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O BRINCAR COMO UM MODO DE

SER E ESTAR NO MUNDO


Ângela Meyer Borba 1

[...] as crianças são inclinadas de modo especial a


procurar todo e qualquer lugar de trabalho onde
visivelmente transcorre a atividade sobre as coisas.
Sentem-se irresistivelmente atraídas pelo resíduo
que surge na construção, no trabalho de
jardinagem ou doméstico, na costura ou na
marcenaria. Em produtos residuais reconhecem o
rosto que o mundo das coisas volta exatamente
para elas, e para elas unicamente. Neles, elas
menos imitam as obras dos adultos do que põem
materiais de espécie muito diferente, através
daquilo que com eles aprontam no brinquedo, em
uma nova, brusca relação entre si.

Walter Benjamin

ipa, esconde-esconde, pique, passaraio, outros tempos estão presentes nas vidas das cri-

P bolinha de gude, bate-mãos, amareli


nha, queimada, cinco-marias, corda,
pique-bandeira, polícia e ladrão, elástico, casi-
anças hoje? Diferentes espaços geográficos e
culturais implicam diferentes formas de brin-
car? Qual é o significado do brincar na vida e
na constituição das subjetividades e identida-
nha, castelos de areia, mãe e filha, princesas,
super-heróis...2 Brincadeiras que nos remetem des das crianças? Por que à medida que avan-
à nossa própria infância e também nos levam çam os segmentos escolares se reduzem os
a refletir sobre a criança contemporânea: de espaços e tempos do brincar e as crianças vão
que as crianças brincam hoje? Como e com deixando de ser crianças para serem alunos?
quem brincam? De que forma o mundo con- A experiência do brincar cruza diferentes tem-
temporâneo, marcado pela falta de espaço nas pos e lugares, passados, presentes e futuros,
grandes cidades, pela pressa, pela influência sendo marcada ao mesmo tempo pela conti-
da mídia, pelo consumismo e pela violência, nuidade e pela mudança. A criança, pelo fato
se reflete nas brincadeiras? As brincadeiras de de se situar em um contexto histórico e social,

1
BORBA, Angela Meyer. Doutora em Educação – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Em diferentes regiões, cidades e bairros, podemos encontrar diferentes denominações para as mesmas brincadeiras. Por
exemplo, amarelinha também pode ser macaca, academia, escada, sapata. 33
ou seja, em um ambiente estruturado a partir adultos, autores de seus processos de consti-
de valores, significados, atividades e artefatos tuição de conhecimentos, culturas e subjeti-
construídos e partilhados pelos sujeitos que ali vidades. Tendo em vista esses eixos,
vivem, incorpora a experiência social e cultu- perguntamos: quais são as principais dimen-
ral do brincar por meio das relações que esta- sões constitutivas do brincar? Que relações tem
belece com os outros – adultos e crianças. Mas o brincar com o desenvolvimento, a aprendi-
essa experiência não é simplesmente zagem, a cultura e os conhecimentos? Como
reproduzida, e sim recriada a partir do que a podemos incorporar a brincadeira no traba-
criança traz de novo, com o seu poder de ima- lho educativo, considerando-se todas as di-
ginar, criar, reinventar e produzir cultura. mensões que a constituem?
A criança encarna, dessa forma, uma possibi- Infância, brincadeira, desenvol-
lidade de mudança e de renovação da experi- vimento e aprendizagem
ência humana, que nós, adultos, muitas
vezes não somos capazes de perceber, A brincadeira é uma palavra estrei-
pois, ao olharmos para ela, quere- tamente associada à infância e às
mos ver a nossa própria infância crianças. Porém, ao menos nas
espelhada ou o futuro adulto que Que relações tem sociedades ocidentais, ainda é
se tornará. Reduzimos a crian- o brincar com o considerada irrelevante ou de
ça a nós mesmos ou àquilo que desenvolvimento, pouco valor do ponto de vis-
pensamos, esperamos ou dese- a aprendizagem, ta da educação formal, assu-
jamos, dela e para ela, vendo-a a cultura e os mindo freqüentemente a
como um ser incompleto e ima- significação de oposição ao tra-
conhecimentos?
turo e, ao mesmo tempo, eliminan- balho, tanto no contexto da es-
do-a da posição de o outro do adulto. cola quanto no cotidiano familiar.
Mas como podemos compreender a criança Nesse aspecto, a significativa produção te-
nas suas formas próprias de ser, pensar e agir? órica já acumulada afirmando a importância
Como vê-la como alguém que inquieta o nos- da brincadeira na constituição dos processos
so olhar, desloca nossos saberes e nos ajuda a de desenvolvimento e de aprendizagem não
enxergar o mundo e a nós mesmos? Como foi capaz de modificar as idéias e práticas que
podemos ajudar a criança a se constituir como reduzem o brincar a uma atividade à parte, pa-
sujeito no mundo? De que forma a compreen- ralela, de menor importância no contexto da
são sobre o significado do brincar na vida e na formação escolar da criança. Por outro lado,
constituição dos sujeitos situa o papel dos adul- podemos identificar hoje um discurso genera-
tos e da escola na relação com as crianças e os lizado em torno da “importância do brincar”,
adolescentes? presente não apenas na mídia e na publicida-
Nesse contexto, convidamos os professores a de produzidas para a infância, como também
refletirem conosco sobre essas questões tendo nos programas, propostas e práticas educativas
como eixo alguns pontos: a singularidade da institucionais. Nesse contexto, é importante
criança nas suas formas próprias de ser e de se indagarmos: nossas práticas têm conseguido
relacionar com o mundo; a função humaniza- incorporar o brincar como dimensão cultural
dora do brincar e o papel do diálogo entre do processo de constituição do conhecimen-
adultos e crianças; e a compreensão de que a to e da formação humana? Ou têm privilegia-
escola não se constitui apenas de alunos e pro- do o ensino das habilidades e dos conteúdos
34 fessores, mas de sujeitos plenos, crianças e básicos das ciências, desprezando a formação
cultural e a função humanizadora da escola? brincar de forma mais positiva, não como opo-
Na realidade, tanto a dimensão científica sição ao trabalho, mas como uma atividade que
quanto a dimensão cultural e artística deveri- se articula aos processos de aprender, se de-
am estar contempladas nas nossas práticas jun- senvolver e conhecer? Vejamos alguns cami-
to às crianças, mas para isso é preciso que as nhos nessa direção.
rotinas, as grades de horários, a organização Os estudos da psicologia baseados em uma vi-
dos conteúdos e das atividades abram espaço são histórica e social dos processos de desen-
para que possamos, junto com as crianças, brin- volvimento infantil apontam que o brincar é
car e produzir cultura. Muitas vezes nos senti- um importante processo psicológico, fonte de
mos aprisionados pelos horários e conteúdos desenvolvimento e aprendizagem. De acordo
rigidamente estabelecidos e não encontramos com Vygotsky (1987), um dos principais re-
espaço para a fruição, para o fazer estético ou presentantes dessa visão, o brincar é uma ati-
a brincadeira. Cabe então a pergunta: é possí- vidade humana criadora, na qual imaginação,
vel organizar nosso trabalho e a escola de ou- fantasia e realidade interagem na produção de
tra forma, de modo que esse espaço seja novas possibilidades de interpretação, de ex-
garantido? Que critérios estão em jogo quan- pressão e de ação pelas crianças, assim como
do significamos nosso tempo como ganho ou de novas formas de construir relações sociais
perdido? Vale a pena refletir sobre essas ques- com outros sujeitos, crianças e adultos. Tal
tões para vislumbrarmos formas de transfor- concepção se afasta da visão predominante da
mar nossa vida nas escolas, organizando-as brincadeira como atividade restrita à assimila-
como espaços nos quais aprendemos e vive- ção de códigos e papéis sociais e culturais, cuja
mos a experiência de sermos sujeitos cultu- função principal seria facilitar o processo de
rais e históricos! socialização da criança e a sua integração à
A brincadeira está entre as atividades sociedade. Ultrapassando essa idéia, o autor
freqüentemente avaliadas por nós como tem- compreende que, se por um lado a criança de
po perdido. Por que isso ocorre? Ora, essa vi- fato reproduz e representa o mundo por meio
são é fruto da idéia de que a brincadeira é uma das situações criadas nas atividades de brinca-
atividade oposta ao trabalho, sendo por isso deiras, por outro lado tal reprodução não se
menos importante, uma vez que não se vincu- faz passivamente, mas mediante um processo
la ao mundo produtivo, não gera resultados. E ativo de reinterpretação do mundo, que abre
é essa concepção que provoca a diminuição lugar para a invenção e a produção de novos
dos espaços e tempos do brincar à medida que significados, saberes e práticas.
avançam as séries/anos do ensino fundamen- Ao observarmos as crianças e os adolescentes
tal. Seu lugar e seu tempo vão se restringindo de nossas escolas brincando, podemos
à “hora do recreio”, assumindo contornos cada conhecê-los melhor, ultrapassando os muros
vez mais definidos e restritos em termos de da escola, pois uma parte de seus mundos e
horários, espaços e disciplina: não pode correr, experiências revela-se nas ações e significados
pular, jogar bola etc. Sua função fica reduzida que constroem nas suas brincadeiras. Isso por-
a proporcionar o relaxamento e a reposição que o processo do brincar referencia-se naqui-
de energias para o trabalho, este sim sério e lo que os sujeitos conhecem e vivenciam. Com
importante. Mas a brincadeira também é sé- base em suas experiências, os sujeitos
ria! E no trabalho muitas vezes brincamos e na reelaboram e reinterpretam situações de sua vida
brincadeira também trabalhamos! Diante des- cotidiana e as referências de seus contextos
sas considerações, será que podemos pensar o socioculturais, combinando e criando outras 35
realidades. Quando as crianças pequenas brin- (Benjamim, 1984). Vozes, gestos, narrativas e
cam de ser “outros” (pai, mãe, médico, mons- cenários criados e articulados pelas crianças
tro, fada, bruxa, ladrão, bêbado, polícia, etc.), configuram a dimensão imaginária, revelan-
refletem sobre suas relações com esses outros e do o complexo processo criador envolvido no
tomam consciência de si e do mundo, estabele- brincar.
cendo outras lógicas e fronteiras de significação É importante ressaltar que a brincadeira não é
da vida. O brincar envolve, portanto, comple- algo já dado na vida do ser humano, ou seja,
xos processos de articulação entre o já dado e o aprende-se a brincar, desde cedo, nas relações
novo, entre a experiência, a memória e a imagi- que os sujeitos estabelecem com os outros e
nação, entre a realidade e a fantasia. com a cultura. O brincar envolve múltiplas
A imaginação, constitutiva do brincar e do aprendizagens. Vamos tentar explicitar algu-
processo de humanização dos homens, é um mas delas.
importante processo psicológico, iniciado na Um primeiro aspecto que podemos apontar é
infância, que permite aos sujeitos se des- que o brincar não apenas requer mui-
prenderem das restrições impostas tas aprendizagens, mas constitui
pelo contexto imediato e um espaço de aprendizagem.
transformá-lo. Combinada Vygotsky (1987) afirma
com uma ação performativa A brincadeira não é que na brincadeira “a cri-
construída por gestos, algo já dado na vida ança se comporta além
movimentos, vozes, for-
do ser humano, ou do comportamento ha-
mas de dizer, roupas, ce- bitual de sua idade,
nários etc., a imaginação seja, aprende-se a
além de seu comporta-
estabelece o plano do brincar, desde cedo,
mento diário; no brin-
brincar, do fazer de con- nas relações que os quedo, é como se ela
ta, da criação de uma re- sujeitos estabelecem fosse maior do que ela é
alidade “fingida”. com os outros e com na realidade” (p.117).
Vygotsky (1987) defende
a cultura Isso porque a brincadeira,
que nesse novo plano de pen- na sua visão, cria uma zona de
samento, ação, expressão e comu- desenvolvimento proximal, per-
nicação, novos significados são mitindo que as ações da criança ultra-
elaborados, novos papéis sociais e ações sobre passem o desenvolvimento já alcançado
o mundo são desenhados, e novas regras e re- (desenvolvimento real), impulsionando-a a
lações entre os objetos e os sujeitos, e desses conquistar novas possibilidades de compreen-
entre si, são instituídas. são e de ação sobre o mundo.
É assim que cabos de vassoura tornam-se ca-
O brincar supõe também o aprendizado de uma
valos e com eles as crianças cavalgam para
forma particular de relação com o mundo
outros tempos e lugares; pedaços de pano trans-
marcada pelo distanciamento da realidade da
formam-se em capas e vestimentas de prínci-
pes e princesas; pedrinhas em comidinhas; vida comum, ainda que nela referenciada. As
cadeiras em trens; crianças em pais, professo- brincadeiras de imaginação/fantasia, por exem-
res, motoristas, monstros, super-heróis etc. A plo, exigem que seus participantes compreen-
“criança quer puxar uma coisa torna-se cava- dam que o que está se fazendo não é o que
lo, quer brincar com areia e torna-se padeiro, aparenta ser. Quando o adulto imita uma bru-
36 quer esconder-se e torna-se ladrão ou guarda” xa para uma criança, esta sabe que ele não é
uma bruxa, por isso pode experimentar, com Mariana, sentada em cima do
segurança, a tensão e o medo, e solucioná-los escorrega, olha para Isabela que está
fugindo ou prendendo a bruxa. Quando as embaixo:
crianças brincam de luta, é preciso que elas Eu tô presa!
saibam que aqueles gestos e movimentos cor- Isabela: Dá a carteira de identidade pra
porais “fingem” uma luta, não causando ma- ele! Abaixa-se e pega uma folha.
chucados uns nos outros. A brincadeira é um Mariana pega um objeto pequeno de
espaço de “mentirinha”, no qual os sujeitos têm borracha que está em cima do
o controle da situação. Justamente essa atitu- escorrega e mostra para João.
de não-literal permite que a brincadeira seja Mariana: Eu tenho, eu tenho!
desprovida das conseqüências que as mesmas João, olhando o objeto: Pode sair!
ações teriam na realidade imediata, abrindo Isabela dá a folha para João.
janelas para a incoerência, para a ultrapassa- João: É papel, é papel! E a deixa sair.
gem de limites, para as transgressões, para no- Se analisarmos esse fragmento, que corres-
vas experiências. ponde a um tipo de brincadeira altamente
Vejamos uma situação3 observada em uma es- apreciado por grande parte das crianças dessa
cola pública. Um grupo de meninos e meni- faixa etária, veremos quantos aspectos presen-
nas de cinco e seis anos brinca de polícia e tes envolvem aprendizagens variadas – cada
ladrão no parque da escola. Usam pás, gravetos criança se comporta de acordo com seu papel
e ancinhos como se fossem armas, empunhan- e com as idéias gerais que definem o universo
do-os, emitindo sons e fingindo atirar: Pou, simbólico da brincadeira: os policiais perse-
pou! Os papéis assumidos pelas crianças se di- guem e prendem enquanto os ladrões fogem e
videm entre policiais e ladrões e à medida que salvam os companheiros; ambos usam armas,
vão entrando e participando da brincadeira, transformando o significado de objetos que en-
as crianças escolhem: Eu sou ladrão, eu sou po- contram no parque; os gestos e as ações aju-
lícia! Muitas vezes é necessário negociar: Não, dam a significar os objetos e a construir a
alguém tem de ser polícia! Eu não vou ser! Eu narrativa da brincadeira. Estão em jogo tam-
sou, eu sou polícia! A brincadeira consiste na bém habilidades de correr, pular, subir, expres-
perseguição dos policiais aos ladrões. Esses úl- sar-se e comunicar-se, garantindo que todos
timos precisam correr muito para fugir. “Poli- compreendam que o que se faz ali é brincadei-
ciais” e “ladrões” sobem e descem escorregas, ra e não a realidade da vida comum. Elemen-
trepa-trepa, entram e saem da casinha, per- tos novos, como a carteira de identidade, são
correndo toda a extensão do parque. As ex- introduzidos na brincadeira e facilmente in-
pressões, gestos, movimentos e falas revelam corporados pelas crianças, o que podemos ob-
grande envolvimento e excitação das crian- servar pela coordenação de suas ações. Para
tanto, tais elementos se conectam com as re-
ças. Em alguns momentos, os policiais pren-
ferências socioculturais das crianças – o valor
dem um dos ladrões, segurando-o, fingindo dar
da carteira de identidade como documento
uma “gravata”, derrubando-o. Algum compa-
principal de identificação do cidadão –, possi-
nheiro aparece para salvá-lo. A um dado mo-
bilitando a construção de um significado co-
mento, João diz que prendeu Mariana na parte
mum partilhado no espaço do brincar.
de cima do escorrega.

3
Situação retirada de: BORBA, A. M. Culturas da infância nos espaços-tempos do brincar: um estudo com crianças de 4-6 anos
em instituição pública de educação infantil. Tese de doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005. 37
Se observarmos com cuidado diferentes e Sua apropriação se dá no próprio processo de
variadas situações de brincadeiras coletivas brincar. É brincando que aprendemos a brincar.
organizadas por crianças e adolescentes – É interagindo com os outros, observando-os e
como queimado, pique-bandeira, corda, elás- participando das brincadeiras que vamos nos
tico, jogos de imaginação (cenas domésticas, apropriando tanto dos processos básicos
personagens e enredos de novelas, contos de constitutivos do brincar, como dos modos par-
fadas, séries televisivas etc.), entre outras possi- ticulares de brincadeira, ou seja, das rotinas,
bilidades –, poderemos aprender muito sobre regras e universos simbólicos que caracterizam
as crianças e os processos de desenvolvimento e especificam os grupos sociais em que nos in-
e aprendizagem envolvidos em suas ações. Ob- serimos.
servemos com atenção suas falas, expressões e Um outro aspecto a ressaltar é que os modos
gestos enquanto brincam. Ficaremos impres- de comunicar característicos da brincadeira
sionados com seu investimento no planeja- constituem-se por novas regras e limites, dife-
mento e na organização das brincadeiras com rentes da comunicação habitual. Esses limites
a intenção de definir e de negociar papéis, tur- são definidos pelo compromisso com o reco-
nos de participação, cenários, regras, ações, nhecimento do brincar como uma outra reali-
significados e conflitos. É também surpreen- dade, uma nova ordem, seja no contexto dos
dente, principalmente nos jogos de imagina- jogos de faz-de-conta, em que as situações e
ção (faz-de-conta), a maneira como as crianças regras são estabelecidas pelos significados ima-
agem, diferente da habitual, modificando as ginados e criados nas interações entre as cri-
vozes, a entonação de suas falas, o vocabulá- anças, seja no plano dos jogos/brincadeiras com
rio, os gestos, os modos de andar etc.! Para ser regras pré-existentes (bola de gude, amareli-
monstro, Pedro não pode se comportar como nha, queimada etc.). É importante enfatizar
Pedro, e terá de andar, expressar-se, falar e agir que o modo de comunicar próprio do brincar
como monstro. No entanto, Pedro não deixa não se refere a um pensamento ilógico, mas a
de ser Pedro, apenas finge para convencer os um discurso organizado com lógica e caracte-
parceiros de que é um monstro “de men- rísticas próprias, o qual permite que as crian-
tirinha”. Parece que estamos diante de atores ças transponham espaços e tempos e transitem
de teatro, compromissados com a verdade da- entre os planos da imaginação e da fantasia,
quelas ações representadas! Quantos conhe- explorando suas contradições e possibilidades.
cimentos estão envolvidos nessas ações!
Assim, o plano informal das brincadeiras pos-
Essas observações levam-nos a perceber que a sibilita a construção e a ampliação de compe-
brincadeira requer o aprendizado de uma for- tências e conhecimentos nos planos da
ma específica de comunicação que estabelece cognição e das interações sociais, o que certa-
e controla esse universo simbólico e o espaço mente tem conseqüências na aquisição de co-
interativo em que novos significados estão sen- nhecimentos no plano da aprendizagem
do partilhados. Dito de outra forma, a apro- formal. A partir das considerações feitas até
priação dessa forma de comunicação é aqui, vale a pena refletir sobre as relações en-
condição para a construção das situações ima- tre aquilo que o brincar possibilita – tais como
ginadas (falas/diálogos dos personagens, nar- aprender a olhar as coisas de outras maneiras
rativas das ações e acontecimentos), bem atribuindo-lhes novos significados, a estabe-
como para a organização e o controle da brin- lecer novas relações entre os objetos físicos e
cadeira pelas crianças. Mas de que maneira se sociais, a coordenar as ações individuais com
38 constrói e se organiza esse modo de comunicar? as dos parceiros, a argumentar e a negociar, a
organizar novas realidades a partir de planos pelos sujeitos nos contextos históricos e soci-
imaginados, a regular as ações indivi- ais em que se inserem. Representa, dessa
duais e coletivas a partir de idéias e forma, um acervo comum sobre o
regras de universos simbólicos – qual os sujeitos desenvolvem
e o processo de constituição de atividades conjuntas. Por
conhecimentos pelas crian- Os processos de outro lado, o brincar é um
ças e pelos adolescentes. Os desenvolvimento dos pilares da constituição
processos de desenvolvi- e de aprendizagem de culturas da infância,
mento e de aprendizagem envolvidos no brincar são compreendidas como sig-
envolvidos no brincar são também constitutivos do nificações e formas de
também constitutivos do ação social específicas que
processo de apropriação
processo de apropriação de estruturam as relações das
conhecimentos! A possibili- de conhecimentos! crianças entre si, bem como
dade de imaginar, de ultrapas- os modos pelos quais interpre-
sar o já dado, de estabelecer novas tam, representam e agem sobre
relações, de inverter a ordem, de ar- o mundo. Essas duas perspectivas
ticular passado, presente e futuro potencializa configuram o brincar ao mesmo tempo como
nossas possibilidades de aprender sobre o mun- produto e prática cultural, ou seja, como
do em que vivemos! patrimônio cultural, fruto das ações humanas
Podemos afirmar, a partir dessas reflexões, que transmitidas de modo inter e intrageracional,
o brincar é um espaço de apropriação e cons- e como forma de ação que cria e transforma
tituição pelas crianças de conhecimentos e ha- significados sobre o mundo.
bilidades no âmbito da linguagem, da Constituindo um saber e um conjunto de prá-
cognição, dos valores e da sociabilidade. E que ticas partilhadas pelas crianças, o brincar está
esses conhecimentos se tecem nas narrativas estreitamente associado à sua formação como
do dia-a-dia, constituindo os sujeitos e a base sujeitos culturais e à constituição de culturas
para muitas aprendizagens e situações em que em espaços e tempos nos quais convivem co-
são necessários o distanciamento da realidade tidianamente. Esse saber, base comum sobre a
cotidiana, o pensar sobre o mundo e o qual as crianças desenvolvem coletivamente
interpretá-lo de novas formas, bem como o de- suas brincadeiras, é composto de elementos ex-
senvolvimento conjunto de ações coordena- teriores e interi ores às comunidades infantis.
das em torno de um fio condutor comum. Externamente, pode ter como fontes a cultu-
ra televisiva, o mercado de brinquedos, a edu-
Brincadeira, cultura e
cação dos adultos e as suas representações
conhecimento: a função huma-
sobre a brincadeira e a infância, além das prá-
nizadora da escola
ticas culturais transmitidas por outras crianças
Vamos refletir agora sobre as relações entre o e adultos. Internamente, compõe-se de atitu-
brincar, a cultura e o conhecimento na exis- des coletivas e elementos culturais particula-
tência humana e, mais particularmente, na res (regras, modos de falar e de fazer, valores,
experiência da infância. técnicas, artefatos etc.) gerados nas práticas e
Por um lado, podemos dizer que a brincadeira é reinterpretações dos elementos externos. Exis-
um fenômeno da cultura, uma vez que se con- te assim uma dinâmica entre universalidade e
figura como um conjunto de práticas, conheci- diversidade que se traduz em permanências e
mentos e artefatos construídos e acumulados transformações, configurando o brincar como 39
uma complexa experiência cultural que simul- desafiar os limites da realidade cotidiana. A
taneamente une e especifica os grupos sociais. idéia de liberdade está associada, entretanto,
não à ausência de regras, mas à criação de for-
Pintores, poetas, escritores, cineastas,
mas de expressão e de ação e à definição de
teatrólogos costumam utilizar o tema da infân-
novos planos de significação que implicam
cia e dos brinquedos e brincadeiras em suas
novas formas de compreender o mundo e a si
obras, ofecerendo-nos, por meio do olhar ar-
mesmo.
tístico, interpretações sensíveis.
Pipas colorindo os céus. Crianças e adultos,
- O bom da pipa não é mostrar aos
outros, é sentir individualmente a pipa, em todas as regiões do Brasil e em várias par-
dando ao céu o recado da gente. tes do mundo “empinam” esse brinquedo, com
- Que recado? Explique isso direito! modos variados de confeccioná-lo, praticá-lo,
João olhou-me com delicado desprezo. significá-lo e com ele estabelecer relações so-
- Pensei que não precisasse. Você solta ciais. Universalidade e pluralidade são suas
o bichinho e solta-se a si mesmo. Ela é marcas, e de muitos outros brinquedos e brin-
sua liberdade, o seu eu, girando por aí, cadeiras, como a amarelinha. Domínio da ex-
dispensado de todas as limitações. periência humana e ao mesmo tempo
(Carlos Drummond de Andrade apud especificidade de grupos sociais.
Carvalho, Ana M.A. e Pontes,
Pega-pega, pira, picula. Pique-cola, pique-bai-
Fernando A.R.)
xo, pique-alto, pique-estátua, pique-fruta. Dife-
Drummond expressa o sentimento de liberda- rentes denominações e variações para uma
de e desprendimento promovido pela brinca- brincadeira cuja estrutura básica é a persegui-
deira. Brincar seria “soltar-se a si mesmo”, ção e a fuga, ou seja, há um pegador que corre
desprender-se da realidade imediata e de seus atrás dos demais tentando alcançá-los. A brin-
limites, voar, lançar-se ao céu, mas ao mesmo cadeira percorre três etapas básicas: a partir da
tempo diríamos que é possuir o controle do formação do grupo, a escolha do “pegador”; o
vôo nas mãos, segurando e movimentando a
desenvolvimento do jogo por meio de tenta-
linha da pipa e regendo o “eu” por meio dos
tivas de pegar e do revezamento de pegadores;
contornos dessa nova dimensão da realidade.
e a finalização.
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês Um repertório de brincadeiras, cujos esquemas
A noiva do caubói era você além das básicos ou rotinas são partilhados pelas crian-
outras três ças, compõe a cultura lúdica infantil, ou seja,
Eu enfrentava os batalhões, os alemães o conjunto de experiências que permite às cri-
e seus canhões anças brincar juntas (Brougère, 2002, 2004).
Guardava o meu bodoque e ensaiava o Esses esquemas, contudo, não são estáticos,
rock para as matinês mas transpostos e transformados de um con-
(João e Maria – Chico Buarque) texto para o outro. Nesse sentido, são influen-
A liberdade no brincar se configura no inver- ciados tanto pelo contexto físico do ambiente,
ter a ordem, virar o mundo de ponta-cabeça, a partir dos recursos naturais e materiais dis-
fazer o que parece impossível, transitar em di- poníveis, como também pelo contexto simbó-
ferentes tempos – passado, presente e futuro – lico, ou seja, pelos significados pré-existentes
Agora eu era o herói... Rodar até cair, ficar tonto e partilhados pelo grupo de crianças. Desse
40 de tanto correr, ser rei, caubói, ladrão, polícia, modo, ambientes escolares organizados para a
brincadeira, compostos de mobiliário e obje- e disputas. Nesse contexto, as crianças esta-
tos vinculados à vida doméstica, suscitam belecem laços de sociabilidade e constro-
brincadeiras de papéis familiares; rios, em sentimentos e atitudes de
mares, lama e areia geram brinca- solidariedade e de amizade.
deiras de nadar, pular, fazer cas- A brincadeira é É importante demarcar que no
telos; personagens de novela brincar as crianças vão se cons-
um lugar de
conhecidos pelas crianças cri- tituindo como agentes de sua
am brincadeiras de papéis e construção de
experiência social, organizan-
cenas domésticas; super-heróis culturas fundado
do com autonomia suas ações
tematizam piques e brincadei- nas interações e interações, elaborando pla-
ras de perseguição. sociais entre as nos e formas de ações conjun-
Todos esses elementos externos crianças tas, criando regras de
ao jogo, localizados na escola, na fa- convivência social e de participação
mília, no bairro ou na mídia televisiva, nas brincadeiras. Nesse processo, insti-
entre outros espaços propiciadores de experi- tuem coletivamente uma ordem social que rege
ências sociais e culturais, são reinterpretados as relações entre pares e se afirmam como au-
pelas crianças e articulados às suas experiênci- toras de suas práticas sociais e culturais.
as lúdicas. A partir daí, geram-se novos modos
Brincar com o outro, portanto, é uma experi-
de brincar. A televisão, por exemplo, é um ele-
ência de cultura e um complexo processo
mento externo de grande influência hoje, mas
interativo e reflexivo que envolve a constru-
é preciso salientar que suas imagens e repre-
ção de habilidades, conhecimentos e valores
sentações não são simplesmente imitadas pe-
sobre o mundo. O brincar contém o mundo e
las crianças, mas recriadas a partir de suas
ao mesmo tempo contribui para expressá-lo,
práticas lúdicas. Assim, podemos ver os bo-
pensá-lo e recriá-lo. Dessa forma, amplia os co-
necos Power Rangers - personagens de uma
nhecimentos da criança sobre si mesma e so-
série televisiva - lutando e usando seus pode-
bre a realidade ao seu redor.
res nas mãos das crianças, mas também co-
mendo, dormindo, brincando com bonecas As reflexões que desenvolvemos até aqui nos
Barbie, etc. Para que se abram e se ampliem levam a perguntar: como temos significado e
as possibilidades de criação no brincar é im- compartilhado com as crianças e os adolescen-
prescindível, contudo, que as crianças te- tes suas experiências de brincadeiras? O espa-
nham acesso a espaços coletivos de ço do brincar nas nossas escolas é apenas
brincadeira e a experiências de cultura. passatempo e liberação-reposição de energias
para alimentar o trabalho? Ou é uma forma de
A brincadeira é um lugar de construção de
interpretar, agir e nos relacionar com o mun-
culturas fundado nas interações sociais entre
do e com os outros, vivenciada como experi-
as crianças. É também suporte da sociabili-
ência que nos humaniza, levando-nos à
dade. O desejo de brincar com o outro, de
apropriação de conhecimentos, valores e sig-
estar e fazer coisas com o outro, é a principal
nificados, com imaginação, humor,
razão que leva as crianças a se engajarem em
grupos de pares. Para brincar juntas, necessi- criatividade, paixão e prazer?
tam construir e manter um espaço interativo Mas sabemos verdadeiramente o que é brin-
de ações coordenadas, o que envolve a parti- car e de que e como nossas crianças e adoles-
lha de objetos, espaços, valores, conhecimen- centes brincam? Pensar sobre a função
tos e significados e a negociação de conflitos humanizadora da brincadeira nos provoca 41
inquietações quanto à organização da escola e entre pares se observarmos: que assuntos es-
do trabalho pedagógico. Como podemos tão em jogo quando brincam? Como se orga-
transformá-los de forma que deixem a brinca- nizam em grupos? Que critérios e valores
deira fruir? Nos provoca também a redescobrir perpassam a escolha/seleção dos parceiros
em nós mesmos o gosto e o prazer do fazer (amizade, alianças, hierarquias, preconceitos,
lúdico e das brincadeiras, levando-nos a bus- relações de poder, etc.)? Que conhecimen-
car em nossas experiências de infância, em lei- tos as crianças e os adolescentes revelam?
turas e por meio de um olhar atento às Quais são as regras que regem as relações en-
diferentes práticas culturais de brincadeira que tre pares?
identificam os grupos sociais, fontes para a Essas observações e o que podemos aprender
ampliação do nosso repertório e das nossas com elas contribuem para a nossa aproxima-
formas de ação lúdica sobre o mundo. Afi- ção cultural com as crianças e para compreen-
nal, brincar é uma experiência de cultura im- dermos melhor a importância do brincar nas
portante não apenas nos primeiros anos da suas vidas. Certamente ficará mais claro para
infância, mas durante todo o percurso de vida nós que o brincar é uma atividade humana
de qualquer ser humano, portanto, também significativa, por meio da qual os sujeitos se
deve ser garantida em todos os anos do ensi- compreendem como sujeitos culturais e huma-
no fundamental e etapas subseqüentes da nos, membros de um grupo social e que, como
nossa formação! tal, constitui um direito a ser assegurado na
Uma excelente fonte de conhecimentos so- vida do homem. E o que dirá na vida das cri-
bre o brincar e sobre as crianças e os adoles- anças, em que esse tipo de atividade ocupa um
centes é observá-los brincando. Penetrar nos lugar central, sendo uma de suas principais
seus jogos e brincadeiras contribui, por um formas de ação sobre o mundo! Perceberemos
lado, para colhermos informações importan- também, com mais profundidade, que a esco-
tes para a organização dos espaços-tempos es- la, como espaço de encontro das crianças e
colares e das práticas pedagógicas de forma que dos adolescentes com seus pares e adultos e
possam garantir e incentivar o brincar. Por com o mundo que os cerca, assume o papel
outro lado, ajuda na criação de possibilidades fundamental de garantir em seus espaços o di-
de interações e diálogos com as crianças, uma reito de brincar. Além disso, ao situarmos nos-
vez que propicia a compreensão de suas lógi- sas observações no contexto da
cas e formas próprias de pensar, sentir e fazer e contemporaneidade, veremos que esse papel
de seus processos de constituição de suas iden- cresce em importância na medida em que a
tidades individuais e culturas de pares. Medi- infância vem sendo marcada pela diminuição
ante nossas observações, podemos dos espaços públicos de brincadeira, pela falta
compreender melhor a dinâmica do brincar, de tempo para o lazer, pelo isolamento, sendo
perguntando-nos: de que as crianças e os ado- a escola muitas vezes o principal universo de
lescentes brincam? Que temas e objetos/brin- construção de sociabilidade.
quedos estão envolvidos? Que brincadeiras se Vamos refletir agora sobre as práticas que nos
repetem cotidianamente? Que regras organi- aproximam e, ao mesmo tempo, sobre aquelas
zam as brincadeiras? Em que espaços e duran- que nos afastam das concepções sobre a brin-
te quanto tempo brincam? Como se escolhem cadeira que discutimos até aqui. O brincar é
e se distribuem os participantes? Que papéis sugerido em muitas propostas e práticas peda-
são assumidos por eles? Aprenderemos muito gógicas com crianças e adolescentes como um
42 também sobre as suas vidas e suas relações pretexto ou instrumento para o ensino de
conteúdos. Como exemplo, temos atividades, constituem formas interes-
músicas para memorizar informa- santes de aprender brincando ou
ções, jogos de operações matemá- de brincar aprendendo. Quantos
ticas, jogos de correspondência Ao planejarmos de nós lembramos das muitas
entre imagens e palavras escri- atividades lúdicas, descobertas que fizemos por
tas, entre outros. Mas quando é importante meio de jogos e atividades
compreendidos apenas como perguntar: a que lúdicas? Se incorporarmos de
recursos, perdem o sentido de forma mais efetiva a
fins e a quem estão
brincadeira e, muitas vezes, até ludicidade nas nossas práticas,
servindo? estaremos potencializando as
mesmo o seu caráter lúdico, assu-
mindo muito mais a função de trei- possibilidades de aprender e o in-
nar e sistematizar conhecimentos, uma vestimento e o prazer das crianças e dos
vez que são usados com o objetivo principal adolescentes no processo de conhecer. E com
de atingir resultados preestabelecidos. É pre- certeza descobriremos também novas formas
ciso compreender que o jogo como recurso de ensinar e de aprender com as crianças e os
didático não contém os requisitos básicos que adolescentes!
configuram uma atividade como brincadei- Mas como planejar essas atividades? Um bom
ra: ser livre, espontâneo, não ter hora começo é nos perguntarmos: Conhecemos
marcada, nem resultados prévios e determi- bem nossas crianças ou adolescentes? Sabemos
nados. Isso não significa que não possamos do que gostam ou não de fazer, de seus inte-
utilizar a ludicidade na aprendizagem, medi- resses, de suas práticas? Sabemos ouvi-los? Cri-
ante jogos e situações lúdicas que propiciem amos espaços para que eles também nos
a reflexão sobre conceitos matemáticos, conheçam? A abertura de portas para o en-
lingüísticos ou científicos. Podemos e deve- contro e a proximidade cultural com as crian-
mos, mas é preciso colocá-la no real espaço ças e os adolescentes é fundamental para
que ocupa no mundo infantil, e que não é o organizarmos atividades que estejam em mai-
da experiência da brincadeira como cultura. or sintonia com seus interesses e necessidades.
Constituem apenas diferentes modos de en- Ao planejarmos atividades lúdicas, é impor-
sinar e aprender que, ao incorporarem a tante perguntar: a que fins e a quem estão ser-
ludicidade, podem propiciar novas e interes- vindo? Como estão sendo apresentadas?
santes relações e interações entre as crianças Permitem a escuta das vozes das crianças?
e destas com os conhecimentos. Como posso me posicionar junto a elas de
Existem inúmeras possibilidades de incorpo- modo que promova uma experiência lúdica?
rar a ludicidade na aprendizagem, mas para que O que se quer é apenas uma animação ou a
uma atividade pedagógica seja lúdica é impor- intenção é possibilitar uma experiência em que
tante que permita a fruição, a decisão, a esco- se estabeleçam novas e diversas relações com
lha, as descobertas, as perguntas e as soluções os conhecimentos?
por parte das crianças e dos adolescentes, do É importante demarcar que o eixo principal
contrário, será compreendida apenas como em torno do qual o brincar deve ser incorpo-
mais um exercício. No processo de alfabetiza- rado em nossas práticas é o seu significado
ção, por exemplo, os trava-línguas, jogos de como experiência de cultura. Isso exige a ga-
rima, lotos com palavras, jogos da memória, rantia de tempos e espaços para que as própri-
palavras cruzadas, língua do pê e outras lín- as crianças e os adolescentes criem e
guas que podem ser inventadas, entre outras desenvolvam suas brincadeiras, não apenas em 43
locais e horários destinados pela escola a essas relacionar com os outros. Percebendo as ali-
atividades (como os pátios e parques para a anças, amizades, hierarquias e relações de po-
recreação), mas também nos espaços das salas der entre pares. Estabelecendo pontes, com
de aula, por meio da invenção de diferentes base nessas observações, entre o que se apren-
formas de brincar com os conhecimentos. Mas de no brincar e em outras atividades, fornecen-
de que maneira podemos assegurar nas nossas do para as crianças a possibilidade de
práticas escolares que o brincar seja vivido enriquecerem-nas mutuamente. Centrando a
como experiência de cultura? Vamos pensar ação pedagógica no diálogo com as crianças e
juntos alguns caminhos. os adolescentes, trocando saberes e experiênci-
Organizando rotinas que propiciem as, trazendo a dimensão da imaginação
a iniciativa, a autonomia e as e da criação para a prática cotidia-
interações entre crianças. Cri- na de ensinar e aprender.
ando espaços em que a vida O eixo principal Enfim, é preciso deixar que
pulse, onde se construam em torno do qual o as crianças e os adolescen-
ações conjuntas, amizades brincar deve ser tes brinquem, é preciso
sejam feitas e criem-se cul- incorporado em aprender com eles a rir, a
turas. Colocando à dispo- inverter a ordem, a repre-
sição das crianças materiais
nossas práticas é o sentar, a imitar, a sonhar e
e objetos para descobertas, seu significado a imaginar. E no encontro
ressignificações, transgres- como experiência com eles, incorporando a di-
sões. Compartilhando brinca- de cultura. mensão humana do brincar, da
deiras com as crianças, sendo poesia e da arte, construir o per-
cúmplice, parceiro, apoiando-as, res- curso da ampliação e da afirmação de
peitando-as e contribuindo para ampliar seu conhecimentos sobre o mundo. Dessa forma,
repertório. Observando-as para melhor abriremos o caminho para que nós, adultos e
conhecê-las, compreendendo seus universos crianças, possamos nos reconhecer como su-
e referências culturais, seus modos próprios jeitos e atores sociais plenos, fazedores da nos-
de sentir, pensar e agir, suas formas de se sa história e do mundo que nos cerca.

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