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Introdução à diversidade linguística

na Península Ibérica
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Línguas e dialetos na Península Ibérica: perspetiva histórica
Línguas pré-romanas
Diferenciação do latim vulgar
Línguas posteriores à romanização
Tópicos
• Fronteiras geográficas, línguas oficiais e cooficiais
• Línguas pré-romanas (línguas de substrato)
• Latim vulgar hispânico
• Diferenciação do latim vulgar nos romances peninsulares
• Línguas de superstrato
• Línguas de adstrato
Línguas
peninsulares
 ausência de
coincidência absoluta entre
fronteiras linguísticas e
fronteiras administrativas

http://historiacivilizacao.blogspot.pt/2010/10/formacao-das-
linguas-na-peninsula.html
Domínios
linguísticos
peninsulares

Andrés Díaz (2013)


Línguas oficiais e línguas cooficiais
Em Espanha: Em Portugal:

 Espanhol (ou castelhano)  Português

 Basco  Mirandês (variedade do asturo-leonês)

 Galego

 Catalão (e valenciano) [língua oficial em Andorra]

 Aranês (variedade do occitano - gascão)


Outras variedades linguísticas
• Variedades linguísticas sem estatuto oficial de língua -“dialetos
históricos” (dialetos do latim a par do castelhano, galego-português,
catalão e occitano)
• Aragonês
• Asturiano e leonês (asturo-leonês)

• Dialetos meridionais (dialetos do castelhano)


• Estremenho
• Murciano
• Andaluz
• Canário
Origem das línguas na Península Ibérica:
línguas românicas

 O português e o espanhol, o mirandês, o galego e o catalão, bem


como o francês, o occitano, o italiano, o sardo, o romeno, o
romanche e o dálmata são línguas que se desenvolveram a partir do
latim vulgar, são línguas românicas.

 O latim pertence ao grupo das línguas itálicas, que integra o


conjunto mais vasto das línguas indo-europeias.
Situação linguística da Hispânia pré-romana

Hualde et al. 2010: 284


Línguas pré-romanas: o basco
 Com a romanização da Península e a generalização do uso do
latim, muitas línguas pré-romanas desapareceram.

 O basco (ou euskera) é a única língua pré-romana que


sobreviveu e é a única que não é indo-europeia.

 Os vascões eram uma tribo que, no período romano,


habitava o que hoje é Navarra e parte do norte de Aragão. A
mesma língua ou uma muito semelhante também se falava
no sudoeste de França e pelos Pirenéus até ao Norte da
Catalunha.
Línguas pré-romanas: o basco
 Influências do basco

 A aspiração de f- latino (FILU > hilo) e a perda de fricativas sonoras no espanhol


medieval são exemplos de evoluções fonológicas decorrentes do contacto com
o basco (veja-se evoluções semelhantes no gascão, que ocupa uma zona
geograficamente contígua ao basco).

 A palavra izquierdo /esquerdo é um empréstimo do basco a línguas como o


espanhol e o português, para substituir siniestro /sinistro.

 Em vários apelidos do mundo hispânico podem reconhecer-se elementos


bascos, como uri (cidade) ou zubi (ponte).
Outras línguas pré-romanas

• O ibero (língua não indo-europeia): ao contrário do basco,


desapareceu, deixando apenas rasto em algumas inscrições
e textos escritos, quer no seu alfabeto, quer com letras
gregas ou romanas
• O celtibero ou hispano-celta: língua celta extinta; tal como
as línguas itálicas, as línguas celtas pertencem à grande
família indo-europeia.
Outras línguas pré-romanas

 Há vestígios de outras línguas indo-europeias na Península Ibérica,


como a língua dos lusitanos (no território que corresponde a
Portugal)
 Da língua falada pelos tartessos (na zona do Algarve e do
Guadalquivir), pouco se sabe.
 Antes do início da romanização da Península (218 a.C. – durante a
segunda Guerra Púnica), gregos, cartagineses e fenícios tinham
estabelecido colónias ao longo da costa mediterrânica, deixando
vestígios linguísticos em alguma toponímia.
Vestígios de línguas pré-romanas (síntese)
• Palavras isoladas ou sufixos, principalmente na toponímia ou em
nomes de elementos geográficos:
• cueto (cerro), barranco, alud, barro, arroyo, charco, balsa;
• chaparro, carrasca, mata;
• sapo, becerro
(em alguns casos, como conejo (<CUNICULUS), a palavra espanhola procede
do latim, mas a sua origem é hispânica)
• sufixos como –rro, em baturro (rústico aragonês), como -ieco e –ueco, em
muñeca, como –itano e -etano, como em lusitano ou carpetano;
• sufixos átonos como –ala, -ara, -aga, -ana, -ama, em carámbano ou
galápago.
Vestígios de línguas pré-romanas (síntese)

 Elementos lexicais do basco (raros), como izquierdo, ou pizarra, e palavras com


elementos bascos como iri /ili / -urri / -uri (cidade), arán (vale) ou aranz
(espinho).
Vestígios de línguas pré-romanas (síntese)
Toponímia

• Elementos da toponímia celta, como –briga (fortaleza), em Julióbriga,


na Cantábria.

• Elementos da toponímia oriundos de colónias gregas, fenícias e


cartagineses, como Hispânia (do fenício, ‘costa de coelhos’), Ibéria (do
grego), Cartagena (do cartaginês).
Vestígios de línguas pré-romanas (síntese)
• Processos fonológicos de mudança
• Aspiração do F- inicial latino (FILU>filo) (basco).
• Betacismo (basco) [ausência de fonemas lábio-dentais em basco]
• Ensurdecimento de sibilantes (basco) [ausência de sibilantes sonoras em
basco]
• Evolução dos grupos iniciais latinos PL-, CL-, FL-, que permitiu diferenciar o
grupo linguístico galego-português do castelhano (celta).
• Lenição (enfraquecimento) das consoantes oclusivas intervocálicas e a
evolução do grupo KT latinos, que permitiu distinguir dialetos da România
Ocidental (como o português, o castelhano, o francês…) de dialetos da
România Oriental (como o italiano), por exemplo na evolução de SAPERE e
NOCTE (celta).
SAPERE > saber
APOTHECA > bodega
A chegada de mais uma língua

Hualde et al. (2001)


A Hispânia romana do séc. I

Fonte: http://www.regmurcia.com/
O latim vulgar hispânico
• Diversidade na unidade

• Diversidade geográfica (vasto território, diferentes marcações de províncias


em diferentes momentos da história do império)

• Diversidade linguística
• contacto com línguas de substrato, como o celta ou o basco; períodos de bilinguismo
• natureza do «latim vulgar hispânico»
O latim vulgar hispânico
• O latim não é uma modalidade linguística homogénea (e estável
durante dois mil anos); como outras línguas, apresenta uma vasta
gama de registos.

• Ainda que a maior parte dos vestígios do latim vulgar procedam dos
últimos séculos do império, é errado conceber o latim vulgar como
um estádio mais tardio do latim.
O latim vulgar hispânico
• O latim vulgar carece de limites cronológicos absolutos:
principalmente a partir do século I a.C. , pode fazer-se referência
tanto ao latim clássico como ao latim vulgar; com o aparecimento da
escrita em línguas romance (séc. IX d.C., França), deixa de fazer
sentido o termo.
• O latim vulgar não detém um sistema de escrita: embora haja escritos
com marcas que divergem da variedade padrão do latim, a escrita era
codificada nessa variedade.
• O latim vulgar é em si mesmo variável, englobando todas as
variedades cronológicas, dialetais e sociais do latim tal como era
falado pela maior parte das pessoas que o falava.
O latim vulgar hispânico
• O processo de expansão do latim na Península Ibérica foi mais rápido numas
zonas (a este e a sul) do que noutras (centro, oeste e norte) e noutras ainda ficou
incompleto (País Basco).
• A romanização da Península é relativamente precoce (entre 218 a.C. e 19 a.C.)
quando comparada com outras zonas da România (latim mais conservador, mais
arcaizante) [a Gália por exemplo foi romanizada entre 150 a.C. e 50 a.C.].
• A localização geográfica relativamente marginal da Península Ibérica poderia
explicar alguns fenómenos mais conservadores.
• O perfil do romanizador pode ter desempenhado um papel: a Bética acolhe
romanos de nível social e cultural mais alto (magistrados…); a Tarraconense foi
habitada sobretudo por soldados e comerciantes, sendo uma zona com maior
comunicação com o exterior e mais aberta a inovações.
O fim do mundo latino
• As invasões germânicas puseram fim ao Império Romano e deram
origem a uma nova organização feudal, que com o tempo culminou
nas novas realidades nacionais.
• O seu papel foi duplo:
• Influência linguística (períodos de bilinguismo)
• Criação de situações de isolamento, que propiciaram evoluções distintas e
acabaram com a unidade da língua latina
• Ficam-nos alguns vestígios da presença de godos, visigodos e suevos
no léxico, provavelmente já incorporados no latim tardio (léxico
jurídico, militar, rural).
Aspetos do romance hispânico na época visigoda
• Suevos e visigodos foram os povos germânicos cuja permanência
foi mais duradora e estável na Península Ibérica; ainda assim, o seu
contributo para as línguas peninsulares acabou por ser
relativamente reduzido.
• Há notícia de permanência de suevos, vindos da Germânia
ocidental, desde 411 na Península, onde formaram um reino na
Gallaecia et Asturica, com capital em Braga.
• O reino suevo foi conquistado pelos visigodos em 574, mas os
suevos mantiveram alguma autonomia.
• O papel que desempenham na diferenciação das línguas da Breviário de Alarico,
compilação de leis romanas
Península prende-se mais com a manutenção do isolamento do do reino de Tolosa sob
Alarico II (487-507 d.C.)
noroeste peninsular do que com elementos linguísticos (que são
residuais, a nível lexical).
Castro (1991)
Aspetos do romance hispânico na época visigoda
• Os visigodos já estavam muito romanizados quando entraram na
Península Ibérica; além disso, eram uma minoria em relação à
população da Península e, numa primeira fase, os casamentos mistos
eram proibidos.
• Podem encontrar-se efeitos do superstrato visigótico:
• a nível lexical, em palavras comuns, e na toponímia e na onomástica
• eventualmente na ditongação de Ĕ e Ŏ tónicos em castelhano (hipótese muito
discutida)

Castro (1991)
Aspetos do romance hispânico na época visigoda
• Antropónimos (nomes próprios de pessoa)
• Álvaro, Fernando, Alfonso, Rodrigo (>Rui), Elvira, Gonzalo, Raúl

• Topónimos (nomes de lugares)


• Guimarães (<VIMARANIS, de Vimara Peres); Gondomar (<GUNDEMARI), Sendim
(<SENDINI)

• Nomes comuns (campos semânticos da guerra e da administração)


• espia (<SPAIHA), espeto (<SPITU)

Castro (1991)
Elementos árabes no espanhol

Ano 711…
Elementos árabes no espanhol

• Entre o séc. VIII e o séc. XV, o árabe foi a língua oficial de


grande parte do território peninsular
• Bilinguismo romance-árabe (diglossia)
• Influência de adstrato

Penny (2006)
Elementos árabes no espanhol
• Elementos lexicais

• Muitas adições lexicais tiveram lugar antes do séc. X; outras ocorreram após
o séc. X, acompanhando o curso da expansão

• Uma elevada percentagem dos empréstimos do árabe em espanhol


pertencem à classe dos nomes e começam frequentemente pela sílaba a(l)-,
coincidente com o artigo definido árabe, invariável em género e número; os
falantes do romance interpretavam al como parte integrante da estrutura da
palavra.

Penny (2006)
Elementos árabes no espanhol
• Elementos lexicais
• As várias centenas de arabismos do vocabulário espanhol (e português)
inscrevem-se em quase todos os campos lexicais (≠ léxico germânico) 
indicador de forte influência da cultura árabe (≠ situação de outras línguas
românicas)
• adarga, alfange, alférez, alarde, almirante, jinete, rehén, tambor (guerra)
• alcázar, atalaya, alcoba, alcantarilla, azotea, azulejo, rincón, zaguán (construção)
• alcalde, aldea, alguacil (administração)
• aduana, ahorrar, almacén, almoneda, alquiler, maravedí, tarifa (comércio)
• alberca, acequia, aceituna, albahaca (agricultura e jardinagem)
• ajuar, alfombra, almohada, jarra, taza (objetos domésticos)
• algoritmo, cifra, álgebra (ciências)
• (…)

Penny (2006)
Elementos árabes no espanhol
• Elementos lexicais

• Entre o final do período medieval e durantes os «Siglos de Oro» verifica-se


um declive da cultura árabe, sendo alguns arabismos substituídos por
outras palavras
• albéitar – veterinario (do latim)
• alfageme – barbero (derivado de barba)
• alfayate – sastre (do occitano)
• alarife – arquitecto (do grego, através do latim)

Penny (2006)
Elementos árabes no espanhol
• Elementos lexicais

• Mudanças semânticas em léxico latino por influência do árabe


• infante «criança pequena que não fala» >> «filho de nobre ou rei» por influência de
walad «filho», «criança», «herdeiro do trono»
• casa «casa» e «cidade» (cf. Burgos la casa no Poema de Mio Cid)
Romance moçárabe
• O romance moçárabe ou o moçárabe (ou romandalusí), termo
usado no singular, designa uma série de variedades
descendentes do latim, faladas no território da ocupação
muçulmana após o séc. VIII e provavelmente até ao séc. XV,
na Andaluzia.

• «tal como o galego-português e o leonês são dialetos muito


arcaizantes, assim o era o moçárabe, e ainda mais do que
eles»

Menéndez Pidal, R. (1926), p.433


Romance moçárabe
• «En realidad, hasta la creación del castellano literario (que
empezó muy a fines del siglo XII) y hasta que se utilizó como
lengua nacional de la Administración (a fines del siglo XIII), el
mozárabe disfrutaría de mucho prestigio social en las áreas
reconquistadas; se encontraba, por tanto, en posición de
ejercer influencia sobre el español.»
Penny (2006), p. 299

• Fonte escrita mais importante: as hardjas ou jarchas, versos


que rematavam muwashshah ou moaxajas (poemas estróficos
de conteúdo amoroso)
Romance moçárabe
• Léxico: empréstimos para o castelhano

• Transmissão de arabismos que o moçárabe tinha adotado ou algumas


palavras moçárabes de origem latina

• cagarruta, capacho, capuz, chícharo, gazpacho, guisante, habichuela, judía,


muchacho, semilla.

Penny (2006)
Mapa histórico da Península Ibérica
• https://www.youtube.com/watch?v=92y1zwF8NF8
Leituras fundamentais
• García Mouton, Pilar (1994). Lenguas y dialectos de España, Madrid,
Arco Libros [pp. 7-15].

• Hualde, José Ignacio, Antxon Olarrea, Anna María Escobar &


Catherine E. Travis (2010). Introducción a la lingüística hispánica.
Cambridge [cap. 5. Historia de la lengua española, pp. 279-291].
Leituras para aprofundamento
• Cano Aguilar, R. (2008). El español a través de los tiempos. 7.ªed.,
Madrid: Arco/Libros [pp. 11-42].

• Lapesa, Rafael (1981). Historia de la lengua española, 9.ª ed., Madrid,


Gredos [pp. 13-52].

• Penny, Ralph (2006). Gramática Histórica del Español. 2.ª ed.,


Barcelona: Ariel [pp. 17-48].

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