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ETONISMO SEGUNDO ETONA

Januário Kindowa1

Toda filosofia é humana, feita pelo homem situado em seu ambiente


histórico e geográfico, incitado pelas variadas situações sociais,
fundamentalmente locais, que provocam reflexões e o levam a gerar em
volta delas, pensamentos adversos que visam proporcionar respostas
eficientes aos problemas emergentes, que assolam não só a sua
comunidade, como a humanidade.

Assim, toda filosofia é egípcia, grega, romana, chinesa, alemã,


americana, etc., não porque esta busca estudar os fenómenos
tipicamente egípcios ou gregos, o que reduziria o panorama especulativo
da filosofia, mas pelo facto de esta não só ser produzida por um nativo,
mas sobretudo, por esta filosofia ser carregada de elementos básicos
daquela cultura, desde os traços linguísticos, religiosos, culturais, políticos e
económicos.

Como elucidado no livro de Filomeno Lopes, Filodramática. Os


PALOP, entre a filosofia e a crise de consciência histórica (2018), para
Ngoenha, a principal razão que condicionou a evolução da filosofia
africana do século XX, foi o facto desta se prender no debate sobre a sua
existência, quando na verdade e segundo este, “(...) o carácter de uma
filosofia não consiste em discutir sobre a sua existência. Uma filosofia existe
enquanto elaboração dos pressupostos capazes de responder aos
problemas que enfrentamos no tempo”.

Mas do que um exercício sofístico, a actividade filosófica é


motivada por uma acção prática a propor respostas aos problemas
1
Licenciando em Filosofia pela Faculdade de Humanidades da Universidade Agostinho Neto; Membro da
Associação Etonista de Filosofia, AEF; Membro da Associação de Investigadores e Filósofos Angolanos, AIFA;
Coordenador do Sector de Pesquisa para Assuntos Africanos da Tecni-Filosofia; Coordenador Executivo da
Cérebro Diop – Comunidade de Estudos Avançados, CED-CEA; Mentor da Comissão Multi-organizacional de
Filosofia Angolana, COMFANG.
práticos. Daí que um filósofo, diferente do sofista que está apenas
preocupado com a reputação da sua questionada sabedoria e as
devidas recompensas desta, é chamado a reflectir o estado da
humanidade, isto é, os interesses do seu labor transcendem os limites dos
seus interesses pessoais.

Etona nasceu na cidade do Soyo, na província do Zaire na década


de 60. Experimentou a sua infância dentro de um contexto mussecano2
que o presenteou as actividades económicas mais nobres da sua região,
como a caça, pesca, a alfaiataria, escultura e a pintura. Seu pai, Tomás
Ana, sempre foi muito duro ao educá-lo, preparando-o desde tenra
idade, a experimentar a dor, não como um sinal de sofrimento, mas como
um caminho dignificado para o alcance de tudo que se pode almejar. No
entanto, junto da sua esposa, Ana Maria Vemba, com 9 anos de idade
Etona foi levado ao ateliê de alfaiate em Noki, onde aprendeu durante 4
anos com mestre Miguel Mavandu.

Como este nos relatou, aos seus 14 anos de idade nas vésperas de
natal, ansiando por um presente como qualquer criança, dirigiu-se ao seu
pai e perguntou-lhe sobre o que receberia deste como presente, e
replicou ele: “já lhe dei protecção, educação e profissão, agora é hora
de buscares através do cultivo do trabalho, os frutos da tua própria
colheita. Abatido com o peso da lição, Etona passou a construir o seu
próprio futuro tendo como princípio fundamental, o trabalho.

A semelhança dos quatro filósofos, lidos como grandes mestres da


humanidade, Etona não discutiu filosofia, procurou apenas praticá-la
através da sua arte. Convencido de que o filosofo só nasce
verdadeiramente quando este decide fazer rupturas de todas as demais
formas de pensamentos outrora estudados, para em seguida cingir-se na
criação e formação da sua própria forma de pensamento, Etona,
2
Segundo o Dicionário de Regionalismos Angolanos de Óscar Ribas (2014), musseque refere-se a terreno
arenoso, mas agricultável, situado fora da orla marítima, em planície de altitude.

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marcado pelos problemas do tribalismo, racismo e discriminação, fez
destes o foco da sua filosofia, ao qual dedicou obras diversas,
questionando e reivindicando novas formas de procedimento, apelando
assim pelo cultivo eficiente da razão, do diálogo e da tolerância.

Dos estudos filosóficos desenvolvidos no campo da arte feita em


volta dos seus trabalhos, Batsîkama, Vice-Presidente da Associação
Etonista de Filosofia, na altura licenciando-se em Filosofia da Arte na
Universidade de Plymouth na Inglaterra, designou todo o trabalho artístico
de Etona, por etonismo, uma filosofia da arte sobre a razão tolerante.

1. O que é o etonismo?

Durante dois anos, isto é, de 1982 à 1984, Etona de forma livre, tendo
consciência da sua responsabilidade patriótica, alistou-se nas Forças
Armadas Populares de Libertação de Angola - FAPLA, como oficial de
operação na 16ª Brigada, onde cumpriu uma missão no Cuito Cuanaval.
Deste período de total nostalgia, Etona testemunhou a desgraça humana,
e quanto a realidade angolana, entendeu que o seu estado humano, foi
deformado pelas sequelas da guerra, o que determinou, como efeitos
nocivos, a tribalização dos angolanos fortemente enraizado pelo espírito
racista e discriminatório.

Para Etona, o angolano é um ser deformado, se não é a cabeça,


são os seus membros que foram mutilados pela guerra e pela cultura de
guerra que este enfrentou política e religiosamente. Depois da guerra
colonial terminada em 1975, Angola iniciou a guerra civil que agravou a
deformação humana do angolano até 2002. Agarrado ao sentido
filosófico da sua arte, Etona procurou retractar a realidade do angolano,
exibindo as suas principais deficiências e sobretudo, propondo as
respostas para as possíveis soluções.

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O sentido nacionalista angolano foi superado pela força do
separatismo, no entanto, o angolano passou a prezar mais os valores
étnicos (dos quimbundo, umbundo, kikongo, etc.), em detrimento dos
gerais, daqueles princípios que seriam característicos à nação, tudo por
causa da influência da cultura de guerra. É assim que o etonismo para
Etona, é um caminho produtor e condutor da cultura de paz em Angola, e
não só.

1.1. O que é ser etonista

Em diálogo com Joel Coimbra, membro associado da Cérebro Diop


– Comunidade de Estudos Avançados, após estabelecer o primeiro
contacto com as obras de Etona, este dizia: “o verdadeiro discípulo de
Etona não é aquele que escreveu sobre etonismo, mas aquele que
testemunha o etonismo através do seu modo de vida”. Ressaltando o
valor extraordinário de Batsîkama na sistematização do etonismo, Coimbra
continuou: “o budismo não sobreviveu séculos por causa do seu carácter
teórico, foi o seu modelo de conduta prática que deu a ela séculos de
vida, no entanto, é chegado o momento de se trabalhar a práxis
etonista”.

Etona foi um leitor de factos, hermeneuta do sentido dos factos e


visionário que através dos factos buscava maneiras de gerenciá-las a
favor das pessoas. Um trabalhador assíduo que jamais parava, estava
sempre em movimento, porque este acreditava que só o trabalho feito
com inteligência era a verdadeira máquina para o desenvolvimento
humano e estrutural. Enfim, este é o cerne do etonismo, o trabalho
intelectualizado, um modo racional de produzir riqueza por meio do
trabalho, por isso, para Etona, o etonista é e conforme a sua semelhança,
um caçador de heranças e um tractor de agricultura humana.

1.1.1. Jogador do mundo

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Na primeira visita feita a Associação Etonista de Filosofia, ouvi o
mestre Etona a ensinar sobre o valor do filósofo etonista, e de modo geral,
alegava que o verdadeiro filósofo não é pobre, mas um estimulador da
riqueza. O filósofo é um construtor de ideias, e estas são as directrizes de
orientação da actividade humana, seja qual for a sua natureza. No
entanto, o filósofo etonista é um jogador do mundo, um homem ou mulher
que conhecendo a essência das regras do jogo, concorre a favor da
justiça histórica.

Esta consciência voltada a justiça histórica é a base lógica que


movimenta toda acção etonista. Conforme dizia Etona, “a justiça
histórica, aquela que devolveu o devido valor a aqueles homens que em
seus tempos não foram valorizados, é a única causa da minha luta”. É
assim que pensava Etona, e ainda insistia clareando, “no entanto, não
estou preocupado se a minha filosofia ira agradecer este ou ferir aquele,
mas com o significado que ela receberá da própria justiça histórica.”

De 2006 à 2009, Etona tornou conhecido o etonismo, quer a nível


nacional, como internacional. Formado em Relações Internacionais, Etona
buscou conhecer as regras do jogo mundial e com a sua arte lançou-se
ao mundo. Foram mais de 15 países visitados com o intuito de entender
melhor a lógica do reconhecimento da arena internacional. E deste
enriquecedor percurso, ampliou suas visões sobre a praticidade da
filosofia, estreitou novos intercâmbios (artísticos, filosóficos e diplomáticos),
e assinou convénios com federações filosóficas.

Etona, assumindo-se como jogador do mundo, levou o etonismo


para a mesa de debate internacional, onde entre outros, intervieram
aristas e filósofos de diferentes nacionalidades, defendo o sentido
valorativo e pragmático do etonismo, dentre eles, segundo Batsîkama
(2009), Phillis K. Miller, Arnold Berleant), António Moreira, Rodrigues Vaz,
Mawete Makisisila, Zakeu Zengo, etc.

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1.1.2. Caçador de heranças

Antes de Etona ninguém conhecia Batsîkama. Tendo averiguado o


seu valor racionalmente tolerante, o levou ao mundo, e a partir das obras
deste, nasceram outros etonistas em várias partes de Angola, como em
Luanda, Uíge, Benguela, Bengo, etc., portanto, filosofar para Etona não é
ler livros, decorar teorias e reproduzi-las em eventos académicos, filosofar
é procurar, descobrir e dar vida a um ser, seja ela orgânico como
inorgânico.

E é assim que ele descreveu o etonista a partir da sua realidade,


aquele que se desamarra das cordas da ignorância e da invisibilidade,
não em sua honra ou para sua vanglória, mas para buscar caçar as
heranças, aquelas pessoas ou objectos que podem ser transformados em
relíquias, obras que servirão de inspiração, educação e de orientação
humana, como este fez com Batsîkama e com inúmeras obras de arte,
como a Kyanda, Fwanduji, Wizany, etc.

1.1.3. Tractor de agricultura humana

A arte de cultivar a terra é potencialmente produtiva quando esta é


feita com o auxílio de uma máquina – o trator, que entre outras, seria
responsável pela eficiência no processo de preparação da terra,
determinando a próspera plantação e sobretudo, a colheita. O etonista é
um caçador de heranças que de forma estratégica, prepara as diferentes
habilidades do homem para que este esteja apto a produzir, garantindo
que seus frutos sejam propícios ao desenvolvimento humano.

Aos seus discípulos, Etona sempre repetia, “eu não devo parar
porque eu sou o tractor, minha missão é preparar o terreno para que os
meus discípulos continuem com a obra etonista, que não é minha, mas
dos angolanos”. Entretanto, o etonista não é um teórico falante, um sofista
que busca por mérito próprio ou que semeia intrigas no seio das massas,

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ele é um amante do trabalho, aquele que busca na razão, formas sábias
de dialogar e conviver com os outros na base da tolerância, dentro de um
ambiente de paz.

2. Estrutura do etonismo

Rigorosamente, o etonismo é uma corrente de pensamento artístico,


filosófico e social angolano, baseado na defesa da razão tolerante.
Criado por Etona e positivado por Batsîkama, ela propõe por meio da
cultura da paz, uma convivência humana sustentável, gerenciada na
base do respeito às diferenças.

Preocupado com a tribalização angolana, Etona buscou


fundamentar artisticamente, a sua mensagem de unificação, descoberta
e ascensão da humanidade angolana, que segundo este, só seria possível
com o processo curativo das deficiências geradas pela guerra, que em
grande escala, determinaram a decadência cultural do homem, que
pode ser resgatado com o exercício do etonismo.

E este exercício etonista foi entendido por Etona como uma prática
diária que deve gerar no homem novo a ser construído, um cidadão
produtor de riqueza. No entanto, esta dimensão pragmática do etonismo
circunscreve-se numa rede estrutural de três principais práticas, partes e
ramos, nomeadamente: o etonismo como arte, o etonismo como filosofia
e o etonismo como empreendedorismo.

Conclusão

Foi no dia 28 de Dezembro de 2021 que visitei a Associação Etonista


de Filosofia através da missão da COMFANG – Comissão Multi-
organizacional de Filosofia Angolana, todavia, foi em Outubro do mesmo
ano que descobri o etonismo por meio da leitura feita em Etonismo. Uma
Filosofia da Razão Tolerante, de Patrício Batsîkama. Foi neste encontro que
pela primeira vez vi o Mestre Etona e ouvi-lo em três minutos, foi suficiente

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para entender que o meu interesse filosófico em volta da pesquisa e
sistematização da filosofia angolana estava finalmente a experimentar a
oportunidade sagrada a tanto tempo procurada, pois estava diante de
mim, a raiz legitimada da filosofia angolana.

Etona é a matriz da filosofia angolana, diferente da filosofia


académica em Angola, cuja representatividade máxima pertence a
figura de Feliciano Moreira Bastos. O etonismo é a primeira e até aqui a
única corrente de pensamento artístico, filosófico e social angolano,
cientificamente estruturado e internacionalmente divulgado e
reconhecido, que legitima não só a filosofia angolana, como a arte
angolana também.

A nível nacional o etonismo passou a ser conhecido, estudado e


discutido na cidade de Luanda em 2006, no III Simpósio sobre a Cultura
Nacional, aberto pelo ex. Presidente da República de Angola, José
Eduardo dos Santos, e dissertado por Etona e seu discípulo, Batsîkama.

Não eram nas teorias, mas nos factos que Etona se inspirava para
explicar as coisas a sua volta.

Referências Bibliográficas

Ana, A., T. Democracia vista endogenamente. Caso do Etonismo. In.


ENAPP (2021). Revista Científica da Administração Pública. Vol. II, Lisboa –
Portugal.

Batsîkama, P. (2009). Etonismo. Uma Filosofia da Arte sobre a Razão


Tolerante. Editora JS Comunicação, Rio de Janeiro – Brasil.

Batsîkama, P. (s.d). Etonismo: Formas e Normas da Razão tolerante.


Universidade Editora, Luanda – Angola.

Lopes, F. (2018). Filodramática. Os PALOP, entre a filosofia e a crise de


consciência histórica. Paulinas Editora, Luanda – Angola.

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