957), 325.
48
Conclusão
O método dos biógrafos de Dom Bosco e o valor histórico das Memórias
Biográficas serão comentados a seguir. Aqui, basta dizer, como conclusão, que
Lemoyne e seus sucessores deram à luz uma história edificante e fiel para a
Família Salesiana. Foi assim que, sem exceção, os Salesianos que conheceram
Dom Bosco perceberam e reconheceram o trabalho de Lemoyne. Padre Albe-
ra, Reitor-Mor de 1910 a 1921, revisou pessoalmente as provas tipográficas
de Lemoyne antes da publicação, com exceção do volume VIII, que foi exa-
minado pelo padre Júlio Barberis.
A obra não é, absolutamente, uma biografia crítica. Por conseguinte,
uma nova geração de historiadores salesianos ocupou-se em colocar as ba-
ses dos conhecimentos críticos. Uma das finalidades dos estudos salesianos
49
27
Cf. P. Braido, Perspectivas, 537-546.
28
Francis Desramaut, Don Bosco en son temps (1815-1888). Turim: Società Editrice Interna-
zionale, 1996.
29
Pietro Braido, Dom Bosco padre dos jovens no século da liberdade. São Paulo: Salesiana, 2008.
30
Notem-se os títulos seguintes sobre o tema. Em defesa de Lemoyne, veja-se Ceria, Prefácio a MB
XV, 5-12; Prefacio a MB XVIII, 8-10; e em “Carta ao Diretor do Estudantado Teológico de Bollengo sobre
o Valor das Memórias Biográficas”, Turim, 9 de março de 1953. Na mesma categoria está a mais extensa apo-
logia, de Guido Favini, Don G. B. Lemoyne, Salesiano di Don Bosco: biografo onesto (Primo grande biografo
di Don Bosco), Turim: Scuola Grafica Salesiana, 1874. Um breve estudo erudito sobre a mesma questão
serve de introdução à edição crítica do texto de 20 cartas de Lemoyne: Pietro Braido - Rogelio Arenal
Llata, “Don Giovanni Battista Lemoyne attraverso 20 lettere a don Michele Rua”, RSS 7 (1988), 87-170.
50
31
Este resumo foi tomado do artigo de F. Motto, Una breve introducción, 57-82.
51
52
Bosco e abençoado pelo Céu. Dom Bosco era celebrado, admirado e amado
nos passos de Salesianos simpáticos, competentes, dotados para o trabalho
missionário com os mais humildes.
Estudiosos de sociologia, pedagogia e ciências históricas foram se inte-
ressando, embora lentamente, pelo fenômeno Dom Bosco durante os anos
entre as duas grandes guerras. O educador de Turim era admirado por reno-
mados estudiosos como Salvemini,33 como apóstolo da caridade, expressão da
“Itália mística”. Por ocasião da canonização em pleno período fascista, a figu-
ra do “mais italiano dos santos e o mais santo dos italianos” foi instrumen-
talizada politicamente. Com a inserção de Dom Bosco entre os pedagogos
católicos propostos na escola, iniciou-se nessa época uma notável literatura
histórica e pedagógica, mas que durou apenas cerca de trinta anos. Ao mesmo
tempo, pedagogos estrangeiros, sobretudo na Alemanha, interessaram-se pela
pedagogia salesiana e contribuíram com exposições teóricas independentes,
que nada tinham a ver com as contingências nacionais, com as leituras con-
fessionais ou com as instrumentalizações fascistas.
Um juízo de valor
Até a década de 1950, os esquemas históricos mais comuns na menta-
lidade dos Salesianos eram os que dependiam do documento, valioso sem
dúvida, das Memórias do Oratório. Dom Bosco era apresentado como “ins-
trumento do Senhor, segundo as necessidades do seu tempo”, em favor da
juventude pobre e abandonada. “Desígnios da Providência, caminhos do
Senhor, sonhos proféticos”: tudo era visto a partir dessa ótica. Na trilha dos
documentos de Valdocco, cheios de pathos, particularmente sensíveis ao fas-
cínio do personagem, embora preocupados com a objetividade histórica, a
maior parte dos escritos sobre Dom Bosco e as “vidas” de outros Salesianos
(Rua, Cagliero, Albera etc.) colocou-se entre a crônica pormenorizada e as
intervenções miraculosas, entre os dons da graça e sua correspondência. A
expansão da obra salesiana pelo mundo era sinal evidente da bênção de Deus
sobre a Congregação.
A figura de Dom Bosco teve enorme ressonância no mundo inteiro a par-
tir da década de 1920 e, sobretudo, depois da apoteose da canonização na
basílica de São Pedro, em 1934. Dado o tom dominante de aclamação do per-
sonagem, caiu-se em ilusões óticas que converteram Dom Bosco no inicia-
dor dos Oratórios de Turim, inventor da escola noturna, primeiro divulgador
do sistema métrico decimal, primeiro autor de contratos para aprendizes etc.
33
G. Salvemini, Lezioni di Harvard. Milão: Feltrinelli, 1966.
53
Chegou-se a criar o mito de Dom Bosco precursor de tudo, que soubera “criar”
tudo do nada.
Por outro lado, convertido em “figura legendária”, Dom Bosco foi con-
siderado, com justiça, um santo popular; aumentaram as práticas de devoção
entre as classes populares, pois ele era recebido como personagem e aconteci-
mento significativos. Em meio ao otimismo dos últimos decênios do século
XIX e os primeiros do século XX, os católicos, conscientes de suas forças e
da eficácia de suas intervenções, viram em Dom Bosco um precursor de suas
atuações. Além disso, a literatura “dombosquiana” do tempo oferecia docu-
mentos históricos de notável valor, embora não só porque alimentada pelo
conhecimento direto de Dom Bosco.
Há que se reconhecer a honestidade a toda prova dos primeiros bió-
grafos ou compiladores de memórias, pelo rigor e o cuidado que tiveram de
transmitir à geração seguinte tudo o que tinham como “verdadeira” história
de Dom Bosco.
Dito isto, deve-se acrescentar ainda que não se tratava de uma “história”,
nem como esta era entendida no final do século XIX, historiografia positi-
vista e historicista, nem, muito menos, como se entende hoje. O fascínio
do personagem levara a negligenciar a realidade do ambiente em que vivera
Dom Bosco, as forças vivas e operantes do seu tempo, o contexto em que
estivera inserido como iniciador, organizador e gerador de obras, muitas vezes
já existentes ou em vias de realização também por outros.
Única voz fora do compasso foi a de um estudioso salesiano, padre
Borino que, poucos anos depois da canonização de Dom Bosco, criticou
a apresentação do Santo em chave exclusivamente episódica, taumatúrgica,
teológica, edificante, como “colcha de retalhos de memórias” ou, pior ainda,
predominantemente retórica. Ansiava-se pelo surgimento de um “afortunado
autor” que pudesse ter a tríplice fortuna de “uma completa informação, uma
plena liberdade para escrever e certa sensibilidade artística: a arte de saber
imaginar bem e saber escrever bem”.34
54
55
muitos órfãos, o abandono dos filhos pelos pais devido ao trabalho, as classes
emergentes, o aumento do clero, a demanda do emprego juvenil..., todos “fa-
tos” que não podiam ser levados adequadamente em consideração até então.
Enfim, a historiografia devia situar Dom Bosco num quadro complexo, mais
amplo daquele no qual havia sido proposto até o momento.
O novo clima cultural do final da década de 1960, mediante avaliações,
orientações e instrumentos modernos de pesquisa, compartilhados com a
mais séria ciência historiográfica, levou ao aprofundamento do conhecimen-
to de Dom Bosco e do patrimônio herdado, individualizou-se o significado
histórico do personagem e da sua mensagem e foram identificados os inevitá-
veis limites pessoais, culturais, institucionais que, de forma quase paradoxal,
simbolizaram (e ainda simbolizam) as condições de vitalidade no presente e
no futuro.
Uma nova historiografia veio a surgir, então, graças a alguns estudos
decisivos, sobretudo de Francis Desramaut, para a pesquisa filológica e lite-
rária das Memórias Biográficas, de Pietro Braido, para a dimensão educativa
(Roma, 1964), e de Pietro Stella, para a reinterpretação global do persona-
gem.35 A historiografia precedente, fruto delicado de um momento histórico,
a ser respeitada e utilizada, era considerada como um entre muitos outros
materiais à disposição do historiador para voltar a repensar os fatos e inter-
pretá-los segundo os métodos em voga no mundo científico daqueles anos.36
Um juízo de valor
A “nova historiografia”, superando brilhantemente os limites da histo-
riografia anterior, libertou Dom Bosco dos angustos limites da esfera salesiana
de referência introduzindo-o no circuito da comunidade dos pesquisadores,
eclesiásticos e civis. A reconstrução histórica do personagem Dom Bosco, da
sua atuação entre os homens do seu tempo, com as qualidades e limitações
pessoais e no interior das coordenadas socioculturais e políticas do tempo,
reproduziram suas dimensões humanas e cristãs, oferecendo uma imagem
mais completa e mais verossímil: um santo, filho do seu tempo, ao qual deu
muito, mas do qual também recebeu muito.
35
P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, 3 vols. Roma: LAS, 1969-1988; id.
Don Bosco nella storia economica e sociale 1815-1870. Roma: LAS, 1980.
36
É sintomático que os estudos pioneiros de P. Stella, incluído no título, tenham preferido não
apresentar o protagonista como “poderoso e solitário”, mas em seu contexto preciso, colocando-se
assim nos antípodas dos critérios adotados pelo padre Ceria, que escrevia: “Antes de tudo, renunciei a
qualquer veleidade de enquadrar a vida do Beato no cenário dos tempos que foram os seus” (MB XI, 7).
56
57
58
37
Pascual Chávez, “‘Da mihi animas, cetera tolle’: Identidade carismática e paixão apostólica”,
ACG 394 (2006).
38
Ainda não foi escrita uma crítica biográfica séria sobre Lemoyne. Podem-se ver: Eugenio Ceria,
Don G. B. Lemoyne, em Profili dei Capitolari Salesiani morti dal 1865 al 1950, Colle Don Bosco (Asti):
LDC, 1952, 382-400; Lemoyne, Giovanni Battista, em Dizionario Biografico dei Salesiani, 166ss.; P.
Braido; R. Arenal Llata, Lemoyne, 87-170 (resumo crítico); F. Desramaut, Memorie, 29-46.
59
Primeiros anos
João Batista Lemoyne nasceu em Gênova, Itália, em 2 de fevereiro de
1839; era o mais velho dos seis filhos de Luís, médico de certo nível, e da
condessa Ângela Prasca. A família provinha de Châlons-sur-Marne, França,
de onde fugira havia duas gerações, antes do início do Reino do Terror, e
vivia em situação tranquila. Luís Lemoyne, além de manter uma rica clien-
tela, ocupava posições importantes na medicina, primeiramente na cidade e,
depois, no restante da província de Gênova.
Não se sabe muito da infância e juventude de João Batista ou de sua vida
familiar e educação dos primeiros anos. O pouco que se sabe encontra-se, so-
bretudo, em cartas familiares que chegaram até nós entre seus documentos pes-
soais. Parece que manteve estreita relação com os irmãos Vicente e Inácio, e que
gostava muito da irmã, Maria Bianca. Contudo, três pessoas teriam exercido, de
maneira particular, uma influência maior em sua infância: a avó, a mãe e o pai.
O ambiente cultural do entorno da família Lemoyne serviu de estímulo a
João Batista através dos estudos primários e secundários. Em 1856-1857, aos 17 e
18 anos, concluiu brilhantemente o Bacharelado e o Magistério (o que equivalia,
aproximadamente, ao grau universitário e ao diploma de professor). Não demorou
muito para vestir o hábito clerical e pedir para entrar no seminário de Gênova.
39
ASC A006-A007 Cronachette, Lemoyne, “Nell’autunno del 1864”, 1, em FDB 947 B5. Contudo,
depois de se unir a Dom Bosco, suas cartas tornaram-se líricas sobre a vida do Oratório.
60
Viva Maria! Querida mãe, rogo-te que abençoes estes propósitos. (1) Prometo
manter-me casto até meu último respiro. (2) Recitarei o ofício divino pro-
nunciando as palavras com clareza e distinção. (3) Aplicar-me-ei ao estudo e
não ocuparei o tempo com coisas inúteis. (4) Cumprirei com fidelidade todos
os meus deveres de subdiácono. (5) Amarei a Jesus como o meu amigo mais
íntimo. (6) Farei tudo para a glória de Deus. (7) Trabalharei intensamente
na vinha do Senhor. (8) Testemunharei que sou servo do meu Senhor Jesus
Cristo pelo modo de vestir, atuar, falar e caminhar.
Ó Maria, Vós me concedestes muitas graças, Vós vistes claramente minhas
batalhas! Ó, se pudesse levar adiante uma vida santa e jamais consentir num
pecado venial! Ó Maria, peço-vos que me obtenhais de Deus esta graça. Sei
que a obtereis para mim, porque fostes uma mãe para mim. Viva Maria! Viva
Jesus! Viva Pio IX! Teu humilde filho J. B. Lemoyne, que está para ser ordena-
do subdiácono, e pede que lhe alcances todas as graças de Deus.40
Sem dúvida, estas palavras revelam uma profunda vida espiritual, com
intensa orientação mariana. Entende-se sua devoção ao Papa e ao papado
particularmente no contexto da unificação da Itália (1861), obtida, em parte,
pela invasão e anexação dos Estados Pontifícios.
Reflete, de forma geral, a mentalidade conservadora que adquirira da
tradição e educação familiar. A família de Lemoyne era conservadora, o que
se compreende pela sua história e situação social. Desde a infância, porém,
João Batista também vivera as experiências da revolução liberal; e a rigorosa
educação católica devia ter contribuído para o sentimento de solidariedade
com o Papa, a quem os liberais, especialmente os republicanos, atacavam com
particular virulência. Os pontos de vista conservadores de Lemoyne foram se
arraigando mais profundamente com a evolução inexorável da revolução e,
em última instância, manifestam-se em sua obra de biógrafo e historiador.
Em comentários espalhados cá e acolá nos 9 volumes das Memórias Biográfi-
cas escritos por ele, encontram-se repetidamente censuras não só aos excessos
como também ao próprio fato da revolução liberal e do seu programa.
Lemoyne foi ordenado padre em 14 de junho de 1862. Não nos restou
nenhuma recordação de como passou os primeiros anos de padre antes de
40
Documento de arquivo citado em F. Desramaut, Memorie, 32, nota 19. [Nota do tradutor: a
mudança de tratamento consta do original].
61
41
Sobre a excursão de outono de 1864, veja-se MB VII, 749-783.
62
— De fato, mas agora que recuperei minha liberdade, embora admita ter pas-
sado alguns anos felizes no seminário, crês que vou encerrar-me novamente
entre quatro paredes? Por outro lado, para ser inteiramente sincero contigo,
não é uma ordem religiosa que eu quero [...].
— Pois bem! Nossa Senhora gosta tanto de ti que, se nenhuma das ordens
religiosas chamar a tua atenção, ela haverá de te apresentar uma que te seja
adequada, uma com que te comprometerás; verás logo.
Passaram-se dois anos desde aquela conversa. E eis que pela manhã, depois
de rezar o Rosário para obter luzes de Nossa Senhora, um pouco adormecido
[aquele jovem padre], ouviu uma voz que sussurrava aos seus ouvidos:
— Vai a Lerma, e ali encontrarás Dom Bosco.
Quando despertou totalmente, aquelas mesmas palavras ressoavam em sua
mente. Ele jamais ouvira falar de Dom Bosco, exceto uma vez. Não conhecia
nenhum amigo de Dom Bosco naquela parte do país. Se o Papa visitasse aqueles
lugares, seria seguramente mais aguardado do que Dom Bosco, pois aqueles lu-
garejos eram muito afastados do caminho normal. Por isso, chamou três amigos
e relatou-lhes a estranha experiência. Eles responderam:
— Lerma está a apenas uma hora de caminho; podes ceder à tua vontade.
Foi então a Lerma com um de seus amigos, mas não se atrevendo a perguntar por
receio de parecer ridículo, indagou a um padre seu amigo se tinha ouvido algo re-
lacionado com Dom Bosco, de Turim. O padre respondeu-lhe que, recentemente,
não tinha ouvido nada, mas poderia perguntar ao pároco, que estava em contato
pessoal com o fundador do Oratório. Perguntaram, então, na casa do pároco e,
para surpresa, disseram-lhes que Dom Bosco visitaria Lerma dentro de oito dias. O
jovem padre pulou de alegria ao ouvir notícia tão admirável. Voltou para casa [em
Belforte] onde os outros amigos o esperavam no pátio do grande castelo. Rindo do
que acreditavam ser uma pilhéria muito engraçada, gritavam lá de cima:
— Então, Dom Bosco vem ou não vem?
— Vem, sim — ressoou a resposta lá de baixo.
Desceram correndo ao encontro dos amigos e não podiam acreditar que o so-
nho fosse realidade. No domingo seguinte, Dom Bosco chegou a Mornese. No
outro dia, depois da cerimônia religiosa da tarde, o pároco de Lerma, arcipreste
[Raimundo] Olivieri, e o jovem padre, que tinha sido seu hóspede naquela
ocasião durante alguns dias, foram a Mornese. O padre Pestarino pediu-lhes
que ficassem para o jantar. Antes que Dom Bosco pusesse os olhos sobre aquele
padre que o olhava com ansiedade, perguntou-lhe:
— Como te chamas?
O padre disse o seu nome.
— De onde vens?
63
ASC A006-007 Cronachette, Lemoyne, “Nell’autunno del 1864”, em FDB 947 B5 e 3. Este resu-
42
mo é correlato (com mais detalhes) com o testemunho em primeira pessoa dado no Processo. Há uma tercei-
ra narração do acontecimento nas Memórias Biográficas, mais curta, porém comovedora (MB VII, 768-769).
64
Em uma carta aos pais, de 24 de dezembro de 1864, escreve: “Sinto-me sempre mais feliz em
43
minha nova situação [...]. Estou extremamente ocupado e não tenho um só minuto para perder tempo;
trabalhamos e trabalhamos com todas as nossas energias [...]” [Carta de 24 de dezembro de 1864, ASC
B538: Lemoyne, citado em F. Desramaut, Memorie, 35, nota 37].
65
44
Cf. MB VIII, 241, e MB VII, 160.
45
À morte do padre Pestarino (1874), Dom Bosco nomeou o padre José Cagliero (1847-1874)
para sucedê-lo como diretor espiritual local das Irmãs, mas este faleceu dois meses depois. Padre Tiago
Costamagna (1846-1921) foi, então, nomeado para substituí-lo. Em 1877, porém, ele foi chamado
a dirigir a terceira expedição missionária à América do Sul, onde se distinguiu como missionário e
superior salesiano e, enfim, como Vigário Apostólico de Méndez y Gualaquiza, no Equador. O cargo
de diretor espiritual local (na realidade, capelão) das Irmãs distinguia-se do de diretor espiritual geral.
66
46
Padre Lemoyne escreve à sua mãe: “Fui transferido a Turim [...]. Dom Bosco deseja que eu es-
teja perto dele, como seu ajudante especial e colaborador. Nosso Senhor não poderia designar-me para
um lugar mais desejável. Eu estarei em contato diário também com Maria Auxiliadora dos Cristãos, de
quem também serei secretário [...]. No que me cabe, não seria mais feliz, se fosse um rei [...]” [Carta de
18 de dezembro de 1883 em ASC B538ss, Lemoyne, citado em F. Desramaut, Memorie, 40, nota 65].
67
bem, eu te confio meu pobre ser. Cuida de mim com carinho, especialmente
quando se tratar de ouvir-me. Não guardarei nenhum segredo de ti, nem os
do meu coração nem os da Congregação. Quando chegar a minha última
hora, sentirei necessidade de um amigo íntimo com quem possa falar minhas
últimas palavras com plena confiança”.47
MB XVI, 419.
47
49
Em abril de 1884, padre Lemoyne acompanhou Dom Bosco em sua viagem a Roma [cf. MB
XVII, 73-123]. Pelo final de sua permanência na Cidade Eterna, Dom Bosco teve um sonho sobre o
Oratório, e padre Lemoyne o redigiu e enviou por carta ao padre Rua, em Turim. Trata-se da famosa
“Carta de Roma”. Talvez, seja o exemplo mais excelente de que o padre Lemoyne entendeu perfeita-
mente o espírito de Dom Bosco.
50
E. Ceria, Profili, 398.
68
51
O trabalho monumental de Lemoyne como cronista e autor de biografias é explicado à parte.
Lemoyne escreveu a dom Cagliero em 7 de dezembro [1886]: “Trabalho dia e noite, não tenho descan-
so, jamais deixo meu quarto, recuso qualquer outro trabalho, estou quase sempre sozinho. Contudo,
confio que meus irmãos rezarão do fundo do coração uma oração por mim quando eu morrer. Creio
que precisarei disso, pois compreenderás que esta vida é totalmente contrária à minha inclinação natu-
ral”. Cf. F. Desramaut, Memorie, 42, nota 73.
69
70
52
E. Ceria, Annali della Società Salesiana. Turim: SEI, 1941, 1943, 1946, 1951.
53
San Giovanni Bosco, Memorie dell’Oratorio di San Francesco di Sales dal 1815 al 1855 [...].
Turim: SEI, 1946. Em português: São João Bosco, Memórias do Oratório de São Francisco de Sales,
1815-1855, Tradução: Fausto Santa Catarina, 3ª. ed., revista e ampliada, aos cuidados de Antônio da
Silva Ferreira. São Paulo: Salesiana, 2005.
54
Epistolario di San Giovanni Bosco […]. Turim: SEI, 1955, 1956 e, póstumo, 1958, 1959.
55
Lisboa: Editora SDB, 1962.
56
F. Desramaut, Cómo trabajaron, 37-65.
71
57
Contra uma persistente e falsa opinião, Lemoyne não se desfez de suas anotações pessoais nem
das de outras pessoas depois de utilizá-las.
72
Essas testemunhas e seus relatos não são necessariamente fiéis pelo fato
de terem estado com “a fonte”, como se a proximidade com Dom Bosco
devesse garantir de modo absoluto a objetividade, lucidez ou exatidão de
suas afirmações. Isso deve ser comprovado em cada caso. As testemunhas
levantam problemas interessantes; devem-se distinguir, por exemplo, relatos
de primeira mão e outros de referências mais ou menos distantes; as teste-
munhas diretas, das indiretas; a ata, da testemunha posterior; o sonho, da
parábola onírica; os testemunhos autênticos, dos comentários sobre eles; uma
afirmação original, de uma elaboração posterior da mesma.
Poder-se-iam aduzir centenas, milhares quem sabe, de erros de Lemoy-
ne ao tratar dessas questões.58 Quando Bonetti (entre 1861 e 1863) ou Vi-
glietti (entre 1884 e 1885) recolhiam dos lábios de Dom Bosco lembranças
de sua vida pessoal, que se apressavam a escrever em seus cadernos, eram
testemunhas diretas, embora muito posteriores aos fatos referidos e, por-
tanto, expostos a todas as reconstruções não seguras da memória. Contudo,
as mesmas testemunhas puderam anotar também histórias que circulavam
no ambiente, que outros, talvez, teriam negado se chegassem a conhecê-las.
Eram coisas que “se contavam”, como escreve Ruffino, no início de alguns
episódios sobre Dom Bosco. Bonetti recapitulou seis relatos extraordiná-
rios num de seus cadernos: a admirável conversão de um ateu, o jovem
[Carlos] ressuscitado dos mortos, Dom Bosco e seus canários, o cão Grigio,
a multiplicação das castanhas e a multiplicação das hóstias consagradas.59
São episódios de veracidade incerta, mas gravadas na tradição salesiana e
contadas, quem sabe, como apoio à santidade do Fundador e que devem
ser devidamente avaliadas.
O mesmo se poderia dizer das deposições de muitas testemunhas ocula-
res (em sua maioria, simpatizantes de Dom Bosco), chamadas a testemunhar
58
Desramaut, ao comentar a nota escrita pelo padre Rua sobre o primeiro uso do título “Sale-
siano”, afirma que não se trata em absoluto de uma espécie de ata da reunião do “grupo dos quatro”,
de 26 de janeiro de 1854, “mas de uma anotação do padre Rua, provavelmente pedida pelo biógrafo
quarenta ou cinquenta anos depois do fato”. Segundo Desramaut, Lemoyne dá uma impressão equivo-
cada quando escreve: “O clérigo Rua recorda-se dela [da ata] em um escrito seu que ainda se conserva
em nossos arquivos” (MB V, 9). Entretanto, a única razão dada pelo crítico, é que ela não aparece nos
Documenti. Não parece uma razão suficiente, pois há muitas outras hipóteses que explicariam a exis-
tência da anotação, embora Lemoyne não a tivesse recolhido nos Documenti. Por exemplo, o padre Rua
pode tê-la escrito e retido como recordação pessoal. A anotação em questão está hoje no ACS. Isso nos
adverte de que é preciso acolher com cuidado as afirmações dos críticos, pois também eles correm o
risco de converter suas hipóteses em teses o que, sem provas convincentes, não é lícito a um historiador
sério [Nota dos editores da edição em espanhol].
59
MB IV, 156 [admirável conversão de um ateu]; III, 442 [multiplicação das hóstias]; IV, 710 [his-
tória do cão Grigio]; IV, 291 ss.; III, 575 [ multiplicação das castanhas]; III, 672 [o jovem ressuscitado].
73
74
60
Cf. G. Bachelard, La formation de l’esprit scientifique: contribution à une psychoanalyse de la
connaisance objective, 13ª ed., Paris, 1986; 1ª ed., 1938, 131-133. Quanto ao “obstáculo substancia-
lista”, este autor escreve: “Por instinto natural, a mente reúne pré-cientificamente num determinado
objeto tudo aquilo que o objeto realizou num determinado papel, ignorando qualquer jerarquia de
importância nesses papéis. Une assim, diretamente, a substância com as diversas qualidades, o superfi-
cial com o profundo, o óbvio com o oculto”. A pessoa preocupa-se “com a experiência externa óbvia,
evitando instintivamente qualquer exame crítico” [Ibid., 99].
61
Veja-se F. Desramaut, Memorie, 213-266, no capítulo, “La lecture et l’ordonnance de
la matiere”.
62
O Salesiano coadjutor José Rossi, por exemplo, testemunhou: “As mães confiavam-lhe o cuidado
de seus filhos, e Dom Bosco fazia-o com muita alegria, exceto quando se tratasse de meninas pequenas” [G.
Rossi. Proceso ordinario della Curia di Torino, 2511] (A Sra. Doroteia era a única “mãe” no sítio!).
63
Esta deposição, provavelmente oferecida por Gregório Moglia, foi incluída por Lemoyne nos
Documenti XLIII, 3.
75
menos uma, estão de acordo com o que disse Doroteia [ao referir a resposta
de Joãozinho]: “Dá-me os meninos que quiseres, e eu cuidarei deles, mas não
posso cuidar das meninas”. O relato da variante diz: “Eu não estou destinado
para isso”, respondeu tranquilamente Dom Bosco.64
A vontade de ser exaustivo levou-o, por exemplo, a duplicar o diálogo de
Joãozinho Bosco com padre Calosso em novembro de 1829, enquanto cami-
nhavam de Buttigliera aos Becchi. Padre Calosso pedira que o menino falasse
do assunto do sermão que fizera sobre o jubileu, e João respondeu-lhe. Padre
Lemoyne tem três narrações à disposição: uma de Dom Bosco nas Memórias
do Oratório, outra da crônica de Ruffino e outra ainda dos Annali I de Bonetti,
sendo as duas últimas praticamente idênticas. Cada uma delas conhecia apenas
um diálogo sobre um único sermão escutado. Mas, posto que a versão de Ruffi-
no-Bonetti (João falava durante dez minutos) diferia das Memórias do Oratório
de Dom Bosco (João falava durante meia hora), Lemoyne, acreditando que isso
serviria à causa da verdade, fez constar as duas versões. Apresenta Dom Bosco
discorrendo sobre um sermão “durante mais de meia hora” e, pouco depois,
mostra-o falando dez minutos sobre um segundo sermão.65
Duas curas em tudo semelhantes, de uma senhora paralítica, durante a
consagração da igreja de Maria Auxiliadora de Turim, em 1868, têm origem
semelhante. A primeira procede de um relato feito por Dom Bosco ao padre
Lemoyne em 1884.66 A segunda está três páginas adiante, no volume IX das Me-
mórias Biográficas, e provém de um folheto impresso no ano da consagração.67
Há outras duplicações, talvez não tão evidentes, mas quase igualmente
certas. Um exemplo está no episódio dos meninos que se ensoparam com a
chuva durante um passeio e foram atendidos pelo cavalheiro Marcos Gonella.
O episódio aparece no volume VI das Memórias Biográficas, tomado da versão
de Dom Bosco na vida de Miguel Magone. Em seguida, aparece no volume
VII, em ano diferente, baseado num episódio recolhido em 1884.68
76
Há dez dias [fevereiro de 1862], duas pessoas da cidade de Dom Bosco, Ânge-
lo Sávio e o subdiácono Cagliero, contaram-me esta história sobre ele. Certo
dia, em Castelnuovo, Dom Bosco percebeu que precisava cortar os cabelos e
entrou na barbearia [...]. Notando [que a empregada era uma mulher], levan-
tou-se logo, pegou o chapéu e saindo disse-lhe: “Jamais permitirei que uma
mulher me pegue pelo nariz”.70
Trata-se de uma historieta amena, contada pela gente do lugar, mas con-
vém ser cauto em considerar a cena isoladamente e as palavras pronunciadas
realmente por Dom Bosco, e, para mim, muito menos chegar à conclusão de
que foi uma prova da “castidade selvagem” de Dom Bosco. Lemoyne assumiu
a história de Bonetti; este, porém, ouvira-a de duas pessoas de Castelnuovo,
que, por sua vez, contavam uma historieta que corria entre o povo. Lemoyne
assumiu-a como lhe chegou.
69
Henri I. Marrou, De la connaissance historique, Paris: Èditions du Seuil, 1954, 101.
70
G. Bonetti, Annali II, 36s. A passagem aparece em MB V, 161-162.
77
Para o fato de Saint-Rambert, veja-se Documenti XLIII, 335-336, que foi editado tendo por
71
base uma carta de madame Adèle Clément, de 13 de abril de 1891. A informação foi posteriormente
confirmada pela sua filha (Lyon, 13 de abril de 1932). A história foi editada em MB XIV, 681-682.
Para o fato de Sarriá, veja-se Documenti XXXI, 86-89.
78
Atendo-nos aos relatos e observações feitas no século XIX pelos eruditos, [...]
o nível da cultura eclesiástica [nos seminários italianos] era medíocre [...]. A
qualidade da formação dos seminaristas, com suas sérias deficiências, foi de-
nunciada por Rosmini nas Cinque piaghe della santa Chiesa [As cinco chagas
da Santa Igreja], continuou a ser muito pobre, apesar de algumas evoluções.
Em geral, os professores não eram escolhidos pela competência e, com raras
exceções, descuidavam-se dos estudos empíricos [...].72
Não foi a fantasia que ditou estas páginas, mas o coração guiado pela fria ra-
zão, depois de longas pesquisas, correspondências, comparações [dos textos].
As narrações, os diálogos, tudo aquilo que acreditei digno de memória, não
são senão a fiel exposição literal do que os textos nos expuseram.73
72
P. Scoppola, “Italie: periode contemporaine”, Dictionnaire de spiritualité, VII, Parte 2, Paris,
1971, colunas 2296-2297.
73
MB I, IX ss.
79
80
74
MO, 111.
75
MB I, 519; MB I, 518.
81
82
80
MB IV, 119-120.
81
G. Bonetti, “Storia dell’Oratorio” [...], BS (abril 1881) 15, nota 1.
82
Documenti XL, 324-332.
83
MB XVIII, 621-623; MB XVIII, 569.
84
Cf. Epistolario Ceria IV, 393, nota.
83
F. Desramaut, “Le récit de l’áudience pontificale du 12 février 1870 dans les Memorie biografiche
85
de Don Bosco”, RSS 6 (1987) 81-104. Esta audiência imaginária é descrita em MB IX, 815, 826-827.
86
Xavier Thévenot, Don Bosco éducateur et le système préventif (Colloque universitaire de Lyon,
1988). Esta apresentação também está em Orientamenti Pedagogici 25 (1988), 704-705.
84
Quando Dom Bosco refletia sobre sua vida passada, sentia certamente
que Deus e a Virgem Maria o tinham guiado, iluminado e sustentado em
suas difíceis empreitadas, enfim coroadas de sucesso. Segue-se disso que o
biógrafo o visse como objeto de uma espécie de “predeterminação” divina.
Além disso, Dom Bosco afirmava ter visto num sonho Nossa Senhora que
lhe indicava um local de Valdocco e uma grande igreja que ali surgiria, com a
frase: “Esta é a minha casa, de aqui sairá a minha glória”. Ele, porém, nunca
afirmou que recebera desde o início instruções divinas ou uma vocação tão
clara ou como entendê-la e depois segui-la ao longo da sua vida. Essa inter-
pretação ignora as forças históricas e as causas secundárias, outro aspecto
típico da mentalidade pré-científica. Priva-se assim a vida do Santo do seu
significado histórico real. Essa é precisamente a imagem de Dom Bosco que
Lemoyne projeta nas Memórias Biográficas. Confirma-o um estudo recente
de Braido e Arenal sobre Lemoyne historiador, citando um pequeno trabalho
feito por ele a respeito do papel de Maria na vida de Dom Bosco. Tudo se
resume numa simples regra: “Sempre que Dom Bosco projetava um novo
empreendimento, costumava falar como se visse claramente todas as suas
etapas mais ou menos triunfantes [...], como o capitão de um barco [...] que
conhece antecipadamente toda a travessia, mesmo antes de o barco deixar o
porto. Ó, quão boa é a Virgem!”.87
Lemoyne escreveu isso em 1889. Quatro anos antes, ele expressara quase
a mesma ideia nos Documenti, em relação à visita de Dom Bosco ao padre
Antonio Rosmimi, em cuja congregação pensava entrar. Lemoyne escreve:
Ele, por sua vez, estava disposto a total obediência a alguém que lhe dissesse
o que fazer, e teria preferido continuar seu projeto sob a autoridade de algum
outro; em outras palavras, guiado pela obediência a um superior. Entretanto,
a Virgem Maria, numa visão, indicara-lhe o campo do seu trabalho. Ele tinha
um plano predisposto e preordenado do qual não podia e não devia desviar-se
livremente; era inteiramente responsável pelo seu resultado; e tinha uma visão
clara do caminho a seguir e dos meios a empregar para o empreendimento ter
sucesso. Não podia, portanto, pô-lo em perigo confiando-o ao julgamento e
aos desejos de outros. Naquele ano, ele simplesmente queria estudar se pode-
ria levar a cabo a sua obra em algum instituto existente, mas logo percebeu
que não [...].88
87
G. B. Lemoyne, La Madonna di Don Bosco: ossia Relazioni di alcune grazie concesse da Maria
Ausiliatrice ai suoi devoti. Turim: Tipografia Salesiana, 1889, 17-19, em Pietro Braido - Rogélio Are-
nal Llata, Lemoyne, 113.
88
Documenti III, 151.
85
“É verdade, reverendo Dom Bosco, que [o senhor] esteve alguns dias como
noviço entre os dominicanos?” “Não [com os dominicanos], mas eu tinha
pensado em unir-me aos oblatos aqui em Turim, aos rosminianos [...].
Quanto ao que me dizia respeito, creio que poderia ter vivido em harmo-
nia, sob a obediência, em qualquer comunidade religiosa. De fato, teria
sido feliz por tê-lo feito. Entretanto, já tinha criado um plano bem elabo-
rado, ao qual não podia e não devia renunciar. Considerei a possibilidade
de colocar aquele plano em execução numa congregação já existente, mas
percebi que isso não se podia concretizar. Por conseguinte, não me uni a
nenhuma congregação, mas decidi-me a reunir pessoalmente um grupo de
irmãos ao meu redor, de modo que lhes pudesse comunicar o espírito que
eu sentia tão profundamente [...], porque tinha uma clara compreensão da
direção a tomar e dos meios a usar para chegar à meta”.
A esta altura, Dom Bosco parecia confuso, como que incapaz de encontrar
palavras adequadas para explicar o que queria dizer, mas também sem reve-
lar muito. Para expressá-lo com palavras simples, creio que ele queria dizer
isto: “A Virgem Maria mostrara-me numa visão o campo em que fora cha-
mado a trabalhar, assim como os meios a usar para chegar à meta. Como
estava sozinho e não tinha ninguém para ajudar-me, pensei em unir-me a
alguma congregação em que pudesse levar adiante o plano que a Virgem
me havia confiado e conseguisse colaboradores para aquele fim. Descobri,
porém, que o espírito daquelas congregações, por mais santo que fosse, não
se adequava ao que eu tinha em mente. Assim, preferi trabalhar sozinho, e
abandonando a ideia de servir-me de colaboradores já formados, recrutei
meus próprios operários”. Não precisamos demonstrar tudo isso. Sabemos
que, ao menos desde 1843-1844 Dom Bosco criara planos bem elaborados,
isto é, planos que lhe tinham sido confiados pela Virgem Maria. Esse foi o
86
ano da famosa visão em que lhe foi dada a faixa (da obediência) com que
amarrar a cabeça de seus colaboradores.89
89
J. Barberis, Crônica autógrafa, Caderno III, janeiro 1, 1876, 55 FDB 835 E6 e 55-56, FDB
835 E6-7. A “faixa da obediência” refere-se ao sonho de 1844, como referido por Barberis a partir da
narração de Dom Bosco, em 1876.
90
MB III, 247.
91
MB I, 426.
92
Desramaut explicou profusamente a duplicação do sonho da vocação de Dom Bosco aos 9
anos, em Memorie, 250-256.
87
88
Alguém suspeitou que fosse um agente da polícia francesa enviado para in-
vestigar as ideias políticas de Dom Bosco [em especial, sobre a possibilidade
de restaurar a monarquia francesa]. Em todo caso, as respostas do Santo não
podiam levantar suspeitas ou dar motivo para uma acusação. Fora sempre sua
diretriz não se imiscuir em política.
Por exemplo, Ceria, ao citar os Documenti, faz Dom Bosco dizer no Capítulo Geral III (1883)
94
que o Bolletino Salesiano deveria ser difundido “como um periódico público” (MB XVI, 412). As atas
do capítulo, redigidas sem dúvida por Marenco, que Ceria teve diante dos olhos, assinalavam justa-
mente o oposto: “Não devia ser promovido como um periódico” [ASC 046, CG 1883, 6].
89
Ele foi mais moderno do que Lemoyne no enfoque, pois normalmente não
insistia muito nos prodígios. Havia algum progresso entre a geração de Le-
moyne e a seguinte. Não obstante, embora Ceria tenha sido mais prudente e
cauteloso na leitura de suas fontes, não pôde livrar-se totalmente da qualifi-
cação de “pré-científico” que se aplicou ao seu predecessor.
O texto dos volumes IX-XIX das Memórias Biográficas demonstra a ha-
bilidade literária de Ceria. O material relativo aos diversos anos da vida de
Dom Bosco está bem organizado, não agrupado aleatoriamente pelo gosto
da cronologia. Cada capítulo tem seu próprio título, que corresponde ao
conteúdo. O estilo é claro e a história desenvolve-se com fluidez. Para apre-
ciar essa qualidade literária bastaria retroceder e ler (pelo gosto de comparar)
algumas páginas do volume X, de Amadei. É como passar de um jardim
regular e ordenado a um bosque inculto. Para qualquer leitor das Memórias
Biográficas, os anos 1871-1874 da vida de Dom Bosco são incompreensíveis
na forma como Amadei os narrou no volume X.
Diversamente, o relato de Ceria dos anos 1875-1888 recolhe os aconte-
cimentos característicos de cada ano, que incluem a expedição dos primeiros
missionários, as fundações na França, que obtiveram sucesso ou não, os es-
forços de Dom Bosco para resolver os problemas com o arcebispo Gastaldi,
o assunto da Concórdia imposta por Leão XIII, as grandes viagens a Paris em
1883 e à Espanha em 1886, e os dolorosos últimos meses da vida de Dom
Bosco. Ceria apresenta estes acontecimentos de forma clara e cuidadosa.
Sem dúvida, algumas das decisões de Ceria como compilador das Me-
mórias Biográficas são questionáveis. Ele atenuou alguns episódios difíceis,
suavizou algumas conversas e, ocasionalmente, suprimiu os aspectos menos
agradáveis de alguns personagens. Era basicamente uma questão de diploma-
cia! Em 12 de agosto de 1952, padre Ceria disse-me pessoalmente [Desra-
maut] que em 1930 um cônego da cúria de Turim lhe negou o imprimatur
para o volume XI das Memórias Biográficas (o primeiro volume de autoria de
Ceria), porque o livro apresentava o arcebispo Gastaldi de um ponto de vista
desfavorável. Ceria pedira conselho ao jesuíta padre Rosa, da Civiltà Cattoli-
ca, que lhe aconselhara a publicar o trabalho pro manuscripto [privadamente],
instrumento jurídico que o dispensava de qualquer revisão da chancelaria
turinense. Assim, ele pôde publicar a obra, e o fato serviu-lhe de lição: padre
Ceria levou em consideração as reações de alguns eclesiásticos, o que pode
explicar seu silêncio sobre alguns temas em várias ocasiões.95
95
No mesmo dia ele me falou [Desramaut] sobre um incidente similar que foi de grande impor-
tância. Em 1930, um “revisor oficial” (um cardeal, se bem me recordo) disse ao padre Ceria que ele devia
90
Comentário final
Concluindo estas observações sobre o método de trabalho dos três au-
tores das Memórias Biográficas, é oportuno considerar as duas categorias de
pessoas que se aproximam deste trabalho, com intenções muito diversas. De
um lado, estão os que buscam alimento espiritual na leitura contínua das
suprimir o capítulo inteiro sobre o arcebispo Gastaldi no primeiro rascunho do seu magnífico livro, San
Giovanni Bosco nella vita e nelle opere. Ele o fez com grande reticência. De fato, na página 283 (no final
do capítulo XXXIV sobre a igreja de São João Evangelista), ele acrescentou estas palavras: “Este foi ape-
nas um dos episódios muito dolorosos, uma pequena parte da grande história de sofrimento que, devido
à sua duração e consequências, foi a provação mais severa que o Santo precisou suportar”. A passagem
conclui simplesmente: “Contudo, outras considerações de maior peso sugerem que a narração destes
assuntos deve ser postergada para um momento e lugar mais oportunos”.
96
Cf. Documenti XXXVI, 77 (da crônica de Viglietti), e MB XVIII, 430.
97
Cf. Documenti XXX, 521-523, e MB XVII, 197 ss.
98
Cf. Documenti XXX, 571 e MB XVII, 586.
99
Ele omite, por exemplo, a comparação inapropriada feita nos Documenti entre os intercâmbios
epistolares de Dom Bosco e a condessa Parisina Cessac e o relacionamento de São Francisco de Sales com
Chantal. Lê-se nos Documenti XLIV, 461: “Eram como os de São Francisco de Sales e Chantal […]”.
Veja-se também MB XVI, 231, onde Ceria escreve: “...e parece que tenha recebido dele muitas cartas de
direção espiritual. É o que se diz, mas até agora nós não conhecemos nem sequer uma delas”. Ceria está
certamente falando do que se narra nos Documenti que ele tinha diante dos olhos enquanto escrevia.
91
92
93
1
Para tratar das Memórias do Oratório, de Dom Bosco, usaremos o ensaio de Pietro Braido,
“Memorie del futuro”, RSS 20 (1992), 92-127. Cf. também a introdução feita por Aldo Giraudo à
edição das Memorias del Oratorio. Madri: Editorial CCS, 2010. Pode-se consultar também o tratado
de F. Desramaut, Memoire, 115-134, e id., Don Bosco, 1005-1008. Veja-se ainda a Introdução de
Antônio Ferreira da Silva, Memórias do Oratório de São Francisco de Sales 1815-1855. 3ª edição, São
Paulo: Salesiana, 2005.
94
2
O manuscrito original de Dom Bosco é conservado em ASC A220ss: Autografi-Oratorio, “Memo-
rie dell’Oratorio”. FDB 57-60. A cópia de Berto com as correções de Dom Bosco e os acréscimos: ibid.,
FDB 60-63. A obra foi publicada pela primeira vez com notas dos manuscritos de Berto sob o título de
San Giovanni Bosco, Memorie dell’Oratorio di S. Francesco di Sales dal 1815 al 1855, edição de Eugenio
Ceria. Turim: SEI, 1946 [MO Ceria]. A edição crítica foi publicada pelo Instituto Histórico Salesiano
com o título G. Bosco, Memorie dell’Oratorio di S. Francesco di Sales dal 1815-1855. Introduzione, note
e testo critico a cura di Antonio da Silva Ferreira. Roma: LAS, 1991 [MO Silva]. Em espanhol, foi
traduzida e publicada em Quito, por F. Peraza, e, em Madri, com introdução de Aldo Giraudo, em
edição preparada por José Manuel Prellezo. Madri: Editorial CCS, 2003, com o título de Memorias del
Oratorio de San Francisco de Sales de 1815 a 1855. O mesmo José Manuel Prellezo cuidou também da
edição da obra em Juan Bosco, El sistema preventivo en la educación: memorias y ensayos. Madri: Biblioteca
Nueva, 2004, 97-248. Em português, foi traduzida por Fausto Santa Catarina, revista e ampliada por
Antônio da Silva Ferreira, Memórias do Oratório de São Francisco de Sales 1815-1855. 3ª edição. São
Paulo: Salesiana, 2005. As citações neste trabalho com a sigla MO são desta edição em português.
3
MO 23.
95
96
As circunstâncias da redação
Em sua introdução, Dom Bosco diz que escrevia por obediência “à auto-
ridade de quem me aconselhava”,5 referindo-se às palavras de Pio IX em 1858
e, novamente, em 1869. O motivo da obra deve ser buscado na sugestão de
Pio IX a Dom Bosco durante a histórica audiência de 1858, quando Dom
Bosco falou pela primeira vez ao Papa sobre a sua ideia de fundar uma con-
gregação religiosa. Como se lê nas Memórias Biográficas, a conversa versara
sobre Domingos Sávio, falecido recentemente, e os dons “sobrenaturais” com
que o jovem fora agraciado:
97
8
O texto crítico destes três documentos foi publicado por Pietro Braido. Don Bosco per i giova-
ni: “l’oratorio” - una “congregazione degli oratori”. Documenti. Roma: LAS, 1988, 7-77. Tradução em
espanhol: Pietro Braido (ed.), Juan Bosco, el arte de educar: escritos y testimonios. Madri: Editorial CCS,
1994. As duas Notas históricas sobre o Oratório foram reproduzidas por J. M. Prellezo em Juan Bosco,
El sistema preventivo, 74-95.
9
Os dois textos foram editados criticamente: G. Bosco, Il sistema preventivo nella educazione
della gioventù. Introdução e textos críticos de P. Braido. Roma: LAS, 1985. Publicados na Espanha em
Pietro Braido (ed.), Juan Bosco, el arte de educar: escritos e testimonios. Madri: Editorial CCS, 1994, e
reproduzidos por J. M. Prellezo, Juan Bosco: el sistema preventivo, 249-260.
10
Cf. P. Braido - F. Motto, Don Bosco, 111-200.
98
99
não pretendesse escrever uma autobiografia. O título do livro não nos deixa
qualquer dúvida a respeito; por isso, não se pode interpretar como “memórias
pessoais” ou “memórias autobiográficas”, mas com o que querem ser: “memó-
rias do Oratório”.13
O Oratório estava intimamente ligado à sua pessoa; isso, porém, não
significa que as realidades sejam intercambiáveis. A história da obra não é
idêntica à história de quem a realiza, e menos ainda quando, como neste caso,
o agente humano sempre se apresenta em segundo plano em relação ao Agen-
te Divino. Nas Memórias, a missão do Oratório não é considerada assunto
pessoal. Isso seria confundir o “ideal” inspirado por Deus (que possivelmente
vai assumindo formas históricas progressivas) com o indivíduo concreto, cha-
mado a trabalhar pelo ideal em circunstâncias históricas particulares.
Na introdução ao Esboço de Regulamento do Oratório (1854), Dom Bos-
co apresenta o Oratório como uma instituição sagrada, no sentido de ser
obra da Divina Providência. O Oratório era destinado a ser um instrumento
a partir do qual, nas novas circunstâncias históricas, a “santa religião do Filho
de Deus” iria trabalhar a favor da juventude.14 Por essa razão, Dom Bosco fala
sem rodeios do Oratório, porque em sua mente é o novo modo inspirado por
Deus para ajudar a juventude, como o “exigem os novos tempos”. Ao fazê-lo,
deve falar também de si mesmo, mas só enquanto sua vida se liga à obra do
Oratório, e pouco mais.
Dom Bosco fizera do Oratório, assim concebido, o tema de escritos
e discursos muito antes de escrever as Memórias. Por exemplo, nos docu-
mentos de 1854 e 1862 e nas conferências e conversas familiares com que
ia formando seus Salesianos nos anos de 1860, falava do Oratório com
os mesmos termos “carismáticos”. O tema do Oratório também funciona
como leitmotiv na “carta-declaração” do Comitê histórico em sua fundação
13
As Memórias na edição inglesa trazem o subtítulo de Autobiografia de São João Bosco. Na edição
francesa, de Francis Desramaut, intitula-se Souvenirs autobiographiques. Desramaut trata de esclarecê-
-lo. Escrevendo Memórias, 120-121.131-133, ele usa o termo “autobiographie”, mas só aparentemente
relacionado com a segunda finalidade (para entretenimento) e com os elementos históricos pessoais,
não necessariamente relacionados com o principal propósito educativo. Ademais, “esta autobiografia
é um pequeno tratado sobre o método educativo em vigor” (p. 121). O mesmo autor escreve em Don
Bosco, 1005-1008: “Para começar [Dom Bosco] não escrevia suas memórias pessoais como seria apre-
ciado pelos franceses; não presumia [...] escrever uma história do Oratório” (p. 105). Especula dizendo:
“Terá Dom Bosco nos deixado em suas Memórias uma autobiografia dissimulada no estilo de Gil Blas?
[O caráter autobiográfico das Memórias] poderá ser discutido por muito tempo no futuro” (p. 107)
[Gil Blas é uma novela picaresca talvez com base autobiográfica]. Sem dúvida, é obrigatório conceder
à obra de Dom Bosco o título de “autobiografia”. Isso colocaria Dom Bosco entre as grandes figuras
históricas que legaram uma “autobiografia” à posteridade.
14
Cf. P. Braido, Don Bosco I, 30-31.
100
Plano narrativo
A narrativa da história apresenta-se dividida em décadas. A divisão é
deliberada e cuidadosamente elaborada, criando um paralelo entre os mo-
mentos significativos da vida de Dom Bosco e o desenvolvimento crucial da
experiência do Oratório. Contudo, os momentos biográficos só têm relevân-
cia enquanto servem de base da experiência do Oratório, que é o interesse
central das Memórias. Dom Bosco deixa-o claro: “Apresento estas memórias
divididas em décadas, ou períodos de dez anos, porque em cada uma delas
se produziu um notável e sensível desenvolvimento de nossa instituição”.16
Na prática, a divisão é determinada por acontecimentos reais ou simbóli-
cos que, embora façam parte da história pessoal do autor, têm significado en-
quanto demarcam um cenário no desenvolvimento da experiência do Oratório.
Os dez anos do período da infância (1815-1824/1825) são tratados tão
brevemente, que nem sequer os considera como décadas, mas situam o “apa-
recimento” do Oratório.
A primeira década (1824/1825-1834/1835) abre-se com o primeiro
sonho vocacional. Olhando para trás, Dom Bosco interpreta e apresenta o
sonho intencionalmente como uma investidura divina da missão oratoriana.
O compromisso imediato de João Bosco com os meninos do seu ambiente
acompanha aquilo que o sonho sugere. Durante os estudos secundários em
Chieri (1831-1835), seu compromisso floresce no apostolado entre os com-
panheiros. Aqui, o Oratório assume o lugar central.
15
Cf. Croniche, Ruffino.
16
MO, 23.
101
17
MO, 81.
18
MO, 125.
19
MO, 135.
20
Sobre os vários locais do Oratório, cf. MO, 135-159. Dom Bosco estava firmemente conven-
cido de que Deus estava na obra do Oratório tanto para levar à salvação dos jovens por meio do Ora-
tório como para castigar a quem se opusesse à obra. Ao falar na primeira profissão em 14 de maio de
1862, Dom Bosco disse: “A tarde toda não bastaria para enumerar os dons especiais da proteção divina
demonstrada ao nosso Oratório desde seus inícios. Nisso está a nossa certeza de que Deus está conosco.
Portanto, podemos ir adiante com a certeza de que estamos realizando a santa vontade de Deus” (G.
Bonetti, Annali III, 4, em ASC A004s, 922 E12].
21
MO, 158. Há um problema real quanto ao início da terceira década. Nos manuscritos origi-
nais da edição crítica de 1991, dão-se dois limites cronológicos da terceira década. O primeiro diz: “3º
Memórias do Oratório de 1845 a 1855” [MO Silva, 134], seguido da história dos diversos lugares onde
102
Esta tarde, o Reverendo Dom Bosco ouviu algumas confissões [...]. Após
o jantar, entreteve-se a conversar sobre os primeiros anos do Oratório [...].
“Quando os oratórios tiveram início, aconteceram muitos fatos importantes
o Oratório se foi estabelecendo (1845-1846). A segunda diz: “Memórias do Oratório de São Francisco
de Sales de 1846 a 1856” [MO Silva, 157]. A segunda revisão é feita depois da localização no terreno
do senhor Pinardi (março-abril, 1846) e vem seguida da história da bênção da capela da casa Pinardi
(“uma nova igreja”). A dupla informação da terceira década pode ser explicada pelo fato de Dom Bosco
ter a intenção de estabelecer um ponto adequado para o próximo passo. Poderia estar refletindo se isso
aconteceu quando deixou o Pequeno Hospital Barolo em 1845 (tempo do Oratório itinerante) ou
quando do assentamento na propriedade Pinardi (1º de abril de 1846). Deve-se levar em consideração
que o compromisso vocacional definitivo de Dom Bosco com os “pobres e abandonados” aconteceu
durante o terrível inverno de 1845 (portanto, antes do seu assentamento na casa Pinardi), quando,
apesar da doença e da oposição, optou por continuar com o Oratório.
22
Cf. MO, 205.
23
Cf. MB V, 9. A anotação do padre Rua sobre o uso do termo “Salesiano” pela primeira vez
não era realmente um original da reunião acontecida em fevereiro de 1854, mas uma nota mais tardia
que o padre Rua escreveu provavelmente a pedido de Lemoyne por volta de 1891. Lemoyne dá uma
impressão errada quando escreve: “O clérigo Rua guardou memória disso num escrito pessoal, que
ainda se conserva nos arquivos” (MB V, 9).
103
24
Julio Barberis, Croniche autobiografiche, Caderno III A, 46-47 (sábado, 1º de janeiro de
1876), FDB 835 D9-10.
25
Julio Barberis, Croniche autobiografiche, Caderno IV A, 38-41 (quarta-feira, 2 de fevereiro de
1876), FDB 837 C12 - D1 (os cursivos são meus). Nunca se escreveu nem sequer se tentou escrever
uma História da Sociedade Salesiana, a não ser que se creia que o Testamento Espiritual de Dom Bosco
que traz o título de Memórias do Oratório de 1841 a 1884-5-6 seja a continuação das primeiras Memó-
rias do Oratório, o que é improvável. Dom Bosco começou a unir “testamento e memória” nos inícios
de 1886. As páginas iniciais têm o aspecto de memória e oferecem pequenos dados e acontecimentos
104
pessoais, iniciando com a ordenação sacerdotal. Logo depois, apesar disso, o escrito transforma-se em
exortação e advertência em estilo de testamento. De aí o título de “Testamento espiritual”. Cf. Fran-
cesco Motto, Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel Sac. Gio. Bosco a’ suoi figliuoli salesiani (Testamento
Spirituale). Piccola Biblioteca dell’ISS 4. Roma: LAS, 1985.
26
Por esta razão, Braido, paradoxalmente, intitula seu ensaio como Memórias do futuro.
27
MO, 126 e 204.
28
Considere-se que Lourenço Gastaldi, um dos primeiros benfeitores e colaboradores do Orató-
rio, não é mencionado nas Memórias, embora o seja sua mãe, Margarida Gastaldi (MO, 191).
29
O termo “meta-história” refere-se aqui a uma narração cujo alcance “transcende” os fatos his-
tóricos e interpreta o espírito ou o caráter simbólico dos acontecimentos.
105
106
Abandonado e sozinho
Apresenta-se ainda mais duvidoso o retrato dramático de um Dom Bos-
co abandonado e sozinho com seus jovens no prado Filippi. É certo que Dom
Bosco passou por dificuldades e esteve em desacordo com os colaboradores,
primeiramente ao criar o Oratório e, depois, pelo modo de agir, como com o
padre Pedro Ponte. Nestes casos, o arcebispo Fransoni colocou-se a favor de
Dom Bosco com o Decreto de 31 de março de 1852. Contudo, não se devem
generalizar as dificuldades. A presença contínua, ao lado de Dom Bosco, de
colaboradores de confiança, tanto padres como leigos, é documentada duran-
te os primeiros quinze anos do Oratório. Essas pessoas ajudaram-no em seu
trabalho e prestaram-lhe ajuda moral e econômica. Escreve Bracco:
31
Cf. G. Bracco, Don Bosco y la sociedad civil, 231-236; id. Don Bosco e le istituzioni, 123-126
(Dom Bosco e o padre Borel).
32
G. Bracco, Don Bosco y la sociedad civil, 241; com maior detalhe, Don Bosco e le istituzioni,
126-128 (texto da carta), 128-130 (comentários). A carta, cuja edição crítica pode ser vista no Episto-
lario Motto I, 66-68, revela, entre outras coisas, que Cavour fora simpatizante no passado e que Dom
Bosco tinha razão em crer que o magistrado mostraria sua boa vontade quando o Oratório estava para
se assentar na casa Pinardi.
33
G. Bracco, Don Bosco y la sociedad civil, 241.
107
108
38
MO, 215-216.
39
Sobre as “primazias”, Dom Bosco as declara com tonalidades mais modestas nas Notas histó-
ricas, de 1862. Do mesmo modo, no rascunho original das Memórias não se atribui essas primazias;
apesar disso, ele o faz nas correções e acréscimos. Padre Bonetti, na História publicada no Boletim
Salesiano, dá-lhes mais ênfase. Talvez nos anos de 1870 e 1880, quando a administração de Turim era
menos favorável ao Oratório, fosse necessário fazer essas atribuições.
40
MO, 235-238; 239-246. Episódios da “miraculosa” intervenção do Grigio enquadram-se nes-
te contexto, MO, 247-250.
41
Desramaut, em sua biografia crítica de Dom Bosco, claramente e com alguns detalhes, qualifica
esse estereótipo tradicional considerando-o em seu contexto: F. Desramaut, Don Bosco, 302-309, 353-374.
109
Foi Deus quem nos revelou estes projetos e eu fui sempre adiante com essa cer-
teza. Esta é a fé que me deu a motivação de tudo que fiz. Esta é também a razão
42
P. Stella, Vita, 67.
43
Dom Bosco escreve: “É minha intenção compor uma narração dos fatos simplesmente como
ocorreram naqueles tempos de prova; eu os descreverei como aconteceram e segundo a verdade, sem
tentar desculpá-los ou acusar alguém” (P. Braido - F. Motto, Don Bosco tra storia, 143).
44
P. Braido - F. Motto, Don Bosco tra storia, 187-192. Note-se que no título do capítulo Dom
Bosco chama as perquisições internas da casa ou investigações de “perseguições”.
45
P. Braido - F. Motto, Don Bosco tra storia, 144.
110
pela qual entre oposições e perseguições, e apesar dos mais graves obstáculos,
nunca tive medo. O Senhor sempre esteve conosco.46
111
Profecia e realidade
Dom Bosco, às vezes, apresenta como predições ou premonições os pla-
nos normais para o estabelecimento do Oratório e o seu desenvolvimento.
Ao contestar o teólogo Borel, que lhe sugerira a conveniência de esperar uma
oportunidade, Dom Bosco diz: “Não é preciso aguardar novas oportunida-
des. O lugar está preparado. Temos um pátio espaçoso, uma casa com muitos
meninos, pórticos, igreja, padres e clérigos. Tudo à nossa disposição”. Quan-
do o teólogo Borel o interrompe: “Mas onde está isso tudo?”, Dom Bosco
responde: “Não sei dizer onde, mas certamente existe e é nosso”.53
MO, 247-250.
52
53
MO, 156. Estes elementos fazem parte do sonho de 1844, tal como narrado nas Memórias e
na Crônica de Barberis.
54
MO, 69. O nome da mãe de Jonas é Bella Pavia. Não podia ter mais do que 45 anos, e nos
perguntamos como uma mulher tão feia podia ser mãe de um jovem que, nas palavras não usuais de
Dom Bosco, era de “bonito aspecto” (um verdadeiro Apolo!).
55
MO, 73-75, 75-77, 145, 159-160.
112
56
MO, 28-30, 48, 131: “Minha propensão é para cuidar da juventude [...]. Neste momento
parece-me estar no meio de uma multidão de jovens que me pedem ajuda”.
57
MO, 174, 181: “O fato de dispormos de local estável, os sinais de aprovação do arcebispo, as fun-
ções solenes, a música, a notícia da existência de um pátio para jogos, atraíam meninos de todos os cantos”.
58
MO, 173-178.
59
MO, 147.
113
114
Pude então constatar que os rapazes que saem de lugares de castigo, caso en-
contrem mão bondosa que deles cuide, os assista nos domingos, procure arran-
jar-lhes emprego com bons patrões e vão visitá-los de quando em quando ao
longo da semana, tais rapazes dão-se a uma vida honrada, esquecem o passado,
tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos. Essa é a origem do nosso Orató-
rio [...] Consagrava o domingo inteiro à assistência dos meus meninos; duran-
te a semana ia visitá-los em seus trabalhos nas oficinas e fábricas. Isso muito
consolava os rapazes, que viam um amigo interessar-se por eles; e agradava aos
patrões, que ficavam satisfeitos por terem sob sua dependência rapazes assis-
tidos durante a semana e sobretudo nos domingos, os dias mais perigosos.65
64
MO, 51, 56, 93. Em todos estes casos, Dom Bosco usa intencionalmente a palavra “assistir”.
65
MO, 125, 128, referidas de acordo com o original.
115
MO, 57-60. Para as práticas religiosas similares no Oratório (capela Pinardi), cf. MO, 175. O
66
116
70
MO, 29.
71
MO, 123. “Já ouviste missa? — disse-lhe com a maior amabilidade que pude”.
117
chorando, disse de mim para mim e também a outros: “Se eu fosse padre,
agiria de outro jeito. Gostaria de aproximar-me dos meninos, dizer-lhes uma
boa palavra, dar-lhes bons conselhos”. [...] Quantas vezes queria falar, pedir-
-lhes conselho ou solução de dúvidas, e não podia fazê-lo. [...] Isso avivava
em meu coração o desejo de ser quanto antes padre, para ficar no meio dos
jovens, assisti-los e ajudá-los no que fosse preciso.72
A relação educativa
Mediante o envolvimento afetivo na vida dos jovens e a participação em
suas brincadeiras, cria-se uma particular relação educativa. O educador toma
a iniciativa e assume a responsabilidade; os jovens correspondem espontane-
amente com o afeto, que os leva à obediência e aceitação voluntária. Dom
Bosco escreve:
72
MO, 48; 93.
73
MO, 149-152.
74
MO, 145-146.
118
mas desejavam vivamente que lhes desse alguma incumbência. [...] De fato, a
obediência e o afeto dos meus alunos raiava pela loucura.75
Servia-me daqueles agitados recreios para insinuar aos meus alunos pensa-
mentos religiosos e convidá-los a frequentar os santos sacramentos. Com uma
palavrinha ao ouvido recomendava a uns maior obediência ou maior pon-
tualidade nos deveres do próprio estado; a outros, que tomassem parte no
catecismo, viessem confessar-se e coisas que tais.76
77
Cf. MO, 40-43.
78
Cf. MO, 64-65.
79
Cf. MO, 46-47, 116, 120-121.
80
Cf. MO, 106, 132, 135ss. Considere-se que, apesar disso, Dom Bosco, às vezes, ignora total-
mente o teólogo Borel (ou Borrelli, como ele o chama).
119
Conclusão
Procuramos oferecer uma interpretação das Memórias do Oratório de São
Francisco de Sales tal como emerge da mesma narrativa. Ressaltamos, especial-
mente, a ampla presença de uma finalidade “educativa”; vimos que, em essência,
a narração trata o “Oratório” como a raiz e o instrumento original do serviço
dos Salesianos para a educação dos jovens. O Oratório é uma obra educativa,
cujo caráter específico se manifesta num método educativo todo especial.
É verdade que nas Memórias aparecem elementos narrativos de todo
tipo como também dados históricos e outros acontecimentos. Apesar disso,
a narrativa em seu conjunto, tanto quantitativa quanto qualitativamente, é
valiosa, mais para compreender a mentalidade, a espiritualidade e o estilo
educativo de Dom Bosco, do que pelos seus outros aspectos.
Temos, portanto, basicamente diante de nós uma declaração valiosa,
não teórica, mas descritiva do método educativo que, mais tarde, Dom Bos-
co descreverá como Sistema Preventivo para a educação da juventude. Dessa
forma, está afirmando que, na verdade, o sistema nasceu da experiência “do
Oratório”. Foi “método oratoriano” antes de ser “Sistema Preventivo”.
81
MO, 137. É possível pensar que, historicamente, deram-se outras razões para essa escolha, e
que os motivos aduzidos reflitam uma reflexão posterior.
82
Bollettino Salesiano 3:1 (janeiro de 1879) 6-8, e, em capítulos, até 1886. A série também apa-
receu nas edições francesa e espanhola do Boletim, segundo a estratégia estabelecida por Dom Bosco, a
fim de manter a seção principal idêntica em todas as edições. Como se sabe, essa história foi publicada
no volume Cinque lustri di storia dell’Oratorio salesiano, traduzido em espanhol com o título de Cinco
lustros de historia del Oratorio salesiano, Buenos Aires, 1897.
120
Mais decisivo ainda, ele estava escrevendo sob a supervisão de Dom Bosco e
tinha as próprias Memórias do Oratório à sua disposição.
A História do Oratório pode ser dividida em duas partes. A primeira, ca-
pítulos 1-40, quase inteiramente baseada nas Memórias, apresenta a história
do Oratório desde seus inícios, em 1841, até sua consolidação em 1854. A
segunda parte, capítulos 41-58, trata do desenvolvimento do Oratório e da
sua continuação na Congregação Salesiana, fundada em 1859 e confirmada
com o Decreto de Recomendação em 1864.
Advirta-se que a segunda parte inicia com uma discussão sobre o mé-
todo educativo salesiano, a partir da visita do ministro Urbano Ratazzi ao
Oratório, em 1854; menciona-se aí, anacronicamente, o método educativo
como Sistema Preventivo; em seguida, fala da sua eficácia e narra o episódio
da Generala.
Não resta dúvida de que a intenção direta da História, como publicada
no Boletim Salesiano, era oferecer aos Cooperadores e ao público em geral
uma exposição substancial e confiável da obra de Dom Bosco: o Oratório
tinha continuidade na Congregação Salesiana. Entretanto, como elemento
irmão e continuação das mesmas Memórias de Dom Bosco, a obra comparti-
lha as preocupações e finalidades das Memórias.
A autoridade pessoal de padre Bonetti, assim como das suas fontes, dão
à sua obra um lugar privilegiado, de modo que a História serviu como fonte
importante para os trabalhos biográficos que a seguiram.
121
vida
DA REVOLUÇÃO FRANCESA AO
CONGRESSO DE VIENA
A ilha da Sicília fizera parte desse Reino, mas estava sob a ocupação britânica. Os reis da
1
Casa de Saboia, Carlos Emanuel IV e Vítor Emanuel I, permaneceram na ilha da Sardenha durante
o período napoleônico.
125
isto é, os territórios papais ao redor de Roma (Lácio), que não faziam parte do
Reino da Itália. Eram governados como províncias do Império francês.
A Revolução Francesa, cujas ideias básicas foram transmitidas por Napo-
leão ao resto da Europa ocidental, junto com a experiência da Itália sob o go-
verno de Napoleão no campo político, social, militar, econômico e ideológico,
influenciaram o pensamento italiano e a evolução futura do Ressurgimento.
O legado napoleônico
Há que se reconhecer que o papel de Napoleão na Itália teve conse-
quências danosas. A imposição a muitos italianos que se arrolassem no seu
exército, levou à perda de dezenas de milhares de vidas. A carga de pesados
impostos foi um peso intolerável para a população e provocou aflições e in-
tranquilidade. O saque dos tesouros de arte, só em parte devolvidos pelos
acordos do Tratado de Paris, depois da sua queda, causou um profundo furor.
A forma brutal com que tratou Pio VII revelou-o um déspota cruel.
Deve-se conceder-lhe, sem dúvida, o mérito de ter introduzido medidas
positivas. Por exemplo, a obtenção dos ofícios dependeu mais do talento pes-
soal do que das influências, os administradores nomeados eram competentes,
eficientes e não corruptos, a bandidagem foi punida.
Essas reformas começaram a transformar a sociedade italiana. Em geral,
a vitalidade do governo foi uma experiência nova em contraste com o papel
absolutista que prevalecera antes de Napoleão e que continuaria depois, du-
rante o período da Restauração.
Embora em 1812 o conjunto da península italiana dependesse da Fran-
ça, as reformas napoleônicas não foram concluídas do mesmo modo em to-
das as partes: o sul continuou à margem das reformas, na forma de imobili-
dade; em contrapartida, o norte, ou seja, o Reino da Itália, que ia de Milão
a Veneza e Bolonha foi cenário de reformas importantes e duradouras. Nessa
região, o povo, sobretudo os intelectuais, preferiu o governo de Napoleão,
apesar do seu despotismo, à Áustria ou ao Papa, e as forças políticas puderam
desenvolver o que Napoleão iniciara. O vale do rio Pó converteu-se numa
zona econômica extraordinária e prosperou comercialmente. Milão, a capital
napoleônica, foi o centro financeiro do vale e, ao mesmo tempo, converteu-se
em capital cultural e intelectual não só da região, mas de toda a península.
A partir de Milão, Napoleão fez uma revolução econômica e social que teve
sucesso permanente na vida italiana.
Essas realizações serão devidas, em primeiro lugar, ao novo modo de
administrar. Procedeu-se, em todas as partes, à reforma administrativa, com
126
127
a “deusa Razão”. O projeto não obteve êxito, mas foi uma tentativa séria de
enfraquecer a Igreja a fim de convertê-la em instrumento do Estado e sem
força na sociedade.
Ao eliminar a Igreja na França, os revolucionários pensavam que a fa-
riam entrar em colapso e, com ela, o cristianismo. À morte de Pio VI no
exílio (1799), celebraram-se funções públicas “pela morte da Igreja”. Esta,
na verdade, despojada do poder temporal, sobreviveu graças à força do seu
poder espiritual.
Apesar dos laços iniciais com os revolucionários franceses, Napoleão se-
guiu um caminho diferente em sua política eclesiástica. Na Itália, seguiu a
linha da concordata francesa, com toda sua rigidez galicana. Mediante uma
série de decretos emanados em Milão, no tempo da sua coroação, ele reor-
ganizou a estrutura eclesiástica no norte da Itália, sem qualquer referência a
Roma. Os limites paroquiais foram redefinidos e muitas paróquias foram su-
primidas como desnecessárias. As Ordens religiosas ou aceitavam as reformas
ou eram completamente suprimidas. Sob o Código Civil, introduziram-se
medidas sobre o casamento civil e o divórcio, que supuseram a libertação da
vida familiar do controle da Igreja.
Algumas vezes, Pio VII protestou, mas Napoleão nem sempre lhe res-
pondeu de modo adequado. Numa carta ao tio, cardeal José Fesch, que o
representava em Roma, expressou-lhe com nitidez a sua atitude despótica e
galicana: “Espero que o Papa se adapte às minhas exigências. Se tudo correr
bem, não farei mudanças externas; caso contrário, eu o rebaixarei à condição
de Bispo de Roma”.2
2. O Congresso de Viena
Depois da prisão de Napoleão na ilha de Elba (1814), os governantes das
principais potências europeias e seus ministros reuniram-se em Viena (Áustria)
com a finalidade de restaurar, na medida do possível, a antiga ordem política
da Europa. O Congresso de Viena foi celebrado de 1º de setembro de 1814 a
9 de junho de 1815. Foi interrompido devido à volta de Napoleão ao poder
dos Cem Dias e reuniu-se novamente depois da sua prisão em Santa Helena.
Os acordos mais importantes foram recolhidos nas Atas do Congresso e
podem ser assim resumidos:
2
George Martin, The red shirt and the house of Savoy: the story of Italy’s “Risorgimento” (1748-1871).
New York: Dodd, Mead & Co., 1969, 154.
128
A Restauração na Itália
A península italiana, então com uma população de quase 20 milhões
de habitantes, era um mosaico de 10 estados regionais. A nova organização
política ficava assim estabelecida:
1. O Reino da Sardenha, com uma população de 3.814 milhões de
habitantes, foi formado pelo Piemonte, Saboia, Nice, Sardenha
e Ligúria, recém-adquiridos, ficando sob o domínio do rei Vítor
Manuel I, da Casa de Saboia.
2. O Reino Lombardo-Vêneto, com uma população de 4.065.000
habitantes, ficou sob o domínio do imperador da Áustria, que go-
vernava através de um vice-rei residente em Milão.
3. O Ducado de Parma e Piacenza, com uma população de 383 mil
habitantes, foi colocado temporariamente sob o domínio de Maria
Luísa da Áustria, filha do imperador da Áustria e segunda esposa
129
130
131
132
Numa época dominada pela política, a postura vigorosa de Pio VII foi
eclipsada pelo turbilhão das guerras e pela revolução. Sem dúvida, apesar da
sua oposição política, do seu substrato pessoal rigorista e das influências an-
tijesuíticas, restaurou a Companhia de Jesus em 7 de agosto de 1814. Desde
então, os jesuítas converteram-se numa força importante no crescimento do
ultramontanismo durante o século XIX.4
4
“Ultramontanismo” (além das montanhas, em referência aos Alpes que separavam a Itália e Roma
do resto da Europa) é um termo ambíguo: para os italianos eram ultramontanos os nascidos além do seu
território; para os franceses, alemães e qualquer outro povo situado ao norte dos Alpes, são ultramonta-
nos os romanos e os italianos. Num sentido mais eclesiástico, o termo passou a designar o catolicismo
integrista, partidário de uma eclesiologia conservadora. No século XIX, aplicava-se aos partidários do
pensamento predominante em Roma, seguidores do Papa, defensores da sua infalibilidade e contrários a
toda forma de regalismo e à excessiva autonomia dos bispos à margem da autoridade papal.
133
Os sentimentos cristãos de Pio VII podem ser medidos pelo fato de ter
enviado seu capelão para conceder a absolvição geral a Napoleão antes que
morresse prisioneiro em Santa Helena, em 1821. Provavelmente o fez tam-
bém em reconhecimento porque Napoleão, apesar de tudo, restabeleceu a
Igreja na França mediante a Concordata de 1801.
Mecenas das artes e das ciências, Pio VII desejou sinceramente a recon-
ciliação do catolicismo com as aspirações liberais, mas a reação da Restau-
ração e a pressão conservadora que prevaleceram nos últimos anos do seu
pontificado evitaram qualquer abertura nessa direção.
A intenção de enfrentar os problemas da Igreja diante do colapso do
Ancien Régime, como também a coragem e paciência diante das dificuldades
e humilhações sofridas, dá a impressão, sem dúvida, de que Pio VII foi um
grande homem e o seu pontificado, construtivo.
134
Política liberal
Liberal é o mais fundamental desses termos. Político liberal era a pessoa
que defendia a abolição do Antigo Regime absolutista. Os liberais opunham-
-se à “origem divina” da realeza. Como consequência, recusavam “o princípio
da legitimidade”, princípio que defendia a ideia de que somente um membro
da dinastia podia exercer a autoridade de modo legítimo.
A Revolução Liberal era um ato de força dos liberais com o objetivo de
pôr fim ao regime absolutista e estabelecer uma nova ordem política. A cons-
tituição e o estabelecimento de um parlamento (em geral, com duas câmaras)
que representasse os cidadãos, foram a primeira e fundamental expressão da
ordem política liberal.
A monarquia constitucional era uma ordem política que mantinha o
monarca como chefe do Estado. A autoridade era compartilhada ou exercida
por um parlamento e um gabinete presidido pelo primeiro-ministro, segun-
do os termos da Constituição liberal adotada por esse Estado. Na verdade, o
poder do monarca era limitado pela Constituição.
República
A República era o sistema político que acabava com a monarquia e suas
reivindicações.
A República federativa era uma federação ou união de regiões mais ou
menos independentes ou de Estados de uma região sob a presidência de uma
autoridade central, como fosse definido na Constituição. Para a unificação da
Itália, alguns filósofos políticos liberais propugnavam uma união federativa
dos Estados italianos presidida pelo Papa ou pelo rei do Piemonte.
A República unitária era aquela em que o Governo central (parlamento e
gabinete) representava diretamente o povo (não os estados da região). Os go-
vernantes absolutistas regionais eram suprimidos e a Constituição da República
era uma criação do povo mediante a Assembleia constituinte eleita pelo povo.
No período da Restauração e das revoluções liberais, este era o único sentido
atribuído ao termo república. Seu modelo era a ordem política idealizada e cria-
da pela Revolução Francesa. A França foi, porém, a única nação que conservou
135
“Ressurgimento”
Na Itália, de modo particular, a Revolução Liberal não só tendia a acabar
com o governo absolutista e estabelecer uma ordem parlamentar constitucio-
nal. Tinha, também, como objetivo pôr fim à dominação estrangeira, como
requisito prévio para a unificação nacional. De fato, no período da Restau-
ração e das revoluções liberais, a Itália estava dividida em estados regionais,
dominados em sua maior parte pela Áustria. O movimento liberal com vistas
à libertação da Áustria e a unificação da Itália como estado-nação recebe o
nome de “Risorgimento” (ou Ressurgimento, isto é, o “ressurgir” da nação).
Não havia unanimidade sobre o modo de se chegar a esse objetivo. Um
dos projetos, o mais extremo, pretendia uma rebelião do povo em toda a
Itália para expulsar os austríacos, libertar a Itália dos governantes regionais
absolutistas (incluído o papado) e estabelecer uma república democrática no
estilo da Revolução Francesa. Era o objetivo perseguido por Mazzini e sua
sociedade secreta, por Garibaldi e outros. Embora parecesse nobre, esse pro-
grama não era realista. Os estados regionais italianos jamais poderiam unir-se
num levante único, pois eram tão diversos culturalmente que não comparti-
lhavam do mesmo sentido de nação.
Outro plano propunha a formação de um estado federativo com a união
dos diversos estados regionais sob a autoridade do Papa ou de outro dirigente.
Outro plano ainda buscava a união de todos os estados sob a autoridade do Rei-
no da Sardenha-Piemonte. A Casa de Saboia era considerada como o único líder
possível no momento de libertação e unificação. Depois da Revolução Liberal de
1848, o rei Carlos Alberto comprometeu-se a lutar contra os austríacos, com a
ajuda de levantes nas regiões dominadas pela Áustria no norte da Itália (Primeira
Guerra da Independência), acabando, porém, em catástrofe.
A guerra, contudo, uniu as regiões e permitiu o que evidentemente o
Piemonte não podia conseguir sozinho: o governo piemontês, do primeiro-
-ministro Cavour, aceitou a ajuda da França por mais que o seu soberano,
136
Napoleão III, tivesse finalidades pessoais. Foi essa a forma pela qual se obteve
a libertação e unificação em 1861. A unificação foi obtida, em parte, pela
anexação voluntária dos estados regionais do norte ao Piemonte e, em parte,
pela conquista do centro e do sul da Itália.
Dom Bosco nasceu e cresceu no Piemonte e recebeu toda a sua educação
e formação no período da Restauração, antes da Revolução Liberal de 1848.
Ele teve de aceitar a realidade da Revolução Liberal (constituição, parlamen-
to, gabinete de ministros etc.), mas nunca se solidarizou com os movimentos
liberais e o Ressurgimento; principalmente, porque os liberais começaram a
atacar a Igreja e o papado. Manteve-se até o fim como um piemontês da “an-
tiga ordem”, uma questão de lealdade ao seu rei, cuja autoridade, assim pen-
sava, estava sendo corroída pelas perversas instituições da Revolução Liberal.
137
Harry Hearder, Italy in the age of the Risorgimento 1790-1870. London-NovaYork: Longman,
1
1983, 43. Cf. o verbete “Torino”, na Enciclopedia italiana di scienze, lettere ed arti. Vol. XXXIV. Roma:
Treccani, 1949, 31.
138
Turim. Vista do Monte dos Capuchinos, 1837 (Centro de Estudos Dom Bosco, Roma).
Chieri e Castelnuovo
A 12 quilômetros a sudeste de Turim está Chieri, bela cidade que re-
monta também à época romana, com uma população ao redor de 9 mil habi-
tantes no tempo da Restauração. Em Chieri, João Bosco fez o antigo ginásio
e cursou os estudos eclesiásticos no seminário local.
Conforme o primeiro testemunho que temos, nos primeiros anos do
século XVII, os membros da família Bosco viviam como camponeses em par-
ceria perto de Chieri. Nos inícios do século XVIII, um ramo deles emigrou
para Castelnuovo, povoado e paróquia com uns 3 mil habitantes, situada a
pouco mais de 10 quilômetros a leste de Chieri. Este grupo, porém, embora
pertencendo a Castelnuovo, não vivia na sede do município. O território de
Castelnuovo, cujo município era o distrito central, estava dividido em quatro
agrupamentos menores, cada qual com um povoado como centro: Bardella e
Nevissano ao norte, Ranello a oeste e Murialdo ao sul, a quase 4 quilômetros
da sede municipal. A população dessas povoações nunca chegou a mais de
200 habitantes. Cada uma tinha a própria igreja ou capela, sem ser paróquia.
Todas as gestões oficiais eclesiásticas e civis (como a administração dos sacra-
mentos) aconteciam na sede municipal e paróquia de Castelnuovo. Murialdo
tinha uma igreja dedicada a São Pedro, onde se celebrava a missa nos fins de
semana e se oficiavam diversas celebrações piedosas.
A família Bosco pertencia ao povoado de Murialdo, mas não residiam
nele. Viviam e trabalhavam perto de uma das aldeias de Murialdo chamada
139
140
segundo consta na primeira notícia que se tem sobre eles e que remonta ao
século XVII, viviam e trabalhavam em grande parte como meeiros.
Felipe Antônio Bosco, avô de Dom Bosco, mudara-se para a região de
Murialdo-Becchi como agricultor arrendatário da Cascina Biglione na segun-
da metade do século XVIII. Depois da sua morte, seu filho Francisco Luís,
pai de Dom Bosco, continuou na mesma situação.
A terra e os cultivos
A região Turim-Chieri-Castelnuovo situa-se no extremo noroeste da
zona central das colinas. Turim fica na fronteira entre as zonas da planície
baixa e das colinas. As colinas começam a leste de Turim, do outro lado do
rio Pó, e estendem-se a leste, até a cidade de Asti e mais além (o Monferrato)
e ao sul, até as cidades de Alba e Acqui (as Langhe). Em sua maior parte são
baixas, com outeiros deliciosamente arredondados que favorecem o habitat
humano e a agricultura.2
O clima da zona das colinas é mais continental do que mediterrâneo.
Os Alpes oferecem proteção ao norte, mas ao sul os Apeninos cortam a costa
marítima. O inverno é intenso e nevado; o verão é quente e úmido. A média
de chuva por estação é de mais ou menos 442 centímetros cúbicos; a falta de
irrigação diminuía o uso da terra e reduzia a variedade de possíveis cultivos.
O granizo e outras tormentas de verão e as secas periódicas aumentavam a
incerteza e a vida dos agricultores.
Os Bosco viviam e trabalhavam nas terras das colinas. Colheitas de
produtos de primeira necessidade absorviam elevados percentuais das ter-
ras de cultivo: cereais (23%), leguminosas (24%), uva (22%), forragem
de feno e pastos permanentes (22%) e outros (20%). Entre os cereais, o
trigo era o mais importante. Contudo, desde sua introdução sistemática, o
milho teve um papel sempre mais decisivo, chegando a ser praticamente o
único produto básico na dieta dos agricultores durante o inverno. É preciso
destacar as uvas, cujas muitas variedades eram cultivadas para a produção
de vinhos excelentes.
A região onde Dom Bosco nasceu era e é uma bonita terra. As suaves co-
linas onduladas, os pequenos vales férteis e as planícies cobertas por cultivos
intensivos sustentam uma população robusta, de princípios claros, endureci-
da no trabalho, enraizada em sua tradição e de profunda fé.
2
Pietro Landini, “Piemonte”, em Enciclopedia italiana. Vol. XXVII. Roma: Treccani, 1949, 179-181.
141
142
2. A família Bosco
Os Bosco trabalharam como camponeses, arrendatários ou meeiros, em
dois sítios localizados perto de Chieri, primeiramente na Cascina Croce di
Pane e mais tarde na Cascina San Silvestro. O primeiro antepassado de Dom
Bosco do qual se tem memória é um personagem chamado João Bosco, que
se casou na catedral de Chieri em 1627.
Três gerações depois, os irmãos João Francisco Bosco (1699-1763) e
Felipe Antônio Bosco [I] (1704-1735) viviam como meeiros na Cascina San
Silvestro perto de Chieri. Felipe Antônio Bosco [I] casou-se com Cecília
Dassano em 1733, mas morreu antes do nascimento do filho, que também
se chamava Felipe Antônio Bosco [II]. Poucos anos depois, a viúva, Cecília
Dassano casou-se com Mateus Berruto, viúvo com filhos, tendo ido com o
novo marido e seus 2 filhos para outro lugar, deixando Felipe Antônio aos
cuidados do tio e padrinho, João Francisco Bosco, que se casou em 1748 com
Maria Masera. Felipe Antônio foi adotado pelos tios como filho. Em 1751, a
família mudou-se para Castelnuovo, nas proximidades de Chieri, para serem
agricultores independentes.
Felipe Antônio Bosco [II] (1735-1802), que virá a ser o avô de Dom
Bosco, casou-se com Domingas Barosso, em Castelnuovo, em 1758; dela
teve 6 filhos. Depois da morte de Domingas em 1777, casou-se pela segunda
vez com Margarida Zucca, também em Castelnuovo. O quarto dos seis filhos
desse segundo matrimônio, Francisco Luís Bosco, será o pai de Dom Bosco.
Os tempos difíceis e a grande família forçaram Felipe Antônio a deixar
a pequena atividade agrícola iniciada em Castelnuovo pelo tio João Francisco
e buscar uma nova vida. Em 1793 trabalhou como meeiro num sítio que
arrendou, situado a 1,85 quilômetro ao sul de Castelnuovo, na região de
Murialdo-Becchi, que pertencia ao senhor Jacinto Biglione.
O avô de Dom Bosco, Felipe Antônio [II], morreu em 1802, mas a fa-
mília, à frente da qual estava então seu filho mais velho Paulo (1764-1838),
continuou cuidando da terra e vivendo numa parte do grande sítio ou em
algum local adjacente. Pouco depois, Paulo e os outros irmãos deixaram o
sítio Biglione para trabalhar como autônomos. Restou Francisco Luís Bosco,
pai de Dom Bosco, que aos 20 anos encarregou-se da exploração do sítio.3
A propriedade pertencia à família Biglione. Era administrada pelo senhor
Jacinto Alberto Biglione, advogado de profissão, que residia em Turim. A terra
3
Sobre os antepassados de Dom Bosco, consulte-se Secondo Caselle, Cascinali e contadini in Mon-
ferrato: I Bosco di Chieri nel sec. XVIII. Roma: LAS, 1975; Michele Molineris, Don Bosco inedito: quello che
le Memorie di San Giovanni Bosco non dicono. Castelnuovo Don Bosco: Istituto Salesiano, 1974, 19-31.
143
4
Segundo o recenseamento de 1808, a família Bosco era composta no sítio Biglione pelos se-
guintes membros: Francisco Luís Bosco (de 24 anos), Margarida Cagliero Bosco (de 24 anos), Marga-
rida Zucca Bosco (mãe de Francisco, de 55 anos), Teresa Maria (irmã de Francisco, de 17 anos).
5
Capriglio era um pequeno município situado a cerca de 3 quilômetros ao sul dos Becchi.
6
João era um nome comum entre os antepassados do ramo paterno de Dom Bosco. Melquior
também o era no ramo materno.
7
MO, 24.
8
Bollettino Salesiano, 7 de janeiro de 1879 e 31 de março de 1887.
9
MB XVIII, 836.
10
Bollettino Salesiano, outubro de 1889, 132.
144
Sítio Biglione.
11
A partir de 1866, no Piemonte, e depois na unificação da Itália, as anotações civis começaram a
ser registradas nos órgãos municipais das cidades. Antes dessa data, nascimentos, falecimentos etc. eram
anotados pelos párocos num registro paroquial especial. Até 1838, fazia-se em latim, sem um padrão
formal e de acordo com algumas normas que, em parte, datavam do concílio de Trento. As datas do
nascimento de João Melquior Bosco e o seu batismo registrados nos livros paroquiais devem ser aceitas
como definitivas. O padrinho de João, Melquior Marcos Occhiena (1752-1844), era o pai de Margari-
da. A madrinha, Maria Madalena Bosco (1773-1861), era a tia viúva de João pelo ramo paterno.
145
12
MO, 25. Parece que o texto não recolha aqui uma lembrança pessoal de Dom Bosco, mas o
que mais tarde chegou a ser informado por sua mãe ou por outro membro da família.
146
147
pequena casa adequada para ser habitada. O andar térreo tornou-se uma sala
multiúso e cozinha. O estábulo contíguo, capaz de alojar apenas uma vaca e
sua cria, não sofreu alteração. O depósito de feno sobre o estábulo foi trans-
formado em dois pequenos quartos, aos quais se subia por uma escada exter-
na ou, por dentro, por uma abertura no teto. Ao lado do estábulo ficava um
espaço que podia ser usado como depósito de feno ou celeiro.
A família Bosco instalou-se na pequena casa em novembro de 1817.
Formavam a família Margarida Occhiena Bosco, 29 anos, seu enteado An-
tônio José, 9 anos, seus filhos José Luís, 4 anos, e João Melquior, 2 anos, e a
sogra semi-inválida, Margarida Zucca Bosco, de 65 anos.
Em 1826, morreu a avó, mas mesmo sem a sua presença, a casa era
incômoda, já que os meninos estavam crescendo. Em fevereiro de 1828,
Margarida comprou uma parte adicional contígua ao edifício unindo-a à
pequena casa. Consistia num pórtico adjacente à cozinha com um quarto
sobre ele. Com essa remodelação, a casa chegou quase plenamente à sua
forma definitiva.
Assim, a pequena casa dos Becchi, como será conhecida mais tarde, pas-
sou a ser a casa onde João encontraria carinho e alimentação em sua infância
e adolescência. Aqui, sob a firme, mas amável orientação de Margarida, João
recebeu a primeira educação e também a iniciação espiritual e cristã. A ora-
ção, o trabalho proporcional às forças e capacidades de cada um, o estilo duro
de vida, que excluía mimos e complacências, e a atitude aberta aos demais
converteram João numa pessoa confiante em si mesma, cheia de iniciativas e
criativa desde seus primeiros anos.
14
Cf. P. Stella, Economia, 15ss. Ver documentos públicos em S. Caselle, Cascinali, 96ss.
148
15
Francisco era proprietário de uma junta de bois (avaliados em 200 liras); 2 bezerros (avaliados
em 120 liras); 1 vaca (avaliada em 30 liras); 1 vaca com cria (avaliada em 60 liras) e 1 égua (avaliada
em 35 liras).
16
As grandes dívidas de Francisco podem ser devidas, não à insolvência, mas ao costume de
saldar dívidas por temporadas com mercadorias e serviços, mais do que com dinheiro. Foi assim, pro-
vavelmente, que pagou o dote de Margarida. Era costume entre os camponeses no Piemonte estipular
um dote para o casamento da noiva. Os Occhiena tinham aceitado que a noiva entregasse 150 liras
a Francisco Bosco. Contudo, eles pagaram apenas 22 liras em dinheiro enquanto o restante foi pago
com o trabalho de um dos irmãos de Margarida durante duas temporadas de 1815-1816; os Occhiena
seriam demasiadamente pobres para pagar em dinheiro vivo.
149
Mamãe contou-me várias vezes que alimentou a família enquanto pôde. De-
pois deu dinheiro a um vizinho chamado Bernardo Cavallo, para que fosse
à procura de comestíveis. O amigo percorreu diversos mercados e nada en-
controu, mesmo a preços exorbitantes. Voltou dois dias depois, pelo anoite-
cer, ansiosamente aguardado por todos. Quando comunicou que só trazia
o dinheiro de volta, o medo se apoderou de todos porque como se haviam
alimentado muito mal nesse dia, eram de temer as funestas consequências da
fome naquela noite.
Ele acrescenta que, depois de pôr a família toda de joelhos e ter rezado,
sua mãe disse: “Em casos extremos deve-se empregar meios extremos”. Em
seguida, com a ajuda do mencionado senhor Cavallo, foi ao estábulo, matou
um bezerro, coisa arriscada, pois este era o seguro da família.19
Dom Bosco conta, também, que nessa ocasião sua mãe recebeu uma
proposta muito vantajosa de um senhor que ele não nomeia; a oferta, porém,
não incluía os filhos. “Insistiram que os filhos seriam confiados a um bom
tutor, que havia de cuidar muito bem deles”, mas ela replicou logo em segui-
da: “Um tutor é um amigo, ao passo que eu sou a mãe dos meus filhos. Não
os abandonarei jamais, ainda que me oferecessem todo o ouro do mundo”.20
17
Certa senhora Lúcia Pennaro, reclamava o pagamento de uma pensão estabelecida a seu favor
pelos Biglione, como retenção preventiva pelos ganhos do sítio, e o senhor Biglione iniciou ações legais.
O caso, que finalmente foi impugnado, trouxe mais gastos às exíguas reservas de Margarida.
18
MO, 25-26.
19
MO, 26.
20
MO, 27.
150
Não resta dúvida de que a proposta era de casamento, fato normal para
uma jovem viúva, embora Dom Bosco não o diga expressamente. As teste-
munhas que se apresentaram no processo diocesano de beatificação de Dom
Bosco corroboram que sua mãe, viúva aos cinco anos de casamento, recusou
uma proposta de voltar a casar-se, para ficar livre e poder dedicar-se exclusi-
vamente à educação dos filhos, José e João, e do enteado Antônio.
Ela mesma me disse que, sendo viúva aos 29 anos, recusou várias propostas
vantajosas de casamento para dedicar-se inteiramente à educação de seus fi-
lhos. Isso exigiu dela um trabalho duro e ininterrupto, renúncias diárias e
sacrifícios sem conta.21
21
Processus Ordinarius Curiae Taurinensis (POCT), bispo João Cagliero, Sessão 143, 1893, e
padre Félix Reviglio, Sessão 79, 1892.
151
Conclusão
Os Bosco, até a chegada de Francisco Luís Bosco, pai de Dom Bosco, não
foram proprietários, mas meeiros que trabalhavam terras alheias e recebiam
a metade da produção. Embora pobres, não passavam grandes necessidades.
22
Antônio casou-se em 1831. Construiu uma casa com um só quarto para sua família, na
parte norte do curral, acrescentada aos quartos em uso na pequena casa. Pôde ampliar um pequeno
suplemento aos seus pobres ganhos, trabalhando como empregado contratado, mas parece que vivia
em pobreza extrema. José trabalhou como meeiro num sítio próximo, em 1830-1831. Margarida e
João foram viver com ele. Casou-se em 1833 e retornou aos Becchi em 1839. Parece que teve mais
sucesso; começou a construir uma casa aceitável, que foi aumentando aos poucos com a ajuda de Dom
Bosco. Apesar disso, quando em 1840 a propriedade conjunta de José e João foi inventariada em vista
do subsídio eclesiástico necessário para sua ordenação, esta não cobria a quantia exigida. O valor total
do capital chegava a 2.510 liras, com uma renda anual de 125 liras. Para cobrir a soma requerida para
o dote eclesiástico de João, que chegava a 250 liras, o sócio anterior de José, João Febbraro, deu como
garantia 1 prado e 4 pequenas vinhas no valor de 3.156 liras e uma renda anual de 67 liras.
152
Contudo, não tinham casa própria, seus filhos nasceram em casas alheias, emi-
graram de um lado a outro, conforme encontravam sítios para arrendar. Ape-
sar disso, tiveram a oportunidade de se tornarem independentes.
Após a morte de Francisco Bosco, a família presidida por Margarida
ficou numa situação de imensa pobreza, mas nunca recebeu subsídio do mu-
nicípio. Os pequenos pedaços de terra que possuíam e trabalhavam, uma
vaca e um bezerro etc. serviram-lhes para sobreviver. A melhor medida da
pobreza de Margarida está no fato de que não pôde contribuir em nada para
a educação de João. Ele precisou pedir e obter ajuda de benfeitores, competir
por prêmios e servir-se de suas habilidades para sobreviver como estudante.
Dom Bosco, em 1883, corrigiu as provas tipográficas da sua biografia es-
crita por Alberto Du Boÿs; quando o autor falou sobre os familiares de Dom
Bosco, dizendo que “eram camponeses de posição bastante boa”, o Santo
corrigiu, anotando: “eram camponeses pobres”.23 A experiência pessoal de
pobreza estava destinada a ser um elemento do seu compromisso vocacional
pelos pobres, assim como da sua espiritualidade.
23
MB XV, 72.
153
24
Cf. Francis Desramaut, “Études I”, Cahiers Salésiens, 32-33 (abril de 1994), 23 e 52-53, nota
23. Id., Don Bosco, 12, 16 e 34, nota 23; 35, nota 43. Criticado por Natale Cerrato, Critica di una
nuova ipotesi [...] (tipografado). Id., “Dov’è nato Don Bosco?”, Il Tempio di Don Bosco, 49.1 (1995),
8-9; 49.2 (1995), 6-7; 49.3 (1995), 4-5. Cerrato reuniu todos os elementos de discussão num opúscu-
lo, id., Dove è nato Don Bosco. Monte Oliveto: Salesiani, 1996.
154
25
Bollettino Salesiano, outubro de 1889, 132.
26
Bollettino Salesiano, novembro de 1889, 146-148.
27
Cf. S. Caselle, Cascinali, 94-96.
28
Cf. S. Caselle, Cascinali, 62.
155
156
A constituição básica foi escrita quando o rei Fernando VII da Espanha era prisioneiro de Na-
1
poleão na França. Declarava a soberania do povo, afirmava os princípios da igualdade e liberdade legais,
desenhava um sistema político segundo o modelo francês de 1791, colocava o executivo na Coroa e em
seus ministros, embora subordinados à única câmara parlamentar eleita por sufrágio universal.
157
Os Cinco Poderes eram Áustria, Rússia, Prússia (a Santa Aliança), França e Inglaterra.
2
Vítor Manuel I (1759-1824) da antiga linhagem Saboia sucedeu, em 1802, ao irmão Carlos
3
Manuel, que se retirou para a Sardenha durante o período napoleônico; ele foi restabelecido em 1814
pelo Congresso de Viena, mas abdicou em 1821, durante a revolta dos carbonários. Sucedeu-lhe o
irmão Carlos Félix (1765-1831), último rei da antiga linhagem. Durante a revolução, Carlos Alberto
I (1798-1849), da linhagem lateral dos Saboia-Carignano, foi eleito regente. Os revolucionários espe-
ravam sua ajuda.
158
159
Scene morali di famiglia esposte nella vita di Margherita Bosco: racconto edificante ed ameno
5
[Cenas morais de família expostas na vida de Margarida Bosco: uma história edificante e amena]. Turim:
Scuola Tipografica Salesiana, 1886.
6
MB XVIII, 57.
160
161
empregado num sítio dos arredores, até que o assunto pudesse ser resolvido
legalmente com a divisão dos bens entre os filhos. Foi mérito de Margarida se
a família se conservou unida, sem precisar desfazer-se de Antônio.7
Margarida é lembrada como uma mulher santa. Sua biografia conserva
alguns exemplos de espiritualidade e devoção. Era mulher de caráter, profun-
damente cristã, totalmente dedicada aos filhos e ao serviço de Deus e do pró-
ximo. O biógrafo dá atenção especial à sua ação de educadora cristã. Fazem-no
o mesmo as testemunhas do processo diocesano para a beatificação de Dom
Bosco. Era mãe consagrada totalmente à educação dos filhos, aos quais ensina
o catecismo, leva à igreja, prepara para os sacramentos etc. Ela dedicou seus
maiores esforços, sobretudo, no desenvolvimento pessoal deles. Margarida
queria dotar seus filhos de caráter moral e força espiritual interior para a vida e
para o compromisso com a vida. Educou-os no sentido da presença de Deus,
na confiança na Providência divina, na honestidade e integridade, no amor ao
trabalho e na fidelidade aos deveres, na sensibilidade diante das necessidades
dos outros, expressa em atitudes de serviço concreto, no otimismo cristão e na
viva esperança do prêmio final de Deus. Eram estes os valores básicos com os
quais ela vivia e que transmitiu aos filhos, de modo especial a João.
Vários elementos concorreram para o crescimento moral, religioso e es-
piritual de João. Não se pode ignorar o caráter da gente do Piemonte. O
piemontês, em especial o agricultor, era industrioso, grande trabalhador e
empreendedor perseverante; não era, de modo algum, uma pessoa insensí-
vel e insociável. Assim, como os antepassados da família Bosco, João tinha
paixão pelo trabalho, paixão que, sem dúvida, não afetava em absoluto seu
temperamento nem seu sorriso espontâneo.
O catolicismo configurara a história do Piemonte desde a remota an-
tiguidade. A tradição religiosa católica estava profundamente arraigada no
povo, alimentada pela paróquia como centro da religião e da vida social. As
novas ideias que chegavam da França revolucionária eram consideradas glo-
balmente suspeitas e perigosas e, na verdade, anticristãs. Só com dificuldade
João podia conceber a vida social, religiosa e espiritual fora do tronco tradi-
cional do catolicismo romano.
Margarida educou seus filhos para a vida de penúria e mortificação: des-
pesas extremamente simples, colchões duros de palha e que não deixavam
dormir muito. Esforçou-se, principalmente, por ensinar-lhes a doutrina cris-
tã, educá-los à obediência e confiar-lhes trabalhos compatíveis com a idade.
7
Na tradição biográfica salesiana, incluindo as próprias Memórias, Antônio foi alvo da “má
imprensa”, talvez não totalmente justificada.
162
163
Margarida, com suas santas indústrias e sua antevisão, não contrariava, mas
corrigia e dirigia para Deus as inclinações e os dotes naturais com que João
fora enriquecido. Ele manifestava grande abertura de espírito, apego aos
próprios julgamentos, tenacidade nos propósitos; e a boa mãe habituou-o
à perfeita obediência, sem favorecer o amor próprio, mas persuadindo-o a
submeter-se às humilhações inerentes à sua situação; ao mesmo tempo, po-
rém, não deixou de buscar todos os meios para que pudesse entregar-se aos
estudos sem cansar-se excessivamente e deixando que a divina Providência
determinasse o momento oportuno. O coração de João, que um dia deveria
acumular riquezas imensas de afeto por todos os homens, estava cheio de uma
exuberante sensibilidade que, se satisfeita, poderia ser perigosa. Margarida
jamais rebaixou sua condição de mãe com carícias exageradas, nem tolerando
ou simpatizando com algo que pudesse ter sombra de anormalidade; mas
nem por isso usou de modos ásperos com ele ou atitudes violentas que o irri-
tassem ou pudessem motivar arrefecimento em seu amor filial.
João tinha inato aquele sentimento de segurança no agir, pelo qual o homem
se sente levado naturalmente a dominar, necessário para quem está destinado
a presidir a muitos, mas que também com muita facilidade pode degenerar
em soberba; e Margarida não vacilou em reprimir os pequenos caprichos,
desde o início, quando ainda ele não era capaz de responsabilidade moral.
Quando, porém, mais tarde o vir sobressair-se entre os companheiros dese-
jando fazer-lhes o bem, observará a sua conduta em silêncio, não se oporá
aos seus projetos naturais e não só o deixará agir a seu gosto, como também
As mesmas Memórias de Dom Bosco (seguida por Lemoyne) insistem no estilo educativo de
12
Margarida como antecipação do método educativo de Dom Bosco. Esta interpretação está em linha
com a “intenção” das Memórias.
164
MB I, 41-42.
13
O documento da reforma educacional intitulado Regie Patenti (Carta Real) será comentado
14
mais adiante.
165
15
A distância foi o motivo pelo qual Dom Bosco não fosse matriculado em Castelnuovo (MO,
27), pois deveria caminhar mais de 5 quilômetros quatro vezes por dia por estradas rurais no bom e mal
tempo: de casa à escola, voltar para o almoço do meio-dia (pão e sopa) e ir novamente a Castelnuovo
para as aulas da tarde.
16
As cartas escritas pelo padre José Lacqua a Dom Bosco demonstram que foi fácil dedicar-se a
essas pequenas escolas locais. Cf. MB I, 483-484 e II, 29-30.
17
MB I, 97-98.
166
educação cristã”.18 Foi também o início de uma amizade duradoura entre mes-
tre e discípulo. Nesse tempo, João entre 8 e 10 anos, fez a primeira confissão
e a primeira comunhão na Páscoa, 26 de março de 1826.19 Pode-se imaginar
que o ensino do padre Lacqua foi importante pelo seu significado vocacional;
foi nessa época que João teve o sonho profético.
O sonho vocacional
Naqueles anos, tive um sonho que me ficou profundamente impresso na mi-
nha mente por toda a vida.
Pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde uma mul-
tidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros divertiam-se, não pou-
cos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles,
tentando, com socos e palavras, fazê-los calar.
Nesse momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobre-
mente vestido. Um manto branco cobria-lhe o corpo; seu rosto, porém, era
tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou
que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras:
18
MO, 27.
19
P. Stella, Vita, 7.
167
– Não é com pancadas mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar
esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pe-
cado e a preciosidade da virtude.
Confuso e assustado repliquei que eu era um menino pobre e ignorante, inca-
paz de lhes falar de religião. Senão quando aqueles meninos, parando de brigar,
de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do personagem que estava a falar.
Quase sem saber o que dizer, acrescentei:
– Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis?
– Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com a
obediência e a aquisição da ciência.
– Onde, com que meios poderei adquirir a ciência?
– Eu te darei a mestra, sob cuja orientação poderás tornar-te sábio, e sem a
qual toda sabedoria se converte em estultice.
– Mas quem sois vós que assim falais?
– Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia.
– Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não co-
nheço; dizei-me, pois, vosso nome.
– Pergunta-o a minha mãe.
Nesse momento vi a seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de
um manto todo resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgi-
díssima estrela.
Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, ace-
nou para que me aproximasse d’Ela e, tomando-me com bondade pela mão,
disse:
– Olha.
Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma
multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais.
– Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte, robusto; e o
que agora vês acontecer a esses animais, deves fazê-lo aos meus filhos.
Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes apareceram mansos cordei-
rinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele homem e daquela
senhora, como a fazer-lhes festa.
Neste ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi ao homem que falasse
de maneira que pudesse compreender, porque não sabia o que significava
tudo aquilo.
Ela, então, descansou a mão em minha cabeça, dizendo:
– A seu tempo tudo compreenderás.
Após essas palavras, um ruído me acordou.
168
Fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos doloridas pelos socos que desfe-
rira e doer-me o rosto pelos tapas recebidos. Depois, o personagem, aquela
mulher, as coisas ditas e as coisas ouvidas de tal modo me encheram a mente,
que já não pude conciliar o sono durante a noite.
De manhã contei logo o sonho. Primeiro aos meus irmãos, que se puseram
a rir, depois à mamãe e à vovó. Cada um interpretava-o à sua maneira. Meu
irmão José dizia: “Vais ser pastor de cabras, de ovelhas ou de outros animais”.
Mamãe: “Quem sabe se um dia não chegarás a ser padre”. Antônio, seca-
mente: “Talvez termines sendo chefe de bandoleiros”. Mas vovó que, de todo
analfabeta, entendia muito de teologia, deu a sentença definitiva exclamando:
“Não se deve fazer caso dos sonhos”.
Eu era do parecer de minha avó, todavia nunca pude esquecer aquele sonho.
Os fatos que exporei em seguida conferem-lhe algum sentido.
Não falei mais do assunto, e meus familiares não lhe deram maior impor-
tância. Mas quando, em 1858, fui a Roma para falar com o Papa sobre a
Congregação Salesiana, ele me fez contar pormenorizadamente tudo quanto
tivesse algo de sobrenatural, mesmo que só na aparência. Contei então pela
primeira vez o sonho que tive na idade de 9 a 10 anos. O Papa mandou-me
escrevê-lo literalmente e com pormenores, e deixá-lo para animar os filhos da
Congregação, pela qual fizera essa viagem a Roma.20
Baste aqui uma anotação inicial, pois mais adiante será oferecido um co-
mentário do sonho e do seu papel no discernimento vocacional de João Bosco.
O texto é aquele que o padre Joaquim Berto transcreveu do rascunho corrigido por Dom
20
Bosco: Memórias do Oratório: um sonho: MO-Berto, 5-8; FDB 60 A9-12. Cf. FDB 57 A6-9. Cf. MO,
10, 11, 12. Outros relatos do sonho vocacional surgirão depois.
21
MO, 27.
22
MO, 35-36.
169
a ideia de vocação sacerdotal em ligação com o sucesso que João tinha com as
crianças da aldeia e com o desejo de “estudar”, expressado por João.23
Deve-se levar em conta, de fato, que “estudo”, diferente de alfabetização
(aprender a ler, escrever e contar), estava na maioria dos casos associado ao
sacerdócio.24 Margarida também pôde reforçar a insinuação do sacerdócio,
ao perceber as aptidões especiais de João. Talvez fosse o que tinha em mente
quando, primeiramente, decidiu mandar João à “escola”. Seu comentário so-
bre o significado do sonho teria então um significado específico. Estamos no
campo da conjectura, mas de uma coisa podemos estar certos: o sonho não
aconteceu sem precedentes, vindo do nada.
O sonho deve ter acontecido em fins de junho de 1825, perto da festa de
São Pedro e São Paulo, a cujos santos era dedicada a igreja da aldeia, quando
alguns textos litúrgicos, como “apascenta minhas ovelhas, apascenta meus cor-
deiros”, podiam ter-lhe proporcionado as imagens. Ou pode ter ocorrido na
festa da Anunciação, 25 de março, dada a menção do Ângelus, que pode ser
uma alusão a essa festa. As imagens pastorais também podem ter sido sugeridas
pela pregação em preparação ao jubileu de 1825, instituído pelo papa Leão XII.
23
A influência do padre José Lacqua sobre João deve ter sido significativa. Ambos mantiveram
contato e correspondência: Dom Bosco ao padre José Lacqua, Chieri, abril de 1840 e Chieri, maio de
1841, em Epistolário Motto, I, 48. Para as respostas do padre Lacqua, ver MB I, 483-484, MB II, 29-
30. Apresenta-se num apêndice posterior um seu breve perfil biográfico.
24
Deve-se levar em consideração que as objeções de Antônio eram contra o “estudo” de João,
não contra o ensino elementar. Segundo demonstram os documentos de arquivo, Antônio sabia ler e
escrever, já que sabia assinar; José, porém, parece que era analfabeto.
25
MO, 79.
26
Dom João Cagliero testemunhou no processo de beatificação que ouvira de Dom Bosco a
narração do sonho quando retornou de Roma “em 1858 ou 1859”.
170
27
Crônica, VII, Viglietti, 4, 16 de maio de 1887, FDB 1, 226 D8. Cf. MB XVIII, 341.
171
Melquior Occhiena
casado com Francisca [?]
3 filhos
Dos 10 filhos de Melquior Marcos Occhiena, 5 chegaram à idade adulta. Dos 5 adultos, 3
28
figuram com importância na vida de Dom Bosco: Mamãe Margarida, sua irmã mais velha Joana Maria,
tia e madrinha de Dom Bosco, apelidada de Mariana, e o tio Miguel. Lemoyne fala apenas de 5 filhos
de Melquior Marcos Occhiena porque dele só conheceu os 5 que chegaram à idade adulta.
172
173
174
175
176
177
178
179
180
29
MB II.
181
Eu a conheci durante oito anos e convivi com ela durante quatro. Era uma mu-
lher cristã e devota, dotada de coração generoso, assim como também de grande
coragem e prudência. Dedicou-se à nossa educação, a nós que éramos os seus
filhos, a sua família de adoção. Surpreendia-me admiravelmente, e também a
todos os meus companheiros, pela sua grande generosidade e sacrifício pessoal
que fizeram com que abandonasse sua casa e se entregasse à tarefa difícil e árdua
de cuidar de tantos orfãozinhos. Todos nós a chamávamos de “mamãe”, porque
todos nós a respeitávamos e queríamos de verdade como a uma mãe.
Eu conheci a mãe de Dom Bosco pessoalmente no Oratório de Turim. Foi
minha mãe durante cinco anos, isto é, até o dia de sua morte. A boa Mamãe
Margarida, como a chamávamos, era uma mulher admirável, dotada de todas
as virtudes de uma mãe realmente cristã. Era educada, próxima, paciente e
cheia de carinho por todos nós, os pobres orfãozinhos.30
30
POCT (Processus Ordinarius Curiae Taurinensis): Rua, Sessão 358 (1895), e Cagliero, Sessão
145 (1893).
182
31
POCT, Villa, Sessão 211 (1894).
32
MB V, 560-563.
33
L. Deambrogio, Le passeggiate autunnali, 186. P. Stella, Economia, 633.
183
184
em Valdocco, como mais uma das “mães”. O episódio em que aparece cozi-
nhando carne no café aconteceu em 2 de fevereiro de 1851.37
37
MB IV, 230-231.
185
38
Para as quatro referências deste parágrafo, ver MB IV, 233s; IV, 185s; V, 548; V, 560.
39
MB V, 657.
186
AS PROVAÇÕES DE UM ADOLESCENTE
(1824-1830)
187
As opções de Margarida
É provável, como conta Lemoyne, que por causa da intemperança do ca-
ráter, Antônio ameaçasse João – pode até ser que chegasse a mais do que isso
– e perdesse o respeito por Margarida.2 Lemoyne pôde obter essa informação
do próprio Dom Bosco, que não se sabe ter desculpado o comportamento
de Antônio.
O que Margarida iria fazer? A tradição biográfica apresenta a divisão da
propriedade dos Bosco (1830) como o auge da luta contínua entre Margarida
e Antônio. Diz-se, com efeito, que Margarida, de acordo com seus irmãos
Miguel e Mariana e, talvez, também com o tutor dos meninos, João Zucca,3
estava querendo libertar João das pressões de Antônio, mas para isso seria
preciso esperar que este chegasse à maioridade (fevereiro de 1829). Há quem
tenha interpretado a situação como dramática, mas deve-se recordar que João
Zucca era o tutor legal dos órfãos Bosco, tanto de José e João quanto de An-
tônio, e que defenderia os direitos de todos. Além disso, como assinala Stella,
o fato de Antônio estar chegando à maioridade e pensar em se casar lança
nova luz sobre o assunto da divisão da herança, que não precisou ser neces-
sariamente dramática, mas inteiramente normal.4 Deve ter acontecido uma
reunião familiar e um plano, provavelmente concordado pelo tutor legal; a
repartição da herança, embora não fosse do agrado de Antônio, foi pactuada
como necessidade prática, também em vista do futuro casamento de Antô-
nio, que logicamente resistiria, pois o plano era desvantajoso para ele, mas,
2
Em um acréscimo aos Documenti I, 26, escrito à mão pelo padre Lemoyne, afirma-se que An-
tônio insultou Margarida chamando-a de “madrasta do diabo”, cf. ASC A0006: Lemoyne-Doc, FDB
966 C11. O fato é suavizado em MB I, 61.
3
Juan Zucca era aparentado com Francisco Bosco e sobrinho da mãe de Francisco (Margarida Zuc-
ca). Conforme o costume piemontês, o tutor passava a participar da linhagem do primogênito (de Antônio).
4
Trata-se de um comentário de P. Stella em Vita, 21, nota 41. Nos demais lugares, apesar disso,
Stella acredita que houve algum tipo de reunião familiar e que se adotou um plano para suavizar a
situação problemática (cf. P. Stella, Vita, 13, 21). O plano incluiria tanto afastar João de casa durante
algum tempo, como dividir a herança quando Antônio chegasse à maioridade. João Zucca, como re-
presentante legal, teria sido encarregado de intermediar o assunto com Antônio.
188
Parece que [antes de fevereiro de 1828] ele tivesse ido para a aldeia de Serra,
na localidade Buttigliera d’Asti, e que fosse acolhido e hospedado com muita
cordialidade pelos amigos de sua mãe; contudo, ao perceber que era de peso,
pois não sendo uma estação em que pudesse ser útil com seu trabalho, tenha
retornado a Murialdo.6
5
Stella suprime, em um lugar, a fase Câmpora e situa o período fora de casa (como período
Moglia) de fevereiro de 1827 a novembro de 1829. Em outro lugar; ele distingue as duas fases, situan-
do a fase Câmpora no inverno de 1827 e a fase Moglia de fevereiro de 1828 a novembro de 1829 (P.
Stella, Vita, 13-17; id., Economia, 23. 29). Desramaut também anota a fase Câmpora e situa o período
Moglia de fevereiro de 1828 a 1º de novembro de 1829 (F. Desramaut, Don Bosco, 27). As pesquisas
de Molineris revelaram que João, no outono de 1827, estivera durante algum tempo num sítio iden-
tificado como o de Câmpora, em Serra di Buttigliera. Por outro lado, ele propõe de fevereiro de 1828
a novembro de 1829 o período Moglia e situa o primeiro tempo de serviço em Serra di Buttigliera
em 1827, sem especular sobre outras especificações (M. Molineris, Don Bosco inédito, 143-152). Tudo
considerado, pode-se adotar estes dados: (1) escola em Capriglio, 1824-1825 seguida de alguns anos de
brigas em casa; (2) Câmpora em Serra di Buttigliera, no início do inverno de 1827-1828; (3) Moglia
no território de Moncucco, fevereiro de 1828 a novembro de 1829.
6
MB I, 192.
189
7
MB I, 192-193.
8
MB I, 191.
9
Molineris menciona os seguintes: Ana, confundida às vezes com a filha Ana, e Teresa, irmãs
de Luís, de 18 e 15 anos, respectivamente, e João e José, tios de Luís. O padre Nicolau Moglia (talvez
também tio de Luís e professor ativo na região) vivia no sítio provavelmente apenas durante as férias
de verão. Esse padre deu algumas aulas a João e, em 1831, quando João ia à escola de Castelnuovo,
substituiu padre Virano como professor. Em Castelnuovo não gostou nada de João e tornou-lhe a vida
impossível. Cf. MO, 51.
190
O retorno de João
A permanência com os Moglia terminou inesperadamente para João
– presumivelmente, porém, de acordo com o “plano” que se mencionou
– com a intervenção de seu tio, Miguel Occhiena. Aconteceu em 3 de no-
vembro, depois da festa de Todos os Santos, quando terminava o segundo
10
O relato do padre Marchisio encontra-se em ASC A008s: Cronachette, Marchisio; FDB 1,203
D1-E4. Estes testemunhos facilitaram a Lemoyne “reconstruir” de alguma forma este período. Cf. MB
I, 191-196. O relato afirma que as meninas Moglia também participavam das aulas de catecismo de
João. Lemoyne cuidadosamente “expurga” a informação.
11
O testemunho de Jorge Moglia dá-se em POTC, Sessão 93, 10 de julho de 1892; está em ASC
A 265s: Deposizioni dei testi; FDB 2, 135 E2-9. Tinha 67 anos na época. Morreu em 1923 aos 98 anos.
12
MB I, 206.
13
MB I, 200-202.
191
14
MB I, 202.
192
15
MO Ceria, 38-40, nota 40.
16
J. Klein - E. Valentini, Una rettificazione, 581-610.
17
F. Desramaut, Don Bosco, 38, nota 88, citando seu trabalho anterior, MB I, 179, nota 10, e 421-425.
18
Convém recordar que uma das objeções contra a heroicidade das virtudes de Mamãe Margari-
da foi o fato de ter afastado João da família para trabalhar no sítio dos Moglia. Os objetores assinalam
quatro aspectos: 1) parece estranho que Mamãe Margarida se decidisse a dar um passo radical, levando
em conta que a situação não era tão dramática; 2) a decisão da mãe seria justificada no caso de ser diri-
gida a garantir a possibilidade de estudo do filho, mas neste caso só serviu para afastar João do irmão,
não para que estudasse; 3) Joãozinho não ficou nada entusiasmado com a decisão de sua mãe; 4) a pe-
nosa questão terminou graças à intervenção de Miguel, mas chama atenção a dureza da mãe quando o
filho retornou à casa depois de quase dois anos de ausência: em vez de mostrar-lhe afeto “repreendeu-o
e não quis aceitar as justificativas” e, coisa estranha, “ordenou-lhe que retornasse ao lugar de onde tinha
vindo para continuar fazendo o seu trabalho”. A atitude da mãe diante de um menino de 12 anos não
parece um exercício de prudência heroica. Por outro lado, neste caso, nem mesmo se garante a justiça.
Margarida defendeu o enteado em detrimento do filho. Defender o mais forte e pôr em dificuldade o
mais fraco não parece ser um ato de justiça heroica. A resposta dos promotores da Causa foi que inicia-
tivas desse tipo eram normais na práxis do século XIX por questões de trabalho ou economia familiar;
que a distância entre os Moglia e os Becchi era relativamente pequena e que, portanto, não supunha
nem uma imprudência nem uma crueldade por parte da mãe (Votos dos Consultores Teólogos). Cf. J.
G. González, Don Bosco: un apunte, 87.
19
Lemoyne fala da atividade oratoriana de João enquanto estava com os Moglia e na aldeia de
193
Moncucco. Onde ele obteve essa informação? Deve ser idêntica à finalidade das Memórias. Sobre as
razões da omissão, ver as observações de P. Stella, em Vita, 16, nota 30.
20
MO, 43.
21
Leão XII, Aníbal della Genga, nasceu em 22 de agosto de 1760; foi eleito papa em 28 de setem-
bro de 1823; morreu em 10 de fevereiro de 1829. Pio VII, nascido Francisco Xavier Castiglioni em 20
de novembro de 1761, foi eleito papa em 31 de março de 1829; morreu em 30 de novembro de 1830.
22
Deve-se distinguir este jubileu especial do jubileu ordinário que fora celebrado quatro anos
antes no Ano Santo de 1825 e que, em seguida, Leão XII ampliou até o ano de 1826.
194
MO, 40. A identificação dos jubileus foi feita por Klein-Valentini, citados na nota 16.
23
Buttigliera, município com cerca de 2 mil habitantes na época, situa-se a uns 4 quilômetros a
24
oeste dos Becchi e 3 quilômetros a sudeste de Castelnuovo. João Bosco recebeu ali a Confirmação, em
14 de agosto de 1833.
195
25
MO, 27, 42-43, 44, 49.
26
MO, 40-43.
27
MO, 44-45.
28
MO, 45-46.
29
MB I, 24, 30, 69s, 94, 99-100.
30
MB I, 176-180.
31
MB I, 181-183.
32
MB I, 191s.
33
MB I, 177.
34
MB I, 181-189.
35
MB I, 185-188.
36
MB I, 187-188.
196
37
Sobre a repartição da herança dos Bosco ver: M. Molineris, Don Bosco inedito, 121-122, e
artigos em Il Tempio di Don Bosco 17 (1963), 120-121; 19 (1965), 134-138; F. Desramaut, Don Bosco,
32. Sobre a propriedade Bosco ver P. Stella, Economia, 15-22.
38
MB I, 215-216.
39
MB I, 215.
40
P. Stella, Economia, 15.
41
P. Stella, Economia, 19-21.
197
42
Mesmo depois da morte de José (1862), as propriedades de João e de José continuaram in-
divisas. Alguns meses antes de sua morte (31 de janeiro de 1888), Dom Bosco pensou em colocar em
ordem todos os seus assuntos legais e chegou a um acordo com os filhos de José. Um deles, sobrinho de
Dom Bosco, Luís, que tinha levado vida “escandalosa” e, por isso, foi proibido de entrar no Oratório,
moveu uma ação contra Dom Bosco. Mas também ele morreu em 6 de fevereiro de 1888.
43
MO, 48.
198
Capela de São Pedro, de Murialdo, onde padre João Calosso era capelão.
199
A figura do pai
A vida de família no Piemonte, embora não matriarcal, fundamentava-
-se principalmente na figura materna. A relação pai-filho era secundária. Os
psicólogos, dizem-nos hoje, que uma relação muito exclusiva é danosa para
a criança; por isso, aconselha-se aos pais que abandonem seus papéis fixos
(a mãe cria e educa, o pai trabalha e ganha). A perda do pai na primeira
infância de João deixou um vazio que precisava ser preenchido, ao menos
parcialmente.
Não havia nenhuma figura paterna que o ajudasse a regularizar a vida?
João vivia numa família restrita; mas a família ampliada não se tinha afastado
muito; de modo que, presumivelmente, os homens, como os tios Francisco
e Miguel Occhiena além do tutor legal João Zucca – os Bosco não se con-
tam nesse aspecto – puderam preencher o vazio, ao menos, até certo ponto.
44
MB I, 38-39.
45
Cf. MO, 35-37, 54-56.
200
Padre João Calosso e o jovem João Bosco: uma relação de pai e filho
João, agora adolescente de 15 anos, encontrou no padre Calosso o “bom
pai” de que precisava e desejava havia muito tempo. Padre Calosso tinha ex-
periência psicológica suficiente para compreender o problema de João que,
nessa idade, se encontrava em meio à crise da adolescência. Por outro lado, o
bom, mas provavelmente desencantado padre, viu-se carente de um filho de
quem pudesse ser pai e viu a oportunidade de fazer alguma coisa de valor e
que preenchesse sua velhice. Uma relação profunda e recíproca floresceu de
imediato. Dom Bosco expressa-se em termos muito enfáticos:
46
Cf. G. Dacquino, Psicologia di Don Bosco, 19-32.
47
MO, 45.
48
MO, 43.
201
ele sonhava; as coisas chegaram a tal ponto que mamãe, temendo pela minha
saúde, mandou-me passar uma temporada com meu avô em Capriglio.49
O relacionamento de João com padre Calosso foi truncado tragicamente.
A ânsia com que João buscava a figura de um pai e a verdadeira direção espi-
ritual não se satisfez enquanto não passou à influência do padre José Cafasso.
Conclusão
Muitos e importantes valores espirituais emergem das experiências de
Dom Bosco em seus primeiros anos. Ele não só superou sérias dificuldades,
não só passou por muitas provações penosas. O modo com que encarou essas
desventuras configurou o seu caráter e tornou-o muito mais firme em busca
de seus objetivos. Longe de dilacerar-se por elas, aprendeu a paciência e a
confiança em Deus; adquiriu a percepção da proximidade de Deus e da sua
realidade, o sentido da oração.
Entretanto, as experiências da infância de Dom Bosco foram também
formativas do ponto de vista vocacional. Desde os inícios e durante a vida
toda, ele se considerou chamado a ocupar-se dos jovens abandonados e ór-
fãos. A partir da sua experiência pessoal, sentiu-se irresistivelmente atraído
por eles e conservou uma profunda compreensão pela desventura deles. Sua
resposta emocional às necessidades dos jovens era imediata e imperativa. Seu
desejo pessoal de um pai ou da figura de um pai, fez com que se sentisse cha-
mado por vocação ao papel de pai dos jovens necessitados.
49
MO, 48. 202
50
As datas que seguem refletem a cronologia estabelecida no comentário anterior.
203
204
1831 Primavera: José Bosco, com o colega José Febbraro, torna-se ad-
ministrador-meeiro no sítio Matta, em Sussambrino. Margarida e
João também vivem ali.
51
MO, 47
52
Cf. MB I, 25. Essa também é a data que Lemoyne apresenta na biografia de Margarida Bosco.
53
Cf. P. Stella, Vita, 10, nota 16 referida ao texto.
205
(1840-1878) teve 4 filhos, dos quais apenas Antônio (II) (1879-1956) conti-
nuou a linhagem da família Bosco.
Antônio construiu uma casa com um só quarto alguns metros a noroeste
da “pequena casa”. Conserva-se um desenho nos arquivos. O lugar servia de
cozinha durante o dia e dormitório das crianças durante a noite, enquanto
os pais dormiam no “quarto principal” da pequena casa, o que foi permitido
por Mamãe Margarida.
Não se sabe como Antônio conseguiu manter uma família tão grande,
com as parcelas de terra que lhe corresponderam na divisão da herança. É
provável que também trabalhasse como emprego assalariado. Em todo caso,
a família viveu em extrema pobreza.
Aos poucos, os descendentes dos Bosco, tanto os de Antônio como os
de José, deixaram os Becchi e foram para outros lugares. Entre 1891 e 1926
suas propriedades foram doadas aos salesianos ou compradas por eles: a parte
da pequena casa correspondente a Antônio foi doada pelos descendentes, em
1919; os de José fizeram o mesmo, em 1926. Em 1929, o histórico centro,
incluindo a casa Cavallo-Graglia e a maior parte da colina, com a proprieda-
de Biglione, já estavam nas mãos dos salesianos.
O Reitor-Mor padre Felipe Rinaldi projetava fazer de toda a colina um
santuário salesiano em vista da beatificação de Dom Bosco (1929). A casa de
Antônio foi demolida em 1915, para dar lugar ao pequeno Santuário de Ma-
ria Auxiliadora, construído entre 1915 e 1918, para comemorar o centenário
do nascimento de Dom Bosco e a instituição da festa de Maria Auxiliadora.54
Antônio morreu quase repentinamente em 18 de janeiro de 1849 aos
41 anos, depois de breve enfermidade. Antônio já não figura na história de
Dom Bosco desde 1831; pode-se ter a impressão de que os dois irmãos conti-
nuaram sempre separados, mas não foi essa a realidade. É provável que tenha
havido algum tipo de reconciliação. As afirmações de Lemoyne nas Memórias
Biográficas devem ser mitigadas:
Seu meio-irmão Antônio que, às vezes, vinha ao Oratório para visitar Mamãe
Margarida e Dom Bosco, morria em 18 de janeiro [de 1849]. Depois de al-
guns dias de mal-estar, que não parecia grave, morreu quase repentinamente
[...]. [Dom Bosco], que não deixara fugir qualquer ocasião para demonstrar
o seu afeto sincero pelo irmão Antônio, seu opositor, assumiu solicitamente
o cuidado de seus 2 filhos. A um deles, Francisco, acolheu no Oratório para
54
A festa de Maria Auxiliadora dos Cristãos foi estabelecida pelo Papa Pio VII em 1815, depois
da derrota de Napoleão, em ação de graças pela sua libertação da prisão.
206
Dom Bosco, por sua vez, nunca esqueceu a generosidade de seu irmão José,
que diversamente de seu meio-irmão Antônio, se ofereceu para ajudar na co-
leta da quantia requerida para que João se encaminhasse ao sacerdócio. Como
se indicou, 2 dos filhos de José foram aceitos mais tarde em Valdocco pelo tio,
um como estudante e outro como aprendiz. Nenhum dos filhos de Antônio,
porém, foi tão favorecido.57
55
MB III, 474; cf. I, 237.
56
P. Stella, Economia, 25-26.
57
P. Stella, Economia, 38. Em uma nota (38, n. 26) Stella acrescenta: “Em sua Última vontade,
manuscrito redigido em Varazze em 29 de dezembro de 1871, Dom Bosco não se esqueceu de especi-
ficar os legados a seus sobrinhos e sobrinhas, tanto da família de Antônio como da família de José”. Cf.
ASC A220ss: Testamenti, 3-5 [FDB 73 B7ss]. Deve-se levar em conta, ainda, que pareceria improvável
e bastante contrário ao costume penalizar numa “família hostil” os descendentes inocentes, muito
depois de o chefe da família ter morrido.
207
José Luís, o filho mais velho que Francisco Luís Bosco teve com a segunda
esposa, Margarida Occhiena, nasceu em 18 de abril de 1813, não em 8 de abril
como dizem as Memórias Biográficas e todos os demais biógrafos que as seguiram.59
José, nas Memórias Biográficas, é o sujeito de vários episódios e conside-
rações. Aparece como um menino tímido, educado, mas às vezes teimoso.60
“José era de temperamento educado e sereno, bom, paciente e prudente; era
parecido com o pai, e inclinado a servir-se de tudo para tirar vantagem, in-
clusive das coisas que parecem de pouca utilidade. Dessa maneira, se não
gostasse da vida tranquila do campo, poderia ter chegado a ser um negociante
de sucesso”.61
Ele participa com João no episódio da venda do peru.62 José e João
entendiam-se bem.63 Interpretou o sonho de João dizendo que seu irmão
chegaria a ser pastor.64 Para permitir que João estudasse com padre Calosso,
José comprometeu-se a fazer a parte dele no trabalho do sítio.65 No assunto
da divisão da herança familiar, José optou por unir-se a João e Mamãe Mar-
garida.66 Quando João foi para a escola em Castelnuovo e Chieri, José acom-
panhou Mamãe Margarida em suas visitas, “para ver seu irmão”. Nada se diz
sobre o aprendizado de José, que, aparentemente, não teve nenhum. Sabe-se
agora que assinava os documentos com uma cruz diante de testemunhas.67
Após a divisão da herança familiar (1830-1831), José, aos 18 anos, ar-
rendou o sítio Matta, na colina de Sussambrino, perto de Castelnuovo, como
58
MB XII, 187.
59
MB I, 25.
60
MB I, 58.
61
MB I, 94.
62
MB I, 78-79.
63
MB I, 95-96.
64
MB I, 126.
65
MB I, 184.
66
MB I, 214-215.
67
MB I, 224.
208
meeiro com um amigo, José Febbraro. Margarida foi viver com ele, e João
também esteve em Sussambrino durante as férias de verão.68
Em 18 de março de 1833, aos 20 anos,69 José casou-se com Maria Calos-
so (1813-1874), de quem se fala às vezes como Maria Febbraro (nome de sua
mãe). Sobre o casamento, fala-se de passagem nas Memórias Biográficas.70 Ti-
veram 10 filhos: Margarida (1834-1834), Filomena (1835-1926), Rosa Do-
mingas (1838-1878), Francisco (1841-1911), Félix João (1843-1844), Luís
(1846-1888), Lúcia Teresa (1848-1926), Margarida (1851-1860), Afonso
João (1854-1860) e Miguel Antônio (1856-1857). Das meninas, apenas
Rosa Domingas e Lúcia Teresa chegaram à idade adulta, casaram-se e tiveram
muitos filhos. Dos meninos que chegaram à idade adulta, Francisco Luís
causou desgostos a Dom Bosco devido à vida pouco edificante.71
Em 1839, José deixou a parceria no sítio Matta, quando este foi com-
prado por Alexandre Pescarmona, e retornou aos Becchi.72 Com suas econo-
mias e algum empréstimo, e mais tarde com a ajuda de Dom Bosco, depois
de alguns anos conseguiu construir uma casa perto da pequena casa. Dom
Bosco, ordenado subdiácono no outono de 1840, não tinha dote que, por lei
eclesiástica, era necessário aos candidatos às Ordens Sacras. José ofereceu sua
propriedade para que Dom Bosco pudesse cumprir esse requisito.73 Ao longo
da vida, José ajudou Dom Bosco de todas as maneiras possíveis, enviando-lhe
produtos do sítio para o Oratório e dando ao irmão inclusive algum dinheiro
que tinha guardado para melhorar o sítio.74
Durante a época do Oratório itinerante (1844-1846), Dom Bosco foi
ocasionalmente aos Becchi para um pequeno descanso. José reservara um
quarto para ele na casa, a oeste, no segundo andar; os quartos da família
ocupavam o restante da casa. Em 1846, depois de instalar-se em Valdocco,
Dom Bosco passou cerca de três meses nos Becchi, recuperando-se da grave
enfermidade que quase o levou à sepultura.75 Quando a pequena casa ficou
vazia, depois de Antônio construir a sua própria casa muito próxima, Dom
Bosco continuava a ir à “sua casa”, ou seja, a casa de José.
MB I, 237.
68
Não aos 21 anos, como Stella sugeriu anteriormente [Nota dos editores].
69
70
MB I, 328.
71
MB XVIII, 532.
72
MB II, 18.
73
MB I, 367. Lemoyne cita as Memorias de Don Bosco, mas as Memorias del Oratorio não
mencionam tal coisa.
74
MB IV, 485. Cf. também MB III, 52; IV, 150.
75
MO, 189; MB II, 408-409.
209
Em 1848 foi aberta uma porta na parede oeste da casa de José. Um dos
quartos foi remodelado e preparado como capela, benzida em 12 de outu-
bro pelo padre Pedro Antônio Cinzano, pároco de Castelnuovo, depois de o
Vigário de Turim emitir o decreto de aprovação. A capela dedicada a Nossa
Senhora do Santo Rosário foi o primeiro santuário religioso na história da
aldeia dos Becchi. Ela tinha como objetivo servir de centro local de devoção,
assim como lugar de peregrinação para os meninos do Oratório. Aqui, o clé-
rigo Rua recebeu a batina em 1852,76 e aqui Domingos Sávio encontrou-se
com Dom Bosco pela primeira vez em 1854.77
Para a inauguração da capela, Dom Bosco trouxe 16 meninos de Turim,
numa das primeiras excursões que se repetiriam anualmente durante o outo-
no até 1864. Quando chegavam aos Becchi, os meninos costumavam dormir
no celeiro-sótão que Dom Bosco construíra como um terceiro andar.78 Caso
o número dos participantes fosse maior, às vezes chegaram a mais de 100, os
que não cabiam, dormiam no celeiro situado sobre o estábulo a leste da casa.
José esteve ao lado de Mamãe Margarida quando ela ficou doente e
morreu no Oratório de Turim, no dia 25 de novembro de 1856. Ouviu suas
últimas palavras de recomendação e comunicou sua morte a Dom Bosco,
que saíra do quarto a pedido da mãe.79 Um mês após a morte de Mamãe
Margarida, quando visitava Dom Bosco no Oratório, José foi acometido
de pneumonia. Dom Bosco rezou e fez com que rezassem à Virgem; José
recuperou-se e pôde retornar aos Becchi.80
Lemoyne afirma que José teve premonição da morte quando visitou o
Oratório para confessar-se e falar de “um problema” com Dom Bosco. Retor-
nou logo para casa e “colocou todas as coisas em ordem, como se estivesse cer-
to da morte, embora se sentisse em perfeita condições”. Uma semana depois,
ficou doente. Dom Bosco alugou um coche e correu para estar ao seu lado. No
dia seguinte, 12 de dezembro de 1862, José morreria nos braços do irmão.81
Lemoyne recorda o bom caráter e as virtudes cristãs de José: “Em
Castelnuovo e nas aldeias próximas, era muito conhecido como pessoa de
talento singular, honrado e generoso [...]. Suas muitas virtudes procediam
da educação cristã que lhe fora dada por sua mãe Margarida”.82
76
MB IV, 487-485.
77
MB V, 122-123.
78
MB IV, 482-484.
79
MB V, 560-565.
80
MB V, 602-603.
81
MB VII, 340.
82
Ibid.
210
211
212
3
Este nome não se refere à aldeia, mas a uma pequena colina isolada e junto ao vale, a pouco
mais de uma milha ao sul de Castelnuovo.
4
MO, 48.
5
MO, 49.
213
João só se servia do local para o almoço, que trazia de casa todos os dias. De-
pois, no tempo do frio e das borrascas noturnas, dormiria ali, talvez, sem jantar.
Enfim, tornou-se residente fixo. Por uma quantia razoável, que se podia pagar
em espécie, com milho e vinho, o senhor Roberto concordou em dar uma sopa
quente ao meio-dia e à noite, e um lugar para dormir, um pequeno desvão de-
baixo da escada. Margarida fornecia-lhe comida para a semana inteira.
João, com mais de 15 anos, unia-se nas aulas a meninos muito mais
jovens. Sua escolaridade até então e seu desenvolvimento cultural tinham
sido intermitentes. A roupa e os sapatos que usava eram de um “vaqueiro
dos Becchi”. Apesar disso, os quatro primeiros meses foram uma grata
experiência para ele. Isso se deveu, em grande parte, ao professor padre
Manoel Virano, um dos coadjutores da paróquia, pessoa muito capaz e
dedicada, que deu a João a oportunidade de demonstrar o próprio caráter,
inteligência e memória. Nos últimos meses do ano escolar, as coisas piora-
ram. Em abril de 1831, padre Virano foi nomeado pároco de Mondônio,
sendo sucedido como professor pelo padre Nicolau Moglia, de 75 anos,
recebendo dele algumas aulas de latim. Parece que este padre era incapaz
de manter a disciplina; cheio de preconceitos, ele desprezava o “vaqueiro
dos Becchi” como caso perdido, humilhava-o quando podia e permitiu
aos demais que o atormentassem nas aulas. Nas Memórias, Dom Bosco
não o menciona pelo nome, mas diz que o substituto era “incapaz de
manter a disciplina, quase deitou a perder quanto eu havia aprendido nos
meses anteriores”.6
Durante sua permanência em Castelnuovo, João experimentou as pri-
meiras sérias tentações sob a forma de “más companhias”: convidavam-no
para gazetear as aulas, jogar e roubar.7 Poderia parecer estranho, mas não
impossível, embora levando em conta a finalidade educativa das Memórias.8
Em todo caso, as visitas semanais de Margarida, sua precoce preparação mo-
ral, a oração, a devoção a Nossa Senhora do Castelo, os sacramentos, que
continuou praticando fielmente e não só para cumprir as normas da escola,
permitiram que ele superasse tudo.
6
MO, 51.
7
MO, 50.
8
Ao ler as passagens relativas aos professores e aos “maus companheiros”, deve-se recordar “a
finalidade educativa” das Memórias, como já se comentou.
214
9
P. Stella, Economia, 29.
10
P. Stella, Vita, 20-21. Sua avaliação sobre os professores e o clero em termos educativo-pasto-
rais no tempo de escola e de formação está em consonância com a finalidade educativa das Memórias.
215
POCT, Sessão 89, 4 de julho de 1892, ASC A265-A273: Deposizione dei testi; FDB 2,135 C2-11.
11
12
J. A. R. MARRIOTT, The makers of modern Italy: from Napoleon to Mussolini. Oxford Univer-
sity Press, London: Humphrey Milford, 1931, 52-55, 56-68.
216
13
Em Módena, deu-se uma insurreição em 5 de fevereiro, e o duque Francisco IV, a fim de se
salvar, fugiu para o território da Áustria levando consigo Ciro Menotti, chefe dos liberais de Módena,
que ali foi enforcado. Parma seguiu o exemplo da vizinha Módena, e a imperatriz Maria Luísa, apesar
da sua popularidade pessoal, se retirou para Piacenza, nos domínios da Áustria. Foi reconduzida mais
tarde pelas tropas austríacas e a paz reinou novamente no seu território.
14
Luís Felipe, em sua ascensão ao trono, optara pela não intervenção, mas as repetidas intro-
missões das tropas austríacas nos Estados Pontifícios levantaram os franceses. Antes de os austríacos
chegarem a Ancona, uma força francesa os precedeu em fevereiro de 1832. Metternich recusou-se a
deixar o seu papel de protetor do Papa, enquanto Luís Felipe se manteria ali até que os austríacos fos-
sem embora. Dessa forma, durante seis anos (1832-1838), os dois exércitos se enfrentaram nos Estados
Pontifícios. Evitou-se a guerra, mas o patronato das Grandes Potências criou uma nova situação para o
movimento patriótico na Itália.
217
218
219
instrução da doutrina cristã do segundo ano também era fundamentada no mero texto e consistia num
resumo básico da Bíblia, da história da Igreja e de alguns de seus ensinamentos.
17
São criadas escolas separadas para meninos e meninas. Não existia coeducação nem coinstru-
ção nem mesmo no nível fundamental.
220
1. A cidade de Chieri
“Depois de tanto tempo perdido – recordava Dom Bosco –, ficou re-
solvido que eu iria para Chieri, a fim de aplicar-me com seriedade ao estudo.
[...] Para quem foi criado na roça e só conheceu um ou outro povoado do
interior, qualquer novidadezinha causa grande impressão”.1
Chieri situa-se 12 quilômetros a sudeste de Turim, no centro do Pie-
monte.2 Naqueles anos, era uma cidade com cerca de 9 mil habitantes. A
cidade, pelo lado nordeste, era flanqueada pelas últimas colinas cobertas de
vinhedos, que produziam vinho de alta qualidade. Estabelecida em parte na
planície e em parte no declive, a cidade gozava de uma posição saudável.
João Bosco passou dez anos nessa bela cidade provinciana, quatro na es-
cola secundária e seis no seminário, antes de ser ordenado, em 1841. Os anos
passados na escola secundária (real colégio) e no seminário foram decisivos
para sua educação e formação.
Enquanto a Revolução Industrial transformara a Inglaterra e a maioria dos
países do norte europeu, no norte da Itália, a maior parte do povo ocupava-se
MO, 51.
1
Fundada no tempo da República Romana (século II a.C.), provavelmente como posto militar,
2
Chieri dependia, na Idade Média, do bispo de Turim, que a repartia como feudo entre várias famílias,
que formavam a comuna senhorial de Carrium. Viu-se envolvida mais tarde em lutas sangrentas contra
Turim e contra o vizinho Ducado do Monferrato, obrigando sua fortificação para defender-se. Nos
períodos de liberdade, Chieri foi uma “república” governada por um senado democrático. Nos séculos
XIV-XV esteve sob a proteção dos duques de Saboia. Durante muitos anos, porém, a cidade foi dila-
cerada pelos contínuos conflitos entre famílias nobres. Era conhecida como Carrium Turritum (Chieri
das Torres), por causa das inúmeras torres edificadas como sinal de prestígio de uma casa nobre. No
século XVI foi ocupada em diversas épocas por franceses e espanhóis envolvidos em suas guerras contra
os Saboia. No período seguinte, sob o domínio Saboia, fazia parte da província e diocese de Turim. Em
1785, vésperas da Revolução Francesa, o rei Vítor Amadeu de Saboia entregou-a como herança ao seu
filho Vítor Emanuel, duque de Aosta, com o título de Príncipe.
221
3
Segundo o relatório, havia 26 dominicanos no mosteiro de São Domingos (15 padres, 5 leigos e 6
noviços); no de São Francisco, 11 franciscanos conventuais (6 padres, 2 professos escolásticos, 2 leigos e um
terciário); na igreja de Santo Agostinho, 12 agostinianos (6 padres, 3 escolásticos e 3 leigos); no de Santo
Antônio Abade, 27 jesuítas (6 padres, 5 irmãos e 16 noviços), na Igreja da Consolata, 3 barnabitas (2 padres
e 1 irmão); no Oratório de São Felipe, 17 oratorianos (12 padres e 5 irmãos); na paróquia de São Jorge, 14
frades menores (8 padres, 2 seminaristas e 4 leigos); no convento de São Maurício, 22 frades capuchinhos
(9 padres, 4 leigos e 9 noviços); no de Nossa Senhora Rainha da Paz, 26 franciscanos reformados (16
padres, 5 leigos e 5 noviços). Era nesta comunidade que João Bosco, durante um tempo de discernimento
em 1834-1835, pensava entrar. Havia, também, comunidades de religiosas: monjas cistercienses, clarissas e
dominicanas, cada uma com mais de 40 irmãs professas e outro pessoal. As comunidades, masculinas e fe-
mininas, tinham sido suprimidas por Napoleão e seus mosteiros e conventos transferidos à cidade. Depois
de sua derrota, a Restauração devolveu-os às comunidades e muitas delas tinham retornado. João Bosco
conheceu esse ressurgimento da vida religiosa em Chieri durante sua permanência na cidade.
222
4
Afirmações de Lemoyne corrigidas, cf. MB I, 250.
223
do programa de reformas imposto pelo rei Carlos Félix5 em tudo que se re-
ferisse à administração, formação religiosa, educação, programa de estudo e
disciplina. O documento que promulgou a Reforma define, pois, muito bem
o tipo de educação recebida por João Bosco na escola secundária durante
uma etapa particularmente sensível de sua vida: dos 16 aos 20 anos.
Parece que a família de João, Mamãe Margarida e seu irmão José, não podiam contribuir de
6
maneira significativa.
7
POCT, Sessão 91, julho 8, 1892, ASC A265ss: Deposizione dei testi; FDB 2,135 C12-D11.
8
Este exame pode servir de guia para uma leitura crítica de MO e MB: MO, 51-66 e MB I,
247-285.
224
Registro dos anos 1831-1832 e outros informes são citados em S. Caselle, Don Bosco studente, 40-44.
9
Os estudantes do sexto ano eram 21; no quinto, 36; no quarto, 27; em Humanidades, 15;
10
em Retórica, 16; em Filosofia, 18. Total: 159. Cf. S. Caselle, Giovanni Bosco, 40-43. Os dominicanos
também criaram um curso de filosofia em dois anos, semelhante ao que se oferecia nos seminários.
225
226
11
Recordemos, porém, que Dom Bosco como seus dois irmãos, era pouco corpulento e baixo
de estatura. Por outro lado, a maioria dos meninos da escola secundária era muito mais jovem, alguns
com apenas 9-10 anos.
12
Dom Bosco diz que João Matta cursava a escola numa série anterior à sua (cf. MO, 51, MO
Ceria, 51: “Passei a ser do curso superior”). O registro mencionado anteriormente coloca-o um ano
atrás de João. Contudo, tudo isso é estranho porque João Matta nascera em 1809 (S. Caselle, Giovanni
Bosco, 24) e, nesse tempo, já teria 23 anos).
227
13
MO, 54-56.
14
MO, 60.
228
15
Ao longo da vida, Dom Bosco abstém-se quase sistematicamente de falar das meninas em suas
conversas ou escritos. Além da opção vocacional, pode ser que haja uma razão pessoal. Ele, porém,
escreveu um livro (de pouco sucesso) de orientações e devoções para meninas, semelhante ao Jovem
instruído (para os jovens). Em 1872, ele fundou com Maria Mazzarello o Instituto das Filhas de Maria
Auxiliadora, para a educação das meninas.
16
MO, 57-61. Guilherme Garigliano (1819-1902) tinha quatro anos a menos de João, e Paulo
Braia (1820-1832), cinco anos a menos, tendo morrido em 10 de julho de 1832, aos 12 anos, quando
João tinha 17. Enquanto não se pode localizar com segurança a fundação da Sociedade da Alegria, a
disparidade de idade deixa-nos alguma dúvida sobre as lembranças de Dom Bosco.
229
A Confirmação
Dom Bosco também não fala nas Memórias do que deve ter sido um
acontecimento significativo em sua vida espiritual. Os relatos, todavia, men-
cionam que em 4 de agosto de 1833, aos 18 anos de idade, João recebeu a
Confirmação na igreja paroquial de Buttigliera, das mãos do arcebispo João
Antonio Gianotti, de Sassari (Sardenha). O arcebispo Luís Fransoni, de Tu-
rim, estava adoentado na ocasião. A Confirmação nas pequenas localidades
não acontecia nem frequente nem regularmente.
17
De acordo com a Reforma, o ensino devia ser grátis. Entretanto, como já se disse anteriormente,
um pequeno pagamento podia ser cobrado, se as necessidades o exigissem. Os registros da escola de Chieri
mostram que João obteve dispensa do pagamento do ano acadêmico 1832-1833. Em 1831-1832, pagou
9 liras; em 1833-1834 e 1834-1835, 12 liras [S. Caselle, Giovanni Bosco, 74].
18
Quando Dom Bosco corrigiu a cópia do rascunho original do padre Berto, inseriu uma nota:
“João Batista Matta, de Castelnuovo d’Asti, foi prefeito da sua cidade natal durante muitos anos e agora
possui uma farmácia na mesma cidade” [MO, 55].
230
19
S. Caselle, Giovanni Bosco, 85.
20
MO, 65.
21
MO, 65-66 traz uma narração detalhada do acidente.
22
MO, 78.
231
dia, ou melhor, a cada noite; dessa forma, ele pôde conhecer os clássicos ita-
lianos, gregos e latinos. Lia por prazer, superficialmente, como reconhecerá
mais adiante.
Dom Bosco faz notar que ficar acordado e ler durante grande parte
da noite afetou sua saúde a ponto de pôr a vida em perigo. Esta descon-
certante referência a uma enfermidade prolongada e grave que sofreu em
seus tempos de estudante é de grande interesse. Dom Bosco esteve enfer-
mo com frequência e a patologia essencial, assim parece, era uma doença
broncopulmonar, que acabou por se tornar um enfisema crônico, com
numerosas complicações.
Sabemos que esteve novamente doente no seminário e durante o primei-
ro ano de sacerdócio, e que em 1846 quase morreu de broncopneumonia.
Talvez os problemas e o histórico médico de Dom Bosco tivessem origem no
exagero dos anos de estudante. Isso, combinado com os lugares impróprios
para dormir, a alimentação insuficiente e a falta de roupas adequadas para os
gélidos invernos, puderam ser a causa básica de seus problemas posteriores.23
O episódio de Jonas
Certo dia, na banca de livros de Elias Foá, João encontrou-se com um
“jovem judeu de bonito aspecto”, a quem chama, nas Memórias, de Jonas e
com quem iniciou uma amizade. Chegaram a ser muito amigos e começaram
a falar de religião. João Bosco afirmava que fora da Igreja católica não há sal-
vação; portanto, Jonas deveria fazer-se católico. O jovem começou a instruir-
-se na religião católica com João. Lamentavelmente, certo dia, sua mãe, a
quem Dom Bosco descreve como maga, velha e feia, descobriu o catecismo e
começou o inferno. Jonas, a seu tempo, foi batizado.24
O episódio não é inventado. O nome do jovem era Jacó Levi. Foi batiza-
do em 10 de agosto de 1834; mudou seu nome para Luís Bólmida por causa
da família que o apadrinhou. Parece que foi deserdado pela família. Chegou
a ser homem de negócio em Turim.25
23
Parece que os Bosco eram susceptíveis a problemas respiratórios crônicos. Dom Bosco, porém,
ao escrever na década de 1870, talvez quisesse aconselhar seus jovens salesianos.
24
MO, 67-71. O zelo de João é explicável, porque era essa a interpretação corrente do dito “fora
da Igreja não há salvação”. O procedimento de Dom Bosco em relação à tradição judaica também é
compreensível nesse contexto social e religioso particular, mas não é desculpável. A caracterização da
mãe de Jonas feita por Dom Bosco (sem dúvida para entreter o leitor, um dos propósitos declarados
das Memórias) é especialmente pouco respeitosa.
25
S. Caselle, Giovanni Bosco, 108-115.
232
26
MO, 79
27
O documento de admissão está em ASC AO2Oss: Accettazione [...], FDB 87 B8.
28
MO, 80.
29
MO, 72-73.
233
Luís Comollo
Tendo iniciado a primeira série de Retórica, provavelmente em novem-
bro de 1834, João conheceu Luís Comollo, que se tinha matriculado na esco-
la de Chieri, presumivelmente em vista da entrada no seminário local. Tinha
dois anos a menos de João e estudava um ano atrás dele. Luís entrou na vida
de João quando este presenciou um episódio no qual Comollo perdoou um
colega que o tinha maltratado. O fato foi o catalisador de uma estreita amiza-
de e de um relacionamento que se foi aprofundando com o passar do tempo
e deixou uma profunda marca na vida espiritual de Dom Bosco:
“Dele aprendi a viver como cristão. Depositei nele plena confiança, e ele em
mim; precisávamos um do outro. Eu de ajuda espiritual, ele de ajuda corporal”.31
30
MO, 77. Dom Bosco afirma que o almoço aconteceu na taberna Muretto (muro pequeno).
S. Caselle [Giovanni Bosco, 35] opina que deve ser taberna Muletto (pequeno mulo), que existiu até
1915. Entretanto Dom Bosco escreveu claramente “Muretto” no rascunho original que padre Berto
transcreveu fielmente. N. Cerrato [Il Tempio di don Bosco 9 (dezembro de 1994), 6-7] argumenta que
foi a taberna Moretto, ou seja, em outra parte da cidade. Moretto em italiano significaria “pequeno
deserto”. A tradução em piemontês, porém, Locanda dij Moré, significaria “Taberna da amoreira”. Que
Dom Bosco tenha escrito “Muretto” deve-se ao fato de o “o” ser pronunciado como “u”, em piemontês,
como Morialdo, que se pronuncia “Murialdo”.
31
MO, 63.
32
MO, 65.
234
O maravilhoso colega foi para mim uma bênção. Sabia oportunamente avi-
sar-me, corrigir-me, consolar-me [...]. Tratava-o com familiaridade, sentia-me
naturalmente levado a imitá-lo [...]. Devo a ele se não me deixei arruinar pe-
los relaxados e, ao contrário, progredi na minha vocação. Só numa coisa nem
sequer tentei imitá-lo: na mortificação [...]. Vê-lo exatíssimo nos mínimos
deveres de estudo e piedade, tudo isso me confundia e fazia-me ver no colega
um amigo ideal, um estímulo ao bem, um modelo de virtude para quem vive
no seminário.33
33
MO, 97. A espiritualidade de Comollo, muito admirada por João Bosco, mas que afortunadamen-
te teve o bom senso de não assumir em sua totalidade, será comentada no contexto dos anos de seminário.
235
34
Seguiam-se a este programa de estudos secundários, dois anos de filosofia, necessários para o
ingresso na universidade ou na teologia do seminário.
35
Os salários anuais eram estes: professores de retórica, 800 liras; professores de humanidades,
720 liras; professores de gramática e de crianças, 640 liras; professores substitutos, 300 liras; diretores
espirituais, 225 liras.
236
36
A assembleia religiosa (congregação) era a reunião geral dos estudantes que se realizava nas
manhãs e tardes dos domingos e dias santos sob a supervisão de dois diretores espirituais (capelães),
para as funções religiosas e a instrução. Nos tempos de Dom Bosco, a assembleia reunia-se na igreja de
Santo Antônio, dos jesuítas.
237
na ida à igreja aos domingos e dias santos. A missa para os estudantes devia
ser celebrada por turnos.37
Os professores podiam expulsar da classe os estudantes desobedientes
ou desrespeitosos, e os diretores espirituais, da celebração. Deviam informar
as autoridades da Reforma sobre a má conduta de qualquer estudante, para a
possível expulsão da escola.
Admissão e promoção
Para ser admitido à escola secundária, o estudante devia ter adquirido na
escola primária conhecimento suficiente de catecismo, doutrina cristã e gra-
mática italiana básica, assim como ter passado no exame para essa finalidade.
Era-lhes dado, então, um certificado de admissão. O delegado da Reforma
devia conservar o registro com o nome, sobrenome, origem, idade dos estu-
dantes e o resultado do exame.
A classe não podia ter mais de 70 alunos. Nas cidades maiores onde os
estudantes excediam esse número, devia-se criar outra classe do mesmo nível.
Para ser promovido, o estudante devia fazer um exame no final do ano
escolar e ser aprovado diante do delegado da Reforma. Para ser admitido ao
exame, o estudante devia apresentar um certificado do diretor espiritual ou
do pároco local, afirmando que possuía conhecimento suficiente da doutrina
cristã, que se apresentara à confissão todos os meses e que cumprira com os
deveres da Páscoa.
Essa norma era determinada expressamente para as escolas secundárias reais, mas era uma
38
238
239
Nos exames, as qualificações ou notas eram dadas em latim ou com as letras de “A” a “F”: male
39
(mal, F), nescit (não sabe, D), medie (média, C), fere bene (quase bom, B-), bene (bom, B), fere optime
(quase excelente, A-), optime (excelente, A), egregie (sobressalente, A+).
240
1
MO, 79. O relato do primeiro sonho vocacional já foi apresentado no capítulo VI.
2
MO, 133-134.
3
MO, 45-46 e 48.
241
A esta altura não podemos deixar de fixar o nosso olhar no progressivo e ra-
cional suceder-se dos vários e surpreendentes sonhos. Aos 9 anos, João Bosco
tem conhecimento da grandiosa missão que lhe será confiada; aos 16, ouve a
promessa dos meios materiais indispensáveis para acolher e manter os incon-
táveis jovens; aos 19, um mandato imperioso dá-lhe a entender que não é livre
de aceitar a missão recebida; aos 21, é-lhe manifestada a classe de jovens de
cujo bem espiritual deverá ocupar-se de modo especial; aos 22, é-lhe indicada
uma grande cidade, Turim, onde deverá iniciar seus trabalhos apostólicos e
suas fundações. E, como veremos, não terminam aqui as misteriosas instru-
ções que continuarão em intervalos até cumprir-se a obra de Deus.4
242
Seu confessor, padre Malória, que lhe fora muito útil ao orientá-lo na
vida cristã, uma ou outra vez, recusou-se a tomar posição no assunto da esco-
lha do estado vocacional. João precisou caminhar sozinho. Depois de pensar
muito e ler alguns livros devotos sobre vocação, decidiu entrar entre os Frades
Menores Franciscanos, no convento local de Nossa Senhora da Paz. Como
surgissem “obstáculos”, buscou o conselho de Luís Comollo.
Dom Bosco data a crise vocacional e sua intenção de unir-se aos francis-
canos no final do primeiro ano de Retórica, verão de 1835. Os registros fran-
ciscanos mostram, porém, que ele fez os exames e foi aceito para o noviciado
em 18 de abril de 1834, durante o segundo ano de Humanidades.7 Além
disso, na primavera de 1834, Luís Comollo, que, como afirma Dom Bosco,
participou na decisão, ainda não tinha ido para Chieri. Deve-se concluir,
então, que o discernimento vocacional de João foi uma longa luta iniciada no
segundo ano de Humanidades, com a decisão de entrar entre os franciscanos
(1834), e concluída no primeiro ano de Retórica (1835), quando, com a
ajuda de Comollo, decidiu entrar no seminário.
Na mente de Dom Bosco, a opção foi entre o seminário e o noviciado,
nunca entre ser e não ser padre. Era óbvio que, ao entrar entre os franciscanos
como religioso sob a obediência, poderia não ter acesso ao sacerdócio. Os li-
vros sobre vocação lidos por João sugeriam que o padre secular ficava exposto a
graves perigos, que a sua responsabilidade era enorme e que Deus pediria dele
a mais estrita conta, e outras ideias similares. Nesses livros, como João perce-
bia, a vida religiosa num convento surgia como um paraíso de refúgio para os
perigos do mundo. Nele existe maior facilidade de salvar a alma e conservar
a paz. Entende-se por que João considerasse seriamente entrar no noviciado
franciscano. Um sonho, como relata nas Memórias, veio dissuadi-lo.8
6
MO, 79. Estas palavras são interpretadas por Lemoyne como uma demonstração da “afirmação
de humildade” de Dom Bosco. Lemoyne permite-se eliminar parte do texto, como se dirá mais adiante.
7
Documento em ASC: A020s; Accettazione [...], FDB 87 B8. Cf. também S. Caselle, Don Bosco
studente, 97. O documento em latim diz: “João Bosco, jovem nascido em Castelnuovo d’Asti, batizado
em 17 de agosto de 1815 e confirmado [crismado], foi aceito no convento de Santa Maria dos Anjos
da Ordem da Reforma de São Francisco. É dotado de todas as qualidades necessárias e desejáveis. – Em
18 de abril [de 1834] (Dados transcritos do V. II dos relatórios de jovens aspirantes aceitos na Ordem,
de 1638 a 1838). – [Assinado:] Padre Constantino de Valcamônica, Bréscia”.
8
MO, 80.
243
Dom Bosco faz em seguida uma anotação mais crítica: “Sucedeu, entretan-
to, um caso, que me pôs na impossibilidade de executar o meu projeto. Como os
obstáculos eram muitos e permanentes, resolvi expor tudo ao amigo Comollo”.
Enquanto João fazia uma novena de orientação, Luís Comollo apresentou
por escrito o problema ao seu tio, padre José Comollo, pároco de Cinzano, sua
cidade natal. Ao final da novena, chegou uma carta do tio aconselhando João
a vestir o hábito clerical e prosseguir seus estudos no seminário diocesano até
“conhecer melhor o que Deus quer” dele. João seguiu o conselho do padre.
Dom Bosco, nas Memórias, situa o seu discernimento vocacional nos úl-
timos meses do último ano na escola. O ano de Retórica encerra-se em 1834
e não em 1835. As únicas pessoas que participaram no discernimento e opção
foram Luís Comollo e seu tio padre Comollo.
9
As Memórias de Dom Bosco (escritas em 1873-1875) são a fonte dessa passagem. Contudo,
parece que Lemoyne insinue que é uma “narração” escrita por João (em 1834-1835).
244
Nas Memórias, ele escreve ter feito um exame, dizendo simplesmente: “Apre-
sentei o pedido aos conventuais reformados, prestei o exame correspondente, fui
aceito”. Lemoyne, por sua vez, concretiza a afirmação de Dom Bosco com mate-
rial de arquivo, atribuindo-o a Dom Bosco em primeira pessoa. Escreve:
10
Ao citar as Memórias de Dom Bosco neste ponto das Memórias Biográficas, assim como nos
Documenti, Lemoyne omite uma expressão importante da “admirável humildade” citada acima, ou
seja: “certos hábitos do meu coração”. A omissão foi intencional?
11
MB I, 286-287.
12
MB I, 301. Lemoyne transcreve aqui o documento latino de admissão dos arquivos franciscanos.
Dom Bosco em suas Memórias não diz nada sobre o pedido, o exame e a admissão. Contudo, Lemoyne
toma a liberdade de acolher a informação de outras fontes e aplicá-la a Dom Bosco em primeira pessoa.
245
13
MB I, 286-300. Padre Cafasso foi ordenado no seminário de Chieri, em 1833, e no tempo
de que estamos tratando ainda era estudante do curso de teologia pastoral, de dois anos, no Colégio
Eclesiástico de Turim, tendo sido promovido em seguida à Faculdade. Como dissemos anteriormente,
Dom Bosco encontrara o seminarista Cafasso à porta da igreja de Murialdo no dia de uma festa local.
Não está claro se a amizade foi desenvolvida nos anos 1830 e 1834-1835.
14
MB I, 450-453.
246
Embora não seja uma versão do sonho da vocação – não contém imagens
vocacionais –, este não deixa de ter significado vocacional, pois, como João
Bosco o entendeu, dissuadiu-o de entrar numa forma de vida que iria contra
o conteúdo do sonho vocacional: o apostolado com os jovens em situação
de risco. Obviamente, o sonho confirma a agitação interior e as dúvidas de
João, mais do que a falta de observância religiosa no convento. Um estado de
perplexidade poderia ter provocado o sonho e seria simples especulação querer
saber se este por si mesmo o teria levado a reconsiderar sua decisão de entrar
entre os franciscanos ou não.
Seja como for, João neste momento decidiu pôr todo o assunto à con-
sideração do amigo Comollo e pedir o seu conselho. Não sabemos o que
Comollo teria opinado, mas sabemos que apresentou o caso ao tio, padre
Comollo. A resposta aconselhava que João não entrasse no noviciado, mas
fosse para o seminário, confiando na orientação providencial de Deus. Essa
reconstrução dos fatos parece ser mais provável. Contudo, algumas declara-
ções de Dom Bosco nesse sentido ainda requerem nova atenção.
A que “projeto” Dom Bosco se refere? Pelo contexto, parece que se deve
ver esse “projeto” em relação ao seu desejo de entrar entre os franciscanos. É o
que entendem sem maiores especulações Ceria e Lemoyne.17 Se for isso, pode-
-se concluir que o sonho não foi decisivo, porque aconteceu antes do “caso”.
Qual foi o “caso”? Certamente, não foi o sonho, pois Dom Bosco
escreve que “sucedeu, entretanto, um caso”, depois de narrar o sonho. E,
complicando a questão, quais eram os “obstáculos muitos e permanentes”
encontrados em seu caminho? Foram barreiras econômicas ou de natureza
psicológica? Surgiram devido ao “caso”?
15
MO, 80.
16
MO, 80.
17
Cf. MO Ceria, 81, nota à linha 42; MB I, 363.
247
Aconselharia teu colega a desistir de entrar num convento. Vista o hábito cleri-
cal [e entre no seminário] e enquanto prosseguir nos estudos haverá de conhe-
cer melhor o que Deus quer dele. Não tenha medo de perder a vocação, porque
com o recolhimento e as práticas de piedade ele superará todos os obstáculos.
Meu estilo de vida, certos hábitos do meu coração e a falta absoluta das virtu-
des necessárias para esse estado tornavam duvidosa e bastante difícil a decisão
nesse sentido.18
248
MB I, 262. Lemoyne faz a mesma afirmação quando, mais tarde, em 1844, Dom Bosco expõe
20
ao seu diretor espiritual padre José Cafasso a intenção de entrar numa ordem religiosa (os Oblatos da
Virgem Maria) e ir para as missões (MB II, 202-203). Esta seria uma alternativa à opção de trabalhar
com os jovens em situação de risco.
249
MB I, 317.
22
23
Textos pertinentes selecionados: POCT, sessões 89 e 90 [6-7 de julho de 1892] FDBM 2135
(C2-11) - [POCT = Processus Ordinarius Curiae Taurinensis: Processo diocesano da Chancelaria de
Turim]. Lemoyne: aos 16 anos, MB I, 423.
250
24
ASC A000-A003: Cronachette, Barberis. “Notizie varie dei primi tempi dell’Oratorio […]”,
p. 8, “Primo sogno o visione di D. B. a 15 an.”, FDB 892 A8 - [O Ms. das mãos de Barberis traz o
sinal de aspas em cada linha, sinal do uso do texto de Lemoyne]. Lemoyne: aos 16 anos (MB I, 123).
251
POCT, 358 período de sessões [29 de abril de 1895], juxta interrogatorium duodecimum,
25
p. 4036f, em ASC A265273: Deposizioni testi de Rua, FDB 2184 E7). [Segundo Lemoyne, aos 16
anos: MB I, 390-391].
252
253
Comentário final
O sonho do conserto da roupa não deve ser visto como uma nova versão
do sonho da vocação, pois carece das suas imagens. Contudo, na interpreta-
ção tradicional expressa por Lemoyne, vê-se em relação com a opção vocacio-
nal de Dom Bosco pelos jovens pobres.
Falta um desenvolvimento aos relatos dos Turco, José e Lúcia, mas eles
contêm algumas das imagens dos sonhos vocacionais.
O testemunho de dom Cagliero, apesar da menção de “uma cidade”,
apresenta-se claramente como uma variante do sonho da vocação de João
Bosco aos 9 anos de idade. A localização dada por Lemoyne ao situá-lo fora
do contexto, é arbitrária, consequência do seu empenho de construir uma
conexão de sonhos sobrenaturais.
254
FORMAÇÃO SACERDOTAL DE
JOÃO BOSCO NO SEMINÁRIO DE CHIERI
255
O serviço militar
Outras considerações puderam ter entrado em jogo na sua decisão vo-
cacional pelo seminário ou pelo noviciado. Vale a pena recordar Lemoyne:
“João tem então 21 anos [20], e só sua entrada no seminário pode dispensá-
1
MO, 81.
2
Cf. MB I, 287.
256
Considerações econômicas
Lemoyne acrescenta que João precisava enfrentar graves questões eco-
nômicas. Se tivesse entrado entre os franciscanos, seus problemas econômi-
cos ficariam resolvidos. Entrar no seminário, porém, mais do que resolvê-
-los, agravava-os. A hospedagem e a alimentação no seminário de Chieri
custavam 20 liras por mês. Além disso, o seminário oferecia poucas oportu-
nidades de trabalhos lucrativos ocasionais. A família de João carecia de re-
cursos para pagar o seminário. Sendo essa a situação, a influência diocesana
devia ter sido forte. E foram padres diocesanos e leigos com possibilidades,
relacionados com a vida paroquial de Castelnuovo, que vieram em seu au-
xílio. Padre Antônio Cinzano, recém-nomeado pároco de Castelnuovo, e
padre José Cafasso, então firmemente estável no Colégio Eclesiástico de
Turim como professor auxiliar, recomendaram-no ao padre João Guala, rei-
tor do Instituto. Este se encarregou dos gastos de João durante o primeiro
ano no seminário. Depois, a iniciativa de João e a ajuda do padre Cafasso
proveram o necessário.5
257
6
Nesse período (em que o seminário diocesano esteve fechado), Dom Bosco mantinha um pro-
grama de seminário no Oratório, tanto para salesianos como para candidatos diocesanos.
7
MO, 93-94.
258
Em 1834, ano anterior à entrada de João Bosco no seminário, o arcebispo Fransoni determinou
8
que os seminários de Chieri e de Bra fossem reservados aos candidatos ao sacerdócio que não aspiras-
sem à licenciatura em Teologia (S. Caselle, Don Bosco studente, 150).
259
Vestidura clerical
João Bosco foi dispensado do serviço militar. De fato, ele recebera o há-
bito clerical no domingo 25 de outubro de 1835,9 onze dias antes do início
do serviço militar.
Devido à cólera que assolou Turim, dom Fransoni determinou que os
exames para a vestidura clerical fossem feitos em Chieri. João fez o exame
com o cônego Máximo Búrzio em sua casa. Os amigos de João em Castel-
nuovo acompanharam-no também nessa ocasião. O senhor Espírito Sartoris
deu-lhe a batina de presente; o senhor João Pescarmona deu-lhe o chapéu; o
pároco de Castelnuovo, Pedro A. Cinzano, deu-lhe o sobretudo.10
Lemoyne, citando testemunhos, escreve que muitos jovens vieram
de diversos lugares para participar da cerimônia na igreja paroquial de
Nas Memórias, Dom Bosco data a vestidura da batina “na festa de São Miguel (outubro de
9
1834)” [MO, 89]. A cronologia das Memórias aqui está defasada em um ano. Além disso, a festa de São
Miguel cai em 29 de setembro, enquanto a de São Rafael em 24 de outubro (sábado em 1835), que
bem pode ter sido celebrada no domingo vigésimo depois de Pentecostes.
10
M. Molineris, Don Bosco inedito, 236-237.
260
2. A entrada no Seminário
João Bosco entrou no seminário de Chieri em 30 de outubro de 1835.
Ele escreve nas Memórias, adiantando um pouco a cronologia: “A 30 de ou-
tubro daquele ano, 1835, devia entrar no seminário”.15 A emotiva descrição
da despedida da família no dia anterior recorda as “memoráveis palavras” de
sua mãe:
Lembra-te que não é o hábito que honra o teu estado, mas as virtudes que
praticares. Se por desgraça vieres um dia a duvidar de tua vocação, ah! por ca-
ridade! não desonres a batina. Larga-a imediatamente. Prefiro ter como filho
um pobre camponês, a um padre negligente nos seus deveres. Quando nasces-
te eu te consagrei a Nossa Senhora [...]. Pois agora também te recomendo que
sejas todo dela [...]. E se chegares a ser padre, recomenda e propaga sempre a
devoção a Nossa Senhora.16
11
MB I, 369-373.
12
MO, 89.
13
MO, 90 (os sete propósitos tomados quando recebeu a batina).
14
Cf. MO, 89-91 para a descrição da vestidura.
15
MO, 91.
16
MO, 92.
261
A formação no seminário
Na manhã de 30 de outubro de 1835, João caminhou os poucos quilô-
metros que o separavam de Chieri; dedicou a tarde a passear pelo seminário
com um amigo, Guilherme Garigliano. Ao entrarem no pátio interno, eles se
detiveram no lema escrito no relógio de sol do lado sul da parede: “As horas
passam lentas para os que vivem tristes, mas velozes para os que vivem alegres”.
Ambos decidiram que esse seria o seu lema.17 João iria passar seis anos no
seminário, deixando-o definitivamente em 26 de maio de 1841, para iniciar
o retiro espiritual de preparação à ordenação sacerdotal, depois de dois anos
de filosofia (1835-1837), concluídos com os estudos de teologia, cursados em
quatro anos, em vez de cinco (1837-1841).
Ao recordar nas Memórias a etapa de seminarista, Dom Bosco procederá
não de maneira cronológica, mas temática. Seus comentários falam da vida
de seminário, das férias de verão, da amizade e da morte prematura de Luís
Comollo, do encontro com o teólogo João Borel, dos estudos no seminário e
da ordenação sacerdotal.
17
MO, 92. O hexâmetro latino diz: “Adflictis lentae, celeres gaudentibus horae”.
262
A vida de seminário
O ano escolar começou com um retiro de três dias, ao final do qual
Dom Bosco perguntou ao teólogo Francisco Ternavásio sobre o que deveria
fazer um bom seminarista. E anota a resposta: “Só uma coisa, o cumprimento
exato do dever”. Breve e austero conselho, na verdade! Dom Bosco garante
que fez dele a sua regra de vida, e passou “seis anos felizes” no seminário.18
Todavia, ele teve modo de experimentar, com doloroso pesar, a falta de sim-
patia de seus superiores e o temor e desconfiança dos seminaristas. Observou
também em certa ocasião o mau espírito de alguns seminaristas, levando-o a
escolher seus amigos entre os melhores de seus colegas: “Guilherme Gariglia-
no, João Giacomelli [...] e, mais tarde, Luís Comollo. Esses três colegas foram
para mim um verdadeiro tesouro”.19
Ao falar das práticas de piedade, Dom Bosco lamenta-se da dificuldade
de receber a comunhão com frequência e conta como ele e outros seminaris-
tas deviam “aproveitar” a hora do café da manhã para receber a Sagrada Co-
munhão na vizinha igreja de São Felipe. Quanto às diversões, João obrigou-se
a renunciar ao seu jogo favorito, a “barra comprida”, e ao baralho no qual se
sobressaía. “Acresce que eu prestava tanta atenção ao jogo, que depois já não
podia nem rezar nem estudar.” Ele data essa renúncia durante o seu segundo
ano de filosofia20. Passear em grupo pela cidade às quintas-feiras era uma ex-
periência agradável de aprendizagem.
O círculo de estudo prescrito pelo Regulamento dava a João a oportu-
nidade de brilhar. Ele fala da animação dos debates e das contribuições dadas
por alguns de seus colegas21. Em seguida, elogia a piedade e espiritualidade
de Luís Comollo: “O maravilhoso colega foi para mim uma bênção [...].
Devo a ele se não me deixei arruinar pelos relaxados e, ao contrário, progredi
na minha vocação”.22 Comollo, que se tinha matriculado na escola pública
de Chieri no último ano de João Bosco, estava um ano atrás dele em seus
estudos e entrou no seminário quando este foi para o segundo de filosofia
(1836-1837).
No exame de metade do ano, João ganhou um prêmio de 60 francos por
tirar as notas mais altas. Ele escreve nas Memórias:
Deus me abençoou muito, pois nos seis anos que passei no seminário fui sem-
pre distinguido com esse prêmio. No segundo ano de teologia fui nomeado
18
MO, 92. Padre Francisco Ternavásio (1806-1886) era professor de filosofia.
19
MO, 93-94.
20
MO, 95: “Fiz isso na metade do segundo ano de filosofia, em 1836”. A metade do segundo
ano de filosofia devia ser em 1837. O Regulamento proibia o jogo comum de baralho, mas permitia os
tarôs. Ver no apêndice as regulamentações do seminário.
21
MO, 96.
22
MO, 97.
263
Férias de verão
Ao se falar da reforma do seminário feita pelo arcebispo Chiaveroti, foi
mencionado o debate sobre a duração das férias de verão. Dom Bosco fala de
um recesso de verão de quatro meses e meio.24 Ele passava esse período no
sítio de Sussambrino, onde seu irmão José trabalhou como meeiro até 1839.
Durante as férias, que “costumam ser um grande perigo para os clérigos”,
João mantinha-se ocupado com o trabalho e seus bel-prazeres: ler, escrever,
fazer trabalhos de carpintaria e trabalhar no campo. Além disso, reunia mui-
tos jovens nos fins de semana para atividades recreativas e religiosas. Dom
Bosco acrescenta:
Ensinava alguns a ler e a escrever, com muito bom resultado; porque o desejo,
diria até a febre de aprender, trazia-me meninos de todas as idades. A aula era gra-
tuita, mas eu exigia assiduidade, atenção e a confissão mensal. No princípio houve
alguns que para não se submeterem a essas condições deixaram de frequentá-la.25
Nas férias de verão, quer na filosofia quer na teologia, João Bosco tentou
a pregação com a permissão dos párocos locais. Ele menciona quatro oca-
siões: pregou na cidade de Alfiano sobre o Rosário; em Castelnuovo, sobre
São Bartolomeu; em Capriglio, sobre a Natividade de Maria; e em Cinzano,
sobre São Roque. Nesta última ocasião, como o pregador não se apresentou,
ele aceitou o desafio e improvisou.26 O bom pároco de Alfiano, a pedido de
João, deu-lhe alguns conselhos, fazendo-o notar que o sermão fora além da
compreensão do povo.
Abandonar a linguagem e a maneira dos clássicos de desenvolver o tema,
falar em dialeto onde for possível, ou também em língua italiana, mas po-
pularmente, popularmente, popularmente. Em vez de raciocínios, sirva-se
de exemplos, comparações, apólogos simples e práticos. Lembre sempre que
o povo compreende pouco, e que as verdades da fé nunca lhe são suficiente-
mente explicadas.
23
MO, 106. Em suas Memórias e alhures Dom Bosco escreve o nome do seu protetor como
Caffasso, uma variante de Cafasso.
24
MO, 97.
25
MO, 98.
26
MO, 98.
264
265
31
MO, 104.
32
MO, 105. Em sua biografia de Comollo (edição final de 1884), Dom Bosco faz um relato
completo da aparição, citando testemunhas do fato. Para comentários sobre a biografia de Comollo,
escrita por Dom Bosco, e sobre a “experiência Comollo”, ver mais adiante.
33
MO, 105. Razões adicionais relacionadas com a experiência de Comollo ou independentes
delas são dadas para sua doença: depressão, colapso nervoso, tensão ascética, fobias e ansiedade relacio-
nada com a vocação sacerdotal e as ênfases teológicas, como na predestinação e no juízo final. A enfer-
midade agravou-se por causa da sistemática fragilidade causada por doenças anteriores [cf. MO, 48].
266
267
Estudos
Nas Memórias, Dom Bosco não fala do plano de estudos filosóficos e
teológicos, dos temas ensinados e como eram ensinados. Para obter informa-
ção sobre isso é preciso recorrer às fontes diocesanas.35
O professor de filosofia, padre Francisco Estêvão Ternavásio, deu aulas
em todas as séries num período de dois anos, seguindo o plano de estudos
filosóficos da escola pública, que prescrevia os tratados de lógica, metafísica,
ética, geometria e física.36 Segundo Stella, o livro de texto utilizado pelo pro-
fessor pode ter sido Elementa philosophiae, vigente no Piemonte em três volu-
mes (lógica, metafísica e filosofia moral) de José Pavésio.37 Ternavásio, contu-
do, para a preparação de suas aulas, poderia ter utilizado obras mais extensas,
como Elementi di filosofia, do erudito Pascoal Galluppi da Tropea, “o melhor
livro de texto de filosofia para as escolas, surgido na Itália até esse momento”.38
Seja como for, o ensino com um único livro de texto era superficial.
O programa de teologia compreendia quatro campos básicos de estudo:
teologia especulativa, dogmática e moral, e Sagrada Escritura.39 Em Chieri, o
ensino era dado com os tratados tradicionais dos livros de texto. A lista compi-
lada pelo professor de teologia, padre José Mottura, compreendia 14 tratados:
Fontes teológicas, Deus e os atributos de Deus, Trindade, Encarnação, A graça
de Cristo, o Batismo e a Confirmação, a Eucaristia como sacrifício e como
sacramento, a Penitência, as Ordens sacras, os atos humanos e a consciência,
[A virtude da] religião, o pecado e o Pecado original, Justiça e Direitos.40
Seguindo a tradição da Universidade de Turim, o professor dava a aula
em latim com anotações feitas anteriormente. Um resumo delas era ditado
no início e no final da aula.41 A forma de ensinar em que o professor “lê” e
dita aos alunos produzia uma formação teológica pobre. Nas Memórias, o
próprio Dom Bosco, ao escrever em 1874, reconhece as graves deficiências
no ensino da teologia do seminário, principalmente pela sua importância.42
Giraudo cita o testemunho ainda mais crítico de um aluno contemporâneo
35
Para os parágrafos a seguir fundamento-me em A. Giraudo, Clero, 269-276. Esse autor reuniu
uma ampla documentação sobre o tema.
36
A. Giraudo, Clero, 274.
37
P. Stella, Vita, 82.
38
Juízo do filósofo Miguel Frederico Sciacca, em F. Desramaut, Don Bosco, 96-97 e 125.
39
“Estatutos do Seminário de Turim”, v. 4. In: A. Giraudo, Clero, 357. Contudo, nesses anos
ofereciam-se cursos extras de Sagrada Escritura no seminário de Chieri.
40
A. Giraudo, Clero, 274-275 e notas 140 e 141.
41
A. Giraudo, Clero, 271, com documentação.
42
MO, 117.
268
43
Jaime Perlo (1816-1898) citado em A. Giraudo, Clero, 272-273, e nota 133. Podem-se citar
muitos autores que se lamentavam da formação do clero, pobre e defasada: Vincenzo Gioberti (Il ge-
suita moderno), Antônio Rosmini (Le cinque piaghe della Chiesa), Guillermo Audisio (Introduzione agli
studi ecclesiastici conforme ai bisogni religiosi e civili) [cf. A. Giraudo, Clero, 275, e nota 142].
44
O antigo colega de seminário de João, padre João Giacomelli, testemunhou sobre isso e recor-
dava a reprimenda do professor: “Atém-te literalmente ao texto do livro, como os demais” [MB I, 456;
cf. A. Giraudo, Clero, 273, nota 133].
45
Um documento do arquivo da escola diz que João Bosco passou mais de quatro meses com os
jesuítas em Montaldo, de 11 de julho a 17 de outubro de 1836 [Cópia no Arquivo Central Salesiano,
FDB 64A2. Cf. MO Silva, 109 e nota 131].
46
Outros dados sobre o padre Bini em MO Silva, 109.
47
MO, 109.
269
Leituras no seminário
Embora não fale do programa de estudos do seminário nem do méto-
do, Dom Bosco dá alguma informação sobre suas leituras adicionais. Narra,
inicialmente, a história da sua “conversão” do latim e do grego clássico, que
muito lhe agradavam, à literatura cristã e aos escritos ascéticos. Isso aconteceu
no início do segundo ano de Filosofia (1836-1837). Certa vez numa visita à
capela defrontou-se com o livro da Imitação de Cristo e ficou surpreso com a
sua beleza e profundidade.48
Depois da “conversão”, tornou-se ávido leitor de obras religiosas. Sua
lista, cheia de títulos históricos, é impressionante:
Uma breve nota explicativa sobre esses títulos será suficiente para dar
ideia da natureza e qualidade das leituras de João.50
48
MO, 108.
49
MO, 108.
50
Para os dados e informações da publicação destas obras, apoio-me em F. Desramaut, Don
Bosco, 99-102, e P. Stella, Vita, 66s.
270
51
MO Ceria, 110, notas.
52
MO, 94.
271
Pode ser coincidência que Dom Bosco tenha escrito mais tarde um tratado com o mesmo
54
título contra os valdenses (ou “protestantes”): “Il cattolico istruito nella religione, conversazioni di
un padre con i suoi figli su temi contemporanei”. In: Letture Cattoliche. Turim: P. De Agostini, 1853.
272
era-lhe suficiente ouvir os professores em aula (!). Ele dedicava à leitura todo
o seu tempo de estudo, quase quatro horas diárias. Seus superiores estavam
cientes dessa “atividade complementar” que, apesar de ser contrária aos re-
gulamentos, era-lhe tacitamente permitida. A pobreza do ensino teológico
no seminário, aparentemente, não impediu que João Bosco adquirisse uma
formação teológica bastante extensa, embora desorganizada e desigual.
55
Questões relacionadas com o jansenismo e o rigorismo de Port Royal, e sobre o probabilismo na
teologia moral e pastoral etc., serão comentadas num capítulo posterior em ligação com o Colégio Eclesiástico.
56
Para um comentário sobre esta matéria, cf. P. Stella, Vita, 59s.
273
O maravilhoso colega foi para mim uma bênção. Sabia oportunamente avi-
sar-me, corrigir-me, consolar-me, mas fazia-o com tal garbo e tamanha cari-
dade, que de certo modo gostava de dar-lhe motivo a fim de desfrutar o prazer
da correção. Tratava-o com familiaridade, sentia-me naturalmente levado a
imitá-lo, e embora me encontrasse a incontáveis léguas de sua virtude, devo
a ele se não me deixei arruinar pelos relaxados e, ao contrário, progredi na
minha vocação.58
57
MO, 63-64.
58
MO, 97.
59
Cf. MO, 97.
274
João uma dura prova, mais dura do que o “vazio afetivo” derivado do distan-
ciamento dos superiores ou da dissipação de colegas encontrados no seminá-
rio. Há comprovações de algumas aversões obsessivas impressas na mente de
João, resultantes da ênfase teológica e espiritual, com consequências que se
prolongaram além de seus anos de seminário.
Poder-se-ia dizer que a formação do seminário e a prática de Comollo
se reforçaram mutuamente em sua influência sobre João. A vida espiritual no
seminário caracterizava-se pela tensão ascética que, à vezes, se expressava em
severidade mórbida, especialmente na repulsa à experiência sexual. A impure-
za, em suas diversas formas nas quais, como se pensava, tudo era constituído
por matéria grave (qualquer falha era pecado grave), era considerada como o
maior de todos os pecados. Enquanto cada pecado tinha um nome específico,
este não tinha nome nem era mencionado. Os padres só se serviam de vagos
circunlóquios no interrogatório dos penitentes sobre a matéria. A vergonha
em relação a esse pecado era tal que os penitentes não costumavam ter cora-
gem para confessá-lo.60
Stella, falando em geral, escreve: “Essa tensão ascética contribuiu para
acelerar a morte do seu amigo Comollo, levando também o próprio Dom
Bosco ao limite de suas forças”.61 E acrescenta:
60
Era o que Dom Bosco buscava para os meninos na confissão. Ele acreditava que confessados esses
pecados, eliminava-se o peso da culpa, a alegria substituía-o e abria-se assim o caminho para a santidade cristã.
61
P. Stella, Vita, 76.
62
P. Stella, Vita, 81.
275
Citado em Stella, Vita, 63s. Contudo, deve-se levar em conta a advertência de Stella (nota
63
276
seu alimento essencial. Inculcava-se uma dedicação séria ao estudo: “Ai dos
padres ignorantes!”. O ideal sacerdotal incluía dedicação e caridade pastoral,
virtudes sacerdotais e santidade pessoal. A santidade sacerdotal exigia casti-
dade, oração, desapego, ascetismo e a tradicional fuga mundi.66 Sendo tudo
isso verdadeiro na vida de seminário, o modelo formativo sofreu o influxo da
doutrina teológica rigorista.
Mais tarde, no Colégio Eclesiástico, sob a direção espiritual do padre
Cafasso, a figura paterna, com quem ia estabelecer uma intensa relação afe-
tiva duradoura, Dom Bosco encontrou remédio, integridade e uma firme
identidade.67 Não obstante, Dom Bosco jamais abandonou uma espirituali-
dade orientada para a morte e o juízo. Os novíssimos eram fundamentais na
pregação, nos escritos de devoção, na discussão teológica. O tipo de piedade
inculcado no Oratório, por exemplo, por meio do Exercício da Boa Morte,
refletia essa ênfase.
O desejo de Dom Bosco de perpetuar o modelo Comollo e oferecer aos
seus meninos uma orientação para a vida espiritual através da biografia de
Comollo, fala do permanente fascínio pela sua espiritualidade.
66
A. Giraudo, Clero, 245-288.
67
Cf. G. D’Acquino, Psicologia, 40-45.
68
Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo, morto nel seminario di Chieri, ammirato da
tutti per le singolari virtù, scritti da un suo collega. Turim: Tipografia Speirani e Ferrero, 1844, em OE
I, 1-84. Para o texto, introdução e comentários, ver também Alberto Caviglia, Il primo libro di Don
Bosco, em Opere e scritti editi e inediti di Don Bosco. Vol. V. Turim: SEI, 1964, Part. I [9-128]. A vida de
Luís Comollo em espanhol encontra-se em Juan Bosco, Obras fundamentales. Madri: BAC, 1979, 75-
111. Em português, João BOSCO, “Vida do clérigo Luís Comollo”, Leituras Católicas, 602. Niterói:
Escolas Profissionais Salesianas, 1940, 132p.
69
Infermità e morte del giovane Chierico Luigi Comollo scritta dal suo collega C[hierico] Gio. Bosco:
nozione sulla nostra amicizia e sulla sua vita. Ms. 24 páginas, em ASC A228ss: Comollo, FDB 305
C11-E10. Para a edição crítica em Juan Canals Pujol, “La amistad en las diversas redacciones de la
vida de Comollo escrita por san Juan Bosco: estudio diacrónico y edición del manuscrito de 1839”,
277
edição, revista e ampliada, embora não seja assim indicada, foi publicada
em 1854 nas Leituras Católicas; era um livreto de 154 páginas no formato
pequeno da coleção. Apresentava Comollo ao público em geral como “jovem
exemplar, modelo para todos os que se preocupam com a própria salvação”.
Oferecia material biográfico adicional e um novo prefácio e conclusão.
Incluía também algum material parenético, inculcando a boa conduta
moral; dessa forma, a biografia de Comollo converteu-se em vade-mécum
da boa conduta no Oratório. Domingos Sávio tomou-o como modelo e os
membros da Companhia da Imaculada prometiam “procurar imitar Luís Co-
mollo”. Este, qual um “moderno São Luís”, manteve-se como modelo do
jovem, especialmente, do jovem que desejasse caminhar para o sacerdócio.
Poder-se-ia dizer que o livro funcionou na década de 1850, como manual do
aspirante salesiano da Companhia da Imaculada, e serviu de modelo para fu-
turos salesianos. Mais tarde, a biografia de Domingos Sávio (1857) rivalizou
com a de Comollo, mas nunca a substituiu. Comollo continuou a ter grande
influência espiritual no Oratório durante os anos de 1860 e além.
Uma terceira edição, praticamente sem alterações, foi publicada em
1867, pois a edição de 1854 se esgotara. A reimpressão, com 104 páginas em
formato maior, demonstra que na década de 1860 a biografia de Comollo
ainda era muito usada no Oratório. Uma quarta edição, definitiva, comple-
tamente revista, apareceu em 1884, tendo padre João Bonetti como editor
literário, mas com a assinatura de Dom Bosco; era um livro em formato
grande, com 120 páginas.70 Assim reza o prefácio: “Esta edição não é uma
simples repetição das anteriores”. Além da sua nova forma literária, apresen-
tou-se também “outro material que anteriormente não parecera adequado
para publicação ou que chamou nossa atenção mais tarde”. Entre os acrésci-
mos importantes, cabe assinalar as palavras que a Virgem dirige a Comollo
na aparição em seu leito de morte e a narração completa da visão terrificante
de Comollo depois da sua morte, que fora mencionada, mas não descrita
nas edições anteriores, embora tenha sido narrada nas Memórias do Oratório
(1874).71 A edição de 1884 é uma obra nova, menos pela documentação adi-
cional do que pela sua qualidade e objetivo. Aumenta nosso conhecimento
sobre Comollo e confere-lhe um novo caráter, o modelo da vida cristã, santo
sem mais, embora não tenha utilizado o termo.
RSS 5:2 (1986), 243-262. Para a estrutura e extratos da biografia de Comollo, de Dom Bosco, ver o
apêndice a seguir.
70
Padre Caviglia faz notar que a grande edição de Bonetti afetou a qualidade literária desta edi-
ção (A. Caviglia, Opere e scritti. V. 1, 18 e nota 2).
71
Cf. MO, 104-106.
278
Poder-se-ia perguntar por que Dom Bosco quis fazer com Comollo o
que não fez, por exemplo, com Sávio, ou seja, transformar e glorificar seu
personagem. Parece que Dom Bosco quis dar importância permanente a Co-
mollo, o santo, num momento, meados da década de 1880, quando o futuro
da sua obra parecia assegurado; podia, portanto, olhando para trás, avaliar
suas experiências vitais. Isso obriga a questionar sobre a natureza da relação
de Dom Bosco com Comollo e da dívida que tinha com ele.
Alberto Caviglia vê uma grande afinidade espiritual entre Dom Bosco e
Comollo. Em primeiro lugar, a biografia de Comollo possui um sabor auto-
biográfico no sentido de que Dom Bosco reflete seus próprios pensamentos,
valores, devoções, opções pastorais e o espírito da sua obra posterior como
educador e fundador. O mais importante, porém, na opinião de Caviglia, é
que “o Comollo de Dom Bosco tem alma de salesiano”. Ele especula que, se
tivesse vivido, Comollo poderia ter chegado a ser sem dúvida um santo; in-
clusive, ele crê que poderia ter sido um companheiro com quem Dom Bosco
compartilharia sua vida apostólica e seus sucessos de Fundador.72
72
A. Caviglia, Opere e scritti. V. 1, 21.
279
73
Deve-se levar em conta que os reis da Sardenha, como muitos outros monarcas, gozavam do pri-
vilégio de nomear os bispos. Esse privilégio, abolido por Napoleão, foi restaurado pela bula papal de 1817.
280
74
Para o programa de formação no seminário do arcebispo Chiaveroti e sua adaptação pelo
arcebispo Fransoni para o seminário de Chieri, ver acima e no Apêndice II a seguir.
75
Sussidi 2, 235 (citando fontes de arquivo).
281
Antes de Napoleão
Após os decretos do Concílio de Trento sobre a reforma do clero e dos
seminários, a diocese de Turim tentou repetidas vezes aplicá-la com seriedade
não igualada nas demais dioceses da Itália, à exceção de Milão. As resistên-
cias à reforma surgiam da política eclesiástica absolutista da Casa de Saboia.
Apesar disso, deu-se um progresso moral, espiritual e pastoral ao longo dos
séculos XVI e XVII.
O seminário de Turim foi fundado em 1567, pelo cardeal arcebispo
Jerônimo Della Rovere, mas enfraqueceu-se pela falta de financiamento e de
locais adequados. O primeiro edifício importante para o seminário foi ergui-
do por volta de 1660 e ampliado entre 1725 e 1729 até acolher cerca de 80
seminaristas.
A reforma escolar e os estatutos de 1729 ordenados por Vítor Amadeu II
puseram a educação secundária sob o controle estatal. Como consequência,
os estudos secundários (seminário menor) foram eliminados do programa
do seminário. Só se mantiveram a filosofia e a teologia. Aparentemente, a
medida não afetou a qualidade das vocações sacerdotais, pois o programa da
escola secundária no Reino da Sardenha era organizado ao redor da religião
e supervisionado e ministrado quase integralmente pelo clero. Não era esse o
caso de outros Estados da Itália ou da França.
O seminário logo desenvolveu estreitas relações com a Escola de Teo-
logia da Universidade, frequentada pelos seminaristas. A Escola de Teologia
da Universidade, Congregação de Superga, fundada em 1730, e as quatro
“conferências” de teologia moral-pastoral, criadas em 1738, trabalhavam
juntas; eram responsáveis pela melhoria da formação sacerdotal, da disci-
plina, do espírito e do prestígio sacerdotal. Obviamente, o seminário e seu
programa estavam sob a autoridade do arcebispo; ele era o responsável da
formação sacerdotal e da admissão dos candidatos às ordens sagradas. Entre-
tanto, devido à política da Casa de Saboia, a formação teológica tinha caído
sempre mais sob o controle real, até que a concordata de 1741 permitiu que
o seminário com seus professores e sua administração desfrutassem de maior
liberdade e autoridade.
Um documento contemporâneo da Santa Sé ordenava que os seminaris-
tas residissem no seminário durante oito meses por ano, sob a atenta super-
visão do Reitor e do seu pessoal, assistissem às aulas de filosofia e teologia na
Universidade e recebessem instrução complementar no seminário.
282
Jacinto Benigno Della Torre, dos condes de Luserna (1747-1814), natural de Saluzzo (19
76
quilômetros ao sul de Turim), entrou na Ordem de Santo Agostinho e exerceu encargos de responsa-
bilidade na comunidade. Primeiramente, foi nomeado bispo de Sassari (Sardenha) e depois de Acqui
(Piemonte). Em 1805, no auge da agitação de Napoleão na Itália, foi nomeado arcebispo de Turim
(1805-1814). À sua morte e depois de cinco anos de vacância (1814-1819), foi nomeado Columbano
Chiaveroti (1819-1831) como arcebispo de Turim e, depois dele, Luís Fransoni (1831-1862); em
seguida, depois de outros cinco anos de vacância (1862-1867), foi nomeado Alexandre Ottaviano Ric-
cardi, dos condes de Netro (1867-1870), ao qual se seguiu Lourenço Gastaldi (1871-1883).
283
Depois de Napoleão
Após a morte do arcebispo Della Torre, em coincidência com o final da
época napoleônica, a sede de Turim manteve-se vacante por mais de quatro
anos até a nomeação do arcebispo Columbano Chiaveroti. O novo arcebispo
viu-se com uma diocese que, com um clero desorganizado e carente de re-
forma, precisava de reorganização. Sua preocupação principal centrou-se na
deficiente qualidade, como também no reduzido número de seus padres. Ele
promoveu um programa de reformas iniciadas pelo seminário. A primeira
coisa que fez foi substituir a regulamentação de 1808, insuficiente com o
novo conjunto de estatutos (Constituições para o Seminário), publicados em
1819. Mantiveram-se em vigor até os novos estatutos de 1874-1875, pro-
mulgados pelo arcebispo Lourenço Gastaldi. Fiel à sua ação de renovação, em
1821, dom Chiaveroti nomeou como reitor do seminário o cônego Francisco
Icheri de Malabaia, futuro bispo de Casale, e reabriu também em 1821, o
seminário de Bra, fechado na época napoleônica.
No relatório de 1821 à Santa Sé, o arcebispo declarava 160 seminaristas
residentes em Turim e 40 em Bra. Em 1825, a arquidiocese tinha cerca de 500 se-
minaristas inscritos, embora apenas 220 deles pudessem alojar-se nos seminários;
284
77
Ver A. Giraudo, Clero, 245-288.
285
Os jesuítas foram restabelecidos oficialmente pelo papa Pio VII em 1814 e retornaram a Turim
78
pouco depois. As Amicizie eram associações (secretas) de padres e leigos que surgiram dos jesuítas, pro-
fessavam a teologia jesuíta, a teologia moral e a prática do benignismo como também a teologia ultra-
montana. O Colégio Eclesiástico (do qual Dom Bosco participou mais tarde) surgiu da escola jesuítica.
Em 23 de fevereiro de 1821, o arcebispo aprovou em definitivo o Colégio Eclesiástico, fundado pelos
padres Luís Guala e Pio Bruno Lanteri. Em 1823, depois que a Universidade foi fechada, o arcebispo
confiou o prestigioso Colégio Universitário de São Francisco de Paula aos jesuítas.
286
287
Disciplina
Segundo os Sínodos da arquidiocese, o seminário devia ser “fechado”
como um claustro. Sua disciplina era severa e a rotina da vida ordinária e a
atividade eram reguladas em todos os detalhes, sob o controle do reitor com
sua equipe. O Regulamento descreve uma situação em que todo o pessoal,
dirigentes e estudantes, ficam nitidamente separados. O reitor recebia as in-
formações e tomava as decisões a partir de um isolamento quase inacessível.83
O complicado sistema de supervisão através da organização dos prefeitos [ou
encarregados da disciplina] é semelhante à vigilância e ao controle da polícia.84
Os Estatutos para o seminário de Turim, de dom Chiaveroti (1819)
falavam de um ano escolar de oito meses no seminário e das férias de quatro
meses de verão. Roma resistiu a tempo tão longo de férias; uma nova pro-
posta de três meses foi aceita, mesmo assim com objeções da Congregação
Romana. Parece que Chieri, sob o governo de dom Fransoni, continuou com
as disposições originais do antecessor, pois Dom Bosco fala das férias de verão
de quatro meses.85
Uma série de disposições no Regulamento parece antecipar-se aos casos
sérios de má conduta, grave ou próxima de atos “delituosos” dos seminaris-
tas.86 Os prefeitos recebem instruções sobre como enfrentar esses fatos. A
presença de seminaristas externos pode ser considerada, em parte, como pro-
va de certo “espírito mundano” em alguns deles. Evidentemente, em relação
à disciplina, os seminaristas não residentes eram uma anomalia, pois viviam
com muito pouca disciplina e, no entanto, eram admitidos livremente às
ordens. Os seminaristas residentes eram, porém, passíveis de sanções severas
82
Luís Fransoni (1789-1862) foi bispo de Fossano de 1821 a 1831, sendo depois nomeado ad-
ministrador (1831) e, mais tarde, arcebispo de Turim, em 23 de fevereiro de 1832. Avesso a qualquer
forma de liberalismo, sofreu a prisão e o exílio. Viveu em Lyon (França) de 1850 até sua morte em 1862.
83
Dom Bosco, em suas Memórias, faz comentários críticos sobre o tremendo distanciamento do
reitor e dos professores do seminário [MO, 93].
84
Dom Bosco foi prefeito de estudos de um dormitório no seu último ano [MO, 111].
85
A. Giraudo, Clero, 374 (texto dos Estatutos de Turim); MO, 93-95, 97.
86
Nas Memórias, Dom Bosco alude a fatos desse tipo [MO, 93-94].
288
Estudos
Surpreende a pouca atenção dada pelo Regulamento aos estudos. Os
poucos artigos sobre isso estão relacionados, sobretudo, com a disciplina em
sala de aula. O programa de estudos teológicos tinha orientação apologética
e casuística. O objetivo principal era proporcionar as ferramentas com que se
pudessem refutar as objeções contra a fé católica e resolver as questões morais.
A mudança de estilo introduzida pelo espírito crítico em vista de uma teolo-
gia bíblica, histórica e positiva não causou impacto no ensino do seminário
durante a maior parte do século XIX no Piemonte.
Os tratados de filosofia e teologia eram ensinados em livros de textos
aprovados e prescritos pelo arcebispo. Eram redigidos em latim, como tam-
bém se ministravam as aulas. O professor “lia” o livro de texto e acrescentava
comentários à moda de explicação e fazia uma repetição todos os dias, à
noite, exceto aos sábados; um instrutor ou tutor repetia a aula da manhã.
Às tardes de cada dia letivo, as classes reuniam-se por grupos em círculos de
estudo, sob a supervisão de um prefeito para discutir questões relacionadas
com o tema apresentado em aula.87
Empregava-se um tempo considerável do dia em “estudo” vigiado, o que
acontecia no salão de estudo comum, no qual os seminaristas estudavam a
lição recomendada no livro de texto ou faziam a tarefa indicada. Os Estatutos
acrescentam: “Durante o tempo de estudo, a leitura de qualquer outro livro
que não o de texto, inclusive relativa à matéria de estudo, é proibida sem a
permissão expressa do professor”.88
Os Estatutos e o Regulamento não contemplavam qualquer previsão
sobre o uso da biblioteca do seminário pelos estudantes. A biblioteca no se-
minário de Chieri foi criada em 1834 com os livros levados da biblioteca
do seminário de Turim. Figuram no catálogo 184 títulos, muitos dos quais
eram obras em vários volumes. Obras que figuram nos seguintes nove títulos:
Sagrada Escritura, 17 títulos; Padres da Igreja e Escritores Cristãos antigos,
87
“Regulamentos do Seminário de Chieri”, cap. III, e “Estatutos do Seminário de Turim”, cap.
III. In: A. Giraudo, Clero, 374; cf. MO, 96.
88
Dom Bosco, nas Memórias, fala de uma extensa leitura, além dos livros de textos prescritos,
feita obviamente durante o tempo de estudo. E acrescenta: “Os superiores sabiam de tudo e me dei-
xavam fazer assim” [MO, 108]. Leve-se em conta que dos 11 autores mencionados por Dom Bosco,
só 2 estavam no catálogo da biblioteca de 1834. Os demais podem ter sido acrescentados entre 1837,
data do catálogo, e 1841.
289
290
da morte. A terceira parte é mais longa (na edição de 1884, ocupa 63 das 120
páginas do livro).
Dom Bosco esteve ao lado de Comollo desde fins de 1834 até 1839. Só
o conheceu em 1834. As informações sobre os anos anteriores foram obtidas
de pessoas que o conheceram. Dom Bosco menciona algumas fontes. Uma
delas foi o padre José Comollo, tio e diretor espiritual de Luís, pároco de
Cinzano, sua cidade natal. Para a edição revista de 1884, Dom Bosco obte-
ve alguma informação do senhor Carlos, pai de Luís. Dom Bosco também
menciona “outro senhor”, “uma pessoa relacionada com Luís”, “um amigo de
infância de Luís” e certo padre Strumia. Por último, fala de recordações que
Luís mesmo confiou a um “companheiro próximo”.
Sobre o primeiro ano de Luís em Chieri, Dom Bosco tinha conheci-
mento direto e também informações dadas por Jaime Marchisio, caseiro de
Luís, e pelos padres relacionados com a escola, mencionando os padres Vi-
cente Robiola [Raviola], decano, Francisco Calosso, diretor espiritual, e João
Bosco, professor.
Para os anos de seminário (1836-1839), Dom Bosco baseou-se em seus
contatos pessoais e no testemunho do pessoal do seminário. Menciona os
padres Sebastião Mottura, reitor, e José Mottura, diretor espiritual, os profes-
sores padres Inocente Arduino e Lourenço Prialis. Também os seminaristas,
não identificáveis, deram-lhe algumas informações. Enfim, os pais de Luís
forneceram notícias sobre os períodos das férias de verão.
A última parte da biografia, que trata de Luís depois da morte, é com-
posta por alguns comentários pessoais de Dom Bosco, alguns elogios dos
seminaristas e professores e, na edição de 1884, de três “graças” acrescentadas
à descrição da aparição.
A “pesquisa” de Dom Bosco para a biografia básica de 1844, foi minu-
ciosa. Entretanto, a supressão de dados relativamente importantes e a adição
de outro material em edições posteriores, especialmente na última de 1884,
levantam algumas questões. Como em todas as biografias cujo autor é Dom
Bosco, é claro o propósito didático-educativo. Esse objetivo também moti-
vou muitas das alterações. De aí surge, legítima, a questão da “historicidade”
do relato. Depois de examinar uma série de exemplos, Desramaut a defende:
a biografia de Comollo seria, globalmente, verdadeira.92
291
Primeiros anos
Luís, por natureza, era dotado de uma bela alma, de coração aberto, de
disposição dócil e de espírito delicado (p. 5). Aprendeu a ler e a escrever com
facilidade, e servia-se disso para o bem pessoal e dos outros. Sobretudo nos
domingos e dias festivos [...], ele reunia os meninos da sua idade e entretinha-
-os com leituras, explicava-lhes as coisas que aprendera ou narrava-lhes histó-
rias edificantes [...]. Ninguém se atrevia a dizer más palavras em sua presen-
ça e, se alguém o fazia inadvertidamente, era possível ouvir imediatamente:
“Cala a boca... Luís pode ouvir-te [...]”. Se ele ouvia alguma frase ruim ou
irreverente, advertia com admirável doçura: “Não uses essa linguagem, é in-
digna de um cristão” (p. 6).
Os adultos admiravam-se ao ver tão elevado grau de virtude em alguém
tão jovem (p. 7). Era obediente aos pais em tudo [...] e procurava antecipar-
-se cuidadosamente às suas ordens (p. 7-8). Tão belas e virtuosas disposições
uniam-se a uma verdadeira devoção e amor por tudo que fosse religioso. Na
primeira confissão, ele deu provas de sua profunda devoção. Depois de fazer
um cuidadoso exame de consciência, foi confessar-se. Ajoelhado diante do
confessor, com pena e dor de seus pecados (se se pode falar de pecados) e
com reverência pelo Santíssimo, deixou correr um rio de lágrimas. Precisou
ser confortado e tranquilizado antes de poder fazer sua confissão. Com a mes-
ma devoção e para edificação dos presentes, recebeu o Corpo de Cristo pela
primeira vez. A partir desse momento, cresceu no amor aos dois sacramentos
[...] (p. 9-10).
Como seminarista, costumava dizer: “Aprendi da obra de Santo Afonso
intitulada Visitas ao Santíssimo Sacramento, a fazer a comunhão espiritual.
Isso foi o meu apoio em todos os perigos durante o tempo em que vivi como
leigo” (p. 10). O jovem Comollo esteve livre das falhas infantis, próprias
dessa idade. Mantinha a calma e a paciência não importando o que aconte-
cesse. Era sempre amável com seus colegas, modesto e respeitoso com seus
superiores, obediente e desejoso de ajudar na igreja, o que fazia com grande
devoção (p. 11). Mesmo quando ainda criança oferecia ramalhetes de florzi-
nhas à Virgem, e abstinha-se de algum alimento [...]. Quando traziam à mesa
algum prato que, de modo especial, lhe agradava, abstinha-se dele em honra
de Maria (p. 12-13).
292
naquela casa”. Eu pensei que estivesse brincando, mas insistiu: “É verdade. Creio
que é o sobrinho do pároco de Cinzano, um jovem de extraordinária virtude”
(p. 13). Eu percebera durante vários dias a presença de um estudante (a quem
não conhecia), cuja conduta era tão modesta, amável e cortês que eu estava re-
almente impressionado. Minha admiração aumentou quando vi sua diligência
na classe. Logo ao chegar, colocava-se no seu lugar e não se movia dali, salvo
quando o dever o exigia (p. 13-14). [Com doçura, negava-se a participar de jo-
gos violentos], um colega deu-lhe um forte tabefe no rosto. Isso me incomodou
muito, e esperava a represália de Comollo, pois era maior e mais forte. Todavia,
com verdadeiro espírito cristão, Comollo dirigiu-se ao agressor e disse-lhe: “Se
estás satisfeito, vai em paz. Estou feliz por deixá-lo assim” (p. 14-15).
[Testemunho de um professor:] “Comollo era dotado de grande inteli-
gência e da mais amável disposição natural. Entregava-se ao estudo com dili-
gência, nem mais nem menos do que à piedade [...]. Poderia ser apresentando
a qualquer jovem como modelo de boa conduta, obediência e docilidade” (p.
15-16). “Pedes-me que faça observações sobre qualquer excelente qualidade
que pudesse ter observado nele. O que pode sobressair mais do que seu cons-
tante equilíbrio e a sua tenacidade numa idade muito propensa à frivolidade
e à inconstância? Todos os dias dos dois anos em que o tive como aluno, ele
observou o mais elevado nível de perseverança e de trabalho diligente, de
bondade e de entrega à virtude e à piedade” (p. 17).
[Testemunho do dono da pensão:] “Era sempre equilibrado, impertur-
bável e alegre em todas as situações” (p. 17). “Eu mesmo nunca o ouvi quei-
xar-se do mau tempo ou de ter muito trabalho ou estudo” (p. 18).
[Testemunho do capelão da escola:] “Pertencia à rara raça de estudantes
que se distinguem pela dedicação ao estudo e à piedade. Comollo, porém, a
todos superava, dos pés à cabeça” (p. 19).
Sempre concentrado em sua vida espiritual, nunca se mostrava infeliz
ou triste. Ao contrário, estava sempre alegre e, a partir da própria felicidade,
era capaz de animar os demais com sua doce maneira de falar. Agradavam-lhe
as palavras do profeta Davi: “Servi ao Senhor com alegria” (p. 23-24). Dessa
forma, com a estima dos colegas e o afeto dos superiores, honrado e admirado
como autêntico modelo de todas as virtudes, completou seu ciclo de estudos
secundários. Corria o ano 1836 (p. 26).
293
294
Quando lhe foi dito que [sua abstinência à mesa] poderia prejudicar-lhe
a saúde, respondeu: “O importante é que minha alma não sofra danos” [...].
Um colega que se sentou à mesa com ele em várias ocasiões expressou a con-
vicção de que Comollo estava cometendo suicídio [...] (p. 36).
Sua atitude virtuosa era manifestação de um coração virtuoso. Deve-se
dizer que o coração de Comollo ardia constantemente de amor a Deus e de
amor ao próximo, como também do fervoroso desejo de sofrer por amor a
Jesus Cristo (p. 37).
[Durante as férias de verão, Comollo escreveu a João Bosco:] “Há algo
que me enche de alegria e de temor. Meu tio [pároco de Cinzano] pediu-me
para fazer o sermão em honra da Assunção de Nossa Senhora. A perspectiva
de ter a oportunidade de falar da querida Mãe enche o meu coração de ale-
gria” (p. 39-40). Um dos presentes disse: “Só um santo poderia falar como
ele”. Outro ousou: “Naquele púlpito, ele era visto como um anjo, tal a sua
modéstia e a forma direta de falar” (p. 41).
[Testemunho de uma pessoa com quem Comollo esteve em Turim:]
Estávamos todos muito impressionados pela modéstia, pelos modos corteses,
pela doçura e simplicidade de Luís. Cada uma de suas palavras e cada um de
seus gestos transmitia uma piedade genuína, especialmente quando estava em
oração; parecia São Luís (p. 43).
[Depois de vários parágrafos sobre as premonições de Comollo sobre
a sua morte, Dom Bosco fala da oração de Comollo:] Pude aprender dele o
segredo de como dedicar longo tempo à oração sem a menor distração. Disse-
-me: “Vou contar-lhe como me preparo para a oração, se me prometeres que
não irás rir quando eu descer à terra. Com meus olhos fechados, bem aper-
tados, imagino que estou num magnífico salão ricamente decorado da forma
mais artística. Um trono majestoso eleva-se ao fundo do mesmo no qual está
sentado o Todo-Poderoso, rodeado pelos coros dos bem-aventurados. Pros-
trado com o rosto por terra diante de Deus, com toda a atenção de que sou
capaz, faço minha oração” (p. 47).
295
que tudo estava acabado para ele. “Sinto que um frio glacial invade cada
nervo do meu corpo [...], mas o que realmente me assusta é a perspectiva do
próximo severo juízo de Deus [...]. Precisamos partir”. Disse-lhe para não fi-
car tão angustiado e preocupado. Ele cortou minha palavra e disse: “Não sou
pessimista e não estou ansioso, mas o fato é que devemos enfrentar o grande
e inexorável juízo de Deus, e esse pensamento desequilibra todo o meu corpo
e alma” [...]. Durante a doença, ouvi-o falar desses temores, não uma, mas
mais de quinze vezes (p. 49-51).
[Permitem que João passe a noite de sábado santo, 30 de março, ao lado
de Comollo enfermo]. Às 8 e quinze da noite a febre aumentou a ponto de
começar a tremer e delirar. Prorrompeu em lamentos dolorosos e intensos,
como se estivesse ameaçado por algo aterrador [...]. Em seguida, olhando
os que estavam ao redor da cama, gritou: “Ai!, o juízo!”. Começou, então,
a retorcer-se e lutar tão violentamente que os cinco ou seis de nós que está-
vamos junto de sua cama, mal conseguíamos dominá-lo. [Mais tarde, nessa
mesma noite, Comollo recupera a lucidez e a calma, e aparenta normalidade,
até mesmo felicidade.] Perguntei-lhe o que provocara a mudança. De início,
parecia incomodado e pouco disposto a explicar-se. Em seguida, depois de
assegurar-se de que os demais não ouviam, disse-me suavemente: “Até agora,
eu tinha medo da morte por temor dos juízos de Deus. Eu estava realmente
aterrorizado, mas agora já não sinto medo e estou em paz. Vou dizer-te, por-
que és meu bom amigo”.
[Visão de Comollo no leito de morte:] Como eu estava com medo do
juízo divino, vi-me num instante num profundo e amplo vale onde ressoava
uma furiosa tormenta que me atingia com toda força. No centro do vale, vi
um abismo enorme do qual saíam enormes labaredas ardentes. Detive-me
aterrorizado à sua beira, pois poderia cair naquele forno ardente. Voltei-me
tentando fugir, mas uma multidão de monstros aterradores aproximou-se
para empurrar-me para as chamas. Então, desesperado, comecei a gritar, pe-
dindo ajuda. Fiz o sinal da cruz, à vista do qual os monstros curvaram a
cabeça, encresparam-se e retrocederam um pouco. No entanto, ainda se man-
tinham à beirada. Em seguida, surgiu da escuridão um grupo de guerreiros
radiantes vindos em minha ajuda. Atacaram os monstros e, matando alguns,
afugentaram os demais. Livre do terrível perigo, comecei a caminhar pelo
vale e cheguei ao início de uma elevada ladeira. Seu cume só era acessível
por uma alta escada recortada em sua encosta mais pronunciada, em cujos
degraus se moviam uma multidão de serpentes venenosas, prontas para atacar
a quem tentasse subir. Não havia outro caminho para o cume, mas eu estava
ali aterrorizado e esgotado e não me atrevia a tentá-lo. Em seguida, uma bela
296
Senhora, ricamente vestida, certamente não outra que a nossa querida Mãe
Maria, tomou-me pela mão, colocou-me em pé e convidou-me a continuar
o caminho que me levou a subir a escada. Ao pisar os degraus, as serpentes
venenosas giravam suas cabeças e permitiam-nos passar. Quando chegamos
ao cume, introduziu-me num magnífico jardim, onde vi as coisas mais belas
que se possam imaginar. Isso produzira o efeito de aquietar o meu coração,
dando-me tal tranquilidade de espírito que, longe de ter medo da morte, eu a
estou esperando, ansioso de unir-me ao meu Senhor (p. 54-56).
[Exortações a João Bosco feitas por Comollo à sua morte:] “Mantenha-
mos o pacto que fizemos, ou seja, rezemos pela salvação do outro (Oremus ad
invicem ut salvemur). Quero que o nosso pacto se estenda até a morte não só
de um de nós, mas dos dois [...]. Permita-me, também, que te advirta. Tu não
tens a certeza de uma vida longa, mas, sem dúvida, pode ser que aconteça,
entretanto mais tarde ou logo terás que enfrentar a morte, e com a morte, o
juízo. Por isso, vela para que toda a tua vida seja uma preparação para esse
importante momento” (p. 60-61).
“Se no futuro o Senhor te chamar para seres diretor de almas, insiste
no pensamento da morte do juízo, no respeito devido às igrejas [...]. Cultiva
uma devoção especial a Maria Santíssima; enquanto lutamos neste vale de lá-
grimas, não podemos encontrar ajuda mais poderosa. Cultiva e inculca tam-
bém a recepção frequente dos sacramentos da Confissão e Comunhão. São os
meios e as armas com que se superam todos os ataques do inimigo [...]. En-
fim, tem cuidado com o tipo de pessoas às quais te unes, associas ou das quais
te tornas amigo. Não falo apenas de mulheres ou outras pessoas do mundo,
que são um perigo evidente para nós, mas também de seminaristas. Desses,
alguns são maus e devem ser totalmente afastados, outros não são nem maus
nem bons, e tu deves atender às solicitações que forem necessárias, mas sem
familiaridade. Por último, alguns são realmente bons, e terás que buscar a sua
companhia para o teu progresso espiritual. Como, porém, os bons são pou-
cos, deves estar atento e proceder com grande cautela” (p. 61-64).
Esses sentimentos, expressos num momento em que alguém fala do que
sai do coração, dão-nos o seu autêntico retrato espiritual. O pensamento dos
novíssimos, a recepção frequente dos Sacramentos, a terna devoção à Mãe de
Deus, evitar as más companhias, buscar a companhia dos que nos podem dar
alento à piedade e ao estudo foram as diretrizes que tomou para sua vida e
conduta (p. 65).
[À noite de 1º de abril de 1839, Comollo recebeu a Unção e o santo
Viático. Depois, ofereceu uma oração a Maria, que termina com as palavras:]
“Minha querida e misericordiosa Mãe, vem em meu auxílio já que estou a
297
298
1
MO, 110-113. As ordenações, por antigo costume, eram conferidas num dos tempos peni-
tenciais litúrgicos, chamados têmporas. Eram celebradas, também em outros dias litúrgicos, como o
sábado Sitientes (sábado, depois do 4º domingo da Quaresma) ou o domingo Laetare. Os doze dias de
têmporas eram distribuídos em quatro tríades (quarta-feira, sexta-feira e sábado), uma em cada estação
do ano. As têmporas de inverno eram observadas após o 3º domingo do Advento; as da primavera,
após o 1º domingo da Quaresma; as de verão, após o domingo de Pentecostes; e as de outono, após a
festa da Exaltação da Cruz (14 de setembro). Os nomes Sitientes e Laetare derivam da palavra em latim
que inicia o canto de entrada da liturgia do dia; esses termos provêm, respectivamente, de Isaías 55,1:
“Todos aqueles que têm sede [sitientes] venham beber”, e de Isaías 66,10: “Alegrai-vos [laetare] com
Jerusalém e fazei festa com ela, todos os que a amais”.
2
Ver A. Lenti, The most wonderful day, 19-54.
299
3
Construída pelos vicentinos depois de se estabelecerem em Turim em 1655. Com a supressão dos
jesuítas pelo papa Clemente XIV (1773), estes foram substituídos pelos vicentinos na igreja dos Santos
Mártires. Em 1777, sua casa original passou a ser a residência oficial do arcebispo, e a igreja da Imaculada
Conceição tornou-se capela particular do arcebispo. Cf. F. Giraudo e G. Biancardi, Itinerari, 126-127.
4
F. Motto, Testamento spirituale, 20.
5
Cf. F. Giraudo e G. Biancardi, Itinerari, 123-124.
6
A comunidade da Visitação (ordem monacal feminina fundada por São Francisco de Sales) foi
estabelecida em Turim em 1638 por Santa Joana de Chantal. A bela igreja da Visitação fora construída
uns trinta anos mais tarde. O convento foi suprimido nos tempos de Napoleão em 1801; quando a co-
munidade regressou, estabeleceu-se em outro local (F. Giraudo e G. Biancardi, Itinerari, 123, 126).
7
Certidão de morte citada em S. Caselle, Giovanni Bosco, 199.
300
Pela presente, declaro e certifico que [o clérigo João Melquior Bosco] foi con-
siderado digno de ser promovido e receber a ordenação das quatro ordens
menores de hostiário, leitor, exorcista e acólito [...]. Foi promovido e ordena-
do por Nós no domingo Laetare, 29 de março de 1840, em Turim, em nossa
capela arquiepiscopal, numa Missa rezada [especificamente] celebrada para
conferir as ordens sagradas.8
8
Certidão em ASC 112: Documenti personali, ecclesiastici, FDB 73 D12. Outra certidão faz a mes-
ma declaração em relação à tonsura [cf. ibid., D11]. Contudo, um documento do seminário, citado em
S. Caselle, Don Bosco a Chieri, 203, estabelece que a imposição da tonsura e as quatro ordens menores
foram realizadas no sábado Sitientes que, em 1840, caiu em 4 de abril; este sábado seria a opção litúrgica
mais provável para o conferimento das ordens. Por outro lado, os certificados do arcebispo não podem ser
contraditos. Lemoyne assinala que estas ordenações aconteceram no domingo Laetare, 25 de março de 1840
e foram celebrados na Catedral de Turim (MB I, 492). O domingo Laetare, ou seja, o quarto domingo da
Quaresma caiu em 29 de março 1840, como já indicado. É compreensível que Lemoyne assuma que as or-
denações foram celebradas na catedral. Entretanto, por motivos políticos, as ordenações eram celebradas na
igreja da Imaculada Conceição, anexa à residência do arcebispo. Caselle, apesar do documento que apresenta,
segue Lemoyne na data, mas não no lugar. F. Giraudo e G. Biancardi, Itinerari, fazem o mesmo na p. 77, mas
a mudam para 29 de março na p. 126. Esta é também a data que aparece em MO Ceria, 112, nota à linha 3.
9
Cf. o documento citado acima em S. Caselle, Don Bosco a Chieri, 203. Traz o título: “Avaliação
dos reverendos seminaristas, candidatos às ordenações no sábado Sitientes, 1840”. O documento recolhe
as notas obtidas pelos candidatos nos vários aspectos. Mostram que João Bosco obteve fere optime (A mi-
nus) pela sua capacidade, optime (A) pela aplicação, fere optime pela piedade e fere optime no exame. Vários
seminaristas receberam notas mais altas. O exame para a admissão às ordens não deve ser confundido
com aquele que os seminaristas faziam sobre as matérias acadêmicas. Neles, João Bosco aparentemente
sempre tirava as qualificações mais elevadas e um prêmio [cf. MO Silva, 105; MO 106-107 e MB I, 514].
301
Subdiaconato e diaconato
Ter conseguido superar a prova durante o verão de 1840, aplainou o
caminho para que João recebesse o subdiaconato.11
Antes da admissão ao subdiaconato, era preciso dispor de um patrimô-
nio. Séculos atrás, sínodos e instruções papais legislaram sobre o patrimônio
projetado para suprir um benefício ou complementá-lo. Devia ser formado
por bens imóveis e tinha limites máximos e mínimos quanto ao rendimento
anual. Esse requisito representou um problema grave para João, pois ele e seu
irmão dispunham, em conjunto, de bens consideravelmente menores do que
o limite mínimo. O antigo sócio de José na granja Sussambrino, João Febbra-
ro, veio em sua ajuda mediante a cessão de alguns de seus bens; parece que An-
tônio não contribuiu. O dote eclesiástico de João foi formalizado por escritura
pública em 23 de março de 1840.12 Dom Bosco não menciona nas Memórias
a questão do dote, mas Lemoyne expressamente apresenta-a como resolvida.
Ao aproximar-se de setembro, João recebeu a comunicação dos superiores do
seminário a fim de preparar-se para o recebimento da ordem maior do subdiaco-
nato. Ele mesmo narra esse importantíssimo e decisivo acontecimento de sua vida:
Como a parte dos bens herdados de meu pai não bastasse para constituir o
patrimônio eclesiástico requerido, meu irmão José concedeu-me o pouco que
possuía. Pelas quatro têmporas de outono, fui ordenado subdiácono.13
10
A. Giraudo, Clero, 173-174, nota 137. Em teologia moral, Alasia era probabilista.
11
MO, 110. A reforma litúrgica do Vaticano II suprimiu o subdiaconato. As ordens maiores são
diaconato, presbiterado e episcopado. Antes do Vaticano II, o subdiaconato (não o diaconato) era a
ordem maior em que o candidato assumia os grandes compromissos da vida sacerdotal.
12
As firmas que aparecem no documento são estas: “João Bosco; sinal da cruz de José Bosco, analfa-
beto; João Agostinho Febraro” [ASC A020-26: Costituzione di Patrimonio; FDB 74 Cl1-D7]. Detalhes em P.
Stella, Economia, 19-21.36-38. José tinha abandonado sua parceria no sítio e retornado aos Becchi em 1839.
13
MB I, 492.
302
14
Esta declaração parece implicar que a relação entre padre Cafasso e Dom Bosco ainda não era signi-
ficativa, embora padre Cafasso tenha ajudado Dom Bosco de variadas maneiras. Em contraste, ver nota 64.
15
MO, 111.
16
Cf. os Registros do seminário, citados em S. Caselle, Don Bosco a Chieri, 207. O documento
intitulado “Para a ordenação no sábado Sitientes, 1841”, mostra que João Bosco recebeu optime (A) em
capacidade; fere optime (A minus) em aplicação; optime em piedade; fere optime no exame. Para compa-
rar, o “outro Bosco” (Tiago Bosco, de Rivalta) recebeu optime, optime, optime e egregie (distinção) nas
mesmas categorias. Segundo Lemoyne (MB I, 514), João teria sido qualificado no exame com o não tão
satisfatório fere optime por não ter respondido satisfatoriamente a uma pergunta do doutor Gastaldi.
17
Cf. M. Molineris, Don Bosco inedito, 249-250. Os registros do seminário citados em S. Casel-
le, Don Bosco a Chieri, 207, intitulados “Para as ordenações do sábado depois de Pentecostes, 1841”,
303
Numa comovedora passagem das Memórias, Dom Bosco revela seus sen-
timentos à saída do seminário:
De verdadeira consternação para mim foi o dia em que tive de deixar de-
finitivamente o seminário. Os superiores me amavam, e me haviam dado
contínuos sinais de benevolência. Estava muito afeiçoado aos meus compa-
nheiros. Pode-se dizer que eu vivia para eles, e eles viviam para mim. Quem
precisava fazer a barba ou a coroa, recorria a Bosco. Quem tinha necessidade
de um barrete, de uma costura, remendar a roupa, procurava Bosco. Por isso
tornou-se muito dolorosa para mim a separação de um lugar onde vivi seis
anos, onde recebi educação, ciência, espírito eclesiástico e todos os sinais de
bondade e afeto que se possam desejar.18
Com essas palavras simples, escritas, por sua vez, no que começou como
memórias, mas que se converteu rapidamente em Testamento espiritual, Dom
mostram que “João Melquior Bosco, de Castelnuovo” foi qualificado como optime (A) em piedade; fere
optime (A minus) em capacidade e optime em aplicação. O documento não registra a qualificação do
exame, contudo Lemoyne escreve: “Em 15 de maio [João] fez o exame final antes da ordenação e tirou
um plus quam optime (A plus)” (MB I, 514).
18
MO, 111.
19
Cf. MO, 80-81. 63-64, 69-71; cf. também P. Stella, Vita, 40-74.
20
F. Motto, Testamento spirituale, 20; cf. MO, 111.
304
As lembranças
As conclusões ou lembranças, dadas pelo diretor dos Exercícios, tratam
da responsabilidade do padre e da sua prestação de contas. Insistem na ideia
de que o padre responde pela salvação ou perdição das almas. O tema é um
lugar comum na ascética e espiritualidade sacerdotal contemporânea. Por
exemplo, em sua obra Dignidade e deveres do padre, Santo Afonso expressa
esse tema de várias maneiras. Em certo momento diz:
As almas que vivem como animais selvagens e monstros dirigem-se ao infer-
no, mas depois de se converterem e serem amadas por Deus são muitas joias
da coroa que adornam o sacerdote que retornou ao caminho da virtude. Um
sacerdote que se condena não vai sozinho para o inferno, e o sacerdote que se
salva, certamente não se salva sozinho.23
21
MO, 112.
22
F. Motto, Testamento spirituale, 21.
23
Cf. La dignidad y santidad sacerdotal. Sevilla: Editorial Apostolado Mariano, 2000.
305
Creio não ser possível imaginar um pecado mortal ou infração maior do que
o escândalo dado por um padre [...]. Ver-se em seu leito de morte, ter que
se apresentar diante do tribunal de Deus e prestar contas das almas que lhe
foram recomendadas, das almas das quais é responsável e dos pecados que
cometeram por sua causa! [...] Que castigo de Deus o espera!24
24
San José Cafasso, The priest, the man of God: his dignity and duties. Tradução de Patrick
O’Connell (Rockford, IL: TAN Books and Publishers, 1971), 166.
25
MB IX, 343-344.
26
P. Stella, Vita, 66.
306
As nove resoluções
João Bosco, nesses decisivos Exercícios Espirituais, tomou também nove reso-
luções, recolhidas no Testamento espiritual, mas que não tinha registrado nas Memó-
rias do Oratório. Ali, conservam-se sete resoluções tomadas na imposição do hábito
clerical em 1835. Torna-se significativo um olhar sintético sobre as duas séries:27 28
27
MO, 90-91.
28
F. Motto, Testamento spirituale, 21-23.
307
308
309
36
A certidão expedida pelo arcebispo Fransoni encontra-se em ASC A0020-26: Documenti per-
sonali, ecclesiastici, FDB 73 E1.
37
A Missa de ordenação, celebração em que se recebia o sacramento da Ordem, não era consi-
derada como primeira Missa.
38
ASC 112: Documenti personali, ecclesiastici, FDB 73 E2.
310
39
MO 111-112.
40
MB I, 519-520.
41
João Melquior Calosso (1760-1830), capelão de Murialdo (1829-1830), foi o primeiro grande
benfeitor de João e imagem do seu pai. Dom Bosco dá-lhe espaço, um tanto desproporcionado, em
suas Memórias [MO, 40-43, 45-46], até lermos seu emocionado tributo e lamento à morte do bom
padre [MO, 45-46]. Entende-se assim por que a lembrança do padre Calosso figura com tanta proemi-
nência na primeira Missa de Dom Bosco.
311
312
sempre a chorar de comoção. Passei com ele todo aquele dia, que posso cha-
mar dia de paraíso”.47
Esta terceira Missa, como a segunda, também foi em âmbito mariano,
na capela e no altar de Nossa Senhora do Rosário dessa igreja.48 A quarta
Missa, na quarta-feira 9 de junho, foi celebrada no Duomo, de Chieri, ou
igreja de Santa Maria da Escada, na capela-santuário de Nossa Senhora das
Graças.49 Dom Bosco não menciona esta quarta Missa nem em seu Testa-
mento espiritual nem em suas Memórias, mas Lemoyne escreve, colocando na
boca de Dom Bosco: “Na quarta-feira, oficiei o Santo Sacrifício na Catedral
dessa cidade”.50
Lemoyne garante que João Bosco estudante em Chieri ia a esta capela
todas as manhãs e tardes, para rezar diante da Virgem: “Ele deu continuidade
a essa prática durante seus dias de estudante em Chieri”.51 Recorde-se que,
como Dom Bosco escreve em suas Memórias, foi aos pés da Virgem das Gra-
ças que ele resolveu a crise vocacional, depois de muito discernimento, após
a sua intenção de entrar no convento franciscano.52 A quarta Missa parece ter
sido outro cenário da peregrinação mariana de Dom Bosco.
47
MO, 112. O dominicano padre Jacinto Giussiana fora professor de João na escola pública;
salvou-o da sanção escolar por deixar que copiassem seus exames (MO, 60-61). João tinha outros pa-
dres amigos, como o seu confessor José Malória, o professor de “humanidades”, padre Pedro Banaudi,
mas parece ter encontrado no padre Giussiana um “pai”, como o encontrara no padre Calosso, um
interessante paralelo que recorda as “imagens paternas” dos primeiros anos.
48
MO Silva, 111, nota à linha 590; F. Giraudo e G. Biancardi, Itinerari, 81-82. Nem Dom
Bosco nem Lemoyne recolhe esse detalhe.
49
S. Caselle, Bosco a Chieri, 65-66; F. Giraudo e G. Biancardi, Itinerari, 105-107. Uma placa
recorda o evento.
50
Documenti II, 7 in ASC A006-7: Cronachette, Lemoyne-Doc, FDB 969 D11; MB I, 521. A
igreja de Nossa Senhora da Escada, chamada popularmente de duomo (“catedral”) devido ao seu tama-
nho e grandiosidade, foi sede episcopal na antiguidade. Sua estrutura é dos inícios do século XV, cons-
truída para substituir a igreja anterior existente no lugar de um antigo templo pagão. Entre suas vinte e
uma artísticas capelas está a capela-santuário de Nossa Senhora [Dispensadora] das Graças, erigida por
um voto dos senhores da cidade durante a peste bubônica de 1630 e reconstruída em esplêndido estilo
barroco em 1780. Nossa Senhora sob esse título é copatrona da cidade, e sua capela, com a bela estátua
esculpida em 1636, tem sido centro de devoção popular através dos tempos. Cf. S. Caselle, Don Bosco
a Chieri, 65-66; F, Giraudo e G. Biancardi, Itinerari, 105-107.
51
MB I, 381.
52
MO, 80.
313
53
MO, 112.
54
J. B. Lemoyne, Scene morali, 101: “O pároco convidou para o almoço Margarida, os familiares
próximos, o clero e a gente importante da cidade”,
55
O baixo-relevo foi dedicado pelos ex-alunos em 6 de junho de 1930. Cf. M. Molineris, Don
Bosco inedito, 257-258.
56
MO, 112-113. A alusão é ao salmo 113,7-8. A Casa era os Becchi, e a casa era aquela que José
estava construindo no pátio da pequena Casa quando abandonou a parceria do sítio de Sussambrino
em 1839, embora a pequena Casa ainda estivesse em uso.
314
És padre: dizes a Missa; a partir de agora estás mais perto de Jesus Cristo.
Recorda-te, porém, que começar a dizer Missa quer dizer começar a sofrer.
Não o perceberás logo, mas verás aos poucos que tua mãe te disse a verdade.
Estou certa de que rezarás por mim todos os dias, enquanto eu estiver viva e
quando eu estiver morta: isso me basta. A partir de agora, pensa somente na
salvação das almas sem te preocupares em nada comigo.57
57
Documenti II, 7 in ASC A006-7: Cronachette, Lemoyne-Doc; FDB 969 D11; também J. B.
Lemoyne, Scene morali, 101-102, e MB I, 521.
58
A reitoria, situada perto da igreja, contava com cozinha, sala de estar, sete quartos, escritório,
biblioteca, adega, estábulo, palheiro, curral e um pequeno jardim (M. Molineris, Don Bosco inedito, 264).
315
Naquele ano (1841), como meu pároco não tinha coadjutor, desempe-
nhei esse cargo por cinco meses. Experimentava o maior prazer do mun-
do no trabalho. Pregava todos os domingos, visitava os doentes, adminis-
trava-lhes os santos sacramentos, com exceção da Penitência, porque não
havia ainda prestado o exame de Confissão. Acompanhava os enterros,
mantinha em dia os livros paroquiais, dava atestados de pobreza ou de
outro gênero.59
59
MO, 113.
60
Os párocos davam certificados de pobreza para que os carentes pudessem receber um subsídio
da cidade.
61
MO, 113.
62
MB II, 18.
316
Fui a Turim para aconselhar-me com padre Cafasso, que se tornara desde
alguns anos meu guia nas coisas espirituais e temporais. O santo padre ouviu
tudo, as ofertas de remuneração, a insistência de parentes e amigos, meu gran-
de desejo de trabalhar. Sem hesitar um instante dirigiu-me estas palavras: “O
senhor tem necessidade de estudar moral e pregação. Recuse por ora qualquer
proposta e venha ao Colégio Eclesiástico”. Segui prazerosamente o sábio con-
selho, e a 3 de novembro de 1841 entrei para o referido Colégio.67
63
M. Molineris, Don Bosco inedito, 264-166. Dos dez filhos de Luís Adriano, Pascoal foi sale-
siano; Silvestre e João emigraram para os Estados Unidos e viveram como leigos católicos e cooperado-
res salesianos ativos na paróquia salesiana dos Santos Pedro e Paulo de São Francisco.
64
Dom Bosco relata que, tendo aceitado o convite para fazer o sermão em honra de São Benigno
na cidade de Lavriano [Lauriano] bastante distante e indo a cavalo, caiu e ficou inconsciente; foi aten-
dido por João Calosso (de sobrenome Brina), que vivia num sítio próximo. Na conversa que se seguiu,
descobriu-se que esse senhor fora ajudado pelos Bosco quando seu burro, carregado com mercadorias,
afundara em um lamaçal numa fria noite de inverno (MO, 113-114; detalhes em M. Molineris, Don
Bosco inedito, 267-270).
65
Dom Bosco afirma que o povo de Murialdo estava disposto a dobrar o salário do capelão. A capela
de São Pedro em Murialdo fora dotada recentemente pelo senhor Espírito Sartoris, proprietário local que vivia
em Turim, de um benefício que garantia ao capelão um salário de 800 liras. Cf. P. Stella, Economia, 34-35.
66
A oferta do padre Cinzano, sinal da sua elevada estima, era, por si mesma, a mais atrativa das
três, pois impulsionava a “carreira” de Dom Bosco.
67
MO, 116-117. Nessa época, fins de 1841, padre Cafasso era o principal professor de teologia
moral e ajudante do padre Luís Guala no Colégio Eclesiástico.
317
Duas celebridades estavam naquele tempo à frente de tão útil instituto: o teólo-
go Luís Guala e o padre José Cafasso. O teólogo Guala era o fundador da obra.
Homem desinteressado, rico de ciência, prudência e coragem, fizera-se tudo
para todos no tempo do governo de Napoleão I. Para que os jovens levitas pu-
dessem, ao terminar os estudos, aprender a vida prática do sagrado ministério,
fundou aquele maravilhoso viveiro, que tanto bem fez à Igreja, sobretudo extir-
pando algumas raízes de jansenismo que ainda persistiam entre nós. Os proba-
bilistas seguiam a doutrina de Santo Afonso, que agora foi proclamado doutor
da Santa Igreja. Sua autoridade foi por assim dizer referendada pelo Papa.68
Jansenismo
O jansenismo era um movimento no interior da Igreja Católica surgido
nos séculos XVII e XVIII, principalmente nos Países Baixos e na França.69
MO, 118-119.
68
Ver G. Martina, La Iglesia, de Lutero a nuestros días II: época del absolutismo. Madri: Cristiani-
69
318
Doutrina
O principal iniciador do jansenismo foi Cornélio Jansen (o jovem, 1585-
1638). Suas opiniões propagaram-se principalmente através da sua obra Au-
gustinus. Abordava os temas da reta noção da graça divina e sua relação com
a vontade humana livre, que se convertera numa nova amarga questão entre
os católicos sob a influência da Reforma e a polêmica intracatólica entre o
molinismo e o baianismo.70
Em oposição deliberada à tradição escolástica e à ideia humanista da
própria configuração da religião e da destinação humana de cada pessoa, ba-
seava-se exclusivamente na patrística e, sobretudo, na teologia de Santo Agos-
tinho. Em bases agostinianas, o jansenismo desenvolveu seu próprio sistema
teológico. Nele se descreve uma tríplice etapa da história da salvação: a etapa
da natureza inocente antes do pecado, a etapa do pecado original e a etapa da
redenção realizada por Cristo.
Na primeira etapa, Adão fora totalmente livre, podia decidir livremente
sobre a própria salvação. Para isso, precisava da graça a fim de alcançar o
70
Cornelius Otto Jansens (1585-1638), teólogo holandês, foi reitor do Colégio Holandês de Lo-
vaina, professor universitário (1630) e bispo de Ypres (1636). Seu livro, publicado postumamente, Au-
gustinus seu doctrina S. Augustini de humanae naturae sanitate, aegritudine, medicina, adversus pelagianos
et marsilienses (Augustinus, ou a Doutrina de Santo Agostinho sobre a Salvação, a enfermidade e a cura
da natureza humana contra os pelagianos e marsilianos, 1640) foi condenado pelo Papa Urbano VIII
(1642). Nela, Jansens sustentava que o ensinamento de Santo Agostinho sobre a graça, a predestinação
e o livre-arbítrio opunha-se ao ensinamento das escolas jesuíticas. Sua opinião foi defendida pelos “jan-
senistas” de Port Royal (Houranne, Arnauld, Pascal etc.). Luís de Molina (1535-1600), teólogo jesuíta
espanhol, ensinou em várias universidades e escreveu tratados sobre a graça divina, o livre arbítrio e o
pecado original, por exemplo, Concordia liberi arbitrii cum gratiae donis (Conciliação do livre-arbítrio
com a graça divina, 1588-1589). Seu controvertido pensamento, chamado de molinismo, afirma que
a graça divina é aberta a todos, mas sua eficácia depende da vontade de quem a aceita. Baius (Michael
Baius, Michel de Bay, 1513-1589), teólogo belga, escreveu numerosos tratados abrangendo as novas
doutrinas sobre o pecado original e a graça, que antecipavam o jansenismo. Ele foi condenado pelos Pa-
pas Pio V (1567) e Gregório XIII (1580). Pelágio (354-418), monge e teólogo britânico, protagonizou
uma disputa teológica em Roma, na qual refutava as doutrinas de Santo Agostinho sobre a predestina-
ção e a corrupção total pelo pecado original; escreveu vários tratados sobre o tema. Afirmava o livre-
-arbítrio e enfatizava o primado do esforço humano para a salvação. Com seus seguidores, pregou na
África, onde se reuniu com Agostinho, e em Jerusalém, onde foi acusado e absolvido. Foi excomungado
por Inocêncio I (417). O pelagianismo sobreviveu na forma mitigada do semipelagianismo.
319
O jansenismo na França
A ideia de salvação por predestinação tornou-se importante na França,
onde se ligou inseparavelmente ao mosteiro de Port Royal. Ali se converteu
em doutrina e estilo de vida que afetavam todos os aspectos da vida cristã.
Port Royal era uma abadia cisterciense de monjas, localizada no Valle de
Chevreuse, a uns seis quilômetros de Versalhes. Fundada em 1204, a abadia ti-
nha prosperado através dos anos, mas em fins do século XVI, deteriorara-se no
seu espírito. Apenas 12 monjas viviam ali na mediocridade, sem qualquer regra
bem definida ou clausura. Segundo a prática do tempo, em 5 de julho de 1602,
elegeram como abadessa uma menina de 10 anos de idade. Seu nome era Jac-
queline Marie Angélique Arnauld, conhecida mais tarde como Madre Angélica
(1591-1661). Durante quatro anos, a abadia foi dirigida pela família Arnauld,
que lhe devolveu em parte a prosperidade material. Em 1608, a abadessa, aos 17
anos de idade, experimentou uma conversão e resolveu reformar o seu mosteiro e
restabelecer a regra cisterciense em seu pleno vigor. Com a ajuda dos confessores
capuchinhos e jesuítas, Port Royal converteu-se em centro de vida espiritual.
Madre Angélica recebeu, em 1618, a missão de reformar a abadia de
Maubuisson, nas proximidades de Paris. Ali conheceu São Francisco de Sales,
que foi por algum tempo seu diretor. O santo visitou Port Royal em julho de
1619. Devido à insalubridade do clima do vale, em 1626 encerrou-se a antiga
Port Royal e a comunidade instalou-se em Paris. Assim, a nova Port Royal
ficou sob a jurisdição do arcebispo de Paris. A ortodoxia das monjas tornou-
-se suspeita por causa do livro Chapelet secret du Saint-Sacrement (A capela se-
creta do Santíssimo Sacramento) escrito por madre Inês (1593-1671), irmã de
madre Angélica. Para defender o livro foi contratado um teólogo que então
desfrutava de boa reputação entre os devotos, Jean du Vergier de Hauranne,
abade de Saint-Cyran (1581-1643). As monjas aceitaram com entusiasmo
seu ensinamento e propagaram suas ideias rigoristas sobre o sacramento da
penitência e da eucaristia, ocasionando debates públicos.
320
As cinco proposições eram estas: (1) Alguns mandamentos de Deus são impossíveis para os
71
justos que desejam e se esforçam por obedecê-los, levando em consideração as forças que possuem; a
graça que tornaria possível o seu cumprimento também é insuficiente. (2) No estado de natureza de-
caída, ninguém resiste à graça interior. (3) Para merecer ou desmerecer no estado de natureza decaída,
não é preciso ser livre da necessidade interior, mas basta ser livre de obrigações exteriores. (4) Os semi-
pelagianos admitiam a necessidade de uma graça interior preveniente a cada ação, mas eram heréticos
na medida que sustentavam que essa graça era tal que o homem poderia obedecê-la ou opor-se a ela. (5)
Sustentar que Jesus Cristo morreu e derramou seu sangue por todos, sem exceção, é semipelagianismo.
321
322
XI com a bula Unigenitus (O Unigênito, 1713), promulgada no Direito francês, terminou com o
jansenismo como movimento. O jansenismo organizado só sobreviveu nos Países Baixos como “Igreja
de Utrech”, então unida aos Velhos Católicos. Depois da Revolução Francesa, um advogado chamado
Luís Silvy comprou Port Royal em ruínas. Atualmente é propriedade particular de uma sociedade que
criou um pequeno museu no lugar. Há outro museu na casa em que viveram Les Messieurs.
323
SISTEMAS MORAIS73
A expressão “sistema moral” foi cunhada por Santo Afonso Maria de
Ligório e passou para o uso comum da moral católica. Não significa método
moral, concepção da moral ou fundamentação da Teologia moral. Indica a
forma de fazer um juízo vinculante da consciência moral diante de leis ob-
jetivamente incertas. Consiste na proposta de determinados princípios refle-
xos para chegar a fazer esse juízo de consciência e assim sair da dúvida. Os
73
Resumo do professor padre Eugênio Albuquerque Frutos, SDB (nota dos editores).
324
Probabilismo
Este sistema moral indica que, em caso de dúvida, pode-se seguir uma
opinião provável, embora exista outra que seja inclusive mais provável.75
O primeiro a formular esta maneira de apresentar e resolver as dúvidas
de consciência foi o dominicano Bartolomeu de Medina (1528-1580). Co-
mentando a Suma de Santo Tomás (I-II, q. 19), a. 6, afirma: “Se existe uma
opinião provável (afirmada por autores sábios e confirmada por ótimos argu-
mentos), é lícito segui-la, embora a opinião oposta seja mais provável”. Surgia
assim o probabilismo, que durante mais de três séculos ocupou a atenção dos
moralistas, alcançando um lugar muito relevante no ensino das Instituciones
morales sobre a consciência. Dominou a teologia moral especialmente duran-
te a primeira metade do século XVII e foi seguido sempre pela maior parte
dos moralistas jesuítas. Sofreu sérios ataques dos jansenistas, do clero galicano
e de muitos moralistas dominicanos.
O probabilismo exagerado, que deu lugar ao laxismo, foi condenado
pelo Papa Inocêncio XI.
Laxismo
O laxismo no interior dos sistemas morais é efetivamente a exacerbação
do probabilismo.76 Ele afirma que se pode seguir uma opinião tenuemente
provável se ela favorecer a liberdade de consciência, embora se tenha como
lícito o ilícito e por pecado venial o que é pecado mortal. Sua essência con-
siste em contentar-se com a mera probabilidade, ou seja, uma probabilidade
extremamente frágil, desde que seja uma probabilidade. Em sentido amplo,
fala-se de laxismo como de uma atitude geral de vida e de pensamento, carac-
terizada por justificar, seguir e teorizar com a consciência frouxa, que tende a
diminuir a imputabilidade e se apoia em mínimos de probabilidade.
74
Cf. M. Vidal, Nueva moral fundamental: el hogar teológico de la Ética. Bilbao: Desclée de Brou-
wer, 2000, 460-478; D. Capone, “Sistemas morales”. In: Diccionario enciclopédico de teología moral.
3ª ed. Madri: San Pablo, 1978, 1015-1022; L. Vereecke, “Historia de la teología moral”. In: Nuevo
diccionario de teología moral. Madri: San Pablo, 1992, 816-846.
75
Cf. Thomas Deman, “Probabilisme”. In: Dictionnaire de theologie catholique XIII, 417-619;
L. Vereecke, “Le probabilisme”, Le Suplement 177 (1991), 23-31; M. Sievernich e Ph. Schmitz,
“Probabilismo e coscienza morale”, Rassegna di Teologia 39 (1998), 367-386.
76
M. Petrocchi, Il problema del lassismo nel secolo XVII. Roma, 1953.
325
Probabiliorismo
O probabiliorismo defende que só se pode seguir a opinião favorável à
liberdade de consciência se ela for mais provável do que a sua contrária.
Este sistema supõe, no fundo, uma concepção mais rígida da moral cris-
tã, concepção que será levada ao extremo pelo tuciorismo. Os pressupostos e
as razões que apoiam este sistema são: a lei está acima da liberdade de consci-
ência; é preciso seguir o caminho estreito para garantir a salvação.
O probabiliorismo dominou a moral francesa na segunda metade do
século XVII e a moral italiana na primeira metade do século XVIII. Foi ma-
joritário entre os moralistas dominicanos, sobretudo a partir da postura anti-
probabilista assumida pelo Capítulo Geral da Ordem (Roma, 1756).77
Equiprobabilismo
O equiprobabilismo é o sistema moral que afirma que, em caso de dú-
vida, pode-se seguir a opinião favorável à liberdade de consciência, desde que
seja igualmente provável à contrária.
Na prática, este sistema funciona como o chamado “princípio de proprie-
dade”, que defende: em caso de dúvida da cessação da lei, deve-se trabalhar de
acordo com a lei, porque a presunção da propriedade está a favor da lei; em con-
trapartida, nos casos de dúvida sobre a promulgação da lei, é lícito agir seguindo
a liberdade de consciência, porque a presunção da propriedade está a seu favor.
Moralmente, o equiprobabilismo foi considerado um probabilismo mi-
tigado. Ele é desenvolvido por Santo Afonso Maria de Ligório e representa de
algum modo a superação no confronto entre probabilismo e probabiliorismo.78
Tuciorismo
O tuciorismo defende que, no caso de dúvida de consciência, deve-se
seguir sempre a opinião mais segura.
77
Cf. Thomas Deman, “La réaction dominicaine contre le probabilisme”. In: Dictionnaire de
theologie catholique XIII, 502-509.
78
Cf. M. Vidal, Frente al rigorismo moral, benignidad pastoral: Alfonso de Liguori (1696-1787).
Madri, 1986; AA.VV., “La moral alfonsiana: raíces y retos”, Moralia 10 (1988).
326
CONCEPÇÕES ECLESIOLÓGICAS
Conciliarismo
O conciliarismo é uma teoria sobre a constituição da Igreja, articulada
em alguns Concílios gerais do século XV; ensina que o Concílio ecumênico
é superior ao Papa.
Embora se pense com frequência em Marsílio de Pádua e Guilherme de
Ockahm como seus fundadores,79 o conciliarismo fundamenta suas raízes nos
debates sobre a natureza da Igreja, sustentados pelos canonistas dos séculos
XII e XIII, que tentavam estabelecer os limites jurídicos do poder papal.
Um dos argumentos fundamentava-se no “princípio corporativo de re-
presentação”. O Papa pode cair em erro, mas não a Igreja romana, que mui-
tos identificavam com a Igreja universal. Dado que um Concílio geral é uma
“representação” de toda a Igreja, o concílio, incluindo o Papa, é maior do que
o Papa; um organismo é maior do que as partes que o compõem. O princí-
pio é válido em questões de fé e quando o bem geral da Igreja está em jogo.
Embora o argumento se refira apenas a possíveis eventualidades, serve de base
para a regência compartilhada do Colégio dos cardeais e o Papa. A noção de
representação aplica-se, também, a toda a Igreja: o Papa é delegado da Igreja,
que, pela designação dos cardeais, lhe confere suas faculdades e direitos. Caso
fossem mal-usados, poderiam ser revogados e, dessa forma, o Colégio dos
cardeais ou o Concílio geral representaria a Igreja inteira.
Coube a Marsílio de Pádua, no tratado de sua autoria, Defensor pacis,
dar os toques finais à teoria do conciliarismo. Seus princípios básicos eram a
negação da instituição divina do primado papal, até então jamais contradita,
a defesa do conceito corporativo da Igreja e da teoria da representação do
da Universidade de Paris, escreveu Defensor pacis (Defensor da paz), tratado jurídico contra o poder
temporal do Papa. Fugiu de Paris e, excomungado pelo Papa João XXII, buscou proteção em Luís IV,
da Baviera. Guilherme de Ockham (ou de Occam, c. 1285-1349) foi um filósofo escolástico da ordem
franciscana e aluno de Duns Scotus. Defendeu a pobreza evangélica contra o Papa João XXII em seu
Opus octoginta dierum (Oitenta dias de trabalho), e foi excomungado. Ockham lutou contra o poder
temporal do Papa e defendeu a independência do estado civil em seu Dialogus.
327
O cisma, pelos seus escândalos e pela confusão criada, afetou profundamente a vida da Igreja
81
do Ocidente e preparou diretamente um século mais tarde a ruptura da unidade na cristandade oci-
dental pela Reforma.
328
Galicanismo
O termo “galicanismo” foi criado pelos historiadores do século XIX;
refere-se a uma doutrina e sua prática, que reivindicam status preferencial à
monarquia e à Igreja da França.
São dois os aspectos que se devem levar em consideração. Um, teológico:
o galicanismo é uma eclesiologia composta de conciliarismo, episcopalismo e
nacionalismo. O outro, político: o galicanismo é a manifestação histórica do
nacionalismo francês em assuntos da Igreja e a oposição da monarquia fran-
cesa ao centralismo da Cúria papal. De facto e de jure, o status preferencial da
monarquia francesa em relação à Igreja tinha-se elevado na alta Idade Média
com o conceito da sacralidade da monarquia, dado que os reis eram ungidos
e adquiriam uma situação semioficial no interior da Igreja.
No reino franco, o rei e os bispos trabalhavam juntos com sentido de
responsabilidade coletiva. Sustentava-se que a monarquia francesa tinha sido
sempre protetora e defensora da Igreja e do Papa. Essa estreita relação históri-
ca converteu-se no principal argumento a favor das pretensões de uma Igreja
nacional do rei francês. A Cúria romana opôs-se, mas encontrou resistência.
Após a reforma gregoriana, sob o Papa Gregório VII (1073-1085), o galica-
nismo opôs-se ao centralismo romano e à doutrina papal da “plenitude de
poder”, tanto na ordem espiritual como na temporal.
No século XVII, o absolutismo régio levaria ao rejuvenescimento do galica-
nismo, que, então, parecia, um ensino constante e coerente. Em 1682, Luís XIV
convocou uma assembleia dos bispos com o baixo clero, que dizia representar
o clero francês. Emitiu uma “Declaração de liberdades galicanas” em quatro
artigos, que podem ser resumidos assim: (1) o rei da França é independente
da autoridade papal nos assuntos temporais; (2) deve-se manter o Decreto do
Concílio de Constança, que afirmava que um Concílio geral é superior ao Papa;
(3) as antigas liberdades e prerrogativas reais da Igreja francesa não podem ser
violadas; (4) a infalibilidade pessoal dos Papas deve ser recusada e seus julga-
mentos podem ser modificados. A Igreja, no entanto, era indefectível por um
processo de reforma ajudado pelas assembleias do clero e pelo rei. Foi Jacques
Benigne Bossuet (1627-1704) que, tentando moderar o movimento dentro do
Parlamento, apresentou para sua aprovação os quatro artigos galicanos.
Os artigos formulam o que se poderia chamar de “galicanismo clássico”.
Todavia, ao recusar a práxis antiga, real e eclesiástica, supõe um retorno ana-
crônico aos padres, a uma Igreja pré-gregoriana e pré-escolástica e implica a
recusa da doutrina e da disciplina dos últimos seis séculos. Pode-se compre-
ender o motivo pelo qual Alexandre VIII em 1690 condenou esses artigos na
329
Febronianismo
O termo refere-se à doutrina proposta por Justino Febrônio, pseudônimo
adotado pelo bispo auxiliar de Tréveris, Johann Nikolaus Von Hontheim (1701-
1790), em seu livro De statu Ecclesiae (Sobre o estado da Igreja), de 1763.83
O livro apresentava uma teoria sobre a constituição da Igreja e das re-
lações Igreja-Estado. Sua tese era que o papado exigia muitas faculdades não
dadas por Cristo e não exercidas na Igreja durante os primeiros oito séculos.
A Igreja não é monárquica. O primado, não a infalibilidade, do Papa é um
serviço para preservar a unidade, garantir a vigilância e promulgar as leis
aprovadas por um concílio geral. Como todos os bispos são iguais, o Papa
não tem jurisdição fora da sua própria sede, que não deve ser necessariamente
82
Ultramontano ou ultramontanismo designa uma eclesiologia conservadora, centrada no Papa
que se opôs diretamente ao galicanismo. O termo, cunhado a partir do ponto de vista francês, significa
“além das montanhas” e indica a Itália-Roma. José Maria de Maistre (1753-1821), polêmico escritor e
filósofo francês, muito elogiado na História da Itália, de Dom Bosco, desempenhou diversos encargos
no reino do Piemonte-Sardenha. Hughes-Félicité-Robert de Lamennais (1782-1854), padre filósofo
francês, defendeu num primeiro momento a tradição da Igreja de modo ultramontano. Em 1832, foi
condenado por Gregório XVI por defender o liberalismo político e os princípios democráticos, quan-
do, então, abandonou a Igreja. O Syllabus errorum era uma recompilação de 80 proposições condena-
das na encíclica Quanta Cura de Pio IX, 8 de dezembro de 1864.
83
Justino Febronio, Justini Febronii Juris consulti de Statu Ecclesiæ et legitima potestate Romani
Pontificis Liber singularis ad reuniendos dissidentes in religione christianos compositus, escrito com a
finalidade de unir na religião os cristãos dissidentes, Frankfurt, 1763.
330
Josefinismo
O iluminismo e o absolutismo real do século XVIII na Europa deu lugar
ao maior controle da Igreja pelo Estado e, na Áustria, a mudanças significati-
vas nas tradicionais relações Igreja-Estado.
Em junho de 1768, a imperatriz Maria Teresa da Áustria (1717-1780),
seguindo os conselhos de seu chanceler, mudou unilateralmente sua política
eclesiástica e estabeleceu o controle da Igreja pelo Estado para garantir um
poder supremo em sua terra. Os acordos que garantiam os privilégios papais,
que também limitavam a soberania do Estado, foram abolidos. As proprie-
dades da Igreja foram tributadas, as ordens religiosas foram severamente res-
tringidas e aumentou a ingerência do Estado na esfera puramente eclesiástica.
A política eclesiástica estabelecida por Maria Teresa derivou para um sis-
tema de Igreja-Estado sob o imperador José II (1780-1790), do qual o sistema
recebe o nome de “josefinismo”. Sob José II, os bispos já não podiam comu-
nicar-se livre e diretamente com Roma. As ordens religiosas foram desligadas
331
332
1
MO, 117. O nome “Colégio Eclesiástico” (Convitto Ecclesiastico, em italiano) de São Francis-
co de Assis poderia ser traduzido como “Residência do Instituto Pastoral de São Francisco de Assis para
padres”. Na realidade, pode-se traduzir como “aulas de teologia prática”, porque consistia, sobretudo,
em aulas de teologia moral e pastoral, e de pregação. De fato, essa instituição teve início com aulas de
teologia moral, dadas pelo padre Luís Guala em sua residência, que se converteram em “Colégio” quan-
do, com aprovação das autoridades, se transformou em residência que hospedava padres no convento
e igreja adjacente de São Francisco de Assis.
333
334
5
O jurisdicionalismo advoga a proeminência do poder civil sobre a atividade eclesiástica, baseando-se
numa adesão religiosa que dá título e requer o exercício de uma ação protetora sobre a Igreja que, na prática,
redunda em autêntica fiscalização da sua atividade. Partindo deste princípio, é habitual entre seus defensores
falar de certos iura maiestatica em virtude dos quais o soberano, como garantidor da unidade da Igreja e da
pureza da sua fé, exerce verdadeiro e próprio poder eclesiástico e lhe facultam levar a cabo na Igreja as reformas
por ele consideradas necessárias para o reto funcionamento de seus órgãos e instituições [Nota dos editores].
6
Cf. P. Stella, Giurisdizionalismo, 9-41.
7
G. Tuninetti, Gastaldi I, 33-34. Deve-se levar em conta que os bispos italianos que se opu-
nham à definição papal da infalibilidade no Concílio Vaticano I, alguns bispos piemonteses, graduados
em teologia na Universidade, foram os mais inflexíveis. Podemos mencionar o bispo Luís Moreno, de
Ivrea; Luís Nazário di Calabiana, de Casale; Lourenço Renaldi, de Pinerolo; Pedro Sola, de Nizza; e
o arcebispo Alexandre Otaviano Riccardi di Netro, de Turim. Cf. G. Tuninetti, Gastaldi I, 193ss.
8
A supressão da Companhia de Jesus começou em Portugal e na França, para se tornar
em seguida geral e oficial em 1773, pela bula Dominus ac Redemptor, de Clemente XIV. Foi
provocada por uma onda de hostilidades. O jansenismo encontrara sua maior oposição nos
jesuítas. Os seguidores do Iluminismo atacavam os jesuítas como meio do objetivo final: elimi-
nar as Ordens religiosas, o papado e a Igreja. Os partidários do galicanismo e do absolutismo
monárquico defrontaram-se em sua agenda com o apoio dos jesuítas ao papado. Os chamados
“déspotas esclarecidos”, que tinham a intenção de consolidar o próprio poder, não favoreciam
uma Ordem papal como os jesuítas. Os governos da maioria dos países católicos viam a auto-
ridade papal com desagrado e o seu sucesso, uma ameaça. Os jesuítas, desde a Reforma, aju-
daram a recuperar regiões inteiras para a Igreja. Dirigiram com sucesso as missões em muitos
lugares e obtiveram grande prestígio através das escolas e dos colégios. Tornaram-se confessores,
335
A Companhia de Jesus foi restaurada por Pio VII, após a queda de Napoleão
em 1814.
Não menos influente, especialmente em relação à teologia moral e à prá-
tica pastoral, foi Afonso de Ligório. Sua doutrina moral, o equiprobabilismo,
coincide na prática com o probabilismo jesuíta, sempre que em cada um dos
casos se calcule o mérito intrínseco e as conclusões, e a decisão de consciência
seja tomada à luz da prudência e da caridade cristã.9
Era de se esperar que em Turim a doutrina dos jesuítas e de Santo Afon-
so só encontrasse espaço e apoio fora da universidade e do seminário. En-
controu, também, uma intensa e generalizada oposição entre o clero. Seu
sucesso deve-se à atividade de destacadas personalidades e grupos religiosos: a
recém-estabelecida Companhia de Jesus, o jesuíta Nikolaus von Diessbach10
e as Associações de Amizade (Amicizie) de Pio Bruno Lanteri e seus Oblatos
educadores e assessores dos poderosos, o que lhes deu influência e poder. Em alguns casos, ul-
trapassaram os limites e foram acusados de intriga e de moral duvidosa. Durante o pontificado
de Clemente XIII (1758-1769) e de Clemente XIV (1769-1774), eles foram objeto de ataques
generalizados em toda a Europa católica. O primeiro golpe aconteceu em Portugal, onde se
lhes atribuiu a decadência do país como potência, e foram acusados de diversos delitos contra o
Estado; em 1759, acabaram expulsos e os seus bens, confiscados. Em 1764, foram expulsos da
França, depois de investigados em relação à aventura comercial do ministro Lavallette. Clemen-
te XIII reafirmou o seu apoio aos jesuítas com a bula Apostolicam Pascendi, mas foi em vão. Na
Espanha, o ministro Aranda persuadiu o rei Carlos III de que os jesuítas eram desleais e estavam
tramando seu assassinato. Em 1767 foram suprimidos em todo o império espanhol. Na Itália,
Nápoles e Parma-Piacenza seguiram seu exemplo em 1767 e 1768, respectivamente. Em janeiro
de 1769, as nações católicas pediram a supressão total dos jesuítas. Clemente XIII recusou-se,
mas morreu em 2 de fevereiro de 1769. Na eleição de Clemente XIV, o conclave foi domina-
do pela questão dos jesuítas, por manobra de nações católicas, encabeçadas pelos Bourbon,
empenhados em obter a sua supressão. Clemente, franciscano erudito, não fizera promessas,
mas indicara que a supressão era canonicamente possível. Pressionado, resistiu por três anos,
sugerindo acordos próximos à repressão. Clemente capitulou quando as nações ameaçaram a
ruptura total com Roma, enquanto Maria Teresa da Áustria declarava neutralidade no assunto.
O embaixador espanhol apresentou um projeto de Bula para sua supressão, que o Papa assinou
em junho de 1773.
9
Dom Bosco refere-se a esse debate em MO, 118-119.
10
Joseph Albert Nikolaus von Diessbach nasceu em Berna, Suíça, numa nobre família calvinista.
Militar no exército sardo, ele se converteu ao catolicismo em 1754. Viúvo aos 26 anos, entregou sua filha
aos cuidados das monjas da Visitação de Nice e entrou em 1759 na Companhia de Jesus, em Turim.
Ordenado padre em 1764, exerceu a direção espiritual e a pregação em Turim, Suíça, França e Alemanha.
Depois da supressão da Companhia de Jesus em 1773, continuando como jesuíta, escreveu e pregou
em defesa da Igreja e contra o jansenismo e o galicanismo. Fundou por volta de 1780 as Associações de
Amizade Cristã (Amicizia Cristiana), preocupado como estava com a propagação das lojas maçônicas.
Em 1782 mudou-se para Viena, deixando um grupo de discípulos em Turim sob a direção do padre Pio
Bruno Lanteri. Ali ficou até a morte em 1782, não sem ter fundado um grupo de “amigos”, entre eles o
redentorista São Clemente Hofbauer, que trabalhou pela restauração política e religiosa na Áustria.
336
11
Pio Brunone Lanteri nasceu em Cúneo, capital de província, a uns 50 quilômetros ao sul de
Turim, em 12 de maio de 1759, numa próspera família de profissionais. Depois de deixar os cartuxos
devido à má saúde foi para Turim e matriculou-se na escola de teologia da universidade. Teve como di-
retor espiritual o padre Diessbach e uniu-se à sua associação secreta Amicizia Cristiana, na qual chegou
a ser membro muito ativo. Após uma visita a Viena, junto com o padre Diessbach, foi ordenado padre
em Turim no dia 22 de maio de 1782. Seu ministério sacerdotal divide-se em três períodos. No pri-
meiro (1782-1798), da ordenação à ocupação da Itália por Napoleão, foi líder da Amicizia Cristiana;
seu principal apostolado era a imprensa, ou seja, a defesa da fé católica através de livros de tendência
ultramontana. No segundo período (1798-1814), Lanteri envolveu-se totalmente nos turbulentos e
trágicos acontecimentos da ocupação francesa da Itália. Levantou-se em defesa de Pio VII, prisioneiro
de Napoleão, e a Associação da Amizade conseguiu distribuir livros em defesa da autoridade e primado
do Papa até mesmo na França. No terceiro (1814-1830), durante a primeira Restauração, Lanteri am-
pliou o trabalho da Amizade Cristã e reorganizou-a, criando uma associação de leigos (Amizade Cató-
lica) e outra de padres (Amizade Sacerdotal); nesta inspirava-se o Colégio Eclesiástico. Em 1815, com
um grupo de padres da Amizade Sacerdotal, fundou os Oblatos da Virgem Maria, em Carignano, a
20 quilômetros de Turim; dissolvida em 1820, fundou-a novamente em 1825. Aprovada por Gregório
XVI, não pôde estabelecer-se em Turim por motivos políticos. Morreu em Pinerolo no dia 5 de agosto
de 1830. Foi beatificado pelo Papa João Paulo II em 1989.
12
Luís Maria Fortunato Guala nasceu em Turim em 1775 de João José Guala, advogado, e de
Maria Gastinelli. A família era originária de Cassine, Acqui, 50 quilômetros a sudeste de Turim. Iniciou
cedo os estudos sacerdotais e estudou teologia na Universidade de Turim, de 1792 a 1796, ano em
que foi ordenado. Doutorou-se pouco depois, sendo em seguida nomeado por decreto real, professor
associado na mesma escola. Começou assim uma notável carreira pelo seu intenso compromisso com
a teologia afonsiana e a formação sacerdotal na Igreja de Turim. Foi ultramontano declarado, mora-
lista de tendências afonsianas numa faculdade de probabilioristas pró-galicanos. Discípulo, amigo
e associado de Lanteri foi perseguido pelo seu apoio a Pio VII. Em 1807, Guala obteve licença para
abrir novamente o santuário de São Inácio em Lanzo, onde, com Lanteri, começou a propor retiros
espirituais para o clero. Em 1808 foi nomeado Reitor da igreja de São Francisco de Assis, inicialmente
apenas como diretor da Associação de Artistas que tinha sua base nessa igreja, dando início, também,
a um curso particular de aulas de teologia moral. E ali, menos de dez anos mais tarde, criou o Colégio
Eclesiástico, que dirigiu até a morte em 1848. Padre Guala e seu discípulo padre Cafasso foram os
principais mestres, mentores e guias espirituais de Dom Bosco.
337
13
C. Bona, “Le ‘Amicizie’: società segrete e rinascita religiosa (1770-1830)” [Turim: Deputazio-
ne Subalpina di Storia Patria, 1962, 342]. In: P. Stella, Economia, 54.
14
A Amizade Católica (para leigos) é considerada o protótipo das associações católicas na Itália.
338
2. O Colégio Eclesiástico
Padre Luís Guala, discípulo e amigo do padre Pio Lanteri, foi membro
de primeiro plano das Amizades e compartilhou sua preocupação pela refor-
ma da teologia e da prática pastoral, como também pela formação do clero.
Desta preocupação nasceram as Conferências de Teologia Moral e o Colégio
Eclesiástico. Tuninetti é mais explícito:
É mérito de Lanteri ter planejado e realizado as Conferências, e atribui-se a ele a ideia original,
15
339
17
A igreja e o convento de São Francisco de Assis foram construídos nos inícios do século XIII
(pelo próprio São Francisco, como sustenta a tradição) e rapidamente adquiriram importância religiosa
e cívica. A igreja e o convento foram restaurados nos inícios do século XVII, mas a igreja passou por
grande reconstrução novamente em 1760, adquirindo o aspecto arquitetônico que mantém até hoje. Os
franciscanos foram expulsos por Napoleão e nunca mais regressaram. Boa parte dos ambientes do con-
vento foi destinada a outros usos e a igreja foi adquirida pela arquidiocese. Padre Luís Guala, nomeado
reitor em 1808, adquiriu a parte disponível do antigo convento e ali estabeleceu o Colégio Eclesiástico.
18
G. Casalis, “Dizionario geografico-storico [...] XXI”, 471-472. In: P. Stella, Economia, 46.
19
Como se disse no comentário sobre o seminário, a sucessão na arquidiocese foi esta: Jacinto
Della Torre (1805-1814); sede vacante (1814-1818); Columbano Chiaveroti (1818-1831); Luís Fransoni
(administrador, 1831; arcebispo, 1832-1862; arcebispo no exílio, 1850-1862); sede vacante (1862-1867,
regência do vigário capitular monsenhor José Zappata); Alexandre Otaviano dos Condes Riccardi di Netro
(1867-1870); Lourenço Gastaldi (1871-1883); e cardeal Caetano Alimonda (1883-1891).
20
Citado em G. Usseglio, Guala, 465.
21
Embora não existam relatos de tratativas entre os dois sobre a nova solicitação, as cartas
seguintes, pelas quais Guala se manteve nos mínimos detalhes, mostram que a sua ação em 1817 foi
realizada por entendimento mútuo. Cf. G. Usseglio, Guala, 468, citando documentos do processo
de beatificação de Lanteri.
340
341
24
O texto anterior, aprovado em 1817 e 1821, figura no apêndice III adiante, traduzido por
A. Giraudo, Clero, 392-398. Giraudo afirma que esta cópia de arquivo dos Regulamentos é prova-
velmente o original. Mais tarde foi ampliado e aprovado em 1834, como dito em G. Colombero,
Cafasso, 357-363. Nosso resumo neste ponto leva em conta as duas edições.
25
Sussidi 2, 76-77.
26
Sebastião Valfrè nasceu em 1629 de pais pobres e estudou para o sacerdócio em Turim, sendo orde-
nado padre em 1652. Em associação com um Oratório que funcionava na região e outros padres, fundou o
Oratório de Turim, que presidiu por muitos anos. Doutor honoris causa em teologia pelo seu ensino, exerceu
o cargo de professor na família real. Entretanto, sua caridade pastoral, sua pregação e seu incansável serviço aos
necessitados foram os distintivos da sua vida. Morreu em 1710 e foi beatificado por Gregório XVI em 1834.
342
343
O amor alegre e que inclua a todos deverá ser a norma. Devem-se evitar ami-
zades particulares, familiaridade desrespeitosa e brincadeiras de mãos. Todos
deverão abster-se de usar apelidos, fazer observações críticas, brincadeiras que
possam ofender ou ferir os sentimentos alheios. Que o comportamento civi-
lizado, a cortesia e a caridade sejam praticados por todos. Sacerdotes que em
breve poderão optar por nomeações na Igreja devem perceber a importância
de aprender a bem conduzir-se com todos os temperamentos. Isso pode ser
alcançado mais facilmente sendo acolhedores do que exigindo perfeição nos
outros. Todos devem esforçar-se por conduzir-se em conformidade com a
norma dada pelo Concílio de Trento, Sessão XXII, Capítulo I, sobre a Refor-
ma dos clérigos: “É plenamente apropriado que os padres organizem a pró-
pria vida moral e a conduta como corresponde às pessoas chamadas a serem
sócias do Senhor. Como consequência, não devem demonstrar nada mais do
que seriedade, autocontrole e espírito religioso”.29
29
Sussidi 2, 74 (parágrafos 8 e 9 do capítulo 2, “Regras”).
30
O santuário de Santo Inácio ergue-se aos pés dos Alpes, perto de Lanzo (Turim). A capela
original, construída ex-voto em 1630, foi confiada aos jesuítas em 1677. O santuário e a casa que servia
de residência dos padres que atendiam aos peregrinos foram construídos em 1725. Depois da supressão
dos jesuítas em 1773, o santuário passou à arquidiocese de Turim, mas deteriorou-se rapidamente.
Padres Guala e Pio Lanteri planejaram utilizá-lo como casa de retiro e ofereceram cursos de Exercícios
344
Atividades acadêmicas
As aulas de teologia moral e pastoral, com orientação afonsiana e exerci-
tação prática, eram o pilar do programa escolar. Consideravam-se, também,
como importantes, a instrução e a prática da pregação e da liturgia.
Havia em todos os dias da semana duas aulas de teologia moral-pastoral,
uma aberta ao público à tarde ou à noite e, na manhã seguinte, outra mais
formal, apenas para os estudantes do Colégio, tratando-se mais detalhada-
mente do mesmo tema. Depois dessas aulas, enfrentavam-se situações con-
cretas de pastoral ou “casos de moral”; os estudantes participavam de um
exercício prático de confissão, assumindo o papel de confessor ou penitente.
Nos primeiros tempos, o padre Guala dava duas aulas. Nos anos posteriores,
ele dava a aula da tarde, deixando a da manhã ao assistente ou repetidor.
O tratado de teologia moral de José Antônio Alasia (1731-1812) era uma
edição resumida e servia de texto para as aulas.31 A obra, de tendência pro-
babiliorista, afirmara-se nas instituições e nos seminários da diocese. Padre
Guala, aparentemente, não se sentiu livre de deixar de lado os livros de texto
“pré-escritos” e ensinar diretamente os de Santo Afonso; servia-se do Alasia
como ponto de partida dos debates em que se ilustrava a prática pastoral de
Santo Afonso.32 Padre Cafasso seguiu um método semelhante, primeiramente
como auxiliar e, depois, como professor decano, utilizando um texto de Alasia
comentado por ele mesmo, com o qual ensinava a doutrina afonsina.33
Espirituais para padres e leigos. Mais tarde, padre Cafasso renovou os ambientes, ampliou os programas
de retiro e começou um ministério em favor dos moradores da região.
31
A obra, em 10 volumes, que fora escrita entre 1793 e 1809, foi resumida pelo padre Ângelo
Stuardi e reeditada mais tarde com comentários e “correções rosminianas” pelo padre Lourenço Gastaldi.
Cf. G. Tuninetti, Gastaldi I, 29-30, nota 83.
32
G. Usseglio, Guala, 487-490.
33
Cf. [Anônimo] Il Venerabile Giuseppe Cafasso: nuova vita compilata sui Processi di Beatificazione.
Turim: SEI, 1920, 24, 37-39.
345
A pregação era outro tema importante. O teólogo Guala confiou seu en-
sino aos jesuítas logo depois do retorno deles a Turim, em 1823. Mantiveram
a cátedra até a expulsão do Piemonte em 1847-1848 os padres Miniasi [Me-
nini], de 1834 a 1839; Grossi, de 1840 a 1843; Sagrini, de 1844 a 1845; e
novamente Miniasi, de 1845 a 1847. Colaboravam também com a pregação
de exercícios espirituais na casa de retiro.
Padre Cafasso atuou como instrutor assistente e tutor estudante em
pregação no período 1836-1846. Ele indicava o tema do sermão, em geral
tomado dos evangelhos, sendo o de João o seu favorito, lia os sermões dos
estudantes e decidia qual deles devia ser apresentado publicamente na aula
para crítica e debate.34
346
36
Processo baseado numa biografia anônima de Cafasso, 85-8.7107-118.
37
O Código Penal em vigor antes de 1845 determinava que o menor de idade, mais ou menos
de 14 anos, quando agia sem maldade, não era suscetível de julgamento e encarceramento nas prisões
comuns. Contudo, o menor que tivesse cometido um delito com premeditação era responsável. Só
em 1845, com a abertura da casa correcional de menores, a nova Generala, os menores culpados de
crimes eram separados dos demais delinquentes, como exigido pelo artigo 28 do Código Penal. Isso
explica em parte a presença de jovens com delinquentes mais velhos nas prisões. Em relação aos jovens,
as estatísticas de 1831-1846 mostram que para a maioria o roubo era a falta mais comum, chegando
a 30% dos delitos investigados e apresentados à justiça pela polícia. Outros delitos, como o ócio, a
vagabundagem, a mendicidade etc. chegavam, juntos, a 20%. Seguiam os delitos de violência contra
as pessoas (10%) dos quais mais da metade era de ameaças e espancamentos como consequência de
brigas [MO da Silva, 119]. Para a história da casa correcional de menores conhecida como Generala,
cf. Roberto Audisio, La Generala di Torino: esposte, discoli, minorias corrigendi 1785-1850. Santena:
Fondazione Camillo Cavour, 1987.
38
MO, 120-121.
347
39
“À morte do padre Guala, em 1848, rumores recolhidos por Godofredo Casalis situam a
dotação em cerca de meio milhão de liras. Guala deixou o dinheiro, não à corporação, mas ao padre
Cafasso pessoalmente. Padre Cafasso, por sua vez, tornou seu herdeiro o padre Luís Anglesio, superior
da Pequena Casa da Divina Providência do Cottolengo. Esta instituição ficara isenta do pagamento dos
direitos de sucessão por decreto do rei Carlos Alberto” [P. Stella Economia, 67-68]. A referência é a G.
Casalis, Dizionario geografico-storico [...] XXI.
40
G. Usseglio, Guala, 491.
41
Citado em C. Nicolis di Robilant, Cafasso I, 32.
42
Cf. C. Nicolis di Robilant, Cafasso I, XXXIX.
348
43
P. Stella, Economia, 48; Sussidi 2, 67-68.
44
P. Stella, Economia, 45, 48-49.
349
350
351
352
49
Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 177-180. Uma crônica interessante ficou preservada em
ASC A 111ss: “Gastaldi e i Salesiani: Convitto Ecclesiastico”, FDB 647 D9-648 A12.
50
José Allamano nasceu em 1851, em Castelnuovo. Conterrâneo e sobrinho do padre Cafasso,
completou seus estudos secundários com Dom Bosco no Oratório e entrou no seminário de Turim.
Foi ordenado em 1873. Cursou dois anos de teologia moral prática no Colégio Eclesiástico (1873-
1875) com padre Gólzio como reitor e padre Bertagna como professor. Ainda jovem, aos 25 anos,
distinguia-se pela profunda espiritualidade, doutrina e lealdade; foi escolhido por dom Gastaldi como
diretor espiritual e vice-reitor do seminário (1876-1880); foi colaborador de confiança do arcebispo,
sem renunciar à sua liberdade e às suas convicções pessoais. Em 1880, foi nomeado reitor da igreja da
353
Consolata, que ele converteu em centro de espiritualidade cristã e sacerdotal, assim como de devoção
popular. Quando, em 1882, dom Gastaldi dispensou padre Bertanha e fechou o Colégio Eclesiástico,
padre Allamano foi escolhido para dirigi-lo com nova perspectiva. Allamano fundou o Instituto da
Consolata para as Missões Estrangeiras, em 1901, e as Irmãs Missionárias da Consolata, em 1910. Foi,
sem dúvida, uma das personalidades mais influentes na igreja de Turim, sobretudo durante o governo
do cardeal arcebispo Agostinho Richelmy (1897-1923). Morreu em 1926 e foi beatificado em 1990.
51
O diálogo mantido entre o arcebispo e padre Allamano, na ocasião da entrega oficial de po-
deres anunciava uma nova etapa. Ao aceitar o cargo, diz-se que padre Allamano acrescentou: “Senhor
bispo, aceito a cátedra, mas não utilizarei seu livro de texto”. E o arcebispo teria respondido: “Isso não
importa. Confio no senhor; faça como achar conveniente”. Duvida-se da autenticidade desse fato, não
condizente com o forte caráter de Gastaldi e contrário ao fato de Allamano ter se servido do texto dio-
cesano apresentado por Gastaldi, embora com um comentário adicional próprio. Cf. G. Tuninetti,
Gastaldi II, 182; I. Tubaldo, Allamano I. Torino, 1903, 416-418.
52
G. Tuninetti, Gastaldi II, 183.
354
Conclusão
Numa passagem das Memórias, Dom Bosco escreve sobre sua experi-
ência no Colégio: “Nos nossos seminários estuda-se somente a dogmática
especulativa; da moral estudam-se apenas as questões disputadas. Nele [o
Colégio Eclesiástico] aprende-se a ser padre”.53 Padre Clemente Marchisio,
que estudou no Colégio nos anos 1856-1858, fala de sua experiência em
termos semelhantes:
53
MO, 117.
54
“Don Clemente Marchisio [1833-1903]: un profilo storico” [2ª ed. (Turim, 1986), 1819],
Sussidi 2, 77. Clemente Marchisio nasceu em 1833. Após a ordenação em 1856, matriculou-se no Co-
légio sob a direção do padre Cafasso. Posteriormente, desempenhou o cargo de ajudante em paróquias
rurais antes de ser nomeado pelo arcebispo Gastaldi pároco de Rivalba, perto de Turim. Levando a sério
a difícil situação das jovens mulheres que procuravam a cidade em busca de emprego, fundou em 1875
a Congregação das Filhas de São José para o ministério e o apostolado litúrgico. Morreu em 1903 e foi
beatificado pelo Papa João Paulo II em 1985.
55
Cf. G. Tuninetti, “Marchisio” [25-26], Sussidi 2, 78-79.
355
1841-1842
Durante o primeiro ano, 1841-1842, Dom Bosco seguiu o programa
regular. Assistia às aulas de teologia moral do padre Cafasso pela manhã e
às aulas públicas do teólogo Guala à tarde ou à noite. Sob a orientação de-
les, sobretudo de Cafasso, começou logo a participar de diversas atividades
pastorais que favoreceram a “descoberta” dos jovens em situação de risco e
a vontade de ajudá-los de alguma maneira. Aludindo a isso nas Memórias,
Dom Bosco escreve: “O padre Cafasso, meu guia havia seis anos, foi também
meu diretor espiritual [...]. Começou primeiro por levar-me às prisões”. Co-
movido à vista da degradação dos jovens nas prisões da cidade, Dom Bosco
cogitou um projeto “com seu conselho e com suas luzes”.58
56
Cf. ASC A220ss: Taccuini-Libro delle Messe, FDB 750 E5ss. Apresenta-se nele uma lista de
intenções de missa e suas respectivas espórtulas. A média das espórtulas chegava a 90 centavos de lira.
57
Na Nota histórica de 1854, escrita vinte anos antes das Memórias, dá-se uma descrição diferen-
te dos inícios do Oratório.
58
MO, 120-121.
356
1842-1843
Após os Exercícios Espirituais e o fim do ano escolar em junho de 1842,
Dom Bosco dedicou-se a cuidar do “seu Oratório”.61 Pode-se aceitar que o ano
1842-1843, segundo do programa habitual, foi passado por ele em grande
parte fazendo o que fez no primeiro.
59
MO, 122.
60
MO, 125. Os inícios do Oratório de Dom Bosco com o episódio de Garelli será comentado
mais adiante. No momento, porém, deve-se assinalar que a instrução catequética dos meninos que pe-
rambulavam pelas ruas, costume que Dom Bosco aprendeu do padre Cafasso, segundo a Nota histórica
de 1854, não é mencionada especificamente nas Memórias. Era, parece, um ministério comum, patro-
cinado pelo padre Cafasso em São Francisco de Assis. Talvez esse ministério estivesse em baixa quando
Dom Bosco se encarregou dele, pouco depois da sua entrada no Colégio. O pequeno, mas crescente
grupo de jovens que se reuniu ao redor de Dom Bosco nos três anos de sua permanência converteu-se,
gradualmente, no seu Oratório, pois os jovens o acompanharam em outubro de 1844 quando deixou
o Colégio pela instituição Barolo. Supõe-se, contudo, que tenha continuado o ministério catequético
em São Francisco de Assis, mesmo depois de deixar o Colégio.
61
Que ele acompanhou durante as férias, o que se pode deduzir do que escreve em MO, 126.
As férias que tivera foram passadas com sua família nos Becchi. José Bosco e Mamãe Margarida haviam
mudado do sítio Matta, de Sussambrino, em 1839, e retornaram aos Becchi, onde José começou em
seguida a construir uma casa.
357
1843-1844
Durante o ano 1843-1844, Dom Bosco, além de atender às novas fun-
ções de tutor e o Oratório aos domingos, esteve profundamente empenhado
com o ministério da pregação e das confissões:
Era para mim consolador ver meu confessionário, durante a semana e no-
meadamente nos domingos, rodeado de 40 ou 50 rapazes, esperando horas e
horas que chegasse a vez de se confessarem.64
62
MB II, 127.
63
MO, 129.
64
MO, 129-130.
65
MO, 131-132.
358
66
MB II, 207. Lemoyne relata o sonho de remendar roupa em ligação com isso e a “profunda
convicção de Cafasso” quanto à verdadeira vocação de Dom Bosco.
67
Lemoyne (aparentemente sem perceber o problema) reproduz, inclusive, a citação de Dom
Bosco: “É verdade; mas se o Senhor me chamasse ao estado religioso, ele proveria para que outro pen-
sasse nos jovens” [MB II, 207].
68
Barberis informa sobre a conversa de Dom Bosco com alguns salesianos (incluído o próprio
Barberis) na noite de 1º de janeiro de 1876: “É verdade, reverendo Dom Bosco, que passou alguns dias
como noviço entre os dominicanos?”. “Não [não com os dominicanos], mas eu tinha pensado entrar
entre os oblatos, aqui em Turim, ou os rosminianos [...]. Contudo, ao observar o seu espírito, decidi
que não. Quanto a mim, creio que poderia ter vivido em perfeita harmonia debaixo da obediência de
qualquer comunidade religiosa. De fato, eu teria sido feliz por fazê-lo. Mas eu já tinha criado um proje-
to bem pensado, que não podia nem devia abandonar. Explorei a possibilidade de executar esse projeto
numa congregação que já existisse, mas percebi que não se podia fazê-lo. Por conseguinte, não me uni
a nenhuma congregação; mas decidi eu mesmo reunir um grupo de irmãos que estivessem ao meu lado,
de modo que lhes pudesse comunicar o espírito que sentia tão profundamente [...]. Porque eu tinha
uma compreensão clara do caminho a seguir e dos meios a utilizar para conseguir o meu propósito” [G.
Barberis, Cronica autografa, Caderno III, 55, sábado à tarde de 1876; FDB 835 E6].
359
foram facilmente dissipados. Foi nessa situação de angústia que Dom Bosco
teve novamente um sonho vocacional, na noite de 12 para 13 de outubro, o
sonho de 1844, “um apêndice” do sonho dos Becchi.69
360
Deve-se considerar que ele recebeu toda a formação nos tempos da Restauração
(1815-1848), ou seja, depois das experiências negativas da Revolução Fran-
cesa e da época napoleônica (1789-1815). As recentes experiências tornavam
inevitável perceber como perverso, ou ao menos como suspeitoso, qualquer
movimento revolucionário que tendesse a alterar a ordem política e social. Essa
avaliação negativa encontrava expressão nos documentos da Igreja, na pregação
e na imprensa católica.
A atitude negativa em relação à nova ordem política e social emanava
também de pressupostos filosóficos e teológicos sobre a origem divina do
regime pré-revolucionário, isto é, a teoria do direito divino dos reis e o prin-
cípio da legitimidade. Era generalizada a convicção de que os princípios de
liberdade e igualdade da Revolução Francesa não só advogavam pela remoção
de uma ordem divinamente estabelecida, mas que eram também responsá-
veis pelos excessos da Revolução e da ditadura de Napoleão. Para muitos, os
termos revolução, democracia, constituição, parlamento, república etc. signi-
ficavam a intenção de remover a ordem divina constituída.
A rejeição da Revolução era, também, rejeição do princípio básico do
Iluminismo; este afirmava que a razão humana, por si só, pode chegar à Ver-
dade e ao Bem. A Igreja, por sua vez, sempre considerara que a revelação di-
vina, componente da religião católica, era elemento central no ordenamento
e na preservação da sociedade, que, por sua vez, levara à aliança entre o Altar
e o Trono. A Igreja apoiava a monarquia porque a autoridade do rei só era
considerada limitada pela lei divina. E o rei, nomeado por desígnio divino,
agente da ordem na sociedade, tinha o dever de defender a Igreja e reprimir
a Revolução.
Os movimentos revolucionários e as conspirações no Piemonte-Sarde-
nha, muito mal planejados em sua maioria, mas profundamente mal-inten-
cionados, contribuíram para o enrijecimento da postura conservadora da
Igreja e a criação de um estado policial. Podem-se citar, como exemplo, as
conjuras estimuladas por Mazzini e seus seguidores durante o reinado de
Carlos Alberto, na década de 1830. Apesar de não serem percebidas nesse
momento, essas posturas reacionárias ofuscaram os espíritos católicos diante
de alguns valores cristãos, como a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a
justiça etc. Em 1832, a encíclica Mirari Vos, de Gregório XVI, condenou
“as novas liberdades”, incluindo a liberdade de consciência nos assuntos nos
quais se igualavam “erro” e “verdade”.
Os conservadores católicos, que continuaram a apoiar a ordem política e
social pré-revolucionária (Antigo Regime), tiveram vida nova no período poste-
rior à restauração napoleônica. Opunham-se à mudança revolucionária e, como
361
Nas lutas medievais entre o Papa e o Império Germânico, os gibelinos eram partidários do im-
70
perador; os guelfos, do Papa. No Ressurgimento italiano do século XIX, os que defendiam a federação
de Estados regionais italianos, presidida pelo Papa, eram conhecidos como neoguelfos.
362
71
Dom Bosco conheceu pessoal ou indiretamente essas personalidades importantes. Manteve
relações de amizade com Rosmini, embora não conhecesse a filosofia e (talvez) nem os demais escritos
do grande homem. Apesar de admirá-lo pela santidade e doutrina, Dom Bosco uniu-se à autoridade da
Igreja, quando “condenou” a filosofia de Rosmini e suas ideias sobre a reforma da Igreja como proposta
em seu livro, Le cinque piaghe della Chiesa [...] (As cinco chagas da Igreja […]). Ele também rejeitou
o romance de Manzoni, I promessi sposi (Os noivos), que apontava a opressão do povo comum pelos
poderosos, embora muito provavelmente Dom Bosco tenha se oposto à obra devido ao tema (a história
gira ao redor do sequestro de Lúcia, noiva de Renzo, pelo senhor local) e porque deixava em muito má
posição alguns padres, como o padre Abôndio [Nota dos editores]. Na primeira edição da História da
Itália, Dom Bosco teve palavras de elogio ao padre filósofo Vicente Gioberti e à sua posição neoguelfa.
Numa edição mais tardia, mudou de parecer. Opunha-se a Gioberti não só pelos seus pontos de vista
liberais e suas diatribes antijesuitistas (Il gesuita moderno), mas também porque Gioberti foi considera-
do pelas autoridades da Igreja como um sacerdote infiel (MB II, 142-143).
363
72
João Batista Musso, um dos párocos associados da igreja paroquial de Castelnuovo, que também
era professor da escola elementar.
364
365
366
76
São Francisco de Assis, em Turim, é chamada de “igreja dos artistas”, porque, entre muitas as-
sociações que nela se enraizaram, era muito famosa a Confraria dos Artistas. Estes, de fato, possuíram a
igreja durante algum tempo e tinham-na dotado com generosidade. A inteligência do padre Cafasso para
“moderar” esta e outras associações conquistaram-lhe respeito e colaboração generosa. O quadro original
do padre Cafasso é do pintor Eugênio Reffo, que, ainda jovem, frequentava a igreja e admirava o santo.
367
o Papa e com as autoridades da Igreja; a política do padre deve ser uma política
que leve à salvação das almas. O distrito eleitoral de Castelnuovo propôs o padre
Cafasso como seu representante na Câmara Baixa do Parlamento Piemontês,
proposta que ele recusou afirmando que o Senhor lhe pediria contas, não como
representante, mas como padre. Acreditava que um bom católico, muito mais se
for padre, demonstra verdadeiro amor ao seu país com as obras de caridade, não
com a atividade política. Vê-se aqui a mesma postura de Dom Bosco.
Após a primeira guerra de independência contra a Áustria em 1848-
1849, ele colocou um setor do Colégio à disposição do governo, como hos-
pital para atender os feridos, dirigido pelos próprios padres estudantes. Um
projeto de lei apresentado no Parlamento para dissolver o Colégio Eclesiásti-
co foi recusado porque ele “só fazia teologia” (não política).
Sobre as atividades caritativas dos padres do Colégio, Guala, Cafasso e
Gólzio, Dom Bosco escreve nas Memórias: “Prisões, hospitais, púlpitos, insti-
tutos de beneficência, doentes em suas casas [...] experimentaram os salutares
efeitos do zelo desses três luminares do clero de Turim”.77 A caridade do padre
Cafasso não conhecia limites.
368
369
corredor da morte. Padre Cafasso tinha cuidado especial com esses indivíduos
desafortunados. Visitava-os, confortava-os e acompanhava-os na carroça pu-
xada por cavalos até a execução que, naqueles tempos, tornava-se espetáculo
público. A execução era por enforcamento, ou por fuzilamento, se o conde-
nado fosse militar. Calcula-se que ele assistiu 57 condenados em Turim, 7 em
outras cidades e 4 que ele preparou, mas não pôde acompanhar. Dom Bosco
foi introduzido também nesse ministério, mas não tinha força necessária para
esse tipo de tragédia.78
Cafasso era reconhecido e procurado como conselheiro e diretor espiri-
tual de muitas pessoas, eclesiásticas e seculares. Entre seus “clientes” estavam
autoridades do Vaticano, o arcebispo Fransoni, bispos de diversas dioceses do
Piemonte, superiores religiosos, padres em postos de autoridade, homens e
mulheres, católicos leigos com responsabilidade política. Ele foi, sobretudo,
conselheiro e mentor de padres e leigos que participavam de ministérios es-
peciais, muitos deles relacionados com o Colégio Eclesiástico. Podem-se citar
os seguintes fundadores de institutos e obras peculiares:
Beato João Luís Frederico Albert (1820-1876), padre da diocese de Tu-
rim, capelão da Corte, pároco de Lanzo, fundador das Irmãs Vicentinas de
Maria Imaculada, dedicadas à educação dos jovens e ao cuidado dos doentes
e idosos. Amigo próximo de Dom Bosco, foi instrumento do estabelecimen-
to das Escolas Salesianas em Lanzo em 1864. Recusou a nomeação episcopal.
Júlia Vitúrnia Francisca Falletti, nome de solteira Colbert, marquesa de
Barolo (1785-1864), fundadora de importantes obras de caridade, cuja causa
de beatificação está em andamento.
Cônego Jacinto Cárpano (1821-1894), um dos primeiros ajudantes de
Dom Bosco na obra do Oratório.
Cf. MB II, 364-371. A execução era um espetáculo terrível. Depois de passar a noite na “sala
78
do conforto”, apresentava-se ao condenado o verdugo, que lhe pedia perdão, colocava um laço ao
redor do seu pescoço e amarrava os seus braços às costas. O condenado era transferido ao pátio, onde
dizia uma palavra de advertência e despedia-se dos companheiros presidiários. Em seguida, subia à
carroça com o capelão. Quando o sino da morte soava na torre da cidade e os irmãos da Confraria da
Misericórdia cantavam o Miserere, começava a procissão até o lugar da execução. Um destacamento
de soldados ia à frente da carroça, enquanto o verdugo e sua equipe iam aos lados. O povo, dos dois
lados da rua, olhava ou seguia o carro até o lugar da execução. O cadafalso foi colocado em diversos
lugares no século XIX. Quando Cafasso e Dom Bosco atuavam nesse ministério, localizava-se numa
encruzilhada de Valdocco, onde hoje se eleva o monumento ao padre Cafasso, antes de ser transferido
à Cidadela, ao forte militar. Quando a procissão passava por uma igreja, detinha-se para a bênção com
o Santíssimo Sacramento (certa vez, numa parada diante da igreja de Nossa Senhora do Carmo, padre
Cafasso obteve a conversão de um assassino confesso). Após a execução na forca ou pelo pelotão de
fuzilamento, rezavam-se orações de absolvição sobre o corpo e oferecia-se uma Missa de réquiem na
igreja da Confraria da Misericórdia.
370
79
A declaração é repetida no breve pontifício que declarou Dom Bosco Venerável (ASC 160,
FDB 2,208 D11-E1).
371
372
84
Nesse exercício, seguia-se o seguinte plano: 1) Confissão, como se fosse a última. 2) Santa Missa,
como se fosse Viático. 3) Algum tempo de meditação diante do crucifixo, como se recebesse em espírito o sa-
cramento da Unção no leito de morte. 4) Récita das orações dos moribundos, enquanto se beijava o crucifixo,
como se estivesse em ponto de morte. 5) Recebimento, por intercessão de Maria, de um mês de respiro passado
na preparação para a morte sob o exame do divino juiz. O exercício da Boa Morte e sua espiritualidade como
proposto por Dom Bosco aos Salesianos e meninos será examinado num capítulo posterior.
85
MB VI, 644-648.
86
MB VI, 650.
373
374
375
376
377
Foi admirado e apreciado pela sua bondade: “Quão bom deve ser Deus
– diziam – se o bispo de Genebra é tão bom!”. Ele costumava dizer: “Caçam-
-se mais moscas com uma gota de mel do que com um barril inteiro de vina-
gre”. Esse ditado define não tanto uma estratégia utilitarista, mas o seu modo
pessoal de aproximar-se das pessoas e dirigir-se a elas.
Incansável na pregação e nos escritos, com estilo cheio de beleza e graça,
Francisco esforçou-se por ser um pastor para os fiéis e guia de muitas pessoas
desejosas de adotar a forma de vida cristã que buscavam com a sua direção.
Em Dijon, em 1604, Francisco viu uma senhora que ouvia interessada
sua pregação, Joana Francisca de Chantal, que lhe pediu que fosse seu diretor
espiritual; contudo, e isso não surpreende, Francisco queria aguardar. “Devia
conhecer plenamente a vontade de Deus. Devia estar seguro de que tudo fos-
se feito como se a Sua mão tivesse feito”. Joana estava no caminho da união
mística com Deus e Francisco era pessoalmente um místico, um místico em
ação. Três anos depois, em 1607, ele aceitou enfim organizar uma nova or-
dem religiosa e pediu que Joana de Chantal fosse o instrumento da fundação.
Ela considerou como necessário um período de discernimento. Enquanto
isso, em 1608-1609, Francisco publicou a Introdução à vida devota, em que
mostrava um caminho de santidade adequado a todas as pessoas.
Em 1610, depois de anos de discernimento, Francisco e sua filha espiri-
tual, Joana de Chantal, cofundaram a ordem da Visitação de Santa Maria. A
arte da direção espiritual é um dos grandes sucessos de Francisco. As cartas,
das quais se conservam 20 mil, oferecem uma ampla prova disso. Sua eficácia
foi não só resultado de uma verdadeira espiritualidade, mas também da sua
capacidade de falar com palavras adequadas com total “empatia”. Francisco
foi um verdadeiro místico, como demonstra amplamente o Tratado do amor
de Deus, publicado por ele em 1616. Como resultado, ele se transformou
num catalisador de renascimento espiritual, um mestre de vida espiritual e
de mística do amor de Deus. Comparava o amor de Deus ao amor humano
natural, que se une completamente ao amado. Aqueles que amam a Deus
jamais podem deixar de pensar em Deus, desejar a Deus, aspirar por Deus e
falar de Deus.
Em 1622, a pedido de Carlos Emanuel I, duque de Saboia, Francisco
aceitou mediar a reconciliação entre o duque e o rei Luís XIII da França.
Enquanto atuava para isso, morreu tranquilamente em Lyon, no dia 28 de
dezembro de 1622. Está sepultado na basílica da Visitação de Annecy.
378
379
À medida que se vai ao campo, nas zonas distantes dos centros povoados,
fica-se assombrado diante do aspecto dos camponeses. Nessas zonas, todos –
homens, mulheres e crianças – são magros, com escorbuto, demonstram-se
cansados, exaustos pela fome e pelo excesso de trabalho.3
Esta situação indigna podia ser vista por todos os lados no campo. Multi-
dões que migravam para a cidade numa marcha desesperada pela sobrevivência
foram os principais responsáveis pelo crescimento urbano. Muitos desses mi-
grantes permaneciam na cidade porque não tinham para onde retornar. Assen-
tavam-se onde podiam, especialmente nos bairros mais pobres que surgiram
ao longo dos rios Dora e Pó, ao norte e noroeste. Essa região de Turim viveu
a expansão mais significativa e rápida. Foi também a região em que, pouco a
2
Cf. Humberto Levra, “Il bisogno, il castigo, la pietà. Torino 1814-1848”. In: G. Bracco, Torino
e Don Bosco I, 20-24. Na década de 1840, no Piemonte (e não mais tarde em toda a Itália), o sistema de
crédito, base do capitalismo, ainda dava seus primeiros passos. Por isso as possibilidades de investimento
ainda eram muito limitadas. A economia italiana continuou a ser, por muito tempo, agrícola. A maior
parte do capital disponível provinha de produtos do mercado agrícola. O maior percentual de poupança
foi investido em terras; as possessões reais continuaram a ser referência nas operações de crédito para os
poucos investidores individuais. Algum capital, contudo, começou a ser investido na manufatura, na
mineração e na construção das primeiras linhas férreas durante a segunda metade do século XIX.
3
H. Levra, Il bisogno, 26-29, citando documentos oficiais.
380
O bairro do Moschino
O bairro do Moschino estendia-se ao longo do Pó até seu limite, a leste
da atual avenida São Maurício. Pertencia ao território da paróquia da Anun-
ciação, onde padre João Cocchi era coadjutor. Foi ali que ele estabeleceu o
Oratório do Anjo da Guarda em 1840.5 De qualquer ponto de vista, era o pior
bairro da cidade. Foi totalmente arrasado como parte da renovação urbana em
meados da década de 1860. Assim o descreve um autor:
O bairro do Moschino era um conjunto de tugúrios com paredes descasca-
das, escurecidas pelo tempo, que ameaçavam ruir a qualquer momento. Era
refúgio de gente viciada, inimigos de qualquer tipo de ordem, invejosos das
posses alheias, sempre dispostos a derramar sangue, inclinados à maldade por
algum instinto feroz. Ali conviviam como iguais o crime, a pobreza e a pros-
tituição. Nesta terrível cloaca, eram comuns a imoralidade escandalosa e o
vício, e normais os crimes horrorosos e assassinatos cruéis. Ali nasceu, cresceu
e ascendeu ao poder um bando de malfeitores que ameaçava a todos com o
4
H. Levra, Il bisogno, 30-43, citando documentos oficiais.
5
Padre João Cocchi foi o primeiro a criar um Oratório em Turim, intitulado ao Anjo da Guarda.
381
O bairro de Vanchiglia
Em 1841, padre Cocchi transferiu o Oratório do Moschino para um
lugar melhor, perto do bairro de Vanchiglia, pouco mais ao norte na con-
fluência dos rios Dora e Pó. Entretanto, ali as condições eram semelhantes.
Vanchiglia viveu igual epidemia de cólera, pois era uma zona em que abun-
davam poças d’água parada e por onde cruzavam vários canais e depósitos
de água suja das inundações. Não havia higiene. Corria por ali a céu aberto
o esgoto público, que chegava do centro da cidade por dois canais cobertos
até os rios.
Por antigos direitos feudais, os cônegos da Catedral usavam essas águas
para regar os campos que possuíam junto aos rios. Um dos matadouros da
cidade estava situado nesse bairro, e era uma das mais importantes fontes
de contaminação e contágio. O chefe da saúde pública assinalava que até o
palácio real, situado a curta distância ao sul, expunha-se “ao mau cheiro e
à contaminação que vinha do desventurado bairro de Vanchiglia, de modo
que as janelas do lado norte do palácio permaneciam completamente fecha-
das dia e noite”.9
G. A. Giustina, “I misteri di Torino”, citado por H. Levra, Il bisogno, 65-56; cf. também G.
6
Chiosso, L’Oratorio, 95. Lemoyne serve-se desse texto, com anotações interessantes, para descrever
o bairro de Vanchiglia (MB III, 561). A descrição é obviamente carregada e, de qualquer modo,
também tendenciosa.
7
G. Valerio, “Igiene pubblica”, citado por H. Levra, ll bisogno, 66.
8
H. Levra, Il bisogno, 66-67, citando documentos oficiais do Arquivo Histórico de Turim.
9
G. Valerio, “Igiene pubblica”, citado por H. Levra, Il bisogno, 67s.
382
383
O bairro de Valdocco
Valdocco estende-se a oeste de Borgo Dora, com o bairro de Martinetto
mais além, também a oeste. O bairro cresceu inicialmente nas décadas de
1830 e 1840. Antes de 1830, ficara praticamente vazio. As muralhas da cida-
de antiga e outras velhas estruturas foram demolidas no tempo de Napoleão
e os escombros amontoavam-se na zona pantanosa que se estendia até o rio
Dora. Para favorecer os assentamentos e a expansão da cidade para o norte,
Carlos Félix (1821-1831) aprovara a disponibilidade gratuita de terrenos pú-
blicos em favor de particulares. Mais tarde, nos anos de 1860, o subúrbio de
Valdocco rivalizaria com o de Borgo Dora. Mas por volta de 1840 Valdocco
ainda estava em crescimento. Olhando a partir da zona mais alta na direção
norte até o rio Dora, podia-se observar ao longo dos canais uma disseminação
de casas e pequenas indústrias. Os únicos edifícios de “altura elevada” eram os
edifícios do Refúgio da marquesa Barolo, com seus locais anexos e a Pequena
Casa da Divina Providência do Cottolengo.
Esses bairros ao norte abriam-se em leque até o rio Dora a partir da
grande praça e mercado popularmente chamado de Porta Palácio; o palá-
cio real elevava-se não muito distante em direção ao sul da cidade. A região
toda estava repleta de grande número de jovens e meninos, catalogados na
literatura do tempo como “pobres e abandonados”. Dom Bosco pôs-se em
10
H. Levra, Il bisogno, 64-65; mais detalhes em 68-69.
384
11
MO, 127.
12
MB III, 44.
385
E o que fazem ali esses jovens, nessas novas casas de acolhida? Primeira-
mente, recebem instrução religiosa desses padres zelosos [...], depois rezam,
recebem aulas, brincam e, ocasionalmente, se lhes dá de comer à tarde.13
Eram, portanto, jovens locais, que viviam nos subúrbios dos bairros
ao norte de Turim, tentando sobreviver com qualquer meio que lhes fosse
oferecido, ou meninos migrantes temporários, empregados marginalmente
nas construções. Todos eles eram jovens em situação de risco. Dom Bosco
ressalta que, de fato, muitos deles estiveram na prisão ou corriam o risco de
ir para a prisão. Esses jovens, alguns com mais de 15 anos,14 a maioria entre
12 e 20 anos, embora apresentassem diversos problemas pessoais e provies-
sem de várias circunstâncias familiares, pertenciam à categoria designada na
imprensa do tempo como “pobres e abandonados”. Todos os dias, mais de
mil desses meninos e jovens aglomeravam-se pelos arredores da praça e do
mercado de Porta Palácio, à espera de serem contratados ou, simplesmente,
ficavam “circulando”.15
Aos jovens mais velhos deve-se acrescentar um grande número de meni-
nos mais jovens; muitos deles trabalhando nas empresas manufatureiras. Essa
prática típica da Revolução Industrial na Inglaterra e na França já era signifi-
cativa em Turim. Os proprietários dessas empresas, para economizar dinheiro
e custos de produção, começaram a contratar grande número de meninos e
meninas de até 8 anos, como também mulheres. Em 1844, os meninos de
10 anos ou mais, jovens ainda, que trabalhavam em oficinas ou pequenas
fábricas por todo o Piemonte chegavam a 7.184. Um elevado número deles
trabalhava nas fábricas de Turim; o período de trabalho era de até 16 horas.
Num discurso feito no Parlamento, em 1850, o conde Camilo Cavour, mais
tarde primeiro- ministro, deplorava a falta de preocupação com essa situação:
“Talvez, por conveniência, tivéssemos tentado ignorar o fato de que em nos-
sas fábricas o horário de trabalho das mulheres e crianças é o dobro daquele
da Inglaterra”.16
Segundo um testemunho contemporâneo, essas crianças além de serem
exploradas viviam em situação de grande risco, expostas a toda sorte de peri-
gos físicos e morais:
13
“Scuole e sollazzi domenicali pei poveri” (Instrução e diversões dominicais para os pobres),
Letture di Famiglia 25 (junho 20, 1846) 196, citado por G. Chiosso, L’Oratorio, 91.
14
MO, 148.
15
T. Bosco, Don Bosco, 10, 11, 112.
16
Cf. P. Stella, Economia, 159-164.
386
387
Delinquência juvenil
Citando relatórios oficiais e outros escritos da época, Levra dá uma pe-
nosa relação de episódios, que se referem tanto a adultos quanto a jovens.
Descreve a resposta ineficaz das instituições, dos departamentos governamen-
tais e da polícia. Detalha, em especial, a muito extensa prática da mendicân-
cia em todas as zonas da cidade e a invasão de mais mendigos no tempo de
inverno: adultos, homens e mulheres, mães com seus filhos, famílias inteiras
e crianças por conta própria. Detalha os vários tipos de delinquência e ati-
vidade delituosa que acompanhavam inevitavelmente essas situações deses-
peradas. Comenta sobre o fracasso e a incapacidade dos hospitais públicos,
centros de acolhida para pobres e enfermos solucionarem essa necessidade,
também as instituições do Estado e da Igreja, e fala da caridade das pessoas.21
Levra continua a dar uma relação detalhada da intervenção policial para
a proteção dos cidadãos; faz notar que a atividade delituosa na cidade era em
grande parte contra a propriedade, não contra as pessoas, relacionada com o
grande desemprego e a pobreza. Também aconteciam incidentes esporádicos
19
G. Chiosso, L’Oratorio, 94-95.
20
Citando um autor contemporâneo, H. Levra dá uma descrição horripilante dessas tabernas,
em Il bisogno, 72-73.
21
H. Levra, Il bisogno, 43-61.
388
389
Meus pais morreram quando eu muito pequeno. Não tinha onde morar, nada
com que viver e ninguém que me ajudasse ou orientasse. Durante algum tem-
po trabalhei como engraxate. Logo depois, meti-me em problemas e fui pre-
so. Desde então passei o tempo em várias prisões, na do Senado e nas prisões
correcionais, em Turim e em Chivasso. Nunca estudei nem trabalhei numa
ocupação digna. Neste mundo não há nada que possa chamar de meu.26
Os bandos juvenis
Os bandos eram um capítulo especial na história da delinquência juve-
nil. Nesses anos (1830 a 1840), além da delinquência dos jovens em situação
de risco, fruto da pobreza, dos problemas familiares etc., a prática da violên-
cia e a intimidação de grupos organizados era moeda corrente.
28
C. Felloni, “Giovani”. In: G. Bracco, Torino e Don Bosco I, 106, citando relatórios policiais
de 1845.
390
C. Felloni, “Giovani”. In: G. Bracco, Torino e Don Bosco I, 109, citando documentos do
30
391
32
H. Levra, Il bisogno, 79; C. Felloni, “Giovani”. In: G. Bracco, Torino e Don Bosco I, 109.
33
P. Baricco, Torino descritta, 285.
392
393
3. Enfrentando o problema
O Estado, na década de 1840, fez um significativo esforço para reformar
as antigas estruturas correcionais. E a Igreja, o que fazia?
37
P. Stella, Economia, 168.
38
R. Audisio, La Generala, 193-194.
39
MO, 147s.
394
O texto completo da Introdução e esboço histórico dos Regulamentos do Oratório de 1854 será
41
395
396
A Casa de Saboia
Em fins do século X e inícios do XI, Humberto I (1040 c.), chamado
Mãos Brancas (conde Biancamano), talvez originário da Saxônia ou da Borgo-
nha, mantinha extensas possessões nos altos Alpes da Saboia, incluídos alguns
passos da montanha até a Itália. Foi premiado com territórios adicionais na
zona da Saboia por serviços prestados ao imperador Conrado II, que conse-
guira converter o Sacro Império Romano em Império Germânico. O conde
Humberto I é considerado, por isso, fundador da dinastia de Saboia, uma das
mais antigas dinastias reinantes na Europa (até 1946).
A Marca de Turim passou por herança a Adelaide de Susa, que se
casou com Odão, filho de Humberto I de Saboia. Turim veio a ser, assim,
domínio dos Saboia. Em 1097, Humberto II de Saboia herdou a Marca de
Turim, mas não pôde tomar posse de imediato, dominando apenas Susa e
a região alpina.
397
398
399
Casa de Saboia
400
O censo de 1833
O censo feito pelo arcebispo Fransoni em 1833, no auge da Restaura-
ção, confirma que, aos poucos, a situação do clero chegara à “normalidade”.
Quanto ao clero secular, são estas as estatísticas: havia 1.651 padres seculares
e 455.772 habitantes católicos na diocese de Turim, com a média de 1 padre
para cada 276 pessoas. Os padres, contudo, estavam muito mal distribuídos.
O vicariato de Turim contava com 526 padres, 1 para cada 199 pessoas; o
vicariato de Chieri tinha 98 padres, ou seja, 1 para cada 264 pessoas. Chieri,
porém, dispunha de muito clero religioso. O vicariato de Castelnuovo tinha
30 padres, 1 para cada 336 pessoas.
Como era lógico, nas sedes dos vicariatos havia, em geral, uma concen-
tração maior de padres. Turim tinha 482 padres para 81.550 católicos, por-
tanto, 1 padre para 169 pessoas. As zonas montanhosas, isoladas a noroeste,
possuíam número menor de padres. No vicariato de Viù, a média era de 1 pa-
dre para cada 520 pessoas. Na paróquia montanhosa de Usseglio, no mesmo
vicariato, havia apenas 1 sobrecarregado padre a serviço de 2.541 habitantes
dispersos pelas aldeias isoladas dos Alpes.43
43
A. Giraudo, Clero, 82.
401
Fico perplexo ao ver tantos padres com batina e tão poucos a trabalhar, quan-
do a messe é tão grande. Não consigo encontrar outra razão, senão a de que os
padres de classe elevada são apegados ao próprio bem-estar: os ricos desejam
desfrutar de suas riquezas. Os que possuem escassos ou poucos bens procu-
ram aumentá-los servindo nas casas da nobreza. A maior parte dos padres
vistos na cidade é deste tipo. Excelência, asseguro-lhe que se tivesse desejado
viver assim, teria de sobra para o dote, pois já tenho uma oferta garantida
desde o início, caso seguisse esse caminho.47
44
A resposta decidida de Dom Bosco à crise incluía o seguinte: abertura do Oratório como
substituto do seminário no tempo em que durou o fechamento do seminário diocesano (1849-1863),
inserção da “cláusula seminário” nas Constituições (1860, Finalidade, art. 5º), início da Obra de Maria,
Auxiliadora dos Cristãos (Filhos de Maria, 1875).
45
Para esta seção, ver A. Giraudo, Clero, 94-115.
46
Havia padres da segunda e terceira categorias que, por opção pessoal, ajudavam os que estavam
diretamente envolvidos no ministério pastoral.
47
A. Giraudo, Clero, 95.
402
403
404
Sendo assim as coisas, entende-se como era fácil para um padre obter
a aprovação do seu bispo, caso desejasse iniciar um ministério especial em
benefício do povo, sobretudo se esse trabalho não custasse dinheiro às fi-
nanças da diocese. Por isso, compreende-se que padres zelosos, como alguns
estudantes do Colégio Eclesiástico, Dom Bosco entre eles, reivindicassem mi-
nistérios especiais fora das estruturas diocesanas e paroquiais, sem mandato
expresso do arcebispo.
48
P. Stella, Il prete piemontese, 92; Sussidi 2, 31.
405
OS INÍCIOS DO ORATÓRIO
DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
406
Dom Bosco perguntava-se se poderia fazer alguma coisa por eles. Depois
de conversar com padre Cafasso, estabeleceu um plano: começar a reunir os
jovens e cuidar deles:
Mal entrei no Colégio de São Francisco, vi-me logo cercado por um bando
de meninos que me acompanhavam em ruas e praças, até mesmo na sacristia
da igreja do instituto. Não podia, entretanto, cuidar deles diretamente por
falta de local. Um feliz encontro proporcionou-me a oportunidade de tentar
a concretização do projeto em favor dos meninos que erravam pelas ruas da
cidade, sobretudo dos que deixavam as prisões.3
2
MO, 120-121.
3
MO, 122.
4
MO, 125.
5
MO, 126.
407
408
Mal entrei no Colégio de São Francisco, vi-me logo cercado por Inícios do Oratório
um bando de meninos que me acompanhavam em ruas e praças, No ano... Dom Bosco encontrava-se no
até mesmo na sacristia da igreja do instituto. Não podia, entretan- Colégio de São Francisco de Assis.
to, cuidar deles diretamente por falta de local. Um feliz encontro
proporcionou-me a oportunidade de tentar a concretização do No dia da festa da Imaculada Conceição,
projeto em favor dos meninos que erravam pelas ruas da cidade, quando estava se vestindo para a Santa
sobretudo dos que deixavam as prisões. Missa, observou um rapazinho de 15-16
No dia solene da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro anos de idade que ia de um lado a outro na
de 1841, estava, à hora marcada, vestindo-me com os sagrados sacristia, esperando para ouvir Missa.
paramentos para celebrar a santa missa. O sacristão perguntou-lhe se poderia aju-
O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, con- dar a Missa.
vidou-o a ajudar-me a Missa. Quando o rapazinho respondeu que não
– Não sei – respondeu ele, todo mortificado. sabia fazê-lo, o sacristão pegou o espanador
– Vem – replicou o outro –, tens de ajudar. e desferiu-lhe um par de golpes na cabe-
– Não sei – retorquiu o rapaz – nunca ajudei. ça perguntando-lhe, irado (e exigindo-lhe
– És um animal – disse o sacristão enfurecido. – Se não sabes que soubesse), o que estava fazendo ali.
ajudar a missa, que vens fazer na sacristia?
E, assim dizendo, tomou do espanador e começou a desferir gol- Dom Bosco ouviu (a rixa) e perguntou ao
pes nas costas e na cabeça do pobrezinho. sacristão:
Enquanto este fugia, gritei em voz alta: – Por que o tratas assim?
– Que está fazendo? Por que bater nele desse jeito? Que é que ele fez? – Tu o conheces? Replicou o sacristão.
– Se não sabe ajudar a missa, por que vem à sacristia? – Sim, disse Dom Bosco, conheço-o; é
– Mas você agiu mal. meu amigo.
– E que lhe importa? Só o conhecia por tê-lo visto apenas uns
– Importa muito, é um meu amigo; chame-o imediatamente, minutos antes.
preciso falar com ele.
– Oi, rapaz! – pôs-se a chamar; e correndo atrás dele e garantindo- Então, o sacristão disse ao rapaz:
-lhe melhor tratamento trouxe-o para junto de mim. – Vem, Dom Bosco quer falar contigo.
O rapaz aproximou-se a tremer e a chorar pelas pancadas re-
cebidas. O rapaz aproximou-se. Dom Bosco per-
– Já ouviste missa? – disse-lhe com a maior amabilidade que pude. guntou-lhe se tinha ouvido a Missa.
– Não – respondeu.
– Vem então ouvi-la. Depois gostaria de falar de um negócio que – Não, respondeu.
vai-te agradar. – Vem, ouça a Missa com devoção, disse-
Prometeu. Era meu desejo aliviar o sofrimento do pobrezinho e -lhe Dom Bosco. Volta depois, porque
não deixá-lo com a má impressão que lhe causara o sacristão. preciso dizer-te algo muito importante.
Celebrada a santa Missa e terminada a ação de graças, levei o rapaz
ao coro. Com um sorriso no rosto e garantindo-lhe que já não Quando terminou a Missa, o rapaz encon-
devia recear novas pancadas, comecei a interrogá-lo assim: trou-se com Dom Bosco na sacristia.
Meu bom amigo, como te chamas?
– Bartolomeu Garelli. – Como te chamas? Perguntou-lhe Dom
– De onde és? Bosco.
– De Asti. – N. N. – foi a resposta.
7
MO, 122.
8
ASC A012: Cronica, Ruffino, Caderninho 1, 28-30 (1860): MB II, 70.
409
410
411
(Cenário 1) (Cenário 1)
[Padre Cafasso] Começou primeiro por levar- Este Oratório, ou seja, a reunião de jo-
-me às prisões, onde pude logo verificar como vens aos domingos e dias festivos teve seu
é grande a malícia e a miséria dos homens início na igreja de São Francisco de Assis.
[...]. Ver turmas de jovens, de 12 a 18 anos, Durante muitos anos, no verão, padre
todos eles são robustos e de vivo engenho, José Cafasso costumava ensinar o cate-
mas sem nada fazer, picados pelos insetos, à cismo aos domingos para os aprendizes
míngua de pão espiritual e temporal, foi algo de pedreiro num pequeno local anexo à
que me horrorizou [...]. Qual não foi, porém, sacristia da igreja.
minha admiração e surpresa quando percebi As muitas obrigações pelas quais era res-
que muitos deles saíam com firme propósi- ponsável levou-o a interromper esse tra-
to de vida melhor e, não obstante, voltavam balho que tanto apreciava. Eu o assumi
logo à prisão, da qual haviam saído poucos em fins de 1841, e comecei a reunir no
dias antes. mesmo lugar alguns jovens adultos que
Nessas ocasiões descobri que muitos volta- tinham séria necessidade de instrução
vam àquele lugar porque abandonados a si religiosa. Uniram-se a eles outros mais,
próprios. e durante o ano de 1842 o seu número
(Dom Bosco comenta o assunto com padre chegara a 20, e algumas vezes, a 25.
Cafasso e faz um plano.) Desde o início eu aprendi duas verdades
muito importantes: os jovens, em geral,
(Cenário 2) não são maus por si mesmos, mas muito
Mal entrei no Colégio de S. Francisco, vi- frequentemente chegam a ser assim pelo
-me logo cercado por um bando de meninos contato com gente ruim; e os maus ra-
que me acompanhavam em ruas e praças, até pazes, quando se afastam das más com-
mesmo na sacristia da igreja do instituto. Não panhias, podem mudar profundamente.
podia, entretanto, cuidar deles diretamente Em 1843, as aulas de catecismo continu-
por falta de local. Um feliz encontro propor- aram do mesmo modo, e o número che-
cionou-me a oportunidade de tentar a con- gou a cinquenta. Eram os que podiam se
cretização do projeto em favor dos meninos acomodar no local que me deram.
que erravam pelas ruas da cidade, sobretudo
dos que deixavam as prisões. (Cenário 2)
No dia solene da Imaculada Conceição de Ao mesmo tempo (in questo frattempo),
Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à hora ao visitar as prisões de Turim, pude per-
marcada, vestindo-me com os sagrados para- ceber que os pobres desafortunados que
mentos para celebrar a santa Missa. O sacris- entravam naqueles lugares de castigo são,
tão José Comotti, vendo um rapazinho a um em geral, pobres jovens que vêm de longe
canto, convidou-o a ajudar-me a missa. à cidade em busca de trabalho ou incenti-
(Segue a história de Garelli, que termina com vados por algum mau companheiro.
a instrução catequética e eventualmente com
a confissão e comunhão [ver anteriormente].)
12
MO, 120. 121. 122.
13
Cf. P. Braido, Don Bosco per i giovani, 34-36.
412
413
Eclesiástico não é tão claramente documentada como se desejaria. Dom Bosco assumiu a instrução
catequética ou simplesmente ajudava o padre Cafasso ou trabalhava em colaboração com os demais?
Uma coisa parece certa: os padres do Colégio Eclesiástico mantiveram as aulas de catequese na igreja
de São Francisco de Assis, ainda antes de Dom Bosco ser envolvido, e continuaram a fazê-lo depois de
Dom Bosco o deixar em 1844. O testemunho dado sobre isso por João Antônio Bargetto no processo
de Beatificação do padre Cafasso tem o seu interesse: “Aos domingos (Dom Bosco) reunia os meninos
que encontrava pelas praças e ruas no pátio do Colégio Eclesiástico. O Venerável (padre Cafasso) por
sua vez, esperava-os e, numa hora determinada, ensinava-lhes catecismo na capela de São Boaventura.
Nessa época eu não estive por muito tempo no Colégio, pois trabalhava como ajudante na cozinha e,
ocasionalmente, levava comida da cozinha àqueles meninos”. Cf. MO Silva, 12-13.
414
415
redigidas, teria um caráter quase oficial. Dom Bosco indica assim que os contatos
com jovens em situação de risco se deram nas prisões. O Oratório começou com
a instrução religiosa dos “jovens que saíram da prisão” e “que perambulavam pelas
praças” ou que estavam empregados “nas fábricas”. Essa encenação difere também
da história de Garelli, porque parece que Dom Bosco alude a um grupo de jovens.17
3. A “tradição” Garelli
A narração das Memórias (1874) sobre o início do Oratório (1841) apre-
senta Bartolomeu Garelli com um papel proeminente. Apesar disso, nem
a sua história nem o seu nome aparecem nos documentos salesianos, pu-
blicados ou não, anteriores às Memórias de meados de 1870, exceto o fato
concreto (mas sem nome nem data) nos citados relatos da crônica do padre
Ruffino, de 1860. A menção da história pelo padre Ruffino demonstraria que
Dom Bosco, já em 1860, falara do episódio sem mencionar, talvez, o nome
do menino, em relação com a festa da Imaculada Conceição, para fixar a data
do início do Oratório.
Contudo, novamente, nem a história nem o nome de Garelli são lembra-
dos pelos antigos alunos do Oratório em suas reuniões e celebrações anuais;
na verdade, não há qualquer referência ao fato ou ao nome nas lembranças
deixadas por José e Josué Buzzetti, dois irmãos que frequentaram regularmente
o Oratório nos primeiros tempos.
Quanto ao conhecimento da história pelo público e à sua tradição na
literatura salesiana, se deverá levar em consideração o que segue. Padre Le-
moyne sucedeu ao padre Ruffino, depois da morte deste em 1865, como
diretor do colégio salesiano de Lanzo. Encontrou e transcreveu os cinco
caderninhos da Crônica de Ruffino; não se sabe o que pode ter feito com a
passagem em questão. É provável que só arquivasse os caderninhos da crôni-
ca para futuras referências.
As Memórias também não foram escritas para publicação. Contudo, padre
Bonetti serviu-se delas para a sua História do Oratório, publicada em capítulos
no Boletim Salesiano ao longo de vários anos. A história de Garelli veio a pú-
blico pela primeira vez no Boletim Salesiano de 1879,18 inaugurando a tradição
épica na qual um órfão de Asti foi consagrado como herói mítico. O diálogo
entre Dom Bosco e Garelli, relatado nas Memórias de Dom Bosco e transcrito
na História de Bonetti, alcançou assim o caráter de texto “sagrado” que deve
ser reverentemente recordado e narrado para as futuras gerações de Salesianos.
17
Para o conceito de início em grupo, ver as notas 23 e 24.
18
J. Bonetti, “Storia”, Bollettino Salesiano 3:1 (1879), 6-8.
416
O nome “Garelli”
É curioso que no rascunho original das Memórias, Dom Bosco, depois
de ter escrito Bartolomeu, acrescentou um “N”, não um “G”: “Chamo-me
Bartolomeu N.”.22 Dom Bosco pretenderia deixar o jovem no anonimato
(“N” para qualquer nome) ou este “N” era a letra inicial de algum outro
nome? (Para o “objetivo” da história, qualquer nome ficaria bem). Pesquisas
feitas nos documentos da cidade e da diocese de Asti não encontraram nin-
guém chamado Bartolomeu Garelli que tivesse nascido nos anos 1824-1825.
Em vista disso, pode-se perguntar se é possível dar ou não crédito a algu-
mas informações segundo as quais se supõe que Bartolomeu Garelli reapareceu
no Oratório em 1855 ou 1856 e, depois de uma longa ausência da sua cidade
natal, voltou nos encontros de alunos depois de 1890. É possível que essas “apa-
rições” de Garelli tivessem sua origem na tendência de dar suporte concreto à
tradição de um fato e de uma pessoa que tinham grande importância.23
417
24
“O início desta Sociedade”. In: F. Motto, Costituzioni, 62. Cf. MB V, 931. A mesma descrição é
dada em: Notitia brevi Societatis Sancti Francisci Salesii et nonnulla decreta ad eamdem spectantia. Turim: Tip.
del Oratorio de San Francisco de Sales, 1868, cf. OE XVIII, 571-586. Ms. Don Bosco, em ASC A220ss:
Autogr. Soc. Sal.: FDB 1,925, E1-10, em De Societate San Francisci Salesii brevis notitia et nonnulla decreta
ad eamdem spectantia. Turim: Tip. del Oratorio de San Francisco de Sales, 1873, cf. OE XXV, 103-121.
25
“Breve relato sobre a Sociedade de São Francisco de Sales (1864)”, cf. MB VII, 890.
418
Esta Sociedade teve seus inícios numa simples aula de catecismo, que o pa-
dre João Bosco, com o consentimento dos padres Luís Guala e José Cafasso,
ambos de perpétua e digna memória, começou num local adequado, anexo
à igreja de São Francisco de Assis. Sua finalidade era reunir os meninos mais
pobres e marginalizados e cuidar deles nos dias festivos com exercícios de
piedade, cânticos sacros e entretenimentos agradáveis. Tinha-se consideração
especial pelos que saíam das prisões e se viam expostos a mais perigos. A
experiência resultou satisfatória e contava com um notável número de jovens,
enquanto o permitia a capacidade do lugar.27
26
Società di San Francesco di Sales, cf. ASC A220ss: Autogr. Soc. Sal. FDB 1, 925 A12-83, cf.
MB VIII, 809-810.
27
Cenno storico intorno alla Società di San Francesco di Sales (1868), cf. ASC A220ss, Autogr. Soc.
Sal., FDB 1, 924 D11-E3-6 (Ms. de Dom Bosco). Cf. MB VIII, 63-64.
28
Stato religioso-materiale della società di San Francesco di Sales sul principio dell’anno 1870, em
ASC A 220ss: Autogr. Soc. Sal., FDB 1, 925 C3-11 (Ms. de Dom Bosco).
29
“Cose da notarsi intorno alle Constitucioni della Società di San Francesco di Sales”. In: F.
Motto, Costituzioni, 229. Cf. MB VII, 622-623.
419
Havia Oratórios em todos os lugares, sendo a maior parte ligada às paróquias. Em 1850, fun-
30
cionavam em Milão não menos de 15 oratórios, alguns dos quais tinha mais de um século. Oratórios
similares estabeleceram-se em Bérgamo e Bréscia, por exemplo, o do padre Ludovico Pavoni (1784-
1849), e em Marselha (França), do padre J. Allemand (1772-1836), e em outros lugares.
420
31
O Educador 3 (1847) 762-765. Padre Roberto Murialdo (1815-1883) era primo mais velho
de São Leonardo Murialdo (1828-1900), fundador da Sociedade de São José. Roberto Murialdo foi
um ativo colaborador da obra do Oratório e de outras obras de caridade. Associou-se ao padre Cocchi
desde os inícios e trabalhou com ele no Oratório, onde demonstrou grande habilidade para tratar
com os bandos, e em obras posteriores. Também ajudou Dom Bosco e foi um dos que o apoiaram na
compra da propriedade Pinardi.
421
O Oratório do Anjo da Guarda foi o terceiro de Dom Bosco (1849), depois do Oratório de
32
São Luís (1847) e do Oratório de São Francisco de Sales (1844-1846). Padre Roberto Murialdo conti-
nuou a dirigi-lo até 1850 (1851- ?). Cf. P. Stella, Economia, 172.
33
P. Stella, Economia, 65, 120, 169.
422
34
Padre Pedro Ponte (1821-1892) foi secretário da marquesa Barolo e capelão das Irmãs de
Sant’Ana. Viveu por algum tempo no Oratório de Dom Bosco (1847-1848). Sucedeu ao padre Jacinto
Cárpano como diretor do Oratório de São Luís. Entrou em choque com Dom Bosco por motivos de
política e pela administração do Oratório e outras atividades. Cf. MB IV, 310, 368. Ele é frequente-
mente mencionado na biografia da marquesa Barolo, escrita pela segunda superiora geral das Irmãs de
Sant’Ana, Maria Henriqueta Dominici (1829-1896).
35
O salesiano padre Francisco Dalmazzo, que sucedeu ao padre Cocchi como reitor do seminá-
rio, morreria pouco depois pelas mãos de um seminarista.
423
36
O panegírico do padre Cocchi foi publicado no Bollettino Salesiano 20 (1896) 49.
424
1
Uma carta da marquesa Barolo ao teólogo Borel, de 18 de maio de 1846, dá a entender que o teó-
logo Borel (atuando pela marquesa) selecionara Dom Bosco para o cargo de capelão no Pequeno Hospital.
2
MB II, 38-49.
425
Dom Bosco fala, nas Memórias, de uma segunda crise que, de fato, supõe
um compromisso com os jovens e tinha a ver diretamente com a continuidade
do Oratório. Circunstâncias externas pareciam militar contra. Instada por Ca-
fasso e com a mediação do teólogo Borel, a marquesa Barolo ofereceu-lhe um
trabalho remunerado, pelo qual Dom Bosco se comprometia a ser capelão no
Pequeno Hospital, ainda em construção; enquanto isso ajudaria o teólogo Borel
no Refúgio, que era um lar para cerca de 400 “meninas pobres e abandonadas”.
A falta de locais adequados, como também o sério compromisso com o Refúgio
da marquesa, parecia descartar qualquer trabalho no Oratório. Contudo, sua
resposta foi clara diante da pergunta do padre Cafasso sobre o que ele pensava a
respeito: “Minha propensão é cuidar da juventude [...]. Neste momento parece-
-me estar no meio de uma multidão de jovens que me pedem ajuda”.3
Padre Cafasso limitou-se a aconselhar a Dom Bosco que aceitasse a
capelania do Pequeno Hospital da marquesa Barolo, fosse ajudar o teólogo
Borel e vivesse com ele. Cafasso garantiu-lhe: “Entretanto, Deus lhe mos-
trará o que deve fazer pela juventude”.4 Manteria sua atividade no pequeno
Oratório de São Francisco de Assis, uma experiência esplêndida, com a espe-
rança de que, com o tempo, Deus tornaria possível a continuidade da obra.
Dom Bosco, então, aceitou a oferta.
O teólogo Borel sugeriu que enquanto perdurasse a situação, deveriam
reunir os meninos, ao menos alguns, em seus aposentos no Refúgio. Contudo,
devido à situação, a solução não era muito tranquilizadora, como Dom Bosco
reconheceu nas Memórias.5 Pode-se perceber ainda a angústia daquele momento
nas palavras usadas pelo padre Barberis ao narrar a história trinta anos depois.
Dom Bosco não teve coragem de dissolver o grupo de meninos tão afei-
çoados a ele em São Francisco de Assis, e, quando estava pensando em disper-
sar o Oratório, voltou a repetir-se o sonho da vocação.
MO, 131.
3
MO, 132. Para um resumo biográfico do teólogo Borel, cf. apêndice no final do capítulo.
4
5
MO, 132 (MB II, 297-298).
6
As instituições da marquesa Barolo situavam-se fora da cidade, ao norte, perto da Pequena Casa
da Providência. São Francisco de Assis estava no lado sul da cidade.
426
mir com o coração inquieto. Tive então outro sonho, que parece um apêndice
do que tive nos Becchi, aos 9 anos. Julgo oportuno contá-lo em pormenores.
MO, 134.
7
9
Documenti II, 148-149; FDB 972 B3-4.
10
MB II, 243-244.
11
ASC A000-03: Cronachetta de Barberis, FDB 866 B10-C1, rascunho “original”; rascunhos
concluídos: ASC A014ss: Sogni-Barberis, FDB 1279 C6-11.
12
Documenti II, 189-190, FDB 972 E8-9.
13
MB II, 297-298.
427
14
Documenti II, 157, FDB 972 B11-12.
15
MB II, 341-342.
16
Além disso, Lemoyne, ao transcrever as palavras contidas no relato, leu equivocadamente o
texto do padre Berto: “Posteriormente, relacionado com outro sonho, este (sonho) serviu inclusive como
origem das minhas decisões no Refúgio”. As palavras “no Refúgio” [presso il Rifugio] pertencem ao título
da sessão seguinte de Berto. Nesse momento, Dom Bosco ao falar da saída do Colégio Eclesiástico e do
Refúgio da marquesa Barolo, riscou o que tinha escrito inicialmente, “em Valdocco” (onde se situava a
obra da Barolo), e preferiu escrever “no Refúgio” (presso il Rifugio). A intenção das palavras de Dom Bos-
co era que o sonho tinha significado vocacional, mas não para as decisões que devia tomar no Refúgio.
428
17
Em 1875, Lemoyne vivia em Lanzo, onde era diretor desde 1865. Apesar disso, Barberis diz-
-nos que mais tarde Dom Bosco relatou o sonho a outros salesianos, a Lemoyne, em particular (G.
Barberis, Il culto a Maria Ausiliatrice. Turim: SEI, 1920, 53). Aqui, depois de transcrever seu relato
da narração de Dom Bosco em vista da compra do Campo dos Sonhos, local em que foi construída
a igreja de Maria Auxiliadora (1866-1868), Barberis escreve: “Até aqui, o meu relato. Mais tarde, o
Venerável [Dom Bosco] contou a mesma história a outros salesianos, especialmente ao padre Lemoyne,
acrescentando alguns detalhes. Este último serviu-se do meu relato, que ele mesmo ouviu de Dom
Bosco. Desse modo, compilou um relato mais detalhado dos acontecimentos em vista da biografia do
Venerável, da qual ele é o autor”. Esses detalhes adicionais não se referem à narração do sonho propria-
mente dito, exceto algumas matérias como as trazidas em MB VII, 236, 242.
18
Aquele que parece ser o rascunho “original” de Barberis é, na verdade, uma entrada intitulada
“2 de fevereiro de 1875” em sua coleção, Notizie dei primi tempi (temas variados dos primeiros tempos
do Oratório). Esse relato foi depois ampliado e “completado” por Barberis. Para essa operação, ele tra-
balhou sobre uma boa transcrição (com outra letra de amanuense), que anotou e corrigiu profusamente.
O texto, parece, era a versão final de Barberis. Desse rascunho “concluído” derivaram outras cópias
fidedignas. O texto usado por Lemoyne, tanto nos Documenti como nas Memórias Biográficas é um texto
derivado. A redação original é simples, mas escrita densamente com letra de Barberis, com pouquíssimas
correções. Sublinhe-se que lhe faltam as cenas do sonho nas quais são mostrados a Dom Bosco igrejas e
edifícios; não obstante, informa sobre a cena onde a Senhora indica o lugar exato do martírio [Notizie
varie dei primi tempi dell’Oratorio su D. Bosco etc. II-12, “2 febbraio 1875” em ASC A000ss: Cronachette,
Barberis, FDB 892 A11-12]. Esse documento apresenta um cansativo e duplo sinal no início de cada
linha, que pretende indicar o uso do texto de Lemoyne. O relato “completo” de Barberis está em ASC
A000ss: Cronachette, Barberis, “Sogni diversi a Lanzo”, FDB 866 B 10-C1. Um dos aspectos desse texto
é que ele apresenta uma descrição mais detalhada do relacionamento de Dom Bosco com os rosminianos
para a recompra do Campo dos Sonhos. Cópias derivadas (todas virtualmente idênticas) estão em ASC
A014-19: Sogni-Barberis, “Il nastro biancho + Revelazione della Congregazione” (cópia caligráfica),
FDB 1279 C6-11 y 1282 E8-1283 A1; ASC A014ss: Sogni-Lemoyne, “Visione riguardante la Congra-
gazione” (com caligrafia de Lemoyne), FDB 1314 B10- C5. Este, o último texto, deveria ser considera-
do a fonte imediata da narrativa de Lemoyne nos Documenti e nas Memórias Biográficas.
429
19
O cônsul é João Batista Gazzolo, valioso mediador para levar os salesianos à Argentina em
1875. Os Occelletti viviam em São Salvário, bairro do extremo sul da cidade. Em 1847, o Oratório de
São Luís localizava-se nos limites desse bairro; a igreja de São João Evangelista seria ali inaugurada em
1882. Em 1859, o cavalheiro Carlos Occelletti iniciou, em sua própria residência, o Oratório de São
José; mais tarde, os salesianos acabaram por assumi-lo. O noviciado que fora fundado recentemente
estava em São Benigno; oficialmente, foi aberto em 1876.
430
431
menciona a pesquisa, feita a seu pedido, pelo cônego Lourenço Gastaldi sobre
os Santos Mártires.20 [5] Mais adiante, Dom Bosco continua a descrever os pla-
nos para a Igreja de Maria Auxiliadora, que considera a realização do sonho de
1844, e a reaquisição do terreno (o “prado dos sonhos”) das mãos dos rosminia-
nos.21 [6] Há, enfim, um comentário de Dom Bosco sobre a praça e um monu-
mento. Nota-se, a esta altura, uma curiosa diferença entre o relato “completo”
de Barberis e o texto dos Documenti e das Memórias Biográficas. Em Barberis,
o comentário acrescentado diz: “Diante da Igreja que a Bendita Virgem me
indicou, estendia-se uma bela praça com um monumento no centro. Agora, es-
perarei e comprovarei se todas essas coisas serão realizadas”.22 Em Lemoyne, não
há menção da praça, enquanto o monumento situa-se no centro do complexo
do Oratório, ao redor da igreja. Ele escreve: “Vi depois uma grande igreja que
se elevava no lugar exato [do martírio] [...]. Havia muitos edifícios ao redor da
igreja e, no centro, erguia-se um precioso monumento”.
20
A pesquisa do cônego Gastaldi sobre os Santos Mártires foi publicada anonimamente nas
Leituras Católicas como Memórias históricas do martírio e culto dos Santíssimos Mártires Solutor, Aventor
e Otávio, Protetores da cidade de Turim. Recolhidas por um padre de Turim (Leituras Católicas XIV:
1º de janeiro de 1866), 42-43. No relato de Barberis, Dom Bosco menciona apenas dois mártires, pois
um dos três fugira e, mais tarde, aprisionado, foi martirizado em Ivrea. Nas Memórias Biográficas, a
seção sobre o martírio e a pesquisa de Gastaldi é comentada amplamente. Lemoyne serve-se tanto da
informação obtida da publicação de Gastaldi sobre o tema, como do conhecimento que os salesianos ti-
nham do mesmo. Em seguida, atribui totalmente a Dom Bosco a explicação relativa ao lugar do martí-
rio. Parece que Gastaldi desejava ampliar oralmente aos salesianos aquilo que escrevera de maneira mais
sucinta. Talvez seja essa a origem da tradição salesiana mais detalhada da localização. O cônego conclui
que é historicamente possível que o martírio tivesse acontecido no interior dos muros do Oratório (!).
Cf. E. Valentini, “Hic domus mea: história do santuário de Maria Auxiliadora em Turim (1868-1968)”,
para ajudar os cristãos, Mãe da Igreja. No Centenário da Consagração da Basílica de Turim, 9 de junho de
1868. Academia Mariana VII, Zurique: PAS-Verlag, 1968, 96-99. A crença de que soldados cristãos da
Legião Tebana Romana sofreram o martírio na região de Turim não tem fundamento histórico.
21
Em 20 de junho de 1850, Dom Bosco adquirira o terreno, cujo proprietário era o seminário
arquiepiscopal. Contudo, num momento de grande necessidade, em 10 de abril de 1845, revendera-o
ao padre Antônio Rosmini. O abade Rosmini tentou mais tarde edificar ali uma casa e, assim, introdu-
zir em Turim a sua Congregação Instituto da Caridade. Pretendia, também, dispor de padres para aju-
dar Dom Bosco. Contudo, o plano foi abandonado com a morte de Rosmini em 1855. Com o passar
do tempo, o terreno foi posto à venda. Nos inícios de 1863, Dom Bosco precisava de um terreno para
a igreja de Maria Auxiliadora; mediante um artifício, recomprou a propriedade. O terreno chegou a
ser conhecido mais tarde como o “prado dos sonhos”, pois Dom Bosco o identificou com o campo que
vira no Sonho de 1844, como também identificou a igreja de Maria Auxiliadora com aquela que vira
no sonho. Poder-se-ia perguntar: “Se o campo tinha tanto significado, por que Dom Bosco o vendeu
em 1854, dez anos depois do sonho?”. Nas Memórias Biográficas, omite-se o relato sobre a localização
da igreja de Maria Auxiliadora e a recompra do terreno aos rosminianos. Mais tarde, aparece redigida e
ampliada em seu contexto histórico mais apropriado: em 1863, quando estava para iniciar a construção
da igreja de Maria Auxiliadora (MB VII, 243-254 e 380-381).
22
É evidente que Dom Bosco não falava de um monumento a si mesmo! Entretanto, é o que
entendeu a tradição biográfica salesiana, como os Ex-Alunos Salesianos que decidiram erigir o monu-
mento na praça, iniciado em 1915 e inaugurado em 1920, depois da Primeira Guerra Mundial.
432
O “Outro Sonho”
Depois de relatar o sonho de 1844 nas Memórias, Dom Bosco escreve: “Pos-
teriormente, junto com outro sonho, serviu-me de programa em minhas decisões”.
É evidente que este “outro” sonho não pode ser identificado com o
“outro” sonho dos Santos Mártires. É motivo de especulação qual foi este
“outro Sonho”, e quando aconteceu.
433
434
O resumo seguinte corrige, em parte, o relato das Memórias de Dom Bosco [MO 138-152] e
26
435
27
Sebastião Pacchiotti (1806-1886), depois de trabalhar por algum tempo como padre assisten-
te, assumiu o lugar de capelão do Refúgio, associado ao teólogo Borel. Também ele, como o teólogo
Borel, trabalhou com Dom Bosco no Oratório. Ao retornar à cidade natal, Giaveno (perto de Turim),
foi nomeado cônego e conselheiro por vinte e cinco anos. Foi-lhe concedido o título de Cavalheiro da
Real Ordem dos Santos Maurício e Lázaro. Seu túmulo, no cemitério de Giaveno, traz a inscrição: “Foi
amado por todos pela sua bondade sem limites e pela sua mansidão”.
436
28
Durante a permanência no Pequeno Hospital, segundo uma versão, Dom Bosco deu início às
aulas noturnas para jovens. Segundo outras versões, as aulas noturnas começaram mais tarde, na casa
Moretta, ou, talvez, depois do seu estabelecimento na casa Pinardi. A finalidade das aulas noturnas era
iniciar os jovens na leitura por meio do estudo do catecismo, de modo que adquirissem por si mesmos
as ferramentas para obter a formação religiosa.
29
MO, 137. Estas palavras de Dom Bosco parecem indicar que, embora São Francisco de Sales
devesse ser o patrono “oficial” dos padres da marquesa Barolo, o santo, um dos principais patronos
do Colégio Eclesiástico, tinha-se convertido em patrono especial dos padres ocupados no trabalho do
Oratório desde que se transferiram de São Francisco de Assis.
30
Nas Memórias e em outros escritos, Dom Bosco localiza o episódio de São Pedro in vincoli
depois da passagem por São Martinho, junto aos moinhos do Dora (MO, 138-145), um lapso cronoló-
gico corrigido com documentos oficiais. A reconstrução de Motto demonstra o caráter melodramático
da apresentação de Dom Bosco em suas Memórias (MO, 143-144).
437
ainda era atendida por um capelão residente, nomeado pela Prefeitura da cidade.
O capelão era o padre Jose Tésio; a doméstica era Margarida Sussolino.
A “retirada” do cemitério deve-se a uma ordem da Prefeitura, que proi-
bia qualquer tipo de reuniões, motivada provavelmente pelo devido respeito
aos mortos. O capelão não interveio no assunto, pois o cemitério estava sob
a jurisdição da Prefeitura. Motto faz a seguinte reconstrução documentada:
1. Durante a Quaresma de 1845 (a Páscoa caiu em 3 de março), o
Oratório de São Francisco de Sales continuou a reunir-se no Pe-
queno Hospital para a instrução catequética.
2. Nos inícios de maio, a Prefeitura permitiu à Congregação Cate-
quética de Santa Pelágia o uso da Capela de São Pedro in vincoli,
para a récita do ofício dos defuntos. A Prefeitura decidiu proibir
qualquer acesso à capela, o que se tornou efetivo a partir de 23 de
maio. A ordem, contudo, só seria publicada na semana de 26 de
maio a 1º de junho.
3. Entre 18 de 22 de maio, ou seja, antes da proibição, Dom Bosco
obteve das autoridades civis e religiosas, inclusive do capelão, a
permissão para usar o local. O Oratório reuniu-se em São Pedro
in vincoli no domingo 25 de maio, ou seja, depois da proibição,
mas antes da sua publicação. Quando o capelão, padre Tésio, vol-
tou para casa à noite e ouviu o relato da doméstica sobre a mul-
tidão desordenada de meninos, escreveu ao Conselho da cidade
uma carta contrária [à permissão], o que pode ter influído nas
decisões subsequentes.
4. A semana de 26 de maio a 1º de junho foi cheia de aconteci-
mentos lutuosos. Padre Tésio morreu de apoplexia, aos 68 anos
de idade. Sua morte acontecida na quarta-feira, 28 de maio, está
registrada em Turim. Entretanto, a morte da doméstica não está
registrada. Após a morte do capelão, deve ter-se afastado de Turim
para algum lugar desconhecido, quem sabe sua cidade natal.
5. Em 29 de maio, padre Cafasso recomendou Dom Bosco para o lu-
gar de capelão de São Pedro in vincoli; no dia seguinte, Dom Bosco
apresentou o seu pedido à Prefeitura, apoiado pelos padres Borel e
Pacchiotti, mas o pedido foi recusado. Mais tarde, em 19 de junho,
um dos 17 candidatos aspirantes ao cargo foi nomeado capelão.
6. No domingo, 1º de junho, foi colocada no quadro de avisos uma
ordem do Conselho da cidade que proibia reuniões na igreja de
São Pedro in vincoli.
438
439
31
F. Motto, L’Oratorio, 218-219; MB II, 24-344.
32
MO, 141. Dom Bosco atribui o sermão ao teólogo Borel. Bonetti, na História do Oratório, acom-
panha as Memórias ao pé da letra, mas os editores da História do padre Bonetti em formato de livro (Cinque
lustri) atribuem o sermão a Dom Bosco, como também o faz Lemoyne (MB II, 135-138). Os arquivos
centrais conservam os manuscritos em clara caligrafia de Borel (MO, 141; MO-Ce, 143-144). Quanto às
“couves”, é preciso levar em conta que a permanência do Oratório em São Martinho deu continuidade,
embora não imediatamente, ao episódio de São Pedro in vincoli, que era conhecido popularmente como
“São Pedro das couves”, devido ao mercado da hortaliça que existia nas proximidades.
33
A história melodramática da morte do secretário autor da carta de proibição das reuniões em
São Martinho (MO 142-143), como a morte do padre Tésio e da sua doméstica no episódio anterior,
implicam uma “teologia” do castigo, comum naqueles tempos. Não se deve ver na proibição de publi-
car o nome do secretário “um exemplo da esmerada delicadeza do Santo” [MO, 143; nota 199; MO,
Ceria, 147, linha 104].
440
MO Silva, 141.
34
Os irmãos Filippi eram agricultores na região e possuíam uma casa e uma faixa de terra bas-
35
tante grande, que rodeava a norte e leste a propriedade Pinardi, onde o Oratório se localizou definiti-
vamente. Pinardi havia comprado o seu pedaço de terra aos irmãos Filippi.
441
36
Atestam-no E. Valentini, “La vita di comunità nella tradizione salesiana dei primi tempi”. In:
La comunitá salesiana. Turim-Leumann: LDC, 1973, 16, nota 8; P. Stella, Economia, 623; P. Braido,
Don Bosco nella Chiesa, 41, nota 99.
37
Por exemplo, na lista de jovens nascidos em 1801, que se podiam arrolar na milícia: Borel,
João Luis Teobaldo Maria [...] - 1º de julho - “diocesano”. Igualmente, no censo do clero realizado em
1873 pelo arcebispo Gastaldi, a ficha preenchida pelo próprio Borel é explícita. Nome: Borel, João,
Th. D. / Nascido: 1801 / Títulos: Doutor em Teologia, Cavalheiro da Ordem de São Maurício e de
São Lázaro / Ocupação: diretor espiritual / Residência: Via Cottolengo, 24, andar de baixo / Paróquia:
Borgo Dora / Igreja ou oratório onde celebra a Eucaristia: Igreja de Nossa Senhora do Refúgio / Igreja de
ministério: a mesma / Proprietário da casa ou inquilino: proprietário.
38
Tenha-se presente que nas Memórias do Oratório, Dom Bosco nunca o chama de João Batista,
mas usa sempre e somente Gioanni ou Giovanni. Outros textos, porém, como as Memórias Biográficas,
usam normalmente o nome de Giovanni Battista.
39
Cf. Edições críticas: MO Silva e F. Motto, Epistolario.
442
ensino secundário. Deveria ter concluído nos anos 1814 a 1817 os seus estu-
dos secundários pelo velho sistema da Casa de Saboia, que prescrevia de um a
dois anos de ensino fundamental, seguidos de três anos de gramática inferior,
mais outros três anos de humanidades e retórica. Cursou, depois, dois anos de
filosofia (1817-1819) e, enfim, cinco anos de estudos teológicos (1819-1824),
dos quais se conserva um detalhado relatório na Universidade de Turim.
443
João Borel vestiu o hábito clerical em 1817 e fez parte do grupo dos cléri-
gos indicados para a igreja de Corpus Christi, como ele mesmo testemunha no
Processo de Beatificação de Cottolengo.42 Não é seguro que tenha participado
da escola de teologia na Universidade como seminarista não residente, pois o
nome Borel nunca aparece nas memórias do seminário de 1817 a 1824.
Entretanto, como a Universidade permaneceu fechada durante a revo-
lução de 1821, sendo reaberta somente em 1823, o mais seguro é que João
Borel tenha estudado no seminário. Na Universidade de Turim são conser-
vadas as Atas de seus estudos teológicos e de exames dos diversos tratados de
teologia. Foram-lhe conferidos os graus de bacharel em 29 de março de 1821,
de licenciatura em 3 de junho de 1823 e de doutor em 24 de maio de 1824.
A assinatura do teólogo Guala aparece em todos os certificados dos exames do
teólogo Borel. Guala era professor da Escola de Teologia e fora eleito Reitor do
recentemente aberto Colégio Eclesiástico, de São Francisco de Assis em 1822.43
João Borel foi ordenado padre em 16 de setembro de 1824, aos 23 anos.
Exigia-se do padre recém-ordenado que assistisse às conferências morais (con-
ferenze morali) durante dois anos após a ordenação. Elas eram consideradas
um complemento do curso de teologia e preparação para o ministério pas-
toral. Diversas pelo enfoque teológico, as conferências eram feitas em (três)
lugares aprovados pelo arcebispo Chiaverotti: no Seminário, na Universidade
e no Colégio Eclesiástico de São Francisco de Assis.
Não há nenhum registro escrito relativo aos três anos dos quais partici-
pou o teólogo Borel, que foi considerado um dos padres piemonteses mais
destacados da escola de moral e pastoral do padre Cafasso.44 Padre Cafasso,
ordenado em 1833, só chegou a ser assistente do teólogo Guala no Colégio
Eclesiástico em 1836, assumindo o cargo de professor adjunto em 1843.45
Borel não foi aluno de Cafasso, embora possa ter assistido às conferências
de Guala no Colégio Eclesiástico e, por isso, pode ser considerado da escola
de Cafasso. Em 1833-1834, padre Cafasso foi nomeado diretor do grupo
de padres do Colégio Eclesiástico que davam instrução catequética e ajudas
espirituais aos reclusos na prisão senatorial, no que também o teólogo Borel
42
POCT [de Giuseppe Benedetto Cottolengo], Summarium, 7.
43
Cf. T. Chiuso, La chiesa in Piemonte dal 1797 ai giorni nostri, vol. III, Turim: S. Speirani,
1889, 100. Para o teólogo Guala e o Colégio Eclesiástico, veja-se o que foi dito em outros capítulos.
44
Cf. Cesare Cotemme, “Leonardo Murialdo e il movimento operaio e sociale cattolico in
Piemonte”. In: Chiesa e società nella II mettà del XIX secolo [...], 283. Filippo Natale Appendino (ed.).
Turim: Marietti, 1982. J. Cottino, Federico Albert. Turim-Leumann: LDC, 1984, 25, 29.
45
Cf. L. Nicolis di Robilant, San Giusepe Cafasso. Edição de J. Cottino. Turim: Ed. Santuario
della Consolata, 1990, vol. III, 49, 52.
444
46
Calendario generale pe’regii stati […] per l’anno 1824. Turim: Stamperia Pomba e Figli, 1823,
70, e Calendario generale [...] per 1831. Turim: Giuseppe Pomba, 1830, 169s. O clero do Palácio real
participava dos serviços religiosos e formava a Capela Real, presidida pelo Grande Esmoler, que não era
outro senão o arcebispo de Turim. Em sua dependência havia 6 esmoleres, padres de família nobre, que
ocupavam o seu lugar na corte e atendiam às pessoas da família real nos serviços religiosos e usavam
solidéu preto como distintivo. Havia também vários capelães e “clérigos” de classe inferior, entre eles o
teólogo Borel, cuja obrigação era realizar os serviços religiosos. Os padres do palácio celebravam Missa
e pregavam, enquanto os demais o faziam por turno. O seu cargo era valorizado e honroso, pois recebia
bom estipêndio, e deixava ao capelão muito tempo livre para outros assuntos. Cf. C. Cotemme, em
Chiesa e societá, 246; J. Cottino, Federico Albert. Turim-Leumann: LDC, 1984, 25, 29.
47
Documentos nos arquivos da cidade de Turim e nos arquivos das instituições da marquesa
Barolo (citados por Cerrato).
48
Calendario generale [...] pel 1830, 516. A Escola de São Francisco de Paula estava instalada
num antigo mosteiro dos Frades Mínimos de São Francisco, na rua do mesmo nome. Era uma escola
de estudos superiores de latim, preparatória para a Universidade. Havia outras em Turim, como o Real
Colégio de Nossa Senhora do Monte Carmelo e o Real Colégio de Porta Nova. Sabe-se muito pouco
desse ministério que durou bastante tempo. Os arquivos do Centro de Estudos Dom Bosco (Centro
Studi Don Bosco), com sede na Universidade Pontifícia Salesiana de Roma, conservam cerca de 70 ou
mais manuscritos, a maioria com caligrafia autêntica de Borel, que atestam a sua atividade de pregador
em São Francisco de Paula. Em sua maior parte, contêm comentários sobre os evangelhos dominicais;
há também muitos sermões de tipo instrutivo, feitos aos domingos à tarde, em tríduos de início de ano
ou retiros espirituais em festas especiais, como o Natal. Esse material está sendo catalogado, transcrito
e analisado pelo padre Aldo Giraudo, Diretor do Centro, em vista de uma edição crítica.
445
446
Sempre que podia entreter-me com ele, ouvia e via lições de zelo sacerdotal, e
sempre me dava bons conselhos. Durante os três anos passados no Convitto
[Colégio Eclesiástico], fui convidado muitas vezes para ajudar nas funções
sagradas, confessar e pregar com ele, de modo que já conhecia, e quase me
era familiar, o seu campo de trabalho no Refúgio. Conversamos muitas vezes
longamente sobre o modo de nos ajudarmos na visita às prisões e cumprirmos
com os deveres que nos eram confiados.55
447
448
59
Goffredo Casalis, Dizionario geografico, storico-statistico-commerciale degli Stati di S.M. il Re
di Sardegna, vol. XXI. Torino, 1851, 716.
60
MB II, 240. Muitos sermões do teólogo Borel, feitos por ocasião da devoção das “40 horas”
em cidades próximas, e outros pregados às madalenas, são conservados nos Arquivos do Centro Studi
Don Bosco, na Universidade Pontifícia Salesiana.
449
com pão. Minutos mais tarde, falava no púlpito da capela Pinardi pregando
a uma multidão de jovens que o estavam esperando.61
Na igreja de São Francisco de Sales, edificada em 1852, o padre Bo-
rel unia-se a Dom Bosco em sermões dialogados, normalmente no papel de
“bode expiatório”. Sentava-se entre os meninos e fazia perguntas de maneira
cômica, como se fosse um penitente, um moleque, um espertalhão, enquanto
Dom Bosco, do púlpito, instruía e tirava a moral. A notícia de que o teólogo
Borel “ia dialogar” sobre alguma coisa no domingo era suficiente para encher
a igreja de ávidos ouvintes.62
Em 1849, Borel, com a ajuda dos padres Borsanelli, Ponte e Gastaldi,
pregou os Exercícios Espirituais durante sete dias, de 22 a 28 de dezembro,
aos meninos dos 3 oratórios (São Francisco de Sales, São Luís e Anjo da
Guarda), na igreja da arquiconfraria das Mercês. Foram de grande sucesso.
A partir de 1854, com a chegada do padre Vitório Alasonatti como
administrador e a formação de um grupo de jovens ao redor de Dom Bosco,
primeiro núcleo da Sociedade Salesiana, começou um novo período para
Dom Bosco e seu trabalho nos oratórios. A multiplicação do trabalho tornou
necessária a distribuição do pessoal. Ao mesmo tempo, com o aumento de
encargos nas instituições Barolo, o teólogo Borel viu-se obrigado a reduzir
suas atividades em Valdocco. Continuou, porém, a ajudar Dom Bosco sem
perder em nada o seu entusiasmo, embora se mantendo em segundo plano.
O estilo de vida de Borel e sua dieta diária eram evangelicamente sim-
ples e extremamente frugais. Mantinha em sua casa um senhor que tinha
o sacerdócio em vista e que o ajudava nas tarefas de casa e da cozinha. Ao
perguntar ao teólogo Borel o que ele comia, respondia invariavelmente, “as
habituais cebolas cozidas”. Como não se preocupasse consigo mesmo durante
os sessenta anos de vida, sua saúde não resistiu. Começou a ficar com muita
frequência em seu quarto e acamado no Refúgio.
Em 25 de março de 1869, Dom Bosco voltara de Roma com a notícia
da aprovação da Sociedade Salesiana; do seu quarto no Refúgio, a pouca dis-
tância, o teólogo Borel ouviu os meninos do Oratório que gritavam e a banda
MB VIII, 91.
61
Há uma interessante seleção na Crônica de Bonetti. Dom Bosco, que ouvira confissões das
62
6h30 até as 9, dizia a alguns de seus ajudantes que ele sentia náuseas sempre que o pecado de blasfê-
mia era mencionado na confissão. Alguém comentou que o teólogo Borel em seus sermões, quando
falava sobre a blasfêmia, às vezes, dava alguns exemplos selecionados. Dom Bosco replicou que não se
podia negar que o teólogo Borel era um exemplo de zelo e que conseguia muitas conversões com seus
sermões, mas que ele se sentia doente só de ouvir tais palavras. “Eu lhe tinha advertido, pedido muitas
vezes, que procurasse emendar-se desse defeito, mas vê-se que o hábito e o arroubo no falar, às vezes,
não lho permitem” [G. Bonetti, Annali II (Páscoa, 20 de abril de 1862), FDB 922 B7; MB VII, 129].
450
que tocava. Eram mais ou menos 8 horas da noite. Levantou-se, foi à rua
apoiado na bengala e começou a cruzar o pátio enquanto Dom Bosco ia ao
seu quarto. Quando se encontraram, o teólogo Borel ficou sabendo da apro-
vação. “Deo gratias. Agora morro contente”, exclamou. E, sem acrescentar
mais nada, deu meia-volta, retornou ao Pequeno Hospital e pôs-se à cama.63
Em 8 de maio de 1870, como reconhecimento de toda uma vida de mi-
nistério entregue e de trabalho dedicado à caridade, foi-lhe concedido uma das
maiores honras do reino: “Cavalheiro da Ordem de São Maurício e São Lázaro”.64
Durante os períodos ocasionais de bem-estar, realizava pequenos tra-
balhos sacerdotais, mas nos dois últimos anos de vida, ficava acamado. Não
temos informações sobre a grave doença que acabou com a sua vida aos 72
anos de idade, às vésperas de 8 de setembro de 1873. A causa imediata de
sua morte pode ter sido uma hemorragia cerebral. Quando morreu, não se
encontrou no cofre dinheiro suficiente para pagar o enterro. Um grupo de
diretores salesianos reunidos em Valdocco para as conferências anuais levou
o esquife nos ombros. Todos os meninos o seguiram, precedidos pela banda
de música do Oratório.65
Lemoyne, ao falar da doação do teólogo Borel a Dom Bosco e ao Ora-
tório, transcreve uma carta elogiosa intitulada: “Um padre turinês bem co-
nhecido”, encontrado entre os papéis de Dom Bosco;66 trata-se de um tributo
de gratidão a um grande padre e a uma grande pessoa. Sob o quadro de São
Francisco de Sales, que pendia no quarto praticamente nu e sem mobílias,
colocara esta frase: “Omnibus omnia factus” (Feito tudo para todos).67
MB IX, 557.
63
Ordem. Lemoyne fala do acontecimento e acrescenta que quando lhe perguntou sobre a razão disso,
Borel respondeu-lhe graciosamente: “Não estou certo, mas suspeito que em reconhecimento pelo
meu heroísmo quando um dia salvei a vida da rainha Maria Teresa, ao apagar um incêndio que fora
provocado entre as flores de papel sobre o altar da capela real” [MB VIII, 91-92].
65
MB X, 1191-1192 (elogio de Borel feito por Amadei).
66
MB II, 239. Este manuscrito de una página está en ASC A220ss: Persone, FDB, 553, A10.
67
Latim da Vulgata, 1Cor 9,22; cf. FDB 553 A 11 (A10-12: notas biográficas de Borel).
451
452
da França os Irmãos das Escolas Cristãs, para dirigirem todas as escolas funda-
mentais da cidade. Em 1821, os Irmãos das Escolas Cristãs iniciaram em Tu-
rim as escolas fundamentais para meninas, dotando-as de pessoal, chamando
as Irmãs de São José de Chambéry (Saboia).
A experiência da prisão alertou-a e ao seu esposo sobre a difícil situação
pela qual passavam as meninas em situação de risco e as jovens e mulheres
recém-saídas da prisão. Entrando em contato com a obra do padre Légris
Duval em Paris, os Barolo fundaram em 1821-1822, a Pia Obra de Nossa
Senhora Refúgio dos Pecadores, vulgarmente chamada de Refúgio que, desde
1840, sob a direção espiritual do teólogo Borel, acolhia e dava instrução a
umas 300 jovens.
Em 1825, com o consentimento do rei Carlos Félix, eles trouxeram as
Irmãs do Sagrado Coração (Dames du Sacré Coeur) para Turim, para a edu-
cação das jovens de famílias nobres. Em 1829, seguindo o exemplo de mada-
me Pastoret em Paris, os Barolo instalaram em seu próprio palácio a primeira
creche para crianças de ambos os sexos.
Em 1832, iniciaram uma escola de ensino gratuito e uma cozinha para
os pobres, que servia 250 sopas todos os dias, às quais se acrescentava um
prato de carne e verdura aos domingos. Durante o inverno, todos recebiam
um complemento semanal de lenha para aquecer-se e cozinhar.
Em 1832, eles fundaram junto ao Refúgio, o Retiro de Santa Maria Ma-
dalena, para as mulheres que, depois de dois anos de residência no Refúgio e
três de noviciado, se sentissem atraídas pela vida de semiclausura. Elas eram
conhecidas como as penitentes de Santa Maria Madalena, ou simplesmente
madalenas. Em 1832 também surgiu uma casa próxima às madalenas e sob
o seu cuidado, para acolher meninas abandonadas, menores de 12 anos. A
comunidade era conhecida como Oblatas de Santa Maria Madalena, ou sim-
plesmente Pequenas Madalenas.
Em 1834, criaram a Congregação das Irmãs de Sant’Ana e da Divina
Providência; abriram uma instituição educativa sob a direção dessas irmãs,
para meninas de classe média inferior, próxima à igreja da Consolata. E, em
união com a comunidade das Irmãs de Sant’Ana, os Barolo também cons-
truíram uma residência para cerca de 30 órfãs (as julietas) que, ao concluí-
rem a própria educação, recebiam 500 francos como dote. A marquesa, sem
se intrometer nos assuntos internos, estava muito ligada à Congregação de
Sant’Ana, cuja aprovação oficial da Igreja obteve em 1846.
Após a morte do esposo, a marquesa, enquanto continuava a supervi-
sionar as obras de caridade, iniciou outras fundações ou contribuiu para elas.
453
454
Após a construção da Igreja em 1866, o Oratório do Anjo da Guarda, de Dom Bosco, foi fecha-
68
do naquela região, e as suas atividades foram transferidas para perto de Santa Júlia. Como mencionado
acima, Dom Bosco tinha assumido aquele Oratório em substituição ao padre João Cocchi em 1849.
Padre Cocchi estabelecera-o no bairro de Moschino em 1840, antes de transferi-lo a Vanchiglia em 1841.
69
Cf. MB VII, 607.
455
1. Questões preliminares
Dado o caráter das Memórias,5 pode-se supor que Dom Bosco enfatizou
e dramatizou essas dificuldades; entretanto, é provável que as tenha criado do
1
MO, 147-149.
2
MO,152, 178-181.
3
MO, 155-156.
4
MO, 157.
5
Cf. P. Braido, Memorie del futuro, 97-127.
456
6
MO, 152, 178, 130, e o Cenno storico, de 1854. (Talvez, a Nota histórica tenha servido de fonte
para estas passagens das Memórias [1874-1875]. O marquês Miguel de Cavour (1781-1850) era pai
do [marquês] Gustavo e do [conde] Camilo [futuro primeiro-ministro e líder político da unificação
da Itália]. O marquês exerceu o cargo de vigário, magistrado que governava a cidade em nome do rei
[vigário e superintendente de política e polícia], de 1835 a 1847. Antes de 1848 [ano das revoluções e
constituições] a cidade era governada por um vigário real, auxiliado por dois “síndicos” e um conselho
da cidade com 57 oficiais [decuriões]. A partir de 1848, a cidade passou a ser governada por um alcaide
[prefeito], nomeado igualmente pelo rei, e pelo conselho da cidade).
457
O papel que sua Excelência joga em tudo o que afeta o bem público, tanto cívico
como moral, leva-me a esperar que dê boa acolhida ao relato sobre um programa
de catequese que iniciamos. Como sua finalidade é o bem dos jovens, o senhor
mesmo demonstrou em muitas ocasiões seu favor e sua ajuda [...]. O senhor é
uma pessoa de bom coração, e leva a sério tudo que possa contribuir para o bem
comum da sociedade. Por isso, buscamos sua proteção para nossos trabalhos [...].
(Aprovação autógrafa de Cavour para seu secretário:) Resposta. Falei com sua
Excelência e mui Reverendo Arcebispo e com o conde Colegno (sic) e estou
de acordo que, sem dúvida alguma, se pode ganhar muito com um programa
de catequese. Ser-me-á grato ver o reverendo Dom Bosco em meu escritório
às 2 p. m., em 26 de março. Benso de Cavour.
7
Cf. G. Bracco, Don Bosco y la sociedad civil, 231-236; id., “Don Bosco e le istituzioni”. In:
Torino e Don Bosco, I, 123-126.
8
G. Bracco, Don Bosco y la sociedad, 233; com maior detalhe em, id., “Don Bosco e le istitu-
zioni”, 126-128 (texto da carta), 128-130 (comentários). A carta foi editada criticamente em F. Motto,
Epistolario I, 66-68.
458
Era o último domingo em que podia usar o prado, quando, então, (o senhor
Pinardi) se apresentou novamente. Eu passeava pela beira do prado absorto
em meu pensamento, enquanto o teólogo Borel estava pregando.11
9
MO, 160.
10
MO, 150.
11
G. Barberis, Cronaca autografa, caderno, 49-50, 1º de janeiro de 1876; FDB 835 D12-E1.
12
F. Giraudi, L’Oratorio, 60-107 (com reprodução de fotografias do contrato etc.).
459
Algo me pareceu óbvio desde o momento em que comecei a buscar nos arqui-
vos da cidade documentos relativos a Dom Bosco: Dom Bosco nunca esteve
sozinho. Trabalhava com um grupo de padres que pareciam compartilhar o
mesmo objetivo; ou seja, fazer algo pelos não privilegiados e enfrentar o mal-
-estar social, usando métodos que se tinham tentado muito antes.14
13
MO, 155.
14
G. Bracco, Don Bosco y la sociedad, 233.
15
MO, 160-164.
460
16
G. Barberis, Cronaca autografa, caderno I, 27, entrada de 26 de maio de 1875.
17
O local estava situado próximo ao rio Dora (ao norte), onde as lavadeiras exerciam o seu
trabalho. Isso explica por que o senhor Soave iniciou um negócio de amido (goma) e o senhor Pinardi
estava construindo uma lavanderia.
18
MO, 161.
19
Padre Pedro Merla (1815-1855) ajudou no Oratório de Dom Bosco até 1852, iniciando de-
pois disso algumas obras de caridade por própria conta (MO Silva, 154).
20
Dom Bosco, desde que fora nomeado capelão do Pequeno Hospital de Santa Filomena, viveu na Re-
sidência de Nossa Senhora do Refúgio (Rifugio) da Barolo como os demais capelães, padres Borel e Pacciotti.
461
462
Comentário
Nem a carta nem o contrato Pinardi-Borel descrevem o local como “te-
lheiro” (tettoia), expressão das Memórias. A carta fala de uma “ampla sala
possível de ser usada como ‘Oratório’ com outros dois quartos”. Isso é con-
firmado no contrato, que fala de “uma sala retangular de três corpos com um
grande pátio à frente e aos lados”. Obviamente, a “ampla sala” refere-se ma-
terialmente ao telheiro construído atrás da casa Pinardi. Os dois quartos adi-
cionais, apartados, eram ambientes localizados atrás do telheiro e não quartos
da casa Pinardi, que faziam parte do aluguel do senhor Soave.
A casa Pinardi era um edifício de dois pisos de dimensões modestas:
cerca de 20 metros de comprimento, 6 de largura e 7 de altura. Possuía 4
quartos e outros espaços adicionais no primeiro piso e 6 quartos no segun-
do piso. A “grande sala” à qual se refere como “telheiro” por não ser um
edifício apartado, media como a casa 20 metros de comprimento, 6 de lar-
gura, mas não mais de 2,5 de altura. A parte principal serviria como capela
e as duas partes menores, como sacristia e depósito, respectivamente.24 É
provável que o telheiro começasse a ser adaptado para capela mesmo antes
da assinatura do contrato em 1º de abril, e continuasse a ser adornada
depois da inauguração.
Segundo as Memórias, portanto, “terminados os trabalhos, o arcebispo
concedia no dia... de abril, a faculdade de benzer e dedicar ao culto divino
o ‘modesto edifício’. Isso aconteceu no domingo, ... de abril de 1846”.25 As
datas não constam nem nos manuscritos de Dom Bosco nem nos do padre
Berto. Lemoyne anota nas Memórias Biográficas que Dom Bosco tinha todos
os utensílios necessários, entre eles, um pequeno quadro com a imagem de
São Francisco de Sales, que trouxera do Refúgio e do casebre do prado Filip-
pi. Depois, continua:
24
F. Giraudi, L’Oratorio, 100.
25
MO, 174.
26
MB II, 428.
463
Dom Bosco, nas Memórias, admite que o lugar não era mais que um
casebre enquanto seus vizinhos próximos, a casa Pinardi (que tinha um te-
lheiro anexo) e a casa Bellezza ao lado, eram lugares de má fama.28 Contudo,
finalmente, o Oratório contava com um local que podia ser chamado de seu,
ou quase. E Dom Bosco podia esperar o dia em que a propriedade Pinardi
fosse sua.
27
Lemoyne, como declara nos Documenti, sabia que o teólogo Borel foi delegado para benzer
o novo Oratório, e que realizou a cerimônia no dia 13 de abril, segundo dia da Páscoa (G. Giraudi,
L’Oratorio, 63).
28
MO, 173. Dom Bosco, segundo a crônica autógrafa de Barberis, narrou depois do jantar a
história da instalação a alguns Salesianos: “Vou contar-lhes como se comprou a primeira casucha, mas é
uma longa história. Estive neste mesmo espaço ocupado agora pelo refeitório [demolido em 1856 para
dar lugar a um edifício maior]. A primeira coisa a se saber é que era um bordel” (G. Barberis, Cronaca
Autografa, caderno III, 49, entrada de 1º de janeiro de 1876: FDB 835 D12).
464
Antecedentes
Dom Bosco fora contratado pela marquesa Barolo como capelão do Pe-
queno Hospital de Santa Filomena, que atendia a menininhas portadoras de
alguma deficiência. Enquanto estava em construção, a marquesa concordou
que o Oratório pudesse usar os “locais do capelão” para suas reuniões. Era
inevitável, porém, que, ao aproximar-se o término da construção do hospital,
o Oratório precisasse encontrar outro lugar para se reunir. Os jovens, que
aumentavam sempre mais, começaram a criar uma séria dificuldade para as
instituições da Barolo. O Oratório deixou o Pequeno Hospital em 18 de
maio de 1845, passando por um período de contínua peregrinação que o
levou a cinco lugares diferentes. Enfim, em 1º de abril de 1846, instalou-se
na propriedade Pinardi, sua localização definitiva.
Com o Pequeno Hospital inaugurado em 10 de agosto de 1845, Dom
Bosco começou a exercer o cargo de capelão, ofício para o qual a marquesa
já o tinha cotratado. Como se comprova pelo intercâmbio de cartas entre o
teólogo Borel e a marquesa Barolo, Dom Bosco estivera doente desde que
deixou o Colégio Eclesiástico em 1844, e sua saúde era sempre mais delicada.
Apesar disso, aos domingos, com a ajuda dos padres Borel e Pacciotti, Dom
Bosco passava o dia todo com seus meninos e mantinha-se disponível para
ajudá-los em suas necessidades também durante a semana.
A marquesa tinha projetos para o seu jovem capelão que muito ad-
mirava e valorizava; queria fazer o que estivesse ao seu alcance para que
ele recuperasse a boa saúde e assim pudesse mantê-lo em suas instituições.
Nessa época, porém, Dom Bosco já havia assumido um firme e, de fato,
irrevogável compromisso com o Oratório. Tornava-se inevitável, portanto,
ter que renunciar à capelania. A marquesa via as coisas de outro ponto de
vista. Acreditava estar certa de que Dom Bosco renunciaria “aos seus vaga-
bundos” e trabalharia exclusivamente como capelão de suas obras. É esse o
contexto do confronto da marquesa com Dom Bosco e do seu “ultimato”,
como contam as Memórias do Oratório, e foi recolhido com o acréscimo de
algum material nas Memórias Biográficas.29
Para a descrição do confronto e do ultimato, ver MO, 156. Considere-se que Dom Bosco
29
situa o acontecimento antes da localização do Oratório na casa Pinardi. Ver a versão de Lemoyne em
MB II, 458-471.
465
[Il.mo e Rev. Sr. Teólogo] Após uma entrevista que tive com padre Cafasso,
creio que lhe devo uma explicação (sobre Dom Bosco) [...].
Quando o Pequeno Hospital viu aumentar o número destas [as meninas],
acreditamos que era preciso nomear um capelão para o hospital [...].
O senhor escolheu o ótimo Dom Bosco, apresentando-o a mim. Ele também
me agradou desde o primeiro momento e encontrei nele aquele ar de reco-
lhimento e simplicidade próprios das almas santas. Nosso conhecimento co-
meçou no outono de 1844, quando o Pequeno Hospital ainda não podia ser
aberto e, de fato, não o foi até agosto de 1845. Contudo, o desejo de garantir
O teólogo Borel à marquesa Barolo, em 3 de janeiro de 1846, em ASC A049; Persone, FDB
30
D9, recolhido nas MB II, 353 (a data foi corrigida para 3 de janeiro de 1846). Talvez Guala e Cafasso
tenham-se oferecido para apoiar sua “vocação”.
466
a aquisição de alguém tão “bom”, fez com que se antecipasse sua entrada com
o estipêndio relativo ao emprego. Poucas semanas depois de estabelecer-se em
sua companhia, M. R. senhor Teólogo, a superiora do Refúgio e eu obser-
vamos que sua saúde não lhe permitia qualquer esforço. O senhor recordará
quantas vezes recomendei-lhe que cuidasse de si [...].
A saúde de Dom Bosco piorou antes da minha partida para Roma. Conti-
nuava a trabalhar e cuspia sangue. Foi então que recebi uma carta do senhor,
senhor Teólogo, na qual me dizia que Dom Bosco não estava em condições de
desempenhar o cargo que lhe fora confiado. Eu respondi em seguida que esta-
va disposta a continuar a dar a Dom Bosco o seu pagamento, desde que não
se ocupasse de nada, e continuo disposta a cumprir com minha palavra [...].
Sua caridade, senhor teólogo, é tão grande que seguramente estou merecendo
a opinião desfavorável que tem de mim, dando-me a conhecer claramente que
eu desejo impedir o ensino do catecismo que se dá aos meninos nos domingos
e os cuidados que se tem deles durante a semana. Creio que a obra é ótima em
si, digna das pessoas que a iniciaram; creio de uma parte, porém, que a saúde
de Dom Bosco não lhe permita continuar e, de outra, que a reunião desses
meninos, que anteriormente esperavam o seu diretor à porta do Refúgio e
agora o esperam à porta do Pequeno Hospital, não é conveniente. Como creio,
em consciência, que o ardor de Dom Bosco precisa de repouso absoluto [...].
Resumindo: 1º, Aprovo e louvo a obra da instrução aos meninos, mas vejo
como exposta a perigo a reunião à porta dos meus estabelecimentos, devido
à classe de pessoas que neles se encontram. 2º, Como creio em consciência
que o peito de Dom Bosco precisa de repouso absoluto, continuarei a dar-lhe
o pequeno estipêndio, que ele quer agradecer-me, com a condição de que se
afaste de Turim, para evitar a ocasião de estragar gravemente a saúde, pela
qual me interesso muito, pois muito o estimo.
Eu sei, M. Rdo. Sr. Teólogo, que não estamos de acordo com estes pontos: se
não atendesse à voz da minha consciência, estaria bem disposta, como sem-
pre, a submeter-me à sua opinião. [...]31
O confronto
A carta da marquesa revela com clareza a elevada estima que tinha por
Dom Bosco como pessoa e pela obra do seu Oratório. É também evidente
que desejava mantê-lo em suas instituições e o desejava saudável. Há muito
tempo ela sentia pena pela deterioração da sua saúde e, sinceramente – em
31
A marquesa Barolo ao teólogo Borel, em 18 de maio de 1846, em ASC A099ss; Persone FDB
541 B5-8; MB II, 463.
467
A marquesa advertiu-o que, doente como estava e sem nada com que
viver, não poderia subsistir. E deu-lhe “um conselho maternal”:
32
MO, 158.
468
Parece que o plano de Dom Bosco era alugar os quartos tão depressa
quanto possível, até que pudesse adquirir todo o segundo piso da casa, com
os seis quartos, e seus inquilinos fossem desalojados.34
Doença e agravamento
A marquesa Barolo, na citada carta ao teólogo Borel, comentava o avanço
de uma doença muito grave de Dom Bosco. Enfermo desde a saída do Colégio
Eclesiástico, ele continuava doente quando se transferiu para o Refúgio em
outubro de 1844; mais ainda, a sua saúde ia piorando progressivamente.35
Diversos fatores concorreram para piorar a situação. Em maio de 1845, o
Oratório deixou os locais do Pequeno Hospital e iniciou a sua caminhada itine-
rante. Quando o Pequeno Hospital abriu suas portas, em agosto de 1845, Dom
Bosco começou a cumprir com seus deveres de capelão, enquanto atendia ao
33
F. Giraudi, L’Oratorio, 53.
34
As palavras ditas por Dom Bosco e recolhidas na crônica original de Barberis descrevem a
estratégia: “Algum tempo depois, descobri que a casa adjacente era, na realidade, um bordel. Podeis
imaginar muito bem o meu desconcerto! Comecei por alugar um par de quartos, pagando o dobro
do que valiam, mas não os usei. Como continuei a alugar outros quartos, o dono urgiu que me trans-
ferisse para eles. ‘Na verdade, não preciso deles agora’, respondi-lhe. ‘Iremos para eles tão logo tenha
conseguido todos eles em aluguel’” (Caderno I, 27-28, entrada de 26 de maio, 1875. FDB 833 D1-2).
35
Dom Bosco não era o atleta indomável apresentado pela biografia popular. Foi ameaçado pela
doença desde a juventude. Enquanto esteve na escola secundária de Chieri, assim nos diz nas Memórias,
tinha o costume de ler até tarde da noite. E acrescenta: “Isso me arruinou de tal modo a saúde que,
por vários anos, minha vida parecia à beira da tumba (MO, 78)”. “Ao deixar o Colégio Eclesiástico
em 1844, pensei em entrar entre os oblatos para ser enviado às missões”; padre Cafasso, segundo as
Memórias Biográficas, objetara-lhe: “O senhor não deve ir para as missões [...]. Não é capaz de aguentar
uma milha e ficar um minuto num coche fechado sem sentir graves incômodos de estômago [...]. E
quereria atravessar o mar? Morreria pelo caminho!” (MB II, 204).
469
Oratório. Nessa época, costumava trabalhar até muito tarde da noite; trabalho
que fez piorar ainda mais a situação. É o período de suas primeiras obras escritas.
Além da Biografia de Luís Comollo, escrita quando ainda vivia no Co-
légio Eclesiástico e publicada em outubro de 1844, Dom Bosco conseguiu
enviar várias obras escritas nesses anos, aos editores, fruto de seus trabalhos
noturnos: O devoto do Anjo da Guarda (1845), a História Eclesiástica (1845),
Seis domingos em honra de São Luís (1846), Exercício de devoção à misericórdia
de Deus (sem data), O jovem instruído (1847), e a História sagrada (1847).36 O
esforço e o cansaço pelo trabalho tão intenso foram os responsáveis pela grave
condição descrita na carta da marquesa Barolo ao teólogo Borel.
No início de outubro de 1845, a doença voltou a recrudescer e obrigou
Dom Bosco a tirar alguns dias de férias. Foi a pé de Turim aos Becchi, com
um grupo de 7 jovens do Oratório, mas em Chieri, desmoronou. Reanimou-
-se no dia seguinte e pôde chegar ao destino. Passou os quatro dias seguintes
acamado. Sabemos disso por uma carta que Dom Bosco dirigiu ao teólogo
Borel; carta que, contudo, não pôde concluir devido à total falta de forças.37
Por uma segunda carta, temos notícia de que os dias seguintes (era tempo de
vindima) sua indisposição piorou. Recuperou-se gradualmente, mas a doença
continuou a incomodá-lo.38
De volta a Turim e ao trabalho no Pequeno Hospital e no Oratório, não
se sentiu melhor. “Continuava a trabalhar, embora cuspisse sangue”, escreve a
marquesa. Em dezembro de 1845, os padres Borel e Pacciotti reorganizaram
o horário de trabalho para lhe permitir mais tempo de descanso. O teólogo
Borel, em 3 de janeiro de 1846, comunicava a situação à marquesa, que esta-
va em Roma. E continua:
36
Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo (...). Turim: Speirani e Ferrero, 1884; Il divoto
dell’Angelo Custode. Turim: Paravia, 1845; Storia Ecclesiastica ad uso delle scuole utile per ogni ceto di persone
(...). Turim: Speirani e Ferrero, 1845; Le sei domeniche e la novena di san Luigi Gonzaga. Turim: Speirani
e Ferrero, 1846; Esercizio di divozione alla misericordia di Dio. Turim: Eridi Botta, sem data; Il Giovane
provveduto per la pratica dei suoi doveri (...). Turim: Paravia, 1847; Storia sacra per uso delle scuole (...). Tu-
rim: Speirani e Ferrero, 1847. Para o texto destas obras, ver Opere Edite conforme o ano de sua publicação.
37
Dom Bosco ao teólogo Borel, sem assinatura nem data, mas selada em 11 de outubro de 1845.
Epistolario I Motto, 60; MB II, 321.
38
Dom Bosco ao teólogo Borel, em 17 de outubro de 1845; Epistolario I Motto, 61-62; MB
II, 323. Ele chama a doença de “incômodo” (flusso), que pode significar diarreia, ou perda sanguínea,
hemorragia ou algo semelhante.
470
A crise
Imediatamente depois, no início de julho,42 Dom Bosco estava nova-
mente à beira do desastre. O teólogo Borel mandou-o passar algum tempo
com o pároco de Sassi, povoado de encostas suaves ao norte, fora de Turim.
Como o lugar estava a um passo de distância, os jovens do Oratório, os alu-
nos dos Irmãos das Escolas Cristãs e outros não o deixavam em paz.43
Retornou ao Refúgio gravemente enfermo com pneumonia e caiu de
cama. Chegou a estar à beira da morte e foi desenganado. Entretanto, as ora-
ções e promessas dos meninos obtiveram-lhe a graça da cura.44
Assim que o médico lhe permitiu deixar o quarto do Refúgio, no iní-
cio de agosto, Dom Bosco, como fora combinado,45 saiu e fez transportar
os seus pertences à casa Pinardi. Pode ser que os quartos que alugara ainda
não fossem adequados para viver neles, ou que preferisse não se mudar antes
O teólogo Borel à marquesa Barolo, 3 de janeiro de 1846; em ASC 123: Persone, Borel, FDB
39
471
46
Conservam-se algumas cartas desse período (de Dom Bosco ao teólogo Borel). Epistolario I
Motto, 68-74; MB II, 503-507.
47
MO, 159.
48
MO, 190-191.
49
MO, 190.
50
P. Stella, Economia 76, nota 12 e o texto apresentado.
472
51
ASC A 099ss, Persone, Borel. MB II, 352.
473
52
Ao longo da carta, “programa de catequese” traduz o italiano “catecismo”; com o termo, Dom
Bosco quase certamente quer indicar o “Oratório” como tal. Em outras palavras, ele fala do Oratório
como um “programa de instrução religiosa”.
53
Esta última frase parece supor que Cavour tinha conhecimento da instrução catequética no
Oratório e a aprovava.
54
Como esta carta foi escrita em 1846, “há três anos”, a data dos inícios do programa de cate-
quese (Oratório) seria 1843. Mas adiante na mesma carta, Dom Bosco fala novamente de “três anos”.
Isso pode supor que 1843 foi o ano em que o grupo que se reunia em São Francisco de Assis adquiriu
consistência e chegou a ser considerado como obra de Dom Bosco.
55
O “oratório”, significando “capela”, localizava-se no Pequeno Hospital, embora os capelães
vivessem no Refúgio. O uso da palavra “oratório” e as atividades que se descrevem ligadas a ele, mani-
festam essencialmente o fervor religioso das atividades de Dom Bosco.
474
475
60
O conde José Maria Provana di Collegno (1785-1954) era próximo ao rei Carlos Alberto e ao
seu governo. Foi também amigo de Dom Bosco e do Oratório.
61
Em ASC A099ss, Persone, Barolo. MB II, 462.
476
De acordo com esta afirmação, foi o teólogo Borel quem tomou a iniciativa para que Dom
62
Bosco fosse nomeado capelão do Pequeno Hospital, e a marquesa não teria conhecido Dom Bosco
anteriormente. Portanto, presumivelmente, o teólogo Borel consultou o padre Cafasso e este levou a
proposta adiante, segundo se descreve em MO, 131-132.
477
63
O padre Marcos Antônio Durando era o visitador (provincial) dos Padres da Missão (de São
Vicente de Paulo). Era considerado grande pregador, mestre de retiros e confessor.
478
64
MO, 163.
65
Memorando dirigido a Dom Pedro Ferré, de Casale (1868). Cf. MB IX, 61.
66
MO, 122.
479
O papel que vossa Excelência desempenha em tudo o que se refere ao bem pú-
blico, tanto no cívico como no moral, leva-me a esperar que aceite o relatório
sobre um programa de catequese que iniciamos. Como sua finalidade é o bem
dos jovens, o senhor mesmo mostrou em numerosas ocasiões o seu favor e a sua
ajuda. Este programa começou há três anos [...]. Ali se ensinava catecismo, se
ouviam confissões e se celebrava a missa [...]. A finalidade deste programa de
catequese é reunir os meninos que, abandonados a si mesmos, não assistiriam a
instrução religiosa em nenhuma igreja nos domingos e dias festivos.69
67
Cenni storici de 1862. Seção “Comentários gerais”.
68
MO, 127.
69
“Programa de catequese” é tradução de “catecismo” em italiano, com que Dom Bosco quase com
certeza, quer dizer o Oratório como tal. Em outras palavras, ele fala do Oratório como “um programa de
instrução religiosa”.
70
Sobre os escritos de Dom Bosco se tratará em capítulos posteriores.
480
481
Este breve catecismo foi publicado por Pietro Braido. Roma: LAS, 1979.
75
“Breve catechismo pei fanciulli che si dispongono alla confessione e prima comunione e per
76
tutti quelli che hanno da imparare gli elementi della dottrina cristiana, ad uso della diocesi di Torino”:
G. Bosco, “Maniera facile per imparare la storia sacra ad uso del popolo cristiano”. Letture Cattoliche
3, 10 e 25 de março. Turim: Paravia, 1855. Ver o texto em OE, ano 1855.
482
77
MB XIV, 838.
483
A REVOLUÇÃO LIBERAL E O
RESSURGIMENTO ITALIANO (1848-1849)
484
O livro parecia, a uns, uma extravagância, a outros, uma revelação [...]. Seu
objetivo era provar que a Itália, embora não totalmente reconhecida pelas
nações estrangeiras, reunia em si mesma todas as condições para o ressurgi-
mento moral e político. Para levá-lo a cabo, não havia necessidade de revo-
luções ou modelos ou intervenções estrangeiras. A unidade e independência
poderiam ser alcançadas com uma Confederação dos vários estados sob a
presidência do Papa; enquanto a liberdade poderia ser obtida com reformas
internas, realizadas pelos diversos Príncipes de cada Estado.3
1
Cf. J. A. R. Marriot, Makers of modern Italy [...]. Oxford: University Press, 1931, 57-59.
2
O título refere-se a uma das facções existentes na Itália medieval e na Europa durante as lutas
entre o império e o papado (séculos XII e XIII). Os guelfos apoiavam os direitos do Papa em relação
ao Imperador. Os gibelinos apoiavam tradicionalmente o Imperador. O termo guelfo deriva de Welf,
nome de uma família alemã. O termo gibelino deriva de Waiblingen, nome de uma propriedade que
pertencia aos imperadores Hohenstauffen.
3
Minghetti, citado por J. A. R. Marriot, Makers of modern Italy, 61.
485
486
6
George Martin, The red shirt and the cross of Savoy. New York: Dodd, Mead & Co, 1969, 273.
7
“Se Balbo pensava em Roma ou em Turim como procedência do presidente desta Federação,
é um tema discutido, tão velado e prudente foi o seu aceno” (J. A. R. Marriott, Makers of modern
Italy, 62). Por outro lado, outros historiadores (como G. Martín, The red shirt, 273) acreditam que ele
pensasse em Turim e na Casa de Saboia, mais do que em Roma e o Papado. “Como súdito leal de Car-
los Alberto, ele pensava no seu rei, mais do que no Papa, para liderar qualquer futura confederação”.
487
8
J. A. R. Marriott, Makers of modern Italy, 64.
9
G. Martin, The red shirt, 258.
488
10
A Guarda Civil era uma força policial, distinta da polícia do Estado e da militar.
489
11
Citado em J. A. R. Marriott, Makers of modern Italy, 68.
490
12
Luís Felipe de Orleans fora elevado ao trono na revolução de 1830-1831, que derrubou Carlos
X, o monarca da Restauração. A Segunda República durou pouco, pois em 1852, por um golpe de
estado, Luís Napoleão (1808-1873) foi proclamado imperador da França com o nome de Napoleão
III. Era sobrinho de Napoleão I, filho de Luís, irmão de Napoleão I, e de Hortênsia de Beauharnais.
13
Daniel Manin e Nicolau Tommaseo foram presos pela polícia austríaca e encarcerados em 18 de
janeiro como suspeitos de atividades revolucionárias, mas como Milão estava se preparando para lutar con-
tra os austríacos, a cidade levantou-se em massa em 17 de março libertando todos os prisioneiros políticos.
491
As Constituições de 1848
A Sicília levantou-se em 12 de janeiro de 1848, exigindo a autonomia
administrativa de Nápoles e a Constituição (espanhola) de 1812. A revolta
estendeu-se a Nápoles, onde o rei Fernando defrontou-se com a questão da
Constituição, vendo-se forçado a concedê-la em 10 de fevereiro. Uma sema-
na depois, a Toscana também obteve a sua Constituição. Em 4 de março,
Carlos Alberto, sucumbindo à pressão pública e a insistência do periódico do
conde Camilo Cavour, Il Risorgimento, aceitou a Constituição que chamou
de Statuto, evitando o termo mais democrático: seria a única Constituição de
1848 a perdurar.16
Pio IX também sucumbiu diante do movimento que, repentinamente, con-
quistara a maior parte da Itália. Em 15 de março, ele reconheceu um Statuto
semelhante. As Constituições de 1848, à exceção do Statuto de Carlos Alberto,
14
Acabaram-se os dias do chanceler Metternich. Durante uma longa e brilhante carreira, desde
o Congresso de Viena (1814), ele tentara, com bastante sucesso, frear as forças do liberalismo e da re-
volução. Agora, seu regime se desfazia. Politicamente, as nações súditas sofreram a expansão do espírito
da revolução; a administração austríaca perdera o seu poder sobre elas. Economicamente, as finanças
do Império não tinham base. A Revolução Francesa de fevereiro proporcionou o exemplo e os incen-
tivos. Basicamente, a falha do sistema foi debitada à incapacidade ou à displicência de Metternich de
caminhar com os tempos.
15
O Quadrilátero consistia em quatro cidades fortificadas: Peschiera, Mântua, Legnano e Vero-
na. Dominavam o vale do Míncio e o rio Ádige, assim como também as vias militares até o passo do
Brênnero e a Áustria.
16
O Statuto de Carlos Alberto permaneceu como constituição básica na monarquia da Itália até
sua queda em 1946, seguida de uma constituição republicana.
492
17
“Estados” significa uma assembleia organizada dos representantes dos diversos estratos da sociedade.
493
18
“Alocução papal” é uma comunicação dirigida aos cardeais em consistório privado sobre al-
gum assunto importante; às vezes, inclui as relações internacionais na política da Santa Sé. Neste caso,
a alocução tratou da participação dos Estados Pontifícios na primeira guerra de independência contra
a Áustria. Pio IX dá as razões pelas quais recusa tomar parte no conflito. As Memórias Biográficas não
fazem referência a essa importante declaração papal.
19
G. Martin, The red shirt, 314.
494
495
Pellegrino Rossi, embora italiano, fora professor universitário na França. Em 1845, o governo
20
francês enviou-o a Roma para negociar a supressão dos jesuítas na França. Apresentou-se a Pio IX como
oposto aos democratas e aos que se opunham ao poder temporal do Papa. Ao sair do seu coche para
abrir o Parlamento que havia convocado, foi emboscado e assassinado por um grupo de democratas.
496
497
Carlos Alberto abdicou em favor do seu filho Vítor Manuel II (23 de março de 1849).
22
O corpo de Carlos Alberto retornou a Turim em 13 de outubro, foi honrado com solene
funeral e sepultado na cripta real da Basílica de Superga.
498
23
José Garibaldi (1807-1882) participou pela primeira vez de uma ação militar na Itália em
1848, na Primeira Guerra da Independência, à frente de um batalhão de voluntários; agora, lutava pela
defesa da República Romana. Fugindo de Roma e dos franceses, Garibaldi e seus homens foram para
o norte com a pretensão de encontrar reparo em Veneza, ainda sob o cerco dos austríacos. Contudo, o
grupo, muito reduzido em número pelas deserções, foi interceptado e dispersado por um contingente
austríaco perto de São Marino. Garibaldi, com apenas 250 homens, logrou embarcar em pequenas
embarcações para Veneza, mas os barcos da frota austríaca do Adriático os rechaçaram. Anita, mulher
de Garibaldi, que sempre o acompanhara, morreu de malária nos pântanos ao sul de Ravena. Garibaldi
sobreviveu; perseguido pelos austríacos, ele conseguiu fugir para Gênova, onde foi preso em setembro
de 1849 e condenado ao exílio. Não podendo ser admitido em Túnis, estabeleceu-se na Sardenha.
499
Capitulação de Veneza
Depois da derrota do Piemonte, a Áustria reclamou a Lombardia e Ve-
neza e a hegemonia na Itália. Entretanto, Veneza manteve-se sob o governo
de Daniel Manin, presidente e defensor heroico da República. Em abril de
1849, Veneza foi sitiada, mas a cidade resistiu até agosto. Caiu, enfim, no
dia 27 de agosto de 1849, derrotada pela fome, pela cólera e pelas bombas
que caíam sobre a cidade lançadas por balões (!). Daniel Manin exilou-se em
Paris, onde morreu em 1857.
500
501
502
em 1867, para celebrar o XVIII Centenário de São Pedro e São Paulo. Veio,
depois, a definição da infalibilidade do Papa no Concílio Vaticano I. A par-
tir disso tudo se vai consolidando a autoridade e o papel do papado na vida
espiritual da Igreja e crescendo a dependência dos bispos em relação ao Papa,
como centro da unidade, de quem se afirmou a supremacia na fé e na moral.24
Os últimos anos do papado de Pio IX foram ofuscados pelo Kulturkampf,
na Alemanha. O chanceler Otto Bismark tentou abolir a liberdade da Igreja
expulsando os jesuítas, aprisionando bispos e padres e promovendo numerosas
limitações ao culto e à vida católica. Pio IX condenou essa corrente com a
encíclica Quod Qunquam, de 5 de fevereiro de 1875.
Pio IX foi, sem dúvida, o Papa mais importante do século XIX. Seus
reveses não ofuscaram seus muitos sucessos: ele negociou numerosas concor-
datas, um acordo com o Império Otomano facilitou a criação do Patriarcado
Latino de Jerusalém em outubro de 1847, restabeleceu a hierarquia na Ingla-
terra (1850) e na Holanda (1853), levou adiante uma enorme expansão da
Igreja nos Estados Unidos e no Império Britânico.
A fim de promover a piedade, Pio IX canonizou uma quantidade sem
precedentes de santos e animou a devoção ao Sagrado Coração de Jesus; fun-
dou os periódicos L’Osservatore Romano e Civiltà Cattolica, este último dos
jesuítas, em 6 de abril de 1850, como instrumentos da política papal antili-
beral e da teologia do primado do Papa. Porém, ele falhou na compreensão
da corrente de mudança social e política que surgia na Europa Ocidental;
agarrou-se a formas tradicionais que considerava intimamente relacionadas à
religião. Seus desastres políticos e os sofrimentos que precisou suportar foram
interpretados na Igreja como ataques contra a fé católica.
Logo depois que morreu, em 7 de fevereiro de 1878, surgiram vozes que
pediam sua canonização. Foi beatificado pelo Papa João Paulo II, em 3 de
setembro de 2000.
Pio IX é considerado, na tradição salesiana, como o grande protetor da
nossa Congregação e honrado como “o Papa de Dom Bosco”. Seria muito
difícil que a Sociedade Salesiana e as Constituições conseguissem a aprova-
ção de Roma sem o interesse e a intervenção favorável de Pio IX. O grande
número de cartas dirigidas por Dom Bosco a Pio IX quando muitos falavam
de seus momentos difíceis, demonstra claramente a devoção pessoal de Dom
Bosco pelo Papa.
24
O Concílio Vaticano I (1869-1870) aumentou consideravelmente o âmbito da autoridade
papal. A declaração da Infalibilidade Pontifícia, em 18 de julho de 1870, foi aprovada pela imensa
maioria dos bispos: 533 contra 2. Não obstante, mais de 55 bispos, entre alemães, franceses e piemon-
teses deixaram o Concílio antes de emitirem o voto.
503
504
1
Sobre as compras e vendas das propriedades de Dom Bosco entre 1848 e 1884, como constam
no Cartório de Escrituras da cidade de Turim, cf. J. Bracco, Don Bosco e l’istituzioni, 145-150.
2
MB II, 500.
505
para sua fábrica de amido, até 1º de março de 1848. Dom Bosco assinou pela
primeira vez como contratante.3
Quando expirou o tempo de arrendamento do senhor Soave, o teólogo
Borel, atuando novamente como contratante, substituiu-o como arrendatário
e assinou o aluguel da casa e da propriedade com o senhor Pinardi por 150
liras a mais ao ano. O contrato ia de 1º de abril de 1849 a 31 de março de
1852. Devido a um assassinato nos locais da vizinha casa Bellezza, Pinardi pôs
à venda para Dom Bosco a casa e a propriedade, com a participação do teólo-
go Borel e dos padres Cafasso e Roberto Murialdo, por 28 mil liras. A escritura
foi assinada em 19 de fevereiro de 1851. Assim, o Oratório de São Francisco
de Sales ficava definitivamente estável em seu domicílio permanente.
Percebemos que alguns (jovens) vivem tão abandonados que, se não forem
abrigados, seria inútil todo cuidado para com eles. Por isso, enquanto possível,
abrir-se-ão casas de acolhida nas quais, com os meios proporcionados pela
divina Providência, seja-lhes providenciado alojamento, alimento e vestuário.
Enquanto forem instruídos nas verdades da fé, serão iniciados em algum ofício
Dom Bosco trouxera algum dinheiro de casa, obtido com a venda de um terreno (MO, 191),
3
não chegando, porém, a 769 liras. Acredita-se que padre Cafasso e outros que apoiavam a obra do
Oratório de Dom Bosco tenham dado o restante.
4
O nome dado por Dom Bosco era Casa annessa all’Oratorio di San Francesco di Sales (Casa
anexa ao Oratório de São Francisco de Sales, também descrito como Ospizio [albergue, internato].
5
Cf. P. Stella, Vita, 113.
506
6
Constituições da Sociedade Salesiana (1858), “O escopo desta sociedade”, artigo 4, em F. Motto,
Costituzioni, 74. Intenção semelhante é expressa no artigo 2º das Constituições da Sociedade de Caridade
em benefício dos jovens órfãos e abandonados de Turim, fundada em 1849 pelo padre Cocchi e outros. Foi
esse o grupo que construiu o Colégio dos Pequenos Aprendizes (P. Stella, Spiritualità, 114-115, nota 37).
507
Em 1847, são anotados no registro dois meninos que passam a viver no Ora-
tório como internos, ambos nascidos em Turim: Felipe Reviglio e Jacinto
Arnaud. Reviglio, nascido em 1831, entrou como estudante interno em 10
de outubro de 1847 e saiu em setembro de 1858. Mais tarde, foi ordenado
padre e esteve como pároco na igreja de Santo Agostinho em Turim. Arnaud,
nascido em 1826, entrou como interno aprendiz em 25 de outubro de 1847,
tendo saído em 5 de fevereiro de 1856. Nenhum dos dois corresponde ao
jovem de Valsésia de que fala Dom Bosco [nas Memórias].11
MO, 197.
7
9
Nota histórica, 175, parágrafo final no Apêndice mais adiante.
10
P. Stella, Economia, 175 descreve-o (em 1980) como “o primeiro livro importante do pri-
meiro grupo, que entrou no ASC provindo do escritório do secretário da casa salesiana de Valdocco,
não catalogado”.
11
P. Stella, Economia, 175-176.
508
Acrescente-se que nem estes jovens correspondem aos dois descritos por
Dom Bosco na Nota histórica, citado acima, exceto no número.
Stella alude em seguida “a um registro mais antigo, da mão de Dom
Bosco, que se intitula Arquivo Familiar e traz informações sobre pessoas que
residiam em Valdocco nos anos 1847-1853”.12 Trata-se de um rascunho no
qual Dom Bosco anota nomes, datas, cotas de pagamento, expedientes rela-
tivos a alguns indivíduos em particular, mas, como se apresentam, não eram
exaustivos nem estavam em ordem rigorosa.
A informação dada por Dom Bosco sobre algumas pessoas que ingres-
saram em 1847 como residentes pode ser resumida assim: 16 de outubro,
Alexandre Pescarmona, cota mensal 55,50 liras; 23 de outubro, padre Carlos
Palazzolo, cota mensal 35 liras; de 29 de outubro de 1847 a 20 de fevereiro de
1848, padre Pedro Ponte, cota mensal 50 liras; 2 de novembro, seminarista
(João Batista) Bertagna, cota mensal 50 liras; 9 de novembro, “o menino Luís
Parone veio com Dom Bosco” (não se anota a cota). (Seguem as anotações
de outros anos.)
Não fica claro o que este “registro familiar” representa para o início da
residência do Oratório. Alguns dados são evidentes. Primeiro, que no Ora-
tório residiam outras pessoas além dos meninos internos: em 1847, dois pa-
dres e um seminarista, que pagavam normalmente pelo alojamento, como
também o faziam alguns meninos. Segundo, que a anotação tem início em
outubro, não em maio, quando se recebeu o órfão de Valsésia, como afirmam
as Memórias. Terceiro, que não é provável que este seja um registro completo
dos meninos acolhidos como residentes, uma vez que aos dois mencionados
aqui, Pescarmona e Parone, devem-se acrescentar os dois mencionados no Re-
gistro familiar, Reviglio e Arnaud. Além disso, sabe-se que até fins de 1847 os
jovens “aos quais se dava alojamento” na casa eram 6 ou 7, incluindo um par
de estudantes. Quarto, e mais importante, que Alexandre Pescarmona não
é chamado de órfão de Valsésia, pois era filho de João B. Pescarmona, pro-
prietário de terras, anteriormente prefeito de Castelnuovo. A pensão e outros
assuntos são estabelecidos num contrato privado entre o senhor Pescarmona
e Dom Bosco.13 O menino Luís Parone, “que veio com Dom Bosco”, indi-
cando talvez que se tratasse de um ato de caridade, não deve ser levado em
conta, pois foi recebido em novembro, não em maio.
doméstico: o Oratório de 16/10/1847 a 14/8/1853, 1-40: FDB 753 C6-E12. Transcrito em Stella,
Economia, 559-571.
13
Documento assinado por Dom Bosco, em ASC 132: contratos autógrafos, Pescarmona, FDB
1099 C8.
509
A descrição dos inícios da casa nas Notas históricas de 1862, embora seja
específica, é suficientemente detalhada para oferecer uma alternativa à relação
tradicional. Vale a pena citá-la:
A casa anexa ao Oratório de São Francisco de Sales. Entre os jovens que acor-
riam a este Oratório, estavam alguns que eram tão pobres e abandonados que
todo o cuidado que lhes era oferecido teria sido de pouca utilidade, se não
lhes fosse dado alojamento em algum lugar e não lhes desse alimento e roupa.
Nós procuramos suprir esta necessidade com a casa anexa, também chamada
(simplesmente) Oratório de São Francisco de Sales. Começamos por arrendar
uma pequena casa em 184714 proporcionando residência a alguns dos mais
pobres. Nessa época, costumavam ir ao trabalho fora (de casa), em diversos
lugares da cidade, retornando à casa do Oratório para comer e dormir. Con-
tudo, a grave carência que se sentia em diversas localidades da província (de
Turim) foi a causa da nossa decisão de ampliar a admissão também aos que
não frequentavam o Oratório de Turim. Uma coisa levou a outra. Em todas
as partes, aos bandos, surgiam jovens abandonados. Foi então que se estabele-
ceu a regra pela qual se admitiam apenas meninos entre doze e dezoito anos,
órfãos de ambos os pais, e que estivessem num estado de mísera pobreza e não
tivessem ninguém que cuidasse deles.15
14
Trata-se da casa Pinardi.
15
As Notas históricas de 1862 estão num capítulo posterior.
510
16
O padre Francisco Puecher, em seu relatório ao padre Rosmini, em junho de 1850, também
assinala que os internos na residência (casa Pinardi) eram cerca de 30.
17
Para a descrição detalhada dos projetos e da construção da igreja dedicada a São Francisco de
Sales, cf. F. Giraudi, L’Oratorio, 111-120. Para a história dos edifícios construídos entre 1851 e 1859,
cf. P. Stella, Economia, 86-100.
18
Sobre as solicitações de Dom Bosco às autoridades, o significado desta primeira rifa e de outras
que se seguiram, cf. J. Bracco, Don Bosco e le istituzioni, 130-138. A resposta da municipalidade aos
pedidos de Dom Bosco para a permissão de emitir loterias foi sempre razoável e positiva.
511
19
Cf. F. Giraudi, L’Oratorio, 127-132.
20
Cf. F. Giraudi, L’Oratorio, 127-132.
512
21
Cf. P. Stella, Economia, 86-100; 180-181; F. Giraudi, L’Oratorio 111-131. Cf. também MB IV, 666.
22
Fazemos aqui apenas uma pequena referência à escola do Oratório e à comunidade de estu-
dantes. Informações mais detalhadas serão dadas no contexto da criação da primeira escola salesiana em
1863. Como também, será descrita mais adiante a comunidade dos artesãos ou aprendizes e das oficinas.
23
No início da Revolução Liberal e da Constituição de 1848, deu-se uma reforma escolar, obra
do ministro da Instrução Pública Carlos Bongiovanni. A reforma colocava toda a educação pública sob o
controle do Estado (substituindo a legislação educativa do rei Carlos Félix, de 1822) e eliminava, de fato,
o controle da Igreja. Entretanto, permitia a existência de escolas particulares, desde que cumprissem os
requisitos dos novos estatutos. Escola particular era aquela dirigida por um professor com a devida licen-
ça (em geral em sua própria casa) ou por uma instituição. Havia várias escolas desse tipo na cidade. Em
1859, o ministro Gábrio Casati, seguindo o programa liberal de secularização, publicou uma nova refor-
ma educativa de grande alcance, que exigiu a reorganização do programa de estudos na escola do Ora-
tório que, à época, já estava plenamente estabelecida com cinco anos de estudos secundários (ginnasio).
513
514
O Oratório de São Francisco de Sales, dirigido por Dom Bosco, deve ser clas-
sificado como instituição de caridade mais do que acadêmica. Os honorários
cobrados pela moradia e alojamento são extremamente modestos, e a maioria
de seus alunos é mantida gratuitamente. Talvez menos de uma centena pague
a cifra de 24 liras por mês. Dos 504 estudantes da residência do instituto, 445
estão matriculados na escola secundária [...].
No programa de estudos são matriculados jovens de boa conduta que con-
cluíram os cursos de estudos fundamentais. São aceitos totalmente gratuitos
(e são a maioria) ou contribuem com um modesto emolumento que vai de
5 a 24 liras por mês. Por outro lado, os aprendizes operários são admitidos
gratuitamente. Devem ter ao menos 12 anos e ser órfãos de pai e mãe, e não
ter ninguém que os possa assistir.26
25
Cf. P. Stella, Economia, 202-204; Lemoyne também anota que, mesmo antes de 1851, alguns
internos pagavam regularmente uma mensalidade, MB III, 611.
26
P. Baricco, Torino descritta II, 708 e 813.
515
Recorde-se que Dom Bosco e o teólogo Borel ainda não tinham comprado a faixa de terra de
28
516
29
Não se anota outro nome da senhora Vaglienti. Cf. P. Stella, Economia, 644.
517
Essas palavras foram acolhidas com um grito de alegria. Esperou que o en-
tusiasmo juvenil se acalmasse e, então, o bom padre resumiu sua fala dizendo:
– Agora, estais curiosos para saber onde será aberto o novo Oratório
e quem de vós irá para lá; quereis saber quando ele se abrirá, logo
ou mais adiante; e que nome se vai dar a ele. Fazei silêncio e eu o
direi. O Oratório será aberto perto de Porta Nova, próximo à ponte
de ferro sobre o rio Pó. Portanto, deverão ir para lá os que moram
por aqueles lados; porque lhes fica mais perto, e também para atrair,
com seu exemplo, outros meninos daqueles lados.
– E quando será aberto?
– Os operários já estão trabalhando para preparar a capela, e eu espe-
ro que poderemos benzê-la no próximo dia 8 de dezembro, festa da
Imaculada Conceição de Maria. Dessa forma, do mesmo modo que
fizemos com o primeiro, abriremos o segundo Oratório num dia de-
dicado à Mãe de Deus, e o colocaremos sob a sua poderosa proteção.
– E como o chamaremos?
– Ele será chamado Oratório de São Luís, por dois motivos: primei-
ro, para oferecer aos meninos um modelo de inocência e virtude
como o que a própria Igreja nos propõe em São Luís Gonzaga, e
imitá-lo; segundo, em reconhecimento e gratidão ao nosso arcebis-
po dom Fransoni, que tanto nos quer, nos ajuda e nos protege. O
que vos parece? Estais contentes?
518
519
de 1844, não se situava no Refúgio, mas nas dependências dos padres do Pequeno Hospital, embora
Dom Bosco vivesse no Refúgio com o teólogo Borel.
31
Os traços biográficos do padre Cárpano são apresentados no apêndice a seguir.
520
Grupos de lavadeiras exerciam o seu trabalho em alguns locais ao longo às margens do rio Pó,
33
521
alugados para ver o que se podia arrumar, viram-se cercados por uma dúzia
daquelas mulheres, que protestavam com todo tipo de ameaças e insultos.
Dom Bosco tentou acalmá-las, mas em vão. A senhora, enfim, convenceu-as:
A concessão de direitos civis e liberdade de culto aos judeus e valdenses (protestantes) foi pro-
34
posta em novembro de 1847 e promulgada como lei com a Constituição (Statuto) em março de 1848.
Fazia parte das reformas liberais concedidas pelo rei Carlos Alberto.
522
Houve entre eles certo Pugno, sapateiro pobre que, cansado de manejar
suas ferramentas, chegou a ser um dos pregadores mais raivosos. Várias vezes
foi visitar Dom Bosco para discutir com ele; e, a não ser pela compaixão que
o pobre homem despertava, seria o caso de rir às escâncaras, ouvindo fan-
farrear um remendão convertido da noite para o dia em teólogo e apóstolo!
Quando os protestantes viram que não podiam fazer muitos prosélitos entre
os adultos, adotaram outro método que, infelizmente, resultou sempre válido
para desencaminhar as almas. Tinham dinheiro e usaram-no para corromper
a juventude, que não suspeitava da finalidade dos valdenses. Essa finalidade
foi levada em seguida à prática e o primeiro objetivo foi o Oratório de São
Luís, que estava ao lado e era então frequentado por quase 500 meninos.
Num domingo, alguns dos sectários ficaram no caminho que levava ao Ora-
tório; outros se colocaram o mais perto possível do lugar do recreio; e, com
palavras amáveis ou frases picantes, procuravam atrair os meninos: “O que
ides fazer ali? Vinde conosco, e vos levaremos a divertimentos agradáveis;
ouvireis coisas interessantes e vos daremos 80 centavos [de lira] e um livro
muito bonito”.
Quem conhece a volubilidade juvenil e o provérbio “cavalheiro podero-
so é o senhor dinheiro”, não se admirarão de alguns meninos terem embar-
cado nessas promessas. Dessa forma, uns 50 meninos foram às reuniões dos
valdenses. Depois do sermãozinho, cada menino recebeu os 80 centavos e o
livro do famoso apóstata De Sanctis, contra a confissão.
Depois de receber o pagamento e o convite para retornar, vários meni-
nos, sem perceber a fraude em que se tinham metido, apresentaram-se in-
genuamente na mesma tarde no Oratório e contaram o que tinha aconteci-
do. Então, o sábio diretor, teólogo Cárpano, tomou ciência de que os lobos
atentavam contra a vida dos cordeiros que Dom Bosco lhe havia confiado
e incendiou-se de santo zelo para impedir os estragos. Confiscou todos os
livros que pôde e, depois, valendo-se da parábola evangélica do Bom Pastor,
do mercenário e do lobo, explicou também aos meninos a trama dos hereges,
infundindo-lhes tanto horror às suas reuniões, que todos lhe prometeram não
irem mais, nem por todo o ouro do mundo, àquelas reuniões. Contudo, as
batalhas continuaram a ser tão furiosas e repetidas que Dom Bosco, o teólogo
Borel e o teólogo Cárpano passaram dias e horas tremendas.
No domingo seguinte os sequazes dos valdenses voltaram a esperar os
meninos para tirá-los do Oratório; desta vez, porém, não lhes foi tão fácil, por-
que os jovens mais velhos, prevenidos pelos superiores, os vigiavam, estavam
atentos aos seus passos e logo que os viam dirigir-se aos meninos do Oratório,
diziam-lhes que, sem falar nada, fossem diretamente ao Oratório tão depressa
523
524
36
Esta breve descrição da reabertura por Dom Bosco do Oratório do Anjo da Guarda do pa-
dre Cocchi foi tomada, adaptando-a, do padre Bonetti, Storia dell’Oratorio, 159-160. A descrição
do fechamento do Oratório durante a Primeira Guerra do Piemonte contra a Áustria torna óbvio o
“patriotismo” do padre Cocchi.
525
37
Ver os traços biográficos do padre Cárpano no Apêndice a seguir.
38
Sobre o Oratório de São José, assumido por Dom Bosco na década de 1860, se tratará mais adiante.
526
527
528
529
39
MB II, 69-75.
530
“Como não iniciava nada sem informar verbalmente ou por escrito a dom
Fransoni, ia frequentemente visitá-lo no palácio, onde sempre era bem rece-
bido [...]. Além disso, com suas visitas ao palácio arquiepiscopal, Dom Bosco
participava dos sofrimentos e das alegrias do seu superior eclesiástico”.40
Tudo parece indicar que Dom Bosco visitou dom Fransoni quando es-
teve preso. Além do verdadeiro afeto e do seu sentimento de lealdade, é de se
supor que Dom Bosco compartilhasse os pontos de vista políticos conserva-
dores do arcebispo.
O arcebispo apoiava Dom Bosco em seu trabalho e, depois de ter co-
municado aos párocos, concedeu-lhe certa “jurisdição” sobre os meninos do
Oratório para prepará-los e admiti-los, por exemplo, à primeira Comunhão
e à Confirmação e ao cumprimento do preceito pascal.41 Por isso, Dom Bos-
co entendeu que o Oratório poderia funcionar como uma “paróquia”. O
arcebispo visitou pela primeira vez o Oratório na festa de São Luís, em 21
de junho de 1847, para administrar a Confirmação. O Oratório de São Luís
(1847) foi assim chamado em homenagem ao arcebispo.42
Na época da crise do Oratório (1849-1852), criada pela diversidade de
critério nos assuntos de administração, educação e política, o arcebispo, que es-
tava no exílio, nomeou Dom Bosco como único diretor espiritual dos três ora-
tórios com um decreto oficial de 3 de março de 1852.43 Mais tarde, Dom Bosco
citaria o decreto como prova de que a Igreja aprovava a sua Pia Sociedade.
O arcebispo Fransoni continuou a favorecer Dom Bosco, inclusive con-
tra o conselho da sua Chancelaria, como, por exemplo, no tema da admissão
e formação dos seminaristas diocesanos no Oratório que, na prática, funcio-
nou como “seminário substituto” da diocese de 1849 a 1863, anos em que o
seminário de Turim permaneceu fechado.
Em 1858, Dom Bosco pôde mostrar a Pio IX uma carta em que dom
Fransoni o pressionava a criar uma instituição permanente que continuasse
a obra dos oratórios. Em 1860, Dom Bosco enviou ao arcebispo no exílio, o
primeiro rascunho das Constituições Salesianas, assinado por 22 membros.
O arcebispo animou-o, mesmo quando declinou de expressar a sua opinião.
Dom Bosco demonstrou-lhe gratidão fazendo com que fosse representado
no relevo das portas de bronze da igreja de São João Evangelista, no Oratório
de São Luís.
40
MB II, 185-186.
41
MB III, 196.
42
MB III, 228.
43
MB IV, 378.
531
MB II, 346.
44
MB II, 430.
45
46
José Buzzetti conservou aqueles versos e entregou-os ao padre Lemoyne pouco antes da sua
morte. Cf. MB II, 501.
47
MB III, 228.
48
MB III, 250.
49
G. Bonetti, Cinque lustri, 113-117.
532
MB III, 560-561. Padre João Vola sucedeu o teólogo Cárpano como diretor. O Oratório
50
encontrou dificuldades por causa do bando de Vanchiglia, como descreve José Brósio, o bersagliere, em
suas memórias (cf. MB III, 558-559).
51
G. Casalis, Dizionario (...), XXI, 718 (Centros de educação).
52
Bollettino Salesiano (1894), 84, em E. Valentini, Preistoria dei Cooperatori, 134.
533
534
53
Com a ocupação de Roma, os setores católicos “intransigentes”, daqueles que defendiam a qualquer
custo o direito papal contra o Estado italiano, “usurpador”, e os defensores do abstencionismo político,
impuseram-se aos católicos moderados, que estavam a favor de um acordo com o Estado. Os “intransigen-
tes” conseguiram um instrumento efetivo de organização na Opera dei Congressi (Congresso Católico de
Operários), fundado em 1875. Este se situou como contrapartida ao crescente movimento operário e ao
incipiente socialismo organizado na Itália. Em especial, de 1885 em diante, promoveu um conjunto de
atividades de bem-estar econômico e social, principalmente nas zonas rurais do norte e do centro. Con-
temporaneamente, foram fundados os Cooperadores Salesianos. Embora em alguns aspectos seus objetivos
coincidissem com os da Opera dei Congressi, diferiam em que renunciavam ao diálogo político e se propu-
nham a ajudar a causa dos operários católicos colaborando com o apostolado salesiano em favor dos jovens.
54
MB XVII, 652.
535
Por que não se fez salesiano? É a pergunta que se poderia fazer. Um biógrafo
de Murialdo, Castellani, dá algumas razões para isso. Ele levou muito a sério as
suas obrigações e relações com a família. Seu enorme amor à liberdade, como
admitiria mais tarde na história da sua vocação, distanciou-o da vida religiosa.
“Fez-se religioso” só aos 45 anos, quando fundou uma congregação religiosa, e
isso, não sem uma dura batalha. Ele estava convencido de que, como padre dioce-
sano, podia seguir o ideal de santidade pessoal e apostolado em favor dos pobres.
É certo que Dom Bosco alimentou esperanças quanto a ele, e que sen-
tiu tê-lo deixado “escapar”. Em 1858, quando padre Murialdo era diretor do
Oratório de São Luís, os dois participaram juntos de uma audiência papal, e
Dom Bosco apresentou-o a Pio IX com palavras que indicavam a esperança
de mantê-lo em sua família. Dez anos depois, o papa perguntou-lhe sobre
aquele “bom padre de Turim”. Dom Bosco respondeu-lhe: “Deixei-o escapar”.
Quando, casualmente, Dom Bosco se encontrava com Murialdo, repreendia-
-o dizendo: “Padre, fugiste de mim!”. Ambos mantiveram durante suas vidas
uma profunda e duradoura amizade, guiada pela compreensão recíproca.
NOTA INTRODUTÓRIA AO
“PLANO DE REGULAMENTO” DE 185455
As palavras do Santo Evangelho “Ut filios Dei, qui erant dispersi, con-
gregaret in unum” (Para reunir os filhos de Deus que estavam dispersos) que
nos mostram o Divino Salvador descido do céu à terra para reunir os filhos
55
O manuscrito do plano de regulamento do Oratório de São Francisco de Sales de Turim,
bairro de Valdocco, de 1854, foi editado criticamente, com um estudo introdutório e notas, por Pietro
Braido, “Don Bosco per i giovani: L’Oratorio, una ‘Congregazione degli Oratori’”. Documenti (Picco-
la Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 9). Roma: LAS, 1988, 30-34, 34-55.
Apresentamos aqui os dois primeiros capítulos desses Regulamentos: (1) “Introduzione”
(Introdução), que estabelece as razões básicas e os inícios da obra do oratório; (2) “Cenno Storico
dell’Oratorio di San Francesco di Sales” (Nota histórica do Oratório de São Francisco de Sales), que
descreve as origens e o desenvolvimento inicial do Oratório como preâmbulo do Regulamento.
O autógrafo de Dom Bosco da Introdução e Nota Histórica está em ASC A 220-27; Oratorio 1,
FDB 1,872 B3-C5. Uma cópia completa dos Regulamentos (não da mão de Dom Bosco) está em ASC
D482s; Regolamento dell’Oratorio, FDB 1,955 D6 - 1,956 B3. Esses regulamentos começaram a ser
preparados nos primeiros anos cinquenta, tendo por base as experiências realizadas até então. O Resu-
mo aqui tratado data de 1854. Deve-se ressaltar que estes são os Regulamentos para o Oratório original
de meninos, ou seja, a reunião de meninos aos domingos e dias festivos para as funções religiosas, sua
instrução e recreação. O Regulamento para os internos da casa e escola de Valdocco (redigidos mais
tarde como Regulamentos das Casas Salesianas) são outra coisa. Os dois conjuntos de Regulamentos
passaram por sucessivas revisões, levando em conta as novas experiências, até sua publicação oficial em
1877. Primeira publicação: Uma parte da Introdução (linhas 1-25, 47-51) foi publicada por Lemoyne
nas Memórias Biográficas (MB II, 44-45). O Cenno storico (Nota histórica) não foi publicado, embora
fosse conhecido, e historiadores como Ceria e Stella referiam-se a ele.
536
537
56
Comparar o que se diz aqui de “dois jovens adultos” com o que Dom Bosco diz nas Memórias
sobre B. Garelli.
538
539
540
Embora o Oratório tenha deixado o Pequeno Hospital, Dom Bosco continuou como con-
61
tratado da marquesa Barolo, com salário e moradia no Refúgio. Desde fins de 1845 e durante 1846,
a marquesa pressionou Dom Bosco para que se desfizesse do Oratório e se unisse aos seus padres. Foi
quanto Dom Bosco se demitiu (ou foi demitido).
541
“Não, o caminho não é esse. Esta é uma obra de Deus; Ele iniciou-a e
Ele deve levá-la a termo”, respondi. E ele insistia: “Enquanto isso, porém,
onde reunir os nossos meninos?”. “No Oratório”, eu disse. “Mas, onde está o
Oratório?” “Eu o vejo ali, já pronto. Eu vejo uma igreja, uma casa e um pátio
fechado. Está ali e eu o vejo.” “Mas onde estão todas essas coisas?” “Não sei
onde estão, mas eu as vejo.”
Eu insistia por causa do meu vivo desejo de ter todas essas coisas. Estava
totalmente convencido de que Deus me haveria de proporcioná-lo.62
O teólogo Borelli sentiu-se desolado com meu estado e expressou, pe-
nalizado, suas dúvidas sobre minha saúde mental. Padre Cafasso aconse-
lhou-me, no momento, a não tomar qualquer decisão. O arcebispo (Luís
Fransoni), contudo, era da opinião que eu continuasse com a obra. Ao
mesmo tempo, o marquês Cavour sustentava com firmeza a opinião de que
essas reuniões eram perigosas, como dizia, e deveriam ser abolidas. Entre-
tanto, não querendo tomar uma decisão que desagradasse ao arcebispo, ele
convocou uma reunião com seus colaboradores no palácio arquiepiscopal.
O arcebispo confidenciou-me mais tarde que parecia o juízo final. A dis-
cussão foi breve, mas o veredicto foi que essas reuniões deveriam ser abso-
lutamente canceladas.
Por sorte, o conde (Luís ?) Provana di Collegno trabalhava então no
Conselho do Vigário como chefe do Departamento de Contas. Tinha-me
sempre animado e ajudado economicamente no meu trabalho, tanto com seu
dinheiro pessoal como em nome de Sua Majestade o rei Carlos Alberto. Esse
soberano, de grata memória, apreciava a obra do Oratório e enviava ajuda
econômica nos momentos de grande necessidade.63
Mediante o conde Collegno, ele me expressava sua satisfação com frequ-
ência pelo nosso especial ministério sacerdotal. Considerava nosso ministério
no mesmo nível das missões estrangeiras e teria desejado ver essas reuniões
de jovens em perigo em todas as cidades do seu reino. Quando se inteirou
do meu sucesso, enviou-me 300 francos pelo mesmo conde com palavras
de incentivo. Também fez saber ao escritório do vigário que gostaria que as
reuniões dominicais de jovens continuassem. O vigário devia ter o cuidado
de prevenir qualquer desordem que pudesse surgir.
62
Dom Bosco, nesse momento, não fala que teve um sonho. Lemoyne, porém, narra um (segun-
do) Sonho dos Santos Mártires.
63
Na época em que estes Regulamentos foram escritos (1854), Carlos Alberto já havia morrido em
seu exílio voluntário (1849) depois da derrota sofrida na Primeira Guerra da Independência contra a Áustria.
542
64
Nas Memórias de Dom Bosco (MO, 152) há um relato paralelo da oposição do vigário Cavour
nesses mesmos termos, datado em 1874. Contudo, este parágrafo da Nota histórica de 1854, quando fala
do conde Colegno e do favor do rei pelo Oratório, também suaviza consideravelmente a atitude do vigário.
A carta de Dom Bosco de 1846 ao vigário também parece indicar uma atitude diversa em relação a esta.
65
A história do último dia nos prados Filippi, o aluguel do telheiro Pinardi e a instalação são
mais bem descritos nas Memórias (MO, 160).
66
Dom Bosco refere-se ao cavalheiro Marcos Gonella (1822-1851) que foi, de fato, um grande
benfeitor. Entretanto, foi o pai de Marcos, André, que, em 3 de dezembro de 1845 (P. Stella, Economia,
64-65), obteve a permissão do rei para criar as classes noturnas para adultos em Santa Pelágia, igreja
da Obra para a Instrução dos Pobres (Mendicância Instruída). As aulas foram confiadas aos Irmãos
das Escolas Cristãs. Tanto Dom Bosco como os Irmãos se atribuíram o mérito de serem os primeiros a
estabelecer as aulas noturnas.
67
A “atual igreja” refere-se à primeira capela Pinardi. Deve-se notar, porém, que por volta de
1854 (presumivelmente no tempo em que escrevia), a capela original (embora ainda não demolida) já
tivesse sido substituída pelo uso da igreja maior de São Francisco de Sales, construída em 1852. Parece,
portanto, que a Nota histórica tinha sido preparada antes e que a expressão nunca foi mudada.
68
Em inícios de novembro, Dom Bosco retornara dos Becchi com sua mãe; ele passara cerca
de três meses ali, recuperando-se de uma doença. Nesse momento (fins de 1846), a casa anexa ainda
não existia. Seu início foi em 1847, na casa Pinardi, em que Dom Bosco tinha alugado alguns quartos.
543
544
1
Em Turim também havia muitos oratórios nas paróquias, que funcionavam como parte das
atividades paroquiais de instrução religiosa. Aqui, não nos referimos a esses oratórios.
545
2
Epistolario I Motto, 96. Para o texto completo da carta, ver Apêndice, no final do capítulo. A Regia
Opera della Mendicità Istruita (Real Instituto para a Instrução dos Pobres), era uma associação legalmente
fundada em fins do século XVIII; era bem favorecida e tinha por objetivo ajudar os pobres e instruí-los.
Aprovada por Decreto Real, ela iniciou, em meados da década de 1840, aulas diurnas e noturnas, sendo o
ensino dos meninos dado pelos Irmãos de La Salle e, das meninas, pelas Irmãs de São José de Annecy.
3
ASC A049ss: Persone, FDBM 552 E4-12. O teólogo Borel cuidou durante muitos anos das
“atas” do Oratório.
546
Entre os padres que prestaram ajuda material e moral no trabalho dos Orató-
rios festivos, deve-se mencionar padre Sebastião Pacchiotti, padre Jacinto Cár-
pano, padre João Vola, padre José Trivero, padre Pedro Ponte, padre Leonardo
Murialdo, cavalheiro Roberto Murialdo, padre Miguel Rua, padre Vitório
Alasonatti. Merece destaque muito especial o teólogo padre João Borel por ter
sido promotor e sustentáculo da obra. Esteve sempre disponível e trabalhou
com entusiasmo e eficácia o tempo todo e de todos os modos.4
4
Cf. Notas históricas, de 1862, em ASC A220ss: Oratorio 2.1, FDB 1,972 C10-D4 (autógrafo de
Dom Bosco); 2.2 FDB 1,972 E9 - 1,973 A6 (cópia corrigida por Dom Bosco) e 2.3 FDB 1,972 E1-8
(última cópia corrigida por Dom Bosco); publicada em P. Braido, Don Bosco per i giovanni: l’ “Oratorio”
una Congregazione degli Oratori. Documenti. Piccola Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 9. Roma:
LAS, 1988. Tradução espanhola em J. M. Prellezo, El sistema preventivo, 91s.
5
A declaração detalhada de Dom Bosco foi publicada no Bibliofilo Cattolico ou Bollettino Salesia-
no 3, 6 de setembro de 1877, transcrita por Eugênio Valentini em Preistoria dei Cooperatori, 114-150.
547
com eles. Alguns Cooperadores cuidavam desses meninos; faziam com que es-
tivessem limpos; colocavam-nos com algum patrão honrado e preparavam-nos
para se apresentarem ao local do trabalho. Durante a semana, visitavam os jo-
vens e cuidavam dos que voltavam ao Oratório no domingo seguinte, para
que não perdessem num dia o que tinham ganhado com o trabalho de várias
semanas. Muitos desses Cooperadores, com grande sacrifício pessoal, vinham
assiduamente todas as tardes durante o inverno e davam aulas de leitura, escri-
ta, canto, aritmética e língua italiana. Outros vinham diariamente ao meio-dia
para ensinar catecismo aos jovens mais carentes de instrução [...].6
Entre os numerosos padres que se associaram ao trabalho, podemos mencionar
os seguintes: os irmãos [João] Inácio e João [Batista] Vola; padre [Paulo Fran-
cisco] Rossi, que morreu como diretor do Oratório de São Luís; o procurador
[João Batista] Destefanis. Deus já chamou todos eles para sua morada do céu.
A eles, devemos acrescentar o padre Roberto Murialdo, atualmente diretor de
A Família de São Pedro e o padre Leonardo Murialdo, atual diretor do Insti-
tuto dos Pequenos Aprendizes. Entre os mais antigos padres cooperadores que
ainda vivem (Deus seja bendito) devem ser mencionados os seguintes: padre
José Trivero; cavalheiro padre Jacinto Cárpano; padre Miguel Ángel Chiatelli-
no; padre Ascânio Sávio; padre João Giacomelli; professor [?] doutor Chia-
ves; padre Antônio Bósio, então pároco; padre Sebastião Pacchiotti; professor
[João Batista] Musso; cônego [?] Musso, professor; padre Pedro Ponti [Pon-
te]; cônego Luís Nasi; cônego professor [Francisco] Marengo; padre Francisco
Onesti, professor; padre Emiliano Manacorda, agora bispo de Fossano; cônego
Eugênio Galletti, agora bispo de Alba [...].7
Tivemos cooperadores, homens e mulheres. Alguns dos nossos alunos não eram
muito asseados, mas descuidados e sujos. Ninguém os suportava e nenhum
patrão os queria receber em sua fábrica. Muitas mulheres caridosas vinham em
sua ajuda [...]. A primeira dessas mulheres foi a senhora Margarida Gastaldi.8
Falta aqui um parágrafo no qual se descreve como se conservava a ordem e como o Oratório era
7
conduzido, conforme uma série de regras que não recorriam a ameaças ou castigos.
8
Era a mãe do arcebispo Gastaldi. Citam-se outras dez senhoras.
548
549
11
MB III, 453-454.
550
12
MB IV, 310-311. É evidente que aqui Lemoyne conta uma história, não sem preconceitos.
551
13
G. Casalis, Dizionario (...), vol. XXI, 714-718.
14
G. Bonetti, Storia dell’Oratorio, 103-107.
15
Sobre a data da retirada do padre Cárpano, Lemoyne traz afirmações contraditórias: em MB
III, 562, foi em 1853; mas em MB IV, 310, foi antes, em 1851.
16
Pedro Ponte nasceu em Pancalieri (Turim), em 1821. Viveu “com Dom Bosco” em Valdocco
por mais de um ano (1847-1848. Cf. MB III, 253) e foi um dos primeiros colaboradores no trabalho
do Oratório. No Colégio Eclesiástico, ele era encarregado, sob a direção do padre Cafasso, da instrução
religiosa dos limpadores de chaminé em colaboração com padre Cárpano. Foi diretor do Oratório de São
Luís nos anos 1849-1850. Em seguida, foi capelão da marquesa Barolo e de suas obras e seu testamentei-
ro após sua morte. Supervisionou a construção da igreja de Santa Júlia, erguida com doação testamentá-
ria da marquesa no bairro de Vanchiglia, sendo seu primeiro reitor. Morreu em 2 de outubro de 1892.
552
Nem todos, como sabemos, estavam de acordo com Dom Bosco so-
bre o modo de conduzir um Oratório, não havendo unanimidade entre os
catequistas dos três Oratórios.17 As diferenças explodiram em 1851 entre
os catequistas dos Oratórios do Anjo da Guarda e os de São Luís. Ao que
parece, padre Ponte era o centro dessas diferenças. Provavelmente, a preo-
cupação com a unidade de direção apresentada por Dom Bosco tenha cria-
do ressentimento por ser interpretada como desejo de dominar ou ganhar
fama.18 Por sugestão do padre Cafasso, foi convocada uma reunião dos
padres dos Oratórios (citam-se seis, incluídos os padres Roberto Murialdo
e João Cocchi): “Padre Pedro Ponte foi convidado a participar e explicar
as suas queixas, mas declinou de participar. Nessa reunião, Dom Bosco
mostrou-se disposto a concessões sem ter que renunciar à autoridade que
lhe correspondia por direito”.19
Como solução temporária, Dom Bosco sugeriu que padre Cafasso reco-
mendasse padre Ponte à marquesa Barolo, que estava buscando um capelão
pessoal. Padre Ponte aceitou a oferta da marquesa e, em outubro de 1851,
acompanhou-a e ao seu secretário Sílvio Péllico20 numa viagem a Roma. Dom
Bosco pediu a padre Félix Rossi que assumisse a direção do Oratório de São
Luís. Seguiu-se uma correspondência entre o padre Ponte e o teólogo Borel,
que atuava em nome de Dom Bosco. Em resposta à carta do padre Ponte em
que enumerava suas queixas quanto a alguns assuntos, o teólogo Borel revela
indiretamente alguns aspectos da disputa:
Entre outras coisas, não duvidamos que se trate de um dano notável para a
união, reter e conservar a propriedade e o uso das coisas que se adquiriram
para o bem de um Oratório, excluindo os demais Oratórios do seu uso; como
também que, num mesmo Oratório, um membro possa servir-se dos objetos
ali existentes para uso do Oratório, excluindo os outros membros quando
ausentes. Estamos todos de acordo em pensar e querer que as ofertas recebi-
das em cada um dos Oratórios na pessoa do relativo diretor se tenham como
17
Sobre um episódio ocorrido no Oratório de São Francisco de Sales, ver MB IV, 311-312,
citado por Lemoyne, de acordo com as Memórias de José Brósio, das quais falaremos em breve.
18
Ver a declaração de Dom Bosco, Introdução dos Regulamentos para os meninos do Oratório, de 1854.
19
MB IV, 311 ss.
20
Sílvio Péllico (1789-1854) foi patriota e escritor, fundador e editor (1818-1819) do diário pa-
triótico-liberal Il Conciliatore. Suspeito de atividades revolucionárias na Revolução carbonária de 1822,
ele foi condenado (1822) a 15 anos de trabalhos forçados e encarcerado na fortaleza de Speielberg
(Áustria), mas libertado em 1830. Desde então, viveu em Turim e, a partir de 1834, foi bibliotecário e
secretário da marquesa Barolo. Como esta, ele defendeu as reformas das prisões. É conhecido por uma
obra escrita na prisão: Le mie prigioni (1832) (As minhas prisões). Escreveu teatro (tragédias), publicou
uma tradução do Manfred, de Byron. É também autor de poesia mística e religiosa.
553
21
Cf. MB IV, 313.
22
Cf. MB IV, 316.
23
Cf. MB IV, 368.
554
MB IV, 370-374.
24
ASC A049ss: Persone, Brosio Giuseppe “Il bersagliere”, FDB 554 E10 - 555 D8. Este relatório
25
555
27
A primeira informação está no relato I, C1.4 (16 -19) FDBM 555 B3-6. A segunda informação,
no relato II (1-5), FDBM 555 C7-11. Brósio fala de alguns padres e de um deles em particular, que parece
ter sido o chefe do grupo. Fala também de “senhores”, talvez aludindo a leigos ou aos padres menciona-
dos anteriormente. Estes são “conspiradores”; entre eles há catequistas e jovens (líderes dos meninos do
Oratório) que os protagonistas atraíram ou tentaram atrair. Ninguém é identificado pelo próprio nome.
556
“O padre” veio certo dia festivo convidar-me para um passeio pelo campo; co-
muniquei imediatamente a Dom Bosco, mesmo tendo-me ele proibido de lhe
falar daquelas desagradáveis reuniões. Dom Bosco permitiu que eu aceitasse,
e fui com prazer a fim de ver o rumo que as coisas tomavam. No domingo
seguinte, depois das funções da manhã, saí do Oratório para encontrar-me
no lugar marcado, ou seja, na Porta Palácio. Ali já estavam os outros colegas
que me esperavam com os senhores [não se dizem os nomes] que acreditavam
que eu não me apresentaria. Ao ver-me chegar, celebraram o fato e, satisfeitos,
me beijaram e abraçaram. O cavalheiro [padre?] exclamou: “Hoje será a nossa
maior festa, porque contamos com nosso íntimo amigo, com nosso querido
bersagliere [soldado]”. (Eles pensavam que eu não me apresentaria).
Tomamos a rua Milão e fomos andando até o restaurante Centauro onde, logo
que chegamos, serviram-nos alguns refrescos. Ao meio-dia apresentaram-nos
uma comida estupenda: não se poderia esperar mais. Vinhos finos e abundan-
tes. Depois de comer, começaram as diversões. Jogamos bochas, cantamos,
corremos enquanto continuavam a servir-nos ótimos vinhos. Passou-se assim
o dia todo. Ao anoitecer voltamos à cidade e, ao chegar a Porta Palácio, fomos
tomar um café e nos separamos para ir cada um à própria casa com o convite
de nos encontrarmos novamente no domingo seguinte pela manhã, na igreja
de... [não diz a igreja]. Eu, em vez de ir para casa, fui ao Oratório contar a
28
Brosio, Informe, relato I, 16, FDBM 555 B3.
29
Brosio, Informe, relato I, 16, FDBM 555 B3.
557
Dom Bosco tudo que tinha acontecido e perguntar-lhe o que deveria fazer
no domingo seguinte. Dom Bosco, depois de ouvir-me até terminar, disse-
-me que eu fosse. No domingo seguinte, encontramo-nos na igreja indicada.
Terminada a Missa, levaram-nos ao café chamado das Galerias de São Carlos,
que se localizava em Porta Nova (hoje via Roma) para o café da manhã. Nas
duas ocasiões, insistiram para que abandonássemos o Oratório; diziam-nos
que Deus está em todos os lugares e que podíamos nos santificar em qualquer
lugar, se o quiséssemos.30 À tarde, retornei ao Oratório para prestar contas de
tudo a Dom Bosco e comuniquei-lhe o novo convite para uma merenda no
domingo seguinte; Dom Bosco, porém, não me deixou voltar àquela gente.
O padre dera-me 6 escudos de prata (30 liras),31 acreditando que dessa forma
conseguiria mais facilmente seu desejo de filiar-me para sempre ao seu grupo.
Não queria aceitá-los; mas deu-me tantas razões, ao pôr as moedas em minhas
mãos, que fiquei gelado e como pedra, como uma estátua de mármore. Assim
que peguei o dinheiro, perdi a tranquilidade, fiquei com remorso, acredi-
tando ter traído Dom Bosco só por tê-lo aceitado, e imediatamente o dei
em esmola a um pobre pai de família que muito precisava. Corri depois ao
Oratório para expor a Dom Bosco o que tinha acontecido. Ele me disse que
podia ter ficado com o dinheiro sem nenhum escrúpulo, mas que tinha feito
uma boa ação ao dá-lo em esmola.32
30
Essas pessoas, embora inclinadas ao mal, como “bons católicos” ouviram missa e sermão.
O padre sem nome (Lemoyne chama-o de padre Rodrigo, cf. MB IV, 375) parece ter preparado
celebrações dominicais na igreja indicada.
31
O escudo, equivalente a 5 liras, era uma soma considerável.
32
G. Brosio, Informe, relato I 16-19, FDBM 555 B3-6. Brósio também acrescenta que um
beneficiado de São João prometeu-lhe muitas vantagens se abandonasse Dom Bosco e se inscrevesse
no Oratório dos filipinos.
558
Completam-se agora dez anos desde os inícios de uma modesta obra bene-
ficente no distrito de Valdocco desta cidade sob o título de Oratório de São
Francisco de Sales, voltada unicamente ao bem intelectual e moral dessa parte
da juventude que, pela incúria dos pais, pelo contato com amizades perversas
ou pela falta de meios, encontra-se exposta continuamente ao perigo da cor-
rupção. Algumas pessoas, amantes da boa educação do povo, viram com pesar
como aumentasse a cada dia o número de jovens ociosos e mal-aconselhados
que, vivendo de esmola ou fraude pelas vias públicas, constituem um peso so-
cial e são, frequentemente, instrumentos de delito. Viram também, com sen-
timento de profunda tristeza, que muitos dos que se dedicavam ao exercício
das artes em indústrias da cidade, empregavam os dias festivos para gastar no
jogo e em diversões desordenadas o escasso dinheiro ganho durante a semana
[...]. Por isso, instituiu-se um Oratório dedicado a São Francisco de Sales; [...]
providenciou-se o necessário para a celebração das funções religiosas e para
dar educação moral e cívica aos meninos.34
A carta-circular é datada em 20 de dezembro de 1851; ver Epistolario I Motto, carta 94, 139-141;
34
MB IV, 329.
559
Certo dia festivo, depois das funções da tarde, fomos convidados por alguns
senhores a uma conferência para resolver uma questão que, segundo diziam,
tinha a ver com a nossa honra. Alguns dos mais instruídos e inteligentes sus-
peitaram de uma armadilha, e não intervieram. Tratava-se, de fato, nem mais
nem menos, de acusar Dom Bosco de nos ter insultado e desonrado publica-
mente chamando-nos de vagabundos e ladrões. A acusação baseava-se na re-
cente carta sobre a loteria escrita e distribuída por Dom Bosco [...]. A circular
deixava de mencionar que muitos jovens (os catequistas em particular) eram
pessoas de bom caráter, de boas e até ricas famílias.35
Se Dom Bosco reconhecer o erro, termina toda a questão; se, ao contrário, re-
cusar a retratar-se, será inevitável agir, nesse caso. Contudo, antes de chegar a
esse extremo, examinemos com calma se as frases dessa circular requerem um
protesto violento de nossa parte. Observe-se verdadeiramente se essas frases
nos ofendem e desonram. Se não houver na circular um período que distinga
as duas categorias de jovens do Oratório, talvez se deva a um erro de imprensa
ou a uma omissão involuntária, porque me pareceria muito audacioso e ma-
licioso que Dom Bosco tivesse querido dessa forma atentar contra a honra de
jovens aos quais tanto ama. Meu parecer é que uma simples queixa, apresenta-
da por nós a Dom Bosco, é mais do que suficiente para obter explicações. Ele
mesmo será o primeiro a propor a reconciliação, tão desejada por ele. Dessa
forma, serão poupados graves desgostos a ele e a nós, que poderiam causar
males maiores às duas partes, que depois teríamos de lamentar.36
G. Brosio, Informe, relato II, 1-2, FDBM 555 C7-8. O parágrafo é um resumo do texto de
36
Brósio, mais complicado. Lemoyne, embora pretenda citá-lo, faz uma narração mais elaborada.
560
xaram fugir ocasião tão propícia aos seus intentos. Tão logo terminada a gri-
taria, levantou-se certo indivíduo, impondo rigoroso silêncio, e disse: “Vosso
companheiro falou que bastariam umas observações amigáveis para corrigir as
frases da circular e reparar assim a vossa honra. Dom Bosco só oferece descul-
pas ou explicações hipócritas”. E concluiu: “Será essa a verdade que desejais?”.
Irrompeu um furioso estrondo na audiência. Estava claro que, para ficarem
bem com a audiência, aqueles senhores tinham ouvido as palavras conciliató-
rias de Brósio. Optaram, porém, por chegar a um violento cisma.37
No domingo seguinte, um pequeno grupo de meninos mais insolentes,
liderados por [não se diz o nome] confrontaram-se com Dom Bosco na sacris-
tia. Brósio estava entretendo os meninos com marchas militares e, ao passar
casualmente pela sacristia, ouviu que lá dentro se gritava. Entrou para ver o que
estava acontecendo e viu um rapazola que acabava de falar. Deteve-se e viu que
Dom Bosco lhe respondia tranquilamente; a carta, ele dizia, falava em geral dos
meninos em perigo que eram a maioria dos que participavam, já que o Oratório
tinha sido fundado para eles. Os catequistas e jovens de bom caráter e de boas
famílias deviam gloriar-se de ir ao Oratório para cooperar dessa maneira em tão
boa ação. O rapaz que protestara, sem escutar Dom Bosco, começou a proferir
insultos. Brósio esteve a ponto de intervir fisicamente contra o vilão. Dom Bos-
co, porém, afastando-o, interveio em defesa do Oratório. Brósio continua:
561
562
Dom Bosco entre seus meninos em 1861 (pelo fotógrafo Francisco Serra).
563
564
44
Em carta de 13 de março de 1846 ao vigário Cavour, Dom Bosco faz notar o fato de que a
propriedade Pinardi estava distante de todas as igrejas paroquiais.
45
Dom Bosco não permitia que membros de bandos ou meninos sempre avessos à religião parti-
cipassem indiscriminadamente do Oratório; mas tentava conquistá-los e, com frequência, o conseguia.
565
Quem foi José Brósio? Em seu relato, ele se atribui a honra de ter conhe-
cido Dom Bosco quando este ainda era seminarista em Chieri e ali passava
o tempo com os meninos. Quando os seminaristas iam à “catedral” para as
celebrações religiosas, todos procuravam pelo “seminarista de cabelos cres-
pos”. Brósio ficou tão impressionado com a maneira de Dom Bosco atrair
os meninos, que desejava conhecê-lo melhor. Foi-lhe fácil, por ser amigo dos
Comollo; quando visitava Luís Comollo no seminário, encontrava-o sempre
em companhia de João Bosco. Chegou, assim, a ser seu amigo.46
Sabe-se pelo seu relato que foi para Turim e começou a trabalhar como
vendedor, ao mesmo tempo em que ajudava no Oratório. Lemoyne diz que
Brósio ajudou Dom Bosco no Oratório desde 1841, e continuou ligado a
ele por 46 anos.47 Quando escreveu o seu relato, diz ter convivido com Dom
Bosco por 43 anos.48
Depois de deixar os bersaglieri, corpo do exército, no qual se alistara
durante a guerra de 1848-1849, Brósio continuou a ser um fiel ajudante de
Dom Bosco. Como se vestia sempre com uniforme militar ficou conheci-
do como “o bersagliere”.49 Os bersaglieri eram a elite militar, corpo de gran-
de mobilidade no exército do Piemonte. Montados em bicicletas, podiam
mover-se rapidamente. No contexto da Primeira Guerra da Independência
(1848-1849), como o entusiasmo patriótico aumentara muito, Dom Bosco
permitiu que os meninos fizessem exercícios militares e batalhas simuladas
sob a direção de Brósio, “il bersagliere”.
Quando padre Vola foi nomeado diretor do Oratório do Anjo da Guar-
da, em Vanchiglia, Dom Bosco enviou Brósio àquele oratório para dar aulas
de catecismo e dirigir o recreio dos meninos. A região estava muito exposta
à ação de um bando hostil. Como Brósio introduzira ginástica e jogos de
46
G. Brosio, Informe, relato I, FDB 554 E 12.
47
MB III, 74-75.
48
G. Brosio, Informe, relato II, 4, FDB 555 C10.
49
G. Brosio, Informe, relato I, 23 FDB 555 B10.
566
567
568
sem trabalho, sem ninguém que se preocupasse com eles. Por isso,
alguns cooperadores cuidavam dos meninos, faziam com que se
mantivessem limpos, colocavam-nos com algum patrão honrado e
preparavam-nos para apresentar-se ao lugar de trabalho. Durante a
semana, visitavam os jovens e procuravam fazer com que retornas-
sem ao Oratório no domingo seguinte; e que não perdessem num só
dia o que tinham ganho com o trabalho de várias semanas. Muitos
desses cooperadores, com grande sacrifício pessoal, durante o inver-
no, vinham assiduamente todas as tardes e davam aulas de leitura,
escrita, canto, aritmética e língua italiana. Outros, por sua vez, vi-
nham diariamente ao meio-dia para ensinar catecismo aos jovens
mais carentes de instrução.
Dos numerosos leigos que merecem o nosso reconhecimento pela ca-
ridade e dedicação, o empresário senhor José Gagliardi era um dos que
mais sobressaíam. Generosamente, ele dedicava todo o tempo livre
e todas as reservas para ajudar os meninos do Oratório. Costumava
chamá-los afetuosamente de “nossos meninos”. Faleceu há alguns anos
e será gratamente recordado enquanto perdurar a obra dos oratórios.
Deus o chamou para Si os seguintes cooperadores que nos ajudavam:
[?] Campagna, banqueiro; João Fino, empresário; cavalheiro José Cot-
ta; e o bem conhecido conde Vitório de Camburzano.
Entre os que estão vivos, queremos que conste nosso reconheci-
mento agradecido ao conde Carlos Cays; a José Dupré; ao marquês
Domingos Fassati; ao marquês João Scarampi; aos três irmãos, con-
des Carlos, Eugênio e Francisco De Maistre; ao cavalheiro Marcos
Gonella; ao conde Francisco [Viancini di] Viancino; ao cavalheiro
Clemente di Villanova; ao conde Casimiro di Brozzolo; ao cava-
lheiro Lourenço d’Agliano; ao senhor Miguel Scanagatti; ao barão
Carlos Bianco di Barbania e a muitos outros.
Entre os numerosos padres que se associaram ao nosso trabalho, po-
demos mencionar os seguintes: irmãos [João] Inácio e João [Batista]
Vola; padre [Paulo Francisco] Rossi, que morreu como diretor do
Oratório de São Luís; o procurador [João Batista] Destefanis. Deus
chamou todos eles para sua morada no céu. A estes nomes, devemos
acrescentar os do padre Roberto Murialdo, atualmente diretor de A
Família de São Pedro, e do padre Leonardo Murialdo, atual diretor
do Instituto dos Pequenos Aprendizes (Artigianelli).
Entre os mais antigos padres cooperadores que ainda vivem (Deus
seja bendito), deve-se mencionar os seguintes: padre José Trivero;
cavalheiro padre Jacinto Cárpano; padre Miguel Ângelo Chiatellino;
569
52
Deve-se levar em conta que isso foi escrito em fins de 1877, quando o conflito entre Dom
Bosco e o arcebispo Gastaldi chegava ao seu nível máximo, depois de uma série de choques, com a
publicação do primeiro panfleto difamatório anônimo.
53
São descritos aqui alguns breves parágrafos sobre a maneira como o Oratório era dirigido,
segundo uma série de normas, sem recorrer a ameaças ou castigos. Estes seriam os Regulamentos para os
meninos do Oratório, de 1854, dos quais citamos a introdução do próprio Dom Bosco e a Nota histórica.
570
CORRESPONDÊNCIA BOREL-CAFASSO-PONTE,
SOBRE A CRISE DO ORATÓRIO
Carta do teólogo Borel ao padre Pedro Ponte
Padre Pedro Ponte, em carta ao teólogo Borel, queixava-se da situação
do Oratório e dos danos que estava sofrendo. Padre Borel respondeu-lhe:54
Turim, 23 de outubro de 1851
Mui querido e reverendo senhor padre Pedro Ponte:
Preocupa-nos sempre mais o bem dos Oratórios; por isso, entende-
mos que a união entre os membros, de qualquer tipo que eles sejam,
é o melhor conselho, porque assim teremos Deus conosco. Portan-
to, estejamos todos de acordo, com a ajuda divina, para promover
esta união tão desejada, seja estreitando sempre mais este espírito
entre nós, seja evitando tudo o que a ele se oponha.
Entre outras coisas, não duvidamos que se trate de um dano notável
para a união, reter e conservar a propriedade e o uso das coisas que
se adquiriram para o bem de um Oratório, excluindo os demais
Oratórios do seu uso; como também que, num mesmo Oratório,
um membro possa servir-se dos objetos ali existentes para uso do
Oratório, excluindo os outros membros quando ausentes. Estamos
todos de acordo em pensar e querer que todo Oratório, na pessoa
do seu diretor, tenha como feitas para os três as ofertas recebidas por
ele, correspondendo-nos, em tal caso, informar às pessoas benfeito-
ras do espírito que nos rege e dos fundamentos do Oratório.
Levou-nos a esta decisão o conteúdo da carta de V. R. e o fato aná-
logo subsequente. Portanto, como pode acontecer devido à nossa
escassez de equipamentos que numa determinada festa falte algo no
Oratório, será bom, então, como estamos habituados a fazer, que os
outros concorram com o pessoal e o trabalho; e, se acontecer que al-
gum de nós creia oportuno, empreste algo seu ou tome emprestado
de outros aquilo que lhe convenha; além de ficar muito reconheci-
dos, é nossa intenção que seja devolvido e levado de volta o quanto
antes, como se tem feito até agora. Temos exemplo disso nos inícios,
54
Borel a Ponte, 23 de outubro de 1851. MB IV, 313.
571
572
573
574
575
58
Os favores e faculdades concedidas pela Autoridade Eclesiástica de Turim ao Oratório de São
Francisco de Sales são estes:
1. Celebrar a Santa Missa, rezada e cantada, dar a bênção com o Santíssimo, organizar tríduos,
novenas, exercícios espirituais.
2. Ensinar o catecismo, pregar, preparar os meninos para a Primeira Comunhão, a Confissão e
a Confirmação.
3. Faculdade de cumprir em qualquer uma de nossas igrejas o preceito Pascal, tanto para os me-
ninos como para os adultos que ali participarem. Benzer os ornamentos sagrados, hábitos eclesiásticos
e impô-los aos jovens que manifestassem vocação sacerdotal, mas destinados ao serviço dos Oratórios
e internos em uma casa anexa.
Estas faculdades deixavam, às vezes, algumas incertezas na hora de serem executadas. Por isso mes-
mo dom Fransoni, com decreto de 31 de março de 1852, concedia-as de modo absoluto e sem limitações,
ou seja, concedia todas as faculdades que fossem úteis ou necessários para a boa caminhada de tudo o que
acontecia na direção do Oratório de São Francisco de Sales, em Valdocco, de São Luis, em Porta Nova, e
do Anjo da Guarda, em Vanchiglia [nota de Aldo Giraudo, responsável pela edição inglesa].
576
Saúda
O mui reverendo senhor teólogo Roberto Murialdo, sacerdote de
Turim.
Considerando a grande diligência e o fervoroso zelo com que, como
digno padre, atendeis diligente e assiduamente à instrução cristã
dos meninos pobres que se reúnem no Oratório público do Santo
Anjo da Guarda, no bairro de Vanchiglia desta cidade, acreditamos
apreciar o vosso trabalho dando-vos, pela Presente, público teste-
munho da nossa plena gratidão, nomeando-vos Diretor Espiritual
efetivo deste Oratório, com a única condição de que, através de
Vós se conservem sempre fielmente a unidade e a dependência do
senhor João Bosco, Diretor Geral do Oratório de São Francisco de
Sales em Valdocco e fundador desta pia instituição, conferindo-vos
as faculdades necessárias e oportunas para tão santo fim.
Mandamos, entretanto, inserir nas atas da nossa Cúria arquiepisco-
pal o presente decreto original, facultando ao nosso Chanceler fazer
cópias do mesmo.
Dado em Turim, aos trinta e um de março de mil oitocentos e
cinquenta e dois.
Assinado no original por: Felipe Ravina, vigário-geral
Selado e subscrito: Balladore, chanceler
[Esta é uma cópia do original.
Balladore, chanceler.]
577
Antes que dom Fransoni (1852) nomeasse Dom Bosco diretor espiritual
encarregado dos três Oratórios de Turim e se abrisse, assim, um novo capítulo
na história do Oratório, convém recordar dois aspectos importantes da ati-
vidade anterior de Dom Bosco: a atividade reguladora do Oratório “festivo”
e a criação das primeiras sociedades juvenis que ali surgiram – a Companhia
de São Luís e a Sociedade de Mútuo Socorro – como resposta às necessidades
manifestadas pelos próprios meninos e, de modo especial, os primeiros escri-
tos educativos e piedosos de Dom Bosco.
1. Regulamento do Oratório
Pietro Braido assinala que o título mais longo, “Plano de Regulamento
para o Oratório masculino de São Francisco de Sales em Turim, no bairro de
Valdocco” aparecia também no manuscrito do Regulamento e foi transcrito
na página que continha a Introdução, quando em 1854 se acrescentaram a In-
trodução e a Cronologia. Nesse momento, o título mais curto, “Regulamento
primitivo do Oratório de São Francisco de Sales”, ocupou seu lugar. Poder-
-se-ia deduzir dos títulos que Dom Bosco elaborou o Regulamento tendo em
mente unicamente o Oratório de São Francisco de Sales. Braido escreve:
Cf. P. Braido, Don Bosco per i giovani, 20. Lemoyne data o primeiro Regulamento em 1847
1
(MB III, 97) e equipara este suposto primeiro esboço com a edição impressa de 1887, última publicada
por Dom Bosco, anotando que “as diferenças não são muitas” (MB III, 97).
578
2
OE XXIX, 31-94. Tratava-se de um livrete de 12,5 x 8 cm, de 59 páginas, contando capa e
contracapa; a paginação citada é a do original.
3
“Companhia” é uma terminologia pós-tridentina para as associações religiosas. Hoje, prefere-se
falar de “associação” ou “sociedade”.
579
580
Estampa de São Luís Gonzaga com a lembrança autógrafa e a assinatura de Dom Bosco: “Se o imi-
tares aqui na terra, ele, sem dúvida, te ajudará a ser seu companheiro, compartilhando sua glória no
céu. Afetuosamente em J. C. P. João Bosco” (Estampa cedida cortesmente por J. Coggiola).
581
Regulamento
O arcebispo Fransoni aprovou a Companhia de São Luís com um res-
crito autógrafo de 12 de abril de 1847 e concedeu indulgências, além de
expressar o desejo de ser o primeiro inscrito na Companhia.
As regras básicas definem um “estilo de vida” a imitar, segundo o exem-
plo de São Luís.5
1. Como São Luís foi um modelo exemplar, todos os que desejam ins-
crever-se em sua Companhia devem procurar evitar o quanto possível
o escândalo e dar bom exemplo em tudo, sobretudo no cumprimen-
to dos deveres de um bom cristão. São Luís foi, desde criança, muito
exato no cumprimento de seus deveres, muito amigo dos exercícios
piedosos e tão devoto quando ia à igreja, que as pessoas acorriam para
contemplar sua modéstia e recolhimento.
2. Os sócios procurarão aproximar-se da sagrada confissão e comu-
nhão a cada quinze dias e até mesmo com maior frequência, es-
pecialmente nas principais solenidades. São estas as armas com as
quais se alcança a vitória completa contra o demônio. São Luís,
desde muito pequeno, aproximava-se desses sacramentos a cada
oito dias e com maior frequência quando ficou um pouco mais
maduro. Quem, por algum motivo, não pudesse cumprir essa nor-
ma, poderia comutá-la por outra prática de piedade com o conse-
lho do Diretor da Companhia. Exorta-se, também, aos inscritos a
receberem os sacramentos e assistirem às funções sagradas em sua
própria capela, para edificação dos companheiros.
3. Fugir dos maus companheiros como da peste e preocupar-se em
não manter conversas maliciosas. São Luís não só evitava essas con-
versas, como também era tão modesto que, em sua presença, nin-
guém se atrevia a proferir palavras menos puras.
4. Ter muita caridade com os companheiros, perdoando generosa-
mente toda ofensa. São Luís retribuía os insultos com a amizade.
5. Comprometer-se em manter a ordem na Casa de Deus, animando
os outros a praticarem a santidade e a se inscreverem na Companhia.
São Luís, levado pelo amor ao próximo, foi assistir os empesteados, o
que lhe ocasionou a morte.
6. Pôr grande diligência no trabalho e no cumprimento dos próprios
deveres, sendo muito obedientes aos pais e demais superiores.
5
MB III, 216ss.
582
A fórmula
Eu, N.N., prometo fazer o quanto possível para imitar São Luís
Gonzaga; assim sendo, fugirei dos maus companheiros, evitarei as
conversas maliciosas, animarei os demais à santidade com as palavras
e o bom exemplo, tanto na igreja como fora dela; prometo também
observar o Regulamento da Companhia. Tudo isso espero cumprir
com a ajuda do Senhor e a proteção do Santo. Direi todos os dias:
6
As normas acrescentadas estão na Parte II, Capítulo IX do Regulamento do Oratório, como
em OE XXIX, 75-76.
583
7
Cf. P. Stella, Economia, 261 (na página 62-63 consta 1848). A sociedade e sua finalidade são
descritas por Dom Bosco no livrete Società di mutuo soccorso di alcuni individui della Compagnia di san
Luigi eretta nell’Oratorio di San Francesco di Sales […]. Turim: Tip. Speriani, 1850. OE IV, 83-90. Para
mais detalhes sobre sua fundação, atividades e dificuldades encontradas, ver MB IV, 65ss.
8
As Conferências de São Vicente de Paulo, introduzidas a partir de Lyon, eram muito ativas em
Turim e apoiaram o trabalho de Dom Bosco. O conde Carlos Cays, mais tarde padre salesiano, foi o
primeiro diretor das conferências. Dom Bosco escolheu um grupo de jovens e criou uma conferência
no Oratório. Embora as conferências não admitissem pessoas jovens como membros, satisfizeram Dom
Bosco, e o grupo do Oratório foi afiliado como “adjunto”.
584
E para que ninguém me atribua escritos que não são meus, apresento uma
lista dos livros compostos ou compilados por mim, cuja propriedade literária
eu conservei e quero transmitir aos meus herdeiros, para que façam deles o
uso que julgarem para a maior glória de Deus e o bem das almas.
9
Uma cópia impressa desta carta com a firma autêntica [?] de Dom Bosco aparece em ASC A175
Lettere circolari ai Salesiani, FDB 1368 C12-D3. O texto é citado em Epistolario IV Ceria, 318-321,
e em Lettere circolari di Don Bosco e di don Rua. Turim: Tip. dell’Oratorio di San Francesco di Sales,
1896, 24-29. Não aparece nas Memórias Biográficas.
10
Pietro Stella, Gli scritti a stampa di San Giovanni Bosco. Roma: LAS, 1977; F. Desramaut,
Don Bosco, 1369-1375.
11
MB X, 1332-1333, ASC A223 Testamenti; FDBM 73 A8-9, MB X, 1332-1333.
585
Algumas dessas obras foram editadas várias vezes e tiveram grande popu-
laridade e ampla difusão. Durante a vida de Dom Bosco, O jovem instruído
(Il giovane provveduto, 1847) chegou a 118 edições e ele viveu para vê-lo
traduzido em francês, espanhol e português. Igualmente, A chave do paraíso
(La chiave del paradiso, 1856) chegou a 44 edições. A jovem cristã (La figlia
cristiana provveduta, 1878) chegou a 28 edições. A História sagrada (Storia
sacra, 1847) foi editada 20 vezes, como também a História da Itália (Storia
d’Italia) teve 10 edições, as biografias Vida de Domingos Sávio (1859) e Vida
de Luís Comollo (1844) foram editadas 6 e 4 vezes, respectivamente.
Como explicar o sucesso de Dom Bosco? Além de tudo, ele não era um
intelectual e, de fato, a maioria de suas obras, com alguma exceção, não con-
tinha nada de novo. Embora não tenha sido um pensador original em sentido
estrito, era leitor insaciável, dotado de memória fenomenal. Além disso, ele
foi um compilador cuidadoso e seletivo de material proveniente de um redu-
zido número de fontes disponíveis.
O estilo de Dom Bosco como escritor foi peculiar. Sua linguagem e for-
ma evoluíram ao longo dos anos; percebe-se uma grande diferença entre seus
primeiros escritos e os escritos mais tardios. No conjunto, porém, em todas
as etapas, seu estilo difere dos literatos contemporâneos. A espontaneidade, o
586
12
Infermità e morte del giovane Chierico Luigi Comollo scritta dal suo collega C. Gio. Bosco: nozione
sulla nostra amicizia e sulla sua vita. Trata-se de um manuscrito de 23 páginas, em FDBM 305 C11-E10.
587
Origem e publicação
A ideia de escrever uma história da Igreja pode ter ocorrido a Dom
Bosco no Colégio Eclesiástico, quando se dedicava à catequese dos jovens
aos domingos. Obviamente, à hora das aulas de história e moral recorreria
à Bíblia e à história da Igreja, já que a catequese de Dom Bosco era simples,
mais histórica do que dogmática, como também o eram as suas leituras na
época de seminário.
13
Storia ecclesiastica ad uso delle scuole utile per ogni ceto di persone dedicata all’onorat.mo signore F.
[H] Ervé de la Croix provinciale dei Fratelli d[etti] i[gnorantelli] d[elle] s[cuole] c[ristiane] compilata dal sa-
cerdote B. G. Turim: Tip. Speirani e Ferrero, 398 p. Outras edições durante a vida de Dom Bosco: 1848,
1870, 1871, completamente revisada, 1879, 1888, em OE I, 160-556. Estudos: Alberto Caviglia, Ope-
re e scritti editi e inediti di Don Bosco [...]. Turim: SEI, vol. I/2, 1929, XXIV-572 p. F. Molinari, “La storia
ecclesiastica di Don Bosco”. In: P. Braido (ed.), Don Bosco nella Chiesa a servizio dell’umanità: studi e
testimonianze. Roma: LAS, 1987, 203-237; F. Desramaut, Don Bosco, 204-213. Guio-me nos parágra-
fos seguintes, sobretudo pelo estudo detalhado de Desramaut e os comentários esclarecedores de Stella.
588
14
Storia eclesiastica (1845), 7, em OE I, 165.
589
nomeada, às vezes, como igreja grega, latina ou índia, mas sempre se entende
em referência à mesma Igreja católica, apostólica e romana.15
15
Storia eclesiastica (1845), 14, em OE I, 172.
16
Jean-Nicolas Loriquet, Histoire ecclésiastique A. M. D. G. Tradução anônima para o italiano.
Turim: Marietti, 1844, 130 p. A.M.D.G. (Ad Majorem Dei Gloriam, para a maior glória de Deus). O
padre jesuíta Loriquet (1767-1845) era um conhecido professor e escritor que publicara alguns livros
para leitores jovens, incluindo uma História da França para uso dos jovens (1814 e 1816), imitada por
Dom Bosco em sua História da Itália contada aos jovens (1856 e 1859). As duas foram queimadas pelos
liberais em ambos os países por serem jesuíticas e reacionárias (cf. Desramaut, Don Bosco, 553-554).
17
Storia della Chiesa dalla sua fondazione fino al pontificato di Gregorio XVI. Torino: Marietti,
1843, VIII+360 p.
590
Ele confessa que suas leituras tinham sido mais extensas, mas que só in-
clui o material mais adequado aos jovens simples, de língua italiana, e omite
ou apenas menciona o puramente profano ou civil, árido ou de pouco inte-
resse. Mantém e narra detalhadamente passagens “ternas e comoventes”, váli-
das não só para instruir a mente, mas também educar o coração.18 O martírio
de São Brás, tomado da História de Bérault-Bercastel, é um bom exemplo. Ao
episódio, Dom Bosco acrescenta dois milagres realizados pelo santo enquan-
to era levado à morte. Um deles é o milagre da espinha de peixe:
Certa mãe aproximou-se chorando e pôs o seu único filho aos pés do santo.
O menino estava agonizando devido a uma espinha de peixe atravessada na
garganta. São Brás, comovido ao ver o menino em estado lamentável, fez uma
breve oração e imediatamente o menino ficou curado.19
591
Esercizio di divozione alla misericordia di Dio. Turim: Eredi Botta [n. d.], 112 p., em OE II, 71-181.
23
Il giovane provveduto per la pratica de’ suoi doveri, degli esercizi di cristiana pietà, per la recita
24
dell’Ufficio della Beata Vergine e de’ principali vespri dell’anno, coll’aggiunta di una scelta di laudi
sacre, ecc. Turim: Paravia e Co., 1847, 352 p., em OE II, 183-532. Cf. Pietro Stella, Valori spirituali
nel “Giovane Provveduto” di san Giovanni Bosco. Roma: Scuola Grafica Ragazzi di Don Bosco, 1960; F.
Desramaut, Don Bosco, 245-249.
592
vida triste. Ao contrário, é uma vida alegre: “Servir ao Senhor com alegria”.
A segunda é “tentar que adieis a vossa entrega a Deus até a velhice. Estaríeis
correndo um grande risco. É importante que façais uma opção por Deus en-
quanto sois jovens. Este livro pretende ensinar-vos o caminho”. E conclui:
Meus amigos, eu vos amo de todo o meu coração, e basta que sejais jovens
para que eu vos ame muito. Encontrareis certamente livros escritos por pes-
soas muito mais virtuosas e instruídas do que eu, mas garanto-vos que dificil-
mente encontrareis alguém que vos ame mais do que eu em Jesus Cristo ou a
quem interesse a vossa verdadeira felicidade mais do que a mim.
Parte I. O que um jovem precisa saber e fazer para ser virtuoso: trata-se
de capítulos que explicam aos jovens a prática das “obrigações cristãs” (9-75).
Apresenta 4 séries de meditações que proporcionam orientação espiritual e
ascética para a vida cristã de um jovem. Têm origem nas obras de Santo Afon-
so, Máximas eternas e Preparação para a morte, e no livro de Charles Gobinet
(1614-1690), Instruction de la jeunesse, entre outros. Suas principais ideias
estruturais são: Deus ama os jovens e quer que todos se encaminhem para
o céu. Uma vida de santidade e alegria, tal e qual os santos nos ensinaram:
obediência, leitura espiritual e Palavra de Deus são os caminhos para a san-
tidade. Entretanto, deve-se estar em guarda diante do comodismo, das más
companhias, das más conversas, do escândalo, das tentações e sugestões do
demônio. Seguem 7 considerações importantes (todas, menos uma, derivam
literalmente das Máximas eternas, de Santo Afonso): fim do homem, pecado,
inferno etc. A última meditação, sobre o paraíso, deriva da Introdução à vida
devota, de São Francisco de Sales. Há uma breve reflexão adicional sobre Ma-
ria. Com os Seis domingos de São Luís, já publicados em separado, conclui-se
a primeira parte.25
Parte II. Série de práticas piedosas ou exercícios de devoção (76-143),
com orações da manhã e da noite (do catecismo diocesano abreviado),
sugestões e orações para “assistir” a Missa, confissão, comunhão e visita ao
Santíssimo Sacramento (de Santo Afonso), devoções marianas, via-sacra e
(como conclusão à segunda parte) o exercício da boa morte.
Parte III. Seção “litúrgica”, com as vésperas (salmos e hinos) para todos
os domingos do ano e o pequeno ofício da Santíssima Virgem Maria (144-
320), com o acréscimo de uma pequena coleção de hinos populares (só o texto)
textos transcritos com a adequada atualização ortográfica são da edição em português: Dom Bosco,
O jovem instruído na prática de seus deveres religiosos. São Paulo: Livraria Editora Salesiana, 1957.
593
26
Storia sacra per uso delle scuole utile ad ogni stato di persone (arricchita di analoghe incisioni,
compilata dal sacerdote Gioanni Bosco). Turim: pelos tipógrafos-editores Speirani e Ferrero, 1847, 212 p.
(outras edições em 1853, 1863, 1866 etc.), em OE III, 2-212; Texto e Introdução, em Alberto Caviglia,
Opere scritti editi e inediti di Don Bosco I/2: Storia Sacra. Turim: SEI, 1929. Cf. F. Desramaut, Don Bosco,
249-254; Natale Cerrato, La catechesi di Don Bosco nella sua Storia sacra. Roma: UPS, 1979.
594
595
L’amico della gioventù: giornale religioso, morale e politico, em OE XXXVIII, 289-290. Cf. P.
28
Stella, Economia, 344-346; MB III, 479ss. Os números 1-23 foram impressos por Marietti; os núme-
ros 24-61, por Speirani e Ferrero.
596
Il cristiano guidato alla virtù ed alla civiltà secondo lo spirito di san Vincenzo de’Paoli (opera che
30
può servire a consacrare il mese di luglio in onore del medesimo santo). Turim: Paravia e Co., 1848,
288 p. A obra aparecia como de autor anônimo no testamento de 1856. Foi publicada também anoni-
mamente em OE III, 215-503, como o havia sido em 1848. Entretanto, será assinada por Dom Bosco
nas edições de 1877 e 1887.
597
Bosco buscava São Vicente como modelo, num momento em que a obra de
caridade de Dom Bosco já estava sendo comparada à de São Vicente de Paulo
pela imprensa católica.
31
Traz por título, Il sistema metrico decimale ridotto a semplicità. Turim: G. B. Paravia, 1849. Não
sobreviveu nenhum exemplar da primeira edição de maio de 1849 (?), mas, como indica P. Stella
(Economia, 337), poucos meses depois, ainda em 1849, foi publicada uma edição ampliada e revista.
Esta edição está em OE IV, 1-80. A capa traz: Il sistema metrico decimale ridotto a semplicità (preceduto
dalle quattro prime operazioni dell’aritmetica ad uso degli artigiani e della gente di campagna), per
cura del sacerdote Bosco Gio. Edizione seconda migliorata ed accresciuta. Turim: Gio. Battista Paravia
& Comp, 1849. Ver também E. Desramaut, Don Bosco, 289-292.
32
Para a resenha de L’Armonia, ver MB III, 408. Cf. Michael Ribotta, “Don Bosco’s battle
against illiteracy”, Journal of Salesian Studies 1:1 (1990) 6-15.
33
G. Bonetti, Storia dell’Oratorio, 161-162.
598
Aos jovens
Dois são os ardis de que principalmente costuma servir-se o demônio
para afastar os jovens do caminho da virtude. O primeiro é fazer crer que,
para servir a Deus, é preciso levar uma vida melancólica, longe de todo diver-
timento e prazer. Não é assim, queridos jovens. Quero ensinar-vos o plano
de uma vida cristã, que vos faça felizes e ao mesmo tempo vos dê a conhecer
quais são os verdadeiros divertimentos e as verdadeiras alegrias, de tal forma
que possais dizer com o santo profeta Davi: Sirvamos ao Senhor em santa
alegria [Servite Domino in laetitia]. Tal é precisamente o fim deste livrinho:
ensinar-vos a servir a Deus e a viver sempre alegres.
Outro engano é a esperança de ter uma longa vida e converter-vos mais
tarde, quando velhos, ou na hora da morte. Tomai cuidado, meus filhos, por-
que muitos foram vítimas deste engano. Quem nos garante que chegaremos
à velhice? Seria preciso fazer um contrato com a morte para que nos esperasse
até lá. Mas a vida e a morte estão nas mãos de Deus, que delas pode dispor
como melhor lhe agrada.
E, mesmo que Deus vos concedesse uma vida longa, ouvi o grande aviso
que vos dá: o caminho que o homem começa a trilhar na juventude, por esse
mesmo continuará na velhice, até a morte. Ou seja, se começarmos a viver
bem agora que somos jovens, continuaremos a viver bem pela vida afora, e
teremos uma boa morte, que será o princípio da felicidade eterna.
Ao contrário, se desde jovens nos deixarmos dominar pelos vícios, ge-
ralmente assim continuaremos em todas as fases de nossa vida, até a morte, e
será início funesto de uma infelicíssima eternidade.
Para que tal desgraça não vos aconteça, aqui vos proponho uma breve e
fácil norma de vida, mas suficiente para vos tornardes consolação para vossos
599
pais, honra para a pátria, bons cidadãos na terra e mais tarde venturosos ha-
bitantes do céu.
Este pequeno livro divide-se em três partes. Na primeira, encontra-
reis as coisas principais que deveis praticar e o que haveis de evitar para
viverdes como bons cristãos. Na segunda parte estão colecionadas várias
práticas devotas [em uso nas paróquias e nas casas de educação]. Na úl-
tima parte encontram-se o ofício de Nossa Senhora e dos Domingos [e o
ofício de defuntos. Enfim, encontrareis um diálogo sobre os fundamentos
da nossa santa religião católica segundo as necessidades presentes] e uma
coleção de cantos sacros.
Meus amigos, eu vos amo de todo o meu coração, e basta que sejais
jovens para que eu vos ame muito. Encontrareis certamente livros escritos
por pessoas muito mais virtuosas e instruídas do que eu, mas garanto-vos
que dificilmente encontrareis alguém que vos ame mais do que eu em
Jesus Cristo ou a quem interesse a vossa verdadeira felicidade mais do que
a mim [Em vosso coração, conservais o tesouro da virtude; enquanto pos-
suís tal tesouro, tendes tudo; mas se o perderdes, tornar-vos-eis os mais
infelizes do mundo].
O Senhor esteja sempre convosco e faça com que, pela prática destas
poucas normas, possais alcançar a salvação da vossa alma e aumentar assim a
glória de Deus, único fim deste livrinho.
Vivei alegres, e que o Senhor esteja convosco.
600
601
602
inclinar-vos-eis fatalmente para o mal, se não vos deixardes guiar por quem
está encarregado de vos dirigir. Essa guia vós a tendes nos vossos pais [e nos
que fazem suas vezes]; a eles deveis obedecer com docilidade. Honra teu pai
e tua mãe e terás vida longa na terra, diz o Senhor. Mas em que consiste esse
honrar? Consiste em obedecer-lhes, respeitá-los e prestar-lhes assistência.
Obediência. – Quando vos mandam alguma coisa, fazei-a prontamente,
sem resistir; guardai-vos de proceder como alguns que resmungam, encolhem
os ombros, sacodem a cabeça e, o que é pior, respondem mal. Estes fazem
grande injúria a seus pais e também a Deus, pois nas ordens dos pais se ma-
nifesta a vontade de Deus. Nosso Salvador, apesar de ser todo-poderoso, para
ensinar-nos a obedecer foi submisso em tudo à Santíssima Virgem e a São
José, na humilde ocupação de artesão [e era-lhes submisso]. Para obedecer a
seu Pai celeste ofereceu-se à morte dolorosíssima da cruz [fez-se obediente até
a morte, e morte de cruz].
Respeito. – Deveis também ter grande respeito a vosso pai e vossa mãe;
não façais coisa alguma sem sua licença, não deis demonstração de enfado em
sua presença, nem conteis a outros os seus defeitos. São Luís Gonzaga não fazia
nada sem licença e, na falta de outrem, ele a pedia aos seus [próprios] emprega-
dos. O jovem Luís Comollo foi obrigado um dia a estar longe de seus pais por
mais tempo do que lhe tinham permitido. Mas ao chegar a casa, todo choroso
pediu logo humildemente perdão daquela desobediência involuntária.
Assistência. – Enfim, deveis prestar assistência em suas necessidades, com os
serviços domésticos de que fordes capazes, especialmente lhes entregando o di-
nheiro ou qualquer outra coisa que vos venha às mãos, usando de tudo conforme
suas orientações. É também estrito dever de um jovem rezar de manhã e à noite
por seus pais, para que Deus lhes conceda todos os bens espirituais e temporais.
Tudo o que vos disse acerca da obediência e do respeito aos pais, deveis
também praticar em relação a qualquer outro superior eclesiástico ou secular
e, por isso, também em relação aos vossos professores, dos quais igualmente
recebereis de boa vontade, com humildade e respeito, os ensinamentos, os
conselhos, as correções, certos de que tudo o que eles fazem é para vossa
maior vantagem; a obediência prestada aos superiores é como se fosse presta-
da ao mesmo Jesus Cristo e a Nossa Senhora.
Duas coisas vos recomendo com o maior empenho. A primeira é que
sejais sinceros com os superiores, não encobrindo nunca as vossas faltas com
fingimentos, muito menos as negando. Dizei sempre a verdade com franqueza.
As mentiras [além de ofenderem a Deus] vos tornam filhos do demônio, que
é o príncipe da mentira, e, vindo-se depois a saber a verdade, passareis por
603
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605
tanto, mas consolai-vos com a segurança de que Deus vos guiará pelo reto
caminho, contanto que da vossa parte não descureis os meios oportunos para
tomar uma prudente determinação.
Um dos meios fundamentais é conservar-se puro durante a infância e a ju-
ventude, ou reparar com uma sincera penitência os anos passados infelizmente
no pecado. Outro meio é a oração humilde e perseverante. Será bom repetir
com São Paulo: “Senhor, que quereis que eu faça?”. Ou como Samuel: “Falai,
Senhor, que o vosso servo vos escuta”. Ou com o salmista: “Ensinai-me a fazer
a vossa vontade, porque sois vós o meu Deus”, ou alguma outra expressão se-
melhante de confiança.
E quando chegar o momento de tomar uma decisão, dirigi-vos a Deus
com orações especiais e frequentes; aplicai para esse fim a santa Missa que ou-
virdes, aplicai algumas comunhões. Podereis também fazer alguma novena,
algum tríduo, alguma abstinência, visitar algum santuário insigne.
Recorrei também a Nossa Senhora, que é a Mãe do Bom Conselho, a
São José, seu esposo que sempre foi fidelíssimo às ordens divinas, ao Anjo da
Guarda, aos vossos santos patronos.
Ótima coisa seria, sendo possível, antes de tomar uma decisão impor-
tante, fazer os exercícios espirituais ou algum dia de retiro.
Prometei que haveis de fazer a vontade de Deus, aconteça o que acontecer e
apesar da desaprovação de quem julga de acordo com o ponto de vista do mundo.
Acontecendo que vossos pais ou outras pessoas de respeito quisessem
dissuadir-vos do caminho ao qual Deus vos chama, lembrai-vos que então é
o caso de pôr em prática o grande aviso do Senhor de obedecer antes a Deus
que não aos homens. Não esqueçais absolutamente o respeito e a honra que
lhes deveis; respondei e tratai sempre com humildade e mansidão, mas sem
prejudicar o supremo interesse de vossa alma. Tomai conselho sobre o modo
de vos haverdes e confiai naquele que tudo pode. Consultai o confessor, de-
clarando com toda a clareza o vosso caso e as vossas disposições.
Quando São Francisco de Sales manifestou em sua casa que Deus o
chamava ao sacerdócio, os pais lhe observaram que na qualidade de primo-
gênito da família, devia ser seu apoio e sustentáculo, que a inclinação ao
estado eclesiástico provinha de uma devoção indiscreta e que ele poderia
perfeitamente tornar-se santo mesmo vivendo no mundo; e até para obrigá-
-lo de certa forma a seguir suas intenções propuseram-lhe um casamento
nobre e vantajoso. Mas nada pôde demovê-lo do seu propósito. Antepôs
constantemente a vontade de Deus à vontade dos pais, a quem amava com
toda a ternura e dedicava profundo respeito; preferiu renunciar a todas as
606
vantagens temporais a ter que faltar à graça da vocação. E os pais, que, não
obstante alguma ideia menos reta, derivada do ponto de vista mundano,
eram pessoas piedosas, mais tarde tiveram que se declarar satisfeitos com a
resolução do filho.
34
L’Amico della Gioventù. Giornale Religioso, Morale e Politico, ano 1, núm. 1 (Turim: sábado,
21 de outubro de 1848).
607
608
Livros
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612
Siglas e abreviaturas.............................................................................................. 5
Apresentação do Reitor-Mor................................................................................ 7
Apresentação do autor.......................................................................................... 9
Apresentação dos editores de língua espanhola.................................................... 11
Apresentação do Primeiro volume...................................................................... 13
Parte I: Fontes
Capítulo I
As fontes: uma apresentação
1. Visão global das fontes................................................................................... 17
Arquivos............................................................................................................. 17
Dom Bosco como fonte..................................................................................... 18
Primeiras fontes salesianas.................................................................................. 19
Depoimentos de testemunhas no Processo de Beatificação e Canonização.......... 19
A tradição biográfica de Dom Bosco................................................................... 20
2. Cronistas e crônicas....................................................................................... 21
O período Ruffino-Bonetti (1861-1864)............................................................ 21
Criação de um Comitê.................................................................................... 21
As crônicas de Ruffino..................................................................................... 23
As crônicas de Bonetti .................................................................................... 23
O período Barberis-Berto (1875-1879).............................................................. 24
O despertar da consciência e o esforço renovado de informar.............................. 24
Barberis e suas crônicas................................................................................... 25
Berto e seus relatos.......................................................................................... 26
O período Lemoyne-Viglietti (1884-1888)........................................................ 27
As crônicas dos últimos anos de Dom Bosco....................................................... 27
Lemoyne e suas crônicas................................................................................... 27
As crônicas de Viglietti ................................................................................... 29
Comentário conclusivo....................................................................................... 29
Apêndice
NOTAS BIOGRÁFICAS DOS CRONISTAS SALESIANOS................................... 30
Domingos Ruffino (1840-1865)......................................................................... 30
613
Capítulo II
A TRADIÇÃO BIOGRÁFICA DE DOM BOSCO
1. As primeiras biografias................................................................................... 36
Os primeiros esboços biográficos de Dom Bosco................................................ 36
“Don Bosco”, de Carlos d’Espiney...................................................................... 37
O “Don Bosco” de d’Espiney traduzido para o espanhol e adaptado ................... 38
“Don Bosco” de Alberto Du Boÿs...................................................................... 39
“Vida de Dom Bosco” de Villefranche................................................................ 41
A atitude ambivalente de Dom Bosco perante a sua própria biografia................. 42
2. João Batista Lemoyne, biógrafo de Dom Bosco............................................. 44
O projeto de uma biografia e a opção de Lemoyne para o trabalho..................... 44
Recolhendo a documentação............................................................................ 45
Os Documenti de Lemoyne............................................................................ 45
As Memórias Biográficas: a etapa de Lemoyne...................................................... 47
As Memórias Biográficas: a etapa Amadei-Ceria................................................... 48
Conclusão.......................................................................................................... 49
Apêndice
BREVE CRÔNICA DA Historiografia DE DOM BOSCO.......................... 51
1. A historiografia antiga, uma “narração histórica” (1860-1960)..................... 51
Um juízo de valor........................................................................................... 53
2. A nova historiografia salesiana (1960...)........................................................ 54
Um juízo de valor........................................................................................... 56
3. As edições críticas das fontes e da história da Congregação (1982...)............ 57
Sem retorno..., para o futuro............................................................................ 58
NOTAS BIOGRÁFICAS DOS AUTORES DAS MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS........... 59
João Batista Lemoyne (1839-1916)................................................................... 59
Primeiros anos................................................................................................ 60
A formação do seminário e a ordenação sacerdotal............................................ 60
Encontro com Dom Bosco. Decisão vocacional.................................................. 62
614
Capítulo III
AS MEMÓRIAS DO ORATÓRIO, DE DOM BOSCO,
E A HISTÓRIA DO ORATÓRIO, DO PADRE BONETTI
615
616
Capítulo V
A TERRA NATAL E A FAMÍLIA DE DOM BOSCO
Capítulo VI
UMA INFÂNCIA ESPERANÇOSA EM TEMPOS
DE COMOÇÃO POLÍTICA (1815-1824)
1. As revoluções abortadas em Nápoles e no Piemonte (1820-1821).............. 157
2. Margarida Bosco e sua família na casa dos Becchi....................................... 159
Margarida, mãe e educadora............................................................................. 161
João Bosco no ensino fundamental de Capriglio............................................... 165
Margarida e a vocação de João.......................................................................... 167
O sonho vocacional....................................................................................... 167
Contexto, estímulos e imagens do sonho.......................................................... 169
A atitude do próprio Dom Bosco.................................................................... 170
617
Apêndice
MARGARIDA OCCHIENA BOSCO (1788-1856):
ÁRVORE GENEALÓGICA E REPERTÓRIO BIOGRÁFICO.............................. 172
ÚLTIMOS ANOS DE MARGARIDA BOSCO (1846-1856)................................ 181
A década de Mamãe Margarida........................................................................ 182
Palavras de Mamãe Margarida a Dom Bosco no dia de sua morte..................... 183
NOTA BIOGRÁFICA DE PADRE JOSÉ ANTÔNIO LACQUA (1764-1847)......... 183
MARIANA, OU JOANA MARIA OCCHIENA (1785-1857),
IRMÃ MAIS VELHA DE MAMÃE MARGARIDA............................................... 185
Capítulo VII
AS PROVAÇÕES DE UM ADOLESCENTE (1824-1830)
1. O relacionamento com Antônio.................................................................. 187
As opções de Margarida.................................................................................... 188
João Bosco trabalha como empregado (1827-1829).......................................... 189
O retorno de João............................................................................................. 191
O silêncio de Dom Bosco sobre esse período.................................................... 193
Encontro de João Bosco com padre João Calosso.............................................. 194
A divisão da herança Bosco............................................................................... 197
2. A adolescência problemática de João Bosco................................................. 198
A ausência de um pai e a presença de uma mãe................................................. 199
A figura do pai................................................................................................. 200
Padre João Calosso e o jovem João Bosco: uma relação de pai e filho................ 201
Conclusão........................................................................................................ 202
Apêndice
CRONOLOGIA CORRIGIDA ATÉ 1831........................................................... 203
NOTA BIOGRÁFICA DE ANTÔNIO JOSÉ BOSCO,
MEIO-IRMÃO DE DOM BOSCO (1808-1849).................................................. 205
NOTA BIOGRÁFICA DE JOSÉ LUÍS BOSCO,
IRMÃO MAIS VELHO DE DOM BOSCO (1813-1862)..................................................208
NOTA BIOGRÁFICA DO PADRE JOÃO MELQUIOR CALOSSO (1760-1830)........211
618
Capítulo VIII
JOÃO BOSCO NA ESCOLA DE CASTELNUOVO
E OS MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS DOS INÍCIOS DE 1830
1. O primeiro encontro com José Cafasso, seminarista.................................... 212
José Bosco, meeiro............................................................................................ 213
João Bosco na escola de Castelnuovo................................................................ 213
2. Importância do ano em Castelnuovo........................................................... 215
Férias de verão no sítio Matta, de Sussambrino................................................. 216
3. As revoluções de 1830-1831 e o avanço do Ressurgimento......................... 216
Mazzini e a Jovem Itália.................................................................................... 217
Apêndice
A REFORMA ESCOLAR DO REI CARLOS FÉLIX............................................. 219
Capítulo IX
JOÃO BOSCO NA ESCOLA SECUNDÁRIA PÚBLICA DE CHIERI (1831-1835)
619
Capítulo X
CRISE E DISCERNIMENTO VOCACIONAL EM CHIERI (1834-1835)
Capítulo XI
FORMAÇÃO SACERDOTAL DE JOÃO BOSCO NO SEMINÁRIO DE CHIERI
1. A decisão de João Bosco de entrar no Seminário......................................... 255
A Escola Secundária e o recrutamento vocacional durante a Restauração.......... 255
O serviço militar.............................................................................................. 256
Considerações econômicas................................................................................ 257
620
621
Capítulo XII
ÚLTIMO ANO NO SEMINÁRIO E PRIMEIRO DE
MINISTÉRIO SACERDOTAL (1840-1841)
1. Último ano de João Bosco no seminário...................................................... 299
A tonsura e as ordens menores.......................................................................... 300
O quarto ano de Teologia durante as férias de verão de 1840............................ 301
Subdiaconato e diaconato................................................................................. 302
Preparação para a ordenação sacerdotal............................................................. 303
O retiro espiritual, as lembranças e as nove resoluções...................................... 305
As lembranças............................................................................................... 305
As nove resoluções.......................................................................................... 307
Ordenação sacerdotal e “Primeira Missa”.......................................................... 310
As Missas de Dom Bosco, de Turim a Castelnuovo: uma peregrinação............. 312
Missa solene de Dom Bosco na paróquia natal de Castelnuovo......................... 313
A presença de Mamãe Margarida.................................................................. 314
2. O primeiro período de ministério sacerdotal em Castelnuovo
(10 de junho - 2 de novembro de 1841).............................................................. 315
Um breve período de exercício ministerial........................................................ 316
Dom Bosco opta pelo Colégio Eclesiástico....................................................... 317
Apêndice
O CONTEXTO TEOLÓGICO E ECLESIAL...................................................... 318
Jansenismo....................................................................................................... 318
Doutrina..................................................................................................... 319
O jansenismo na França................................................................................ 320
Jansenistas e Magistério. Controvérsia sobre os ensinamentos
do Augustinus de Jansen................................................................................. 321
Jansenistas e jesuítas: controvérsia em teologia moral e sacramental................... 323
Piedade e espiritualidade jansenista............................................................... 323
SISTEMAS MORAIS......................................................................................... 324
Probabilismo................................................................................................ 325
Laxismo....................................................................................................... 325
Probabiliorismo............................................................................................ 326
Equiprobabilismo......................................................................................... 326
Tuciorismo................................................................................................... 326
622
Capítulo XIII
O COLÉGIO ECLESIÁSTICO E DOM BOSCO (1841-1844)
1. Contexto eclesial e teológico........................................................................ 334
Os jesuítas e as Associações de Amizade............................................................ 337
A Congregação dos Oblatos de Maria Virgem.................................................. 339
2. O Colégio Eclesiástico................................................................................. 339
O Colégio Eclesiástico estabelecido em São Francisco de Assis.......................... 340
Vida e espírito do Colégio Eclesiástico ............................................................. 342
Atividades acadêmicas................................................................................... 345
Experiências pastorais práticas....................................................................... 346
Sobrevivência e desenvolvimento: o reitorado de Guala (1817-1848)............... 347
Período de ouro: o reitorado do padre Cafasso (1848-1860)............................. 349
Período crítico: o episcopado de dom Gastaldi (1860-1876)............................. 350
Aprofundamento da crise e encerramento........................................................ 353
Padre José Allamano e o novo Colégio............................................................. 353
Conclusão........................................................................................................ 355
3. Dom Bosco no Colégio Eclesiástico............................................................ 355
1841-1842....................................................................................................... 356
1842-1843....................................................................................................... 357
1843-1844....................................................................................................... 358
A experiência de Dom Bosco com padre Cafasso
como mestre e diretor espiritual........................................................................ 360
Formação política e eclesiológica conservadora................................................. 360
Apêndice
NOTAS BIOGRÁFICAS DE SÃO JOSÉ CAFASSO (1811-1860)........................... 364
Em favor dos jovens “pobres e abandonados”................................................... 368
Em favor dos doentes e moribundos................................................................ 369
Em favor dos presos e condenados à morte....................................................... 369
623
Capítulo XIV
JOVENS “POBRES E ABANDONADOS”
NA TURIM DOS MEADOS DO SÉCULO XIX
1. A Turim da juventude “pobre e abandonada”.............................................. 379
Transformação demográfica, aumento da população, expansão urbana............. 379
O bairro do Moschino................................................................................... 381
O bairro de Vanchiglia.................................................................................. 382
O bairro de Borgo Dora................................................................................ 383
O bairro de Valdocco..................................................................................... 384
2. Os jovens “pobres e abandonados” que Dom Bosco conheceu.................... 385
Os jovens e meninos em perigo........................................................................ 385
Filhos de gente pobre....................................................................................... 387
Delinquência juvenil........................................................................................ 388
Mendigos, ladrões e fugitivos.......................................................................... 389
Os bandos juvenis......................................................................................... 390
As prisões e a política penal............................................................................ 392
3. Enfrentando o problema.............................................................................. 394
Insuficiência das estruturas paroquiais.............................................................. 394
Nova compreensão e novo compromisso.......................................................... 395
Apêndice
TURIM E A CASA DE SABOIA. UM RESUMO HISTÓRICO............................ 396
Turim romana e medieval............................................................................. 396
A Casa de Saboia.......................................................................................... 397
Turim e o Ducado de Saboia......................................................................... 397
Turim no Reino da Sardenha........................................................................ 398
Turim durante a Revolução Francesa e o período napoleônico.......................... 398
Turim dos reis Carlos Alberto e Vítor Manuel II............................................. 399
OS PADRES NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX. NÚMERO,
SITUAÇÃO E OCUPAÇÕES............................................................................. 400
624
Número dos padres antes, durante e depois da Revolução Liberal de 1848........ 400
O censo de 1833........................................................................................... 401
O ano da ordenação de Dom Bosco e as ordenações da década.......................... 401
Ocupação ministerial dos padres no período da Restauração............................. 402
Párocos, coadjutores e colaboradores................................................................ 403
Capelães de aldeias e outras capelanias........................................................... 403
Padres no ensino e na administração de escolas................................................ 404
Padres sem trabalho pastoral.......................................................................... 404
Capítulo XV
OS INÍCIOS DO ORATÓRIO DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
1. Os inícios do Oratório nas Memórias de Dom Bosco................................. 406
“Jovens saídos da prisão voltavam logo a ela”.................................................... 407
Bartolomeu Garelli e o início do Oratório........................................................ 408
2. O início do Oratório nos primeiros relatos “oficiais” de Dom Bosco.......... 411
Os inícios do Oratório na Nota histórica de 1854............................................. 411
Os inícios do Oratório nas Notas históricas de 1862.......................................... 415
3. A “tradição” Garelli..................................................................................... 416
O nome “Garelli”............................................................................................. 417
Possível caráter simbólico da história de Garelli................................................ 417
Outras afirmações de Dom Bosco sobre a origem do Oratório.......................... 418
Apêndice
BREVE NOTA BIOGRÁFICA DO PADRE JOÃO COCCHI (1813-1895)............ 420
Capítulo XVI
DOM BOSCO E AS OBRAS DA MARQUESA BAROLO (1844-1846)
1. Um ano decisivo: 1844................................................................................ 425
Crise e decisão vocacional................................................................................. 425
O sonho vocacional de 1844 no contexto da decisão vocacional....................... 426
Sonho de 1844 (Fonte: Memórias de Dom Bosco)........................................... 427
Variante do Sonho de 1844 (Primeiro Sonho dos Santos Mártires)................... 427
Segundo Sonho dos Santos Mártires (Fonte: apenas Lemoyne).......................... 428
O Sonho de 1844 nas Memórias do Oratório................................................... 428
O Sonho de 1844, narrado pelo padre Barberis................................................ 429
625
Capítulo XVII
COMPROMISSO VOCACIONAL DEFINITIVO DE DOM BOSCO (1844-1846)
1. Questões preliminares................................................................................. 456
Os párocos opõem-se a Dom Bosco?................................................................ 457
Dom Bosco perseguido como “revolucionário”?................................................ 457
Dom Bosco abandonado e sozinho?................................................................. 458
2. Instalação do Oratório na propriedade do senhor Pinardi........................... 460
A versão das Memórias de Dom Bosco.............................................................. 460
Reconstrução da história da instalação.............................................................. 461
Comentário.................................................................................................. 463
3. O confronto com a marquesa Barolo.
Opção vocacional defintiva de Dom Bosco...................................................... 465
626
Antecedentes.................................................................................................... 465
A saúde delicada de Dom Bosco e os acontecimentos que o levaram
ao confronto..................................................................................................... 466
O confronto..................................................................................................... 467
4. A doença de Dom Bosco de 1844 a 1846.................................................... 469
Doença e agravamento..................................................................................... 469
A crise.............................................................................................................. 471
Apêndice
CARTA DO TEÓLOGO BOREL À MARQUESA BAROLO SOBRE
A SAÚDE DE DOM BOSCO............................................................................. 473
CARTA DE DOM BOSCO AO VIGÁRIO REAL,
MARQUÊS MIGUEL DE CAVOUR................................................................... 474
CARTA DA MARQUESA BAROLO AO PADRE BOREL.................................... 476
INSTRUÇÃO CATEQUÉTICA NO ORATÓRIO DE DOM BOSCO.................. 479
A instrução catequética, prioridade no Oratório de Dom Bosco........................ 479
O catecismo usado no Oratório...................................................................... 481
Proposta de Dom Bosco para um Catecismo mais simples................................. 482
Linhas-guia para a instrução catequética nos Oratórios................................... 482
Capítulo XVIII
A REVOLUÇÃO LIBERAL E O RESSURGIMENTO ITALIANO (1848-1849)
1. Até a Revolução Liberal de 1848................................................................. 484
“A Jovem Itália” e o ideal republicano de Mazzini............................................. 484
Vicente Gioberti (1801-1852)...................................................................... 485
O conde César Balbo (1779-1853)................................................................ 486
Máximo Taparelli d’Azeglio (1798-1866)...................................................... 487
O Papa Pio IX (1846-1878)............................................................................. 489
627
Capítulo XIX
OS PRIMEIROS PASSOS DO ORATÓRIO
1. Desenvolvimento do Oratório de São Francisco de Sales............................. 505
Aquisição da casa e do terreno Pinardi (1846-1851)......................................... 505
Inícios e primeiros passos da casa anexa (1847)................................................ 506
Início da residência na casa Pinardi e seus primeiros internos............................ 507
Possível caráter simbólico do “órfão de Valsésia”............................................... 510
A igreja de São Francisco de Sales (1852).......................................................... 511
A residência na ala leste da “casa de Dom Bosco” (1853).................................. 511
A construção da ala oeste da residência............................................................. 512
Demolição do telheiro e da casa Pinardi (1856)................................................ 512
Desenvolvimento da escola e do grupo de estudantes na casa............................ 513
2. O Oratório de São Luís de Porta Nova (1847)............................................ 516
Projeto de um novo Oratório........................................................................... 516
Escolha do local e negociação para o seu aluguel............................................... 517
Anuncia-se o Oratório aos meninos.................................................................. 518
A inauguração na festa da Imaculada Conceição (8 de dezembro de 1847)............519
O Diretor e a equipe de animação.................................................................... 520
Oposição de várias frentes................................................................................ 521
3. O Oratório do Anjo da Guarda no bairro de Vanchiglia (1849).................. 525
O Oratório do Anjo da Guarda do padre Cocchi............................................. 525
Motivos do fechamento do Oratório em 1849.................................................. 525
628
Capítulo XX
OS ORATÓRIOS DE DOM BOSCO (1849-1852):
CONFLITOS, CRISES E SOLUÇÃO
1. Primeiros sócios e colaboradores de Dom Bosco na obra dos Oratórios........546
Carta de Dom Bosco, de 20 de fevereiro de 1850, à Mendicità Istruita............ 546
Memorial do Oratório, do teólogo Borel............................................................ 546
As Notas históricas, de Dom Bosco (Cenni storici), de 1862............................ 546
Artigo de Dom Bosco no Bollettino Salesiano
sobre os primeiros Salesianos Cooperadores...................................................... 547
2. Fase crítica no desenvolvimento do Oratório de Turim (1849-1852).......... 549
Crises, decisões e desacordos............................................................................. 549
A crise com padre Ponte no Oratório de São Luís............................................. 551
Crise no Oratório de São Luís........................................................................ 552
Crise no Oratório de São Francisco de Sales: desafio a Dom Bosco................... 555
Primeiro relato de Brósio............................................................................... 556
Segundo relato de Brósio................................................................................ 558
3. Dom Bosco e seus Oratórios obtêm reconhecimento.................................. 562
Características dos Oratórios de Dom Bosco.................................................... 564
629
Apêndice
NOTA BIOGRÁFICA DE JOSÉ BRÓSIO........................................................... 566
TEXTOS DE DOM BOSCO SOBRE O PRIMEIRO ORATÓRIO........................ 567
Carta de Dom Bosco aos Administradores da Mendicância Instruída,
20 de fevereiro de 1850................................................................................. 567
Declaração de Dom Bosco no Boletim Salesiano:
primeiros sócios e Cooperadores de Dom Bosco na obra do Oratório.................. 568
CORRESPONDÊNCIA BOREL-CAFASSO-PONTE,
SOBRE A CRISE DO ORATÓRIO..................................................................... 571
Carta do teólogo Borel ao padre Pedro Ponte................................................... 571
Carta do padre Ponte ao teólogo Borel............................................................ 573
Carta do padre Cafasso ao padre Pedro Ponte................................................. 574
DECRETOS DO ARCEBISPO FRANSONI, DE 31 DE MARÇO DE 1852.......... 575
Decreto que nomeia Dom Bosco oficialmente diretor espiritual
dos três Oratórios de São Francisco de Sales, de São Luís e do Anjo da Guarda....... 575
Capítulo XXI
O REGULAMENTO DE DOM BOSCO PARA O ORATÓRIO E
SEUS PRIMEIROS ESCRITOS (1844-1849)
1. Regulamento do Oratório............................................................................ 578
Extrato da primeira edição impressa de 1877.................................................... 579
2. Primeiras sociedades do Oratório................................................................ 579
Companhia de São Luís Gonzaga..................................................................... 580
Fundação e finalidade................................................................................... 580
Regulamento................................................................................................ 582
A fórmula.................................................................................................... 583
Sociedade de Mútuo Socorro............................................................................ 584
630
Bibliografia............................................................................................. 609
O autor............................................................................................................. 632
631
Arthur J. Lenti publicou numerosos artigos sobre Dom Bosco e outros temas
salesianos no Journal of Salesian Studies e em Ricerche Storiche Salesiane.
Formado em Sagrada Escritura e Teologia, depois de lecionar por mais de trinta anos
na cidade de Aptos, na Califórnia, e no Josephinum, em Ohio (Estados Unidos), chegou
à Don Bosco Hall, em Berkeley, Califórnia, em 1975, onde desde 1984 desenvolve um
intenso trabalho de pesquisa e ensino no Institute of Salesian Spirituality.
Seu livro mais recente é Don Bosco and his pope and his bishop: the trials of a founder
(Dom Bosco, seus papas e seus bispos: as dificuldades de um fundador). LAS: Roma, 2006.
632