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A Queda dum Anjo

http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/a-queda-dum-anjo.html

RESUMO
O personagem Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda era um típico fidalgo português de
boa família. Casou-se por interesse com D. Teodora Barbuda de Figueiroa, também de boa
família, e com ela vivia em Caçarelhos. Era tradicionalista e estava sempre defasado da
realidade, tinha o hábito de ler, mas apenas autores clássicos. Quando ocupou a presidência
da Câmara, mesmo que por apenas um dia, chegou a pensar em ressuscitar a legislação antiga
para governar.

Calisto foi eleito deputado e partiu para Lisboa. Na capital, chega a procurar lugares antigos,
que já não existiam por conta de um terremoto, mas que havia visto nos livros antigos que lia.
No parlamento, planejava lutar pela redução dos impostos, pelo combate ao luxo e estava
sempre em defesa da moral e dos bons costumes. Tornou-se conhecido pela linguagem antiga
e difícil. Estava sempre preocupado em fazer discursos pomposos.

Certo dia, ao conhecer uma mulher chamada Adelaide, Calisto descobriu que nunca havia
amado de verdade. Mas Adelaide não quis se relacionar com um homem casado. Logo depois,
ele conhece a jovem viúva do general Ponce de Leão. A moça, uma brasileira, era loira, tinha
cerca de trinta anos e foi atrás de Calisto para conseguir uma pensão. Acabou se apaixonado
por ela e lhe montou uma casa.

A partir deste momento, deu-se uma total transformação na vida do personagem. Calisto
passa a adquirir os costumes modernos que antes condenava. Antes era muito preso ao
passado e as tradições, mas ao final deixa crescer o bigode e o cavanhaque, veste roupas mais
modernas, esquece a esposa Teodora, passa a gastar muito dinheiro, muda para a oposição e
separa-se definitivamente da mulher, que acaba se casando com um primo.

CONTEXTO
Sobre o autor
Camilo Castelo Branco foi um dos mais importantes escritores portugueses. Foi pioneiro ao
viver exclusivamente da literatura, pois não era comum na sua época. Escrevia para o grande
público, mas conseguiu manter uma escrita pessoal.
Importância do livro
O romance A Queda dum Anjo pode ser considerado uma sátira dos costumes político-sociais
de Portugal no período histórico da Regeneração (período de esforço para o desenvolvimento
econômico e modernização de Portugal). A obra apresenta o retrato satírico do Portugal velho,
simbolizado pelo protagonista. Assim como Calisto, Portugal perde certas virtudes pela veloz
modernização, valorizando em excesso elementos de prestígio como a manutenção do bom
padrão linguístico.

ANÁLISE
A obra satiriza o momento histórico de mudança vivido em Portugal com a Regeneração. A
partir das características e da visão do personagem Calisto, o narrador nos mostra a miséria
moral e intelectual do novo panorama político de Lisboa, em que o liberalismo produz má fé e
oportunismo. O texto mostra a preocupação exagerada com a forma do discurso nas instâncias
políticas, quando o principal deveria ser o assunto em si, em busca de melhorias para a
população.

A “queda” do personagem ocorre quando ele se torna deputado e vai para Lisboa. Lá, ele se
deixa corromper pelo luxo e pelas vantagens trazidas pelo desenvolvimento. Neste caso, a
“queda” se dá em relação a sua personalidade, por ter sido sempre uma pessoa austera e
conservadora. Também ocorre uma “queda” moral a partir do seu envolvimento com Ifigénia,
uma prima distante de quem Calisto se torna amante. Mantém, assim, uma relação reprovada
pela sociedade puritana portuguesa.

Durante a transformação de Calisto, podemos apontar também para uma outra crítica
construída no livro. Existe uma reflexão sobre a concepção de literatura e de suas funções na
sociedade moderna. O questionamento se dá por conta do hábito de leitura da época, o
público lia apenas folhetins e romances franceses. Assim, não existia uma reflexão profunda
sobre as mudanças que estavam acontecendo em Portugal. A leitura, desta forma, só poderia
contribuir para a manutenção de um bom padrão linguístico e não como forma de reflexão
social.

A cidade de Caçarelhos é a representação do atrasado, um local onde o progresso não havia


chegado e os costumes eram ultrapassados. Enquanto Lisboa é a cidade que desperta
tardiamente e procura modernizar-se rapidamente, mas sofre uma degeneração de costumes
ocasionada por um processo civilizatório que priorizava de forma excessiva o materialismo,
situação favorecida pelo movimento de Regeneração .

Desta forma, Camilo mistura a cômico com a tragédia, construindo uma paródia que contém
humor, mas que também retrata os dramas vividos pela sociedade portuguesa da época.

PERSONAGENS
- Calisto: é o protagonista da história. Ele representa a figura do Portugal Antigo. É um homem
que preza pelos bons costumes, intelectual e defensor do bom uso da linguagem. Transforma-
se ao longo da narrativa, deixando-se corromper pelo luxo de Lisboa.

- Teodora: é mulher de Calisto. Provinciana, não desperta muito interesse do marido, era uma
mulher pacata e “do lar”. Ao fim, irá cometer adultério.

- Dr. Libório Meireles: o “Doutor do Porto”, com quem Calisto não se dá muito bem. É um
orador parlamentar balofo, tagarela, afetado e formalista.

- Ifigénia: é uma mulher interessante, brasileira, viúva do brigadeiro Ponce de Leão. Irá se
aproximar de Calisto no intuito de pedir ajuda para receber uma pensão pela morte do marido.
Torna-se amante de Calisto.

- Brás Lobato: um homem provinciano que tem importância em Caçarelhos, mas em Lisboa
torna-se cômico pela sua ignorância.

- Abade de Estevães: faz a conexão entre Calisto e os outros deputados. Não toma partido para
não se aborrecer com ninguém.

- Dr. Libório: deputado com um discurso cheio de pompa, mas de pouco conteúdo. Representa
a figura do Portugal Novo.

- D. Catarina Sarmento: personagem romântica. Desiste de cometer adultério por causa dos
conselhos de Calisto.
- D. Adelaide: era noiva de Vasco da Cunha. Conserva uma amizade por Calisto por ele ter
salvado o casamento da irmã, Adelaide. Ao conhecê-la, Calisto descobre que não sabia o que
era o amor.

A Queda Dum Anjo


Camilo Castelo Branco

RESUMO:
A Queda dum Anjo é o título de um romance satírico de Camilo Castelo Branco, escrito
em 1866.
Nele o autor descreve a corrupção de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda,
morgado da Agra de Freimas, um fidalgo minhoto camiliano e o anjo do título, quando se
desloca da província para Lisboa.
Uma das mais célebres obras literárias escritas por Camilo Castelo Branco, descreve de
maneira caricatural a vida social e política portuguesa e traz, ainda, um aspecto risível ao tratar,
também, do desvirtuamento do Portugal antigo.
É uma parábola humorística na qual o protagonista, Calisto, um fidalgo austero e
conservador, encarna de maneira satírica o povo português. Ao ser eleito deputado, Calisto vai
para Lisboa, onde se deixa corromper pelo luxo e pelo prazer que imperam na capital. Torna-se
amante de uma prima distante, Ifigénia, nascida no Brasil, uma relação reprovada pela
sociedade puritana portuguesa. Outra atitude que provoca os princípios portugueses é a
transição do personagem da posição política miguelista (e de oposição) para a do partido
liberal, no governo. Ironicamente, a esposa de Calisto, Teodora, uma aldeã prosaica, imita-o na
devassidão e é igualmente corrompida. Ao ser ignorada por Calisto, sucumbe ao prazer da
modernidade juntamente com um primo interesseiro com quem passa a ter um relacionamento.

RESUMO:
Calisto Elói, era morgado de Agra de Freimas, vivia em Caçarelhos em perfeita
harmonia com a sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dos clássicos, aos
quais dedicou toda a vida, enche-o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz ser
eleito deputado pelo círculo de Miranda. Entretanto muda-se para Lisboa. O idiolecto florido do
deputado ibório Meireles, cujas tendências plagiárias Calisto não tarda a denunciar. O seu
estatuto incorrupto e contudo anacrónico é simbolizado pelo traje, cujo feitio copiara daquelas
do seu casamento, molde imutável de todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da
sociedade lisboeta, cheia de mulheres atraentes, que lêem Balzac, não deixa o herói imune. A
contaminação da personagem e os indícios da queda expressam-se exteriormente através da
primeira visita a um alfaiate lisboeta, impulsionada pela intenção de impressionar uma jovem
menina casadoira cuja irmã, ele mesmo acabara de resgatar de uma ligação adúltera. Esse é o
primeiro passo na transfiguração de anjo em «esbelta figura de homem». A sua própria mulher
não o reconhecerá. Esta transfiguração exterior traduz a sua moral, consumada na defesa de
princípios liberais em discursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação
adúltera que mantém com uma viúva brasileira, D. Efigénia Ponce de Leão, de quem terá dois
filhos. Por sua vez, D. Teodora, último reduto aparente do Portugal antigo, deliciosamente
expresso nas suas cartas ao marido não correspondidas, acaba por relacionar-se com seu
primo, adoptando também ela as novas modas com que contactara numa viagem iniciática a
Lisboa, que foi a última tentativa falhada de reaver o marido.

Análise de «A Queda dum Anjo»


Camilo Castelo Branco

A sátira reside na descrição de personagens corruptos de


maneira cômica. A princípio, percebe-se a defesa de uma tese,
porém, o autor afrouxa essa ideia à medida que a história vai se
configurando. É uma obra que destoa do aspecto ultra-romântico de
Camilo Castelo Branco, mas não deixa de pertencer a essa escola
literária.

Este conhecido romance satírico camiliano tem interesse


por variados motivos: dá-nos um quadro dos costumes político-
sociais da época, oferece-nos no retrato satírico do protagonista um
símbolo do Portugal velho que perde antigas virtudes ao
modernizar-se um pouco à pressa e possui em alto grau vigor e
vernaculidade de linguagem.

a) Acção.
Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado de
Agra de Freimas, é um típico fidalgo transmontano que se esqueceu de acompanhar o progresso. Casado
por interesse com a morgada de Travanca, D. Teodora Barbuda de Figueiroa, nunca soube o que era
amor; veste à moda antiga; estuda só autores clássicos anteriores a D. Francisco Manuel de Melo, ficando
impermeável às doutrinas iluministas; e até pensou ressuscitar a legislação dos forais velhos para
governar a Câmara de Miranda, no único dia em que ocupou a presidência.
Numas eleições é escolhido para representar a sua terra no Parlamento, onde pensa lutar pela
redução ou até extinção dos impostos. Antes de partir para a Capital, estuda noite e dia os seus velhos
alfarrábios e exercita-se na arte de dizer, qual outro Demóstenes, nas margens fragosas do Douro.
Calisto, ainda na sua terra, lera várias descrições de Lisboa, todas anteriores ao terramoto. Não
sabia que a cidade tinha mudado muito. Uma vez na Capital, guiando-se pelos desactualizados «in folio»,
vai à procura de chafarizes monumentais que os livros descreviam em ruas há muito enterradas. Sujeitou-
se a ouvir dizer a meia voz: «este homem parece que tem uma cavalgadura magra no corpo...».
No Parlamento, Calisto tornou-se logo notado por falar com rude franqueza, numa linguagem
terra a terra. Atacou os juramentos hipócritas, os subsídios concedidos ao teatro, a mania do luxo, etc. A
isto chama Camilo «virtuosas parvoiçadas». Os deputados riam.
Teve que se haver com um membro das Cortes, o Dr. Libório Meireles. Este orador liberal usava
um estilo barroco, campanudo, melífluo, oco. Calisto dizia não o entender e, em determinada ocasião, ao
criticar certa expressão do deputado portuense, desabafou: se o termo -fosse parlamentar, eu diria
farelório!
Camilo, que põe na boca do Dr. Meireles alguns excertos da obra do Dr. Aires de Gouveia A
Reforma das Prisões, satiriza com verve a oratória parlamentar do tempo.
O morgado de Freimas, dentro e fora das Cortes, é um abencerragem da moralidade: continua a
vestir ridiculamente, mostra-se um fiel realista, critica a leitura de romances franceses, não fuma e
continua fiel ao seu rapé. Converte até a adúltera Catarina, filha do seu anfitrião, o comendador
Sarmento.
Mas, um dia, olhou para a irmã desta, Adelaide. O coração de Calisto descobriu que nunca tinha
amado. E ei-lo, do dia para a noite, todo romântico. Começa por mudar de roupas, vai fazendo uns
versinhos, corteja a rapariga.
Adelaide repudiou o amor do homem casado, que pouco antes pregara um sermão a uma
adúltera. Mas aconteceu vir visitar o desconsolado Calisto a jovem viúva do general Ponce de Leão:
brasileira, loira, com trinta anos e a mendigar uma pensão. O morgado, para começar, descobriu
parentescos afastados entre os Barbudas e os Ponce de Leão e vá de chamar-lhe «prima». Depois
montou-lhe casa.
A transformação que se operou no deputado foi espantosa: deixou crescer o bigode e
cavanhaque, vestia pelo último figurino, esqueceu a esposa Teodora, gastou dinheiro a rodos, passou-se
para a oposição, separou-se definitivamente da mulher, o demónio.
Camilo, depois de satírizar os fidalgos que pararam o relógio da cultura nos fins do século XVII,
verbera com acrimónia a oratória parlamentar do tempo, a hipocrisia dos políticos e fidalgos, a perversão
dos meios citadinos, a caça às condecorações e comendas, etc.
b) Personagens.
Calisto Elói.
É um tipo de fidalgo ferozmente tradicionalista, que se moderniza e perverte ao mergulhar na
vida da cidade, que ignorava. Dotado de formação intelectual anacrónica e desfasada da realidade,
apoiada numa excessiva credulidade em alfarrábios desactualizadissimos, é ele o «anjo» (em Trás-os-
Montes e nos primeiros tempos da estadia em Lisboa) que dá uma estrondosa «queda» na Capital. O
convívio com uma bela mulher e um curto arejamento de civilização em Paris, levaram-no a modificar de
alto a baixo o modo de trajar, os costumes sóbrios, a ideologia política e até o estilo oratório (antes de
feição rude e directa, causando ora admiração ora zombaria pela franqueza e desassombro, depois
melífluo e incolor).
Há quem diga que esta personagem é um decalque imaginoso de um Teixeira da Mota, fidalgo de
Celorico que, eleito deputado, se transformou em Lisboa num libertino de primeira ordem.

Teodora.
Esposa de Calisto, «ignorante mais que o necessário para ter juízo» (cap. 1), é uma prosaica
fidalga rural. Após a «queda» do marido, para quem pouco mais tinha sido do que mulher de trabalho,
também ela caiu, mesmo sem abandonar a província, ligando-se oportunamente a um primo interesseiro.

Dr. Libório Meireles. O «Doutor do Porto», com quem Calisto embirra solenemente nas Cortes,
é um espécimen deorador parlamentar balofo, palavroso, afectado, formalista. Afirma-se que nesta
personagem pretendeu Camilo ridicularizar o bispo D. António Aires de Gouveia, lente, ministro e par do
Reino.

Ifigénia. É uma atraente brasileira, viúva do brigadeiro Ponce de Leão, que se aproxima de
Calisto a pedir os seus préstimos no intuito de obter uma pensão em atenção aos serviços prestados à
Pátria pelo defunto marido. Nela descobre o faro genealógico de Calisto uma «prima» que, num abrir e
fechar de olhos, se transforma na sua «mulher fatal».

c) O espaço e o tempo.
 O espaço físico d' A Queda dum Anjo é constituído por: uma aldeia transmontana do termo de
Miranda (Caçaremos) e por Lisboa.
Este espaço físico reveste-se de características inconfundíveis que sem dificuldade o transformam
em espaço social: Caçarelhos é a terra provinciana atrasada, impermeável ao progresso, estrangulada por
costumes quase medievais;
Lisboa é a cidade que desperta tardiamente e procura modernizar-se um pouco à sobreposse,
sofrendo uma notória e perniciosa degeneração de costumes ocasionada por um processo civilizatório
eivado de materialismo que a Regeneração favorecia.

 O tempo da narração — «hoje» (cap. 1) — coincide com o ano civil de 1864.


O tempo da história é anterior. Calisto nasceu em 1815 (cap. 1), casou por volta dos vinte anos
(cap. 1), talvez cm 1835, ocupou a presidência da Câmara de Miranda em 1840 (cap. 1), veio para as
Cortes em fins de Janeiro de 1859 (cap. 4), e aí permaneceu durante um triénio. E neste triénio que se
desenrola a acção fulcral da novela.
Outras referências expressas ao tempo: «noite de Abril» (cap. 21), «fecharam as câmaras» (cap.
25), «pleno estio» (cap. 26), «dois meses depois de fechado o parlamento» (cap. 27), «Outubro daquele
ano» (cap. 32), «abriram-se as câmaras» (cap. 33), - decorreram alguns meses... fechado o triénio da
legislatura» (cap. 36).
A Queda Dum Anjo
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Camilo Castelo Branco

Narrativa de Camilo Castelo Branco publicada em 1865. Camilo é um escritor de


quedas, ruínas econtaminações, mas para além disso, um escritor entre dois mundos. A Queda
Dum Anjo traçaalegoricamente o percurso da contaminação do Portugal antigo por modas
políticas, sociais, religiosas eculturais a partir do percurso de uma personagem. Calisto Elói,
morgado de Agra de Freimas, vive em Caçarelhos em perfeita harmonia com a sua esposa, D.
Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dos clássicos, aos quais dedicou toda a vida, enche-
o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz sereleito deputado pelo círculo de
Miranda. A sua presença em Lisboa e os seus discursos no Parlamentofazem sensação. A moral
dos costumes antigos, que defende em detrimento do luxo e dos teatros, avernaculidade
autêntica e concisa do seu discurso, o seu senso comum, têm um impacto cómico em Lisboa,o
que é tanto mais irónico quanto fazem sentido. Deste modo, retratando o Parlamento como
palco fechado e circular das disputas pessoais que os próprios discursos políticos geram, o
narrador troça daqueles que, em vez de tentarem conhecer e resolver os verdadeiros
problemas nacionais, troçam da sua personagem. Neste sentido, é exemplar o idioleto florido
do deputado Libório Meireles, cujas tendências plagiárias Calisto não tarda a denunciar. O seu
estatuto incorrupto e, contudo anacrónico é simbolizado pelo traje: «calças rematando em
polainas de madrepérola» cujo feitio copiara daquelas do seu casamento, molde imutável de
todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da sociedade lisboeta, cheia de mulheres
que leem Balzac e lhe dão a conhecer um romance de Camilo, cujos galicismos
condenaveementemente, não deixa o herói imune. A contaminação da personagem e os
indícios da quedaexpressam-se exteriormente através da primeira visita a um alfaiate lisboeta,
impulsionada pela intenção deimpressionar uma jovem menina casadoira cuja irmã ele mesmo
acabara de resgatar de uma ligação adúltera. Esse é o primeiro passo de um percurso que
culminará na transfiguração de anjo em «esbeltafigura de homem», «subordinado ao alvitre do
alfaiate», cheio de «meneios, posturas e jeitos» a quem «odescostume da leitura restituíra o
aprumo da espinha dorsal». A sua própria mulher não o reconhecerá. Estatransfiguração
exterior traduz a sua metamorfose moral, consumada na defesa de princípios liberais
emdiscursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação adúltera que mantém
com uma viúvabrasileira, D. Ifigénia Ponce de Leão, de quem terá dois filhos.
Por sua vez, D. Teodora, último reduto aparente do Portugal antigo, deliciosamente
expresso nas suas cartas ao marido, acaba por relacionar-se maritalmente com seu primo,
adotando também ela as novas modas com que contactara numa viagem iniciática a Lisboa,
última tentativa falhada de reaver o marido.
Camilo mistura a sátira com a tragédia da inutilidade dos ideais e do absurdo e
incoerência de todas as coisas, configurando uma paródia sorridente, mas também desesperada
dos seus próprios dramas, que costumavam assentar na noção de uma existência resgatável
pelo sacrifício. Aqui estamos perante o percurso inverso e a surpreendente ausência de
punição.

Resumo da História

Calisto Elói, morgado da Agra de Freimas, vive em Caçarelhos com sua mulher, D.
Teodora de Figueiroa, e com os seus livros clássicos, cuja leitura é o seu entretenimento
preferido. Tendo sido eleito deputado, vai para Lisboa, disposto a lutar contra a corrupção dos
costumes. Faz furor no parlamento com os seus discursos conservadores, apoiados na sua
cultura livresca (mostrando aí o domínio da oratória), causando espantadas reacções. Defende
principalmente o bom uso da língua portuguesa e combate o luxo e os teatros.
Ao longo da narrativa, na sua defesa da moral dos bons costumes antigos, a sua figura vai
evoluindo até atingir um clímax. Logo após, inicia-se a queda. Esta consiste essencialmente na
transformação total do herói, que adquire os costumes modernos que tanto condenava. Inicia
uma relação ilícita com D. Ifigénia Ponce de Leão, com quem acaba por viver maritalmente e de
quem tem dois filhos. Por seu lado, D. Teodora, vai depois também viver com seu primo, Lopo
de Gamboa, de quem tem um filho.

Tempo e Espaço
Quer um quer o outro não são muito relevantes nesta novela. O tempo é linear,
acompanhando a evolução do protagonista. O espaço resume-se apenas aos espaços em que o
herói se move: Caçarelhos e Lisboa, sem haver muitas descrições. O tempo da narração não
coincide com o tempo da história (que é linear), i.e., a narração é feita 5 anos depois da
história.
Antes da queda, o tempo da narração aproxima-se do tempo da história pois o narrador
quer salientar aspectos de Calisto. Assim, no parlamento, o tempo da narração aproxima-se do
da história, ambos lentos. No resto da narrativa, o tempo da narração é superior ao da história.
Depois da queda, o tempo da história é superior ao da narração. Os acontecimentos reflectem o
fluir do tempo, sendo por isso mais rápidos que antes.
Quanto ao espaço, antes da queda, Calisto movimenta-se em Caçarelhos e Lisboa (seu
quarto, parlamento e casa do desembargador Sarmento). Depois da queda, há uma
diversificação espacial: Lisboa (Teatro, Hotel), Sintra (hotel e casa de Ifigénia), Caçarelhos
(casa). Cada lugar é simbólico: Caçarelhos é o Portugal Velho, Lisboa, o do progresso, Sintra, o
do idílio amoroso, i.e., o espaço romântico. Por fim, no último capítulo, dá-se uma condensação
do tempo: o narrador acelera o tempo, conta o que sabe do destino das personagens. Aqui, o
tempo da história avança muito mais que o da narração.

A ironia camiliana
Permite uma grande imobilidade no interior da narrativa. O narrador participa ou
afasta-se, exagera a ironia ou torna-a subtil, hiperboliza situações tornando-as cómicas, destaca
o que lhe interessa, enfim, domina o universo ficcional. Para tal, utiliza:
 Auctorictas – Calisto Elói tem uma cultura livresca clássica e acredita piamente no que
dizem os livros, mesmo que estes tenham já quase 200 anos e estejam desfasados da
realidade (ex.: água da fonte e a contradição com a realidade de Lisboa, que resulta
num cómico constante).
 Autocrítica – por vezes Camilo ri-se dos seus próprios temas e artifícios que usa.
 Toponímia e onomástica (nomes próprios )- tem por vezes efeitos cómicos (Calisto Elói
de Silos e Benavides de Barbuda; Ifigénia Ponce de Leão; o próprio título A Queda de
um Anjo).

Nesta novela há vários níveis onde se processa a crítica social.


Num 1º plano, temos a crítica da vida portuguesa da época da Regeneração. É pelos olhos
de Calisto que o narrador nos mostra a miséria moral e intelectual do novo mundo político
lisboeta, em que o liberalismo produz má fé e muito oportunismo. É de salientar que no 1º
plano o narrador (depois de nos fazer identificar com Calisto e o mostrar a cometer os erros
que condenara) preocupa-se em manter a nossa simpatia pelo anjo que desceu ao chão,
tornando-nos assim cúmplices de Calisto.
Durante a transformação de Calisto, dá-se o 2º plano da crítica – a uma dada concepção de
literatura e da sua função na sociedade moderna. Nesta época, o seu público é conhecedor dos
folhetins e romances franceses. Por isso ele não tem qualquer ilusão sobre o papel da literatura
na correcção dos vícios – apenas na manutenção dum bom padrão linguístico.

Personagens
Narrador: Assume diferentes papéis. Assim, tem várias vozes: a de narr. omnisciente
(conhece o que se passou e o que se irá passar) mas participante (ora faz comentários ora se
distancia); narrador-autor, sempre que se refere a pormenores do romance, narração ou
quando se identifica com Calisto; narrador-biográfico, na medida em que Camilo, ao descrever
Calisto, se descreve a si próprio e também na leitura de clássicos, daí simpatizar com o
protagonista; a de narrador-cronista, dado que parte de dados reais para a ficção. Este jogo do
narrador tem um ponto comum: a ironia.

Calisto: é o protagonista, herói da novela. Conservador, símbolo do Portugal Velho. Homem


erudito, assíduo leitor dos clássicos (baseia todo o seu comportamento nos livros, o q confere
comicidade à novela), defensor dos valores da moral antiga, bem como do uso duma linguagem
vernácula, simples, sem estrangeirismos (como Camilo, notando-se melhor essa semelhança
nas sessões parlamentares quanto à linguagem, mas também às opções políticas), avesso à
modernização. Daí condenar os luxos excessivos, os fundos para os teatros, a literatura
moderna, nomeadamente a francesa e a aparência ridícula. Mas é também um homem
ingénuo, puro e sincero, despertando assim no leitor uma certa simpatia. Calisto vai sendo
engrandecido, para que a sua queda cause maior impacto. Por causa do amor, muda: muda a
aparência física, vira-se para o futuro, aberto à modernização, à literatura moderna,
simbolizando o Portugal Novo. Cai o anjo para a categoria de homem, deixando de se
identificar com o autor. É uma personagem modelada, em função da qual todas as outras se
movimentam e a partir dele que se desenrola a acção.

Teodora: Mulher provinciana, pouco interessante, sem graça, rude, banal, com uma
linguagem proverbial, apenas preocupada com a lida da casa e a lavoura. Sofre alterações
(apenas a aparência e parte da moral), pois entrega-se a uma relação ilícita, mas a ignorância
inicial não desaparece.

Brás Lobato: mestre-escola, com uma falsa erudição associada ao oportunismo. Homem
provinciano, faz figura na terra mas em Lisboa torna-se cómico pela sua ignorância.

Abade de Estevães: Estabelece a ligação entre Calisto e os outros deputados. Adopta uma
confortável posição neutra nos males sociais e políticos.

Dr. Libório: deputado com um discurso oco, cheio de floreados e sem sentido. Plagia o Dr.
Aires, não o confessando. Tem como função realçar Calisto. Simboliza o Portugal Novo, fraco,
destituído de sentido. Daí o discurso de Calisto depois da queda ser parecido com o desta
personagem.

D. Catarina Sarmento: pers. romântica. Envolvida de amores com D. Bruno Mascarenhas,


cedo se arrepende (intervenção de Calisto) e nunca confessa ao marido. Lia literatura moderna
francesa (Balzac), notando-se aqui uma insinuação do narrador quanto às más influências que
tais leituras lhe causam.
D. Adelaide: noiva de Vasco da Cunha. Reconhecida a Calisto por ter salvo o casamento da
irmã, Adelaide dedica-lhe a sua amizade e logo Calisto se enamora dela. É importante na
medida em que é a força que desencadeia em Calisto um sentimento até aí desconhecido – o
Amor

Divisão da obra em actos:


Acto I- Cap. I-XIII - O Anjo- pureza na defesa dos costumes, ideais, na linguagem; segue
os costumes do séc. XVI.

Acto II- Cap. XIV-XXIII - A Metamorfose- As atitudes de Calisto com Adelaide não
coincidem com o que diz. Esta atracção transforma-o no vestir, modo de falar, nos seus
hábitos, etc. Aqui prepara-se a queda: o anjo vai dar lugar a uma homem igual aos outros
homens (“Qui veut faire l’anje, fait la bête”- Pascal).

Acto III – Cap. XXIV- Conclusão - A Queda- Calisto apaixona-se por Ifigénia,
transformando-se radicalmente e dando-se a queda.
D. Teodora vai a Lisboa instigada pelo primo (que gostava dela) e espanta-se com o luxo da
casa do marido. No final, Calisto e Ifigénia partem para Paris e D. Teodora fica com o primo.
A função da narrativa camiliana é tirar uma moral. Mas Camilo conclui que desta história
não pode tirar moralidades porque a imoralidade de Calisto deixou-o feliz! Contudo, por se ter
identificado com o Calisto provinciano e satirizado o Calisto civilizado, exerce uma acção
moralizadora, pois critica os podres do Portugal Novo.

O estilo
Mais uma vez, Camilo prima pela economia da narração, sendo as poucas descrições
presentes um complemento das situações narradas (ex.: descrição de Calisto acentua as suas
características). Camilo utiliza vários níveis de língua, de acordo com as personagens e
contextos em que se inserem: nível cuidado, ligado a Calisto, no Parlamento, quando se
utilizava todos os artifícios da retórica; nível normal, ligado ao narrador, espaço e personagens
lisboetas; nível popular, discurso de Teodora, retratando a sua vulgaridade; nível familiar, nas
cartas de Calisto e Teodora. Assim, Camilo imprime o ritmo conveniente à acção. É trabalhando
sabiamente a Língua que confere um notável dinamismo à sua novela. Utiliza também
dicotomias: Portugal Velho/Portugal Novo e anjo/homem.

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