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DIAGNÓSTICO E CUIDADOS

DE PACIENTES COM
COMPROMETIMENTO
COGNITIVO
Equipe Multidisciplinar

Centro de Referências em Distúrbios Cognitivos


Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Índice
1 Avaliação cognitiva e funcional de fácil aplicação • Sonia MD Brucki ........................................................................ 4
2 Avaliação geriátrica ampla •
Conceitos, princípios e objetivos • Lilian Schafirovits Morillo ............................................................................................................................................ 16
3 Perfil cognitivo nas difeferentes demências • Maira Okada de Oliveira .................................................................... 18
4 Avaliação fonoaudiológica • Marcela Silagi ............................................................................................................................................................................................................................................ 26
5 Avaliação de enfermagem
e estratégias facilitadoras • Ceres Eloah de Lucena Ferretti ............................................................................................................................................................ 36
6 Comprometimento Cognitivo Leve • Regina M. Magaldi ................................................................................................................................................................. 46
7 Demência da doença de Alzheimer:
diagnóstico e tratamento • Ricardo Nitrini ................................................................................................................................................................................................................................................... 51
8 Demência vascular • Fábio H.G. Porto ................................................................................................................................................................................................................................................................................... 55
9 Demência com corpos de Lewy • Sonia MD Brucki ............................................................................................................................................................................................ 59
10 Doença de Parkinson • Eduardo Sturzeneker Trés ....................................................................................................................................................................................................................... 61
11 Demências potencialmente reversíveis • Regina M. Magaldi .............................................................................................................................. 67
12 Demência frontotemporal e afasias progressivas primárias • Leonel T. Takada 70 ..........

13 Demências com parkinsonismo • Leonel T. Takada ............................................................................................................................................................................................ 76


14 Demência avançada • Lilian Schafirovits Morillo ................................................................................................................................................................................................................................. 81
15 Depressão em pacientes idosos • Cássio M C Bottino I Ricardo Barcelos-Ferreira I
Marcos Antonio Lopes I Salma R I Ribeiz .................................................................................................................................................................................................................................................................................................................88

16 Síndrome confusional aguda (Delirium) • Sílvia S. Merlin ............................................................................................................................................... 92


17 Transtornos psiquiátricos na fase adulta
que permanecem no idoso • Tíbor Rilho Perroco ................................................................................................................................................................................................................. 98
18 Tratamento medicamentoso dos sintomas
comportamentais das demências • Tíbor Rilho Perroco 100
...........................................................................................................................................................

19 Tratamento não farmacológico dos distúrbios


comportamentais • Ceres Eloah de Lucena Ferretti ...............................................................................................................................................................................................................102
20 Atividades que podem ser sugeridas para idosos
com comprometimento cognitivo Thais Bento Lima-Silva ...................................................................................................................................................117
21 Manejo clínico das comorbidades em demência • Regina M. Magaldi .......................................................125
1 Avaliação cognitiva e
funcional de fácil aplicação
Sonia MD Brucki

O
s instrumentos de rastreio cognitivo e funcional servem para uma avaliação rápida e relativamente eficaz
de indivíduos com suspeita de declínio cognitivo. Devem ser de fácil utilização, exigindo poucos mate-
riais especiais, além de papel e caneta.
Na suspeita de declínio cognitivo a anamnese deve ser dirigida para se tentar determinar em quais atividades
o paciente teve comprometimento e/ou incapacidade, levando-se em consideração seu nível prévio (atividades
laborativas/funcionais e nível educacional).
Os instrumentos mais utilizados de avaliação cognitiva em nosso serviço é o Mini-Exame do Estado Mental,
a Bateria Breve de Rastreio Cognitivo para a avaliação cognitiva e para a avaliação instrumental funcional po-
dem ser aplicados o Questionário de Avaliação Funcional (Pfeffer et al., 1982) ou o Questionário de Mudança
Cognitiva (Damin et al., 2015). Para os casos mais graves podem ser utilizadas a escala de atividades básicas
de vida diária de Katz e para a avaliação cognitiva o Mini-Exame do Estado Mental grave.
Além destes, uma escala bastante útil para classificação do estágio do paciente é a escala FAST e/ou a Es-
cala de Deterioração Global.
Na ausência destes instrumentos à mão, a avaliação durante a consulta deve abranger os mesmos aspec-
tos. Dependendo da avaliação funcional poderemos classificar em demência (quando existe declínio da fun-
cionalidade) (Quadro 1) ou comprometimento cognitivo leve - CCL (quando existe dificuldades em atividades
instrumentais complexas, mas a funcionalidade de um modo geral está preservada) (Quadro 2).

QUADRO 1 • Critérios para o diagnóstico de demência de qualquer etiologia

1. Demência é diagnosticada quando há sintomas cognitivos ou comportamentais (neuropsiquiátricos) que:


1.1. Interferem com a habilidade no trabalho ou em atividades usuais;
1.2. Representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e desempenho;
1.3. Não são explicáveis por delirium (estado confusional agudo) ou doença psiquiátrica maior;
2. O comprometimento cognitivo é detectado e diagnosticado mediante combinação de:
2.1. Anamnese com paciente e informante que tenha conhecimento da história; e
2.2. Avaliação cognitiva objetiva, mediante exame breve do estado mental ou avaliação neuropsicológica.
A avaliação neuropsicológica deve ser realizada quando a anamnese e o exame cognitivo breve realizado
pelo médico não forem suficientes para permitir diagnóstico confiável.
3. Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo dois dos seguintes domínios:
memória, funções executivas, habilidades visuais-espaciais, linguagem, personalidade e/ou comportamento.

É importante o diagnóstico de CCL, pois aumenta o risco para o desenvolvimento de demência e Doença de
Alzheimer, pois apresenta uma taxa de conversão para demência entre 10 a 15% ao ano. Porém, uma parcela
pode retornar à normalidade, com controle de fatores de risco vasculares, tratamento de depressão, alterações
metabólicas, hipovitaminoses, etc.

QUADRO 2 • Critérios diagnósticos do Comprometimento Cognitivo Leve


1. Queixas cognitivas provenientes do paciente e/ou familiar.
2. Sujeito ou informante relatam declínio no funcionamento cognitivo em relação a habilidades prévias no último ano.
3. Déficit cognitivo evidenciado por avaliação clínica em memória ou outro domínio cognitivo.
4. Comprometimento cognitivo não tem repercussão importante nas AVDs; no entanto, pode haver dificuldade em
atividades complexas.
5. Sem evidência de demência.

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Nos dois quadros (demência ou CCL) são obrigatórios exames de investigação, à procura de causas poten-
cialmente reversíveis (Quadros 3 e 4).

QUADRO 3 • Exames obrigatórios na investigação de comprometimento cognitivo


Hemograma Gama Glutamiltransferase (Gama-GT)
Glicemia Cálcio
Ureia TSH e T4 livre
Sódio Reações sorológicas para sífilis
Potássio Vitamina B12 sérica
Creatinina Sorologia para HIV
Albumina (< 60 anos ou quadros atípicos ou na suspeita)
Transaminases (ALT e AST) Tomografia computadorizada de crânio
ou ressonância magnética

Nos casos de demência rapidamente progressiva (menor do que 2 anos de evolução do início a um quadro
moderado) encaminhar para serviço especializado.

MINI-EXAME DO ESTADO MENTAL (MEEM)


O MEEM é um dos mais utilizados instrumentos de rastreio cognitivo ao redor do mundo. Consiste de uma
bateria simples de 20 testes, totalizando 30 pontos, gasta-se ao redor de 5 a 8 minutos para que seja completado.
Na prática clínica deve ser utilizado como rastreio cognitivo, um indivíduo com escores baixos para sua es-
colaridade deve ser melhor avaliado por outros instrumentos e observação de sua capacidade em atividades
instrumentais de vida diária.
Em meta-análise de dados provindos de clínicas especializadas, o MEEM teve sensibilidade de 76,9% (95%
IC = 70,1-83,1%) e especificidade de 89,9% (95% IC= 82,5-95,4%), demonstrando sua utilidade como teste de
rastreio (Larner, 2013).
Existe uma grande influência da escolaridade sobre os escores. Devendo-se utilizar valores de corte dife-
rentes, de acordo com os anos de educação do indivíduo. A versão que utilizamos é a de consenso descrito
previamente (Brucki et al., 2003) – Quadro 4, sendo considerada como teste de rastreio cognitivo nas recomen-
dações para diagnóstico e tratamento da Doença de Alzheimer e demência vascular da Academia Brasileira de
Neurologia (www.demneuropsy.com.br/default.asp?ed=23). Os escores por escolaridade estão na Tabela 1.

QUADRO 4 • Mini-Exame do Estado Mental


Escore total máximo de 30 pontos
ORIENTAÇÃO TEMPORAL
Pergunte ao indivíduo: (dê um ponto para cada resposta correta • 5 pontos)
n Que dia é hoje?
n Em que mês estamos?
n Em que ano estamos?
n Em que dia da semana estamos?
n Qual a hora aproximada? (considere a variação de mais ou menos uma hora)
ORIENTAÇÃO ESPACIAL
Pergunte ao indivíduo: (dê um ponto para cada resposta correta • 5 pontos)
n Em que local nós estamos? (consultório, dormitório, sala • apontando para o chão)
n Que local é este aqui? (apontando ao redor num sentido mais amplo: hospital, casa de repouso,
própria casa).
n Em que bairro nós estamos ou qual o nome de uma rua próxima.
n Em que cidade nós estamos?
n Em que Estado nós estamos?
MEMÓRIA IMEDIATA
Eu vou dizer três palavras e você irá repeti-las a seguir:
CARRO, VASO, TIJOLO
(dê 1 ponto para cada palavra repetida acertadamente na 1ª vez,
embora possa repeti-las até três vezes para o aprendizado, se houver erros).

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QUADRO 4 • Mini-Exame do Estado Mental (cont.)
ATENÇÃO/CÁLCULO n subtração de setes seriadamente (100-7, 93-7, 86-7, 79-7, 72-7, 65).
Considere 1 ponto para cada resultado correto. Se houver erro, corrija-o e prossiga.
Considere correto se o examinado espontaneamente se autocorrigir.
Deve-se dizer: Quanto é 100 menos 7? E menos 7? E menos 7?
EVOCAÇÃO DAS PALAVRAS n pergunte quais as palavras que o sujeito acabara de repetir (1 ponto para cada).
NOMEAÇÃO n MOSTRE relógio e caneta (1 ponto para cada).
REPETIÇÃO n Preste atenção: vou lhe dizer uma frase e quero que você repita depois de mim:
“NEM AQUI, NEM ALI, NEM LÁ”. Considere somente se a repetição for perfeita (1 ponto)
COMANDO n Pegue este papel com a mão direita (1 ponto), dobre-o ao meio (1 ponto)
e coloque-o no chão (1 ponto). Total de 3 pontos. Se o sujeito pedir ajuda no meio da tarefa não dê dicas.
LEITURA n mostre a frase escrita FECHE OS OLHOS e peça para o indivíduo fazer
o que está sendo mandado (1 ponto). Não auxilie se pedir ajuda ou se só ler a frase
sem realizar o comando.
FRASE n Peça ao indivíduo para escrever uma frase. Se não compreender o significado, ajude com:
alguma frase que tenha começo, meio e fim; alguma coisa que aconteceu hoje; alguma coisa que queira
dizer. Para a correção não são considerados erros gramaticais ou ortográficos (1 ponto).
CÓPIA DO DESENHO n mostre o modelo e peça para fazer o melhor possível.
Considere apenas se houver 2 pentágonos interseccionados (10 ângulos) formando uma figura de quatro
lados ou com dois ângulos (1 ponto).

Mini-Exame • LEITURA Mini-Exame • CÓPIA DO DESENHO

FECHE
OS OLHOS

TABELA 2 • Distribuição dos escores na amostra total e por escolaridade (Brucki et al., 2003)
N Média Desvio-padrão Mediana
Grupo todo 433 24,63 3,72 25
Analfabetos 77 19,51 2,84 20
1 a 4 anos de escolaridade 211 24,76 2,96 25
5 a 8 anos de escolaridade 72 26,15 2,35 26
9 a 11 anos de escolaridade 47 27,74 1,81 28
> 11 anos de escolaridade 26 28,27 2,01 29

Considerando o valor da média e menos 1,5 desvios-padrão e associado a um questionário de ativi-


dades funcionais, conseguimos uma ideia global da cognição do paciente. O MEEM é um teste de rastreio, se
existem dúvidas ou se o indivíduo tem uma alta escolaridade e acostumado a tarefas de grande demanda cog-
nitiva, deve-se fazer uma avaliação mais apurada, através de avaliação neuropsicológica.

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BATERIA BREVE DE RASTREIO COGNITIVO
É composta pelo teste de memória de figuras, fluência verbal semântica e desenho do relógio.
O teste de memória de figuras consiste em dez desenhos simples em preto e branco, com as fases de nomeação
e percepção, memória incidental, memória imediata, aprendizado e evocação tardia (Figura 1 - pg.8). Após esta úl-
tima fase, faz-se o reconhecimento (composto pelas 10 figuras anteriores entremeadas a 10 figuras novas) (Figura 2
- pg.9). O melhor escore para diferenciar entre indivíduos normais de demenciados é de 5 figuras na evocação tardia.
Após a fase de aprendizado fazemos o teste de fluência verbal (por categoria animais), em que se solicita
que o indivíduo diga o mais rápido possível, o maior número de animais, no intervalo de tempo de 60 segundos.
A seguir, faz-se o desenho do relógio (com a pontuação sugerida).
Espera-se que um indivíduo analfabeto gere no mínimo nove animais, entre alfabetizados, 12 animais.
O desenho do relógio não deve ser realizado em indivíduos de baixa escolaridade, pois o desempenho é
comprometido. O melhor jeito de utilizar o teste é a mesma pessoa pontuando em todas as avaliações ou guar-
dar o desenho e fazer a comparação qualitativa ao longo do tempo.

Bateria breve de rastreio cognitivo


Mostre a folha contendo as 10 figuras e pergunte: “que figuras são estas?”.

Percepção
correta ✓=
Nomeação
correta ✓=
Esconda as figuras e pergunte: “que figuras eu acabei de lhe mostrar”?

Memória
incidental ✓=
Mostre a figuras novamente durante 30 segundos dizendo: “olhe bem e procure memorizar estas figuras”
(se houver déficit visual importante, peça que memorize as palavras que você vai dizer;
diga os nomes dos objetos lentamente, um nome/segundo; fale a série toda duas vezes.)

Memória
imediata 1 ✓=
Mostre a figuras novamente durante 30 segundos dizendo: “olhe bem e procure memorizar estas figuras”

Memória
imediata 2 ✓=
Interferência (desenho do relógio e fluência verbal semântica)
“Que figuras eu lhe mostrei há 5 minutos?”
Se necessário, reforce, dizendo figuras desenhadas numa folha de papel plastificada.

Memória tardia
(5 Minutos) ✓=
Mostre a folha contendo as 20 figuras e diga: “aqui estão as figuras que eu lhe mostrei hoje
e outras figuras novas; quero que você me diga quais você já tinha visto há alguns minutos.”

Reconhecimento ✗ =

✓= CORRETAS ✗= INTRUSÕES
O escore mais adequado para diferenciar indivíduos normais de pacientes com Doença de Alzheimer inicial foi de
5 ou menos itens recordados na memória tardia.

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Figura 1

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Figura 2

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Desenho do relógio (Sunderland et al., 1989)
Dê uma folha de papel em branco e diga: “desenhe um relógio com todos os números”. “coloque ponteiros marcando 2h45”.
10 • hora certa
09 • leve distúrbio nos ponteiros
08 • distúrbio mais intenso nos ponteiros
07 • ponteiros completamente errados
06 • uso inapropriado (código digital ou círculos envolvendo números)
05 • números em ordem inversa ou concentrados em alguma parte do relógio
04 • números faltando ou situados fora dos limites do relógio
03 • números e relógio não mais conectados. ausência de ponteiros
02 • alguma evidência de ter entendido as instruções mas com vaga semelhança com um relógio
01 • não tentou ou não conseguiu representar um relógio

Fluência verbal semântica (animais)


“Você deve falar todos os nomes de animais que se lembrar, em um minuto. Qualquer tipo de bicho vale.
Quanto mais você falar, melhor. Pode começar.” (Considere “boi” e “vaca” como dois animais, mas “gato” e “gata”
como um só. Se disser “passarinho, canário e peixe”, conte como dois – ou seja, a classe vale como nome
se não houver outros nomes da mesma classe). Anote o número de animais lembrados em um minuto.
TOTAL =

Indivíduos alfabetizados devem falar acima de 12 animais em 60 segundos.

Nos quadros graves, em geral, MEEM igual ou menor a 10, pode-se acompanhar o paciente através de
avaliação pelo MEEM grave. Outra forma é perguntar questões padrões, como dados autobiográficos, data de
nascimento, endereço, etc.

O MEEM grave (Quadro 5) tem escore total de 30 pontos, avalia conhecimento autobiográfico, função vi-
suoespacial, função executiva, tarefas simples de linguagem, fluência verbal animais e soletração. É um teste
interessante, pois é necessário somente lápis e papel, não exigindo materiais específicos. Os escores do MEEM
grave e MEEM correlacionam-se bem em pacientes que tiveram MEEM abaixo de 10 pontos, portanto, pacien-
tes graves; bem como com escalas funcionais (Sales et al., 2012).

ESCALAS FUNCIONAIS
As escalas funcionais podem ser divididas em atividades instrumentais e básicas de vida diária. As ativida-
des básicas estão comprometidas em fases mais avançadas da demência, pode ser utilizado o Índice de Katz
(Quadro 6). As atividades instrumentais já são afetadas nas fases iniciais e permitem fazer o diagnóstico de
demência, se houver comprometimento das mesmas.

Existem várias escalas, as que utilizamos de forma rotineira serão demonstradas aqui.

O Questionário de Atividades Funcionais (QAF) (Pfeffer et al., 1982) deve ser aplicado a um acompanhan-
te que tenha contato com o paciente. Escores de cinco pontos ou mais são indicativos de prejuízo funcional
compatível com demência. Deve-se levar em consideração o grau de comprometimento real se o indivíduo tiver
alterações visuais, ortopédicas ou reumatológicas que possam influenciar na funcionalidade. Tente estabelecer
o déficit relacionado à cognição.

O QAF aumenta o poder de acurácia diagnóstica quando em associação aos testes cognitivos breves e em
conjunto com o MEEM, mesmo entre indivíduos de baixa escolaridade e analfabetos em que às vezes o diag-
nóstico de comprometimento cognitivo pode ser mais difícil.

10 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


QUADRO 5 • MEEM grave (utilize quando o escore no MEEM for igual ou menor de 10 pontos).
MEEM-g
NOME (1 ponto se a resposta for próxima do correto; 3 pontos se a resposta for completamente correta)
Primeiro
Último
DATA DE NASCIMENTO
(1 ponto se qualquer elemento for correto; 2 pontos se a resposta for completamente correta)
REPITA AS PALAVRAS (1 ponto para cada palavra)
Pássaro
Casa
Sombrinha
SIGA AS INSTRUÇÕES
[1 ponto por atender o comando; 2 pontos por manter o comando (após 5 segundos) até que se ordene que pare]
Levante sua mão
Feche os olhos
NOMEAÇÃO DE OBJETOS SIMPLES (1 ponto para cada objeto)
Caneta Relógio Sapato
DESENHO DO CÍRCULO A PARTIR DE UM COMANDO (1 ponto)
Círculo
CÓPIA DE UM QUADRADO (1 ponto)
Quadrado
ESCREVER O NOME (1 ponto se a resposta for aproximada; 2 pontos se completamente correta)
Primeiro
Último
FLUÊNCIA DE ANIMAIS (número de animais em 1 minuto)
1-2 animais: 1 ponto
3-4 animais: 2 pontos
>4 animais: 3 pontos
SOLETRE A PALAVRA: “BOI” (1 ponto para cada letra dita em ordem correta)
B O I
TOTAL MÁXIMO = ____/30 Pontos.

QUADRO 6 • Índice de Katz – Escala de Atividades Básicas da Vida Diária


SIM NÃO
ATIVIDADE INDEPENDÊNCIA
Banho Não recebe assistência ou somente recebe em uma parte do corpo.
Vestir-se Escolhe as roupas e se veste sem nenhuma ajuda, exceto para calçar sapatos,
Higiene Pessoal Vai ao banheiro, usa-o, veste-se e retorna sem nenhuma assistência
(pode usar bengala ou andador como apoio e usar comadre/urinol à noite).
Transferência Consegue deitar e levantar de uma cama ou sentar e levantar de uma cadeira
sem ajuda (pode usar bengala ou andador).
Continência Tem auto-controle do intestino e da bexiga (“sem acidentes ocasionais”).
Alimentação Alimenta-se sem ajuda, exceto para cortar carne ou passar manteiga no pão.

INDEPENDENTE • 6
DEPENDÊNCIA MODERADA • 4
TOTAL DE PONTOS ________ MUITO DEPENDENTE • 2 ou menos

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Questionário de Atividades Funcionais (PFEFFER)

1. Ele (ela) manuseia seu próprio dinheiro?


0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
2. Ele (ela) é capaz de comprar roupas, comida, coisas para casa sozinho(a)?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
3. Ele (ela) é capaz de esquentar a água para o café e apagar o fogo?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
4. Ele (ela) é capaz de preparar uma comida?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
5. Ele (ela) é capaz de manter-se em dia com as atualidades, com os acontecimentos da comunidade ou da
vizinhança?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
6. Ele (ela) é capaz de prestar atenção, entender e discutir um programa de rádio ou televisão, um jornal ou uma revista?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
7. Ele (ela) é capaz de lembrar-se de compromissos, acontecimentos familiares, feriados?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
8. Ele (ela) é capaz de manusear seus próprios remédios?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
9. Ele (ela) é capaz de passear pela vizinhança e encontrar o caminho de volta para casa?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz
10. Ele (ela) pode ser deixado(a) em casa sozinho(a) de forma segura?
0 = Normal 0 = nunca o fez, mas poderia fazê-lo agora
1 = Faz, com dificuldade 1 = nunca o fez e agora teria dificuldade
2 = Necessita de ajuda
3 = Não é capaz

TOTAL _______

12 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Outro questionário de fácil e rápida aplicação é o Questionário de Mudanças Cognitivas- QMC8. É preen-
chido por acompanhante que conviva com o paciente. Ou o próprio avaliador pode fazer de forma rápida estes
questionamentos ao cuidador. Este questionário simples mostrou-se com boa acurácia para diferenciar de in-
divíduos normais daqueles com comprometimento cognitivo (demência e CCL) e também, entre normais e CCL
ou normais e demenciados.
• controles X CCL – (AUC: 0.938); escores ≥ 2: sensibilidade de 78% e especificidade de 93.9%/ acuidade –
85,1%
• controles X demências – (AUC: 0.999); escores ≥ 4: sensibilidade de 97.5% e especificidade de 100% /
acuidade de 98.6%
• controles X (comprometimento cognitivo – CCl + demências) – (AUC: 0.968); escores ≥ 2: sensibilidade de
88.9% e especificidade de 93.9% / acuidade de 90.3%

Questionário de Mudanças Cognitivas – QMC8


Lembre-se: “sim, uma mudança” indica que você pensa ter havido mudança (alteração)
nos últimos anos causada por problemas cognitivos (pensamento e memória)
SIM, NÃO, N/A (não se aplica,
uma mudança nenhuma mudança não disponível)
(alteração) (alteração) não sei

Dificuldade para aprender como usar um instrumento,


eletrodoméstico ou outro aparelho (vídeo-cassete,
computador, micro-ondas, controle remoto, rádio)
Esquece o mês e o ano corretos
Dificuldade para usar o telefone para fazer ligações
Dificuldade para usar carro, ônibus, táxi ou barco sozinho
Dificuldade para tomar remédios sem supervisão
Dificuldade para se manter atualizado sobre os fatos
importantes da comunidade ou do país
Dificuldade para expressar opiniões próprias
sobre assuntos de família
Dificuldade para sair para uma caminhada sozinho
e voltar para casa sem se perder
TOTAL

Na DA ocorre piora progressiva e aparecimento de alterações de comportamento e comprometimento cres-


cente da funcionalidade. O paciente pode ser classificado por uma escala simples, que dá uma ideia de gra-
vidade e evolução das habilidades durante o curso da doença (GDS – Global Deterioration Scale) – Quadro 7
(Reisberg, 1982).

QUADRO 7 • GDS

ESTÁGIO 1 • sem comprometimento (função normal).


Não há qualquer problema de memória, sem evidências de demência.
ESTÁGIO 2 • declínio muito leve. Pode haver mudanças relacionadas ao envelhecimento ou sinais precoces da DA.
Alguns lapsos de memória, esquecimento de objetos do dia-a-dia. Nenhum sinal de demência pode ser
identificado durante um exame médico ou por familiares.
ESTÁGIO 3 • declínio leve. O estágio leve de DA pode ser identificado em algumas pessoas. Amigos, familiares ou
colegas de trabalho podem notar algumas dificuldades. Na avaliação podem ser observadas alterações
de memória, concentração, dificuldades na realização de tarefas em ambientes sociais ou de trabalho;
dificuldades para encontrar nomes ou palavras; esquecimento rápido de material recentemente aprendido;
perda de objetos ou colocação em lugares errados; aumento da dificuldade em planejamento ou
organização. Duração em média de 7 anos.

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QUADRO 7 • GDS (cont.)
ESTÁGIO 4 • declínio moderado (estágio leve da DA). Entrevista médica: sintomas claros em várias áreas: esquecimento
para fatos recentes, perda na capacidade de operações matemáticas mentais (100-7; 93-7, 86-7, etc);
maior dificuldade na realização de tarefas complexas como pagamento de contas, gerenciamento das
finanças; esquecimentos de alguns fatos da história pessoal; isolamento social. Duração: 2 anos.
ESTÁGIO 5 • declínio moderadamente grave (estágio moderado da DA). Lacunas na memória e pensamento, necessidade
de maior auxílio em tarefas cotidianas diárias; dificuldade na recordação do próprio endereço ou onde
estudaram; dificuldade na orientação temporal (dia, mês) e espacial. Dificuldades maiores em operações
aritméticas mais simples. Necessidade de auxílio para escolha de roupas apropriadas para a estação
e ocasião; auxílio para cozinhar; recorda-se de detalhes significativos de si próprio ou de sua família;
não requer assistência para alimentação ou uso do banheiro.
ESTÁGIO 6 • declínio grave (DA moderadamente grave da DA). A memória continua a piorar, alterações de personalidade
podem ocorrer e o paciente necessita de maior auxílio nas suas atividades diárias. Pode ocorrer perda
de consciência de eventos recentes e dos arredores; lembra-se do próprio nome, mas tem dificuldades
com sua própria história; distingue faces, porém, pode ter dificuldades com nome do cônjuge ou cuidador.
Necessita auxílio para vestir-se. Alterações de sono podem ser piores, necessita de auxílio para o uso do
banheiro (por exemplo, dar descarga). Dificuldade crescente de controle urinário ou fecal.
Alterações maiores de personalidade e comportamento; podem ocorrer delírios, compulsões.
Pode ter deambulação sem propósito ou se perder. Duração: 2,5 anos.
ESTÁGIO 7 • declínio muito grave (DA grave ou estágio tardio da DA). Neste estágio os indivíduos perdem a habilidade
de resposta ao meio ambiente, para manter uma conversação e controle motor. Necessitam de ajuda para
a maior parte dos cuidados pessoais diários (alimentação e uso do banheiro). Podem perder a capacidade
de sorrir ou de se sentar sem apoio; rigidez muscular; comprometimento da deglutição. Duração: 2,5 anos.

Uma escala mais rápida de avaliação de gravidade também desenvolvida por Reisberg é a escala FAST
(quadro 8) ”Escala de Estadiamento Funcional” desenvolvida por Reisberg (1986). A FAST é composta de sete
níveis funcionais que são distribuídos em ordem crescente de gravidade de acordo com a capacidade cognitiva
e funcional do paciente. n

QUADRO 8 • Functional Assessment Staging: FAST


É uma escala que pode ser utilizada para classificar a gravidade da Doença de Alzheimer através da observação
do paciente e informações do cuidador.

ESTÁGIO (FAST) CARACTERÍSTICAS DIAGNÓSTICO CLÍNICO


1 Sem perda de funções Adulto Normal
2 Dificuldade subjetiva para encontrar palavras Idoso Normal
ou de lembrar-se onde se encontram objetos
3 Dificuldades observadas em atividades profissionais complexas. Compatível com
DA Incipiente
4 Requer auxílio em tarefas complexas. DA leve
Ex: cuidar das finanças, planejar um jantar.
5 Requer auxílio na escolha do traje adequado. DA moderada
6A Requer auxílio para vestir-se DA moderada a grave
B Requer auxílio para tomar banho adequadamente.
C Requer auxílio com as atividades mecânicas da toalete
(EX. : puxar a descarga, enxugar-se).
D Incontinência urinária
E Incontinência fecal
7A Fala restrita a cerca de meia dúzia de palavras por dia. DA grave

14 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


QUADRO 8 • Functional Assessment Staging: FAST (cont.)
B Vocabulário inteligível limitado a uma única palavra por dia.
C Perda da capacidade de andar.
D Perda da capacidade de sentar-se na cama.
E Perda da capacidade de sorrir.
F Perda da capacidade de manter a cabeça ereta.
Reisberg B. Functional assessment staging (FAST). Psychopharmacology Bulletin 1988; 24:653-659

Referências
Brucki SM, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PH, Okamoto IH. Suggestions for utilization of the Mini-Mental State
Examination in Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61: 777-781.
Damin E, Nitrini R, Brucki SMD. Cognitive Change Questionnaire as a method for cognitive impairment screening. Dement
Neuropsychol 2015; 9:237-244.
Larner AJ. Cognitive Screening Instruments. A practical approach. Springer-Verlag London, 2013.
Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah CH, et al. Measurement of functional activities in older adults in the community.
J Gerontology. 1982;37:323–329
Reisberg B. Functional assessment staging (FAST). Psychopharmacology Bulletin 1988; 24:653-659.

Para maiores informações acesse Dementia & Neuropsychologia: www.demneuropsy.com.br/default.asp?ed=23.


Neste endereço há as recomendações para diagnóstico de demência, Doença de Alzheimer, Demência vascular,
tratamento preconizado, testes funcionais e cognitivos.

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2 Avaliação geriátrica ampla •
Conceitos, princípios e objetivos
Lilian Schafirovits Morillo
O envelhecimento da população mundial é um fato recente, universal e inexorável.

Projeções indicam que os países em desenvolvimento abrigarão mais que o dobro


da população com 65 anos e mais do que países desenvolvidos já em 2020

Suas causas são multifatoriais e diferentes em países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas suas con-
sequências são igualmente importantes do ponto de vista social, médico e de políticas públicas.

Aumento da prevalência geral de doenças crônicas: mais frequentes neste grupo etário, modificando
o enfoque dos programas de saúde governamentais: da cura e sobrevivência, para o cuidado, o controle das
doenças, a melhora do estado funcional e do bem-estar.

A funcionalidade é um dos atributos fundamentais do desenvolvimento humano desde o seu início


até a fase do envelhecimento, refletindo o conjunto de capacidades físicas, intelectuais e psíquicas que
permitem a realização de tarefas cotidianas, das mais simples às mais complexas.

Capacidade Funcional = Autonomia: capacidade de tomar suas próprias decisões e independência :


capacidade de executar as tarefas escolhidas em cada momento.

PARADIGMA DE SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA NO ENVELHECIMENTO.

O envelhecimento se caracteriza por mudanças biológicas, psicológicas, sociais e cognitivas que aumentam
a predisposição e vulnerabilidade a situações de incapacidade funcional de maneira diversa, de acordo com
todas as variáveis já mencionadas, fazendo do envelhecimento uma experiência bastante individual e heterogê-
nea, onde a idade cronológica é apenas um dos personagens envolvidos.
Uma avaliação geriátrica eficiente e completa, a custos razoáveis, torna-se cada vez mais premente. Seus
objetivos são o diagnóstico precoce de problemas de saúde e de condições de vida que abarcam questões
como moradia, suporte social, condições financeiras, além de aspectos físicos como mobilidade, cognição e
estado nutricional que comprometem ou preservam em graus distintos a capacidade funcional do sujeito que
envelhece. Além de identificar idosos em maior risco de agravos à saúde, a avaliação geriátrica ampla (AGA)
tem por objetivos guiar a seleção de intervenções quer sejam de prevenção, restauração, ou de reabilitação;
prever desfechos e monitorar os resultados das intervenções implementadas. Existem algumas evidências na
literatura de previsibilidade de institucionalização e mortalidade dos indivíduos com distúrbios nas dimensões
da AGA e pesquisas vem sendo desenvolvidas no sentido de avaliar o poder preditivo da AGA em desfechos
como funcionalidade de longo prazo após eventos agudos de saúde, por exemplo.
O modelo de atendimento à população mais idosa tem evoluído, e
conceitos de atendimento interdisciplinar, tais como Avaliação Geriátri- Diagrama 1
ca Ampla utiliza métodos de avaliação sistemática tem sido explorados Avaliação  
e disseminam-se nas pesquisas gerontológicas e na prática clínica. Es-
ta se baseia no princípio do trabalho interdisciplinar e planejado, vi- Discussão  Interdisciplinar  
sando um tratamento e acompanhamento de longo prazo. Diagrama 1
Plano  de  Tratamento  
Os métodos habituais de se realizar uma avaliação funcional es-
truturada consistem na observação direta (testes de desempenho) e Implementação  
por questionários, quer auto-aplicados ou concebidos para entrevistas
Monitoramento  
face a face, sistematizados por meio de uma série de escalas que ava-
liam os principais componentes de cada dimensão. Tais escalas com- Revisão  
põem o que se tem denominado “instrumentos de avaliação funcional”.
(Int  J  Clin  Pract,  2013)  

16 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


A AGA é um conjunto de instrumentos de avaliação abrangente e estruturada que se associa aos
métodos clássicos não padronizados de avaliação de saúde das diversas especialidades.

AGA - dimensões: estado funcional, nutricional, mobilidade, condições sensoriais, cognição e humor,
suporte social e ambiente.

Diversos são os instrumentos encontrados na literatura e citaremos alguns dos mais utilizados em nosso meio:
Avaliação Cognitiva Mini Exame do Estado Mental
Depressão Escala de depressão geriátrica
Risco Nutricional e presença de desnutrição MAN
Avaliação de marcha e equilíbrio Escalas de Guralnik; Tinetti; Berg; Time up and Go test

Para avaliação funcional propriamente dita, a medida do desempenho em tarefas de vida diária, são utilizados
instrumentos que aferem a capacidade instrumental da vida diária como lidar com finanças, locomover-se com
condução própria ou não, administrar os próprios medicamentos e ser capaz de preparar uma refeição, por exem-
plo, e a escala de Lawton e Brody (1969) é uma das mais conhecidas. Tais habilidades refletem a magnitude da
autonomia do indivíduo, sua capacidade de gerir sua própria vida. Já no sentido de avaliar a independência funcio-
nal, utilizam-se escalas de atividades básicas da vida diária como a capacidade para vestir-se, alimentar-se, con-
tinência esfincteriana, locomoção e higiene íntima. Escalas como a de Katz (1970) e Barthel são bons exemplos.
A demência, como sua própria definição afirma, é um estado de alteração cognitiva grave o suficiente pa-
ra comprometer justamente a funcionalidade dos indivíduos, em um primeiro momento nos aspectos instru-
mentais comprometendo sua autonomia, para posteriormente e ao longo do tempo, prejudicar paulatina e
inexoravelmente a capacidade de manter a independência para atividades de vida diária. É parte integrante e
fundamental do diagnóstico da síndrome demencial a avaliação minuciosa das capacidades funcionais do indi-
víduo e escalas como as mencionadas são utilizadas, bem como outras que procuram aferir o prejuízo funcional
advindo especificamente do comprometimento cognitivo. n
Índice de Katz (Katz et al, 1970)

Escala deDE
ESCALA
ESCALA DELawton
LAWTON
LAWTON Índice de Katz (Katz et al, 1970)
É capaz de usar o telefone?
É capaz de usar o telefone?
•  Sem auxílio 3
•  Sem auxílio 3
•  Com auxílio 2
•  Com auxílio 2
•  Não é capaz 1
•  Não é capaz 1
É capaz de usar meios de transporte?
É capaz de usar meios de transporte?
•  Sem auxílio 3
•  Sem auxílio 3
•  Com auxílio 2
•  Com auxílio 2
•  Não é capaz sem adaptações especiais 1
•  Não é capaz sem adaptações especiais 1
É capaz de andar e fazer compras?
É capaz de andar e fazer compras?
•  Sem auxílio 3
•  Sem auxílio 3
•  Com auxílio 2
•  Com auxílio 2
•  Não é capaz 1
•  Não é capaz 1
É capaz de preparar a comida?
É capaz de preparar a comida?
•  Sem auxílio 3
•  Sem auxílio 3
•  Com auxílio 2
•  Com auxílio 2
•  Não é capaz 1
•  Não é capaz 1
É capaz de fazer tarefas domésticas?
É capaz de fazer tarefas domésticas?
•  Sem auxílio 3
•  Sem auxílio 3
•  Com auxílio 2
•  Com
É capazauxílio
de desenvolver trabalhos manuais? 2
ESCALA DE DEPRESSÃO GERIÁTRICA
•  Não é capaz
•  Não é capaz
1
1 Escala de depressão geriátrica
É capaz de desenvolver trabalhos manuais? DEdeYESAVAGE
Yesavage
•  Sem auxílio 3
•  Com auxílio 2 ITENS SIM NÃO
•  Sem auxílio 3
•  Não é capaz 1 Em geral, você está satisfeito com sua vida? 0 1
•  Com auxílio 2
É capaz de lavar a própria roupa? Você abandonou várias de suas atividades ou interesses? 1 0
•  Não é capaz 1
Você sente que sua vida está vazia? 1 0
Semde
•  capaz
É auxílio
lavar a própria roupa? 3
Você se sente aborrecido(a) com freqüência? 1 0
•  Com auxílio 2
•  Sem auxílio 3 Você está de bom humor durante a maior parte do tempo? 0 1
•  Não é capaz 1
•  Com auxílio 2 Você teme que algo de ruim aconteça com você? 1 0
É capaz
•  Não de tomar os remédios?
é capaz 1 Você se sente feliz durante a maior parte do tempo? 0 1
Você se sente desamparado(a) com freqüência? 1 0
Semde
•  capaz
É auxílio,
tomar naos
dose e horário correto
remédios? 3
Você prefere ficar em casa a sair e fazer coisas novas? 1 0
•  Com auxílio (se alguém o recorda ou prepara) 2
•  Sem auxílio, na dose e horário correto 3 Você acha que apresenta mais problemas com a memória do que antes? 1 0
•  Não é capaz 1
•  Com auxílio (se alguém o recorda ou prepara) 2 Atualmente, você acha maravilhoso estar vivo(a)? 0 1
É capaz de lidar com o dinheiro?
•  Não é capaz 1 Você considera inútil a forma em que se encontra agora? 1 0
É Semde
•  capaz auxílio
lidar com o dinheiro? 3 Você se sente cheio de energia? 0 1
•  Com auxílio 2 Você considera sem esperança a situação em que se encontra? 1 0
•  Sem auxílio 3
•  Não é capaz 1 Você considera que a maioria das pessoas está melhor do que você? 1 0
•  Com auxílio 2
•  Fonte: Lawton, E.M. Brody, 1969 apud Tàmmaro et al. 8-10
Não é capaz 1
Fonte: Lawton, E.M. Brody, 1969 apud Tàmmaro et al.8-10.

Fonte: Lawton, E.M. Brody, 1969 apud Tàmmaro et al.8-10.

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3 Perfil cognitivo nas
diferentes demências
Maira Okada de Oliveira

AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
A avaliação neuropsicológica (ANP) pode ser definida como o estudo da expressão comportamental das disfun-
ções cerebrais, tendo como objetivo analisar os aspectos funcionais do cérebro através dos comportamentos
cognitivos, sensoriais, motores, emocionais e sociais do indivíduo. Pode ser utilizado para auxílio no diagnósti-
co, planejamento/cuidado com o paciente, reabilitação, pesquisas e questões jurídicas (Lezak et al.).

Avaliação Neuropsicológica
n anamnese detalhada com o paciente e familiares e/ou cuidadores para compreensão dos aspectos
da personalidade, do ambiente social/cultural.
n aplicação de testes padronizados para obter desempenho de determinada função cognitiva.
n interpretação dos dados obtidos.

Geralmente é solicitada por um médico para auxiliá-lo no diagnóstico, acompanhamento da evolução


da doença, avaliação da eficácia de medicamentos ou decisões jurídicas.

Funções avaliadas
n Atenção
n Memória
n Funções executivas
n Capacidade visuoperceptiva
n Linguagem
n Praxias

ATENÇÃO
A ANP não dá, por si só, o diagnóstico.
Ela alia-se aos exames de neuroimagem
e laboratoriais. Um estudo que comparou
a acurácia da Ressonância Magnética
(RM), tomografia por emissão de pósitrons
(PET) e marcadores presentes no liquor
(proteínas beta-amilóide e tau) demostrou
a superioridade da ANP, que identificou
corretamente 84% dos pacientes com
comprometimento cognitivo leve (CCL)
e doença de Alzheimer (DA).

ENVELHECIMENTO NORMAL
O cérebro do idoso naturalmente apresenta modificações em seu volume e peso, na vascularização, na estrutu-
ra celular e molecular e na neurotransmissão. No envelhecimento normal é comum a diminuição da velocidade
de processamento de informações, sendo assim, o idoso requer mais tempo para aprender novas informações
e para lembrá-las. Ocorre também diminuição na eficácia dos sistemas frontais do cérebro, causando dificulda-
de de atenção, tornando-o mais distraído. Um dos grandes desafios é a diferenciação entre o envelhecimento
normal e o processo de demência.

18 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


DIAGNÓSTICO DE DEMÊNCIA
Em 2011 um grupo de especialistas do departamento científico de Neurologia Cognitiva e Envelhecimento da
Academia Brasileira de Neurologia (DC-NCE da ABN), publicaram as recomendações para dos critérios clínicos
principais para o diagnóstico de demência (qualquer etiologia):
1. Demência é diagnosticada quando há sintomas cognitivos ou comportamentais (neuropsiquiátricos) que:
1.1. Interferem com a habilidade no trabalho ou em atividades usuais;
1.2. Representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e desempenho;
1.3. Não são explicáveis por delirium (estado confusional agudo) ou doença psiquiátrica maior;
2. O comprometimento cognitivo é detectado e diagnosticado mediante combinação de:
2.1. Anamnese com paciente e informante que tenha conhecimento da história; e
2.2. Avaliação cognitiva objetiva, mediante exame breve do estado mental ou avaliação neuropsicológica. A ava-
liação neuropsicológica deve ser realizada quando a anamnese e o exame cognitivo breve realizado pelo médico
não forem suficientes para permitir diagnóstico confiável.
3. Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo dois dos seguintes domínios:
3.1. Memória, caracterizado por comprometimento da capacidade para adquirir ou evocar informações re-
centes, com sintomas que incluem: repetição das mesmas perguntas ou assuntos, esquecimento de eventos,
compromissos ou do lugar onde guardou seus pertences;
3.2. Funções executivas, caracterizado por comprometimento do raciocínio, da realização de tarefas complexas
e do julgamento, com sintomas tais como: compreensão pobre de situações de risco, redução da capacidade
para cuidar das finanças, de tomar decisões e de planejar atividades complexas ou sequenciais;
3.3. Habilidades visuoespaciais, com sintomas que incluem: incapacidade de reconhecer faces ou objetos co-
muns, encontrar objetos no campo visual, dificuldade para manusear utensílios, para vestir-se, não explicáveis
por deficiência visual ou motora;
3.4. Linguagem (expressão, compreensão, leitura e escrita), com sintomas que incluem: dificuldade para encon-
trar e/ou compreender palavras, erros ao falar e escrever, com trocas de palavras ou fonemas, não explicáveis
por déficit sensorial ou motor;
3.5. Personalidade ou comportamento, com sintomas que incluem alterações do humor (labilidade, flutuações in-
características), agitação, apatia, desinteresse, isolamento social, perda de empatia, desinibição, comportamentos
obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis.
Os testes mais comumente utilizados para avaliação dos quadros demenciais estão listados na Tabela 1.

DOENÇA DE ALZHEIMER (DA)


A DA apresenta-se com comprometimento progressivo em memória, funções executivas, atenção, linguagem e
outros domínios cognitivos. A DA não é sempre homogênea, podendo ter um perfil neuropsicológico diferente
em grupos de início precoce e de início tardio. Os pacientes de início precoce (pré-senis) tendem a ter maior
apraxia, alterações de linguagem e agnosia visual, ou seja, incapacidade de reconhecer objetos com a visão.

MEMÓRIA
Geralmente a patologia é iniciada em regiões límbicas que subservem a memória episódica, o que causa o dé-
ficit de memória nos estágios iniciais da doença. As primeiras alterações neurofibrilares ocorrem geralmente em
estruturas mediais do lobo temporal (por exemplo: hipocampo e córtex entorinal), interrompendo a rede neural
que é necessária para a memória episódica. Há falhas de memória no início e subsequentemente em linguagem,
habilidade visuoespacial e praxias indicando a propagação da doença das regiões perihipocampal às áreas
associativas posteriores.
Em testes de lista de palavras, idosos normais tendem a recuperar mais as primeiras e as últimas palavras, já
os pacientes com DA recuperam melhor os dados mais recentes, ou seja, as últimas palavras ditas pelo exami-
nador (efeito de recência). Índices de esquecimento rápido tem importante utilidade na detecção precoce da DA.
Como pacientes ficam mais sensíveis à interferência devido à diminuição dos processos inibitórios é comum
a produção de erros e intrusões.

LINGUAGEM E CONHECIMENTO SEMÂNTICO


Na DA ocorre déficit de fluência semântica (por ex. falar o máximo de animais em um minuto) mais acentu-
ada que a fonética (por ex. falar o máximo de palavras com a letra P em um minuto) devido à maior dificuldade
em categorização, há também maior comprometimento em testes de nomeação de objetos e de categorização
semântica. Pacientes com DA podem apresentar anomia, dificuldade em encontrar palavras em falas espontâ-
neas e apresentam declínio na estrutura geral e na organização do conhecimento semântico.

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FUNÇÃO EXECUTIVA, MEMÓRIA OPERACIONAL E ATENÇÃO
As funções executivas são responsáveis ​​pela manipulação mental de informações, organização, tomada de de-
cisões, formação de conceitos, resolução de problemas e comportamento direcionado. Seus déficits ocorrerem
no início da DA e muitas vezes já são evidentes na fase de CCL.
Pacientes com DA apresentam dificuldades em tarefas que requerem resolução de problemas como Torre
de Londres, Wisconsin Card Sorting Test (WCST), Labirinto, Trail Making Test (Parte B) e Matrizes Progressivas
de Raven.
Estudos indicam que o déficit de memória operacional em pacientes com DA é inicialmente leve e envolve
principalmente a ruptura do executivo central, com relativa preservação da memória imediata. A capacidade de
se concentrar e manter a atenção é geralmente afetada somente nos estágios mais avançados da doença. É co-
mum observar desempenho normal de pacientes com DA leve em testes de atenção imediata em comparação
com os testes de lista de palavras.

HABILIDADES VISUOESPACIAIS
Alterações na função visuoespacial estão presentes em tarefas visuoconstrutivas e tarefas que requerem habili-
dade e orientação visuoperceptual. Os déficits no processamento de informação visual e de atenção seletiva e
dividida são observados no decorrer do envelhecimento normal, mas são exacerbados em indivíduos com DA.
O teste do desenho do relógio é bastante utilizado na avaliação de pacientes com DA, pois ajuda a diferen-
ciar de idosos normais.
A DA também pode se apresentar inicialmente como atrofia cortical posterior (ACP). Apesar de preservadas
a memória, a linguagem, o julgamento e discernimento, os pacientes com a síndrome clínica de ACP geralmente
têm agnosia visual, apraxia de construção e apresentam algumas ou todas as características de síndrome de
Balint (ataxia óptica, apraxia do olhar e simultanagnosia).
Em 2011, recomendações para a avaliação cognitiva, comportamental e funcional foram publicadas por
especialistas do departamento científico de Neurologia Cognitiva e Envelhecimento da Academia Brasileira de
Neurologia (DC-NCE da ABN).

DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY


A demência com corpos de Lewy (DCL) é uma doença neurodegenerativa que apresenta declínio cognitivo as-
sociado à parkinsonismo, alucinações visuais, flutuação cognitiva e está relacionada com a agregação anormal
da proteína sináptica, denominada α-sinucleína.
O comprometimento cognitivo é caracterizado por alterações fronto-subcorticais, visuoespaciais e em habi-
lidades visuoconstrutivas. As alterações comportamentais também são frequentes.
O comprometimento do déficit visuoespacial pode ser a diferença mais marcante quando se compara os pa-
cientes com DA e com DCL, que pode ser explicado pela disfunção do córtex occipital significativa no grupo DCL.
A memória espisódica também diferenciam os pacientes DA dos DCL. Em geral, os pacientes com DCL têm
melhor desempenho em memória episódica que pacientes com DA.

DEMÊNCIAS FRONTOTEMPORAIS (DFT)


A DFT, juntamente com a demência semântica e a afasia progressiva não-fluente constituem o grupo da dege-
neração lobar frontotemporal (DLFT) envolvendo os lobos frontal e temporal. Demência semântica é caracteriza-
da pela dificuldade em fluência verbal, nomeação, compreensão de palavras isoladas e perda do significado dos
objetos comuns, bem como sua função. Afasia progressiva não-fluente é caracterizada pela fala não fluente,
com déficits lexical, fonológico e sintáticos, enquanto a DFT é geralmente caracterizado por mudança de psi-
copatológicas e comportamentais.
O desempenho cognitivo é caracterizado por dificuldade em seguir as regras das tarefas, prejuízo na geração
e sequenciamento da informação, desatenção, impulsividade, pensamento concreto, perseveração e ausência
de estratégias. Ocorrem também as alterações precoces em insight, modulação afetiva, conduta social, dificul-
dade de iniciativa, fluência, planejamento, mudança de set e memória operacional que decorrem de alterações
patológicas do córtex pré-frontal dorsolateral e orbitofrontal.
Na maioria das vezes se torna difícil a identificação de um perfil neuropsicológico que possa diferenciar entre
DA e DFT, o que pode estar relacionado à metodologia nos estudos, por exemplo, o tamanho de coortes DFT
em muitos centros limitando comparações dos grupos, a avaliação de populações mistas de pacientes (por
exemplo, a inclusão de casos do lobo temporal, como demência semântica ou afasia progressiva não-fluente,
dentro de grupos DFT) e o uso de instrumentos amplos de avaliação que fornecem índices globais e não espe-
cíficas de demência.

20 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


DEMÊNCIA VASCULAR (DV)
Demência Vascular é a segunda causa mais frequente de demência. As manifestações clínicas podem ser diver-
sas e dependentes do local comprometido, tornando difícil definir um perfil cognitivo.
Muitos estudos comparam DA com DV e as características mais encontradas são prejuízo no funcionamento
executivo, déficit de atenção, menor velocidade de processamento e menor comprometimento da memória.

DEMÊNCIA SUBCORTICAL VASCULAR


A síndrome da demência subcortical (estado lacunar ou Biswanger) é causada pela doença isquêmica de peque-
nos vasos ou difusa. Os pacientes apresentam síndrome disexecutiva (dificuldade de planejamento, mudança de
set, abstração) e prejuízo de memória, no que diz respeito à evocação a imediata e tardia, melhorando o desem-
penho quando pistas são dadas.

DEMÊNCIAS SUBCORTICAIS (DS)


São doenças neurodegenerativas que envolvem principalmente estruturas cerebrais subcorticais (por exem-
plo: doença de Huntington (DH), doença de Parkinson (DP) e paralisia supranuclear progressiva (PSP)). São
caracterizadas por déficit de atenção, lentidão do pensamento, dificuldade no planejamento, déficits visuais e
visuoconstrutivos e mudanças de personalidade (depressão e apatia). Algumas vezes apresentam distúrbios
leves ou moderados de memória e linguagem, mas quantitativamente e qualitativamente diferentes das doenças
corticais, como a DA, por exemplo.

MEMÓRIA EPISÓDICA
Os pacientes com DH apresentam perda de memória leve a moderada que parece resultar de um déficit na ca-
pacidade de iniciar e realizar a recuperação das informações armazenadas. Em testes de lista de palavras, por
expemplo, pacientes com DH e DP tiveram desempenho semelhante com um padrão de déficit na recuperação
(ambos tinham codificação levemente deficitária, retenção normal ao longo do tempo e dificuldade em iniciar
estratégias de recuperação). Em geral, pacientes com DH tinham um déficit grave em evocação monstrando
melhora em testes de reconhecimento do que os pacientes com DP.
Pacientes com PSP apresentam redução nas taxas de aprendizado e comprometimento nas tarefas de evo-
cação e reconhecimento após intervalo.

FUNÇÃO EXECUTIVA, MEMÓRIA OPERACIONAL E ATENÇÃO


Em testes de atenção seletiva e sustentada como Teste de Stroop, tanto pacientes com DA quanto aqueles
com demência subcortical apresentam déficits, no entanto DS apresentam maior bradifrenia (alentecimento) na
nomeação das palavras. A síndrome demencial subcortical de pacientes com DH ou DP também é caracteri-
zada pelo comprometimento da memória operacional, incluindo a manutenção de informações nos buffers de
memória temporária (fraco desempenho em extensão de dígitos), a inibição da informação irrelevante e o uso de
estratégias de memória para aumentar a recordação (por exemplo, planejamento, organização).
Os prejuízos na atenção e memória operacional são acompanhados por alteração de vários componentes
das funções executivas envolvidos no planejamento, seleção, iniciação, organização sequencial de atos mo-
tores complexos e solução de problemas. Também occorre déficits no comportamento dirigido a objetivos, a
capacidade de gerar múltiplas alternativas de resposta, a capacidade de resistir à distração e manter o set de
resposta e a flexibilidade cognitiva para avaliar e modificar o comportamento. Os testes que podem ser utiliza-
dos: Wisconsin Card Sorting Test (WCST), Teste de Stroop, Torre de Londres, Gambling Decision Making Test e
testes de conceituação verbal.
Os pacientes com PSP apresentam grave disfunção executiva, geralmente mais acentuada do que DH e DP.
Apresentam comprometimento grave em abstração, fluência verbal, flexibilidade cognitiva e memória operacional.

LINGUAGEM E CONHECIMENTO SEMÂNTICO


A linguagem e conhecimento semântico podem ser o diferencial entre as síndromes demenciais corticais e sub-
corticais. Pacientes DH e outras formas de demência subcortical são muitas vezes disártricos, com voz lenta e
reduzida, mas o conhecimento semântico que sustenta suas capacidades linguísticas parece estar relativamen-
te preservado.
Estudos com fluência verbal indicaram que pacientes com DH apresentaram comprometimento tanto em
fluência verbal fonêminca (letras FA e S) quanto em fluência verbal semântica (animais, frutas ou vegetais),
enquanto os pacientes com DA tiveram maior comprometimento na tarefa de fluência verbal semântica. Ainda
não é claro o padrão de desempenho de pacientes com DP em todos os tipos de tarefas de fluência, apesar de
um estudo de meta-análise sugerir que esses pacientes têm um déficit ligeiramente maior na fluência de letras.

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As diferenças nas habilidades de linguagem de pacientes com síndromes demenciais corticais e subcor-
ticais também aparecem em testes de nomeação por confronto visual (por exemplo, nomeação de Boston).
Comparações mostam que pacientes com DA são significativamente piores que os pacientes com DH em tare-
fas nomeação e que produzem padrões de erros distintos. Pacientes com DA cometem erro semântico (como
chamar “camelo” de “animal”), enquanto os pacientes com DH cometem maior número de erros baseados na
percepção (chamar um “biscoito” de “cobra”).

HABILIDADES VISUOESPACIAIS
As habilidades visuoespaciais são muitas vezes afetadas no início do curso de DH e declina com a progressão
da doença.
No teste do relógio, pacientes DH tendem a fazer erros gráficos, visuoespaciais e de planejamento, enquanto
os pacientes com DA tendem a cometer erros conceituais (por exemplo, ausência de números e/ou ponteiros;
números e/ou ponteiros incorretos; ou escrevendo a hora), ou seja, o comprometimento exibido pelos pacientes
com DH parece ser uma manifestação dos déficits de planejamento e motores, já o comprometimento de pacien-
tes com DA refletem déficit no acesso ao conhecimento dos atributos, características e significado de um relógio.
No subteste Cubos (WAIS-III), os pacientes com DA têm maior dificuldade em perceber o objeto como um
todo, já os pacientes com síndrome subcortical têm maior alentecimento e erros que envolvem detalhes, porém
têm maior percepção do objeto como um todo.

DEMÊNCIA E DEPRESSÃO
Um dos desafios da ANP é identificar se o comprometimento cognitivo é secundário à depressão, ou se o pa-
ciente desenvolveu uma síndrome depressiva associada a um quadro de demência.
Em relação à memória, na depressão sem demência existe pouca ou nenhuma diferença entre a recuperação
imediata e a tardia, mesmo que ambas estejam abaixo do esperado. O reconhecimento geralmente está intacto
e superior à recuperação tardia.
Durante a avaliação, os pacientes com depressão sem demência têm consciência de seus déficits, cometem
poucas intrusões, colaboram menos e é comum erros do tipo “não sei”.
Cabe lembrar que há diferentes perfis neuropsicológicos, nas formas iniciais de demência, que se perdem na
evolução dos quadros de perda cognitiva, com comprometimento generalizado. Na figura observamos exem-
plos de alguns perfis.

PERFIS COGNITIVOS
Perfil neuropsicológico precoce Perfil neuropsicológico precoce Perfil neuropsicológico precoce
da demência do tipo Alzheimer da Afasia Progressiva Primária11 da Demência Frontotemporal
(tipo amnéstico)11 Variante Comportamental11
Comprometimento
Grave

Comprometimento
Moderado

Comprometimento
Leve

Estágio Inicial
Estágio Tardio

Retirados e adaptados de: Weintraub S, Wicklund AH, e Salmon DP. The Neuropsychological Profile of Alzheimer Disease.
Cold Spring Harb Perspect Med. Apr 2012; 2(4).

22 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Tabela 1 • Funções cognitivas e testes neuropsicológicos mais utilizados para avaliação das demências

FUNÇÃO COGNITIVA TESTES NEUROPSICOLÓGICOS


Cognição Global Dementia Rating Scale (DRS)
Funções Intelectuais WAIS-III, Matrizes de Raven
Atenção e Trail Making A
funções executivas Trail Making B
Atenção Concentrada (AC)
Dígitos Ordem Direta Verbal (WAIS-III)
Dígitos Ordem Indireta Verbal (WAIS-III)
Dígitos Ordem Direta Visual (Cubos de Corsi)
Dígitos Ordem Indireta Visual (Cubos de Corsi)
Wisconsin Card Sorting Test (WCST)
Arranjo de Figuras (WAIS-III)
Fluência Verbal Fonêmica (FAS)
Fluência Verbal Semântica
(Animais, Frutas, Supermercado)
Torre de Londres
Stroop III
Memória de curto prazo imediata Dígitos Ordem Direta e Indireta Verbal (WAIS-III)
e memória operacional Dígitos Ordem Direta e Indireta Visual (Cubos de Corsi)
Sequencia Números e Letras (WAIS-III)
Memória episódica verbal: evocação Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT)
imediata, tardia e reconhecimento Memória Lógica (WMS)
Pares Associados (WMS)
Memória episódica visual: evocação Reprodução Visual (WMS)
imediata, tardia e reconhecimento Figura Complexa de Rey (Evocação)
Memória Semântica Vocabulário (WAIS-III)
Informações (WAIS-III)
Velocidade de Processamento Stroop III
Códigos (WAIS-III)
Linguagem Nomeação de Boston
Fluência Verbal Fonêmica (FAS)
Fluência Verbal Semântica
(Animais, Frutas, Supermercado)
Token Test
Habilidades Visuoconstrutivas, Cubos (WAIS-III)
Visuoperceptivas e Visuoespaciais Desenho do Relógio
Hooper
Visual Object and Spatial Perception Battery (VOSP)
Praxias Cubos (WAIS-III)
Desenho do Relógio
Imitações de uso de objetos

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CONCLUSÃO
A ANP tem sido amplamente solicitada e de grande valor nos diagnósticos diferenciais. Importante destacar
que o avaliador deve sempre analisar os fatores culturais, sociais e a escolaridade do paciente. Cabe salientar
também, que a ANP deve ser usada como um exame complementar e avaliada juntamente com outros exames
laboratoriais e de imagem. n

Referências
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4 Avaliação fonoaudiológica
Marcela Silagi

M
udanças na linguagem e na deglutição podem surgir com o envelhecimento. Porém, em muitos casos, tor-
na-se difícil identificar se as queixas são inerentes ao processo de envelhecimento saudável ou se já indicam
um quadro inicial de comprometimento cognitivo.
A identificação destes sinais precocemente é de fundamental importância. Por exemplo, alguns casos de
comprometimento cognitivo leve podem permanecer estáveis ou até serem reversíveis. Mesmo na presença
de demências já estabelecidas, métodos terapêuticos utilizados para reabilitação têm se mostrado eficientes.

Portanto, os objetivos deste capítulo são:


1 • Identificar os pacientes candidatos à avaliação fonoaudiológica da linguagem
e deglutição nos quadros com comprometimento cognitivo progressivo;
2 • Descrever as principais alterações esperadas para estes quadros;
3 • Orientar sobre instrumentos de avaliação da linguagem e deglutição;
4 • Delinear sobre as principais abordagens terapêuticas.

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NOS QUADROS


COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO PROGRESSIVO
1 • Quando encaminhar o paciente para avaliação da linguagem?
As queixas mais frequentes entre os idosos saudáveis são a dificuldade de acesso lexical durante o discurso e a
dificuldade de compreensão auditiva para materiais complexos (Shafto e Tyler, 2014). Contudo, mesmo diante destas
dificuldades linguísticas, a manutenção da funcionalidade é um marcador do envelhecimento saudável. O idoso normal
é capaz de realizar compensações, monitorar e corrigir seus erros, de forma a manter a autonomia para atividades do
cotidiano (Garcia e Mansur, 2006; Ska e Joanette, 2006), o que não ocorre em idosos com comprometimento cognitivo.
Portanto, são candidatos à avaliação de linguagem os pacientes que apresentam redução da funcionalidade
da comunicação e relatos de dificuldades em compreensão oral, expressão oral, leitura e escrita. Falhas em tes-
tes de rastreio cognitivo, assim como queixas identificadas em questionários de funcionalidade, podem auxiliar
os clínicos na identificação dos pacientes candidatos à avaliação completa da linguagem.

2 • Caracterização das alterações de linguagem

COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

• Alterações evidenciadas em situações complexas e em testes com alta demanda linguístico-cognitiva.


• Manutenção da funcionalidade da compreensão do discurso em situações de comunicação cotidiana, exceto quando há
necessidade de conhecimento inferencial, conceitual ou contextual.
• Produção do discurso com parafasias semânticas e falhas de acesso lexical e de monitoramento do output, decréscimo
de informação.
• Dificuldades de compreensão sintática de material complexo, com maior demanda de memória operacional, funções
atencionais e executivas.
• Alterações em testes de fluência verbal (especialmente semântica e de verbos), nomeação por confrontação visual
(principalmente nomeação de nomes próprios), decisão lexical, categorização, decodificação, priming semântico,
nomeação após descrição verbal, respostas a questões após caracterização semântica.
• Déficits em provas incluindo tempo de reação para tarefas de leitura de palavras, processamento sintático, nomeação
de palavras rimadas.
• Dificuldade com materiais não literais, como inferência, sarcasmo, ironia, interpretação de provérbios.
FONTE: autoria própria
REFERÊNCIAS: Taller e Philips, 2008

26 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


DOENÇA DE ALZHEIMER

FASE LEVE FASE MODERADA FASE AVANÇADA


• Possibilidade de manter • Maior dificuldade em acompanhar • Todas as funções cognitivas
uma comunicação efetiva discursos e manter tópicos estão comprometidas
• Alteração leve da compreensão • Ruptura do discurso • Dificuldade considerável de
oral para discurso • Anomias frequentes compreensão, podendo estar
• Fluência do discurso relativamente • Repetição de ideias restrita à compreensão
preservada (pausas e hesitações) • Utilização de termos vagos de ordens simples e familiares
• Dificuldade em introduzir tópicos • Aumentos das parafasias verbais • Intensa redução da produção oral
durante um discurso e mantê-los e erros visuais na nomeação • Algumas vezes mantém-se
de forma coerente • Neologismos perserverações ou ecolalia
• Tendência à repetição de idéias • Empobrecimento semântico • Pode ocorrer mutismo
• Parafasias verbais podem ocorrer, • Redução significativa da • Decodificação de leitura pode estar
porém são raras complexidade sintática e menos afetada (leitura assemântica)
• Presença de parafasias semânticas da densidade proposicional • Escrita com erros grafêmicos,
e anomias • Diminuição do interesse pela leitura alterações grafomotoras que afetam
• Sintaxe relativamente preservada • Tendência de as estratégias serem todos os tipos de palavras
• Decodificação de leitura substituídas por automatismos ou ausência de resposta
relativamente preservada • Aumento dos erros grafêmicos
• Escrita com poucos erros e regularizações na escrita
de regularização
• Narrativa escrita pobremente
organizada, repetitiva,
pouco informativa e com
informações irrelevantes
FONTE: autoria própria
REFERÊNCIAS: Romero, 2005

DEMÊNCIA VASCULAR (DV)


• Heterogeneidade das manifestações de linguagem, devido em função da variedade dos locais de lesão
• Evolução gradual ou caracterizada por um período de estabilidade seguido de declínio pontual (evolução em “degraus”)
• Declínio da memória semântica: fluência verbal reduzida, nomeação, classificação de figura, geração de definições,
teste de sinônimos concretos e abstratos
• Dificuldade para compreensão auditiva de material complexo
• Redução da complexidade gramatical na produção de sentenças.
• Alterações da prosódia (redução da variação do pitch e loudness) na fala espontânea.
• Alterações na leitura e escrita.
• Frequente associação com quadros motores de fala (disartria e apraxia de fala)
FONTE: autoria própria
REFERÊNCIAS: Taller e Philips, 2008; Reilly et al., 2010

DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY


• Queixas isoladas de linguagem são menos frequentes na fase inicial da doença
• Déficits de linguagem associados a alterações de atenção, visuoperceptuais, funções executivas, prosopagnosia,
agnosia para cores, apraxia constritiva e ideomotora, distúrbios de memória e parkinsonismo
• Redução da fluência verbal semântica, fonêmica e de verbos
• Alterações de nomeação por confrontação visual (maior quantidade de erros de natureza visuoperceptual) e nomeação
de objetos comuns
• Confabulação, incoerência e perseveração durante a conversação
• Dificuldade na organização de narrativas, durante a compreensão e expressão
• Redução da fluência de fala (diminuição da velocidade e aumento das pausas entre as sentenças)
• Dificuldade no processamento de sentenças
FONTE: autoria própria
REFERÊNCIAS: Taller e Philips, 2008; Kaufer e Troster, 2008; Reilly et al., 2010

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DEMÊNCIA NA DOENÇA DE PARKINSON
• Alterações de linguagem devido à ruptura da rede fronto-estriatal e déficit noradrenérgico / colinérgico.
• Alteração na compreensão de sentenças complexas (oral e escrita).
• Fluência verbal reduzida (principalmente de verbos; switching mais alterado que clustering) e alterações de acesso
lexical.
• Alterações no processamento semântico: anomia (pior para verbos do que para substantivos), descrições de conceitos
concretos e abstratos, estabelecimento de atributos, acesso e construção de hierarquias conceituais.
• Redução da diversidade lexical de verbos: dissociação substantivo-verbo.
• Dificuldade de compreensão de inferências, metáforas e ambiguidades.
• Produção de menor proporção de sentenças gramaticais.
• Alteração da compreensão da prosódia.
• Associação com disartria hipocinética, associada à patologia do circuito de controle dos gânglios da base: intensidade
vocal reduzida, voz monótona, qualidade vocal rouca e/ou soprosa, altura grave, alterações de fluência, imprecisão
articulatória, redução na tessitura da voz falada, ressonância hipernasal.
FONTE: autoria própria
REFERÊNCIAS: Taller e Philips, 2008; Reilly et al., 2010; Duffy, 2013

AFASIAS PROGRESSIVAS PRIMÁRIAS (APPS)

APP AGRAMÁTICA APP SEMÂNTICA APP LOGOPÊNICA


• Agramatismo (redução no • Perda progressiva do • Fala lentificada com pausas e
repertório dos verbos, omissão de conhecimento semântico anomias no discurso (alterações
determinantes, comprometimento • Comprometimento tanto da tipo word-finding)
de concordâncias) nomeação por confronto visual • Dificuldade de repetição de frases.
• Esforço e hesitações na fala, trocas como da compreensão de palavras • Parafasias fonêmicas no discurso
distorcidas fonético-fonológicas • Conhecimento de objetos e na nomeação
assistemáticas (apraxia de fala) comprometido, especialmente • Compreensão de palavras
• Compreensão de sentenças menos frequentes ou e conhecimento de objetos
complexas comprometida menos familiares preservados
• Compreensão de palavras • Anomias, circunlóquios e • Produção motora da fala
preservada parafasias semânticas preservada (sem apraxia)
• Conhecimento de objetos • Dislexia de superfície ou disgrafia • Ausência de agramatismo evidente
preservado • Fluência (praxias de fala) • Atrofia e/ou hipometabolismo
• Dificuldade de leitura e escrita, e sintaxe preservadas predominante da região posterior
de natureza fonológica e sintática • Repetição preservada perisylviana ou parietal esquerda
• Não há alteração semântica • Alguns casos podem apresentar
evidente anosognosia e alterações
• Atrofia e/ou hipometabolismo comportamentais
predominante da região posterior • Atrofia e/ou hipometabolismo
fronto-insular esquerda da região anterior temporal
FONTE: autoria própria
REFERÊNCIAS: Gorno-Tempini et al., 2011; Kertesz e Harciarek (2014); Bang et al., 2015

Mesulam (2013) acrescenta mais dois subtipos de APP: o subtipo anômico (semelhante ao logopênico,
porém a repetição está preservada) e o subtipo misto (apresenta agramatismo e dificuldades de compreensão
sintática desde a fase inicial da doença).

Em relação à demência frontotemporal - variante comportamental (DFTvc), as alterações de linguagem não


são evidentes no início da doença. Porém, a comunicação é afetada devido ao comprometimento do funciona-
mento executivo (redução da vigilância atencional, controle inibitório, habilidade de sequenciamento e memória
operacional), além de déficits em outras funções cognitivas e comportamentais. O discurso narrativo é caracte-
rizado por redução da coesão temática e organização incoerente de eventos (Ash, et al., 2006). Adicionalmente,
Bang et al. (2015) citam alterações de acesso lexical, nomeação por confrontação, erros em compreensão de
sentenças e dislexia de superfície.

28 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


3 • Avaliação da linguagem
A caracterização das alterações deve levar em consideração os diferentes domínios de compreensão e pro-
dução da linguagem nas modalidades oral e escrita, quanto aos diferentes processamentos, e a interface com
outras funções cognitivas e aspectos motores correlatos (apraxia de fala e disartria).
Por isso, a implementação de baterias de avaliação com testes padronizados é essencial, tanto pelo seu va-
lor diagnóstico, quanto pelo seu valor prognóstico. O processo de avaliação da linguagem e os principais testes
utilizados no Brasil para quadros com comprometimento cognitivo estão expostos abaixo.

Esquema do processo de avaliação da linguagem

FONTE: autoria própria


REFERÊNCIAS: Mansur e Radanovic, 2004.

INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM

TESTE REFERÊNCIA PRINCIPAIS DESCRIÇÃO


ORIGINAL ESTUDOS BRASILEIROS

Teste de Boston Goodglass e Radanovic e Mansur, 2002 Avaliação abrangente dos aspectos formais da linguagem.
para Diagnóstico Kaplan, 1983 Radanovic et al., 2004 Dividido em 5 áreas: compreensão auditiva, expressão oral,
da Afasia Mansur et al., 2006 leitura, escrita e discurso.
Bateria Nespoulous Pagliarin et, 2014 Avaliação abrangente dos aspectos formais da linguagem.
Montreal- et al., 1986 Pagliarin et, 2015 Inclui tarefas de linguagem automática, compreensão auditiva
Toulouse de e escrita, emissão oral e escrita (discurso), ditado e cópia,
Avaliação da repetição, leitura, fluência verbal, nomeação, cálculo e habilidades
Linguagem aritméticas, manipulação de objeto, manipulação de objetos
e praxia não-verbal.
M1-Alpha Nespoulous Ortiz et al., 1993 Avaliação breve dos aspectos formais da linguagem.
et al., 1986 Garcia e Takayanagui, 2007 Versão reduzida da Bateria Montreal-Toulouse
Ortiz e Costa, 2011 de Avaliação da Linguagem.
MT Beta-86 Nespoulous Ishigaki et al., 2013 Avaliação breve dos aspectos formais da linguagem.
et al., 1986 Ortiz et al., 2006 Versão reduzida da Bateria Montreal-Toulouse
de Avaliação da Linguagem.

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TESTE REFERÊNCIA PRINCIPAIS DESCRIÇÃO
ORIGINAL ESTUDOS BRASILEIROS

Western Kertesz, 2007 Neves et al, 2014 Avaliação abrangente dos aspectos formais da linguagem. As tarefas são
Aphasia Battery referentes à fala espontânea (conteúdo e fluência), compreensão auditivo-
verbal, comandos sequenciais, repetição, nomeação, leitura, escrita e
apraxia. O quociente de Afasia (QA) e o Quociente de Linguagem (QL)
informam sobre a gravidade do transtorno de linguagem.
Bateria Montreal Joanette Fonseca et al., 2008 Avaliação abrangente da comunicação. Examina aspectos formais e
de Avaliação da et al., 2004 pragmáticos da linguagem. Inclui tarefas de conversação, narrativa,
Comunicação interpretação de metáforas e atos de fala indiretos, fluência verbal,
(Bateria MAC) julgamento semântico, processamento de prosódia linguística e emocional.
Bateria Ferre et al., Casarin et al., 2014 Avaliação breve da comunicação. Examina os mesmo processos
MAC Breve* 2011 cognitivos da Bateria MAC, além de habilidades de leitura e escrita.
Bateria Arizona Bayles e Rüegg et al., 2006 Avaliação da interface da comunicação funcional com a cognição.
para Desordens da Tomoeda, 1993 Novaretti, 2009 Compreende 17 subtestes divididos em 5 construtos: estado mental,
Comunicação de Freitas, 2010 memória episódica, expressão linguística, compreensão linguística
Demência (ABCD) e construção visuoespacial.
Functional Fratalli et al., Carvalho et al.46 2008 Avaliação funcional da linguagem e comunicação.
assessment of 1995 Contém 46 questões divididas nos seguintes domínios:
communication (a) Comunicação Social, (b) Necessidades Básicas, (c) Leitura,
skills for adults Escrita e Conceitos Numéricos e (d) Planejamento Diário.
(ASHA- FACS) O questionário é aplicado aos cuidadores para identificar impactos
funcionais na comunicação e mudanças nas atividades de vida diária.
Bateria de Adlam et al., Carthery-Goulart et al., Avaliação abrangente da memória semântica. Inclui os sub-testes
Memória 2010 2013 de fluência verbal (critérios semântico e fonológico-literal),
Semântica de nomeação por confrontação e a partir de descrição, geração de definições,
Cambridge classificação de figuras de acordo com categorias.
Pyramid and Palm Howard e Patterson, Mansur et al., 2013 O emparelhamento semântico de figuras por meio do teste Camel
Trees test / Kissing
and Dancing Test 1992; Bak et al., 2003 Baradel et al., 2014 and Cactus Pictures também compõe a bateria de Cambridge.
Teste de Kaplan et al., Mansur et al., 2006 Avaliação da memória semântica, por meio da associação de substantivos
Nomeação 2001 Miotto et al., 2010 e verbos. Os estímulos são compostos por figuras e palavras.
de Boston Avaliação do reconhecimento da representação visual, acesso ao sistema
semântico, conhecimento semântico em si, e componentes fonético-
fonológicos. É composto por 60 figuras que variam quanto à frequência
do item. Existem versões reduzidas, com 15, 20 ou 30 itens.
Bateria de Nomeação Drucks e Spezzano et al., 2013 Avalia a capacidade de nomeação por confrontação visual de substantivos
de Verbos e Masterson, 2000 (diferentes categorias semânticas) e verbos (diferentes tipos de verbos de
Substantivos ação). É composto por 162 figuras de substantivos e 100 figuras de verbos.
Token Test (TT) De Renzi, Vignolo Paula et al., 2012 Avaliação do processamento sintático, por meio da compreensão
Carvalho et al., 2009 auditiva de sentenças. O TT é composto por ordens que aumentam
em complexidade para a correta manipulação de peças. Exige memória
operacional e processamentos executivos atencionais.
Fluência Verbal Brucki et al., 1997 / Brucki e Avaliação da capacidade de recuperação e produção de palavras de acordo
Rocha, 2004 / Radanovic et al.,
Semântica e 2007, 2009 / Senhorini et al., com os critérios semântico (animais, frutas) ou fonêmico (FAS), dentro de
2006 / Caramelli et al., 2007
Fonêmica Fichman et al., 2009 / Machado um período de tempo (geralmente um minuto). Também exige integridade
et al., 2009 / Passos et al., 2011 das funções executivas para organizar, recuperar e iniciar as respostas,
Araujo et al., 2014 / Jacinto et
al., 2014 / Bertola et al., 2014 monitorando respostas anteriores e inibindo respostas inadequadas.
Protocolo de Duffy, 2005 Martins e Ortiz, 2004 Avaliação do planejamento motor da fala. Contém tarefas para exame da apraxia
Apraxia de Fala não-verbal e da apraxia de fala (repetição de palavras, repetição de sentenças,
produção de séries automáticas, fala espontânea e leitura em voz alta).
Protocolo Drummond, 1993; Ortiz, 2006 Avaliação da execução motora da fala. Contém tarefas para o exame das
de Disartria Mayo, 1998; bases respiração, fonação, ressonância, articulação e prosódia, além de
Freed, 2000 avaliação estrutural dos órgãos fonoarticulatórios.

*Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação Versão Abreviada FONTE: Adaptado de Parente et al., 2014.

30 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


REABILITAÇÃO DA LINGUAGEM
A literatura mostra resultados positivos decorrentes da intervenção não farmacológica nas demências. Os resul-
tados de melhora pós-terapia, generalização para outras habilidades linguísticas, melhora da funcionalidade e
manutenção dos ganhos dependem do método terapêutico utilizado, etiologia / fase da demência e natureza do
déficit. Esses resultados são mais discretos nas fases moderada e grave da doença. A seguir, são apresentadas
as principais técnicas para a intervenção em linguagem, tanto para quadros em que a alteração linguística é pre-
dominante (afasias progressivas primárias) quanto para comprometimentos de linguagem associados a alterações
em outras funções cognitivas, especialmente memória (doença de Alzheimer, demência vascular, entre outras).

PRINCIPAIS TÉCNICAS PARA INTERVENÇÃO EM LINGUAGEM

1 • Aprendizagem sem erro: técnica na qual se usa instruções ou pistas para prevenir ou reduzir a chance dos
indivíduos errarem durante os ensaios de aprendizagem.
2 • Despistagem progressiva: as pistas ou alertas são gradualmente retirados à medida que os indivíduos aprendem.
3 • Recuperação espaçada: prevê a recuperação solicitada de um comportamento-alvo, em intervalos espaçados ou
com latência.
4 • Treinamento para habilidades de recuperação lexical e nomeação / Estimulação léxico-semântica: consiste
em exercícios e tarefas cujo objetivo é ampliar o processamento semântico-verbal. São utilizadas palavras escritas,
sentenças e histórias para interpretação exploradas em diferentes perspectivas.
5 • Atividades de leitura: estimulação da leitura individual ou em grupo em diferentes ambientes de cuidados.
6 • Terapia de orientação para a realidade: apresentação de informação sobre tempo, espaço e pessoas, estímulo
à aprendizagem e treino de memória com pistas verbais/visuais, as quais auxiliam o senso de controle e auto-
organização.
7 • Grupo de reminiscências: baseada na recordação e discussão, geralmente em grupo, de atividades passadas,
eventos, experiências usando materiais variados, tais como músicas, fotografias e outros suportes.
8 • Treino cognitivo computadorizado: possibilidade de dispor de ambiente adaptável para cada indivíduo e a
garantia de realização de treino em quantidade suficiente para promover o aprendizado de comportamentos
relevantes, tais como achar o caminho até a padaria, ou comprar itens específicos de uma lista.
9 • Estratégia das instruções verbais: auxílio para realização de tarefas do cotidiano como treino de uso de celular e
secretária eletrônica, entre outros.
10 • Estratégias de auto-monitoramento: pistas semânticas, ortográficas e fonológicas para facilitar o acesso lexical.
11 • Treino de script: treinamento de conversação em situações cotidianas, como por exemplo, conversar ao telefone,
agendar uma consulta médica, fazer compras.
12 • Facilitação da linguagem receptiva: treinamento com interlocutores para ensino de estratégias como falar mais
devagar, falar de frente para a pessoa e certificar-se de que o paciente está prestando atenção, usar gestos para
complementar a fala, dar uma informação por vez, utilizar estrutura gramatical simplificada e vocabulário frequente,
eliminar distrações durante conversações (por exemplo, desligar a TV).
13 • Abordagens linguísticas específicas para melhora do agramatismo (por exemplo, estimulação de verbos para a
produção de sentenças), apraxia de fala e habilidades fonológicas.
14 • Comunicação alternativa: emprego de material figurativo, para representar o repertório lexical e temático a ser
utilizado nas interações com o paciente. Pranchas com desenhos ou fotos de itens do vestuário, objetos da cozinha,
mobiliário, entre outros servem para designar referentes quando não é possível evocar a forma verbal.
15 • Programas de atenção a cuidadores: tem como foco principal o fornecimento de informações sobre as demências
e treino de técnicas de manejo dos pacientes.

FONTE: autoria própria


REFERÊNCIAS: Khayum et a., 2012; Carthery-Goulart et al., 2013; Jokel et al., 2014; Mansur et al., 2014.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 31


ALTERAÇÕES DA DEGLUTIÇÃO NOS QUADROS
COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO PROGRESSIVO

1 • Quando encaminhar o paciente para avaliação da deglutição?


A disfagia é um distúrbio que se caracteriza por comprometimentos em qualquer etapa e/ou entre as etapas
da dinâmica da deglutição. Pacientes com pneumonias de repetição, tosse, engasgos, mudança do padrão vo-
cal durante a alimentação, sialorréia, recusa alimentar, odinofagia e emagrecimento são candidatos à avaliação
fonoaudiológica. O rastreio da disfagia é um passo fundamental na identificação precoce do paciente com alto
risco de aspiração e suas consequências. O uso de escalas e questionários que associem a observação das
alterações da deglutição a aspectos comportamentais e cognitivos é essencial para uniformizar a comunicação
entre a equipe e proporcionar dados para uma intervenção mais específica.

2 • Caracterização das alterações da deglutição


A disfagia é tradicionalmente relacionada a déficit motor, muitas vezes sendo negligenciada nas fases inicias
de doenças cujo comprometimento cognitivo é predominante. A alteração da deglutição em distúrbios cogniti-
vos se deve ao impacto na fase antecipatória da deglutição. Esta fase refere-se ao estágio anterior à introdução
do alimento na boca e envolve decisões sobre a escolha do tipo de alimento, ritmo e quantidade de ingestão.
Por ser voluntária, é altamente influenciada pelo controle cognitivo. Com o avanço da doença e o aparecimento
de sintomas motores, as outras fases da deglutição também passam a ficar alteradas.

FASE ANTECIPATÓRIA FASE ORAL FASE FARÍNGEA FASE ESOFÁGICA

• Alterações de memória: • Escape extra-oral • Atraso do disparo • Ineficiência dos


esquecimento dos horários de saliva e alimento. do reflexo da deglutição. movimentos peristálticos.
e rotinas das refeições. • Dificuldade de • Elevação reduzida do • Presença de ondas
• Alterações perceptuais mastigação. complexo hio-laríngeo. peristálticas terciárias.
e espaciais: dificuldade • Aumento do tempo • Resíduo nos recessos • Hesitação da abertura
para localizar e manusear de trânsito oral. faríngeos. do esfíncter esofágico
os utensílios e alimentos. • Múltiplas propulsões • Múltiplas deglutições. superior.
• Apraxia de membros e linguais. • Trânsito faringo-esofágico • Refluxo
oral: dificuldade no uso dos • Dificuldade na lentificado.
talheres e na performance propulsão do bolo • Fechamento incompleto
voluntária das ações. alimentar para a faringe. das pregas vocais.
• Disfunção executiva:
inapropriação do
comportamento durante
a refeição (escolha do
alimento, satisfação e
tempo de alimentação).
• Alteração atencional e do
julgamento: mudanças
quanto à preferência dos
alimentos, recusa ou FONTE: autoria própria.
compulsão alimentar. REFERÊNCIAS: Correia et al., 2010; Altman et al., 2013.

3 • Avaliação da deglutição
Os principais passos da avaliação fonoaudiológica estão na figura 2.
FIGURA 2 • PASSOS DA AVALIÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
1 • Anamnese: levantamento de informações sobre a alimentação e análise dos aspectos cognitivos associados
2 • Exame estrutural dos órgãos fonoarticulatórios
3 • Análise funcional da deglutição nas diferentes consistências alimentares
e identificação dos sinais clínicos sugestivos de broncoaspiração
4 • Averiguação da necessidade de realização de exames objetivos da deglutição
5 • Determinação da conduta baseada na gravidade da disfagia
FONTE: autoria própria.
REFERÊNCIA: Logemann, 1998.

32 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


ANAMNESE
O paciente:
Já teve pneumonia?
Está emagrecendo?
Apresenta dificuldade quando engole?
Engasga durante a refeição?
Engasga enquanto engole líquidos?
Tem dificuldade para tossir o catarro durante ou após a refeição?
Tem a sensação de que o alimento parou na garganta?
Tem dificuldade para comer alimentos sólidos?
Derruba alimento da boca?
Tem a sensação de que a comida está ficando parada na boca?
Tem a sensação de que o alimento está subindo de volta para a garganta?
Tem dificuldade para dormir porque tosse durante a noite?
Sente que está rouco?
Apresenta escape de saliva?
Possui visão e audição funcionais?
Possui grau reduzido de consciência (Ex: sonolento)?
Apresenta problemas com o posicionamento enquanto come?
Esquece o que está fazendo ou se torna distraída durante a refeição?
É muito passiva? Necessita de estímulo para começar a comer?
Recusa comida ou bebida?
Apresenta velocidade de alimentação é inapropriada (rápida ou lenta)?
Possui problemas para se alimentar sozinha?
A pessoa é bagunçada enquanto come?
FONTE: Adaptado do Ambulatório de Comprometimento Cognitivo Avançado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
REFERÊNCIAS: Kawashima et al., 2004; Correia et al., 2010.

EXAME ESTRUTURAL DOS ÓRGÃOS FONOARTICULATÓRIOS


Normal Alterado
Dentição própria ou prótese dentária
Força e mobilidade de lábios, língua e bochechas
Reflexo nauseoso
Sensibilidade extra e intra oral
Elevação do complexo hiolaríngeo
Acúmulo de saliva em cavidade oral
Restos alimentares em cavidade oral
Higiene oral
FONTE: Adaptado do Ambulatório de Comprometimento Cognitivo Avançado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

AVALIAÇÃO FUNCIONAL DA DEGLUTIÇÃO


Líquido fino (água) Líquido espessado (água) Pastoso (purê de fruta) Sólido (bolacha)
Abertura bucal
Preensão labial
Vedamento labial
Mastigação
Tempo de trânsito oral
Propulsão do bolo alimentar
Refluxo nasal
Elevação laríngea
Qualidade vocal
Tosse / engasgos
Odinofagia
Padrão respiratório
Frequência cardíaca
Ausculta cervical
N=NORMAL / A=ALTERADO FONTE: Adaptado do Ambulatório de Comprometimento Cognitivo Avançado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 33


CRITÉRIOS DE ENCAMINHAMENTO PARA EXAME OBJETIVO DA DEGLUTIÇÃO
VIDEOFLUOROSCOPIA / NASOFIBROSCOPIA DA DEGLUTIÇÃO
• Avaliação clínica inconclusiva • Alterações da sensibilidade laríngea
• Aspiração silente • Pneumonias de repetição
• Estase alimentar • Sinais de alteração esofágica
• Microaspiração
FONTE: Adaptado de ASHA, 2000.

ESCALA DA NÍVEL DE DEGLUTIÇÃO ASHA NOMS


Nível 1 • O indivíduo não é capaz de deglutir nada com segurança pela boca. Toda nutrição e hidratação são recebidas
através de recursos não orais (exemplo: sonda nasogástrica, gastrostomia).
Nível 2 • O indivíduo não é capaz de deglutir com segurança pela boca para nutrição e hidratação, mas pode ingerir alguma consistência
somente em terapia, com uso máximo e consistente de pistas. Método alternativo de alimentação é necessário.
Nível 3 • Método alternativo de alimentação é necessário, uma vez que o indivíduo ingere menos de 50% da nutrição e hidratação
pela boca; e/ou a deglutição é segura com uso moderado de pistas para uso de estratégias compensatórias; e/ou necessita de
restrição máxima da dieta.
Nível 4 • A deglutição é segura, mas frequentemente requer uso moderado de pistas para uso de estratégias compensatórias; e/ou o
indivíduo tem restrições moderadas de dieta; e/ou ainda necessita de alimentação por tubo e/ou suplemento oral.
Nível 5 • A deglutição é segura com restrições mínimas de dieta; e/ou ocasionalmente requer pistas mínimas para uso de estratégias
compensatórias. Ocasionalmente pode se auto monitorar. Toda nutrição e hidratação são recebidas por via oral durante a refeição.
Nível 6 • A deglutição é segura e o indivíduo come e bebe independentemente. Raramente necessita de pistas mínimas para uso de
estratégias compensatórias. Frequentemente se auto monitora quando ocorrem dificuldades. Pode ser necessário evitar alguns itens
específicos de alimentos (ex: pipoca e amendoim). Tempo adicional para alimentação pode ser necessário.
Nível 7 • A habilidade do indivíduo em se alimentar independentemente não é limitada pela função de deglutição. A deglutição
é segura e eficiente para todas as consistências. Estratégias compensatórias são utilizadas efetivamente quando necessárias.
FONTE: Adaptado de ASHA, 2003.

4 • Reabilitação da deglutição nos quadros com comprometimento cognitivo


Os objetivos da intervenção fonoaudiológica na disfagia em pacientes com comprometimento cognitivo progres-
sivo são: melhorar o estado nutricional, reduzir morbidades e mortalidade; melhorar o padrão de deglutição e reduzir
episódios de broncoaspiração. As principais abordagens terapêuticas estão baseadas nos aspectos a seguir:

GERENCIAMENTO DA DEGLUTIÇÃO NO COMPROMETIMENTO COGNITIVO PROGRESSIVO


• Mudanças ambientais e posturais: o ambiente utilizado para a alimentação deve ser tranquilo e sem distrações. O
cuidador deve estar sentado na mesma altura do paciente e utilizar uma linguagem verbal e corporal adequadas para
a oferta alimentar. O ideal é colocar o paciente sentado, com leve inclinação de cabeça para frente. Em pacientes com
instabilidade postural pode-se utilizar suporte para a cabeça. Em pacientes acamados o decúbito deve ser elevado em
90º. Manobras posturais mais específicas (por exemplo, cabeça virada ou inclinada) podem ser menos eficazes, pois os
pacientes podem não compreender ou lembrar-se de seguir as instruções específicas durante cada deglutição.
• Adaptação de dieta: preferência por alimentos pastosos e utilização de líquidos espessados para pacientes com risco
de aspiração de sólidos e líquido fino.
• Forma de oferta alimentar: é preferível a utilização de colheres ao invés de seringas, pois a pressão da utilização da
colher na língua estimula o reflexo da deglutição. Ofertar pequenas quantidades de alimento, aguardar a deglutição
completa e evitar conversar durante a oferta. Se o paciente apresentar tempo de trânsito oral aumentado, massagens
submandibulares e gestos para imitação facilitam a deglutição. Às vezes é necessário pedir para o paciente engolir a
porção de alimento duas vezes e tossir ao final para limpar uma possível estase laringo-faríngea.
• Exercícios para aumento da sensibilidade oral e força / mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios: nem todos os
pacientes com comprometimento cognitivo são candidatos a esse tipo de abordagem devido às para a compreensão
e execução dos exercícios. Em casos em que há possibilidade para a realização de exercícios, estes devem ser
associados ao treino funcional da deglutição.
• Orientação aos cuidadores: treino para a identificação de fatores de risco e para o uso de estratégias compensatórias
durante a alimentação.
FONTE: autoria própria
REFERÊNCIAS: ASHA, 2002a; Gómez-Busto et al., 2009.

34 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


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CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 35


5 Avaliação de enfermagem
e estratégias facilitadoras
Ceres Eloah de Lucena Ferretti

E
m tese e genericamente, o enfermeiro assume responsabilidades que envolvem aspectos do cuidar integral-
mente, visando a promoção de saúde, prevenção de doenças, reabilitação e controle de processos agudos
ou crônicos de alguém que apresenta respostas humanas alteradas devido a doença física ou mental.
A conotação puramente assistencialista na formação deste profissional deu lugar, ao longo dos tempos,
a combinação de elementos que hoje fazem parte do universo de ações do enfermeiro em sua área de espe-
cialidade e hoje se fala em educação, assistência e pesquisa na prática da enfermagem. O conhecimento de
quatro áreas de especialidade são fundamentais para o exercício da profissão no contexto das doenças neu-
rodegenerativas cerebrais, ou demência, são elas: a neurologia, a geriatria, a psiquiatria e a gerontologia, em
virtude das especificidades das ações dirigidas a pacientes com idade igual ou superior a 60 anos, e a última,
pelo entendimento dos aspectos biopsicossociais que possibilitam a visão do ser como um todo, e não apenas
pelo dano apresentado em um único órgão ou sistema.
Assim sendo, a avaliação gerontológica global - AGG, permite ao profissional acessar problemas em vários
domínios e, a implementação de ações preventivas de novos agravos tornam-se possíveis, melhorando a qua-
lidade de vida de pessoas que apresentam doenças de alta morbidade, como, por exemplo, diabetes melitus,
hipertensão arterial , depressão, demência, entre outras. As ações preventivas podem reduzir não apenas a
sobrecarga individual e familiar como também a sobrecarga socioeconômica para o Estado.
Algumas atribuições de um enfermeiro geronto-geriátrico, listadas no quadro 1, são fundamentais para o di-
recionamento não só de suas ações como também de toda a equipe multidisciplinar. A AGG é uma ferramenta
poderosa e muito usada para avaliar a saúde geral e o bem-estar do adulto idoso. A principal ênfase está em
entender como o idoso funciona dentro do ambiente.

QUADRO 1 • ATRIBUTOS DE UMA ENFERMEIRA GERONTO-GERIÁTRICA


Capacidade de estabelecer uma relação terapêutica com os idosos
Apreciação do Idoso como pessoa única
Competência clínica em práticas de enfermagem básica
Boa habilidade de comunicação
Conhecimento das alterações físicas e psicossociais que ocorrem com o envelhecimento
Capacidade para trabalhar com e sob supervisão de outros.

Algumas diretrizes norteiam o trabalho da enfermagem geronto geriátrica, e as principais podem ser vistas
no quadro 2.

QUADRO 2 • DIRETRIZES PARA AVALIAÇÃO GERONTOLÓGICA GLOBAL – AGG

Avaliação da saúde física • objetivo centrado na determinação da saúde geral e na aptidão do cliente idoso.
Avaliação do auto cuidado • aptidão atividades básicas de vida diária como banho, vestuário, alimentação, asseio,
continência, transferência.
Avaliação psicológica • subdividida em avaliação do funcionamento cognitivo (mental), e, do funcionamento afetivo (emocional)
Avaliação social • recursos econômicos : Suporte da comunidade (amigos, igreja, clubes, etc). Frequência e número de
contatos sociais (isolamento)

Neste sentido e independentemente do modelo teórico adotado pelos enfermeiros, é de extrema importância
considerar o papel de educador que este profissional exerce no que tange a promoção e prevenção da saúde
humana. É preciso que o conhecimento das áreas interrelacionadas – neurologia, geriatria, psiquiatria e geron-
tologia - sejam suficientemente amplos para que as tomadas de decisões sejam efetivas, e que em qualquer

36 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


nível de atenção à saúde a enfermagem possa explorar seu universo de conhecimentos, e desta forma, contri-
bua para a redução das chamadas doenças crônicas não transmissíveis, como também, para a instalação de
co-morbidades que são responsáveis por pesados ônus às sociedades.
A ênfase, e esta talvez seja a maior contribuição do enfermeiro especialista, é um bom domino de conheci-
mento em neurologia e em outras áreas e sistemas já mencionados, para que as necessidades humanas bási-
cas, modelo teórico motivacional desenvolvido por Maslow e, posteriormente, adaptado para a enfermagem por
Wanda de Aguiar Horta sejam satisfeitas com eficiência. A figura 1 apresenta os níveis de atenção no modelo
motivacional. Este modelo enfatiza que o ser humano passa para um nível hierárquico superior quando já tem
satisfeitas suas necessidades no nível anterior.

FIGURA 1 • MASLOW A (1943) A TEORIA DA MOTIVAÇÃO HUMANA

Do ponto de vista de enfermagem em Neurociência, observa-se com o passar dos anos, avanços tanto no
que se refere a domínio de conhecimento, quanto ao desenvolvimento de estratégias facilitadoras no trato com
o paciente neurológico portador de diferentes injúrias e graus de dependência, o que possibilita a tomada de
decisões curativas, reabilitadoras ou paliativas.
É interessante dissertar, ainda que rapidamente, sobre o histórico da enfermagem em neurociência, como
também sobre o escopo do trabalho dessa especialidade e as diretrizes que norteiam as ações do enfermeiro
especialista.

Enfermagem em Neurociência: breve histórico


Dos primórdios da organização e elaboração dos primeiros documentos que versavam sobre as ações e di-
ferentes áreas de especialidade na enfermagem, muita coisa mudou. A especialização de enfermagem em Neu-
rociência data do final do século 19, surgindo na Inglaterra e França. Daquele momento até a década de 60, os
enfermeiros obtinham conhecimentos especiais e padrões de cuidados ao paciente neurológico por meio de
cursos informais ministrados por médicos, além das experiências adquiridas no seu próprio dia a dia de trabalho.
Como as subespecialidades em neurologia e neurocirurgia continuavam a crescer, cursos formais foram
surgindo para, ensinar de maneira sistemática aos enfermeiros que se dedicavam aos cuidados de pacientes
neurológicos. Em 1967 a Universidade da Califórnia, em São Francisco, iniciou o primeiro programa de mestra-
do em enfermagem neurológica e neurocirúrgica. Esta iniciativa abriu muitas oportunidades para o aprendizado
e aprimoramento da enfermagem em diferentes níveis de assistência, isto é, nos níveis primários, secundários e
terciários de assistência em saúde.
De lá para cá, iniciativas e parcerias de Academias americanas, como a de enfermagem e de neurocirurgiões
levaram a criação da American Association of Neuroscience Nurses (1983).

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 37


São seis componentes considerados essenciais para a prática da enfermagem em neurociência:
1 • Aquele que recebe o cuidado
2 • Diretrizes para a prática da enfermagem
3 • Definição da enfermagem
4 • Resposta humana
5 • Responsabilidades da enfermeira
6 • Características da enfermeira (AANN, 1984)

Como aquele que recebe os cuidados de enfermagem em neurociência, entende-se o indivíduo com disfun-
ção do sistema nervoso, a família do indivíduo ou alguém próximo, a comunidade e sociedade em que o indiví-
duo vive. Quando estes três fatores são identificados, as diretrizes podem ser aplicadas para os vários níveis de
atenção, primária, secundária e terciária.
Fenômenos que são considerados consenso entre os enfermeiros especialistas são a comunicação, cons-
ciência e cognição, mobilidade, reflexos, sono e repouso, e para a identificação de disfunções em tais níveis
é preciso que os enfermeiros lancem mão de instrumentos elaborados por eles, de acordo com as realidades
econômico sociais das sociedades em que vivem, e que, principalmente, sirvam de modelo para a prática da
enfermagem na assistência e pesquisa ao paciente neurológico agudo ou crônico.
Vários centros de assistência e pesquisa têm criado seus protocolos de enfermagem padronizados, que
são considerados ferramentas úteis quando se pensa na organização de dados que possam permitir adequada
atenção ao paciente neurológico.
A NYU (New York University) vem há algumas décadas, realizando um trabalho sistematizado de assistência
ao idoso com diagnóstico de doença neurodegenerativa cerebral (demência), que se amplia para a família e a
comunidade por meio de suporte e educação. Ainda nos EUA, mais precisamente na Escola de Enfermagem da
Universidade de Washington em Seattle, trabalho desenvolvido por um grupo de profissionais liderados por uma
psicóloga clínica, tem mostrado que as iniciativas de programas de suporte às vitimas da doença de Alzheimer
e suas famílias constituem-se foco da atenção de profissionais especializados.
Apesar de a literatura ser rica em trabalhos que discutem suporte a pacientes com demência e seus cuida-
dores, há ainda muita dificuldade na comprovação da eficácia destes trabalhos, em função das diferenças me-
todológicas e, portanto, na falta de meta-análises que poderiam verificar a consistência dos resultados obtidos.
No Brasil, a primeira iniciativa surgiu no final da década de 90, quando foi elaborado o primeiro protocolo de
enfermagem específico para avaliação do paciente com demência e seu familiar/cuidador. (Ferretti CEL 1997).
Este protocolo foi elaborado seguindo diretrizes propostas pelo Conselho Federal de Enfermagm (COFEn)
e Conselho Estadual de Enfermagem (COREn) quanto a aplicabilidade da Sistematização da Assistência de
Enfermagem –SAE, tendo sido adotados como teoristas Dorothéa Orem – teoria do autocuidado, e Abrahão
Maslow – Teoria da hierarquização das necessidades Humanas Básicas.
No artigo 1º da Resolução COFEn nº 358/20098, que dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfer-
magem – SAE e a implementação do Processo de Enfermagem (PE) em ambientes públicos ou privados, lê-se
que o “PE deve ser realizado de modo deliberado e sistemático em todos os ambientes públicos ou privados
em que ocorre o cuidado profissional de enfermagem.”
Para a construção do protocolo de enfermagem em demência foram consideradas as propedêuticas neu-
rológica, psiquiátrica, geriátrica e gerontológica como ferramentas fundamentais além das diretrizes propostas
pela Academia Americana de Neurologia (AAN). O instrumento foi elaborado primariamente para ser utilizado na
coleta de dados de interesse para a enfermagem.
Mais tarde foi utilizado como instrumento de coleta de dados para a realização do primeiro estudo na Amé-
rica Latina que identificou fatores de risco para institucionalização precoce do portador de demência (Ferretti e
cols 2004).
A partir de então, foi implantado como instrumento de rotina no atendimento ao paciente ambulatorial de
uma unidade neurológica especializada em demência, na cidade de São Paulo, utilizado até os dias atuais e
servindo como modelo para outros serviços. Sem dúvida, é possível afirmar que os avanços da enfermagem
no Brasil na avaliação de pacientes com demência, são similares aos encontrados na America do Norte, basta
analisar os dois instrumentos que, para efeito de pesquisa em andamento, elaborou-se um quadro comparativo
das duas propostas: protocolo brasileiro X diretrizes da American Association of Neuroscience Nurses - AANN.
Quadro 3.

38 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


QUADRO 3 • COMPARAÇÃO DOS ITENS- PROTOCOLO BRASILEIRO X DIRETRIZES AANN

+ = avaliação presente I - = avaliação ausente

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Avaliação de Enfermagem em demência e estratégias facilitadoras
Há entre profissionais e cuidadores um grande questionamento: quais ações são prioritárias neste contexto?
Para esta resposta é preciso que haja:
Entendimento das características progressivas da doença nos domínios da:
• Cognição: memória, linguagem, praxias, gnosias, orientação temporal e espacial;
• Função: Dependências para atividades básicas de vida diária –AVD e, atividades instrumentais de vida diária – AIVD.
• Comportamento: Alterações de humor e comportamento.

Família: Sobrecargas objetiva e subjetiva geradas pelos custos sociais diretos e indiretos.

Primariamente, medidas de suporte a pacientes e cuidadores devem ser embasadas na identificação de quais
necessidades estão comprometidas no momento da avaliação inicial com vistas a resolução e/ou controle daque-
las já presentes e prevenção de outras por meio de orientações focadas e individualizadas. Todas as orientações
devem ser oriundas de dados objetivos e subjetivos, coletados pela anamnese e trazidos pelo familiar, numa visão
gerontológica, geriátrica, neurológica e psiquiátrica que passa pelo paciente, cuidador e ambiente.
E preciso que o enfermeiro tenha conhecimento suficiente para reconhecer os diferentes tipos de demência
e outras doenças de alta morbidade para intervir com segurança e eficiência por meio da aplicação da SAE.
Do mesmo modo, é necessário que medidas de prevenção de co-morbidades sejam implementadas seguindo
o esquema apresentado na figura 3.

PREVENÇÃO EDUCAÇÃO EM SAÚDE PROMOÇÃO DA SAÚDE

Fluxo ideal de atendimento em demência


Atendimento ambulatorial, por meio da consulta de enfermagem, mensal, bimestral, ou trimestral, dependen-
do da gravidade da demência e rotina do serviço.
A figura 4 ilustra hipoteticamente um diagnostico de enfermagem de Risco., “Risco de Quedas” e seus
possíveis fatores de risco e características que podem estar relacionadas. Este modelo de algoritmo pode ser
aplicado em quantos diagnósticos de enfermagem forem estabelecidos e permite um controle pré e pós inter-
venção, observando a eficácia da intervenção adotada pelo enfermeiro.
A figura 5 esquematiza de forma prática, um modelo de SAE que pode ser utilizado no dia a dia, semana a
semana, mês a mês...; de acordo com o local das avaliações que pode ser em ambiente extra hospitalar (domi-
cílio, ambulatório), ou hospitalar.

MODELO DE FORMULÁRIO PARA APLICAÇÃO DA SAE (NANDA, NOC E NIC)

40 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


FIGURA 4 • ALGORITMO DO DIAGNÓSTICO DE ENFERMAGEM,
“RISCO DE QUEDAS” E MODELO HIPOTÉTICO DE INTERVENÇÃO

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No retorno
Se identificados fatores que implicam na não aderência, sejam eles pessoais (cuidador), ou familiares (con-
flitos), ou econômicos (falta de recursos), ou ambientais (estrutura domiciliária...

INCLUSÃO NO PROGRAMA
VISITA DOMICILIÁRIA

Objetivos:
• Entendimento da dinâmica familiar
• Identificação dos problemas
• Maior conforto para pacientes e familiares
• Avaliação da segurança pessoal/ambiental
• Maior aderência às orientações de enfermagem e tratamento medicamentoso

Critérios de Inclusão:
• Baixa aderência às orientações de enfermagem
• Pacientes com dependência moderada/grave
• Idade avançada do cuidador
• Dificuldade no transporte

Paralelamente PROGRAMAS DE SUPORTE E EDUCAÇÃO dados por profissionais especializados, abor-


dam ações voltadas a:

Suporte
• Programa de Suporte ao cuidador via telefone e
• Programa Visita Domiciliária
Educação em Saúde
• Programa de Educação em Demência e Assistência ao Cuidador
• Capacitação de profissionais da Rede de Atenção Primária
• Capacitação de cuidadores

Atualmente, os modelos de suporte adotam uma estrutura multicomponente, que inclui:

Variada combinação de intervenções tais como:


• Psicoeducativas
• Suporte
• Psicoterapia
• Abordagens técnicas

QUAIS SÃO AS PROPOSTAS?

Organização de Serviços em Território Nacional


• Capacitação nos dois segmentos: profissional e familiar
• Capacitação abrangente em todos os níveis de assistência em saúde
Rede de Suporte
• Direcionamento do paciente e seu cuidador para o alcance de qualidade de vida
• Otimização do alcance às ações de saúde
• Acesso aos serviços de saúde e sociais

Neste sentido e independentemente do modelo teórico adotado pelos enfermeiros, é de extrema importância
considerar o papel de educador que este profissional exerce no que tange a promoção e prevenção da saúde
humana. É preciso que o conhecimento das áreas inter-relacionadas – neurologia, geriatria, psiquiatria e geronto-
logia - sejam suficientemente amplos para que as tomadas de decisões sejam efetivas, e que em qualquer nível
de atenção à saúde – PRINCIPALMENTE NA ATENÇÃO PRIMÁRIA - a enfermagem possa explorar seu universo
de conhecimentos, e desta forma, contribua para a redução das chamadas doenças crônicas não transmissíveis,
como também, para a instalação de co-morbidades que são responsáveis por pesados ônus às sociedades.
Em suma, a SAE propõe facilitar o trabalho do enfermeiro e padronizar as ações e não o diagnóstico ou
intervenções.

42 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Apesar de ser, para muitos, sinônimo de “perda de tempo” e “entrave” na rotina diária de um enfermeiro a
SAE exige apenas que haja entendimento dos profissionais que a utilizarem para, tornar-se um agente facilitador
da assistência e da organização de dados que permitirão a realização de pesquisas que apresentem resultados
consistentes e relevantes para a área de enfermagem. Figura 5.

FIGURA 5 • ESQUEMATIZAÇÃO SEQUENCIADA DAS AÇÕES DA SAE

INVESTIGAÇÃO CLÍNICA (coleta de dados)

DIAGNÓSTICO (Identificação das repostas humanas)

PLANEJAMENTO (definição do plano de metas, resultados)

IMPLEMENTAÇÃO (intervenções de enfermagem – prescrição - resultados)

AVALIAÇÃO (evolução de enfermagem/resultados obtidos)

Pode ocorrer a necessidade de reinvestigação caso tenha havido alguma falha no estabelecimento do diag-
nóstico de enfermagem feito após o exame físico. Por esta razão, a anamnese deve ser feita com critério e aten-
ção, pois qualquer falha nesta fase dificultará para a reabilitação do paciente levando, muitas vezes, a reinício
de todo o processo,
Uma boa investigação clínica realizada na anamnese permite a identificação dos padrões de resposta hu-
mana alterados, e foca as ações da enfermagem nos problemas apresentados pelo paciente nos contextos
biopsicossociais.
Basicamente, as ações do enfermeiro estão centradas no Idoso, na família, no cuidador e na rede de suporte
o que permite uma atuação integrada por meio de relações interpessoais e os níveis de intervenção se apoiam
no tripé: cognição, capacidade funcional e comportamento.

E a família?
A família merece atenção em todas as fases evolutivas da demência. O impacto do diagnóstico traz grande
angústia e muitas dúvidas que devem ser esclarecidas por profissionais competentes.
As famílias sofrem com a falta de informação sobre a doença e sua evolução; têm dúvidas sobre o tratamento
farmacológico e expectativa dos efeitos da medicação prescrita; sobre como lidar com as dependências para
atividades de vida diária e atividades instrumentais de vida diária; sobre como lidar com as alterações de com-
portamento; nutrição/alimentação; dependência total; perda de peso; mutismo; dupla incontinência; inversão
de papéis; sentimentos de luto.
O enfermeiro deve avaliar todas as limitações apresentadas pelo paciente e também por seu cuidador, en-
tender a dinâmica da família para verificar sua funcionalidade ou disfuncionalidade e avaliar o ambiente para
identificação de riscos potenciais de acidentes e necessidade de adaptações ambientais.
Além disso, lembrar que as necessidades humanas básicas precisam ser respeitadas e observadas:
• Biológicas - controle e a prevenção de doenças;
• Psicológicas - afeto e bem estar
• Sociais - integração, lazer, parcerias
• Espirituais - respeito às crenças e valores, bem estar, presença da família.
Nas fases mais tardias, além da observação das necessidades humanas básicas, deve-se dar maior atenção
às medidas preventivas envolvidas com:
• Broncoaspiração (disfagia)
• Pneumonias (hipostática e de aspiração)
• Infecções do trato urinário (higiene; troca de fraldas)
• Úlceras por pressão (imobilidade, desnutrição)
• Atrofias (imobilidade)
Enfermeiros devem estar atentos para a utilização de estratégias que possam facilitar o dia a dia de pacien-
tes e cuidadores, e assim, sempre que necessário:
• Adaptar vestuário, dieta;
• Realizar troca de fraldas a cada 3h ou antes, se necessário;
• Realizar banho de chuveiro;

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• Manter ambiente calmo, arejado e iluminado;
• Preferir alternar períodos de permanência no leito e poltrona
• Preferir camas altas, com grades laterais e colchão especial
• Utilizar materiais de apoio como: almofadas de ar, silicone, espuma, cadeira de banho, pratos, copos, talheres especiais.

NUNCA!!!
• Deixar de mobilizar por mais de 1h30min
• Alimentar deitado
• Medicar por conta própria ou deixar de medicar o remédio prescrito

Apesar das inúmeras tarefas, com as quais o cuidador mais cedo ou mais tarde terá que se familiarizar,
evidências mostram que este não é o principal fator gerador de sofrimento emocional de quem cuida. Certa-
mente, a desagregação da estrutura familiar, quando, na maioria dos casos, apenas um único cuidador torna-se
responsável por uma infinidade de tarefas desconhecidas gera maior desgaste. Infelizmente, ainda se vê com
mais frequência esse tipo de arranjo o que, lamentavelmente, ocasiona grande sobrecarga física e emocional e
aumenta o risco de, este cuidador, também adoecer e, no futuro, tornar-se dependente do sistema de saúde.

O que fazer?
Busque ajuda de profissionais especializados e de associações, como a ABRAz- Associação Brasileira de
Alzheimer, doenças similares e idosos de alta dependência, por exemplo. Participe dos grupos de apoio e das
reuniões mensais, Você não está sozinho!!!
Verifique ainda onde existe na sua comunidade, Progamas de Educação e Suporte, trabalhe pela funciona-
lidade de sua família e, para isso, procure dialogar mais com a família e exponha suas dificuldades. Caso não
seja possível, procure conversar com um terapeuta familiar e peça sugestões de como agir.
Pense que idealmente, a família deve conversar sobre o problema e conscientizar-se que, a partir do diag-
nóstico medico, os esforços de todos devem estar concentrados na necessidade de adaptação de rotinas e
divisão de tarefas, no sentido de não sobrecarregar isoladamente ninguém. Consiga um tempo para você, e não
esqueça seus amigos, clube, igreja, ou qualquer outra atividade de lazer de sua preferência.

Respeite seus sentimentos!


Sentimentos de raiva, culpa, frustração, depressão...são comuns entre cuidadores de pessoas com doenças
crônicas, não se culpe, em geral estes sentimentos não são despertados pela pessoa e sim pela situação. Como
cuidador, você tem necessidades especiais. Busque ajuda! É muito importante que você não se sinta sozinho
ou abandonado. Por isso você precisa de alguém com quem possa conversar. Pense que o luto é uma resposta
normal à perda. Você pode estar triste devido à perda – real ou não – de alguém significativo para você.
Não há promessas ilusórias. os avanços tecnológicos e da medicina moderna permitem, hoje, manter a
qualidade de vida de pessoas que têm o diagnóstico de demência e seus cuidadores. Medicamentos lentificam
a progressão da doença, equipes multiprofissionais atuam em conjunto para dar esta qualidade e manter a
dignidade até o final.
Faça uso dessas ferramentas que estão disponíveis nas redes de saúde, públicas e privadas. Informe-se! A
informação é a principal arma com a qual se pode contar para o enfrentamento “descomplicado” do dia a dia
de cuidados com demência. n

Referências
1 Hickey JV. Dementia in The Clinical Practice of Neurological and Neurosurgical Nursing. 5th Edition Lippincott
Willians&Wilkins USA 2003.
2 Corbin JM, Introduction and overview: Chronic illness and nursing (2001). In R.B. Hyman & J.M. Corbin (Eds).
Chronic Illness: Research and therapy for nursing practice. New York: Springer.
3 Ferretti CEL, Minnett TSC, Bertolucci PHF. Identificação de Fatores de Risco Envolvidos no Processo
de Institucionalização do Portador de Demência. Revista Ciências da Saúde 23 (1/2), 85-93, 2004. São Paulo, 2004.
4 ABRAz Associação Brasileira de Alzheimer, doenças similares e idosos de alta dependência. 2015.
5 Burlá C, Camarano AC, Kanso S, et al. Panorama prospectivo das demências no Brasil: um enfoque demográfico.
Ciência & Saúde Coletiva, 18(10):2949-2956, 2013.
6 Olesen J, Gustavsson A, Svensson M, Wittchen HU, Jönsson B; CDBE2010 study group; European Brain Council.
The economic cost of brain disorders in Europe. Eur J Neurol 2012;19:155-162

44 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


7 Resolução cofen 358/2009 disponível em http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html acessado em
01/05/2015.
8 Horta, WA. Processo de enfermagem. São Paulo: EPU, 1979.
9 NANDA International. Diagnósticos de Enfermagem da NANDA: definições e classificações – 2012-2014. 8ª edição.
Porto Alegre: Artmed, 2013
10-22 MOORHEAD S, JOHNSON M, MAAS ML e SWANSON E. Classificação dos resultados de enfermagem. 4ª edição.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
11 BELECHECK GM, BUTCHER HK e DOCHTERMAN JM. Classificação das Intervenções de Enfermagem. 5ª edição.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
12 Ferretti, C.E.L; A Intervenção de Enfermagem nas Demências e o Potencial de Risco para Institucionalização
Precoce, Tese apresentada à Disciplina de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP-EPM, para obtenção do título de
Mestra em Neurociências. São Paulo, 1999.
13 Lee CC, Czaja SJ, Schultz R. The moderating influence of demographic characteristics, social support, and religious
coping on the effectiveness of a multicomponent psychosocial caregiver intervention in three racial ethnic groups. J
Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2010;65 (2):185–94
14 Mittelman MS, Haley WE, Clay OJ, Roth, DL. Improving caregiver well-being delays nursing home placement
of patients with Alzheimer’s disease. Neurology 2006;67:1592–9.
15 Llanque SM, Enriquez M. Interventions for Hispanic caregivers of patients with dementia: A review of the literature.
Am J Alzheimers Dis Other Demen 2012;27(1):23–32.
16 Sörensen S, Pinquart M, Duberstein P. How effective are interventions with caregivers? An updated meta-analysis.
Gerontologist 2002;42(3):356–72.
17 Caregivers of Alzheimer´s patients factors influencing institutionalizarion of loved ones: some considerations
on existing literature. Ann Ig; 25(3): 235-46, 2013 May-Jun.
18 Bourgeois MS, Schulz R. Interventions for caregivers of patients with Alzheimer’s disease: A review and analysis
of content, process, and outcomes. Int J Aging and Human Development 1996; 43(1):35-92.

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6 Comprometimento
Cognitivo Leve
Regina M. Magaldi

É
amplamente sabido que o envelhecimento populacional tem ocasionado aumento na incidência e preva-
lência de casos de demência, particularmente da Doença de Alzheimer (DA), com todas as implicações
e consequências pessoais, sociais e econômicas próprias de doenças crônico-degenerativas e incapaci-
tantes. A atenção de pesquisadores de todo o mundo tem se voltado para formas de detecção e tratamento
cada vez mais precoces de quadros demenciais, tentando minimizar o impacto destas doenças na população.
Entretanto, a identificação de fases muito leves de demência representa um desafio à prática clínica.
Atualmente a definição mais amplamente aceita e utilizada na literatura é a de Comprometimento Cognitivo
Leve (ou Mild Cognitive Impairment). Embora inicialmente descrito como sendo relacionado a prejuízos específi-
cos na memória, o termo Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) atualmente refere-se a uma condição clínica
em que existe prejuízo em qualquer área da cognição, porém sem repercussão funcional significativa (e, portan-
to, sem critério para diagnóstico de demência). Os estudos com pacientes que se encaixam nessa definição têm
demonstrado tratar-se de uma fase intermediária, que representa um continuum de evolução entre a normalida-
de cognitiva e uma fase muito precoce das demências, especialmente da demência da Doença de Alzheimer.
Observa-se nos estudos de seguimento longitudinal que estes indivíduos têm risco maior de evolução para
demência (em torno de 10 a 15% ao ano) quando comparados a indivíduos sem comprometimento cognitivo
(Tabela 1).
Por outro lado, observa-se também que uma parcela destes pacientes permanece estável por muitos anos,
sem conversão para demência, ou ainda pode retornar à normalidade cognitiva, deixando de ter critérios para
essa síndrome. Por conta dessa heterogeneidade, consensos internacionais com especialistas procuraram es-
tabelecer critérios objetivos para o diagnóstico do CCL, tornando mais uniforme a sua definição, e possibilitan-
do o estudo mais adequado de suas características e de sua evolução.

TABELA 1 • Estudos demonstrando taxas de conversão anual para demência em indivíduos


com alterações cognitivas leves ou condições similares
AUTOR, ANO N Idade (ANOS) Duração (ANOS) Conversão anual (%)
Flicker, 1991 32 71 2,2 25
Tierney, 1996 107 74 2 14
Bowen, 1997 21 74 4 12
Devanand,1997 127 66 2.7 15
Petersen,1999 66 81 4 12
Daly, 2000 123 72 3 6

Subtipos de CCL
Uma contribuição importante dos consensos sobre CCL foi a descrição e caracterização dos subtipos de
CCL. Essa classificação se baseia no entendimento de que, assim como a demência da Doença de Alzheimer,
outras demências neurodegenerativas possuem períodos prodrômicos, com déficits que se iniciam em domínios
cognitivos diferentes antes de se estabelecer um quadro demencial franco. Com isso, cada tipo de CCL pode se
correlacionar a uma diferente etiologia, com formas de evolução distintas e possivelmente tratamentos distintos.
Os subtipos de CCL são definidos de acordo com o prejuízo cognitivo encontrado (memória, funções execu-
tivas, atenção, linguagem, funções visuo-espaciais) e com o acometimento de um único domínio ou múltiplos
domínios cognitivos. Admite-se que as formas amnésticas, especialmente as que acometem múltiplos domí-
nios, são as que mais comumente se associam ao desenvolvimento da demência da Doença de Alzheimer,
enquanto as formas não amnésticas se relacionam mais comumente ao desenvolvimento de outras formas de
demência, como a demência vascular, a demência por corpos de Lewy e a demência fronto-temporal.

46 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


O fluxograma esquematizado abaixo é recomendado para facilitar o diagnóstico e a classificação do CCL
(Figura 1).

FIGURA 1 • fluxograma para diagnóstico e classificação do CCL (Winblad, 2004).

Cada subtipo de CCL é associado a diferentes possibilidades etiológicas. Notar que as etiologias não in-
cluem apenas quadros neurodegenerativos, mas também etiologias que são potencialmente reversíveis, o que
pode explicar a evolução favorável de alguns pacientes com CCL. (Figura 3).

Possíveis etiologias na evolução do comprometimento cognitivo leve

APRESENTAÇÃO CLÍNICA ETIOLOGIAS POSSÍVEIS

CCL amnéstico Degenerativo


CCL amnéstico múltiplos domínios Vascular
Metabólico
CCL não amnéstico múltiplos domínios Traumático
CCL não amnéstico domínio único Psiquiátrico

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Assim, na avaliação do CCL devemos estabelecer uma sequência de raciocínio desde o diagnóstico base-
ado nos critérios para CCL, passando aos subtipos e, por fim, tentando definir a etiologia do CCL, conforme
quadro abaixo:
Diagnóstico de CCL

Subtipo de CCL

Provável etiologia do CCL

Diagnóstico
Baseando-se nos conhecimentos crescentes sobre a fisiopatologia e a evolução da Doença Alzheimer novos
critérios foram propostos pela Alzheimer’s Association em associação com o National Institute on Aging norte-a-
mericano, para definir o diagnóstico de “Comprometimento Cognitivo Leve devido à Doença de Alzheimer” (CCL
devido à DA). Tais critérios dividem-se em critérios clínicos, para uso em ambientes de atendimento primário e
secundário (Tabela 3), e critérios de pesquisa, para uso em centros terciários especializados e ensaios clínicos.

TABELA 3 • Critérios clínicos para diagnóstico de Comprometimento Cognitivo Leve


devido à Doença de Alzheimer
Critérios Clínicos Centrais
• Queixa de alteração cognitiva proveniente do paciente e/ou de seu informante e/ou do médico
• Prejuízo de um ou mais domínios cognitivos (declínio no desempenho)
• Manutenção da independência funcional, podendo existir algum grau de dificuldade para realização de tarefas complexas
• Sem critérios para demência
Características Cognitivas
• Evidência de declínio cognitivo (relato ou avaliações seriadas)
• Escores de testes cognitivos tipicamente 1 a 1,5 DP abaixo da média esperada para idade
• Prejuízo de memória episódica
• Outros domínios a serem avaliados:
n Funções executivas (julgamento, raciocínio, planejamento)

n Linguagem (nomeação, fluência, expressão, compreensão)

n Habilidades visuo-espaciais

n Controle atencional (atenção sustentada e dividida)

Etiologia Consistente com DA


• Exclusão de outras causas de declínio cognitivo (vascular, trauma, comorbidades clínicas, depressão)
• Evidência de declínio cognitivo, se possível com avaliações seriadas
• Evidência de fatores genéticos (história consistente com DA familiar)

Segundo essas recomendações, o CCL devido à DA é entendido como uma fase sintomática pré-demência
da DA, definida por características clínicas, cognitivas e funcionais, assumindo-se que é possível identificar
indivíduos em que o processo fisiopatológico da DA seja a provável causa primária da disfunção cognitiva.
Ressalta-se que esse diagnóstico não pode ser feito por testes laboratoriais, mas requer julgamento clínico e
que, em indivíduos que preenchem tais critérios, outras etiologias possam coexistir.

SOMENTE PARA FINS DE PESQUISA


Acrescentam-se aos critérios clínicos já descritos o uso de biomarcadores da Doença de Alzheimer,
cuja presença confere maior probabilidade ao diagnóstico de CCL devido à DA.

Dois grupos de biomarcadores são disponíveis e valorizados para pesquisa clínica atualmente, os associa-
dos à proteína beta-amiloide (principal marcador fisiopatológico da DA) e os associados a neurodegeneração.
Tais marcadores da doença podem ser obtidos através da dosagem no líquido cefalorraquiano (LCR) ou através
de exames de imagem estrutural ou funcional mais sofisticados, como a Ressonância Magnética (RM), a es-
pectroscopia por emissão de foton único (SPECT), ou a tomografia computadorizada por emissão de pósitrons
(PET-CT) (Tabela 4).

48 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


TABELA 4 • Biomarcadores da Doença de Alzheimer
Biomarcadores que refletem o depósito de ß-amilóide
• Detecção e quantificação da proteína ß-amilóide depositada no cérebro (PET-CT com marcador de proteína amiloide)
• Diminuição da proteína ß-amilóide no LCR líquido cefalorraquiano
Biomarcadores que refletem dano neuronal
• Aumento na proteína tau (total e fosforilada) no LCR
• Medidas estruturais (volume de hipocampo pela RM) e funcionais (RM funcional, avaliação de fluxo sanguíneo regional
por SPECT; avaliação de metabolismo de glicose regional por PET-CT)

De acordo com a presença desses biomarcadores, confere-se maior ou menor probabilidade diagnóstica (Tabela 5).

TABELA 5 • Biomarcadores e Grau de Certeza Diagnóstica


Alta probabilidade:
• ambos positivos (ß-amilóide e lesão neuronal)
Probabilidade intermediária
• ß-amilóide positivo e marcador de lesão neuronal não obtido OU
• marcador de lesão neuronal positivo e ß-amilóide não obtido
Baixa Probabilidade
• ambos negativos (ß-amilóide e lesão neuronal) – considerar outra etiologia
Biomarcadores inconclusivos
• Nenhum foi obtido OU resultados conflitantes OU incaracterísticos

Abordagem clínica
Deve-se ter em mente que muitas das queixas de memória dos pacientes idosos não se devem a transtor-
nos cognitivos propriamente. Podem, sim, estar relacionadas a outros fatores, como déficits sensoriais que
prejudicam a aquisição de informações ou doenças psiquiátrica, como depressão e ansiedade, nas quais o
desempenho cognitivo se altera e a avaliação do problema pelo paciente fica comprometida, com tendência a
super-estimação. Não obstante, estas condições podem estar associadas ao CCL e embora mereçam ser con-
sideradas, não descartam a possibilidade e a necessidade de acompanhamento da queixa cognitiva.
Doenças sistêmicas e neurológicas potencialmente causadoras de prejuízos cognitivos devem ser avaliadas,
de acordo com a investigação habitual de causas reversíveis de acometimento cognitivo, e de acordo com os
antecedentes de cada paciente. Note-se que nos idosos, pela alta prevalência de co-morbidades, é comum
ocorrer associação de múltiplos fatores ocasionando déficits cognitivos. Condições clínicas não compensadas
adequadamente, principalmente se relacionadas a condições de baixo fluxo sanguíneo cerebral e/ou hipoxemia
(insuficiência cardíaca congestiva, arritmias, hipotensão postural, doença pulmonar obstrutiva crônica, apnéia
obstrutiva do sono, etc.), podem causar importantes prejuízos ao desempenho cognitivo.
Outra questão importante é a do efeito dos fármacos sobre a cognição, notadamente os de efeito anticoli-
nérgico (principalmente antidepressivos tríciclicos), os anticonvulsivantes, as drogas sedativas e o álcool, entre
várias outras.

O diagnóstico do CCL é essencialmente clínico Não existem exames laboratoriais ou de imagem


e envolve a abordagem de múltiplos domínios específicos para diagnóstico de CCL, embora estes
cognitivos, com especial atenção à memória possam e devam ser utilizados para descartar causas
episódica. Não existe, no entanto, nenhum reversíveis de declínio cognitivo, seguindo a mesma
teste neuropsicológico específico que seja rotina de investigação usualmente realizada para as
conclusivo e definitivo. Somente a avaliação demências. Exames mais específicos (por exemplo:
clínica e neurológica associada aos achados líquor, eletroencefalograma, nível sérico de drogas,
dos testes, principalmente quando comparada etc.) devem ser solicitados dependendo das
a testes prévios quando disponíveis, pode co-morbidades, da apresentação clínica e da forma
determinar o diagnóstico. de evolução de cada caso.

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É provável que a combinação de técnicas de neuroimagem estrutural e funcional se transforme em instru-
mento importante para auxiliar na determinação dos indivíduos em maior risco de declínio cognitivo rápido e
progressão para demência. No entanto, como já exposto, até o momento não se preconiza o uso rotineiro des-
tas técnicas, exceto para fins de pesquisa.

Deve-se seguir estes pacientes, visto seu alto risco de conversão para demência.

Recomenda-se que no DEVEM SER ENCAMINHADOS PARA SERVIÇO ESPECIALIZADO:


atendimento básico de • Se houver persistência das queixas: deve ser encaminhado para atendimento
saúde os médicos estejam secundário para avaliação neurológica, determinação do desempenho
atentos às queixas cognitivo através de testes e exames laboratoriais e de neuroimagem.
subjetivas de memória e • Se o diagnóstico não for esclarecido e resolvido ou se houver persistência ou
à possibilidade de estas piora da queixa, recomenda-se o encaminhamento para centros terciários
serem secundárias a especializados onde poderá ser efetuada avaliação cognitiva mais detalhada
quadros depressivos ou e eventualmente o estudo com biomarcadores disponíveis para conclusão
outras causas reversíveis, diagnóstica e determinação do subtipo de CCL. Ainda neste cenário,
como déficits sensoriais e e com a confirmação diagnóstica, mantém-se obrigatório o seguimento
uso de fármacos deletérios. periódico e reavaliação dos casos.

Tratamento
Apesar de todos os esforços, ainda não há evidências claras de que qualquer intervenção farmacológica
possa prevenir ou retardar o início de demência, em pacientes com CCL. Resultados até o momento são incer-
tos e nenhum agente modificador de doença é aprovado ou recomendado para uso clínico.
Não obstante, é imperativo o tratamento de quaisquer causas reversíveis que possam estar implicadas na de-
terioração cognitiva. Além disso, recomenda-se fortemente o controle adequado de fatores de risco vascular visto
que podem contribuir para o declínio cognitivo ao longo da vida. Associadas a estes cuidados, a realização de
atividades de estímulo cognitivo e a adoção de hábitos saudáveis ao longo da vida, como alimentação equilibrada,
prática de atividade física regular e abandono de tabagismo e etilismo, funcionam como estratégias não farmaco-
lógicas interessantes na tentativa de reduzir o risco de declínio cognitivo e devem ser sempre estimuladas. n

Referências Bibliográficas
Petersen RC, Stevens JC, Ganguli M, et al. Practice parameter: early detection of dementia: mild cognitive impairment (an
evidence-based review). Report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology
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the International Working Group on Mild Cognitive Impairment. J Int Med 2004; 256:240-246
Portet F, Ousset PJ, Visser PJ, Frisoni GB, Nobili J, Scheltens Ph et al. Mild Cognitive Impairment in medical practice: criti-
cal review of the concept and new diagnostic procedure. Report of the MCI working group of the European Consortium on
Alzheimer’s Disease (EADC). J Neurol Neurosurg Psychiatry 2006; 77:714-718
Albert MS, DeKosky ST, Dickson D, Dubois B, et al. The diagnosis of mild cognitive impairment due to Alzheimer’s disease:
Recommendations from the National Institute on Aging and Alzheimer’s Association workgroup. Alzheimers Dement. 2011
May;7(3):270-9

50 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Demência da 7
Doença de Alzheimer:
diagnóstico e tratamento
Ricardo Nitrini

Nos últimos anos, tornou-se mais evidente que o processo patológico da doença de Alzheimer (DA) inicia-se
muitos anos, talvez décadas, antes que o quadro clínico transpareça. Ainda, antes que se manifeste a demência
propriamente dita, existe uma fase em que há declínio cognitivo, mas sem prejuízo funcional, denominada com-
prometimento cognitivo leve (CCL). Logo, existem três estágios da DA: pré-clinico, CCL da DA e demência da DA.
Este capítulo enfatizará a demência da DA.

DEMÊNCIA DA DOENÇA DE ALZHEIMER


Em sua forma mais comum, a demência da DA inicia-se com comprometimento da capacidade de memorizar novas
informações, que pode ser evidenciada pelo desempenho comprometido em testes de memória diferida (delayed recall).
Com a progressão da doença surgem transtornos:
• das funções executivas (incapacidade de realizar tarefas por falta de planejamento ou de correção ao longo da
realização),
• da orientação topográfica (perder-se em caminhos conhecidos),
• dificuldades para cálculos simples
• alterações leves de linguagem, em que predominam as dificuldades de nomeação para nomes próprios ou comuns.

Esta é fase denominada de demência leve e depende principalmente do acometimento da formação hipocam-
pal, dos núcleos colinérgicos basais, de estruturas paralímbicas como o cíngulo, especialmente em sua porção
posterior, giro parahipocampal, pólo temporal, córtex órbito frontal e também de áreas corticais mais recentes dos
neocórtices frontal dorso lateral e temporal. Nesta fase, os doentes podem valer-se de mecanismos de compen-
sação, de modo que as dificuldades podem passar despercebidas por observador menos atento. A demência é
considerada leve quando o doente é independente para a maioria das atividades cotidianas.
Com a evolução do processo patológico, manifestam-se transtornos de atenção, acentua-se a disfunção
executiva, ficam mais evidentes as alterações da linguagem com parafasias, surgem apraxias e dificuldades de
reconhecimento, principalmente visuais (agnosias visuais), evidenciando que as alterações já afetam as áreas
de associação multimodal situadas na encruzilhada temporo-parieto-occipital, nas áreas occipito-temporais (gi-
ros lingual e fusiforme) e que as alterações paralímbicas acentuaram-se ainda mais. Nesta fase denominada mo-
derada, as alterações do humor com depressão e do comportamento com irritabilidade, agitação e insônia são
frequentes. Na fase moderada, o paciente é independente para as atividades básicas (tais como cuidar de sua
higiene pessoal, vestir-se e alimentar-se sem ajuda), mas necessita de ajuda para cuidar de sua medicação, pa-
ra caminhar pela vizinhança, para fazer uma ligação telefônica e usar aparelhos eletrodomésticos, por exemplo.
Depois de cerca de cinco a oito anos de evolução, a demência torna-se grave, quando então o doente já
é dependente para a maioria das atividades básicas da vida cotidiana. O reconhecimento de pessoas menos
conhecidas é comprometido, assim como de locais, sendo frequentes episódios de agitação em que o doen-
te solicita para ir para a sua casa estando nela. Ainda é capaz de deambular, mas com o avanço da moléstia,
ocorrem, em sucessão, a perda do controle esfincteriano vesical, seguido de redução do discurso que vai se li-
mitando a poucas palavras por dia, dificuldade progressiva para deambular, incontinência fecal. Na fase termi-
nal, o paciente fica restrito ao leito, em mutismo, e mesmo a capacidade de manter-se sentado sem apoio é
perdida. Nesta fase, o processo patológico acomete praticamente todas as áreas corticais, embora poupe par-
cialmente as áreas primárias, como o córtex motor, o sensitivo, as áreas visuais e auditivas primárias.
Existem formas de início da demência da DA, em que a linguagem é mais comprometida com dificuldade de
nomeação (afasia progressiva primária logopênica) ou em que a predominam dificuldades de reconhecimen-
to visual ou espacial, denominada atrofia cortical posterior. Ainda, a demência da DA pode iniciar-se com alte-
rações comportamento, simulando demência frontotemporal. Essas formas menos comuns são predominantes
na fase pré-senil (entre 45 e 65 anos). A evolução subsequente é similar a da forma amnéstica.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 51


Diagnóstico
O diagnóstico inicia-se com o diagnóstico de demência que segue os critérios da tabela 1.

TABELA 1 • Critérios clínicos para o diagnóstico de demência (Frota, Nitrini et al. 2011)
Demência é diagnosticada quando há sintomas cognitivos ou comportamentais que:
A. Interferem com a habilidade no trabalho ou em atividades usuais;
B. Representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e desempenho;
C. Não são explicáveis por delirium ou doença psiquiátrica maior;
O comprometimento cognitivo é detectado e diagnosticado mediante combinação de:
A. Anamnese com paciente e informante que tenha conhecimento da história; e
B. Avaliação cognitiva objetiva, mediante exame breve do estado mental ou avaliação neuropsicológica. A avaliação
neuropsicológica deve ser realizada quando a anamnese e o exame cognitivo breve realizado pelo médico não forem
suficientes para permitir diagnóstico confiável.
Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo dois dos seguintes domínios:
A. Memória, caracterizado por comprometimento da capacidade para adquirir ou evocar informações recentes, com
sintomas que incluem: repetição das mesmas perguntas ou assuntos, esquecimento de eventos, compromiss
os ou do lugar onde guardou seus pertences;
B. Funções executivas, caracterizado por comprometimento do raciocínio, da realização de tarefas complexas
e do julgamento, com sintomas tais como: compreensão pobre de situações de risco, redução da capacidade
para cuidar das finanças, de tomar decisões e de planejar atividades complexas ou seqüenciais;
C. Habilidades visuais-espaciais, com sintomas que incluem: incapacidade de reconhecer faces ou objetos comuns,
encontrar objetos no campo visual, dificuldade para manusear utensílios, para vestir-se, não explicáveis por deficiência
visual ou motora;
D. Linguagem (expressão, compreensão, leitura e escrita), com sintomas que incluem: dificuldade para encontrar
e/ou compreender palavras, erros ao falar e escrever, com trocas de palavras ou fonemas, não explicáveis
por déficit sensorial ou motor;
E. Personalidade ou comportamento, com sintomas que incluem alterações do humor, agitação, apatia, desinteresse,
isolamento social, perda de empatia, desinibição, comportamentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis.

Avaliação neuropsicológica deve ser solicitada sempre que o médico não se sentir seguro com os resulta-
dos da sua avaliação cognitiva básica ou quando estiver em consideração tratamento de reabilitação cognitiva.
O exame físico permitira verificar a presença de alterações que favorecem outros diagnósticos diferenciais,
como hipertensão arterial, arritmia cardíaca, sinais de insuficiência renal, respiratória ou hepática. O exame neu-
rológico que podemos adjetivar como “somático”, não costuma demonstrar anormalidades no paciente com
demência da DA. O valor de certos sinais, como exaltação dos reflexos axiais da face, é pequeno, de forma que
o exame neurológico se presta para excluir outros diagnósticos.

Os critérios diagnósticos atuais da Doença de Alzheimer podem ser observados no quadro 1.

QUADRO 1- Critérios Diagnósticos da Doença de Alzheimer


(McKhann et al., 2011; Frota et AL., 2011)
DIAGNÓSTICO DOENÇA DE ALZHEIMER
Preenche os critérios de demência e com as seguintes características:
1. Início insidioso (meses ou anos)
2. História clara ou observação de piora cognitiva
3. Déficits cognitivos iniciais e mais proeminentes em uma das seguintes categorias:
3A. Apresentação amnéstica (deve haver outro domínio afetado)
3B. Apresentação não-amnéstica (deve haver outro domínio afetado).
• Linguagem (lembranças de palavras).
• Visual-espacial (cognição espacial, agnosia para objetos ou faces, simultaneoagnosia, e alexia).
• Funções executivas (alteração do raciocínio, julgamento e solução de problemas).
4. Tomografia ou, preferencialmente, ressonância magnética do crânio deve ser realizada para excluir outras
possibilidades diagnósticas ou co-morbidades, principalmente a doença vascular cerebral

52 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Exames complementares
A investigação inicial para o diagnóstico de demência recomendada pela Academia Brasileira de Neurologia
encontra-se na tabela 2.

TABELA 2 • Exames subsidiários para investigação de quadros suspeitos de DA


Para todos os casos
• Hemograma completo • Vitamina B12
• Creatinina • Ácido fólico
• TSH • Cálcio
• Albumina • Reações sorológicas para sífilis
• Enzimas hepáticas • Tomografia ou ressonância magnética do encéfalo
Para casos selecionados
• Análise do líquido cefalorraquidiano (para pacientes com quadro pré-senil)
• Pesquisa de mutações de APP, PSEN1 e PSEN2 (recomendada em casos de DA com história familial
compatível com herança autossômica dominante)
• Sorologia para HIV (para pacientes com idade inferior a 60 anos, com apresentações clínicas atípicas,
ou com sintomas sugestivos)

Os exames de neuroimagem estrutural utilizados na avaliação de pacientes com DA são a tomografia com-
putadorizada de crânio e a ressonância magnética de encéfalo. A tomografia do crânio presta-se principalmen-
te para afastar outras causas de demência, mas o melhor exame é a ressonância magnética (RM) do encéfalo
que pode mostrar alterações estruturais encontradas na DA. Os achados característicos são de atrofia cortical
difusa mas com predomínio de redução volumétrica das estruturais mesiais temporais, especialmente dos hi-
pocampos.
Exames de neuroimagem funcional (perfusão cerebral [SPECT] e metabolismo cerebral [FDG-PET]) são parti-
cularmente úteis no diagnóstico diferencial com outras doenças neurodegenerativas. O déficit metabólico (e de
perfusão) comumente observado na DA afeta o córtex de associação temporoparietal posterior bilateral, cíngu-
lo posterior e pré-cúneo..
Atualmente já está disponível em alguns países, o uso de traçadores para detecção de deposição de pro-
teína amilóide β utilizando PET, em que são utilizados isótopos radioativos de Carbono ou Flúor. No Brasil está
disponível para pesquisa, mas em breve deverá fazer parte do arsenal diagnóstico.
O exame do LCR deve ser solicitado para excluir outras causas de demência, particularmente em indivídu-
os mais jovens e nos casos de demência rapidamente progressiva. Na suspeita de DA, o encontro da denomi-
nada “assinatura patológica” da DA que se caracteriza por: 1) diminuição da concentração de proteína amilóide
β 1-42; e 2) aumento da concentracão de proteína tau total e tau-fosforilada pode auxiliar no diagnóstico.

Tratamento da Doença de Alzheimer


TRATAMENTO ESPECÍFICO
Procedimentos que impeçam a formação do peptídeo bA, seu depósito no parênquima nervoso, ou seu efei-
to tóxico ou que promovam sua eliminação, ou ainda que impeçam a hiperfosforilação da proteína tau são os
principais candidatos a bons resultados em futuro que não está muito distante. Fármacos que bloqueiam a ação
da gama-secretase ou da beta-secretase, ou que estimulam a da alfa-secretase, estão em fase de testes. No
momento atual, tem motivado maior otimismo o emprego de anticorpos monoclonais contra o peptídeo beta-
amilóide, com alguns resultados encorajadores, mas que ainda necessitam de ensaios clínicos de fase 3.
TRATAMENTO SINTOMÁTICO DOS DISTÚRBIOS COGNITIVOS
Os principais tratamentos dos distúrbios cognitivos da DA atualmente disponíveis baseiam-se no empre-
go de drogas que interferem na neurotransmissão colinérgica. O bloqueio da degradação da acetilcolina, atra-
vés da inibição da enzima acetilcolinesterase, tem sido o mecanismo mais utilizado para aumentar o nível deste
neurotransmissor no cérebro de pacientes com DA. Os inibidores da acetilcolinesterase atualmente recomenda-
dos para o tratamento da DA são: rivastigmina, utilizada por via oral ou na forma de adesivo, donepezila e ga-
lantamina. (tabela 3)
Os principais efeitos colaterais deste grupo de medicamentos são: nausea, vômito, diarréia, anorexia, perda
de peso, bradicardia e síncope. Inicia-se o tratamento com doses mais baixas para impedir efeitos colaterais.
Em geral, os inibidores da acetilcolinesterase produzem melhora pequena mas clinicamente significativa, po-
dendo melhorar também os transtornos comportamentais.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 53


TABELA 3 • Inibidores da acetilcolinesterase utilizados no tratamento da DA
MEDICAÇÃO DOSE INICIAL DOSE TERAPÊUTICA FORMAS DE ADMINISTRAÇÃO
Donepezila 5 mg/dia 5-10 mg/dia via oral, 1x/dia
Rivastigmina 3 mg/dia 6-12 mg/dia via oral, divididos em 2 doses ao dia
Rivastigmina 4,6 mg/dia 4,6-13,3 mg/dia via transdérmica, 1x/dia
Galantamina 8 mg/dia 16-24 mg/dia via oral, 1x/dia (forma extended release)

Outro fármaco preconizado para o tratamento da DA nas fase moderada ou grave é a memantina, que atua
modulando a transmissão glutamatérgica. É um antagonista não-competitivo de afinidade moderada dos recep-
tores NMDA (N-metil-d-aspartato) de glutamato. A memantina está associada a diminuição da excitotoxicida-
de neuronal induzida pelo glutamato e mediada pelo cálcio. A meia-vida é de 60 a 80 horas e sua metaboliza-
ção hepática é mínima. A administração deve ser iniciada com 5 mg ao dia e a dose aumentada em 5 mg/dia a
cada semana até atingir 20 mg ao dia, divididos em duas tomadas. Geralmente é utilizada em associação com
inibidor da acetilcolinesterase. Seus principais efeitos colaterais da memantina são: agitação, insônia, diarréia,
incontinência urinária, cefaléia, ou alucinações, mas em geral é bem tolerada.
Outros fármacos propostos para o tratamento dos distúrbios cognitivos e que não têm eficácia definitiva-
mente comprovada incluem acetil-L-carnitina, ginkgo biloba, citicolina, estrógenos e inibidores de canais de
cálcio. Um composto nutricional, Souvenaid® mostrou-se eficaz em doentes com DA leve, mas o efeito não foi
comprovado em pacientes que faziam uso concomitante de inibidor da acetilcolinesterase ou memantina.
Ao lado do tratamento farmacológico a abordagem terapêutica não farmacológica tem sido proposta, nas
fases leve e moderada. Os métodos incluem a Terapia de Orientação para a Realidade, Terapia de Reminis-
cências, Terapias Cognitivo-funcionais combinadas com técnicas de Recuperação Espaçada da Informação e
Aprendizagem sem erro. Esses métodos propõem o aprendizado com base em habilidades ainda preservadas
de sistemas implícitos de memória declarativa. Os cuidadores participam do processo como co-terapeutas e
são figuras centrais, na medida em que o paciente torna-se mais dependente.
Atividade física, terapia ocupacional, musicoterapia também podem ser utilizadas em associação ao trata-
mento medicamentoso.

Tratamento dos sintomas comportamentais e psicológicos (SCPs)


Os SCPs são bastante frequentes e podem variar ao longo do curso da doença. A primeira medida deve ser
a orientação dos familiares para que evitem situações de confronto ou estressantes. Deve-se observar atenta-
mente para excluir agitação causada por dor. Nenhuma medicação está aprovada para o controle desses sinto-
mas, embora muitas vezes exista a necessidade de prescrevê-las.
Os medicamentos mais utilizados para o tratamento da agitação são os próprios inibidores das colinestera-
ses e mesmo a memantina, que pode ser útil. Em seguida, pode-se utilizar antidepressivos, como o citalopram
ou a sertralina, em doses diárias relativamente baixas de 20 mg e 50 mg, respectivamente, em particular se hou-
ver sintomas depressivos associados.
O emprego de benzodiazepínicos deve ser evitado a não ser como medicação eventual.
Neurolépticos podem ser usados quando os fármacos citados acima não conseguirem bons resultados. De-
vem ser utilizados neurolépticos atípicos para reduzir os efeitos extrapiramidais e sempre devem ser iniciados
com doses mínimas aumentadas progressivamente. Quetiapina e risperidona são os mais utilizados. Anticon-
vulsivantes, como a carbamazepina e o valproato de sódio podem ser utilizados em pacientes manifestações
maniatiformes como impulsividade, labilidade ou episódios de agressividade grave, embora os resultados não
sejam muito satisfatórios.
Outras alterações frequentes são a apatia e a insônia. Esta última pode melhorar com trazodona em doses
de 25 a 200 mg. Quetiapina em dose baixa também pode ser eficiente. Já a apatia, caracterizada por diminuição
da motivação para realizar atividades que antes eram prazerosas para o doente, é sintoma bastante resisten-
te ao tratamento farmacológico: antidepressivos dopaminérgicos (bupropiona, sertralina), estimulantes (metilfe-
nidato, dextroanfetamina) ou agonistas dopaminérgicos são sempre utilizados, com resultados pouco convin-
centes na maioria das vezes.

Para maiores informações veja o site de Dementia & Neuropsychologia – suplemento de 2011 – com as Recomenda-
ções em Diagnóstico e Tratamento da Doença de Alzheimer e Demência Vascular: www.demneuropsy.com.br. n

54 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Demência Vascular 8
Fábio H.G. Porto

Definição

O
conceito de demência pode ser definido como uma síndrome caracterizada por perda de mais de uma
função cognitiva (atenção complexa, função executiva, aprendizado e memória, linguagem, função per-
ceptomotora e cognição social, de acordo com a divisão do “The Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders, Fifth Edition – DSM-5) associado à alterações de comportamento (depressão, ansiedade,
apatia, agitação, psicose, etc). Porém, é o declínio da funcionalidade secundários as primeiras (cognição e com-
portamento) que define uma síndrome demencial. Portanto, a palavra “demência” deve sempre remeter à alte-
rações cognitivas, comportamentais e declínio funcional. Como dito anteriormente, demência é uma síndrome,
um conjunto de sinais e sintomas que pode ter várias etiologias. Nos casos das demências, existem etiologias
degenerativas (e.g. doença de Alzhimer, degeneração lobar frontotemporal, demênca cor corpos de Lewy, etc) e
não degenerativas (e.g. vascular, traumática, infecciosa ou inflamatórias, intoxicações, hidrocefalia, etc).
Este texto focará nas demências vasculares, uma forma comum de doença de etiologia não degenerativa
que frequentemente afeta idosos com fatores de risco para doenças cardiovasculares, causando lesões ce-
rebrais e declínio cognitivo. Além disso, cada vez se entende melhor o sinergismo entre lesões vasculares em
pequenos vasos e patologia de doenças degenerativas para diminuir a resiliência cerebral, deixando mais fácil
ou tornando mais precoce o declínio cognitivo.
A demência vascular (DV) pode ser definida como uma síndrome demencial causada causado pelo acúmulo
de doença cerebrovascular (DCV) no encéfalo, causando sintomas nas três principais esferas que caracterizam
demência (cognição, comportamento e funcionalidade). Porém com a necessidade de diagnóstico precoce e
avanço nos métodos de imagem, um novo conceito foi necessário para englobar todos os casos. Este conceito
foi o “comprometimento cognitivo vascular - (CCV)”, que engloba casos com alterações cognitivas e/ou com-
portamentais, mas sem alteração funcional, semelhante ao conceito de comprometimento cognitivo leve (CCL).
Assim admite-se a possibilidade de um comprometimento cognitivo leve vascular (CCLv). Outro avanço nesta
área é o reconhecimento de casos com doença mista, ou seja, sinais e sintomas de mais de uma patologia que
explicariam o quadro. Um exemplo comum é a doença de Alzheimer (DA) e a DV, causando uma demência mis-
ta. Existe uma forte interação entre DA e doença cerebrovascular (DCV) de modo a quando conjuntas provocam
déficit cognitivo mais intenso que quando separadas. Estudos de neuropatologia mostram que uma parcela
grande dos casos de demência tem patologia vascular associada, mesmo sem as características clinicas da DV.

COMPROMETIMENTO COGNITIVO VASCULAR


• comprometimento cognitivo leve vascular
• demência vascular
• doença mista (alterações vasculares junto a outras patologias degenerativas, por exemplo, Doença de Alzheimer)

Epidemiologia
A DV é a principal causa de demência não degenerativa, sendo que alguns estudos mostram a DV como
segunda causa mais importante entre todas as demências, principalmente na faixa etária senil. A prevalência
global é estimada em15-20%, sendo de 2% na população de 65-70 de idade e de 20-40% na de acima de 80
anos de idade. É mais comum em homens que em mulheres, provavelmente pelo maior risco cerebrovascular
nos primeiros.
Em relação ao CCV, a prevalência provavelmente deve ser maior que a da DV, porém pela dificuldade de
definição e relativo pouco tempo de existência, não existe uma estimativa formal. Estudos mostram que 41% e
21% dos indivíduos apresentam CCV e DV após um evento vascular agudo, respectivamente.

Critérios diagnósticos
Existem vários critérios diagnósticos para DV (DSM-IV, CID-10-CDP, CADDTC, NINDS-AIREN) porém, é con-
senso entre eles o desenvolvimento de comprometimento cognitivo em múltiplos domínios (memória e aprendi-
zado, atenção complexa, funções executivas, cognição social, linguagem, funções perceptomotoras), que de-

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 55


vem causar dificuldade importante no trabalho ou em atividades habituais e representar um declínio significativo
em relação a um nível prévio de funcionamento. A condição não deve ocorrer exclusivamente durante o curso
de delirium ou de transtorno psiquiátrico maior.
O ponto chave para o diagnóstico de DV, é a presença de sinais e sintomas neurológicos (na anamnese e exa-
me neurológicos) ou evidência na neuroimagem indicativa de doença cerebrovascular (p.ex., infartos múltiplos
atingindo o córtex e a substância branca subcortical), julgada como relacionada etiologicamente ao transtorno.
Um fato importante que muitas vezes limita esses critérios é a necessidade de história clínica de evento
vascular agudo (ictus) e evidência de sinais focais ao exame neurológico. Muitas vezes, alguns tipos de doença
cerebrovascular, como a doença de pequenos vasos, causam manifestações progressivas como, por exemplo,
alterações de marcha, desequilíbrio e alentecimento cognitivo, sem causar ictus ou sinais focais. Desta maneira,
a sensibilidade desses critérios pode ser negativamente afetada ao exigir esses dados.

Vários tipos de lesões podem levar ao comprometimento cognitivo vascular:


• única ou múltiplas
• corticais, córtico-subcorticais, subcorticais
• infartos estratégicos (lesões talâmicas bilaterias, frontais, parietais)
• tamanho do vaso (patologia de grandes ou pequenos vasos)
• hemorragias cerebrais
• angiopatia amiloide
• lesões vasculares de substância branca

O quadro cognitivo pode ser variável:


• diferentes localizações
• diferentes extensões

O Escore Isquêmico de Hachinski (tabela 1) pode ser usado para ajudar no diagnóstico de DV. O critério do
NINDS-AIREN (National Institute of Neurological Disorders and Stroke and Association Internationale pour la
Recherché et l’Enseignement en Neurosciences) é mostrado na tabela 2.

TABELA 1 • Escore isquêmico de Hachinski


SINAIS CLÍNICOS ESCORE
Início abrupto 2
Progressão em degrau 1
Curso flutuante 2
Confusão noturna 1
Relativa preservação da personalidade 1
Depressão 1
Queixas somáticas 1
Labilidade emocional 1
História de hipertensão 1
História de acidente vascular cerebral 2
Outros sinais de aterosclerose 1
Sintomas neurológicos focais 2
Sinais neurológicos focais 2
Escore máximo 18
Demência vascular >7
Demência degenerativa <4

TABELA 2 • Critérios clínicos de demência vascular de NINDS-AIREN.


I. Os critérios para diagnóstico clínico de DV provável incluem todos os seguintes:
1. Demência definida por declínio cognitivo a partir de um nível previamente maior de funcionamento e mani-
festada por comprometimento da memória e dois ou mais domínios cognitivos, de preferência estabelecida
por testagem neuropsicológica; déficits devem ser graves o suficiente para interferir com as atividades da
vida diária não devidas aos efeitos físicos do AVC por si. Critérios de exclusão: casos com distúrbio da cons-
ciência, delírio, psicose, afasia grave, ou comprometimento sensoriomotor maior que impedem a testagem

56 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


neuropsicológica. Também excluídas são desordens sistêmicas ou outras doenças cerebrais (como doença
de Alzheimer) que em si próprias poderiam responsabilizar-se pelos déficits de memória e cognição.
2. Doença cerebral (DCV), definida pela presença de sinais focais no exame neurológico, como hemiparesia,
fraqueza facial central, sinal de Babinski, déficit sensitivo, hemianopia, e disartria consistente com AVC (com
ou sem história de AVC), e evidência de DCV relevante por neuroimagem (TC ou RM) incluindo infartos múl-
tiplos de grandes vasos ou um infarto único estrategicamente localizado (giro angular, tálamo, região órbito-
frontal ou territórios da ACA ou ACP), assim como lacunas múltiplas de núcleos de base ou da substância
branca ou lesões periventriculares extensas de substância branca, ou combinações a partir daí.
3. Uma relação entre as duas desordens, manifestada ou inferida pela presença de um ou mais dos seguintes:
a) início da demência nos três primeiros meses que se seguem AVC reconhecido; b) deterioração abrupta das
funções cognitivas; ou progressão flutuante, em escada dos déficits cognitivos.
II. Achados clínicos consistentes com o diagnóstico de DV provável incluem os seguintes:
1. Presença precoce de alteração da marcha (marcha de pequenos passos, ou magnética, apráxico-atáxica ou
parkinsoniana);
2. História de instabilidade e quedas freqüentes e não provocadas; freqüência, urgência, e outros sintomas
urinários precoces não explicadas por doença urológica;
3. Paralisia pseudobulbar;
4. Alterações da personalidade e humor, abulia, depressão, incontinência emocional, ou outros déficits subcor-
ticais incluindo retardo psicomotor e função executiva anormal.
III. Achados que fazem o diagnóstico de DV incerto ou improvável incluem:
1. Início precoce de déficit de memória e piora progressiva e outras funções cognitivas como linguagem (afasia
sensorial transcortical), habilidades motoras (apraxia), e percepção (agnosia), na presença de lesões focais
correspondentes na neuroimagem;
2. Ausência de sinais neurológicos focais, além da perturbação cognitiva;
3. Ausência de lesões cerebrovasculares na TC ou RM;
IV. Diagnóstico clínico de DV possível:
1. Presença de demência (I.1);
2. Sinais neurológicos em pacientes cujo exame de neuroimagem para confirmar DCV definida estão faltando;
ou na ausência de uma relação temporal clara entre demência e AVC; ou em pacientes com início insidioso
e evolução variável (plateau ou melhora) dos déficits cognitivos e evidência de DVC relevante;
V. Critérios para diagnóstico de DV definida são:
1. Critérios clínicos para DV provável;
2. Evidência histopatológica de DVC obtida por biópsia ou necropsia;
3. Ausência de emaranhados neurofibrilares e placas neuríticas excedendo aqueles esperados para a idade;
4. Ausência de outra desordem clínica ou patológica capaz de produzir demência;
VI. Classificação de DV para fins de pesquisa podem ser feitos na base de aspectos clínicos, radiológicos
e neuropatológicos, por subcategorias de condições definidas como DV cortical, DV subcortical, e demência
talâmica.
O termo “DA com DV” deve ser reservado para classificar pacientes preenchendo os critérios clínicos para
possível DA e que também apresentam evidência clínica ou de neuroimagem de DCV relevante. Tradicional-
mente, estes pacientes foram incluídos com DV em estudos epidemiológicos. O termo “demência mista”,
usado até aqui, deve ser evitado.

Subtipos de DV e características clínicas


Os subtipos de DV podem ser didaticamente, separados em pós-ictais e subcorticais. O primeiro podendo
ser por infarto único, infartos múltiplos ou infarto estratégico, o segundo por lesões lacunares e/ou hiperinten-
sidades da substância branca.
PÓS-ICTAIS
Aqueles associados a um sintoma deficitário agudo, tendo implicações em funções cognitivas (afasia, apraxia,
agnosia) que refletem o acometimento cortical. O déficit cognitivo pode aparecer até 3 meses após o sintoma
agudo. Sintomas neuropsiquiátricos podem ocorrer, como por exemplo, depressão e apatia. A DV pós-ictxal com-
preende principalmente casos com infartos territoriais ou de lesões decorrentes de hemorragias intracranianas.
Essas lesões podem ser únicas ou múltiplas, em tempo único ou recorrente. É importante ressaltar que lesões
em pontos estratégicos para a cognição (hipocampo, giro angular, córtex pré-frontal, prosencéfalo basal, tálamo
[principalmente núcleos mediodorsal e anterior], caudado) podem causar DV mesmo com lesões pequenas.

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SUBCORTICAIS
Lesões subcorticais tem como causa principal a doença de pequenos vasos (microangiopatia) em estruturas
subcorticais, levando à formação de infartos lacunares e lesões isquêmicas da substância branca, de extensão
variável. Os principais fatores de risco para doença de pequenos vasos são o envelhecimento, hipertensão ar-
terial, diabetes mellitus, tabagismo e angiopatia amilóide cerebral.

Investigação diagnóstica
De acordo com as recomendações do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Academia
Brasileira de Neurologia, a neuroimagem estrutural deve ser usada na avaliação de todos os pacientes com sus-
peita de demência vascular. A ressonância magnética deve ser utilizada preferencialmente, por permitir maior
resolução espacial e visualização mais detalhada pela diversidade das sequências de aquisição. A tomografia
computadorizada pode ser usada para identificar lesões vasculares variadas, na impossibilidade de utilizar a
resonância magnética.
A atrofia hipocampal, mais comumente encontrada na DA, deve ser avaliada em todos os pacientes, visando
estabelecer um diagnóstico de DV pura ou associada à DA.
A avaliação neurovascular pode ser útil no esclarecimento clínico e para determinadas intervenções terapêu-
ticas. Ainda, os seguintes exames laboratoriais são geralmente propostos na primeira avaliação de pacientes
com suspeita de DV, como potencial causa de comprometimento cognitivo ou como comorbidade (hemograma,
VHS, eletrólitos, glicose, testes de função renal e hepática, e TSH). Os exames que representam fatores de risco
vascular também devem ser solicitados de rotina. Testes mais detalhados podem frequentemente ser necessá-
rios, como dosagem de vitamina B12 e testes sorológicos para sífilis, HIV, entre outros, em casos selecionados.

Tratamento
O tratamento da DV é baseado em redução dos fatores de risco vascular, principalmente redução da pressão
arterial, redução do colesterol, controle glicêmico, cessação do tabagismo, introdução de exercício físico, uso
de terapias antitrombóticas e, em casos selecionados, intervenções vasculares.
O uso de medicações usadas no tratamento da doença de Alzheimer (drogas anticolinesterásicas e meman-
tina) algumas vezes são justificadas, principalmente no subtipo subcortical e em casos de patologia mista. n

Bibliografia
1. Rincon F, Wright C. Vascular cognitive impairment. Curr. Opin. Neurology 2013,26: 29–36.
2. Gorelick P, Nyenhuis D. Understanding and treating vascular cognitive impairment. Continuum Minneap. Minn
2013,19:425–37.
3. Engelhardt E, Tocquer C, André C, Moreira DM, Okamoto IH, Cavalcanti JLS. Demência vascular.
Critérios diagnósticos e exames complementares. Dement. Neuropsychol. 2011,5:49-77.
4. Román GC, Tatemichi TK, Erkinjuntti T, et al. Vascular dementia: diagnostic criteria for research studies:
report of the NINDS-AIREN International Work Group. Neurology 1993;43:250-260.
5. Chui H. Subcortical Ischemic Vascular Dementia (SIVD). Neurol Clin 2007;25:717-742.
6. Hachinski VC, Iliff LD, Zilhka E, et al. Cerebral blood flow in dementia. Arch Neurol 1975;32:632-637.
7. Erkinjuntti T, Inzitari D, Pantoni L, et al. Research criteria for subcortical vascular dementia in clinical trials.
J Neural Transm Suppl 2000;59:23-30.

58 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Demência com Corpos de Lewy 9
Sonia MD Brucki

A demência com corpos de Lewy é considerada a segunda causa mais frequente de demência degenerativa,
ficando atrás da Doença de Alzheimer.
A dificuldade diagnóstica mais frequente é sua distinção com Doença de Parkinson com demência (DPD), al-
guns autores acham ser um espectro da mesma doença. A definição mais usada diz respeito ao tempo de parkin-
sonismo, em que na DCL está presente dentro de um ano do quadro de demência, diferente da DPD, em que a al-
teração motora precede em anos o quadro cognitivo, Apesar desse ponto de corte arbitrário para as diferenciar, os
achados clínicos, patológicos e neuroquímicos na DCL e DPD durante a vida e à autópsia podem não ser distintos.
Em estudos neuropatológicos a DCL aparece com uma frequência de 15 a 20% de todas as autópsias em
idosos sendo que a prevalência aumenta após os 65 anos. Em estudos populacionais a prevalência de DCL
varia de 0 a 30,5% dentre os quadros de demência e entre 0 a 5% levando-se em consideração a população.
Caracteriza-se pelo acúmulo da alfa-sinucleína intraneuronal, fazendo portanto, parte das sinucleinopatias,
juntamente com a doença de Parkinson e a atrofia multissistêmica.
Mais recentemente foram publicados resultados do terceiro encontro para o consenso diagnóstico com
algumas modificações e agregação de exames complementares no diagnóstico (Quadro 1). O diagnóstico es-
tabelecido é de provável ou possível. A característica central – demência - é essencial para o diagnóstico de
provável ou possível. O perfil cognitivo mescla características corticais e subcorticais. Predominam desde o iní-
cio, déficits de atenção, funções executivas e funções viso-espaciais. A memória pode estar comprometida de
modo mais leve, nos casos iniciais. Comparando-se à Doença de Alzheimer, observamos relativa preservação
da nomeação por confrontação, evocação de informações a curto e médio prazos e reconhecimento. Existe
uma diminuição significativa da fluência verbal, da percepção visual e em tarefas executivas. Considera-se con-
veniente o período de um ano entre o início da demência e o parkinsonismo para o diagnóstico de DCL.
Duas características nucleares são suficientes para o diagnóstico de provável e uma somente para possí-
vel. As características sugestivas permitem o diagnóstico de provável: se uma ou mais estão presentes junto a
uma ou mais característica nuclear. Para possível, basta uma ou mais característica sugestiva, mesmo que na
ausência de característica nuclear.

QUADRO 1 • Critérios diagnósticos (McKeith et al.)


1 Mandatório - critério central
• demência - predomínio de déficits de atenção, executivo e visoespaciais
2 Características nucleares:
• flutuação
• alucinações visuais
• parkinsonismo
3 Características sugestivas:
• desordem comportamental do sono REM
• sensibilidade a neurolépticos
• imagem com transportador de dopamina
4 Características de suporte:
• quedas repetidas e síncope
• perda transitória e inexplicável de consciência
• disfunção autonômica grave
• alucinações em outra modalidade
• delírios sistematizados
• depressão
• preservação relativa de estruturas temporais mediais na TC/RM
• perfusão diminuída generalizada no SPECT ou PET com atividade occipital reduzida
• cintilografia miocárdica com captação anormal no MIB
• atividade de ondas lentas no EEG com ondas sharp transitórias em lobos temporais

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 59


A média de idade de início é de 75 anos, variando de 50 a 80 anos e um período médio de evolução de nove anos.
Os sintomas espontâneos parkinsonianos devem ser acompanhados da demência dentro do primeiro ano,
para diferenciar da doença de Parkinson com demência. Quase 70% dos pacientes apresentam uma síndrome
acineto-rígida simétrica, embora possam aparecer tremor de ação e mioclonias, bem como tremor de repouso
unilateral. Alterações autonômicas são características de suporte, como quedas e síncopes, hipotensão ortos-
tática e incontinência urinária.
As alterações de comportamento são muito frequentes na DCL. Em artigo recente, as alucinações estiveram
presentes em 78%, alterações de identificação em 56% e delírios em 25% dos pacientes.
Um auxílio diagnóstico, na falta de um marcador genético ou biológico, é a presença de distúrbio de compor-
tamento do sono REM. A monitorização pela polissonografia pode revelar um paciente com distúrbio de sono
REM e aumento do tônus muscular na eletromiografia, indicando um sono REM sem atonia. Esta alteração, em-
bora não seja um sinal central no diagnóstico, tem sido associada a DCL e é considerada uma característica de
suporte ou sugestiva. Manifesta-se por sonhos vívidos, com movimentações, vocalizações e até manifestações
violentas durante o sono.
O tratamento cognitivo deve ser feito com inibidores das colinesterases e memantina. Quando houver sinto-
mas psicóticos, muito cuidado com a hipersensibilidade aos neurolépticos (pode haver uma piora muito acen-
tuada do parkinsonismo e/ou da cognição). n

TRATAMENTO COGNITIVO TRATAMENTO DOS SINTOMAS NÃO COGNITIVOS


Inibidores das colinesterases: Sintomas alucinação e psicóticos outros:
• Donepezila (5 a 10 mg/dia) NÃO usar neuroléptico típico
• Rivastigmina (6 a 12 mg/dia) SEMPRE neuroléptico atípico (menor dose possível, pelo menor tempo possível):
• Galantamina (16 a 24 mg/dia) • Clozapina
• Memantina (20 mg/dia) • Quetiapina (12,5 mg/dia de início)
Para distúrbio comportamental do sono REM:
• Clonazepam (0,5 mg/dia-inicial)
Para parkinsonismo:
• Levodopa (cuidado com exacerbação de alucinações e psicose)

Referências Bibliográficas
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disease: an 8-year prospective study. Arch Neurol 2003; 60: 387-392.
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Ferman TJ, Smith GE, Boeve BF et al. DLB fluctuations: specific features that reliably differentiate DLB from AD and normal
aging. Neurology 2004; 62: 181-187.

60 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Doença de Parkinson 10
Eduardo Sturzeneker Trés

A
s doenças neurodegenerativas possuem em comum o fato de ser resultado do acúmulo de elementos anor-
mais no sistema nervoso central (SNC), usualmente atribuindo-se essa culpa às proteínas cuja conformação
está alterada. Ainda de mais importância do que o tipo de proteína patológica é a localização em que a
mesma se deposita no SNC ao longo da história natural da doença, produzindo diferentes quadros clínicos. Um
mesmo agregado proteico que se acumula no córtex frontotemporal determina uma apresentação clínica diferente
daquela associada ao depósito predominante às occipitoparietais. Entre estas proteínas temos duas importantes
envolvidas nestes quadros de parkinsonismo e alteração cognitiva.

ALFA-SINUCLEÍNA: proteína sináptica expressa PROTEÍNA TAU: possui grande relevância na


em uma grande variedade de tecidos, incluindo integridade do citoesqueleto e transporte vesicular,
o SNC. Possui papel fisiológico na estabilidade respondendo por papel fisiológico nessas funções
de membrana, plasticidade neuronal, tráfego de e em outras atribuições da homeostase celular.
vesículas e neurotransmissão, entre outras funções. Quando a mesma é alvo da hiperfosforilação,
Porém, pode sofrer alterações conformacionais, forma fibrilas que, por seu turno, se agregam
especialmente sob o processo de hiperfosforilação, e evoluem para emaranhados neurofibrilares,
produzindo agregados e fibrilas que se depositam cuja deposição se da no meio intracelular
anormalmente no meio intracelular de neurônios e e não é exclusivo dos neurônios, podendo
glia, culminando em perda sináptica e morte celular também ser encontrada na glia.

Quadros Parkinsonianos degenerativos: principais causas e classificações


Quando se discute os quadros Parkinsonianos e alterações cognitivas associadas,
uma forma didaticamente estabelecida de estuda-los é a que separa as doenças
entre as sinucleinopatias e as taupatias.
Sinucleinopatias Taupatias
Doença de Parkinson (DP) Paralisia supranuclear progressiva (PSP)
Demência com Corpúsculos de Lewy (DL) Degeneração Corticobasal (DCB) /Síndrome
Corticobasal (SCB)
Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS) -

Doença de Parkinson
Pode-se dizer que a Doença de Parkinson é o protótipo motor desse grupo nosológico que, em variadas com-
binações, produzem alentecimento de movimentos (bradicinesia), rigidez plástica e tremor de repouso; além de
comprometimento na estabilidade postural e marcha. A forma de manifestação desses sintomas e a resposta ao
uso de levodopa são bons parâmetros para tentar iniciar o desenho diagnóstico de eventuais alterações cognitivas
e neuropsiquiátricas que possam suceder ou anteceder os sintomas motores.

Quadro clínico da doença de Parkinson e diagnóstico


Podemos, então, dizer que a DP ocorre de maneira assimétrica, afetando nos primeiros anos apenas um dos
lados e evoluindo progressivamente em forma de “U” para o dimidio contralateral de maneira insidiosa; quando
produz maior instabilidade de marcha e postura após vários anos de doença. A resposta à levodopa (LD) é evi-
dente e dura um tempo médio de 5 anos, quando flutuações motoras e discinesias podem passar a ocorrer em
paralelo à perda da eficácia da medicação. O perfil descrito, então, é o que se chama de Parkinsonismo típico.
Dentro do raciocínio clássico de instalação e evolução de sintomas da DP criou-se uma classificação básica
dos estágios da doença, denominada escala de Hoenh & Yahr.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 61


Escala de Hoenh & Yahr
ESTÁGIO 0 • ausência de sinais de doença
ESTÁGIO 1 • doença unilateral
ESTÁGIO 1,5 • unilateral com envolvimento axial
ESTÁGIO 2 • doença leve bilateral sem comprometimento do equilíbrio
ESTÁGIO 2,5 • doença leve bilateral com recuperação ao teste da retropulsão
ESTÁGIO 3 • doença leve a moderada bilateral, com alguma instabilidade postural, mas mantendo independência física
ESTÁGIO 4 • incapacidade grave, mas ainda capaz de adquirir ortostase e deambular sem assistência
ESTÁGIO 5 • restrito ao leito ou cadeira de rodas
Apesar do conhecimento bem estabelecido dos sintomas e mesmo a criação de estratificações de estágio da
patologia é importante ressaltar que há predomínio de sintomas em alguns casos, como a bradicinesia e instabili-
dade postural ou o tremor, além das formas que envolvem em mesma proporção de cada um deles. A DP acineto-
rígida, portanto, seria aquela que respeita a velocidade de instalação e progressão dos sintomas, porém fica mais
destacada a lentidão do paciente, a rigidez importante e o pobre desempenho na marcha. Nas formas chamadas
de tremulantes, o tremor de repouso possui maior notoriedade em detrimento dos outros sintomas. Há, também,
as formas em que os sintomas progridem e se manifestam em mesma proporção.

Critérios Diagnósticos da Doença de Parkinson


Primeiro critério essencial é a presença de Parkinsonismo. Define-se pela presença de bradicinesia na combinação de pelo menos
tremor ou rigidez. Feita essa constatação, segue-se para os próximos itens.
Diagnóstico clínico estabelecido de DP
• Ausência de critérios absolutos de exclusão.
• Pelo menos dois critérios de suporte.
• Nenhum sinal de alerta (red flag).
Diagnóstico clínico provável de DP
• Ausência de critérios absolutos de exclusão.
• Presença de sinais de alarme, mas contrabalanceados por critérios de suporte.
n Se um sinal de alarme presente, pelo menos 1 critério de suporte presente.

n Se dois sinais de alarme, pelo menos 2 critérios de suporte.

n Não se aceita mais do que dois sinais de alarme.

Critérios de suporte
• Crítica e dramáticas resposta a terapia de reposição dopaminérgica. Durante tratamento inicial paciente retorna a níveis normais ou
próximos do normal. Caso melhora inicial não pôde ser documentada, se aceita como definição a melhora evidente com o aumento das
doses ou piora com sua redução que possam ser verificadas objetivamente (UPDRS III) ou subjetivamente (informante de confiança).
• Presença de discinesia induzida por levodopa.
• Tremor de repouso de um membro no exame atual ou documentado previamente.
• Presença de hiposmia ou denervação simpática na cintilografia com MIB.
Critérios de exclusão absolutos
• Anormalidades cerebelares inequívocas (marcha cerebelar, ataxia apendicular, anormalidades cerebelares oculomotoras).
• Paresia do olhar vertical para baixo ou lentificação seletiva das sácades verticais para baixo.
• Diagnóstico provável de Afasia Progressiva Primária (APP) ou variante comportamental da Demência Frontotemporal (DFT).
• Sinais Parkinsonianos restritos aos membros inferiores por 3 anos ou mais.
• Tratamento prévio por tempo e dose suficientes com bloqueador dopaminérgico que justifique o diagnóstico de Parkinsonismo
medicamentoso.
• Ausência de resposta observável ao tratamento com levodopa em doses altas apesar de fases moderadas de doença.
Sinais de alarme
• Rápida progressão de comprometimento de marcha, levando ao uso de cadeira de rodas nos primeiros 5 anos.
• Anterocollis desproporcional ou distonia de mão ou pé nos primeiros 10 anos.
• Ausência de qualquer sintoma não-motor apesar de 5 anos de doença estabelecida.
• Sinais de liberação piramidal sem explicação plausível detectável.
• Parkinsonismo bilateral simétrico, com relato pelo paciente e/ou cuidador de início bilateral de sintomas,
sem lateralização, percebido também ao exame.

62 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Diagnósticos diferenciais: DP e Parkinsonismo atípico
O Parkinsonismo atípico seria aquele que não obedece ao padrão clássico assimétrico e lentamente progres-
sivo descrito ou não se enquadra nos critérios mencionados anteriormente. Adiante alguns comentários gerais
sobre causas degenerativas e não degenerativas de Parkinsonismo atípico.
A síndrome corticobasal também é considerada um Parkinsonismo assimétrico, porém possui outros comemo-
rativos motores (e.g. distonia) e cognitivos (e.g apraxia, mão alienígena) que tendem a diferenciá-la da DP; dentre
os quais se encontra a ausência de resposta ou resultados mais modestos e transitórios à terapia dopaminérgica,
além de comemorativos cognitivos mais precoces.
Na PSP o Parkinsonismo atípico é claramente identificável quando encontramos sintomas opostos aos da DP
na sua forma de apresentação e instalação, predominando a rigidez axial e simétrica, com quedas precoces e
ausência de resposta à LD. Também, comprometimento na movimentação ocular vertical e distonia cervical (re-
trocolis) são frequentes.
A AMS também costuma apresentar-se como Parkinsonismo atípico, podendo envolver, ainda, sintomas di-
sautonômicos mais evidentes e outros achados motores como distonia. Anterocollis pode ser um bom sinal para
melhor definição da doença.
Outras causas degenerativas ganham importância na medida em que são melhores estudadas, porém foge do
escopo desse manual detalhar cada uma delas.
Por fim, deve-se observar a possibilidade de causas medicamentosas e vasculares para Parkinsonismos atí-
picos. Nas primeiras, ganham destaque os neurolépticos, mais destacadamente os típicos, além dos anti-verti-
ginosos bloqueadores de canais de cálcio como a flunarizina. No que toca as causas vasculares, procura-se por
quadro predominantemente de membros inferiores, simétrico, com quedas precoces e que possua pouca ou
nenhuma reposta a LD. Esses comemorativos, afastadas outras causas e somando-se imagem típica, pode levar
ao diagnóstico de Parkinsonismo vascular.

Tratamento da Doença de Parkinson


O tratamento da DP ainda mais efetivo é a terapia dopaminérgica com reposição exógena do neurotransmissor
(levodopa) e o uso de agonistas dos mesmos (pramipexol). A LD deve ser escalonada lentamente até dose reco-
mendada de 600mg ao dia, usualmente dividida em três ou quatro tomadas que compreendam horários em que
o paciente está mais ativo. Efeitos colaterais reportados são, usualmente, relacionados a sintomas gastrointesti-
nais, geralmente consequentes à velocidade de progressão da dose. Pode ser utilizada em paralelo a inibidores
da catecol-o-metil-transferase (entacapone) quando os efeitos positivos da medicação passam a se desgastar na
medida em que se aproxima da próxima dose tomada (wearing-off). Estes, quando surgem, já devem despertar
maior atenção, pois configuram as chamadas flutuações motoras e podem vir acompanhados das discinesias re-
lacionadas ao uso de LD, motivando encaminhamento aos centros terciários de atendimento para melhor manejo.
Como última regra, devemos ressaltar a necessidade de intervalos mínimos de 30 a 60 minutos entre a ingesta
da medicação e a alimentação, já que absorção competitiva pode ocorrer entre aminas dos alimentos e a dopami-
na exógena. Abaixo encontramos quadro objetivo com as drogas e recomendações básicas de uso.

Tratamento dos Sintomas Motores da DP


LEVODOPA • Doses iniciais fracionadas em 3-4 tomadas de 50-100mg.
• Escalonamento periódico e lento até tomadas de 150-200mg 3 a 4 vezes ao dia,
objetivando controle dos sintomas motores.
• Administrar com intervalos de 30-60 minutos antes ou após alimentos.
• Efeitos adversos mais comuns: sintomas gastrointestinais.
• Complicações tardias: Perda de eficácia com flutuações motoras e discinesias.
ENTACAPONE • Doses de 100 a 200mg devem ser administradas juntamente com a LD
quando se percebe o surgimento de desgaste de final de dose (Wearing-Off).
• Pode induzir discinesias por potencializar o efeito da LD.
PRAMIPEXOL • Utilizado em monoterapia em casos selecionados de pacientes jovens em início de doença,
porém é prescrito na maior parte dos casos como associação.
• Posologia recomendada de 3 vezes ao dia, podendo chegar a doses máximas
de 1,5 a 4,5mg em 24 horas.
• Observar se surgimento de compulsão, sintomas psicóticos ou maior impulsividade.
Podem levar a efeitos gastrointestinais, usualmente relacionando-se com dose.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 63


Demência e Comprometimento Cognitivo leve na Doença de Parkinson
A demência da Doença de Parkinson (DDP) e DL são agrupadas não apenas por compartilharem o mesmo
substrato patológico, mas pelas similaridades potencialmente encontradas nas manifestações motoras iniciais.
A DDP possui um perfil bem estabelecido na evolução motora e cognitiva. Os primeiros ocorrem precedendo em
anos as queixas cognitivas que possam levar ao comprometimento funcional, com duração média entre as quei-
xas motoras e o quadro demencial durando cerca de 10 anos. Por outro lado, quando dispomos de um Parkinso-
nismo típico precedido ou sucedido por alterações neuropsiquiátricas e cognitivas em um tempo estimado de 1
ano, estamos diante, possivelmente, de DL. Essa regra do tempo de 1 ano, bem como a ordem de aparecimento
entre sintomas motores e não-motores, facilita bastante o apuro diagnóstico do paciente em investigação, que
deve se somar a dados clínicos adicionais e de investigação complementar.
Ainda, na DP, a tendência é de progressão mais lenta. Fases pré-demenciais, como o comprometimento cog-
nitivo leve (CCL) pela DP vem sendo estudados. Diante da importância de diagnósticos precoces, diferentes abor-
dagens foram elaboradas para chegar a esse objetivo, hoje existindo, essencialmente, dois níveis diagnósticos
propostos. O nível I, considerado menos complexo e de rastreio, que depende de instrumentos menos laboriosos
e práticos (MoCA, ACE-r), mas perde acurácia diagnóstica. O nível II, aquele considerado confirmatório, detalha
com maior grau os domínios afetados e graus de acometimento.

Critérios Diagnósticos para CCL pela Doença de Parkinson


Critério • Diagnóstico de DP pelos critérios da UK PD brain bank.
de inclusão • Declínio gradativo no contexto da DP bem estabelecida, em modalidade cognitiva apontada pelo paciente
ou informante, ou observado pelo médico.
• Déficits cognitivos em testagem neuropsicológica formal ou em escala global de habilidades cognitivas
• Comprometimento cognitivo pode não é suficiente para promover dependência funcional, mas que pode
interferir em atividades instrumentais mais complexas.
Critérios • Diagnóstico de DPP.
de exclusão • Outras causas que justifiquem o declínio cognitivo.
• Outras manifestações motoras ou não da DP que possam justificar, na visão do avaliador, a influência sobre
o desempenho cognitivo.
Recomendações • Nível I (avaliação breve)
específicas n Comprometimento em escala global validada para DP, ou

n Comprometimento em pelo menos 2 testes, quando uma bateria que não contemple os 5 domínios

propostos e/ou dois testes por domínio.


• Nível II
n Testes neuropsicológicos que incluam dois testes dentro de cada um dos cinco domínios propostos

(atenção/memória operacional, linguagem, memoria, visuoespacial e função executiva).


n Comprometimento em pelo menos dois testes dentro de um mesmo domínio ou não.

n Comprometimento deve ser entendido como: performance 1 a 2 desvios-padrão abaixo do esperado

para idade e escolaridade ou Declínio significativo demonstrado em testes seriados


ou Declínio significativo em relação aos níveis pré-mórbidos esperados
Com a evolução do quadro, acentuam-se as queixas em torno de domínios como atenção, funções executi-
vas, construção e função visuoespacial. O diagnóstico se baseia no diagnóstico prévio de DP bem estabelecido
e síndrome demencial de início insidioso e progressão lenta, acometendo principalmente os domínios acima, em
paralelo à acentuação ou surgimento de sintomas comportamentais como apatia, mudanças de personalidade/
humor, alucinações, delírios e sonolência diurna excessiva.

Critérios Diagnósticos para Demência pela Doença de Parkinson


Critérios principais (obrigatórios tanto para DPP provável como possível)
• Diagnóstico de DP seguindo os critérios do Queen Square Brain Bank Criteria.
• Demência ocorrendo no contexto de DP bem estabelecida, com comprometimento cognitivo suficiente para determinar perda
funcional em atividades básicas de vida diária.
Manifestações clínicas associadas (perfil cognitivo típico deve estar presente para DPP provável, mas não na possível)
• Perfil cognitivo típico: comprometimento em pelo menos dois dos seguintes. Atenção, que pode flutuar. Função executiva. Função
visuoespacial. Evocação, que pode melhorar com pistas.
• Presença de sintomas comportamentais reforça, mas sua ausência não exclui o diagnóstico, incluindo: apatia, humor deprimido ou
ansioso, alucinações, ilusões e sonolência diurna excessiva.

64 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Critérios Diagnósticos para Demência pela Doença de Parkinson (cont.)
Um diagnóstico de DPP não pode ser feito se:
• Sintomas comportamentais e cognitivos surgem puramente no contexto de doenças sistêmicas, intoxicação por drogas ou
depressão maior.
• Paciente preenche critérios para demência vascular
Sequencia temporal de sintomas guia o diagnóstico diferencial entre DL e DPP
• Na DL, demência se instala 1 ano antes ou dentro de um ano do início do Parkinsonismo
• Na DPP a demência se desenvolve dentro do contexto de diagnóstico bem estabelecido de DP

Alguns fatores aumentam o risco do surgimento de demência na DP, tais como idade mais elevada, Parkinsonismo
com sintomas motores mais graves, comprometimento cognitivo leve no princípio, início da doença além dos 60 anos e
maior tempo de doença. O paciente deve ser questionado quanto a sua percepção do surgimento de queixas cogniti-
vas, bem como seus cuidadores, podendo ser submetido a escalas mais direcionadas para seu perfil de demência, co-
mo o Montreal Cognitive Assesment (MoCA) e Adenbrooke´s Cognitive Examination Revised (ACE-R). Ademais, pode-se
lançar mão de avaliação neuropsicológica (ANPS) para maior aprofundamento dos domínios estudados.
O uso de exames complementares pode ser útil, com os seguintes achados possíveis:

Neuroimagem na DDP
RESSONÂNCIA Atrofia mais perceptível nas regiões medial temporal, lobos frontais e lobos temporais quando comparados a
MAGNÉTICA controles. Lobo temporal medial preservado pode falar mais a favor de DL no contexto adequado.
PET-FDG Maior comprometimento de córtex visual quando comparamos a casos de DA, por exemplo, podendo aumentar a
predição de progressão para DPP quando o lobo occipital esta acometido.
SPECT Fluxo com mesma interpretação do PET

Tratamento de DPP e suas manifestações neuropsiquiátricas


O tratamento das duas doenças (demência da DP e DL) envolve terapia dopaminérgica e uso de anticolineste-
rásicos, bem como antipsicóticos. A forma e o momento do uso de cada medicação dependem dos sintomas e
estágio de cada doença.
No que diz respeito a DPP, há comprovação de benefício no uso de anticolinesterásicos, sendo a rivastigmina
e donepezila as duas drogas mais estudadas e com evidências que suportam sua prescrição. Não há indicação
de uso de memantina. Para os sintomas depressivos, há evidências ainda pouco robustas, mas com tendência
a benefício no uso de venlafaxina, paroxetina e nortriptilina. Deve-se ter especial atenção com o potencial efeito
anticolinérigico das duas últimas nas doses maiores. Transtornos comportamentais do sono REM são comuns
em DP, particularmente na DPP; podendo-se lançar mão de clonazepam e melatonina, apesar de não terem sido
testadas em estudos duplo-cego randomizados.
Outros sintomas que podem se relacionar com a progressão da doença são as manifestações psicóticas, que
podem variar desde falso senso de presença, até ideação delirante persecutória com ou sem agressividade, aluci-
nações e ilusões. Nesses casos também se recomenda encaminhamento a centros terciários, porém não se deve
postergar o início de medicações da classe dos neurolépticos atípicos se o contexto exigir uma intervenção mais
imediata. Grande cautela deve ser dada nesse quesito, considerando que tais drogas podem agravar os sintomas
motores. A quetiapina possui evidências mistas quanto ao seu uso. No entanto, apesar de dispor de menor potên-
cia antipsicótica e maior efeito sedativo, recomenda-se usá-la em casos mais leves, nos quais pouco ou nenhum
dano ao autocuidado e ao bem estar de terceiros é percebido.
Quando não se pode prescindir de controle de sintomas mais ominosos ao paciente e seus cuidadores, o
manejo comportamental deve ser realizado com clozapina, com melhor evidência na literatura. Exige, contudo,
rigoroso controle laboratorial a cada 7 dias em princípio, pelo risco de agranulocitose. Outros antipsicóticos não
possuem embasamento completo da literatura, mas são utilizados na prática clínica. Como exemplo, podemos
citar a olanzapina, devendo observar o controle do perfil metabólico do paciente, particularmente o perfil lipídico e
o potencial agravamento de sintomas motores. A risperidona possui reconhecido para-efeito extrapiramidal e deve
ser evitada sempre que possível, usando-a em casos mais graves ou de pouca resposta às alternativas acima. De
maneira geral, todos os neurolépticos podem levar a alterações de perfil hepático, aumento do risco de quedas e
hipotensão postural. Por esse motivo, utiliza-se a menor dose e por menor tempo possível.
A terapia farmacológica dos pacientes com DPP exige um equilíbrio delicado entre recursos que podem
controlar um sintoma, mas potencialmente piorar outros, pedindo, acima de tudo, bom acompanhamento e uso
criterioso das medicações.

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Tratamento na DPP
inibidores das • Podem ser usadas a Donepezila, Rivastigmina e Galantamina; porém há maiores evidencias para o uso
colinesterases das duas primeiras.
• Monitorar sintomas gastrointestinais e frequência cardíaca prévia ao seu início pelo risco, ainda que
menor, de bradicardia.
Desordem • Utilizar clonazepam em doses mínimas em princípio, aumentando a mesma conforme necessidade.
Comportamental • Monitorar potenciais efeitos de sonolência residual, piora cognitiva e risco aumentado para quedas.
do sono REM • Melatonina não está disponível para uso no Brasil, devendo ser importada.
Sintomas psicóticos • Utilizar neurolépticos atípico
n QUETIAPINA: menor potencial antipsicótico, com maior efeito sedativo. Utilizada como primeira

escolha na maioria dos casos, em doses que podem variar desde 12.5 mg a 25 mg no início.
Aumento gradativo e lento a depender da necessidade
n CLOZAPINA: deve ser feita monitorização com hemograma semanalmente, pelo risco de

agranulocitose nos primeiros meses. Bom potencial antipsicótico e menor efeito sedativo.
n OLANZAPINA e RISPERIDONA: podem ser utilizados, mas possuem maior potencial de piora motora.

Comentários finais
Os quadros Parkinsonianos degenerativos possuem grande variedade de sinais e sintomas neurológicos que
somam queixas motoras e cognitivas. A compreensão da forma de apresentação e cronologia dessas manifes-
tações é determinante para o diagnóstico preciso e, por consequência, um bom manejo medicamentoso e não
farmacológico.
Assim, a investigação diagnóstica bem construída parte de uma anamnese detalhada quanto a ordem dos
achados clínicos, ritmo de instalação e evolução; sem deixar de salientar o passado mórbido que tenha eventual
importância diferencial, como uso prévio de neurolépticos e histórico vascular. Passada tal etapa é preciso realizar
exame neurológico objetivo, que possa delinear as manifestações motoras a serem ligadas com o desempenho
cognitivo e perfil neuropsiquiátrico do paciente em questão.
Ademais, com exames complementares bem indicados e um bom acompanhamento evolutivo que permita a
observação dos sintomas e da resposta ao uso de medicações como a LD, cria-se melhor entendimento do caso
e diagnósticos mais apurados.
Lançar mão das noções gerais discutidas e sugeridas nesse capítulo podem construir um bom manejo desses
indivíduos e promover melhor qualidade de vida para eles e seus cuidadores. n

Referências
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Walker Z, Possin KL, Boeve BF, Aarsland D. Lewy body dementias. Lancet Neurology. 2015;386:1683-97

66 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Demências Potencialmente 11
Reversíveis
Regina M. Magaldi

Definição
Demências potencialmente reversíveis (DPR) podem ser definidas como demências que são parcial ou com-
pletamente revertidas espontaneamente ou após tratamento específico.

Prevalência
A prevalência de DPR varia bastante, entre 0 a 30%, de acordo com os diferentes estudos. A maior parte
destes, entretanto, não reportam dados de seguimento comprovando real reversão da síndrome demencial com
o tratamento da condição subjacente.
Grandes meta-análises foram realizadas com o intuito de verificar a prevalência das DPR e de sua rever-
sibilidade, encontrando taxas significativamente menores do que se supunha (em torno de 10% de reversão
completa e 20% de reversão parcial), sendo estas taxas cada vez menores nos estudos mais recentes e com
populações mais idosas (em torno de 1%).
De acordo com essas revisões da literatura, as condições mais frequentemente relacionadas a alterações
cognitivas e que mais responderam à intervenção para reversão do quadro demencial foram: efeitos deleté-
rios de fármacos (28%), depressão (26%) anormalidades metabólicas (15,5%), hidrocefalia de pressão normal
(10,7%), hematoma subdural (5,8%), neoplasias (4%) entre outras causas (9,7%).
Em nosso meio, estudo realizado em ambulatório especializado encontrou entre 275 pacientes com
demência, 22 casos de DPR (8%), sendo que destes 2 tiveram recuperação completa e 10 recuperação parcial.

Principais causas potencialmente reversíveis de demência


FÁRMACOS • vários são os medicamentos que potencialmente podem causar prejuízos cognitivos. Entre os mais
frequentemente relacionados, estão os de ação anticolinérgica e aqueles com efeito hipnótico e sedativo (Tabela 1).

Tabela 1 • Principais classes de medicamentos relacionados a prejuízo cognitivo


• Anticolinérgicos
• Hipnóticos e sedativos
• Antidepressivos tricíclicos
• Anticonvulsivantes
• Antipsicóticos
• Medicamentos com ação cardiovascular (beta-bloqueadores não seletivos; alfa bloqueadores de ação central)
• Antibióticos
• Anti-histamínicos
• Analgésicos opióides e sedativos

ÁLCOOL • os efeitos deletérios do álcool sobre a cognição ocorrem por diversos mecanismos. Existem efeitos
lesivos diretos sobre os neurônios, nas substâncias cinzenta e branca, por alterações mitocondriais e aumento
do estresse oxidativo, além de redução de fatores neurotróficos. O álcool pode causar prejuízos cognitivos
transitórios (reversíveis) ou permanentes, e o tipo de acometimento é bastante heterogêneo. A forma clássica
da Encefalopatia de Wernicke encontrada entre os alcoólatras, corresponde à carência nutricional aguda de
vitamina B1 (tiamina) e é reversível com tratamento precoce. Na ausência do tratamento ou na reposição tardia
dessa deficiência, desenvolve-se a Síndrome de Korsakoff, com chance muito reduzida de reversão e risco de
declínio cognitivo continuado e progressivo. Outra forma prevalente entre alcoólatras, a pelagra, corresponde à
carência de vitamina B3 (niacina) e pode ser lembrada como “os 3 Ds”: dermatite, diarréia e demência.
CAUSAS PSIQUIÁTRICAS: depressão é a condição psiquiátrica que mais frequentemente causa prejuízo cog-
nitivo reversível, tornando muitas vezes difícil o diagnóstico diferencial com demências degenerativas (e por
esse motivo por muito tempo foi denominada como “pseudo-demência”). Importante ressaltar que estudos

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longitudinais prospectivos têm demonstrado que indivíduos idosos com depressão têm risco aumentado de
desenvolver demência posterior, e que a depressão poderia ser uma manifestação prodrômica de demência.
Portanto, essa é uma causa reversível de prejuízo cognitivo que necessita de seguimento em longo prazo, in-
dependente da reversibilidade do quadro cognitivo. Outro ponto importante é que a depressão pode se instalar
em indivíduos que já tenham a função cognitiva basal comprometida e, nesse caso, é menos provável que o
tratamento reverta as alterações cognitivas, embora possa amenizar algumas.
CAUSAS METABÓLICAS • distúrbios do metabolismo da tireóide (principalmente hipotireoidismo) estão entre
os mais citados como causadores de síndromes demenciais reversíveis. Não obstante, quase todas as condi-
ções tóxico-metabólicas podem cursar com disfunções cognitivas, usualmente na forma de encefalopatias ou
quadros confusionais agudos (delirium). Sem o tratamento da causa de base, as alterações podem evoluir de
forma subaguda ou até crônica, com persistência de sintomas cognitivos e comportamentais. Infecções, des-
compensação de doenças cardiocirculatórias, descompensação de diabetes, distúrbios hidroeletrolíticos, en-
cefalopatia hepática e urêmica, e doenças que cursam com hipoxemia/ hipercapnia crônica fazem parte desse
grande grupo de causas reversíveis de distúrbios cognitivos.
CAUSAS ESTRUTURAIS • lesões estruturais do sistema nervoso central, como tumores primários, metastáti-
cos ou hematomas podem cursar com alterações cognitivas diversas, a depender de seu tamanho e localização.
Vale lembrar que hematomas subdurais em idosos, muitas vezes secundários a traumatismo crânio-encefálico
por quedas, podem ter instalação insidiosa devido a atrofia cerebral nestes pacientes, que permite o acúmulo de
volumes variáveis de sangue antes do aparecimento dos sintomas. Já a Hidrocefalia de Pressão Normal cursa
com uma tríade clássica, que reúne distúrbios de marcha, incontinência urinária e demência.
INFECÇÕES • embora em casuísticas de países desenvolvidos as infecções de sistema nervoso central não
despontem como causas reversíveis de demência, em nosso meio, assim como em outros países, estas podem
ser responsáveis por um número significativo de casos. A causa infecciosa mais citada e reconhecida como
causadora de demência é a neurossífilis. Outras infecções bacterianas, virais, fúngicas ou parasitárias no en-
tanto, também podem estar relacionadas a estes quadros. Atenção especial a essa possibilidade deve ser dada
a indivíduos imunocomprometidos, particularmente nos portadores do vírus HIV. Nestes pacientes, além da
demência associada ao próprio vírus (complexo AIDS-demência), há a possibilidade de infecções oportunistas
como tuberculose, criptococose e toxoplasmose no SNC.
CAUSAS NUTRICIONAIS • as mais citadas na literatura são a deficiência de vitamina B12 e folato, sendo esta
última bem mais rara devido à frequente suplementação de ácido fólico em alguns alimentos. A deficiência de
vitamina B12 pode estar relacionada a diversos problemas de base como baixa ingesta, má absorção, gastrec-
tomia ou efeito adverso de medicamentos. Sua detecção não é tão simples, dada a baixa acurácia da dosagem
sérica e faltam evidências na literatura que demonstrem reais ganhos cognitivos após sua reposição.

Roteiro diagnóstico
Na anamnese, é importante levar em consideração alguns aspectos durante a investigação de síndromes
demenciais. Um tempo curto de aparecimento dos sintomas, instalação mais abrupta e menor gravidade do
comprometimento são características que falam a favor de uma causa potencialmente reversível.
É importante também na anamnese estar atento ao histórico de comorbidades clínicas, uso de medicamen-
tos potencialmente deletérios, uso de álcool, antecedente de quedas com traumatismo crânio-encefálico e
presença de prejuízos sensoriais (visão/ audição).
O exame físico e neurológico deve ser minucioso, buscando sinais que possam caracterizar doenças sistê-
micas ou acometimento neurológico focal.
Outro ponto importante é a avaliação do estado cognitivo, atentando para a possibilidade de delirium. Nesta
condição, frequentemente associada a causas agudas reversíveis, apesar das intensas alterações cognitivas o diag-
nóstico de demência não deve ser estabelecido até que o quadro confusional seja revertido e o paciente reavaliado.
A caracterização do comprometimento cognitivo, dos domínios afetados, e a intensidade das alterações
tem particular relevância pois, além de auxiliar no diagnóstico, permite melhor apreciação dos resultados dos
tratamentos e da real reversão do prejuízo cognitivo.
Dada a grande diversidade de causas, não existe um padrão único de apresentação clínica das demências poten-
cialmente reversíveis, podendo haver sinais e sintomas clínicos dependendo da doença de base ou ainda sinais e sin-
tomas neurológicos focais. Algumas características do comprometimento cognitivo, no entanto, são mais associadas
a quadros reversíveis, como a predominância de déficits de atenção e funções executivas sobre os déficits de memória
tardia, a presença de lentificação e alterações comportamentais proeminentes, como apatia, indiferença e depressão.
Uma regra mnemônica em língua inglesa com a sigla DEMENTIA (figura 1) ajuda a organizar as possibilida-
des principais de causas reversíveis de demência a serem investigadas.

68 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Figura 1 D rugs (MEDICAMENTOS, ÁLCOOL)
Principais causas E motional depression (DEPRESSÃO)
de demências M etabolic (METABÓLICO, HIPOTIREOIDISMO)
potencialmente E yes and ears declining (SENSORIAL)
reversíveis N ormal pressure hydrocephalus (HIDROCEFALIA)
T umor or other space-occupying lesion (TUMORES)
I nfection (INFECÇÃO)
A nemia (DEFICIÊNCIA DE B12, FOLATO)

INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
Não há consenso na literatura sobre quais são os exames necessários na investigação de causas reversíveis,
sendo necessário definir custo-benefício e risco-benefício de cada investigação (figura 2).
Exames laboratoriais: A maioria das sociedades de especialistas recomenda a realização de baterias de exa-
mes laboratoriais gerais, incluindo especialmente dosagem de incluindo obrigatoriamente dosagem de vitamina
B12 e função tireoideana. Acrescenta-se ainda, dependendo do local de origem do paciente ou da suspeita
clínica, a investigação de causas infecciosas.
Exames de imagem: é mandatória a realização de exame de neuroimagem estrutural na investigação etiológica de
síndromes demenciais, especialmente quando se suspeita de causas reversíveis. Mesmo em locais com menor dispo-
nibilidade de recursos para realização de exames mais sofisticados como a Ressonância Magnética, uma Tomografia
Computadorizada de crânio pode detectar causas importantes de declínio cognitivo como a presença de tumores pri-
mários ou metastáticos do SNC, hematomas, hidrocefalia, ou mesmo alterações vasculares mais significativas.
Outros exames: Em casos selecionados, outros exames podem ser importantes na investigação etiológica. O
exame do LCR por exemplo, é geralmente indicado quando se trata de demência de instalação na faixa pré-senil
(abaixo dos 65 anos), demência rapidamente progressivas em que se suspeita fortemente de causas infecciosas
ou imunomediadas, ou na suspeita de Hidrocefalia de Pressão Normal, para realização do “tap-test” (avaliação
de cognição e marcha pré e pós punção liquórica).
• Hemograma completo
Figura 2
• Função tireoideana
Exames habituais
• Função renal
para investigação
• Função hepática
de déficit
• Glicemia
cognitivo
• Dosagem de vitamina B12 e ácido fólico
• Sorologia para sífilis e HIV
• Exame radiológico estrutural (Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética)

FATORES PROGNÓSTICOS PARA REVERSIBILIDADE


Diversos autores, baseados em seus resultados e nas meta-análises, mostram que, apesar da baixa pre-
valência de reversibilidade, esta condição ocorre com maior frequência naqueles indivíduos mais jovens, com
queixas cognitivas mais recentes e cuja deterioração cognitiva não atinge critérios que definam demência, e sim
comprometimentos cognitivos mais leves.
Vale ressaltar a possibilidade, sempre presente, de indivíduos portadores de demências primárias apresenta-
rem DPR em associação, fato bastante frequente quando se trata de população de pacientes idosos o que, por
vezes, dificulta o estabelecimento do diagnóstico diferencial do distúrbio cognitivo.

TRATAMENTO
A correção precoce do fator reversível, embora recomendável, pode não ocasionar melhora cognitiva signifi-
cativa (embora maioria dos estudos não reporte dados de acompanhamento pós tratamento).
Tendo em vista a grande prevalência de comorbidades coexistindo com demências de causas degenera-
tivas, principalmente entre os mais idosos, é possível que mais de um fator potencialmente reversível esteja
presente em um mesmo paciente. Muitas vezes, embora ganhos cognitivos e funcionais mensuráveis possam
ser pequenos, o tratamento de condições reversíveis pode ocasionar melhora em desfechos clínicos relevantes
sendo, portanto, sempre preconizado. n

Referências Bibliográficas
Clarfi eld AM. The decreasing prevalence of reversible dementias: an updated meta-analysis. Arch Int Med 2003;163:2219-29.
Moore AR, O’Keeffe ST. Drug-induced cognitive impairment in the elderly. Drugs and Aging 1999;15(1):15-28.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 69


12 Demência frontotemporal e
afasias progressivas primárias
Leonel T. Takada

Demência frontotemporal
Introdução
A primeira descrição de variante comportamental da Demência Frontotemporal (vcDFT) é atribuída a Arnold
Pick, que em 1904 publicou um relato de caso de uma paciente de 41 anos que desenvolveu um quadro de-
mencial, em que predominavam manifestações comportamentais como estereotipias, embotamento do afeto e
perda de motivação.
A vcDFT é considerada a segunda causa mais frequente de demência em pacientes com idade de início
inferior a 65 anos (em algumas casuísticas apresentando prevalência similar à da doença de Alzheimer nesse
grupo etário). Estima-se que a prevalência de vcDFT seja de 15-22 casos por 100.000 habitantes, e a incidência
de 2,7-4 casos por 100.000 habitantes/ano.
A idade de início dos sintomas é variável, em geral entre 45 e 65 anos, mas pode variar entre a terceira e nona
décadas de vida. A doença parece ocorrer um pouco mais frequentemente em homens do que em mulheres.

Quadro clínico
A vcDFT é caracterizada por quadro comportamental insidioso e progressivo, com mudanças na persona-
lidade e no comportamento social. Além das mudanças comportamentais observa-se declínio cognitivo, par-
ticularmente no funcionamento executivo. E eventualmente ao quadro clínico podem se associar distúrbio de
linguagem, sintomas extrapiramidais (particularmente parkinsonismo) e/ou doença do neurônio motor.

A apresentação clínica varia bastante entre pacientes, e os sintomas comportamentais podem incluir apatia,
desinibição, embotamento afetivo, perda de crítica (insight), perda de modos e decoro social, comportamentos
estereotipados e perseverativos, e/ou mudanças no comportamento alimentar.

Os pacientes podem começar a fazer coisas inapropriadas em público (como comentar em voz alta sobre a
aparência física de um desconhecido, ou mesmo tirar a roupa em público), realizar compras em excesso sem se
preocupar com as consequências, ou até mesmo praticar pequenos delitos, como roubar produtos de uma loja.
A apatia pode levar o paciente a deixar de ir ao trabalho, parar de ir a eventos sociais ou então parar de cuidar
de sua aparência. Os pacientes podem se tornar emocionalmente distantes e agir como se não importassem
com pessoas próximas (como não ir visitar um parente internado em hospital para assistir um jogo de futebol).
Comportamentos como checar compulsivamente se as portas estão trancadas, passar a levar objetos (até
lixo) para casa em excesso, falar sempre as mesmas frases, ou então desenvolver hábito de batucar o tempo
todo em objetos são exemplos de comportamentos compulsivos, estereotipados ou repetitivos que podem
aparecer na doença.
A mudança nos hábitos alimentares frequentemente é caracterizada por preferência maior por doces, mas os
pacientes podem ter mudanças nas preferências e passar a comer sempre os mesmos alimentos.
Inflexibilidade mental, como exigir que a família sempre jante nos mesmos horários, e hiperreligiosidade são
outros sintomas que podem aparecer na vcDFT.
Apesar da riqueza de manifestações neuropsiquiátricas, sintomas psicóticos como delírios ou alucinações
são relativamente infrequentes na vcDFT, e ocorrem em menos de 20% dos pacientes.
As queixas cognitivas podem ser menos proeminentes no início, porém ocorre declínio cognitivo com déficits
em tarefas frontais/funções executivas, e preservação relativa de memória episódica e das funções visuoespaciais.
Associação entre vcDFT e doença do neurônio motor – particularmente esclerose lateral amiotrófica (ELA)
- ocorre em cerca de 15% dos casos de vcDFT, e parkinsonismo é observado em 10-20% dos pacientes. A
sobrevida dos pacientes após início dos sintomas é na média entre 6 a 9 anos.

70 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Diagnóstico
Os critérios diagnósticos atualmente utilizados para a vcDFT foram publicados em 2011 por Rascovsky e
colaboradores, e permitem diagnóstico de vcDFT possível, quando o paciente apresenta três das seis carac-
terísticas apresentadas na Tabela 1 (A-E), e de vcDFT provável. Nesses critérios, “precoce” é definido como
aparecendo nos três primeiros anos da doença. Uma coisa a ser notada nesses critérios é que cinco das seis
características se referem a sintomas relativos ao comportamento, enquanto que apenas um dos critérios é
baseado na avaliação neuropsicológica. Isso ocorre pois a vcDFT é primordialmente caracterizada por sintomas
comportamentais, e não é raro que os pacientes com vcDFT (principalmente na fase leve) tenham desempenho
normal em testes neuropsicológicos.
Um paciente recebe diagnóstico de vcDFT provável quando preenche os critérios para vcDFT possível, tem
declínio funcional significativo, e apresenta achados de neuroimagem compatíveis com o diagnóstico: atrofia
frontal e/ou temporal anterior em neuroimagem estrutural ou hipofluxo/hipometabolismo frontal e/ou temporal
anterior em neuroimagem funcional.
O diagnóstico de vcDFT só pode ser feito caso os sintomas apresentados pelo paciente não possam ser ex-
plicados por outras doenças neurodegenerativas, doenças psiquiátricas ou condições médicas. E se não houver
biomarcadores que sugiram diagnóstico de outras doenças (como biomarcadores no liquido cefalorraquidiano
que sugiram doença de Alzheimer, por exemplo).

Tabela 1 • Critérios Diagnósticos da Variante Comportamental da Demência Frontotemporal


A Desinibição comportamental precoce;
• Comportamentos socialmente inapropriados,
• Perda de modos ou decoro, ou
• Atos impulsivos, precipitados.
B Apatia ou inércia precoce
• Perda de empatia ou simpatia/compaixão precoce,
• Indiferença em relação às necessidades/sentimentos de outros, ou
• Diminuição no interesse social, em relacionamentos mútuos ou de afeto.
C Comportamentos compulsivos/ritualísticos, estereotipados, ou perseverativos precoces;
• Movimentos repetitivos simples,
• Comportamentos complexos, compulsivos ou ritualísticos, ou
• Esterotipias da fala.
D Hiperoralidade e mudanças na dieta
• Mudanças nas preferências alimentares,
• Binge eating, aumento no consumo de álcool ou cigarros, ou
• Exploração oral ou consumo de objetos não comestíveis.
E Perfil neuropsicológico: disfunção executiva com preservação relativa de memória e habilidades visuoespaciais.

Os diagnósticos diferenciais mais importantes para a vcDFT são a doença de Alzheimer (particularmente de
início precoce, em que as alterações de comportamento e de linguagem podem ser importantes) e doenças
psiquiátricas, como depressão, transtorno afetivo bipolar, ou esquizofrenia.

Investigação
Os critérios diagnósticos são úteis para guiar a anamnese dos sintomas neuropsiquiátricos apresentados
pelos pacientes. Alguns sintomas como perda de empatia, embotamento afetivo, ou mudanças nos hábitos ali-
mentares podem não ser espontaneamente relatados por familiares. O uso de questionários como o Inventário
Comportamental Frontal (Frontal Behavioral Inventory, disponível em gncc.com.br/testes-cognitivos), também
podem ajudar na avaliação.
Como cerca de 10-20% dos pacientes com vcDFT tem história familiar positiva, com padrão de herança
autossômico dominante, é importante investigar o histórico familiar.
No acompanhamento de pacientes com vcDFT, é importante também ficar atento ao aparecimento de sin-
tomas ou sinais sugestivos de doença do neurônio motor, como fraqueza, fasciculações, ou atrofia muscular.
Pacientes com vcDFT podem ter sintomas de manejo difícil, e por vezes o diagnóstico não é fácil de ser es-
tabelecido. Nesses casos, os pacientes devem ser encaminhados para avaliação neurológica e/ou para centros
de referência em transtornos cognitivos.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 71


Os exames de neuroimagem são fundamentais para o diagnóstico. Nas fases iniciais da doença, a neuroima-
gem estrutural (ressonância magnética de encéfalo ou tomografia de crânio) pode ser normal, mas conforme a
doença progride, a atrofia nos lobos frontais e/ou temporais vai se tornando mais evidente. Os exames de neu-
roimagem funcional (como a cintilografia de perfusão cerebral [SPECT cerebral] ou a tomografia por emissão de
pósitrons com fluoro-deoxiglicose [FDG-PET]) podem ser úteis quando a neuroimagem estrutural não evidenciar
alterações compatíveis com vcDFT.

Tratamento
Não existem tratamentos específicos para a vcDFT e, portanto, o manejo dos pacientes deve focar no tra-
tamento de sintomas comportamentais. Existem evidências de que há déficit serotoninérgico em pacientes
com vcDFT e por isso inibidores da receptação da serotonina são utilizados com frequência para o tratamento
de sintomas neuropsiquiátricos, como sintomas depressivos, irritabilidade, compulsões, agressividade, impul-
sividade, entre outros. Agitação intensa, particularmente se acompanhada de agressividade, pode requerer o
uso de neurolépticos atípicos. Cabe ressaltar que o uso de neurolépticos está relacionado a efeitos adversos
potencialmente graves, como aumento de mortalidade (por eventos cardiovasculares ou infecciosos), e por isso,
neurolépticos devem ser utilizados com cuidado e pelo menor tempo possível.
Inibidores da acetilcolinesterase podem piorar agitação em alguns pacientes e portanto não são rotineira-
mente recomendados. Os estudos com memantina não mostraram benefício para pacientes com vcDFT.

Afasias Progressivas Primárias


Introdução
O termo afasia progressiva primária (APP) tem sido utilizado para englobar as formas de afasia neurode-
generativa, mas com o tempo foi ficando claro que nem todos os casos de APP se apresentavam da mesma
forma, o que levou a subclassificação da APP em variantes. Os critérios diagnósticos de Degeneração Lobar
Frontotemporal (DLFT) de Neary e colaboradores, publicados em 1998, definia duas formas de afasia primária:
a demência semântica (DS) e a afasia progressiva não fluente (APNF). Em 2004, Gorno-Tempini e colaboradores
descreveram uma terceira variante da APP, que denominaram afasia progressiva logopênica (APL).
Em 2011, foram publicados critérios diagnósticos da APP e de suas variantes, em uma tentativa de harmoni-
zar a nomenclatura das variantes da APP nas publicações científicas. Esses critérios definem três variantes da
APP: a variante semântica da APP (vsAPP, que corresponde à DS), a variante não fluente ou agramática da APP
(vnfAPP, que corresponde à APNF), e a variante logopênica da APP (vlAPP, que corresponde à APL).

Quadro clínico
O quadro clínico da APP varia conforme a variante, por isso cada variante será apresentada separadamente.
É importante ressaltar que frequentemente os pacientes com APP (ou seus familiares) apresentam na consulta
uma queixa de “esquecimento”. Mas diferentemente do esquecimento da doença de Alzheimer, em que tipi-
camente os pacientes se esquecem de informações recentes e se tornam repetitivos, os pacientes com APP
apresentam “esquecimentos” de palavras, com dificuldade para nomear objetos e se expressar. Distúrbio de
linguagem pode acontecer na doença de Alzheimer, mas caracteristicamente ocorre nas fases mais avançadas
da doença, enquanto que nas APPs, problemas com a linguagem aparecem logo no início dos sintomas. Como
o comprometimento é isolado da linguagem nas fases iniciais das APPs (nos primeiros dois ou três anos), os
pacientes muitas vezes conseguem manter certa funcionalidade para atividades de vida diária a despeito de ter
desempenho ruim em testes cognitivos (como no Mini Exame do Estado Mental, que é um teste cujo desempe-
nho depende muito da preservação da linguagem).
Variante Semântica da Afasia Progressiva Primária • A vsAPP é uma síndrome clínica caracterizada por
distúrbio de linguagem fluente, com perda progressiva do conhecimento de palavras (levando a anomia e difi-
culdade de compreensão de palavras). Em pacientes com a vsAPP, a queixa mais frequentemente apresentada
é a de “esquecimento”, mas uma anamnese mais cuidadosa permite verificar que o esquecimento é específico
para o conceito dos objetos (algo que chamamos de memória semântica). Assim, os pacientes com a variante
semântica frequentemente perguntam coisas como “o que é um alicate?”, pois perderam o conceito de o que
é um alicate, ou então deixam de nomear os objetos pelos nomes corretos e passam a utilizar palavras mais
genéricas como “coisa” ou “negócio”.
Os pacientes podem tem dificuldade de reconhecer objetos (particularmente itens pouco frequentes ou com
os quais estão menos familiarizados), além de apresentar parafasias semânticas e dislexia/disgrafia de superfí-

72 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


cie. Parafasias semânticas são caracterizadas por trocas de palavras na fala, como chamar um elefante de ca-
chorro. Dislexia e disgrafia de superfície são caracterizadas por erros na leitura (dislexia) ou escrita (disgrafia)
de palavras irregulares. Palavras irregular é aquela cuja pronúncia não segue as normas comumente utilizadas
e por isso a grafia e a pronúncia não são exatamente compatíveis. Um exemplo de palavra irregular é a palavra
“pizza”, que é lida como “pitza” ao invés de “piza”. Na disgrafia de superfície, por exemplo, um paciente pode-
ria escrever “maxucado” ao invés da grafia correta (“machucado”).
O início dos sintomas ocorre mais frequentemente entre os 65-70 anos (variando entre 50-80 anos), com
distribuição similar entre homens e mulheres (ou com leve predomínio em homens). A sobrevida é mais longa do
que na vcDFT, com mediana entre 8 a 12 anos.
A doença leva a um comprometimento assimétrico dos lobos temporais anteriores. Após alguns anos de evo-
lução do distúrbio de linguagem, podem aparecer sintomas comportamentais similares aos observados na vcDFT.

Variante não fluente ou agramática da Afasia Progressiva Primária • A vnfAPP é caracterizada por fala es-
pontânea não fluente, com presença de agramatismo, parafasias fonêmicas e anomia. Agramatismo é caracterizado
por simplificação nas formas gramaticais, com presença de erros e omissões gramaticais (como falta de conjuga-
ção de verbos, ou erros na concordância de números ou gênero). Os sintomas podem se iniciar com redução na
produção de palavras, redução do comprimento de frases e dificuldades na compreensão de frases sintaticamente
complexas (como frases em que o sujeito não está no início da frase – na frase “O homem foi perseguido pelo carro”,
por exemplo, os pacientes com vnfAPP podem ter dificuldade para saber que o sujeito é o carro, e não o homem).
Alguns pacientes apresentam dificuldade no planejamento articulatório das palavras, denominada apraxia
da fala, e na avaliação neuropsicológica podem apresentam também sinais de disfunção executiva e déficits
em memória operacional. Apesar das dificuldades de linguagem, os pacientes podem manter a funcionalidade
e independência por alguns anos.
Com a progressão da doença, podem se associar às dificuldades de linguagem quadro extrapiramidal com-
patível com paralisia supranuclear progressiva ou síndrome corticobasal, ou ainda mudanças comportamentais
como vistas na vcDFT. O início dos sintomas é, de modo geral, mais tardio do que na vcDFT, com idade média
de início de 63 anos, e a evolução clínica parece ser mais longa que na vcDFT.

Variante logopênica da Afasia Progressiva Primária • A vlAPP é a variante que foi descrita mais recente-
mente (2004), e tem a peculiaridade de ser considerada uma apresentação atípica da doença de Alzheimer já
que a maioria dos pacientes com vlAPP tem no exame neuropatológico achados típicos da doença de Alzheimer
A principal característica do distúrbio de linguagem observado na vlAPP é a dificuldade em encontrar palavras, que
leva a pausas na fala. Dificuldade na repetição de frases também é outra característica marcante, que acredita-se estar
associada a comprometimento da memória operacional verbal. Com a progressão da doença, ocorre declínio na ex-
pressão, e pode haver dificuldade de compreensão de palavras. E posteriormente, outros domínios cognitivos podem
ser comprometidos, e o paciente pode evoluir para um quadro de demência similar ao da doença de Alzheimer.

Diagnóstico
Pelos critérios diagnósticos de Gorno-Tempini e colaboradores, o diagnóstico de APP deve ser feito em duas
etapas. Em primeiro lugar deve-se firmar um diagnóstico de APP, baseando-se nos critérios de inclusão e exclu-
são mostrados na Tabela 2. A segunda etapa consiste no diagnóstico da variante da APP, que deve se basear
nos critérios mostrados nas Tabelas: 3 para vsAPP, 4 para vnfAPP, e 5 para vlAPP.

Tabela 2 • Critérios de Inclusão e Exclusão para o diagnóstico de APP


Critérios de Inclusão • os três devem estar presentes
1. O sintoma mais proeminente é a dificuldade com linguagem
2. Esses déficits são a causa principal de limitação nas atividades de vida diária
3. Afasia deve ser o déficit mais proeminente no início dos sintomas, e nas fases iniciais da doença
Critérios de exclusão • os quatro devem estar ausentes
1. Os déficits são melhor explicados por doenças não degenerativas do sistema nervoso, ou por doenças clínicas;
2. O distúrbio cognitivo é melhor explicado por diagnóstico psiquiátrico;
3. Perda de memória episódica, memória visual, e declínio nas habilidades visuoperceptivas como sintomas proeminentes iniciais;
4. Distúrbio comportamental proeminente no início do quadro.

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Tabela 3 • Critérios diagnósticos para a variante semântica da APP
Diagnóstico Clínico de vsAPP
Ambos critérios centrais devem estar presentes:
• Comprometimento da nomeação por confrontação;
• Comprometimento na compreensão de palavras isoladas.
Ao menos 3 das seguintes características devem estar presentes:
• Comprometimento do conhecimento de objetos;
• Dislexia ou disgrafia de superfície;
• Repetição preservada;
• Produção de fala preservada (gramática e aspectos motores da fala).
Diagnóstico de vsAPP com suporte de neuroimagem
Ambos critérios devem estar presentes
• Diagnóstico clínico de vsAPP;
• Neuroimagem deve mostrar uma ou mais dos seguintes achados:
n Atrofia predominante no lobo temporal anterior;

n Hipoperfusão ou hipometabolismo predominante no lobo temporal anterior.

Tabela 4 • Critérios diagnósticos para a variante não fluente da APP


Diagnóstico Clínico de vnfAPP
Ao menos um dos critérios centrais deve estar presente:
• Agramatismo;
• Apraxia da fala.
Ao menos 2 das seguintes características devem estar presentes:
• Comprometimento da compreensão de frases complexas;
• Preservação da compreensão de palavras isoladas;
• Preservação do conhecimento de objetos.
Diagnóstico de vnfAPP com suporte de neuroimagem
Ambos critérios devem estar presentes
• Diagnóstico clínico de vnfAPP;
• Neuroimagem deve mostrar uma ou mais dos seguintes achados:
n Atrofia predominante na região fronto-insular posterior esquerda;

n Hipoperfusão ou hipometabolismo predominante na região fronto-insular posterior esquerda.

Tabela 5 • Critérios diagnósticos para a variante logopênica da APP


Diagnóstico Clínico de vlAPP
Ambos critérios centrais devem estar presentes:
• Comprometimento da recuperação de palavras na fala espontânea e nomeação
• Comprometimento da repetição de frases e sentenças.
Ao menos 3 das seguintes características devem estar presentes:
• Erros fonológicos na fala espontânea e nomeação;
• Preservação da compreensão de palavras isoladas e conhecimento de objetos;
• Preservação dos aspectos motores da fala;
• Ausência de agramatismo franco.
Diagnóstico de vlAPP com suporte de neuroimagem
Ambos critérios devem estar presentes
• Diagnóstico clínico de vlAPP;
• Neuroimagem deve mostrar uma ou mais dos seguintes achados:
n Atrofia predominante em região perisilviana posterior ou parietal esquerda;

n Hipoperfusão ou hipometabolismo predominante região perisilviana posterior ou parietal esquerda.

Investigação
Nos casos em que houver suspeita de APP devido ao comprometimento isolado da linguagem, ou quando
houver declínio das habilidades linguísticas desproporcional ao dos outros domínios cognitivos (como memória
episódica, habilidades visuoespaciais e/ou funções executivas), deve-se encaminhar o paciente para realização
de avaliação neuropsicológica. Se houver disponibilidade, uma avaliação de linguagem com fonoaudiólogo

74 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


especializado pode auxiliar no diagnóstico diferencial tanto entre APPs e outras síndromes cognitivas, quanto
entre as variantes da APP, e também pode guiar estratégias para treinamento cognitivo. A avaliação da lingua-
gem deve englobar as seguintes funções: produção da fala (aspectos motores e gramática), nomeação por
confrontação, repetição de palavras e frases, compreensão de palavras e frases, conhecimento de objetos,
escrita e leitura.
Em algumas regiões do país, o acesso de pacientes a avaliações neuropsicológicas ainda é restrito, e por
isso, quando houver limitações para a investigação de casos suspeitos de APP, os pacientes devem ser enca-
minhados para centros de referência em transtornos cognitivos (geralmente encontrados em hospitais universi-
tários). O diagnóstico das variantes da APP é importante pois tem repercussões sobre o manejo e prognóstico
dos pacientes, como foi comentado anteriormente.
Os exames de neuroimagem também auxiliam no diagnóstico das APPs, como visto nas tabelas 3, 4, e 5. A
ressonância magnética de encéfalo é o método de escolha para avaliação estrutural do encéfalo, pois permite
avaliar o padrão de atrofia com maior acurácia. Os estudos de neuroimagem funcional como a cintilografia de
perfusão cerebral (SPECT cerebral) ou a tomografia por emissão de pósitrons com fluoro-deoxiglicose (FDG-
PET) podem auxiliar no diagnóstico quando a neuroimagem estrutural deixa dúvidas.

Tratamento
Infelizmente não existe até o momento tratamento medicamentoso específico para as APPs, de modo que o
tratamento tem como objetivo o manejo de sintomas que aparecem no curso da doença. A reabilitação cogni-
tiva com ênfase na linguagem, realizada por neuropsicólogos ou fonoaudiólogos, pode auxiliar os pacientes na
comunicação e atividades diárias. Acompanhamento com terapeutas ocupacionais, e com fisioterapeutas (caso
apareçam sintomas motores como parkinsonismo), também podem ser benéficos aos pacientes.
Sintomas neuropsiquiátricos como depressão, ansiedade, agitação, agressividade, distúrbio do sono, entre
outros, podem aparecer no curso da APP. O uso de antidepressivos (particularmente os inibidores da recapta-
ção da serotonina) pode auxiliar em alguns desses sintomas, e eventualmente o uso de neurolépticos pode ser
necessário. Costuma-se dar preferência aos neurolépticos atípicos, pela menor incidência de efeitos colaterais
parkinsonianos.
Não existem evidências conclusivas que o uso de inibidores da acetilcolinesterase ou da memantina são
benéficos no tratamento das variantes da APP. No entanto, como frequentemente os pacientes com a vlAPP
apresentam diagnóstico neuropatológico de doença de Alzheimer no exame post mortem, pode-se tentar uti-
lizar inibidores da acetilcolinesterase em pacientes com vlAPP (com a ressalva de que não foram realizados
estudos que avaliaram a eficácia dessas medicações na vlAPP). n

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13 Demências com parkinsonismo
Leonel T. Takada

Introdução
Parkinsonismo é definido pela ocorrência de bradicinesia associada a outras manifestações como rigidez,
tremor de repouso e/ou instabilidade postural, e pode ter diversas causas. Uma das causas mais frequentes é
o parkinsonismo induzido por medicações, como neurolépticos e alguns bloqueadores do canal de cálcio, co-
mo a flunarizina. Dentre os parkinsonismos associados a doenças neurodegenerativas, a doença de Parkinson
(Capítulo 10) é a causa mais frequente.
Neste capítulo sobre demências com parkinsonismo, vamos falar sobre a degeneração corticobasal (DCB) e
a paralisia supranuclear progressiva (PSP). Essas duas doenças são classificadas como parkinsonismos “atípi-
cos”, em contraposição ao conceito de parkinsonismo “típico”, representado pela doença de Parkinson. Dentro
do grupo dos parkinsonismo atípicos, também estão incluídas a demência com corpúsculos de Lewy (Capítulo
9) e a atrofia de múltiplos sistemas. A atrofia de múltiplos sistemas é uma doença rara, caracterizada por sin-
tomas como: disautonomia, sintomas cerebelares, parkinsonismo, e sinais de liberação piramidal. Sintomas
cognitivos podem ocorrer na atrofia de múltiplos sistemas, mas não são características centrais da doença, e
por isso a atrofia de múltiplos sistemas não será abordada neste capítulo.
É importante lembrar que parkinsonismo pode aparecer em outras doenças neurodegenerativas, não apenas
como efeito colateral do uso de neurolépticos usados para tratamento de sintomas comportamentais, mas também
pode aparecer espontaneamente. Parkinsonismo pode aparecer, por exemplo, nas fases mais tardias da doença de
Alzheimer e da variante comportamental da demência frontotemporal. O parkinsonismo também pode ocorrer na
demência vascular subcortical, e é caracteristicamente um parkinsonismo que predomina em membros inferiores.

Degeneração corticobasal
Introdução
A síndrome da DCB (chamada por alguns de síndrome corticobasal) foi descrita em 1968 por Rebeiz e cola-
boradores, como uma forma de parkinsonismo assimétrico, com apraxia, e outros sintomas corticais e relacio-
nados aos núcleos da base, como afasia e distonia. A descrição inicial relatou que as habilidades mentais esta-
riam relativamente preservadas na DCB, mas nas últimas décadas, a existência de comprometimento cognitivo
na DCB foi sendo melhor caracterizada e atualmente é característica central da síndrome.
A prevalência da DCB é de cerca de 5-7 pacientes a cada 100.000 habitantes, e a doença acomete de ma-
neira similar homens e mulheres.

Quadro clínico
O início dos sintomas da DCB em geral ocorre entre os 50 e 70 anos de idade (média de 63 anos), e a sobre-
vida média após o aparecimento dos sintomas é de 7 anos.
Uma das características mais marcantes da DCB é a assimetria dos sintomas (ou seja, um dos lados do
corpo do paciente é mais comprometido que o outro) e a queixa inicial mais frequente em pacientes com DCB
é de que não conseguem usar um dos braços (como se o braço tivesse se tornado inútil). Essa dificuldade para
usar o braço para fazer atividades do cotidiano pode ser causada por rigidez e/ou bradicinesia (do parkinso-
nismo), por apraxia, ou ainda por distonia. O parkinsonismo da DCB ocorre em mais de 80% dos pacientes, é
tipicamente assimétrico, em geral não vem acompanhado de tremores, e melhora pouco ou nada com uso de
levodopa. Apraxia é definida como incapacidade de realizar atos motores que aprendemos durante a vida, como
dar tchau, usar uma chave para abrir uma fechadura, ou abotoar uma camisa, entre outros, e ocorre em cerca
de 70% dos pacientes com DCB. A apraxia não ocorre por fraqueza muscular, por perda de coordenação ou por
perda de sensibilidade, mas por lesão das estruturas dos lobos parietais e/ou frontais, e pode ser testada pedin-
do-se que os pacientes realizem gestos com as mãos, como acenar, prestar continência, demonstrar como se
abre um cadeado com uma chave (sem utilizar objetos reais), ou ainda copiar gestos manuais do examinador.
Distonia é caracterizada pela contração involuntária de músculos que causam posturas anormais. Na CBD, a
distonia pode se manifestar, por exemplo, fazendo com que o paciente fique com o punho fechado e não consi-
ga mais abri-lo (ou sinta muita dor ao tentar fazer isso). A distonia ocorre em 20-40% dos pacientes com DCB.

76 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Os pacientes com CBD podem apresentar outros sintomas relacionados ao comprometimento das estrutu-
ras dos lobos parietais do cérebro. Os distúrbios de sensibilidade da DCB ocorrem por disfunção do córtex pa-
rietal (por isso chamados de déficits sensitivos corticais), e podem se manifestar como agrafestesia (dificuldade
para reconhecer algo que é escrito na pele), astereognosia (dificuldade para reconhecer um objeto pelo tato) ou
extinção tátil (incapacidade de reconhecer que está sendo tocado nos dois braços ou nas duas pernas simul-
taneamente, mas ser capaz de reconhecer toques em um membro de cada vez). Outra manifestação da DCB é
o fenômeno do membro alienígena. Como o nome indica, nesse fenômeno, o paciente realiza movimentos com
um membro (em geral um braço) que não estão sob seu controle voluntário. Esses movimentos são bastante
variáveis e podem ser mais simples, como uma mão começar a “levitar” sem que o paciente perceba, ou mais
complexos, em que a mão afetada por esse fenômeno agarra ou mesmo “briga” com a outra mão do paciente.
O fenômeno do membro alienígena não é muito frequente, e ocorre em cerca de 20-30% dos pacientes.
Mioclonias são movimentos involuntários súbitos, que parecem “choques”, são predominantemente de mem-
bros (braços ou pernas) na DCB. Eles são observados em até 30% dos pacientes com DCB, e devem ser identifi-
cados pois ajudam no diagnóstico diferencial e podem requerer tratamento medicamentoso. Mioclonias também
podem aparecer na doença de Alzheimer, mas são infrequentes e ocorrem apenas em fases tardias da doença.
Comprometimento cognitivo ocorre em cerca de 70% dos pacientes com DCB é caracterizado, do ponto de
vista neuropsicológico, pela presença não apenas de apraxia, mas também disfunção executiva (em mais de
50% dos pacientes). Distúrbio de linguagem com afasia não fluente e comprometimento das funções visuoes-
paciais e visuoconstrutivas, com preservação relativa da memória episódica, também são encontrados com
frequência em pacientes com DCB. Dentre os sintomas neuropsiquiátricos, depressão, apatia e irritabilidade são
os mais frequentemente observados. Mas outros sintomas como ansiedade, desinibição, delírios, entre outros,
também são relatados em pacientes com DCB.

Diagnóstico
Os critérios diagnósticos mais recentes para DCB foram publicados por Armstrong e colaboradores
em 2013, e estão na Tabela 1. Esses critérios permitem um diagnóstico de DCB provável ou possível. A DCB
possível é diagnosticada quando o paciente apresenta um quadro simétrico e tem apenas um sintoma de cada
grupo (A e B da Tabela 1).

Tabela 1 • Critérios Diagnósticos da DCB Provável


Apresentação assimétrica de 2 dos seguintes:
• Rigidez ou acinesia de membros;
• Distonia de membros; e/ou
• Mioclonias.
Mais 2 dos seguintes:
• Apraxia orobucal ou de membros;
• Déficit sensitivo cortical; e/ou
• Fenômeno do membro alienígena.

Investigação
Além da anamnese e exame físico, os exames de neuroimagem podem auxiliar no diagnóstico de DCB. A
atrofia observada na tomografia computadorizada ou na ressonância magnética predomina nos lobos parietais e
é caracteristicamente assimétrica. Em geral se observa maior atrofia no hemisfério cerebral contralateral ao lado
do corpo mais acometido do paciente. Ou seja, se um paciente tem apraxia e/ou parkinsonismo mais graves em
hemicorpo direito, a atrofia geralmente é maior no hemisfério esquerdo do cérebro. Quando o paciente apresenta
comprometimento mais importante da linguagem, observamos que a atrofia é mais pronunciada no hemisfério
esquerdo (que é dominante para a linguagem na maior parte das pessoas). Os estudos de neuroimagem funcio-
nal como a cintilografia de perfusão cerebral (SPECT cerebral) podem as vezes auxiliar no diagnóstico, mostran-
do hipoperfusão de predomínio parietal, particularmente quando a atrofia é duvidosa na neuroimagem estrutural.
O diagnóstico de DCB por vezes é desafiador, pois é uma doença pouco frequente que não é amplamente
conhecida. Apesar de ser doença rara, um diagnóstico correto de DCB tem implicações importantes sobre o
manejo dos pacientes. Por isso, na suspeita de DCB (seja pelas características cognitivas ou pelo achado de um
parkinsonismo atípico), o paciente deve ser encaminhado para avaliação com neurologista, que tem treinamento
para identificar os sinais e sintomas mais característicos da DCB (e mostrados na Tabela 1). O acompanhamento
de pacientes com DCB idealmente requer seguimento com equipe multidisciplinar, como será discutido adiante,
e caso esse tipo de estrutura seja disponível, isso deve ser levado em conta ao se encaminhar um paciente para
avaliação especializada.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 77


Tratamento
O tratamento da DCB é apenas sintomático. Com relação ao tratamento medicamentoso, o parkinsonismo
tipicamente responde pouco ou nada ao uso de levodopa. As mioclonias podem ser tratadas com ácido val-
próico ou benzodiazepínicos (como clonazepam), mas os efeitos colaterais não raramente limitam o uso dessas
medicações em pacientes com DCB. O tratamento de escolha dos sintomas distônicos é a aplicação de toxina
botulínica, que infelizmente não é opção amplamente disponível na rede pública. Sintomas comportamentais
podem ser manejados com uso de inibidores da recaptação de serotonina, e o uso de neurolépticos deve ser
evitado pois pode piorar os sintomas parkinsonianos. Estudos mostraram que parte dos pacientes com DCB
têm achados na autópsia compatíveis com diagnóstico neuropatológico de doença de Alzheimer. Por esse moti-
vo, alguns autores sugerem uso de inibidores de acetilcolinesterase, apesar de que não há evidências científicas
de que essa classe de medicações seja benéfica e de que há alguns relatos de piora de sintomas em pacientes
com DCB que utilizaram inibidores da acetilcolinesterase. Também não há evidências de benefício com o uso
de memantina em pacientes com DCB.
O tratamento não farmacológico é igualmente importante no manejo de pacientes com DCB. O acompa-
nhamento e tratamento realizado por fisioterapeutas, fonoaudiólogos e/ou terapeutas ocupacionais pode trazer
benefícios aos pacientes.

Paralisia supranuclear progressiva


Introdução
A PSP foi inicialmente descrita por três autores (Richardson, Steele e Olzewski) em 1963, em pacientes com
instabilidade postural, paralisia supranuclear do olhar, demência leve, rigidez axial progressiva e paralisia bulbar.
A prevalência de PSP é de 6-7 casos por 100.000 habitantes, o que equivale a menos de 10% da prevalência
da doença de Parkinson. Em relação a distribuição por sexo, alguns estudos indicam que a PSP é um pouco
mais frequente em homens.

Quadro clínico
A mediana de início dos sintomas é de 63 anos, e a doença não foi descrita em indivíduos com menos de
40 anos de idade. A PSP tem evolução mais rápida do que a doença de Parkinson, e a sobrevida média após o
início dos sintomas é de cerca de 5 a 8 anos.
Os sintomas iniciais mais frequentes são: perda de equilíbrio, alentecimento motor, sintomas comporta-
mentais como apatia ou desinibição, sintomas bulbares e/ou distúrbios da movimentação dos olhos. Quedas
acontecem precocemente na PSP e frequentemente no primeiro ano após início dos sintomas, ao contrário do
que ocorre doença de Parkinson, na qual as quedas caracteristicamente somente ocorrem após alguns anos
de doença. As quedas ocorrem por instabilidade postural e pelo parkinsonismo que afeta predominantemente
a musculatura axial e menos os membros superiores ou inferiores. O parkinsonismo da PSP em geral não vem
acompanhado de tremores de repouso e melhora pouco ou nada com levodopa. Disartria e disfagia também
aparecem precocemente na PSP – a disfagia é uma complicação que ocorre na doença de Parkinson apenas
alguns anos após o início dos sintomas. Os pacientes com PSP também desenvolvem ao longo do tempo
comprometimento da motricidade ocular extrínseca, principalmente para movimentação dos olhos no sentido
vertical. A paralisia supranuclear do olhar, combinada a redução da frequência de piscamentos, levam a quei-
xas como: borramento visual, fotofobia, vermelhidão ocular, ou dificuldade para focar em objetos, entre outras.
Distonia (contração involuntária dos músculos levando a posturas anormais) é outro sinal que pode aparecer na
doença – no pescoço, a contração anormal dos músculos pode levar a retrocolo, com flexão forçada do pesco-
ço para trás. Distonia da musculatura da face comumente dá aos pacientes com PSP uma expressão que lem-
bra uma “cara assustada”, com os olhos arregalados. Apraxia da abertura ocular é caracterizada por dificuldade
para abrir voluntariamente os olhos, e pode ser grave a ponto de afetar a capacidade de o paciente enxergar.
Os sintomas neuropsiquiátricos aparecem precocemente na PSP e os mais frequentes são apatia e depres-
são. Outros sintomas como impulsividade (que pode contribuir com quedas), desinibição, sintomas obsessi-
vos-compulsivos e ansiedade também são relativamente frequentes na doença. O comprometimento cognitivo
pode ser leve no início da doença, mas pode ser também característica precoce em cerca de 10% dos pacien-
tes. Demência ocorre em cerca de 70% dos pacientes com PSP. O padrão neuropsicológico é caracterizado por
alentecimento psicomotor e disfunção executiva, com preservação relativa da memória episódica, linguagem e
habilidades visuoespaciais. Os pacientes com PSP tem tipicamente desempenho pior no teste de fluência ver-
bal fonêmica do que no teste de fluência verbal semântica. Outro achado frequente na avaliação é a presença

78 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


de perseveração motora elementar, em que os pacientes têm dificuldade para terminar movimentos repetitivos.
Uma das maneiras de se testar isso é através do teste do aplauso. Nesse teste, pede-se para o paciente bater
palmas três vezes. Os pacientes com PSP frequentemente têm dificuldade para parar de bater palmas na ter-
ceira vez, e acabam batendo quatro, cinco ou mais vezes.

Diagnóstico
Os critérios diagnósticos da PSP ainda utilizados atualmente foram publicados em 1996 por Litvan e colabo-
radores. Esses critérios admitem diagnóstico de PSP possível ou provável. A PSP possível é caracterizada por
curso insidioso e progressivo, início dos sintomas após os 40 anos de idade, e ausência das características de
exclusão (Tabela 2), acompanhados de uma das duas possibilidades: ou a presença de paralisia supranuclear
do olhar vertical (para cima ou para baixo), ou alentecimento de sacadas verticais e instabilidade postural proe-
minente com quedas no primeiro ano da doença. PSP provável é diagnosticada quando o paciente apresenta
tanto paralisia supranuclear do olhar vertical quanto instabilidade postural proeminente com quedas no primeiro
ano da doença. Estudos mais recentes, no entanto, mostraram que pacientes com PSP confirmada neuropato-
logicamente podem apresentar paralisia do olhar vertical e/ou quedas apenas tardiamente (ou eventualmente
não apresentar esses sintomas), e por isso a utilidade desses critérios na prática clínica é questionada por al-
guns autores.

Tabela 2 • Critérios de exclusão e características de suporte


ao diagnóstico de Paralisia Supranuclear Progressiva
Características de Suporte
• Acinesia ou rigidez simétrica, proximal mais do que distal
• Postura anormal do pescoço, particularmente retrocolo
• Resposta pobre ou ausente a tratamento com levodopa
• Disfagia e disartria precoces
• Início precoce de comprometimento cognitivo, incluindo ao menos dois dos seguintes: apatia, comprometimento do pensamento
abstrato, redução da fluência verbal, sinais de liberação frontal, e/ou comportamento de utilização ou de imitação
Critérios de exclusão
• História recente de encefalite
• Síndrome do membro alienígena, déficits sensoriais corticais, atrofia focal frontal ou temporoparietal
• Alucinações ou delírios (não causados por terapia dopaminérgica)
• Sintomas cerebelares precoces proeminentes, disautonomia precoce proeminente
• Sintomas parkinsonianos significativamente assimétricos
• Evidência neuroradiológica de anormalidade estrutural
• Doença de Whipple

Investigação
Na investigação de um caso suspeito de PSP, a ressonância magnética de encéfalo é o exame complementar
que mais pode auxiliar no diagnóstico. O achado típico é o de atrofia do mesencéfalo, e a redução do diâmetro
anteroposterior do mesencéfalo dá ao tronco encefálico um aspecto que lembra um beija-flor ou um pinguim
(por isso chamados de sinal do pinguim ou sinal do beija-flor), em um corte sagital mediano. A atrofia de mesen-
céfalo tem alta sensibilidade e especificidade para diagnóstico de PSP nos estudos publicados, mas na prática
clínica nem sempre é de fácil reconhecimento.
Assim como na suspeita de CBS, em um caso que se suspeita de PSP, o paciente deve ser encaminhado
para avaliação com neurologista, preferencialmente que atenda em serviço de saúde que disponibilize acompa-
nhamento multidisciplinar.

Tratamento
Não existem tratamentos específicos que possam modificar a evolução da doença, de modo que o tratamen-
to é sintomático. O acompanhamento com uma equipe multidisciplinar, que inclui neurologista, fisioterapeuta,
fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional é importante para o manejo dos sintomas da doença.
O tratamento medicamentoso para o parkinsonismo é limitado, tendo em vista que o parkinsonismo da PSP
tipicamente responde pouco ou nada ao uso de levodopa. Mas não é por isso que um teste terapêutico com le-
vodopa não possa ser tentado. A resposta ao uso de levodopa pode auxiliar no diagnóstico diferencial. Caso o

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paciente melhore bastante com a levodopa pode indicar que talvez o paciente tenha uma doença de Parkinson,
enquanto que a ausência de melhora pode auxiliar a estabelecer o diagnóstico de PSP. A aplicação de toxina bo-
tulínica pode ser indicada para tratamento da distonia, como por exemplo no retrocolo mencionado anteriormente.
Para tratamento dos sintomas comportamentais, geralmente utilizam-se inibidores da recaptação da serotonina, já
que neurolépticos devem ser de modo geral evitados pelo risco de piorar os sintomas parkinsonianos. Não exis-
tem evidências de que os inibidores da acetilcolinesterase trazem benefício aos sintomas cognitivos da doença. n

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80 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Demência avançada 14
Lilian Schafirovits Morillo

Introdução
Estimativas indicam que mais da metade dos portadores de Doença de Alzheimer estão nas fases moderada
e grave da doença, sendo 31% na fase moderada e 21% na fase avançada, e que noventa por cento dos pa-
cientes institucionalizados estão nestas mesmas condições.

O período médio de sobrevida após o diagnóstico da demência da Doença de Alzheimer é de 6 anos em alguns
estudos e dez em outros, variando de 1 a 16 anos sendo um terço deste período vivido nas fases avançadas.

Dados Norte-Americanos apontam que o contingente de portadores de DA no ano 2000 era de cerca
de 4,5 milhões de pessoas e são esperados em torno de 13 milhões para o ano 2050.

Dado o inevitável declínio cognitivo e funcional da demência diante dos conhecimentos atuais clínicos, ge-
riatras, neurologistas e psiquiatras enfrentam não somente o desafio de melhor conduzir esta longa e prevalente
fase da doença, como de comunicar com eficiência e responsabilidade suas expectativas terapêuticas de curto,
médio e longo prazo aos pacientes e/ou seus cuidadores.
Apesar destes dados de relevância inquestionável, a maioria dos estudos para o desenvolvimento de novos fár-
macos, para o melhor conhecimento de medidas não-farmacológicas de abordagem dos sintomas, bem como es-
tudos epidemiológicos que dêem conta de averiguar fatores que interferem na história natural da doença, formas
de abordar o fim de vida, além de outras questões como nutrição e linguagem são bastante escassos na literatura.
O curso da DA e de outras demências progressivas pode ser visto como a perda gradual da independência
e autonomia de seu portador e a fase avançada pode ser reconhecida quando o indivíduo requer cuidado inte-
gral e assistência para realizar suas atividades básicas da vida diária, tais como banhar-se, vestir-se, fazer sua
higiene pessoal e deambular.

Nesta fase também são muito comuns diferentes sintomas comportamentais, que muito diminuem a qualidade de vida
de pacientes e cuidadores e estão entre os principais motivos do estresse destes e da institucionalização dos pacientes.

Instrumentos de Avaliação Cognitiva


e Funcional em Demência Avançada
Estabelecer a fase em que a doença se encontra não necessariamente prediz seu curso, mas pode ajudar
a equipe de saúde a compreender o grupo de sintomas que devem ser esperados. Além disso, estratificar as
fases da doença otimiza a qualidade das pesquisas realizadas quando usadas como critério de inclusão ou
exclusão de ensaios clínicos.

Os instrumentos de avaliação permitem classificar a doença em fases,


além de possibilitar o acompanhamento de sua evolução e respostas terapêuticas.

Algumas escalas avaliam cognição, enquanto que outras o estado funcional e outras ainda, fazem avaliação
de gravidade global.
O instrumento de avaliação cognitiva mais amplamente utilizado, tanto na prática, como nos ensaios clínicos
é o MEEM ( Mini exame dos Estado Mental, Folstein e Folstein, 1974) e pontuações entre 11 e 17 sugerem fase
moderada da doença e pontuações iguais ou menores que 10 indicam fase avançada.

O MEEM sofre o chamado efeito solo para os pacientes muito graves e novos instrumentos
foram desenvolvidos com o objetivo de melhor acompanhar estes doentes.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 81


Em 1990 foi criada a SIB (Severe Impairment Battery) escala de zero a cem pontos que provê acurada abor-
dagem de mudanças na cognição ao longo do tempo em pacientes com MEEM abaixo de 15 pontos e apresen-
ta desafios de baixa complexidade, adaptados à gravidade dos quadros demenciais. A escala valoriza respostas
parcialmente corretas, bem como a interação não-verbal e emprega linguagem simples a fim de possibilitar a
compreensão por parte dos pacientes. Pontuações abaixo de 63 indicam quadro bastante avançado.
No que se refere ao estadiamento da demência, além da avaliação cognitiva são utilizadas escalas que com-
preendem o desempenho funcional dos doentes tais como a GDS (Global Deterioration Scale) e FAST (Functio-
nal Assessment Scale), bem como as que fazem uma avaliação mista, tanto cognitiva quanto funcional, como o
CDR (Clinical Dementia Rating Scale, Morris).

A tabela 1 faz um resumo das principais características destes instrumentos de avaliação.

Tabela 1 • Escalas de Avaliação em Demência


Escalas Domínio avaliado Escore Entrevistado Comentários
MEEM Cognição 0 a 30 Paciente Efeito solo
CDR (Clinical Status global 0 (normal) a 3 Paciente e cuidador Classifica
Dementia Rating) 0 a 18 (soma)
GDS (Global Status Global 0 a 7 (maior Paciente e cuidador Limitado
Deterioration Scale) Inclui comportamento gravidade) em mais graves
FAST (Functional Funcionalidade 0 a 6 (A até E) Cuidador Muito útil
Assesment Staging) 7 (A até G) no estadiamento
SIB (Severe Cognição 0 a 100 pontos Paciente Muito útil
Impairment Battery) < 63 pontos prejuízo grave
MEEM grave Cognição 0 a 30 pontos Paciente Mais curto que a SIB.
Igual utilidade
ADCS – ADL 19 Funcionalidade - 19 0 a 54 - escores Cuidador Modificada a partir
(Alzheimer’s Diease atividades apropriadas prejuízo funcional da escala original
Cooperative Study- à gravidade da Demência
Activities Daily Living)

Manejo dos Pacientes em Fases Avançadas da Demência


Pacientes portadores de Demência Avançada devem ser monitorados de perto pela equipe de saúde. À
medida em que doença avança estes doentes se tornam cada vez mais frágeis, sua condição pode se alterar
rapidamente e eles podem apresentar sintomas comportamentais e psíquicos com maior freqüência.

Recomenda-se que os pacientes sejam avaliados quanto à cognição, comportamento, funcionalidade, con-
dição clínica e nutricional. Além disso, orientações quanto à prevenção de quedas e estresse do cuidador estão
enfatizadas.

82 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


O cuidador é parte integrante da equipe de saúde que assiste o paciente

As expectativas do tratamento devem ser realisticamente apresentadas e discutidas com ele, bem como
devem ser abordados os temas concernentes ao fim de vida e os planos feitos baseados em decisões do
próprio paciente quando existirem e/ou de seu cuidador, em consonância com a legislação vigente e a melhor
consciência profissional da equipe.
Muitos são os desafios em relação a prover o melhor cuidado a estes doentes e seus familiares e muitas
são as dúvidas ainda não esclarecidas pela literatura médica; os esforços devem se concentrar em utilizar as
melhores evidências disponíveis no momento e a elaboração de estudos bem desenhados a fim de esclarecer
com evidências científicas claras as dúvidas remanescentes.

Tratamento da Demência Avançada


Princípios do tratamento
Mesmo nas fases avançadas da demência, existem intervenções que podem diminuir o impacto da doença
para os pacientes e seus cuidadores.
Alguns princípios fundamentais podem ser úteis no manejo dos portadores de demência avançada:

a. Alguma coisa sempre pode ser feita: É fato conhecido que intervenções relativamente simples podem ter um impacto
grande nos sintomas e na funcionalidade do paciente. Por exemplo, diminuir a dose de uma medicação ou mudar o horário de
administração pode melhorar sintomas comportamentais ou cognitivos. Identificar estas oportunidades faz parte do cuidado ao
dementado grave.
b. O diagnóstico importa: A avaliação inicial deve sempre ser abrangente, mesmo quando realizada em fases avançadas da doença.
Como e quando os sintomas começaram? Qual o padrão de mudanças comportamentais, cognitivas e funcionais? Qual foi a resposta
prévia à terapia? Qual o diagnóstico específico da demência? As respostas para estas indagações influenciam o manejo do paciente.
c. A incapacidade apresentada pelo paciente é multifatorial: Comorbidades clínicas, déficits sensoriais, efeitos colaterais de
medicações, estressores ambientais, variáveis do cuidador e a etiologia do declínio cognitivo atuam conjuntamente sobre os
déficits cognitivos, funcionais e comportamentais na demência.
d. Portadores de demência têm habilidades residuais: É comum que se ignore que as funções que ainda estão preservadas sejam
tão importante quanto aquelas que foram perdidas. A capacidade de caminhar, alimentar-se independentemente ou responder a
estímulos sociais ainda está preservada? Um plano de cuidado deve ser implementado a fim de que a autonomia e a qualidade de
vida do paciente sejam otimizadas.
e. Emoções e necessidades do paciente não devem ser desprezadas: Mesmo em fases avançadas da demência, a capacidade
de transmitir e perceber emoções está frequentemente mantida, fenômeno conhecido como preservação afetiva. Valorizar o estado
emocional do paciente e de seus familiares pode facilitar a aderência ao tratamento.
f. O paciente e a família são uma unidade: A família é uma fonte preciosa de informações sobre o histórico de saúde, a
personalidade e as características do paciente. Além disso, tem papel fundamental no monitoramento e aplicação da intervenção
planejada.

Manejo de sintomas comportamentais e psicológicos


Sintomas psiquiátricos e comportamentais são característicos das fases moderada e avançada da demên-
cia. Quando presentes levam a grande sobrecarga do cuidador, principalmente quando agitação e agressivi-
dade estão presentes e, frequentemente, podem precipitar a institucionalização do paciente. Intervenções são
importantes porque estes sintomas respondem mais rapidamente às medidas tomadas do que déficits cogniti-
vos ou funcionais.
O primeiro passo na avaliação de sintomas comportamentais é a exclusão de estressores ambientais e inter-
corrências clínicas que possam estar causando ou pelo menos contribuindo para o quadro observado. Deve-se
presumir que mudanças de comportamento sejam secundárias a delirium até que se prove ao contrário. Efeitos
secundários ao uso de novas medicações devem ser avaliados. Exame físico completo e reavaliação das medi-
cações devem ser cuidadosamente realizados. A investigação laboratorial para exclusão de causas de delirium
inclui hemograma, eletrólitos, cálcio, glicemia e urina I . O diagrama abaixo resume o passo a passo que deve
ser seguido no manejo destes sintomas (figura 1).

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 83


Figura 1 • Algoritmo para o manejo dos sintomas comportamentais
e psicológicos em pacientes com demência avançada. (adaptado de Sink et al., 2005).

84 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Tratamento Farmacológico do Declínio Cognitivo e Funcional
Intervenções farmacológicas para a melhora da cognição em pacientes com demência avançada incluem
os anticolinesterásicos e a memantina.
Três ensaios clínicos randomizados usando anticolinesterásicos em pacientes com demência moderada e
avançada e dois outros estudos envolvendo apenas pacientes com demência grave mostraram que esta classe de
medicação melhora a cognição, funcionalidade e comportamento mesmo em fases avançadas da doença.

Revisão recente da Cochrane sobre o uso de anticolinsterásico na DA sugere que os efeitos observados em
portadores de demência avançada são semelhantes aos observados em dementados leves e moderados.
Portanto, o uso de anticolinesterásicos deve ser recomendado também nas fases avançadas da demência,
embora os benefícios sejam modestos e não há evidência de que o uso de anticolinesterásicos adie a
institucionalização dos pacientes com demência avançada.

A memantina também é uma opção para a melhora da cognição em pacientes com demência avançada.
Quatro estudos randomizados com memantina utilizaram pacientes com DA moderada e grave já utilizando
Donepezila e houve melhora adicional quando os dois fármacos foram utilizados em associação.

Há evidências que o uso da memantina melhore a cognição, a funcionalidade e sintomas comportamentais como
agitação e agressividade. De forma, que seria necessário tratar seis pacientes com memantina para melhora ou
estabilização de medidas gerais em um paciente.

Existem poucos dados que mostrem o momento mais adequado para parar o tratamento com anticolineste-
rásico ou memantina. Os estudos citados incluíram pacientes com escores no Mini exame do estado mental de
até 3 a 5, embora pacientes com escores menores do que estes também possam se beneficiar do tratamento.
Desta forma, o tratamento deve ser usado até que os benefícios clínicos não possam mais ser avaliados.
Além da melhora ou da estabilidade do quadro, mesmo taxas mais lentas de declínio podem ser vistas como
um aspecto positivo do tratamento. Desta forma, antes e após a introdução de nova intervenção, seja ela farma-
cológica ou não, deve-se testar objetivamente a funcionalidade e a cognição do paciente. Se a taxa de declínio
for mais rápida do que o esperado a medicação deve descontinuada. Neste caso, sintomas de abstinência,
piora da cognição e do prognóstico podem ocorrer. Desta forma, deve-se monitorar atentamente o paciente
após a retirada destas medicações .

Manejo Nutricional
A manutenção de um estado nutricional adequado nos portadores de demência avançada cumpre importan-
te papel na qualidade de vida e prevenção de complicações nesta fase da doença.

Os objetivos e estratégias devem estar a serviço da dignidade e do conforto destes indivíduos


que já não são capazes de cuidar de si mesmos.

Dementados em estágios avançados têm comprometida progressivamente a capacidade de coordenar as diversas


fases da deglutição e como conseqüência, maior risco de disfagia e aspiração brônquica.

Além disso, estes pacientes apresentam recusa alimentar, total ou parcial dependência para comer, maior
tempo consumido nas refeições e, por fim, dificuldade em abrir a boca para receber o alimento.
Tais fatores associados concorrem para a progressiva desnutrição, desidratação e perda de peso, o que
aflige tanto a equipe de saúde quanto a família. Tabela 2
Diante deste quadro, parece atraente e lógica a ideia de prover nutrientes e líquidos de forma passiva, atra-
vés de sondas nasoenterais ou gastrostomia percutânea, no sentido de prevenir infecções, úlceras por pressão,
aspirações, melhorar o estado funcional e prolongar a vida destes doentes.
Os dados disponíveis na literatura a esse respeito são ainda de qualidade inferior à desejada e limitam-se na
grande parte das vezes a estudos observacionais e em pacientes institucionalizados apenas.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 85


Apesar das limitações apontadas, os estudos têm mostrado que as sondas de alimentações fracassam em prover
melhores índices de saúde e qualidade de vida.
Além disso, seu uso pode incorrer em desconforto, complicações e necessidade de restrição do paciente.

Por outro lado, são neglicenciados fatores que podem agravar a disfagia e a pneumonia aspirativa como
medicações sedativas, a diminuição da saliva, edentação e má higiene oral (Figura 2).

Tabela 2 • Fatores de perda ponderal em Dementados


FATORES PRIMÁRIOS FATORES SECUNDÁRIOS
Afecção cortical Dependência para comer
Alteração de olfato e paladar Doença aguda ou crônica concomitante
Alterações de comportamento Medicações
Apraxias Dietas restritivas
Disfagia Problemas bucais
Depressão
Dor

Figura 2. Fármacos que interferem


com a ingestão de alimentos
FÁRMACOS ALIMENTAR EFEITOS NA INGESTÃO ALIMENTAR
Ansiolíticos Atenção prejudicada
Antipsicóticos Movimentos anormais
Anticolinérgicos Xerostomia
Bisfosfonatos Esofagite, refluxo
Antibióticos Anorexia, náusea
Sedativos Diminuição da deglutição

ATENÇÃO! Medidas que melhoram o ambiente onde são ofertadas as refeições, posicionamento do paciente,
tempo disponível para o cuidador oferecer a comida, consistência do alimento e dos líquidos e os suplementos
podem contribuir significativamente para uma nutrição adequada nos portadores de demência avançada.

Manter as melhores condições para a alimentação oral dos pacientes, cuidados de higiene oral e orientação aos
cuidadores são, a qualquer tempo, medidas indispensáveis para a boa prática médica no manejo nutricional na
demência avançada.

Acreditamos que a atenção à nutrição do paciente dementado deva ser prática desde o início do quadro e estu-
dos prospectivos, com grupos de pacientes mais homogêneos e com adequados grupos-controle são necessários
para a elucidação deste tema tão importante para pacientes, seus familiares e cuidadores e equipe de saúde. n

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CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 87


15 Depressão em Pacientes Idosos
Cássio M C Bottino
Ricardo Barcelos-Ferreira
Marcos Antonio Lopes
Salma R I Ribeiz

Apesar de sua relevância, a depressão é uma doença de difícil mensuração, especialmente em estudos
epidemiológicos. Particularmente na população idosa, os quadros depressivos têm características clínicas
peculiares.
Nessa faixa etária há uma diminuição da resposta emocional, acarretando um predomínio de sintomas
como diminuição do sono, perda de prazer nas atividades habituais, ruminações sobre o passado e perda de
energia para atividades habituais, o que torna a apresentação dos quadros de depressão dos idosos diferen-
tes em relação aos adultos jovens.

Epidemiologia da Depressão em Idosos


O transtorno depressivo é um problema de saúde global. De acordo com a Organização Mundial de Saúde
[1], a depressão será em 2020 a principal doença associada a um impacto negativo e a um alto custo para a
sociedade moderna. Nos idosos, o transtorno depressivo causa um grande impacto na saúde devido a sua alta
prevalência e sua associação com o aumento da incapacidade funcional, da mortalidade e da maior utilização
dos serviços de saúde.
A despeito da hipótese de decréscimo nas taxas de prevalência de transtornos depressivos em idosos na
comunidade, as estimativas no Brasil tendem a variar [2]. Tal variação depende, em grande parte, da diferen-
ça metodológica entre os estudos, como por exemplo, os instrumentos diagnósticos utilizados, seus pontos
de corte e a gravidade dos sintomas avaliados. Os achados revelam que depressão menor e atípica são mais
frequentes em idosos, sendo que os instrumentos convencionais de identificação da depressão em estudos
epidemiológicos tendem a ser menos adequados para a detecção nesta população.
No paciente idoso, apesar de o humor depressivo ser normalmente aparente, não é uma queixa espontânea
frequente, havendo maior tendência em mascarar seus sintomas. Quando comparados aos adultos jovens, os
idosos experimentam mais frequentemente perda do que ganho de peso, sintomas psicóticos, além de apatia
e anedonia. A anedonia persistente acompanhada de falta de resposta a estímulos prazerosos é um sintoma
comum e central em idosos deprimidos.
Quanto às características clínicas da depressão, o adulto idoso pode apresentar um quadro de Depressão
Maior (DM) unipolar, depressão no Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), ciclotimia, distimia, ou sintomas depressi-
vos clinicamente relevantes (SDCR), sendo importante a diferenciação entre quadros de início precoce e início
tardio, além de se determinar a presença de causas ou comorbidades orgânicas.
Estudos de prevalência em idosos da comunidade revelam uma média das taxas de depressão maior de
1.8%, depressão menor de 9.8%, e de SDCR de 13,5%, evidenciando maior importância clínica de episódios
com menor gravidade e intensidade [3]. Em populações clínicas, a depressão atinge cerca de 5% a 10% dos
pacientes ambulatoriais e 11% a 44% dos pacientes hospitalizados, gerando aumento da mortalidade e dos
custos do tratamento [4].
Um estudo desenvolvido por nosso grupo [2], investigou a prevalência de morbidade depressiva e fatores
associados em idosos brasileiros, por meio de uma revisão sistemática e meta-análise, com estudos do perí-
odo de 1991 a 2009. A maioria dos estudos encontrados havia sido desenvolvida nas regiões Sul e Sudeste
do Brasil. Foram identificados 17 estudos, com um total de 15.491 idosos avaliados, sendo encontrada uma
prevalência superior a 7,0% para depressão maior, de 26,0% para SDCR e de 3,3% para distimia. As razões de
chance para depressão maior e SDCR foram maiores entre as mulheres idosas. Nossa meta-análise indicou uma
prevalência maior de SDCR e DM entre mulheres idosas (OR=2,25 e OR=1,84, respectivamente), reforçando
resultados comumente encontrados na literatura atual [5].
Outro estudo, também conduzido pelo nosso serviço [6], desenvolveu uma meta-análise acerca da prevalên-
cia de transtorno depressivo, entre idosos hospitalizados, ambulatoriais e residentes em instituições de longa
permanência (ILP). Foram avaliados 2.592 idosos, através de 15 estudos, com prevalências altas em todos os
serviços envolvidos na pesquisa. As prevalências de SDCR variaram entre 20% e 56%, em 1.454 pacientes am-

88 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


bulatoriais; entre 28,2% e 45%, em 299 pacientes hospitalizados; e entre 11% e 65%, em 839 pacientes em ILP.
As prevalências de DM variaram entre 23,4% e 41,9%, em pacientes hospitalizados, não sendo encontrados
estudos que estimaram DM em ambiente ambulatorial ou ILP. Não foram encontrados estudos que avaliassem
distimia em pacientes idosos, seja em ambiente ambulatorial, hospitalar ou em ILP.

Quadro Clínico da Depressão Maior (DM)


Os episódios de DM são caracterizados pela presença de sintomas de humor (tristeza, anedonia, apatia,
desesperança, ansiedade, irritabilidade, ideias e/ou planos suicidas), alterações psicomotoras (lentificação ou
agitação), somáticas (dores e sintomas físicos em geral), cognitivas (atenção, cálculos, memória) e neurovege-
tativas (sono, apetite, libido e ritmos biológicos). A duração mínima dos episódios é de 2 semanas, geralmente
persistindo por 6 meses a 2 anos.

Depressão Maior de Início Precoce


A depressão precoce compreende os quadros depressivos que tiveram seu início antes dos 60 anos, ge-
ralmente na idade adulta, mas podendo ser na adolescência ou até mesmo na infância. Pacientes idosos com
muita frequência experimentam sintomas depressivos provenientes de recaídas ou exacerbações de quadros
crônicos, as quais podem ocorrer em função dos eventos estressantes que permeiam o envelhecimento, como
a perda de parentes e amigos, e o impacto de condições como aposentadoria e viuvez. Quando comparada
aos quadros tardios, a depressão precoce que se manifesta no paciente idoso parece sofrer maior influência da
herança genética e dos traços de personalidade, e consequentemente da vulnerabilidade psíquica e biológica.

Instrumentos de Rastreio para Depressão


A primeira opção para avaliar os portadores de depressão recai sobre os instrumentos de rastreio, por sua
praticidade, e rapidez de aplicação. O rastreio de depressão pode ser realizado com a “Escala de Depressão
Geriátrica” (GDS, EDG), ou a “Centers for Epidemiologic Studies Depression Scale” (CES-D). Algumas outras
escalas podem ser utilizadas para quantificar os sintomas depressivos, como a Escala de Depressão de Ha-
milton, o Inventário de Depressão de Beck, a “Montgomery-Asberg Depression Scale”, e a Escala Cornell de
Depressão em Demência [7].
Almeida & Almeida avaliaram 64 idosos com diagnóstico de Depressão Maior, de acordo com CID-10 e
DSM-IV. Foram avaliadas as versões com 15, 10, 4 e 1 item da GDS. Os autores concluíram que com a GDS-
15, utilizando as notas de corte 4/5 ou 6/7, foram obtidas sensibilidade de 92,7% e 80,5%, e especificidade de
65,2% e 78,3%, para o diagnostico de Depressão Maior, respectivamente [8].
Em 2005, Paradela et al.[9] avaliaram 302 idosos atendidos ambulatorialmente, utilizando a GDS-15. Nesta
amostra, 5,3% dos pacientes apresentaram depressão e 11,6% distimia, de acordo com o DSM-IV. Com o pon-
to de corte 5/6, foi obtida sensibilidade de 81,1% e especificidade de 71,1%.
A escala CES-D foi aplicada a 903 idosos residentes em Juiz de Fora, entre 2002 e 2003. Os resultados
foram comparados com a versão brasileira da CES-D, aplicada a uma sub-amostra com 446 idosos. A escala
apresentou consistência interna (α=0,86), sensibilidade (74,6%), e especificidade (73,6%), satisfatórias para um
ponto de corte >11. Entretanto, nesse estudo, a CES-D apresentou uma freqüência relativamente elevada de
falsos positivos, comparada a GDS (33,8% vs. 15%)[10].
Além dos instrumentos de rastreio ou para quantificar sintomas depressivos, como os citados acima, exis-
tem entrevistas que possibilitam fazer o diagnóstico de depressão, que obviamente não substituem o médico
adequadamente treinado, mas podem ser úteis em ambientes de pesquisa, ou eventualmente em casos de
dúvida diagnóstica. As maiores limitações desses instrumentos, para diagnosticar demência e/ou depressão,
são o tempo necessário para sua aplicação, o que dificulta seu uso sistemático na prática clínica, e a ausência
de uma avaliação cognitiva mais abrangente.
Na Tabela 1, comparamos algumas características que ajudam no diagnóstico diferencial entre a depressão
e a demência na doença de Alzheimer [7].

Considerações farmacocinéticas em idosos


Devido às alterações na eficiência da função hepática, renal e gastro-intestinal, os parâmetros farmacociné-
ticos dos medicamentos são alterados nos idosos, o que pode afetar a forma como estas drogas são utilizadas.
Em particular, a eficiência do metabolismo de drogas psicotrópicas diminui com a idade, levando ao aumento da
meia-vida de eliminação, à uma depuração reduzida e a níveis plasmáticos elevados, além de aumento da sen-
sibilidade dos receptores. Os idosos se tornam mais suscetíveis a uma série de efeitos adversos de drogas, tais

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 89


como sedação, efeitos anticolinérgicos, efeitos extrapiramidais e hipotensão ortostática. Esses efeitos podem
ocorrer mesmo em níveis plasmáticos modestos dos medicamento. A sedação é particularmente preocupante
em idosos devido a quedas, que podem causar fraturas em pacientes que podem ter osteoporose [11].

Eficácia dos antidepressivos em idosos


Os estudos que avaliam o prognóstico de depressão em idosos indicam que aproximadamente 70% dos
pacientes, tratados por tempo suficiente e com doses apropriadas, recuperam-se do episódio índice de depres-
são. No entanto, a recomendação é para manter pelo menos 6 semanas de tratamento para os antidepressivos
atingirem o seu efeito ótimo, e a eficácia deve ser questionada quando não há resposta nas primeiras 4 sema-
nas.
Com relação ao tratamento farmacológico da depressão no idoso, uma revisão de ensaios clínicos controla-
dos mostrou que todas as três classes de antidepressivos (ADT, ISRS e IMAO) são eficientes para o tratamento
de pacientes ambulatoriais, aqueles com doenças médicas comórbidas, e pacientes hospitalizados [12].
ISRS são atualmente os antidepressivos de escolha para pacientes idosos. Os efeitos adversos mais fre-
quentes são diarréia, náuseas e perda de peso; aumento do risco de fraturas ósseas (quedas), disfunção se-
xual; hiponatremia (especialmente em mulheres com baixo índice de massa corporal ou que usam diuréticos)
e aumento do risco de sangramento gastrointestinal (especialmente em pacientes em uso anti-inflamatórios
não-esteróides ou varfarina) [13].
Entre os antidepressivos tricíclicos (TCAs), nortriptilina é a melhor tolerada e recebeu considerável atenção
no tratamento de doentes idosos. Os eventos adversos relatados com nortriptilina incluem taquicardia, boca
seca, constipação e anormalidades do paladar.
A eficácia e tolerabilidade do TCAS, ISRSs e IMAOs para o tratamento de idosos deprimidos estão relativa-
mente bem estudados, embora os inibidores da MAO possam ser uma exceção. Em outra revisão de literatura,
Salzman et al. [14] relataram que IMAOs foram considerados seguros e eficazes para idosos deprimidos em um
pequeno número de estudos. Esses autores concluíram que estudos adicionais com IMAOs são necessárias,
especialmente em pacientes com doenças médicas graves e em idosos.
Outros antidepressivos, tais como bupropiona, a duloxetina, a mirtazapina e venlafaxina, são considerados
como sendo eficazes e seguros para o tratamento de pacientes idosos deprimidos, mas existem menos evi-
dências em relação à sua utilização nesta população [15]. n

Tabela 1 • Diagnóstico diferencial entre demência de Alzheimer e depressão

Características Episódio depressivo maior (EDM) Demência de Alzheimer (DA)


Diagnóstico Com frequência preenche critérios para EDM Sintomas habitualmente menos intensos do que no EDM
Idade de início Acima ou abaixo dos 60 anos de idade Incomum antes dos 60 anos de idade
Início Tipicamente agudo Insidioso
Curso Flutuações, frequentemente Progressivo
com humor congruente
Queixas de memória Usualmente presentes Varáveis
Humor Depressivo Depressivo ou eutímico
Ciclo sono-vigília Frequentemente alterado Variável
Afasia/apraxia/agnosia Incomum Manifestam-se com a progressão da doença
Memória Desempenho melhor do que a auto-avaliação Desempenho pior do que a auto-avaliação
Desempenho melhora com pistas para evocação Desempenho não melhora com pistas
Intrusão de informação previamente aprendida Intrusão de informação previamente aprendida ao tentar
atípica evocar novo material
Disfunção executiva Típica Variável, ocorre mais tarde
Velocidade de Lentificada Normal
processamento
Esforço Diminui com a demanda cognitiva, Usualmente normal
comprometimento desproporcional em tarefas que
demandam maior esforço, respostas “não sei”

90 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


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16 Síndrome Confusional Aguda
(Delirium)
Sílvia S. Merlin

Definição
O estado confusional agudo ou síndrome mental orgânica, também conhecido como delirium, é uma síndro-
me neuropsiquiátrica com oscilação da consciência caracterizado por déficit global da atenção, início abrupto,
curso flutuante e alterações do ciclo sono vigília . Esse distúrbio da consciência resulta em comprometimento
agudo das funções cognitivas superiores como também de distúrbios do comportamento.
A perda neuronal e a menor concentração de neurotransmissores cerebrais (principalmente, acetilcolina e dopa-
mina), resultantes das alterações fisiológicas do envelhecimento, explicam porque os idosos são mais susceptíveis
ao delirium. Essas alterações resultam em menor reserva fisiológica durante alterações metabólicas ou infecciosas.

Epidemiologia
A incidência de delirium tem sido melhor estudada em ambiente hospitalar. Estatísticas americanas demos-
tram que aproximadamente 10% a 16% dos pacientes da emergência estão com quadro confusional agudo
e entre os pacientes hospitalizados 14% a 56% desenvolvem delirium . Em Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
a incidência é mais elevada , principalmente entre os idosos , com até 82% de prevalência. Em idosos da co-
munidade a prevalência varia de 0,4 a 13,6 %. Dois terços dos casos de delirium ocorrem em pacientes com
demência, Pacientes com delirium têm maior risco de desenvolver demência dentro do ano seguinte e também
apresentam duas vezes maior risco de mortalidade e morbidade .

Fatores de Risco
O inicio do quadro confusional é justificado pela complexa interação entre um paciente vulnerável - com
fatores de risco predisponentes (Tabela 1) e a exposição a fatores precipitantes (Tabela 2) .

Tabela1 • Fatores de risco predisponentes para delirium


• Idade avançada • Imobilidade
• Déficit cognitivo • Déficits sensoriais
• Doença Neurológica pregressa • Múltiplas patologias
• Antecedente de delirium • Doenças clinicas graves
• Desnutrição • Polifarmácia
• Desidratação • Uso de múltiplas drogas psicoativas
• Fatores perioperatorios • Procedimentos invasivos (sondagem e cateteres )
(urgência, duração do ato operatório )

Tabela 2 • Fatores precipitantes para delirium (causas)


• Infecções (infecção urinária, (disfunções tireoideanas, acidose, • Drogas (particularmente
pneumonia, sepse) distúrbio eletrolítico, alterações antidepressivos tricíclicos,
• Doenças cardíacas (infarto glicêmicas ) anticolinérgico, antiparkisonismo,
agudo do miocárdio, insuficiência • Doenças Renais (uremia, opióides, antimicrobianos,
cardíaca, arritimia) insuficiência renal) psicotrópicos em geral)
• Doenças Pulmonares (embolia • Doenças hepáticas (insuficiência • Abstinência de drogas
pulmonar, hipóxia, DPOC exacerbado) hepática, sangramentos, peritonite) (álcool e benzodiazepínicos)
• Doenças Neurológicas • Doenças neoplásicas • Cirurgias cruentas e prolongadas
(acidente vascular encefálico, (metástase, síndrome • Retenção urinária e fecal
convulsão, meningites) paraneoplasica, carcinomatose) • Internação em Unidade
• Doenças endócrinas e metabólicas • Dor e Estresse emocional de Terapia Intensiva

92 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Quadro Clínico
O delirium pode manifestar-se basicamente de três formas: hiperativo, hipoativo e misto. O delirium hipera-
tivo é mais facilmente reconhecido com predomínio de agitação, alucinações, ilusões, desorientação e com-
portamentos inapropriados. O delirium hipoativo, manifesta-se tipicamente com letargia, confusão, diminuição
da atividade motora e sedação. Alguns pacientes apresentam características de ambos os quadros, sendo
classificados como mistos.
Os sintomas nucleares para o diagnostico de delirium são comprometimento da atenção e consciência,
instalação do quadro de forma abrupta e flutuações dos sintomas.

Tabela 3 • Características clinicas da síndrome confusional aguda


Cognição Rebaixamento da consciência
Diminuição de atenção
Desorientação temporoespacial
Dificuldade de encontrar palavras
Compreensão pobre
Dificuldade de planejamento e organização
Memoria recente comprometida
Psicose Delírios pouco estruturados
Percepções e interpretações equivocadas de realidade
Alteração de sono vigília Sonolência , inversão ciclo de sono, insônia
Psicomotricidade Alentecimento
Agitação
Tremor e quedas
Mioclonias
Afetividade Labilidade emocional
Ansiedade e medo
Apatia
Autonômicas Taquicardia
Midríase,
Palidez
Sudorese

Diagnóstico
Os critérios diagnósticos da Síndrome confusional Aguda / Delirium segundo o DSM5 encontram-se abaixo.

Tabela 4 • Critérios diagnosticos para delirium segundo DSM 5


A. Perturbação da atenção ( capacidade reduzida para direcionar, focalizar, sustentar e mudar a atenção)
e da consciência (menor orientação para o ambiente).
B. A perturbação se desenvolve em um período breve de tempo (horas a dias), representa uma mudança
da atenção e da consciência basais e tende a oscilar quanto à gravidade ao longo de um dia.
C. Perturbação adicional na cognição ( déficit de memória, desorientação, linguagem, capacidade visuoespacial
ou percepção).
D. As perturbações dos Critérios A e C não são mais bem explicadas por outro transtorno neurocognitivo
preexistente e não ocorrem no contexto de um nível gravemente diminuído de estimulação, como no coma.
E. Há evidências (história, do exame físico ou de achados laboratoriais) de que a perturbação é uma consequência
fisiológica direta de outra condição médica, intoxicação ou abstinência de substância, de exposição a uma
toxina ou de que ela se deva a múltiplas etiologias.
Especificar se:
Agudo: Duração de poucas horas a dias.
Persistente: Duração de semanas ou meses.
Hiperativo: O indivíduo tem um nível acentuado de atividade psicomotora que pode ser acompanhado de

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oscilação de humor, agitação e/ou recusa a cooperar com os cuidados.
Hipoativo: O indivíduo tem um rebaixamento da atividade psicomotora que pode estar acompanhado de lentidão
e letargia que se aproxima do estupor.
Misto: O indivíduo tem um nível normal de atividade psicomotora mesmo com perturbação da atenção
e da percepção. Inclui ainda pessoas cujo nível de atividade oscila rapidamente.
O diagnóstico de delirium é clínico e o Mini-Exame do Estado Mental pode ser usado para determinar o es-
tado cognitivo do paciente mas, não distingue delirium de demência. A flutuação da atenção pode ser avaliado
com: recitar os dias da semana de trás para frente e o digit span. O digit span define atenção normal quando o
paciente é capaz de repetir ao menos uma sequência de cinco números de uma lista, sem erros.
Foram desenvolvidos alguns instrumentos para auxiliar no reconhecimento dos casos de delirium. Dentre
eles o Confusion Assessment Method (CAM) , versão em língua portuguesa, tornou-se a avalição mais utilizado
na detecção de delirium (sensibilidade 94% e especificidade 90%). O diagnóstico de delirium requer a presença
dos critérios 1, 2 e 3 ou 4. Não há escore, e sim resposta afirmativa ou negativa.

Tabela 5 • Confusion Assessment Method - CAM


1) Início agudo - Há evidência de uma mudança aguda do estado mental de base do paciente?
2) Distúrbio da atenção
2.A) O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo, distraiu-se facilmente ou teve
dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito?
• Ausente em todo o momento da entrevista
• Presente em algum momento da entrevista, porém de forma leve
• Presente em algum momento da entrevista, de forma marcante
• Incerto
2.B) Se presente ou anormal, este comportamento variou durante a entrevista, isto é,
tendeu a surgir e desaparecer ou aumentar e diminuir de gravidade?
• Sim
• Não
• Incerto
• Não aplicável
3) Pensamento desorganizado - O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com a conversação
dispersiva ou irrelevante, fluxo de idéias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto?
4) Alteração do nível de consciência - Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente?
• Alerta (normal)
• Vigilante (hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais)
• Letárgico (sonolento, facilmente acordável)
• Estupor (dificuldade para despertar)
• Coma
• Incerto
5) Desorientação- O paciente ficou desorientado durante a entrevista, por exemplo, pensando que estava
em outro lugar que não o hospital, que estava no leito errado, ou tendo noção errada da hora do dia .
6) Distúrbio (prejuízo) da memória- O paciente apresentou problemas de memoria durante a entrevista, tais
como incapacidade de se lembrar de eventos do hospital, ou dificuldade para se lembrar de instruções?
7) Distúrbios de percepção- O paciente apresentou sinais de distúrbios de percepção, como por exemplo
alucinações, ilusões ou interpretações errôneas (pensando que algum objeto fixo se movimentava)?
8) Psicomotricidade
Agitação psicomotora - Durante a entrevista, o paciente apresentou aumento anormal da atividade
motora, tais como agitação, beliscar de cobertas, tamborilar com os dedos ou mudança súbita e frequente
de posição?
Retardo psicomotor - Durante a entrevista, o paciente apresentou diminuição anormal da atividade
motora, como letargia, olhar fixo no vazio, permanência na mesma posição por longo tempo, ou lentidão
exagerada de movimentos?
9) Alteração do ciclo sono-vigília - O paciente apresentou sinais de alteração do ciclo sono-vigília,
como sonolência diurna excessiva e insônia noturna?

94 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Diagnóstico Diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais de delirium são a demência e a depressão. Para o diagnóstico adequado é
importante determinar a evolução e duração das alterações. Distúrbios cognitivos abruptos também podem ocorrer
na demência vascular. A demência com corpos de Lewy pode se apresentar com declínio cognitivo flutuante durante
o dia e com alucinações importantes. Uma anamnese adequada auxilia na diferenciação das duas condições.

Tabela 6 • Diagnóstico diferencial do delirium

DELIRIUM DEMÊNCIA DEPRESSÃO PSICOSE


Início Agudo Insidioso Variável Variável
Curso 24hs Flutuante Progressivo Variação diurna Estável
Consciência Prejudicada Prejudicada em Normal Preservado
estágio avançado
Atenção memória Desatento Distúrbio de Déficit atencional e Preservada
Déficit de memória memória sem memoria preservada
alteração da atenção
Reversibilidade Sim Não Recorrência Não, com ocorrência
de exacerbações
Sintomas psicóticos Delírios frouxos e Incomum em fase Porcentagem Comum com sintomas
conteúdo instável iniciais pequena presente complexos e imutáveis
EEG Alentecimento na Alentecimento Normal Normal
grande maioria

Tratamento
Uma vez instalado, o passo mais importante no tratamento do delirium é a identificação e tratamento da
causa desencadeante. Ao mesmo tempo, devem ser tomadas medidas que visem alívio dos sintomas, suporte
clínico e prevenção de complicações.
Medidas de suporte e preventivas:
• proteção de vias aéreas e manutenção de saturação de oxigênio adequada
• hidratação e nutrição
• mobilização e posicionamento adequados
• prevenção de trombose venosa profunda e de úlceras de pressão
• evitar constipação
• evitar medicações anti-colinérgicas
Medidas ambientais ou manejo não farmacológico:
• manter ambiente calmo e confortável
• luminosidade apropriada durante o dia e ambiente escuro e silencioso durante a noite (estimulando melhora
do ciclo sono-vigília).
• evitar procedimentos durante a noite, tentando não interromper o sono
• uso de calendários e relógios para melhorar a orientação
• estimular a deambulação e movimentação durante o dia
• evitar trocas de ambiente
• eliminar ruídos inesperados e/ou irritantes (como alarmes)
• analgesia regular
• presença de familiares e amigos
• evitar uso de contenções físicas

Tabela 7 • Equivalência dos antipsicóticos


Haloperidol 5 mg Clorpromazina 100mg Risperidona 2mg
Quetiapina 75 mg Olanzapina 5mg Clozapina 12,5mg

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Algoritmo 1 • Tratamento do delirium

O uso de medicações no tratamento de delirium deve ser o mínimo necessário para aliviar o desconforto de
pacientes extremamente agitados ou com alucinações. As medicações sedativas devem ser revistas regular-
mente e descontinuadas assim que possível. Deve-se sempre ter em mente que todas as medicações sedativas
podem causar delirium, principalmente as com efeitos anticolinérgicos.
Até o momento a droga de escolha para o tratamento de delirium é o haloperidol, por ser a medicação com
maior experiência clínica, poucos efeitos anticolinérgicos e poucos metabólitos ativos. O haloperidol pode ser
administrado por via oral ou intramuscular. Deve ser iniciado com doses de 1-2 mg, repetindo, se necessário a
cada 2-4 horas. Os efeitos colaterais mais importantes relacionados ao haloperidol são sintomas extra-pirami-
dais e prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma.
Os antipsicóticos atípicos como risperidona, olanzapina e quetiapina têm sido cada vez mais utilizados no tratamen-
to de idosos com delirium, uma vez que apresentam menos efeitos colaterais motores. Benzodiazepínicos devem ser
evitados, sendo reservados para pacientes nos quais o delirium deva-se à abstinência de sedativos ou álcool.

Considerações finais
Delirium é uma síndrome comum entre indivíduos idosos, com impacto negativo no prognóstico e na morbi-
mortalidade dos pacientes acometidos. Ainda é pouco diagnosticado apesar de apresentar critérios diagnósti-
cos bem estabelecidos e da existência de avaliações estruturadas para a sua pesquisa. A prevenção é a melhor
estratégia para reduzir sua frequência e complicações. n

96 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


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17 Transtornos psiquiátricos na fase
adulta que permanecem no idoso
Tíbor Rilho Perroco

INTRODUÇÃO
O intuito desse capítulo é lembrar que pessoas com transtornos psiquiátricos envelhecem e muitas vezes
suas patologias permanecem durante toda a vida. Muitos dos transtornos psiquiátricos são crônicos e não
necessariamente vão melhorar ou piorar com a idade, mas permanecem mesmo no idoso. Temos que sempre
procurar na história do paciente por diagnóstico(s) anteriores durante a vida ou por sintomas pregressos que
não foram diagnosticados durante a vida.
Muitos desses transtornos podem interferir / modificar a apresentação clínica e o tratamento das demências
em idosos. Quando esses não são identificados o tratamento dos déficits cognitivos pode ficar comprometido
e muito difícil de ser feito de modo adequado.
Podemos pontuar, entre muitos outros, alguns transtornos específicos, que serão discutidos abaixo, de mo-
do mais informativo do que educativo (pois para tal necessitaríamos de um livro todo para cada um) que são:
1. Transtorno do desenvolvimento: retardo mental, aprendizado escolar e linguagem
2. Transtorno ou traços de personalidade
3. Transtornos de Humor
4. Transtornos Psicóticos
5. Outros

DISCUSSÃO
1. Transtorno do desenvolvimento: retardo mental, aprendizado escolar e linguagem
Deve-se sempre pesquisar com os familiares ou amigos a possibilidade da existência de um transtorno do
desenvolvimento em um idoso que estamos avaliando. É evidente que a existência, por exemplo de um retardo
mental, mesmo que leve, que por vezes passa até desapercebido ou relativamente adaptado durante toda a
vida, pode interferir muito no momento de se fazer uma avaliação cognitiva. Até mesmo os tratamentos medi-
camentosos podem ter de ser modificados pois, sabemos que alguns desses transtornos de desenvolvimento
apresentam, com frequência, efeito paradoxal à algumas medicações.

2. Transtorno ou traços de personalidade


Conhecer e identificar os transtornos ou traços de personalidade em seus pacientes é fundamental para
qualquer profissional de saúde, talvez esse seja o ponto mais importante desse capítulo. Esse conhecimento
certamente tornará mais produtiva a relação médico – paciente, a aderência aos tratamentos (seja medicamen-
toso ou não); isso é, toda avaliação e tratamento desses pacientes vai ser afetada por esse transtorno.
A tabela abaixo tenta resumir o mínimo de pré - conhecimento sobre esse tópico:

O QUE É ?
Personalidade • É A ORGANIZAÇÃO DINÂMICA DOS TRAÇOS NO INTERIOR DO EU, FORMADOS A PARTIR DOS
GENES PARTICULARES QUE HERDAMOS, DAS EXISTÊNCIAS SINGULARES QUE SUPORTAMOS E DAS PERCEPÇÕES
INDIVIDUAIS QUE TEMOS DO MUNDO, CAPAZES DE TORNAR CADA INDIVÍDUO ÚNICO EM SUA MANEIRA DE SER E
DE DESEMPENHAR O SEU PAPEL SOCIAL.
Traços de Personalidade • Os traços de personalidade são padrões persistentes no modo de perceber
a realidade, relacionar-se consigo próprio e com os outros e, sobretudo, de pensar.
Transtornos de Personalidade • Quando as características pessoais (traços) são inflexíveis, rígidos
e mal-adaptativos para uma vida harmônica, causando prejuízo social e ocupacional ou sofrimento significativo
na pessoa e naqueles que a rodeiam constituem um Transtorno da Personalidade.

98 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Segundo a CID – 10 da OMS temos os seguintes Transtornos Específicos de Personalidade (F60 – CID-10,
tente-se uma descrição bem detalhada de cada um na própria CID):
F60.0 Transtorno de personalidade paranoide
F60.1 Transtorno de personalidade esquizoide
F60.2 Transtorno de personalidade anti-social
F60.3 Transtorno de personalidade emocionalmente instável
.30 Tipo impulsivo
.31 Tipo borderline (limítrofe)
F60.4 Transtorno de personalidade histriônica
F60.5 Transtorno de personalidade anancástica
F60.6 Transtorno de personalidade ansiosa (de evitação)
F60.7 Transtorno de personalidade dependente
F60.8 Outros transtorno específicos de personalidade
F60.9 Transtorno de personalidade não-especificado

3. Transtornos de Humor
Os transtornos depressivos são amplamente discutidos em outro capítulo, neste vamos nos ater em discutir
brevemente o transtorno afetivo bipolar (TAB).
Os critérios diagnósticos dos TAB são amplos e por vezes complexos para os não psiquiatras. O mais impor-
tante é ser capaz de identificar se um paciente se enquadra no espectro bipolar, tanto atual como na historia
pregressa. Essa diferenciação, principalmente com depressão, é fundamental pois modifica muito as medica-
ções do paciente, como, por exemplo, em evitar os antidepressivos em pacientes com TAB.
Diferentemente dos transtornos depressivos, principalmente os mais leve, os TAB devem ser encaminhados
para tratamento com psiquiatras.
Na tabela abaixo resume-se os tópicos mais importantes que precisam ser lembrados no momento de tratar
pacientes com Demência na Doença de Alzheimer (DDA) com história prévia de TAB:

TAB e a Demência na Doença de Alzheimer


• TAB pode mudar a apresentação clínica da DDA.
• Diferenças no uso de medicações. Evitar antidepressivos.
• Maior dificuldade de manejo.
• Necessidade de esclarecer melhor os cuidadores.

4. Transtornos Psicóticos
A patologia principal dos transtornos psicóticos durante o ciclo de vida é a esquizofrenia, transtorno esse
crônico, sem tratamento curativo e que necessita de tratamento medicamentoso durante toda a vida.
Os pacientes com esquizofrenia podem ter uma expectativa de vida um pouco menor do que indivíduos
sem a patologia e sabidamente desenvolvem mais déficits cognitivos, por esse motivo inicialmente foi também
nomeada de demência precoces.
Sempre que o clínico identificar um paciente com esquizofrenia, esse deve ser encaminhado para tratamento
com um psiquiatra.

Conclusão
Todos os profissionais de saúde devem ter conhecimentos básicos de psiquiatria para que consigam ter me-
lhor relação com os pacientes e tratá-los de maneira mais adequada.
Com os pacientes idosos isso não é diferente, porém além da avaliação psíquica atual, precisamos ser capa-
zes também de interpretar como esse individuo foi durante toda sua vida, com patologias diagnosticadas ou não.
Lembrem-se: Não é porque o paciente envelheceu que sua patologia psiquiátrica “desapareceu” ou, princi-
palmente, sua personalidade mudou ! Estas vão continuar a atuar no comportamento do indíviduo. n

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18 Tratamento Medicamentoso
dos Sintomas Comportamentais
das Demências
Tíbor Rilho Perroco

Introdução
Os sintomas comportamentais são “muito ruins” para o paciente e seus cuidadores, levam à piora nas ativi-
dades de vida diária e qualidade de vida institucionalização precoce maior sobrecarga dos cuidadores e até dez
mil dólares por ano em custos adicionais com os cuidados adicionais.
Os distúrbios comportamentais nas demências se apresentam como uma síndrome muito heterogênea, na
qual devemos fazer avaliação de sintomas e tratamento focado nesses sintomas e não tratar todos os pacientes
como se fossem iguais.

Os pacientes devem receber doses individualizadas, com início e modificações segundo a resposta clínica,
levando-se em conta a tolerabilidade do paciente e medicações já utilizadas pata outras co-morbidades.

Lembre-se: o tratamento medicamentoso deve se basear na medicação certa para o sintoma certo, observe o
estágio da doença, começando com doses pequenas e aumento progressivo e lento, até atingir o controle do
sintoma alvo.

Os sintomas neuropsiquiátricos podem aparecer em indivíduos normais, indivíduos com comprometimento


cognitivo sem demência e nos pacientes com demência, com aumento da frequência entre os grupos.

Os sintomas neuropsiquiátricos observados são:


• Delírios
• Alucinações
• Agitação/agressão
• Depressão
• Ansiedade
• Apatia
• Desinibição
• Irritabilidade
• Comportamento motor aberrante
• Distúrbio de comportamento noturno
• Distúrbios do apetite

Medicamentos
1. Antipsicóticos

Desde 2004 tem-se clara evidências de que os antipsicóticos aumentam o risco de mortalidade nas demên-
cias, por esse motivo devem ser evitados, sempre que possível. Tem clara utilização sempre que temos sinto-
mas psicóticos importantes, nos quais os benefícios superam os riscos.
Os antipsicóticos mostram benefício no tratamento de curto prazo (até 12 semanas) para agressão em
pacientes com doença de Alzheimer (DA), sempre avaliando os benefícios comparados ao custo de efeitos co-
laterais graves. As evidências são menos consistentes para o tratamento de longo prazo, assim sendo o uso a
longo prazo não é aconselhável, a não ser em circunstâncias excepcionais.

100 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


2. Anticonvulsivantes
Quando evidenciou-se o aumento de mortalidade com o uso de antipsicóticos, o uso dos anticonvulsivan-
tes aumentou para tentar substituir os primeiros, porém, alguns trabalhos também evidenciaram aumento de
mortalidade nos pacientes com demência com uso de valproato. Sua eficácia não foi observada em todos os
estudos. Deve-se observar caso a caso. Do mesmo modo, a carbamazepina pode ser usada para o tratamento
da agitação, também levando-se a resposta no seu paciente. Lembre-se de que principalmente em idosos a
carbamazepina pode causar hiponatremia, devendo os níveis de sódio serem monitorados periodicamente.
Abaixo temos 2 tabelas com os trabalho utilizando divalproato de sódio e carbamazepina no tratamento da
agitação em pacientes com demência.

3. Antidepressivos
Os antidepressivos podem ser utilizados para controle de agitação e irritabilidade nas demências. Deve-se
considerar o perfil de efeitos colaterais e interações medicamentosas. Os mais utilizados são o citalopram, ser-
tralina, trazodona com bons resultados.

4. Inibidores das colinesterases


As evidências sugerem que há relação entre distúrbios comportamentais e anormalidades colinérgicas em
pacientes com demência. Os pacientes com hipoperfusão no córtex orbitofrontal apresentam mais distúrbios do
comportamento e mais benefícios do uso de inibidores da colinesterase. Os sintomas com maior probabilidade
de resposta aos IChE são: apatia, depressão e comportamento motor aberrante.
Em pacientes sem tratamento e sintomas comportamentais deve-se tentar o uso de inibidores das colines-
terases para controle dos mesmos. Deve-se tentar a donepezila, rivastigmina ou galantamina, tratando-se a
cognição e o distúrbio neuropsiquiátrico. DEVE SER A PRIMEIRA TENTATIVA de tratamento.

5. Memantina
Existem diversos estudos demonstrando eficácia da memantina na redução de sintomas comportamentais
em pacientes com DA, em agitação e agressividade, principalmente.

Recomendações
• as medidas não farmacológicas devem ser iniciadas em primeiro lugar
• o início precoce de IChE pode protelar o aparecimento de distúrbios do comportamento na progressão da DA
• a memantina é eficaz em quadros de agitação e irritabilidade enquanto os IChE são eficazes na depressão,
apatia e comportamento motor aberrante
• na presença de distúrbios do comportamento, a terapia com inibidores das colinesterases (IChE) e memantina
deve preceder a introdução de psicotrópicos
• o uso de IChE permite o uso de doses menores de psicotrópicos por um período mais curto, minimizando os
riscos associados a esses agentes
• a descontinuação de IChE está associada a deterioração do comportamento

Conclusões
Na Doença de Alzheimer:
• usar anticolinesterásicos em todas as fases
• usar memantina nos casos moderados e graves
• utilizar doses terapêuticas
• medidas não farmacológicas SEMPRE
• demais medidas (antidepressivos, anticonvulsivantes, antipsicóticos) no momento certo e com indicação precisa) n

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19 Tratamento não
farmacológico dos distúrbios
comportamentais
Ceres Eloah de Lucena Ferretti

Sintomas comportamentais e psicológicos da demência • SCPD


Alterações não cognitivas, transtornos neuropsiquiátricos, ou alterações de comportamento são sinônimos
comuns e fenômenos que ocorrem no curso das demências. Responsáveis por maior sobrecarga entre cuida-
dores, estudos mostram que a prevalência dessas desordens é de cerca de 95% nas pessoas com diagnóstico
de demência, além de serem preditivos de declínio funcional e institucionalização precoce. O termo “BPSD”
Behavioral and Psychological Symptoms of Dementia, data de 1995 quando foi cunhado em reunião de pesqui-
sadores na Austrália, posteriormente foi cunhado por Finkel. Analogamente, em 1999, consenso de pesquisa-
dores promovido pela International Psychogeriatrics Association – IPA, entende estas desordens como sendo
um “grupo de sintomas caracterizado por distúrbios de percepção, alterações de conteúdo mental, alterações
de humor e comportamento que frequentemente acometem pacientes com demência. Estes sintomas incluem:
agitação/agressividade, comportamento motor aberrante, ansiedade, euforia, irritabilidade, depressão, apatia,,
desinibição, delírios, alucinações e mudanças nos padrões de sono e apetite. Entre nós, o termo pode ser usado
como Distúrbios Comportamentais e Psicológicos na Demência.
Essas alterações podem ocorrer em qualquer fase da demência e são motivos de grande desestrutura-
ção trazendo conflitos importantes nos ambientes familiar, de trabalho e social. As famílias, comumente não
conseguem entender o que está acontecendo com a pessoa que está doente e muitas vezes, erroneamente,
acreditam que as alterações apresentadas fazem parte da idade. Dessa maneira, quando buscam ajuda médica
a pessoa já se encontra em uma fase intermediária ou tardia da doença o que dificulta o tratamento farmacoló-
gico e contraria o que é preconizado pela maioria dos estudos recentes que preconizam o diagnóstico e início
precoce do tratamento.
Os cuidadores e profissionais precisam entender que o início dos sintomas comportamentais se diferencia,
de acordo com o tipo de demência apresentada pelo paciente. Ocorrem mais precocemente nas demências
frontotemporal DFT, com corpos de Lewy – DCL, e naquelas secundárias a dano vascular cerebral em função
de outras doenças de base como a hipertensão arterial sistêmica – HAS, e diabetes mellitus – DM, mal tratadas,
ou refratárias ao uso de medicações ao longo da vida, entre outras. Já na doença de Alzheimer - DA, essas
alterações podem surgir mais tardiamente no curso da doença.
Algumas alterações são menos impactantes sobre o cuidador talvez porque aparentemente, requeiram me-
nor envolvimento com o paciente, por exemplo, a apatia; outros como a agitação e agressividade são pouco
tolerados pelos cuidadores e considerados indicadores de institucionalização. Todos os sintomas comporta-
mentais requerem investigação acurada no sentido de identificar quais são os fatores precipitantes que podem
ser extrínsecos (ambientais) ou intrínsecos ao paciente (desequilíbrios sistêmicos), e ao cuidador (ressentimen-
tos; falta de conhecimento...).
Do ponto de vista social, é possível analisar a questão de duas maneiras: as consequências para o cuidador
e as consequências para a sociedade. No primeiro caso, quando a pessoa se vê obrigada a abandonar projetos
de vida, e atividades que envolvem profissão, lazer e assuntos pessoais em função das necessidades assumi-
das e relacionadas aos cuidados com o paciente. Em longo prazo perde suas reservas financeiras e torna-se
dependente da aposentadoria ou outro tipo de pensão ou mesmo ajuda de filhos, parentes próximos, amigos
ou de instituições religiosas. O segundo caso, talvez seja mais impactante, pois, com o tempo, o cuidador pode
vir a ser dependente do sistema de saúde e social, já que se torna mais vulnerável ao surgimento de doenças
de alta morbidade.
A maioria dos distúrbios comportamentais se inicia nas fases iniciais e intermediárias, atingem um pico antes
da fase avançada para, então, declinar e é fundamental que o profissional entenda e que o cuidador receba

102 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


informações que o levem a compreender que por mais que aparentemente a alteração apresentada seja pro-
posital e perturbadora, não é.
Num primeiro momento, a escuta atenta da queixa trazida pelo familiar, leva o profissional a entender as
necessidades daquele paciente/família/ambiente e contribuir para o diagnóstico diferencial de delirium, ou es-
tado confusional agudo, quando comumente, o paciente altera o comportamento por causas orgânicas como
infecções, desidratação, presença de fecaloma, entre outras, para que assim, possa iniciar qualquer medida de
suporte individual. A figura 1 mostra possíveis focos que precisam ser investigados para o adequado manejo
dos SCPD.

Figura 1 • Focos de investigação

Fatores Causais
As causas são multifatoriais, e os profissionais precisam estar alertas para as informações trazidas pelos
familiares que podem explicar causas que podem estar relacionadas ao cuidador, a personalidade de ambos, a
história prévia de vida e todo tipo de conflito prévio e atual à doença.

É necessário que se obtenha...


• Informações acuradas e detalhadas
• Avaliação física – pensar em condições clínicas
• Pensar em distúrbios sensoriais

Primariamente a avaliação dos SCPD deve ser direta e apoiada por informação colateral, além do familiar ou-
vir amigos e serviçais. Instrumentos de medida como, por exemplo, o Inventário Neuropsiquiátrico, costumam
ser usados nos centros de avaliação e pesquisa bem como em consultórios de especialistas para, em entrevista
com o cuidador, conhecer a frequência e a gravidade das alterações apresentadas.
Este instrumento, utilizado por pesquisadores em todo o mundo, contempla doze domínios que, se presen-
tes, orientam as ações da equipe nos manejos farmacológicos e não farmacológicos. São eles: delírio, alucina-
ções, agitação/agressividade, depressão, ansiedade, euforia, apatia/indiferença, desinibição, irritabilidade/labi-
lidade, comportamento motor aberrante, distúrbios do sono, alterações do apetite. Além disso, avalia também
a sobrecarga que estes comportamentos causam, permitindo ações de suporte ao cuidador.
Esses comportamentos podem ser abordados por meio de programas psicoeducativos que oferecem infor-
mações sobre envelhecimento normal e patológico, demência, sinais de alerta, possibilidades de tratamento
farmacológico, manejos não farmacológicos diários com diferentes graus de dependência do paciente e tam-
bém do seu cuidador.
Do ponto de vista prático os comportamentos mais comuns são abordados como se segue:

DELÍRIOS
Os mais comuns são os de roubo e de falso reconhecimento. Quando o paciente acusa seu cuidador
de tê-lo roubado e quando não reconhece sua casa e, pede para ir embora.
Para ambos, as orientações são simples. No caso do delírio de roubo, o cuidador deve se prontificar
a procurar o objeto “roubado” juntamente com o paciente até encontrá-lo, e no caso de querer ir embora,
a melhor estratégia é: “nós já vamos, você está pronto?”
“apenas preciso que me ajude com a organização da cozinha para que possamos ir”.
Se a pessoa estiver calma, é possível dar uma volta e, ao retornar, dizer: “pronto chegamos na sua casa”.

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ALUCINAÇÕES
As mais comuns são as visuais, mas podem ocorrer alucinações auditivas. Não há nenhum estímulo a ser
confundido, diferente de ilusão, em que existe um estímulo que é mal interpretado.
Os ambientes precisam ser adaptados ao paciente e não este ao ambiente. Isto porque muitas alucinações
estão associadas ao ambiente mal adaptado. É conveniente manter ambientes claros e arejados; evitar plantas e
qualquer objeto de decoração que produza sombras; papéis de parede e louças estampados; falar usando tom de
voz baixo e suave e no campo visual do paciente.

AGITAÇÃO/AGRESSIVIDADE
Estas são as alterações comportamentais mais difíceis de serem toleradas pelos cuidadores e a abordagem requer
avaliação ampla nos domínios biopsicossocial. Evitar o confronto direto com o paciente, desviar o foco da atenção
da situação. O profissional de saúde deve tentar determinar junto a família quais as circunstâncias associadas aos
sintomas, para tratar de modo adequado, bem como se estes sintomas apresentam perigo para o próprio paciente
ou para a família, nestes casos intervenção farmacológica é necessária.

Qual o meu foco de atuação?


Figura 2 • Foco das investigações

A principal estratégia é, após avaliar se houve ou há algum problema em um dos três domínios acima para
tentar resolver a causa do sintoma comportamental.

SINAIS DE ALERTA que necessitam avaliação médica imediata para exclusão:


• súbita alteração de humor e comportamento
• obstipação intestinal
• inapetência
• apatia súbita ou agitação e agressividade súbita
• baixa ingesta de líquidos
• mudança nas características da urina (baixo débito urinário, odor, colúria)
• perda súbita de controle esfincteriano.
• tosse e secreções bronco-pulmonares, mesmo na ausência de febre.

O médico deverá ser contatado se presença dos sinais citados para tratamento de eventuais problemas
como, por exemplo, infecções respiratórias, urinárias, fecaloma, desidratação, entre outras.
• O cuidador jamais deverá, nestes momentos, discutir com o paciente sobre o que ele está falando ou fazendo;
• o paciente agitado/agressivo apresenta estas características por todo o dia e não apenas em momentos pontuais,
como o momento do banho. É preciso adaptar a rotina do banho para que ele (a) o aceite sem grandes problemas.
Uma boa alternativa para isso é colocar um aparelho de som no banheiro e, quando for estimular o banho naquele
paciente que recusa esta atividade, colocar sua música preferida para que seja ouvida durante o banho;
• evitar insistir que o paciente realize uma atividade que ele não queira fazer, tentar em outro momento e pensar
que a habilidade dele para fazer determinada tarefa pode ter sido perdida parcialmente ou totalmente.

104 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


DEPRESSÃO
É comum quadros de depressão, especialmente nas fases iniciais da doença quando a pessoa com demência é
repreendida por algo que ela não tem registro de ter feito. Por exemplo, a dona de casa que esquece a panela no
fogo e, quando repreendida não se lembra de ter feito isso e acaba tendo baixa estima e tristeza, por exemplo.
Idealmente, o cuidador e as pessoas que convivem com a pessoa devem evitar comentários do tipo: “nossa, outra
vez ela esqueceu a porta aberta ou a panela no fogo”, ou “esqueceu de pagar a conta de luz”, ou “faz três dias
que não toma banho”, “não sei o que fazer, acho que não vou aguentar!”

As informações sobre como lidar no dia a dia com alguém que tem demência são indispensáveis para que
tanto o paciente quanto seu cuidador primário, familiares, amigos, possam manter a qualidade de vida, é possí-
vel usar estratégias de enfrentamento caso a caso que, de fato, auxiliam e muito nos manejos diários.
- Todo comportamento alterado deve ser informado e discutido com o médico responsável. Muitas vezes a
terapia combinada – medicamento + manejos não farmacológicos – podem ser necessários naquele paciente
que apresenta alterações com muita frequência e gravidade.

ANSIEDADE
Evitar informações prévias ao paciente sobre uma viagem, visita, casamento, que ele (a) irá. Essa é uma situação
geradora de grande ansiedade. Providencie tudo antes e deixe para falar no dia do passeio ou compromisso
quando for auxiliá-lo no banho/vestuário, etc. Do mesmo modo, quando for sair, o cuidador não deve dizer que
horas retornará, apenas dizer “vou sair e volto assim que puder”.

EUFORIA
Nestes casos, a pessoa apresenta-se inquieta e não consegue relaxar. Talvez o estabelecimento de uma rotina de
atividades possa ser útil. Por exemplo: despertar, tomar café da manhã, tomar banho, caminhar e, aproveitar para
tomar um banho de sol; auxiliar em alguma atividade simples como, molhar as plantas, lavar utensílios domésticos
de plástico, secar, ler (mesmo que o jornal esteja de cabeça para baixo) o “hábito” permanece e o cuidador não
deve questionar o paciente.

APATIA
Tentar estimular as atividades preferidas da pessoa e, para isso, sempre usar comunicação alegre e de
cumplicidade, fazendo a pessoa entender que o cuidador está ali para auxiliar, inclusive, no término da atividade.
Além disso, dar sempre o reforço positivo.

DESINIBIÇÃO
Esta é uma alteração que também traz grandes transtornos para a o cuidador direto e a família como um todo.
Todos devem ser informados sobre os possíveis comportamentos inadequados que a pessoa pode apresentar,
inclusive as crianças. Oferecer carinho, abraçar a pessoa, segurar sua mão, são exemplos de manifestações de
afeto que podem reduzir comportamentos como, tirar a roupa em público, falar palavrões, manipular genitais, etc.
Evitar rompantes, gritos, repreensões verbais agressivas e apesar de ser uma situação de gerenciamento mais
complicado, o cuidador deve procurar com carinho e firmeza, conduzir a pessoa para outro ambiente e distraí-lo
(a) com outros assuntos, quando houver um comportamento desinibido.

IRRITABILIDADE
Em geral, ocorre quando a pessoa é contrariada, e assim, a pessoa, na medida do possível o cuidador deve distrair
o paciente com outro assunto que não o deixe irritado.

COMPORTAMENTO MOTOR ABERRANTE


São comportamentos repetitivos que costuma incomodar o cuidador. A pessoa pode perambular de um lado para
outro sem motivo aparente; perguntar “que dia é hoje?” ou “que horas são?” a cada 5 minutos, tirar e por objetos
de gavetas, guarda-roupas, etc.
Desde que a atividade não traga nenhum risco, o cuidador deve deixar que a pessoa a execute. Lembrar que
a pessoa não tem registro sobre já ter perguntado que dia é hoje ou que horas são. Assim, cada vez que faz a
pergunta, para ele (a) é a primeira vez e o cuidador deverá responder, isso evita problemas.

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DISTÚRBIOS DO SONO
Fisiologicamente, pessoas idosas têm menor necessidade de horas de sono, e isso se deve a menor produção
de melatonina pela glândula pineal, e por isso pode haver um desequilíbrio do ciclo sono vigília.
Esse fenômeno não é diferente na pessoa idosa com demência.
O cuidador deve evitar que a pessoa durma durante o dia, e para isso, tentar envolvê-la em alguma atividade;
Naqueles pacientes que apresentam sono fragmentado, ou despertam durante a madrugada, pode ser útil
conduzi-lo (a) ao leito em torno de 23h -24h. Despertá-lo (a) em torno de 06h – 07h e iniciar a rotina diária.
Medidas de higiene do sono são bastante eficazes e devem ser instituídas. Evitar bebidas estimulantes do SNC,
como café, chás mate e preto, alimentos muito condimentados.

ALTERAÇÕES DO APETITE
Podem ocorrer substituições, quando a pessoa não quer aceitar as refeições convencionais e opta por pequenos
lanchinhos, doces e todo tipo de guloseima. Esse comportamento facilmente leva a desnutrição, pois alimentar
não é o mesmo que nutrir.
Nestes casos, é interessante que o cuidador faça preparações nutritivas, com aparência chamativa, colorida,
para que o paciente se sinta motivado a comer.

Atualmente, todas as orientações não farmacológicas são consideradas medidas de tratamento inicial. A
ênfase destas ações está principalmente relacionada ao diagnóstico de uma doença de alta morbidade para a
qual ainda não há tratamento modificador da sua história natural, e sim tratamento de alentecimento da progres-
são pelo uso de medicações específicas. Drogas comportamentais, sempre que possível, são evitadas dado os
efeitos colaterais nem sempre positivos para o paciente idoso.
As intervenções não farmacológicas raramente são utilizadas solitariamente, e o que está sendo mais preco-
nizadas entre os especialistas são as abordagens multicomponentes em que as equipes trabalham em conjunto.
Contudo, também é preconizado que sempre antes de intervir, especificar:

FATORES DESENCADEANTES

ANTECEDENTES CONSEQUÊNCIAS
do inglês
ABC Approach
Antecedents • Behavior • Consequence

Para a abordagem não farmacológica é fundamental


Identificar os BPSDs presentes (intensidade e frequência) e estabelecer o alvo da intervenção
Descrever, explorar as características do BPSD, identificando:
• Fatores desencadeantes
• Momento em que ocorrem, na presença de quem
• Situações específicas: exe. banho
• Fatores associados a piora ou melhora
• Desconforto causado no paciente
• Potencial estressor – sobrecarga subjetiva do cuidador
Estabelecer metas realísticas antes de implementar a prescrição não farmacológica
Avaliação contínua das intervenções para mudanças de plano se necessário

O sucesso do tratamento não farmacológico dos BPSD está na parceria com um elemento chave: o Cuida-
dor. Não basta ensinar como lidar com uma ou outra alteração de comportamento, é preciso olhar e valorizar
esta pessoa, humanizando o cuidado, respeitando sua história e firmando um vínculo de confiança, possível por
meio da formação de grupos de trabalho e comunicação efetiva profissional-cuidador sempre que necessário.

106 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Pensar que...

As intervenções devem ser planejadas de modo que possam ser facilmente aprendidas e implementadas
pelo cuidador.

Intervenções direcionadas, de baixa tecnologia e de baixo custo têm grande chance de serem efetivas,
uma vez que frequentemente poderão ser implementadas pelo cuidador.

Alguns modelos americanos e europeus discutem a importância das abordagens não farmacológicas e afir-
mam sua utilidade para o enfrentamento dos BPSD.
A literatura especializada cita algumas propostas que podem gerar resultados interessantes como terapia com-
portamental, terapia de orientação para a realidade, arteterapia, terapia luminosa, entre outras. Porém, a eficácia
destas estratégias ainda carece de estudos metodologicamente similares para comparação de seus resultados.
No Brasil, um “protocolo de Enfermagem em Demência” foi construído especificamente com base nas pro-
pedêuticas neurológica, geriátrica, psiquiátrica e gerontológica contemplando assim instrumentos de medida
nestas especialidades com vistas identificação precoce das alterações apresentadas e, assim, propor interven-
ções com foco preventivo. Anexo 1.

Associações
Hoje, melhor que no passado, avançamos muito naquilo que se pode fazer por alguém com diagnos-
tico de demência. Algumas associações dentro e fora do Brasil: AAN • American Academy of Neurology;
AA • Alzheimer´s Association, IPA • International Psychogeriatrics Association; NIH • National Institute of Health;
ABRAz • Associação Brasileira de Alzheimer, doenças similares e idosos de alta dependência, trabalham para me-
lhorar a capacidade de enfrentamento do cuidador por meio de informações que têm o objetivo de melhorar o co-
nhecimento e a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas com os cuidados com demência. Algumas abor-
dagens das diretrizes da IPA, como as que constam nos “Guide for specialists and Guide for nurses” estão no quadro.

Intervenções recreacionais • Musicoterapia arte terapia; nos manejos da agitação, ansiedade, alucinação auditiva
e padrão de sono e repouso.
Oferecimento da dieta • Fracionamento da dieta; no manejo da voracidade, inapetência, prevenção de broncoaspiração.
Aspectos sensoriais • Evitar privação sensorial prevenindo agitação, agressividade e alucinações.
Higiene do Sono • Medidas de higiene do sono, fototerapia, atividade física leve para melhorar padrão de sono
e repouso e manejar agitação.
Estabelecimento de rotinas • Para evitar exacerbações das alterações de comportamento.
Adaptação ambiental • Para segurança do paciente e remoção de estímulos estressores, por meio de manejos para redução de
perambulação e alucinações.

O Brasil, inspirado também oferece programas de educação e suporte a exemplo dos modelos de univer-
sidades de países desenvolvidos aos cuidadores de pacientes com demência. Apesar disso, ainda carece de
programas públicos mais amplos e abrangentes em território nacional que atendam diariamente e especifica-
mente o portador de demência e sua família, com atividades próprias às fases evolutivas da doença propostas
por especialistas na área.

O trabalho atual está embasado em estudos atualizados de manejos não farmacológicos com demência como:

Intervenção Descrição
Psicoeducativa • Inclui um programa estruturado que provê informações sobre a doença, recursos e serviços
a sobre como expandir a habilidade de resposta eficaz aos sintomas da doença.
• Inclui atividades que envolvem palestras, discussões e entrega de materiais impressos produzidos por
profissionais treinados.
Suporte • Foca na construção de suporte entre os participantes e criação de um espaço em que
os problema, os resultados e os sentimentos dem relação ao cuidar possam ser discutidos.
• Reuniões de grupos com interesses similares.
• Intervenções que dão a oportunidade de mudar estratégias que podem ser mais efetivas.

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Psicoterapêutico Envolve o relacionamento entre o cuidador e o terapêuta. Discussão de pensamentos negativos,
auxílio no desenvolvimento de habilidades para gerenciamento e/ou resolução de problemas.
Manejo das emoções e reengajamento social
Multicomponente Inclui variada combinação de intervenções tais como:
• Psicoeducational
• Suporte
• Psicoterapia
• Abordagens técnicas

Finalizando
Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas relacionados às abordagens não farmacológicas
possíveis, na prevenção e controle das alterações de comportamento, pessoas que trabalham com demência
continuam seus estudos e pesquisas que permitam o aprimoramento de suas intervenções.
A principal arma para se lidar com as inúmeras mudanças nas áreas da cognição, função e comportamento
afetadas progressivamente no curso da demência ainda é a informação.
Um trabalho quase artesanal executado com conhecimento, dedicação e muito amor por gente que cuida
de gente e que pensa no atendimento humanizado analisando caso a caso com respeito e individualidade. Essa
é uma realidade em alguns centros no Brasil e, certamente, meta para todos os estados da União. n

Referências
Finkel SI et al. Behavioral and psychological signs and symptoms of dementia: a consensus statement on current
knowledge and implications for research and treatment. Int Psychogeriatr, 8 (Suppl. 3):497-500, 1996.
International Psychogeriatric Association www.ipa-online.org - The IPA 1999 < disponível em International Psychogeriatrics
Association > acessado em 01/05/2015
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CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 109


APÊNDICE

110 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 111
AVALIAÇÃO COGNITIVA
MEEM – Mini exame do estado mental
ESCORE CLÍNICO DA DEMÊNCIA (CDR)

COMPORTAMENTO
Personalidade prévia à instalação da Síndrome Demencial:
Inventário Neuropsiquiátrico Breve - INP

CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL (avaliação socioeconômica)

112 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 113
114 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar
CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 115
PROTOCOLO DE ENFERMAGEM EM DEMÊNCIA. Fonte: Ferretti CEL (1997)

116 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Atividades que podem ser 20
sugeridas para idosos com
comprometimento cognitivo
Thais Bento Lima-Silva

Introdução
O idoso tende a se queixar mais sobre problemas e dificuldades de memória. Porém, uma grande parte destes
idosos apresenta desempenho normal ou dentro do esperado em testes de memória e em outros domínios cog-
nitivos, sendo considerados como queixadores subjetivos de memória (“subjective memory complainers”). Vários
fatores estão relacionados às queixas subjetivas de dificuldade de memória, como sintomas depressivos leves,
ansiedade, alterações neurosensoriais (audição, visão), necessidade de manter o mesmo nível de desempenho de
quando era mais jovem e doenças clínicas ( Boyle et al., 2008; Petersen et al., 2011; Winblad et al., 2004).
Atualmente, o termo “Comprometimento Cognitivo Leve” (CCL, do inglês Mild Cognitive Impairment) tem sido o
mais usado na literatura para definir o estado de transição entre o envelhecimento normal e os quadros demenciais.
Um aspecto importante do conceito de CCL é a necessidade da ausência de prejuízo funcional em atividades
de vida diária decorrentes das dificuldades e queixas cognitivas apresentadas pelo paciente. A avaliação da capa-
cidade de realizar atividades diárias (AVDs) é parte fundamental da avaliação do impacto das queixas e alterações
cognitivas no idoso (Rozzini et al., 2007).
As atividades básicas de vida diária (ABVDs) incluem atividades com menor demanda cognitiva, de mais fácil
execução e geralmente associadas à capacidade de autocuidado (Miotto, 2008). Exemplos de ABVDs são se ali-
mentar, se vestir, cuidar da higiene pessoal.
As atividades instrumentais de vida diária (AIVDs) incluem atividades mais complexas e de maior demanda cogni-
tiva. Exemplos de AIVDs são cozinhar, cuidar dos afazeres domésticos, fazer compras, cuidar de assuntos financei-
ros e administrar adequadamente sua medicação (Pereira et al., 2010a, 2010b). A evidência de que um idoso esteja
apresentando dificuldades persistentes em realizar AIVDs e que estas dificuldades sejam secundárias às suas quei-
xas e dificuldades cognitivas pode ser um sinal inicial do surgimento de um quadro demencial (Rozzini et al., 2007).
Idosos diagnosticados como CCL apresentam um maior risco de desenvolver quadros demenciais, principal-
mente a doença de Alzheimer (DA), por volta de 10% ao ano. Porém, esta taxa de progressão é variável e depende
de uma série de fatores como a idade do paciente (quanto mais idoso, maior o risco), o nível de escolaridade
(quanto menor a escolaridade, menor o risco), a intensidade dos déficits cognitivos na avaliação inicial, dentre
outros. Vale ressaltar que o diagnóstico de CCL não indica que o idoso irá invariavelmente desenvolver um quadro
demencial no futuro. Muitos idosos classificados como CCL não apresentam evidência de deterioração cognitiva
mesmo após longos períodos de acompanhamento (p.ex. 5 anos), podendo permanecer estáveis como CCL ou
retornarem à cognição normal.
Neste aspecto da manutenção do desempenho de memória ou sua otimização, temos como importante aliada
a intervenção de estimulação cognitiva, ou, treino cognitivo (Petersen, 2011).

Como elaborar intervenções de estimulação cognitiva


individualizada para pacientes com comprometimento cognitivo
De modo geral, os estudos têm mostrado melhora significativa após o treino de memória em idosos CCL
para testes cognitivos e em tarefas cotidianas. Os idosos parecem utilizar as estratégias mnemônicas ensinadas
durante as sessões e com elas mostram melhor desempenho cognitivo e funcional. Sabendo das dificuldades
de memória é importante que durante as sessões de estimulação reserve-se um momento para que os idosos
possam tirar dúvidas e entender o que está acontecendo e como podem melhorar sua condição atual (conteúdo
educacional), de acordo com estudo realizado por Olshick et al., (2013).
As sessões de estimulação cognitiva podem seguir diferentes padrões. Para escolher uma estrutura de estimu-
lação cognitiva é importante considerar as características específicas de cada idoso/grupo, o tempo e os recursos
disponíveis, assim como as metas que se pretende alcançar.

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 117


Manutenção da orientação temporal
Neste contexto, se o idoso diagnosticado com CCL apresentar dificuldade para guardar datas pode-se utilizar
metas, mantê-lo orientado no tempo, utilizando como recurso o uso diário do calendário. Considerado um recur-
so externo, o calendário deve ser aquele utilizado em parede e com letras grandes para facilitar a visualização.
É importante que nos primeiros dias uma pessoa que esteja o tempo todo com este idoso, lembrando-o de ir ao
calendário, informando-o, se necessário, a presente data para que ajudá-lo a se situar. A estratégia consiste na se-
guinte sequência de passos: pela manhã o idoso deve ir ao calendário de parede e fazer um círculo no dia atual. Ele
voltará ao calendário à noite e fará um X no dia que está se encerrando. Caso o idoso queira se lembrar da data du-
rante o dia, recomenda-se que o motive a consultar o calendário. Em poucos dias o idoso estará se lembrando da
data sem que ninguém precise auxiliá-lo. É importante que este recurso não seja abandonado mesmo depois que
o idoso não tiver mais dificuldades para se recordar da data, evitando assim que ele volte a apresentar a dificul-
dade. Ressalta-se que o calendário também pode conter datas importantes para a pessoa que o está utilizando,
como aniversários, compromissos e datas comemorativas – para que este idoso se organize e possa se planejar.

Círculo desenhado sobre a data Marcação com um “X”


no calendário, no período da manhã, sobre o dia que se encerra,
simbolizando a abertura do dia. simbolizando o fechamento deste dia.

Caso o idoso não se adapte a este recurso pode-se usar o jornal, neste caso o idoso deve prestar atenção
às datas presentes no jornal e não apenas às noticias. Assim, quando abrir o jornal o idoso deverá ser orientado
a olhar primeiramente a data do dia e posteriormente pode prosseguir com sua atenção às manchetes. Sempre
que possível, durante a leitura das notícias do jornal, estimulá-lo a olhar a data para poder fixá-la, realizando estes
passos todos os dias é possível que em poucas semanas o idoso esteja lembrando as datas corretamente.

Manutenção da atenção
Outra habilidade cognitiva que pode ser trabalhada no idoso diagnosticado com CCL é a atenção. A atenção
pode ser entendida, dentro do processo de memorização, como importante fonte para o armazenamento de informa-
ção, uma vez que a primeira etapa do processo de memorização é a atenção. O estímulo à atenção pode ser visual,
auditiva, tátil, olfativa e gustativa. As duas primeiras são as que mais se modificam na velhice, ambas podendo se
alentecer, mas podendo ser melhoradas com exercícios durante a estimulação cognitiva (Verhaeghen et al., 2013).
A atenção visual, requisitada para guardar cenas de um filme, lugares novos e detalhes de fotos e pessoas, sofre
decréscimo ao longo do processo de envelhecimento e está presente com frequência em idosos com CCL. A tendên-
cia é se atentar a ideias e observar imagens de modo geral, e não específico; desta forma acaba-se por perder certos
detalhes, muitas vezes essenciais para se entender o contexto de uma determinada situação. A atenção auditiva, im-
portante para o armazenamento de informações adquiridas durante uma conversa, para guardar um recado, entender
um discurso, também pode ser melhorada com exercícios específicos, como por exemplo, ouvir uma música.

Atenção visual (exemplos): caça palavras, busca Atenção auditiva (exemplos): ouvir uma música.
de imagens específicas em uma folha repleta de Neste caso, se a música for conhecida o objetivo é
figuras com formas e cores diferentes e jogos de sete contar quantas vezes apareceu determinada palavra,
erros. Todos esses exercícios podem ser realizados se a música é desconhecida o objetivo torna se
individualmente e devem ser começados pelo grau entender o sentido da música, quem está cantando ou
de dificuldade mais simples até o mais complexo. qual pode ser o nome da canção com base no refrão.

118 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Em ambos os casos a pessoa estará treinando sua atenção auditiva (ver outros exemplos de exercícios em
Lima-Silva et al., 2011).
Ressalta-se a atenção dividida, é uma outra habilidade importante a ser trabalhada. Acionada quando se faz
duas tarefas simultaneamente também pode sofrer declínio e deve ser estimulada de forma a amenizar os proble-
mas decorrentes desta perda.
Recomenda-se que as tarefas comecem a ser realizadas separadamente, ou seja, que se faça uma tarefa por
vez, isso evitará constrangimentos como queimar uma panela, ou até mesmo vir a sofrer uma queda na residência
ou na rua. Mas a atenção dividida também pode ser trabalhada, inclusive com o exercício já mencionado. Nes-
te caso, basta que o idoso conte quantas vezes aparecem duas palavras durante a música e não apenas uma.
Observa-se apenas que esta tarefa é bastante complexa e deve ser realizada quando o idoso já está desempe-
nhando, com êxito, a tarefa de contar quantas vezes uma palavra aparece (Verhaeghen et al., 2013).
Além da atenção existem outras habilidades, como a memória recente que também pode estar deficitária no
CCL. Muitas vezes, melhorando a atenção observa-se melhora significativa da memorização, isto porque a aten-
ção esta ligada à memória, uma vez que grande parte da retenção de uma informação é feita pela atenção.

Estratégias para manutenção de memória


A memorização pode ser didaticamente dividida em três importantes processos: retenção, armazenamento e
recuperação da informação. Todos esses processos são dependentes entre si. A atenção pode ser inserida na
fase de retenção, ou seja, prestar atenção em alguma informação, seja ela visual ou auditiva, nos permite reter e
nos possibilita armazenar ou não esta informação. O armazenamento somente ocorrerá se a informação for consi-
derada relevante, do contrário ela será descartada. O armazenamento depende, portanto, do interesse dado pela
pessoa a uma determinada informação. Quando esta pessoa então quer se lembrar do que memorizou temos o
estágio de recuperação da informação aonde ela irá se recordar do que foi memorizado previamente.

Para perda de O idoso deve tentar guardar tudo sempre no lugar destinado, assim quando o idoso
objetos: estratégia esquece onde colocou determinado objeto a pergunta correta não é: ‘Onde coloquei
de arrumação as minhas chaves?’ e sim: ‘Aonde geralmente eu coloco minhas chaves’.
pode ser uma delas. Se as chaves estiverem no local escolhido ele só terá de ir até o local e as encontrará.

Para lembrar Associar o nome da pessoa que acabou de conhecer a uma frase que rime ou a algo/
nomes de pessoas: alguém muito conhecido, por exemplo, “Alcino a Alcino tem um sino na boca” ou
fazer associações “Joana a Joana D’arc”, “Dagmar aquela lembra o mar”. A associação pode ser diferente
(por exemplo, dependendo da pessoa. Um idoso pode associar o nome Maria a um comercial de
face-nome) televisão mais antigo onde a frase ‘Maria sai da lata’ era muito marcante, pessoas
que não assistiram a este comercial e são religiosas podem associar Maria a mãe de
Jesus ou criar outras associações que lhe façam sentido. O importante desta estratégia
é que faça sentido para quem a utiliza, depende então de um esforço pessoal.

O importante da estratégia de associação é que faça sentido para quem a utiliza,


depende então de um esforço pessoal.

Embora o exemplo seja bastante caricaturizado, é extremamente útil para que o idoso possa perceber que este
tipo de associação funciona muito bem. Para verificar se o idoso compreendeu a técnica e sabe aplicá-la, elabore
uma lista com nomes e características. Desta vez, utilize características da profissão das pessoas. Inicie com no-
mes simples, de fácil associação para que o idoso possa ganhar confiança e não desista de aprender a técnica.
João • padeiro
Agenor • secretário
Priscila • nadadora
Paula • professora

Com os dados acima, como exemplo, peça para que ele realize associações entre os nomes e profissões.
Possivelmente surgirá algo semelhante a isso:
João • padeiro = João faz pão. João Pão. Logo, João é padeiro
Agenor • secretário = Agenor agenda coisas. Agenor agendador. O agendador é o Agenor. O agenor é secretário.
Priscila • nadadora = Priscila adora piscina. Priscila Piscina. A Priscila é nadadora.
Paula • professora = A Paula dá aula. Quem dá aula é Paula. A Paula é professora.

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Após alguns treinos com os nomes acima, verifique se ele já é capaz de identificar os nomes por meio das pro-
fissões. Note, abaixo, que as profissões foram embaralhadas para eliminar a possibilidade de que o idoso tenha
decorado os nomes na ordem e que apareciam:
Quem é o secretário?
Quem é nadador?
Quem é professor?
Quem é padeiro?

Eleve o grau de dificuldade aumentando o número de nomes e profissões.


Estes exemplos ajudam-no a familiarizar-se com a associação por meio da profissão, mas lembre-o de que
as características físicas das pessoas ajudam muito neste processo, então leve-os a pensar também em uma
associação sob ponto de vista físico do indivíduo a ser associado. Para isso, trabalhe com imagens. Encontre
imagens de pessoas que tenham algo marcante, como um nariz grande, uma pinta evidente, orelhas pontudas,
careca, dentes separados, e etc. Dê nome a cada uma dessas pessoas e alguns detalhes como profissão, interes-
ses pessoais, e etc. Todos estes detalhes devem fazer com que o idoso componha o personagem. Faça algumas
perguntas ao idoso sobre estes personagens e veja o grau de acerto.
Conforme eles vão treinando, mostre apenas a figura e peça para que lhe diga tudo o que lembra sobre a pessoa.

IMPORTANTE: Ressalta-se novamente que a associação é algo muito pessoal. A associação que a pessoa criar deve
fazer sentido unicamente a ela. O terapeuta não deve questionar o modo com o qual o idoso realiza suas associações,
pois quem deve entender o significado da associação é o idoso, visto que é ele quem irá se beneficiar do processo.
Caso a associação criada pelo idoso soe estranha ao terapeuta, este deve questioná-lo do motivo pelo qual ele escolheu
esta associação. Se houver algum sentido, não interfira. Este sentido pode tanto ser pessoal, como por exemplo,
o nome de um cachorro de sua infância, ou algo relacionado ao contexto histórico da pessoa, como algum som
que havia em determinada propaganda do rádio, cujo produto tinha o mesmo nome da pessoa alvo da associação.

Uma outra questão diz respeito ao fato de que muitas vezes o idoso pode apresentar dificuldades de retenção
de informações durante uma leitura. Neste caso uma das estratégias mnemônicas que pode ser utilizada é a téc-
nica do grifo (ver em Yassuda et al., 2006).

Retenção de Comece com textos pequenos de jornal ou revista e aumente gradativamente até livros e
informações periódicos mais complexos. Nesta estratégia o idoso deve ler o texto pela primeira vez buscando
durante entender a ideia central (idosos com CCL não mostram grande dificuldade para entender a ideia
uma leitura: central do texto). Em seguida ele deve ler o texto novamente grifando as ideias principais
técnica (frases inteiras não devem ser grifadas) e depois escrever todas as palavras que grifou em
do grifo um papel ou ao lado do próprio texto. Ressalta-se a importância de escrever apenas as palavras
grifadas e na ordem em que aparecem no texto. Logo após, o idoso apenas olhando para
as palavras que copiou deve tentar lembrar os detalhes do texto. Com o passar do tempo
as palavras grifadas tendem a diminuir e a lembrança para detalhes do texto aumentar.

120 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


MULHER SE CASA COM MULHER SE CASA COM Norte americana
MANEQUIM NOS EUA MANEQUIM NOS EUA
anunciou
A Norte americana Harley A Norte americana Harley
Dinkinson anunciou hoje, em sua Dinkinson anunciou hoje, em sua internet
página na internet, que se casará página na internet, que se casará casará
com um manequim de roupas com um manequim de roupas manequim
esportivas de um shopping nas esportivas de um shopping nas
Nova Iorque
localidades de Nova Iorque. localidades de Nova Iorque.
A empresária de 34 anos já A empresária de 34 anos já empresária de 34 anos
confeccionou os convites para o confeccionou os convites para o convites
casamento e escolheu o vestido casamento e escolheu o vestido convidados
para a cerimônia, que contará para a cerimônia, que contará
padrinhos
com convidados, padrinhos com convidados, padrinhos
e orquestra. Indagada sobre e orquestra. Indagada sobre orquestra
a escolha do “noivo”, Harley a escolha do “noivo”, Harley escolha do noivo
respondeu que tinha medo de respondeu que tinha medo de medo de envelhecer sozinha
envelhecer sozinha. envelhecer sozinha.

Memorização: técnica de Explique ao idoso que a estratégia consiste em agrupar itens semelhantes
categorização (extremamente entre si, de modo a facilitar a memorização.
útil para memorização O treino da categorização é bastante simples, pois solicita-se ao idoso
de itens para compra em que ele, primeiramente, agrupe em categorias os itens presentes em uma lista
supermercados, lojas e etc.) de supermercados e nomeie estas categorias criadas por eles.

Por exemplo:
• Leite
• Shampoo
• Café Podem ser caracterizados em:
• Arroz LÍQUIDOS SÓLIDOS HIGIENE
• Pão Café Arroz Shampoo
• Sabonete Leite Pão Sabonete

Ou categorias semelhantes, desde que contemplem os itens corretos.


O treino com listas de supermercado devem iniciar com poucos itens – cerca de 6 itens e duas categorias.
Conforme o idoso adquire experiência em categorização, aumenta-se o número de itens e de categorias gradati-
vamente, podendo chegar a até 15 itens.
Esta evolução na quantidade de itens e categorias deve ocorrer após o idoso aprender a categorizar cada item
e, principalmente, após ser capaz de lembrar-se dos itens sem olhá-los. Após estas etapas, a quantidade de itens
deve ser aumentada, bem como a quantidade de categorias. Cada vez que o idoso for realizar a tarefa ou aumen-
tar a dificuldade, troque os itens da lista.

Manutenção de outras funções


Manutenção de Montagem de quebra-cabeças: sempre começando com poucas peças e aumentando
planejamento, a quantidade das mesmas gradativamente com o passar do tempo. Deve-se atentar
organização, ao tamanho das peças (é importante que estas sejam grandes para que o idoso possa
visuoconstrução perceber as diferenças de cores e formas). Adicionalmente atentar-se ao aspecto do jogo
que deve apresentar um perfil específico para adultos, recomenda-se a compra dos mesmos
em lojas de materiais educativos para adultos e idosos.

Neste contexto, observa-se que as dificuldades cognitivas em idosos com CCL são heterogêneas e para cada
uma delas é possível utilizar estratégias mnemônicas ou recursos externos que minimizem estes déficits. É importante
que profissionais da saúde e a família estejam atentos às queixas de memória dos idosos e que busquem auxilio o
mais breve possível, principalmente se notar que os esquecimentos, interferem sutilmente na realização de atividades
cotidianas, como pagar contas, conferir troco, resolver problemas e anotar recados, por exemplo (Oliveira et al., 2013).

CEREDIC - CENTRO DE REFERÊNCIAS EM DISTÚRBIOS COGNITIVOS • Faculdade de Medicina • USP 121


Funções Diga: o (a) senhor (a) vai ouvir grupo de três palavras. Se as três forem iguais, escreva A. Se forem
executivas diferentes escreva B. Se houver duas iguais e uma diferente, escreva C. Exemplos:
Sabão, detergente, laranja. Resposta: C; jaboticaba, melão, banana; Resposta: A. Cachorro, nuvem,
caderno; Resposta: B, e assim alternativamente de acordo com os itens e categorias escolhidos.
Labirinto, em que o idoso deve encontrar o caminho correto que ligue a entrada e a saída. Neste
jogo há várias opções de caminhos, mas apenas um está correto. Em geral os idosos apresentam
muita dificuldade nesta atividade pois não entendem que não devem cruzar as linhas que
separam os diferentes caminhos. Caso ele não consiga realizar esta tarefa, ofereça outra a ele
para compensar a não realização desta.
Tarefa de Simulação de Troco. Mostre uma lista de compras para o idoso, com os preços dos
produtos ao lado. Pergunte a ele quanto ele irá gastar na compra, mas peça que faça os cálculos
mentalmente. Vá aumentando a dificuldade gradualmente, e ofereça meios de tornar a experiência
o mais próxima da realidade possível. Por exemplo, diga ao idoso que ele possui cinco reais para
gastar em uma determinada compra, cujo valor total foi de um real e sessenta e cinco centavos.
Espalhe notas e moedas sobre a mesa e peça para que ele pegue o troco.

Posteriormente, alie a atividade de simulação de troco com a técnica de categorização, e peça que os idosos
organizem alguns itens de uma lista em categorias e tentem memorizá-los. Após memorizados, peça que procu-
rem os produtos da lista em um outra lista, com muito mais itens e com os respectivos preços. Se possível, ao
invés de utilizar uma segunda lista, monte um mini-mercado com embalagens de produtos vazios, certificando-se
sempre de que tenha à disposição todos os itens que estejam na lista a ser memorizada e vários outros itens que
atuarão como distratores. Peça que eles peguem os itens, confiram o valor e efetue o pagamento – com recolhi-
mento de troco (Lima-Silva et al., 2011).

Atividade Fluência verbal categoria animais e frutas. Peça para que o idoso diga o maior número de animais
de ou frutas que comecem com as letras “F”, “A” ou “S”. É possível também restringir as categorias,
linguagem como “animais que existem na fazenda”, e etc.

A estimulação cognitiva em grupo


Até o momento, atemo-nos apenas na estimulação cognitiva individualizada, com foco na residência do idoso,
com rápidas menções à estimulação em grupo. Sem dúvida, a principal diferença entre o trabalho com idosos em
sua residência e em grupo, tanto de indivíduos saudáveis quanto – e principalmente – de indivíduos com CCL ou
DA é o foco nas individualidades de cada um (Oliveira et al., 2013).
Em se tratando de idosos saudáveis, o grupo deve ser formado por até 12 indivíduos preferencialmente dis-
postos em círculo para que todos possam se enxergar e se ouvir, aumentando assim o contato social entre todos.
Na primeira sessão é importante que todos se apresentem e firmem um contrato social de sigilo de informa-
ções. O que for revelado ao grupo deverá permanecer no grupo. No entanto, as técnicas que serão ensinadas
poderão ser disseminadas entre os familiares e comunidade. Ainda no primeiro encontro, solicite que todos digam
as principais dificuldades que possuem, e liste-as em uma folha de papel destacando as mais citadas para dar
ênfase no treino destas (Oliveira et al., 2013).
O número de sessões e o conteúdo são bastante semelhantes ao que é oferecido nas sessões individuais. No
entanto, como há mais gente e nem todos possuem o mesmo ritmo para realizar as atividades individuais, sugere-
se um tempo médio de duas horas por sessão. Vale lembrar que o ensino de técnicas deve ser feito ao coletivo,
mas as atividades de compreensão das mesmas devem ser individuais.
A estimulação cognitiva em grupo diminui a individualidade do serviço, mas o terapeuta deve estar atento
às manifestações diretas e indiretas de dificuldade dos idosos e buscar auxiliá-los nestas questões. Tente, ao
máximo, passar por todos durante as atividades para acompanhar o desenvolvimento de cada um deles. Ao se
criar grupos de estimulação cognitiva para idosos com CCL e DA, é de fundamental importância que os grupos
sejam divididos com base nos perfis clínicos e cognitivos dos idosos. Idosos que apresentam CCL comportam-
se bastante parecidos com idosos saudáveis. Deve-se enfatizar o treino das habilidades cognitivas com base em
atividades como sugerido no tópico sobre estimulação cognitiva em idosos com CCL e DA.
Em indivíduos com doença de Alzheimer, o terapeuta deve iniciar a primeira sessão perguntando o motivo pelo
qual eles estão no grupo. Talvez não haja resposta imediata a esta pergunta, pois podem sentir-se envergonhados
ao dizer que possuem problemas de memória – lembre-se que nem todos sabem que possuem DA, logo também

122 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


acham que os demais são saudáveis. Caso isso ocorra, o terapeuta deve ser categórico ao perguntar “estão aqui
porque tem algum problema de memória?”. Em geral, após esta pergunta do terapeuta, os idosos revelam sua
dificuldade de memória. Anote-as para serem trabalhadas.
Atente para aqueles que dizem que não possuem nada, mesmo após ser questionado se tem alguma dificul-
dade no dia-a-dia. A perda de julgamento é algo que deve ser melhor investigado. Após algumas semanas de
estimulação cognitiva, refaça esta pergunta os idosos que, inicialmente, disseram não possuir problema nenhum
de memória em sua vida cotidiana.
As sessões devem ser compostas por, no máximo, oito idosos. Como é um público que necessita de maior
atenção, quanto menos pessoas haver na sala, melhor. O terapeuta também pode contar com o auxílio de ajudan-
tes com certo nível de conhecimento em estimulação cognitiva para que possam auxiliá-lo nas tarefas individuais,
visto que os grupos de idosos com doença de Alzheimer costumam ser bastante heterogêneos quanto à cognição
e comportamento. Se algum idoso estiver agitado e estiver atrapalhando o bom andamento das atividades, soli-
cite que algum ajudante dê uma volta com ele e o leve para beber água ou ir ao banheiro. Peça para retornar em
seguida. Caso algum idoso manifeste desejo de ir ao banheiro, ele deve sair sempre acompanhado para que não
se perca no trajeto de ida ou volta.
Sempre inicie as sessões perguntando como foi a semana ou o dia do idoso. É recomendado ao terapeuta que
inicie, já na primeira sessão, o ensino da técnica de orientação temporal por meio do calendário, e a associação,
treinando com os nomes dos próprios idosos. A estimulação cognitiva deve ser sempre bastante dinâmica, e toda
tarefa realizada com sucesso deve ser reforçada por meio de palmas, sorrisos e incentivos verbais.
Outra atividade que pode ser utilizada é o Dominó Fonológico. A tarefa consiste em elencar uma categoria (por
exemplo, animais) ou utilizar palavras aleatórias, mas a única regra é que as palavras devem iniciar com a última
sílaba do palavra anterior. O terapeuta inicia com uma palavra – p. ex. cavalo- e o idoso deve dizer outra que inicie-
se com “lo”, como “lontra”. O próximo deve dizer uma palavra que inicie-se com “tra”, como “trator”, e assim
sucessivamente. Palavras que terminem com “nha”, “nho”, “lha” “lho” devem ter o “h” excluído, permanecendo
“na”, “no”, “la”, “lo”. Para o “Ç” elimina-se o cedilha e assume-se o “C”.

Os estudos sobre treino de memória em idosos com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) são recentes e
observam manutenção ou melhora da capacidade ao nível normal por tempo variável. A mudança no desempe-
nho cognitivo conseguida a partir do treino vem sendo associada a mudanças neurobiológicas, como alterações
em exame de ressonância funcional e em potencial evocado.

Considerações finais
Estudos envolvendo a estimulação cognitiva em idosos com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) vêm
mostrando melhora em bem estar subjetivo, satisfação geral com a vida, diminuição de crenças negativas em re-
lação à memória e aceitação de dificuldades apresentadas. Assim como melhor desempenho em testes cognitivos
e funcionais após o treino, sendo que a melhora parece ser especifica para a habilidade treinada.
Os idosos com CCL parecem melhorar o desempenho nos testes e nas atividades de vida diária, mantendo
sua condição ou melhorando-a. Assim sendo, é importante que profissionais da saúde e familiares se atentem às
queixas de memória dos idosos e que procurem auxiliá-los na reorganização do estilo de vida, com a inserção de
práticas de exercícios intelectuais e desafios cognitivos, para que melhores resultados sejam alcançados, assim
como medidas preventivas de declínio de memória significativo. n

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124 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Manejo clínico das 21
comorbidades em demência
Regina M. Magaldi

E
mbora o manejo clínico de pacientes com demência exija grande cuidado e habilidade, este é um tema
ainda pouco abordado na literatura médica. Enquanto cresce o interesse sobre aspectos do diagnóstico
das demências, seu tratamento medicamentoso e o manejo de sintomas comportamentais, o tratamento
das diferentes comorbidades frequentemente presentes nestes pacientes é pouco relatado. Um dos motivos é
a habitual exclusão de indivíduos com demência dos ensaios clínicos sobre tratamento destas condições. Ou-
tro motivo é a grande heterogeneidade de condições que acomete os indivíduos, tornando mais difícil a obten-
ção de evidências científicas e padronizações de conduta para cada situação clínica.

Comorbidades na demência
Um dos aspectos que pode ser avaliado é a carga de comorbidades e doenças crônicas que acomete indi-
víduos com e sem demência, e o impacto que as mesmas proporcionam. Embora já se tenha questionado se
indivíduos com demência seriam mais saudáveis que aqueles sem esta condição, estudos de grandes casuísti-
cas, tanto em atendimento primário quanto especializado mostram que indivíduos com demência possuem tan-
tas ou mais comorbidades que indivíduos sem demência. Outro aspecto relevante é que o aumento da carga de
comorbidades se acompanha de aumento da gravidade do distúrbio cognitivo. Isso faz supor que o tratamento
adequado das comorbidades pode potencialmente ter impacto na melhora da cognição.
Estudo do sistema de saúde norte-americano apontou que o diagnóstico de demência se acompanha de
maior número de doenças crônicas por pacientes, aumento de 3 vezes nos gastos médios anuais, com 3 vezes
mais hospitalizações por condições agudas (traumas, infecção, úlceras de pressão ou falência no tratamento de
doenças crônicas), além de maior mortalidade em um ano.
A presença de demência tem também impacto no prognóstico das comorbidades, como pode ser evidencia-
do em estudos mostrando maior mortalidade em pacientes com demência hospitalizados por Insuficiência Car-
díaca ou Infarto Agudo do Miocárdio. Ainda, demência foi caracterizada como importante preditor independente
de mortalidade em estudo longitudinal realizado em nosso meio. Por outro lado, a presença de doenças crôni-
cas tem impacto na evolução do declínio cognitivo e na sobrevida de pacientes com demência.
O manejo de comorbidades na demência carrega diversos desafios. Há problemas relacionados ao diagnós-
tico (pela dificuldade de relato/ reconhecimento de sintomas e maior risco de procedimentos diagnósticos) e ao
tratamento (menor capacidade de decisão, necessidade de substituto responsável, menor aderência, dificulda-
de na administração de medicamentos e no relato de eventos adversos).
As condutas e decisões sobre o diagnóstico e manejo das comorbidades nestes pacientes devem sempre con-
siderar os potenciais benefícios, não deixando de oferecer ou realizar determinados procedimentos ou tratamen-
tos que podem ser úteis. Mas há também que se considerar os riscos de intervenções diagnósticas e terapêuticas
invasivas, além do maior risco de iatrogenias e reações adversas a medicamentos. Dentro deste enfoque, deve-se
considerar ainda que determinados tratamentos ou rastreamentos devem ser reservados para aqueles com sufi-
ciente expectativa de vida para obter benefício. Outro ponto importante a se considerar é a gravidade da demên-
cia, visto que em fases avançadas há mudança no enfoque de medidas diagnósticas e terapêuticas, com o cuida-
do voltado gradualmente para alívio de sintomas, metas menos rígidas de controle e priorização de medidas não
farmacológicas, sempre levando em conta os desejos e expectativas do paciente e de sua família.

COMORBIDADES DA DEMÊNCIA
Outro aspecto a ser avaliado é o das comorbidades/ condições que
frequentemente acompanham a evolução da demência. São elas:
• Quedas
• Imobilidade
• Dor
• Distúrbios nutricionais
• Infecções

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Em comum, essas condições apresentam etiologia multifatorial, podendo estar presentes de forma isolada
ou coexistentes. Seu reconhecimento e detecção nem sempre é fácil, e suas consequências podem ser bastan-
te graves, levando a piora funcional mais rápida. Por esse motivo é fundamental a prevenção e a vigilância pa-
ra o diagnóstico precoce destes problemas.

QUEDAS • Demência é reconhecidamente um fator de risco para quedas. Diversos são os motivos que propi-
ciam o idoso com demência a cair, levando a consequências graves como fraturas (principalmente de fêmur),
imobilidade e maior risco de institucionalização e morte. Idosos com demência tem dificuldade de adaptação a
ambientes novos, desorientação espacial, alterações de marcha e equilíbrio, além de alteração do julgamento e
do reconhecimento de perigos e de suas próprias limitações.
Ações importantes de prevenção visam corrigir fatores de risco modificáveis, frequentemente presentes nes-
tes pacientes (Tabela 1).

Tabela 1 • Fatores de risco para quedas


em idosos com demência
• déficit visual
• déficit auditivo
• hipotensão postural
• vertigem ou síncope
• alteração de marcha
• medicações
• doenças agudas (ITU; pneumonia; IAM)
• fatores ambientais

IMOBILIDADE • Pacientes com demência de diversas etiologias frequentemente apresentam ao longo de sua
evolução problemas motores, apraxias e instabilidade de marcha. Aliados a esses fatores, o medo de cair e o
menor estímulo para realização de atividades físicas propicia o desenvolvimento de níveis crescentes de imo-
bilismo, de tal forma que 50% dos pacientes com demência tornam-se incapazes de deambular independen-
temente em torno de 7 a 8 anos.
As complicações da imobilidade são várias e graves, seu desenvolvimento é rápido, porém sua reversão
(nem sempre possível) é bastante difícil e demorada (Tabela 2). Por esse motivo, sua prevenção é fundamental,
evitando que o paciente fique acamado por longos períodos e corrigindo outras possíveis causas como des-
compensação de doenças cardio- respiratórias, fraqueza muscular, rigidez, dor, desequilíbrio e alteração da
marcha, depressão e ansiedade.

Tabela 2 • Complicações da Imobilidade


• Hipotensão postural
• Incontinência urinária e fecal
• Constipação intestinal
• Úlceras de pressão
• Contraturas
• Infecções (ITU, pneumonia)
• TVP/TEP

DOR • frequentemente subdiagnosticada e subtratada, principalmente nas fases mais graves da demência, a
dor pode estar presente por diversos motivos e ser causa de inúmeras complicações como distúrbio do sono,
emagrecimento, desnutrição, depressão, confusão mental, agitação e diminuição da mobilidade.
A falta de diagnóstico adequado relaciona-se em parte à dificuldade de expressão verbal da dor, bem como
da descrição precisa de suas características. Para sua detecção adequada, faz-se imprescindível uma avalia-
ção sistemática da dor, valorizando não só as queixas verbalizadas pelos pacientes, mas os comportamentos
não verbais possivelmente relacionados a dor, como agitação, agressividade, irritabilidade, vocalização negati-
va, ou expressão de dor, tristeza ou medo.

DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS • os mais frequentes problemas nutricionais em pacientes com demência são re-
lacionados à hidratação e à perda de peso/ desnutrição. O idoso com demência está mais exposto ao risco de
sub-hidratação ou desidratação, com consequente maior risco de hipotensão ortostática, úlceras de pressão,
constipação, infecção urinária e piora cognitiva.

126 DIAGNÓSTICO E CUIDADOS DE PACIENTES COM COMPROMETIMENTO COGNITIVO • Equipe Multidisciplinar


Embora o ganho de peso possa estar presente em alguns pacientes com demência que cursam com hipe-
roralidade e hiperfagia, a perda de peso é o problema nutricional mais prevalente nas diversas demências. Insi-
dioso, necessita supervisão e intervenção durante todos os estágios da doença. Vários são os motivos para a
perda de peso nesses pacientes (Tabela 3) e, quando não corrigida, a desnutrição decorrente ocasiona compli-
cações como aumento na incidência de infecções, dificuldade na cicatrização de feridas, maior tempo de hos-
pitalização e maior mortalidade.

Tabela 3 • Causas de perda de peso em pacientes com demência


• Aumento do consumo energético (perambulação)
• Déficit cognitivo (esquecimento; uso de utensílios)
• Ingestão alimentar insuficiente
• Não gostar da comida
• Incapacidade de abrir a boca ou de deglutir /disfagia
• Medicamentos
• Depressão
• Desequilíbrio no controle da composição corporal (próprio da doença?)

INFECÇÕES • principalmente em idosos com demência avançada existe maior predisposição a infecções re-
lacionada a imobilidade, presença de incontinências, aspiração e possível prejuízo de função imunológica se-
cundário a desnutrição.
Em vários estudos, pneumonia é a causa mais frequente de óbito nesses pacientes. Diversas ações preven-
tivas podem ser implementadas, visando diminuir a sua ocorrência. (Tabela 4).

Tabela 4 • Medidas de prevenção para pneumonia


• Minimizar aspiração e colonização de orofaringe:
n Avaliação deglutição

n Dieta e consistência de líquidos apropriada

n Evitar uso empírico de antibióticos de amplo espectro

n Decúbito elevado às refeições

n Avaliação odontológica

n Higiene oral

• Evitar drogas sedativo-hipnóticas


• Otimizar o estado nutricional
• Vacinação contra influenza
• Vacinação contra pneumococo

Demência nas comorbidades


No que diz respeito ao tratamento específico da demência, alguns aspectos em idosos devem ser ressalta-
dos. Inicialmente, é fundamental considerar as alterações próprias da senescência, que acarretam menor reser-
va funcional de todos os órgãos e sistemas, e maior risco de eventos adversos. Importante também, é avaliar o
individuo no contexto de todas as suas doenças crônicas e medicamentos em uso.
São duas as classes de medicamentos aprovadas e disponíveis para tratamento das demências, especifica-
mente da demência da Doença de Alzheimer: os inibidores da acetilcolinesterase (donepezila, galantamina e ri-
vastigmina) e os antagonistas de receptores N-metil-D-aspartato (memantina).
Os benefícios destes medicamentos sobre a cognição e o comportamento são significativos, porém modes-
tos. Embora seu perfil farmacocinético e farmacodinâmico seja diferente, seus efeitos são comparáveis.
Para todos, alguns cuidados devem ser observados, principalmente em indivíduos com muitas comorbida-
des e em uso de polifarmácia (Tabelas 5 e 6).

Tabela 5 • Cuidados no uso de medicamentos para tratamento da Doença de Alzheimer


INIBIDORES DE ACETILCOLINESTERASE
Efeitos colaterais:
• intolerância gastro-intestinal, perda de apetite, emagrecimento - MONITORAR PESO
• maior risco de hipotensão, fibrilação atrial, bradicardia, síncope - MONITORAR PA E FC
• tonturas, cefaléia, agitação e pesadelos

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Tabela 5 • Cuidados no uso de medicamentos para tratamento da Doença de Alzheimer (cont.)
Cuidados na prescrição em:
• comorbidade cardiovascular (doença do nó sinusal, bloqueio sino-atrial ou átrio-
ventricular, IAM, angina instável ou ICC)
• doença pulmonar crônica (asma/DPOC), obstrução ao fluxo urinário, convulsões, úlcera
péptica, disfunção hepática grave ou disfunção renal grave (galantamina)
Interações medicamentosas:
• relaxantes musculares tipo succinil-colina
• anticolinérgicos para incontinência urinária
• beta-bloqueadores
• indutores e inibidores de CYP3A4 e CYP2D6 (donepezila e galantamina)

Tabela 6 • Cuidados no uso de medicamentos para tratamento da Doença de Alzheimer


MEMANTINA
Efeitos colaterais (pouco comuns):
• constipação, cefaléia, hipertensão e sonolência
Cuidados na prescrição em:
• epilepsia; IAM, ICC descompensada; HAS descompensada e disfunção hepática e renal grave
nterações medicamentosas:
• antiparkinsonianos e anticolinérgicos
• barbitúricos e neurolépticos
• amantadina (ação no mesmo receptor)
• fenitoína, hidroclorotiazida e warfarin

Portanto, o manejo clínico de paciente com demência demanda uma abordagem complexa, ponderada e in-
dividualizada, considerando doenças associadas e fármacos em uso, risco de eventos adversos e complica-
ções, além de aspectos relevantes como expectativa e qualidade de vida e suporte social. n

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