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Introdução
Debates sobre a questão de se considerar ou não a etnofilosofia como filosofia surgem nos anos
70, particularmente no contexto africano, sobre a filosofia africana como tentativa de enquadra-la
ou não nas produções filosóficas africanas. Esta discussão levou muitos filósofos a tecerem duras
críticas a etnofilosofia, apesar de outros depararem com alguns aspectos posetivos.
Portanto, na nossa abordagem iremos focalizar a nossa atenção em alguns desses críticos da
etnofilosofia olhando especificamente para os argumentos apontados por cada um deles
relativamente aos aspectos que consideram negativos ao ponto de não considerarem a
etnofilosofia como filosofia africana e posteriormente vamos tecer a nossa contribuição em volta
do tema. Não pretendemos apresentar as críticas de forma cronológica, pois não estamos a
produzir uma mera compilação das análises anteriores a esta. Desta forma, a discussão será de
forma aliatória, mas estabelecendo sempre um referente de forma a não confundir o leitor.
Assim, o nosso trabalho vai começar por fazer apresentar de uma forma breve alguns pontos
cruciais da etnofilosofia e os seus percurssores para melhor análise e compreensão da crítica que
a ela recai. No final vamos de forma muito sintética apresentar a nossa contribuição, ou seja, o
nosso ponto de vista relactivamente ao tema em causa.
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Autor: Dionisio Carlos Mavume
1. A etnofilosofia
Neste capítulo vamos olhar para as primeiras produções filosóficas escritas que ficaram
conhecidas através dos seus percurssores como etnofilosofia com o destaque para a obra do
padre belga Placide Tempels em 1945. Acredita-se que foi a partir da etnologia que se chegou a
etnofilosofia, portanto, neste ponto de vista a entofilosofia não emergiu per si, mas foi um auge
das produções entológicas. Ngoma Binda sustenta que o que marcou o início da produção
filosófica escrita foi o aparecimento da tradução francesa da obra do Padre belga, Placide
Tempels (Ngoenha, 1993:81).
Sustenta-se, portanto que foi a partir de dados etnológicos e com base na filosofia escolástica
como modelo que o Tempels tentou elaborar uma filosofia sistemática do homem negro. (ibdem)
Porém, este não é o objecto da nossa análise, o que nos interessa é olhar para a essência da
corrente que ficou conhecida como entofilosofia de modo a obtermos melhor compreensão da
crítica que é lhe dirigida.
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Imbo, S. O. (1998). An introduction to african philosophy. USA: Rowman & Littlefield Publishers, Inc.
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Autor: Dionisio Carlos Mavume
descrobiu nos povos negros “uma ontologia logicamente coerente”2. Para Tempels a chave de
todos os enigmas do homem primitivo era a compreenção do mesmo.
Contudo, ele sustenta que somente o europeu podia apreender as estruturas ontológicas bantu
mas que o próprio bantu não tinha essa capacidade. Portanto, o saber negro só podia derivar do
saber do homem europeu como um reflexo do ensinamento deste. Uma das teses de Tempels é a
categoria metafisica primária no pensamento do africano nas sociedades Bantu que é a força. Isto
é, a realidade é dinâmica, e ser é força3.
Tempels aponta para três pontos de vista da relação ser e força, 1. O ser é diferente a força, isto é,
seres podem ou não terem força; 2. Força como parte do ser, isto é, o ser é mais que força mas
depende dela; 3. O ser é força, isto é, ambos complementam-se. Para Tempels o bantu reflete a
última relação ser e força. Isto é, a vida do pensamento do africano está estruturada em entender
e definir força o que não acontece com o europeu que procura entender e definir o ser.
A filosofia bantu de Tempels foi criticada fortemente com o argumento de que ela resulta de
conclusões generalizadas que procuram caracterizar o pensamento do continente inteiro, o que
acredita-se ser dificil de fazer de forma significativa. Mais adiante iremos analisar as outras
críticas que foram lançadas contra Tempels.
Alexis Kagame, escreveu dez anos mais tarde sobre a filosofia bantu ruandês do ser e tal como
Tempels crê na existência de um sistema filosófico bantu. Mas Kagame vai concentrar-se na
questão gramatical rigorosa das estruturas linguísticas do Kiryarwanda com forte influência das
concepções de Aristóteles. Kagame tentou demostrar que as estruturas das línguas bantu
mostram uma ontologia complexa que é unicamente africana por natureza. Ao contrário do
Tempels que pensava que o sistema ontológico derivava do incosciente e não tinha uma
formulação em termos filosóficos adequados e exactos, Kagame afirma que ‘se existe uma
filosofia no nosso substracto cultural, ela foi inevitavelmente formulada’ (Ngoenha, 1993: 84)
Em suma, a origem da entofilosofia é atribuida a Tempels e Kagame apesar das duras críticas
para com eles.
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Ngoenha, S. E. (1993). Das independências às liberdades: Filosofia africana. Maputo: Edições Paulistas – África
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http://en.wikipedia.org/wiki/Bantu_Philosophy
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Autor: Dionisio Carlos Mavume
2. A crítica à etnofilosofia
Este capítulo versa sobre a etnofilosofia e seus críticos onde faremos uma análise dos principais
argumentos apresentados contra a etnofilosofia. A crítica à etnofilosofia coloca pensadores em
extremos diferentes, alguns que consideram-na irrelevante e perigosa, uma ligação com o sistema
tradicional de crenças fora de moda num mundo moderno, outros consideram-na como um bom
princípio para a investigação filosófica racional e há posições intermédias que colocam em
questão alguns problemas metodológicos ou implicações específicas nas pretensões
etnofilosóficas (Imbo 1998).
Muitos filósofos, tais como o queniano Oruka caracterizam a etnofilosofia como transformação
de mitologia em filosofia e afirmam que há tendência na etnofilosofia em equiparar o
pensamento filosófico africano a um pensamento tradicional.
Castiano (2010) citando Hountondji, acrescenta ainda que para o filósofo do Benin, os
etnofilósofos Tempels, Kagame, Mbiti e outros, longe de estarem a prestarem um serviço ao
domínio da filosofia, o que fazem é uma recolha etnográfica de dizeres populares arrumando-os,
após a recolha, em “caixas clássicas da filosofia” como sendo a cosmologia, a ontologia, a
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Citado em: Imbo, S. O. (1998). An introduction to african philosophy. USA: Rowman & Littlefield Publishers, Inc.
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Em: Revista e-curriculum, Dezembro, ano/vol.1, no001, Pontífícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
Brasil.
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Autor: Dionisio Carlos Mavume
epistemologia, a ética, etc., com o intuito de mostrar ao mundo que os africanos também sabem
filosofar. A questão é, se tal interesse houve por parte dos etnofilósofos “enganar” os africanos e
será que isso anula por completo o contributo que esta trouxe a filosofia africana? Voltaremos a
esta discussão mais adiante.
Por outro lado Crahay6 no seu “Le decollage conceptual: conditions d’une philosophie bantoue”
afirma que a contribuição de Tempels foi posetiva e negativa e considera que foi negativa na
medida em que Tempels cometeu o crime intelectual por afirmar que os bantu não eram por si
capazes de expressar e teorizar a sua filosofia e por ter confundido a primitividade das pessoas
com a filosofia como uma disciplina académica. No que refere ao aspecto posetivo, ele sustenta
que Tempels adiantou-se dos antropólogos e missionários europeus pois não viam filosofia na
cultura africana que para eles era produto da “mentalidade primitiva”, mas a sua crítica prende-se
nos aspectos negativos da contribuição de Tempels.
Para Crahay o que Tempels descreveu na filosofia bantu não é falar rigorosamente de filosofia e
que para ele filosofia é explícita, analítitica, crítica radical e auto-crítica, sistemática pelo menos
nos princípios e todavia descerrado (Graness & Kresse, 1999: 102). Ele acrescenta ainda, tal
como viria a sustentar mais tarde Hountondji, que Tempels confundiu filosofia com etnografia.
Sob o ponto de vista de Masolo (1994)7 da crítica à etnofilosofia apresentada pelo Hountondji,
ele afirma que Hountondji vê a etnofilosofia como uma nova versão da análise Hegeliana de
história e que para ele Tempels tentou alcançar com filosofia o que Hegel alcançou com história.
Quanto a Kagame, Hountondji afirma, segundo Masolo que de maneira geral permanecia ainda
como prisioneiro de um mito ideológico – o de filosofia africana colectiva, apesar de sua
consistente análise linguística e inferências deductivas. Para além disso, ele sustenta que teria
sido melhor se Kagame tivesse fornecido textos filosóficos de africanos ou transcrito a sua
oralidade de modo a que suas interpretações fossem consideradas um discurso filosófico efectivo
universalmente acessível.
Hountondji faz uma ligeira crítica a contribuição crítica de Crahay a etnolofilosofia, afimando
que a insuficiência do trabalho de Crahay reside na degradação mitológica não cientifica dos
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Citado em: Graness, A. & Kresse, K. (1999). Segacious reasoning, east african educational publishers, ltd.
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Masolo, D.A. (1994). African philosophy in search of identity.
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Autor: Dionisio Carlos Mavume
Em síntese, são várias as críticas que recaem sobre a etnofilosofia e o crítico mais destacado por
seus argumentos é o filósofo Paulin J. Hountondji. Contudo, a seguir vamos tecer algumas
considerações gerais sobre o tema abordado e tentaremos responder a questão anteriormente
colocada.
3. Considerações finais
Após uma análise resumida do tema a etnofilosofia e seus críticos, concluímos que a
etnofilosofia teve um grande contributo no pensamento africano visto que os primeiros debates
filosóficos ‘acesos’ surgiram em resposta à aquilo que etnofilosofia tentou apresentar como
filosofia africana e de certa forma impulsionou a filosofia posterior a ela. Foi partindo dos
aspectos que eram considerados negativos que se desenvolveram algumas produções filosóficas
escritas que actualmente designam-se filosofia africana.
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Autor: Dionisio Carlos Mavume
No nosso entender, a etnofilosofia pode ter sido desenvolvida com perspectiva de beneficiar o
europeu pela recolha de informação sobre o africano para melhor dominação do mesmo, mas por
outro lado ela dispertou a necessidade de olhar-se para o africano como homem com filosofia o
que não acontecia antes dos etnofilósofos. Para além disso, a infomação sobre os mitos, rituais,
por exemplo, apesar de ter sido recolhida na perspectiva europeia, constitui uma fonte de
informação válida para estudos tanto filosóficos como antropológicos.
Para nós a filosofia africana não é aquela que é produzida pelo africano, mas a que é produzida
por alguém independetemente da sua origem, mas que viva e sinta a realidade africana e acima
de tudo que queira fazer com que os outros sintam essa realidade. Por isso, entendemos que a
entofilosofia, não obstante os seus defeitos metodológicos, de entre outros, é filosofia africana na
sua primeira forma de produção filosófica. Cabe aos pensadores identificar e aproveitar o
máximo possível a contribuição posetiva que ela tem.
4. Bibliografia
Branch, A. (2008). Ethnojustice: The theory and practice of “traditional justice” in Northen
Uganda.
Castiano, P. (2005). O currículo local como espaço de coexistência de discursos: estudo de caso
nos distritos de Bárué, de sussundenga e da cidade de chimoino-Moçambique, Em: Revista e-
curriculum, Dezembro, ano/vol.1, no001, Pontífícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, Brasil.
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Autor: Dionisio Carlos Mavume
Graness, A. & Kresse, K. (1999). Segacious reasoning, east african educational publishers, ltd.
Imbo, S. O. (1998). An introduction to african philosophy. USA: Rowman & Littlefield Publishers, Inc.