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Proposta preliminar de investigação a desenvolver em Dissertação no Mestrado

Som e Jogos Digitais: A utilização do Áudio em 8D como ferramenta para o


processo de Imersão Narrativa

Natália Isabel dos Santos

Candidata ao Mestrado em Multimédia na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto


INTRODUÇÃO

O som é um fenómeno físico intrinsecamente ligado ao ser humano. A audição, sentido que
capta o som, é um dos mais complexos e poderosos na compreensão e percepção do mundo que nos
rodeia. O ser humano possui um sistema de audição nutrido de potencial, capaz de identificar fontes
sonoras dos mais variados tipos e em inúmeras circunstâncias. Desde os sons mais básicos do nosso
quotidiano aos sons das nossas ações, sons do ambiente circundante, diálogos e vozes, entre outros,
a realidade é que o processo de audição por ser algo apto a praticamente todos os seres humanos,
torna-se indissociável do pensamento e acção conscientes de escutar.
Desde pequena sempre vi e senti o mundo de uma forma mais auditiva do que visual.
Existem pessoas que fazem maioritariamente as associações mentais e sensoriais através do meio
visual (imagens, formas e cores), outras através do olfato (cheiros), no meu caso a tendência sempre
foi fazê-las através das sonoridades. Mais facilmente identifico um filme pelo som e banda sonora
do que pelas imagens por exemplo, identifico mais claramente épocas, situações e momentos pelas
características sonoras presentes na altura e reconheço mais distintamente objectos pelo som que
reproduzem e pessoas pelo timbre da voz som do que pelos seus aspectos ou características visuais.
Como apaixonada pela área da música, som e áudio, os processos de audição e percepção
sonora sempre foram algo que me fascinou. Iniciei os meus estudos em música com apenas 6 anos e
desde essa altura que sempre soube que era esta a área na qual gostaria de centrar o meu futuro
profissional. A transformação, manipulação e criação sonora, assuntos respeitante às áreas da pós
produção de áudio, design de som e sonoplastia, são sem dúvida o que motiva a minha vontade de
criar artisticamente.
Vivendo num mundo em constante mudança, a evolução tecnológica dos meios digitais é de
dia para dia cada vez mais perceptível e pede cada vez mais uma procura adaptativa dos meios
visuais e consequente dos meios sonoros, uma vez que existindo evolução, o som deve acompanhar
a tecnologia e a imagem. Nos filmes, por exemplo, as melhores bandas sonoras são aquelas em que
o som se torna indissociável da imagem, levando os espectadores a mergulhar no enredo da história
de uma forma mais profunda e real. Nos jogos digitais, o conceito e importância do som é o mesmo
e visa também alcançar essa mesma aproximação entre jogador e jogo.
Esta necessidade de adaptação e evolução, bem como a possibilidade de encontrar novas
formas de trabalhar o som, de alcançar meios sonoros mais complexos que se adaptem às
tecnologias visuais de forma mais intrínseca e completa e a expectativa de, através do som, poder
proporcionar experiências sensoriais e cognitivas, foi motivo que me levou à escolha deste tema.
Desta forma, pretendo analisar a importância do som nos jogos digitais, centrando a análise
nos benefícios e mais valias do mesmo e na possibilidade de utilização do áudio em 8D como
ferramenta para a obtenção de uma maior imersão narrativa e ligação entre jogo e jogador. Os
objectivos de estudo principais com esta temática, são a cima de tudo entender se a utilização deste
modelo de som se adequa aos jogos digitais e de que forma pode ou não contribuir para atingir
conceitos como “imersão” e envolvência realista.
SOM E JOGOS DIGITAIS: A UTILIZAÇÃO DO ÁUDIO EM 8D COMO FERRAMENTA PARA
O PROCESSO DE IMERSÃO NARRATIVA

O uso do som nos jogos digitais tem evoluído drasticamente desde os seus primórdios,
sendo atualmente uma ferramenta imprescindível e muitas vezes indissociável dos mesmos. Mais
do que um complemento, o som dos jogos digitais funciona como uma preciosa vantagem. Por um
lado, porque reforça a atenção visual, uma vez que os sons podem ajudam a determinar distâncias e
direções, fornecem informações precisas sobre o meio/ambiente e porque a imagem acompanhada
de som reforça a compreensão da mesma. Por outro lado, porque o som tem também capacidade de
qualificar e alterar as distintas formas como essa mesma imagem pode ser interpretada ou
vivenciada.
O som de um jogo digital possibilita ao jogador um maior entendimento de como o jogo
deve ser jogado e de como agir num determinado contexto específico do jogo. Collins, Kapralos e
Kanev, no artigo “Sound Interface Design for Surface Computer Interaction” (2009), referem que o
som têm a particularidade de formular as referências visuais, uma vez que viabiliza a percepção de
informações sobre os conceitos abstratos que podem não ser visualmente expressos, bem como de
estruturas invisíveis e mudanças dinâmicas, tendo a capacidade de suscitar acepções completamente
dissemelhantes.
No artigo “Audio and Gameplay: An Analysis of PvP Battlegrounds in World of
Warcraft” (2008) Kristine Jørgensen corrobora esta questão, defendendo que o som do jogo
funciona de forma totalmente integrada com a forma de jogar e não atua apenas apenas como um
sistema de informação ou apoio ao mesmo, o que lhe confere a capacidade transportar o jogador
para lá do visual e até de alterar o próprio sentido da imagem. O som tem essa capacidade, conceder
realismo para transmitir uma sensação de fidignidade ao jogador, bem como permitir que uma
determinada ideia ou situação seja substancializada ou contraposta.
A realidade é que o “Santo Graal” dos produtores de entretenimento, sempre foi a
possibilidade de absorver intelectualmente o público, fazendo-o imergir na história e perder
momentaneamente o chão da realidade.
O livro “Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço.” de Janet Murray
(2003), é extremamente inspirador no que toca à abordagem precisamente dos conceitos que
definem a imersão. No livro, a autora refere que “a experiência de ser transportado para um lugar
simulado é prazerosa em si mesma, independentemente da fantasia do conteúdo. Referimos essa
experiência como imersão.” e considera que a tecnologia tem a capacidade de elevar as pessoas a
uma condição de fascínio, a partir de uma conexão intima que quase lhes permite sentir o que o
personagem de um jogo sente assim como identificar-se com os elementos da história, fazendo com
que esse processo imersivo os afete enquanto jogadores. A autora afirma ainda que essa
possibilidade de imersão está intimamente ligada ao som, já que vozes, música, efeitos especiais de
som, sons pontuais e demais ruídos presentes no jogo, podem suscitar sensações e emoções, ou seja,
o som atua como um uma espécie de “intensificador” que reforça a “realidade” daquele mundo
imaginário e que potencia a sensação de estar em intimamente em diálogo com os elementos que
compõem a narrativa do jogo, sendo também capaz de estabelecer um realismo que advém da
dinâmica das variações da banda sonora, gerando uma possível imersão.
Nos anos 80, o engenheiro argentino Hugo Zuccarelli, efectuou várias pesquisas que
provaram que a audição humana consegue captar áudios em espaços de 360 graus, tendo criado um
trabalho no âmbito da acústica que permite ao ser humano desfrutar de música com espaciazaliação
do som, no qual as ondas sonoras são manipuladas para transmitirem a sensação de surgirem de
vários pontos, quase como se fosse possível “sentir” o som. Esta invenção chamada de Áudio em
8D, refere-se à criação de novas dimensões de som, num formato que reproduz para além do plano
horizontal, precisamente para permitir que o ouvido humano tenha uma experiência mais imersiva
do que com o som linear. Atualmente, este tipo de formato de áudio é já utilizado em várias
plataformas de realidade virtual, mas as suas aplicações, no contexto dos jogos digitais em geral,
pode ser uma mais valia já que sendo um tipo de sonoridade multidimensional, cria a impressão de
que o som se move em redor de quem ouve, gerando uma experiência mais real de envolvimento
com os usuários e possibilita precisamente essa mesma “imersão” dos jogadores. Uma vez que
consegue transmitir uma experiência mais realista da dimensão ou espacialização do som, este tipo
de áudio poderá ser capaz de potencializar a narrativa do jogo, proporcionar aos jogadores uma
experiência diferenciada e consequentemente, de forma indissociável, realizar o transporte para a
realidade primorosamente simulada no processo denominado imersão.
O uso de elementos distintos na composição do som do jogo, mostra-se capaz de
engrandecer o imaginário dos jogadores, trazendo-lhe uma experiência de jogo mais intensa e por
isso um novo significado à experiência de jogar, conforme atestado por Santaella no artigo “Games
e Comunidades Virtuais” (2004). A autora afirma ainda que, quanto mais uma narrativa é
desenvolvida através dos meios tecnológicos visuais e sonoros, mais um indivíduo tem chances de
imergir, já que esses elementos contribuem para que o imaginário seja contemplado. Assim sendo,
depreende-se que o processo de imersão é muito mais que um simples deslocamento do jogador
para o universo fictício, mas também o reflexo da sua mesmo participação naquele mundo de
fantasia, onde se tem empatia pela narrativa, objetivos e opções que o jogo contém.
Através de diversas instâncias que permeiam ambiências sensoriais, ficcionais e sistêmicas,
o processo de integração entre real e virtual pode se fazer presente e o áudio em 8D, tendo sido
criado precisamente com o propósito de proporcionar uma maior envolvência entre som e ouvinte,
pode ser uma ferramenta útil no auxílio de uma conexão íntima entre jogo e jogador e, por
conseguinte, para o processo de imersão.
A importância de todos os elementos acima referidos e a relação entre si, torna-se evidente
quando a questão da dimensão espacial do som é problematizada. Todos os sons têm
necessariamente uma fonte e o posicionamento dessa fonte no contexto do jogo é extremamente
importante para a compreensão desses elementos no seu todo, bem como do modo como eles se
ligam entre si. Estudar as amplas possibilidades do Áudio em 8D e fazer da imersão uma atividade
interveniente é cada vez mais necessário para que o jogador seja transportado para os infindos
universos de possibilidades que os jogos oferecem.
METODOLOGIAS

Pretendendo-se então analisar a possibilidade da utilização do Áudio em 8D como


ferramenta passível de proporcionar e criar um ambiente sonoro mais envolvente e real para os
usuários de um jogo digital, é necessário elaborar uma investigação aprofundada e faseada de todos
os elementos que compõe o trabalho de investigação, pesquisa e procedimentos técnicos
específicos. Assim sendo, alguns dos processos e metodologias a utilizar para a problematização do
tema podem passar pelas seguintes fases:

1. ESTUDO DO MERCADO E TENDÊNCIAS: Nesta primeira fase, pretende-se estudar o


mercado dos jogos digitais, analisando quais os mais utilizados ou comprados pelos jogadores e
quais os motivos que levam a essa mesma tendência. Nesta fase é importante recolher as
opiniões dos jogadores relativamente à sonoridade de determinado jogo, tentar perceber qual o
“grau” de envolvência entre jogador e jogo, quais as particularidades sonoras mais presentes e
características, entre outros dados importantes que têm em conta a qualidade e importância do
som na experiência de jogo. O pressuposto, é que no final desta fase seja possível identificar 1
ou 2 jogos digitais bastante utilizados pelos jogadores e com os quais se vai trabalhar nas fases
seguintes.

2. TRATAMENTO E CONVERSÃO DO SOM STEREO PARA ÁUDIO EM 8D: Após a escolha


do jogo ou jogos digitais na etapa de Estudo do Mercado e Tendências, é necessário iniciar os
procedimentos de tratamento e conversão do som Stereo para Áudio em 8D. O procedimento passa
pela aplicação das técnicas da holofonia e gravação binaural, de forma a converter o áudio
originalmente em formato Stereo para Áudio em 8D.

3.EXPERIMENTAÇÃO PRÁTICA: Nesta fase, pretende-se colocar os utilizadores do jogo,


novamente em contacto com o mesmo, mas desta vez, experienciando-o com o Áudio em 8D.

4.RECOLHA DE DADOS: Após a etapa de Experimentação Prática, é necessário recolher os


testemunhos dos jogadores. Pretende-se perceber quais os aspectos positivos e negativos que a
alteração no formato de áudio contemplou, qual o grau de sensação de imersão que o jogador sentiu,
qual o grau de percepção sensorial do espaço multidireccional, qual o nível de envolvência com o
jogo, entre outros aspectos. Além disso, é também importante que nesta fase se recolham
informações acerca das emoções sentidas como reacção aos estímulos do ambiente sonoro, uma vez
que estes aspectos são de carácter subjectivo e dependem de factores como o temperamento,
personalidade, entre outros.

5. ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS RECOLHIDOS: Nesta fase final, será feita a análise
dos dados recolhidos na etapa anterior para posterior formulação de um Projecto Tese sustentado e
formulado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se o som é um fenómeno físico intrinsecamente ligado ao ser humano, torna-se inegável


afirmar que o mesmo tem um papel fundamental nas tecnologias, nos meios audiovisuais e nos
jogos digitais. Referenciando exclusivamente os jogos digitais, os efeitos sonoros e demais
elementos da banda sonora dos mesmos, proporcionam aos jogadores uma experiência diferenciada,
envolvente e mais realista. Esta experiência é precisamente o que leva um jogador
involuntariamente usar a imaginação, a partir de uma subjetividade, e aceitar o que escuta e vê
como realidade digital, oferecendo eficácia à imersão. Essa harmoniosa integração entre narrativa,
vídeo e áudio proporciona uma alimentação do imaginário, podendo levar as pessoas a uma situação
de fascínio.
O Áudio em 8D, tendo sido criado para permitir que o ouvido humano tenha uma
experiência mais imersiva do que com o som linear, pode ser uma ferramenta útil para a obtenção
dessa mesma imersão, que é a capacidade de fazer com que os jogadores mergulhem mentalmente
no seu universo.
Ao longo do Mestrado pretendo desenvolver competências técnicas específicas para
trabalhar com variados e avançados sistemas interactivos de forma a potencializar as minhas
competências para a criação e desenvolvimento de som para suportes audiovisuais, cinema, música,
jogos digitais, plataformas interactivas, entre outros. Além disso, objectivo também adquirir
conhecimento e outras competências pessoais e profissionais, que me auxiliem na produção criativa
e na fomentação de qualidades e características inerentes aos profissionalismo que esta área tão
fascinante, ampla e intrigante oferece.

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