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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CURSO DE ARQUEOLOGIA

VITTORIA SAMPAIO NETO BELIZÁRIO

PÉRSIA E DIREITOS HUMANOS

RIO DE JANEIRO

2021
INTRODUÇÃO

Localizado no atual Irã, o Império Persa foi uma potência militar, econômica e
política do Oriente Médio. Os persas dominaram quase toda a Ásia, assim como parte
da atual Europa. Os persas também eram excelentes administradores, além de exímios
criadores de tecnologias e sistemas de comunicação que ajudaram este império a se
expandir.

Neste texto, iremos abordar a história dos persas e a relação deste povo com os
direitos humanos graças ao reinado de Ciro, o Grande, que teria escrito o que, para
alguns pesquisadores, é a primeira carta de direitos humanos da história. Porém, há
alguns pesquisadores que afirmam que esta carta, conhecida como Cilindro de Ciro, era
uma propaganda do Império Aquemênida para vender Ciro como um grande
governante. Outros, por outro lado, afirmam que seria anacrônica a ideia de uma carta
defendendo um conceito que só iria existir séculos depois.

UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DOS PERSAS E CIRO, O GRANDE

O nome persa vem de inscrições assírias que chamavam as tribos que habitavam
o atual Irã como os parsuas. Inicialmente, os persas eram divididos em clãs e tribos.
Estas tribos eram dominadas pelos assírios, porém, em 609 a.C., os povos que eram
governados pelos assírios, deram início a uma revolta tão impactante que o Império
Assírio colapsou e acabou. Foi durante este período que Aquêmenes surgiu e se tornou o
primeiro rei persa e fundador da dinastia Aquemênida. Entretanto, mesmo possuindo
um rei, os persas eram governados pelo recém-fundado Império Medo.

Em 559 a.C., Ciro, o Grande, tornou-se rei da Pérsia. A história de Ciro, antes de
ser rei, é bastante parecida com o mito de Édipo. Seu avô, Astíages, teve um sonho
sobre seu recém-nascido neto. No sonho, ele vê Ciro como governante de toda a Ásia.
Com medo de ser destronado, Astíages ordenou ao mordomo que matasse seu neto.
Heródoto relata esta história em seu livro História (2019, vol 1: 84):

CVIII — No primeiro ano do casamento de Cambises com Mandane, Astíages


teve outro sonho; pareceu-lhe ver sair do seio da filha uma videira que se
estendia, cobrindo toda a Ásia. Tendo consultado novamente os magos,
mandou vir da Pérsia Mandane, prestes a dar à luz. Logo que ela chegou
colocou-a sob vigilância, com a intenção de eliminar a criança que estava para
nascer, pois os magos lhe haviam predito que essa criança devia reinar algum
dia no lugar dele. Tendo tomado todas as providências, Astíages, logo que Ciro
nasceu, mandou chamar Hárpago, seu parente e aquele, dentre todos os Medos,
em quem mais confiava. “Hárpago, — disse-lhe ele — executa fielmente a
ordem que te vou dar, sem tentar enganar-me, pois se o fizeres estarás cavando
tua própria ruína. Toma esta criança que acaba de nascer de Mandane, leva-a
para tua casa e faze-a perecer, enterrando-a em seguida como julgares
conveniente”. “Senhor, — respondeu Hárpago — sempre procurei vos ser
agradável e farei todo o possível para nunca vos ofender. Se quereis que a
criança morra, obedecerei rigorosamente vossas ordens, em tudo que depender
de mim”.

No entanto, o mordomo sentiu pena da criança e entregou-a a um pastor de


ovelhas. Furioso com a desobediência, Astíages ordenou a morte do filho do mordomo.
Heródoto também relata esta parte (2019, vol 1: 85):

CX — Dizendo isso, enviou sem perda de tempo um recado a um dos


boiadeiros de Astíages, que sabia encontrar-se pastoreando o gado nas
montanhas mais frequentadas por animais ferozes. Esse boiadeiro chamava-se
Mitrídates. Sua mulher, escrava de Astíages, respondia, como o marido, pelo
nome de Spaco, que na língua dos Medos significa o mesmo que Sino na dos
Gregos, isto é, “cadela”. As pastagens onde Mitrídates fazia guarda ao gado do
rei ficavam ao pé das montanhas ao norte de Ecbatana e na direção do Ponto
Euxino. Daquele lado, a Média é um país de terras altas, cheio de montanhas e
coberto de florestas, enquanto que o resto do reino é plano e úmido. Quando o
boiadeiro chegou, disse-lhe Hárpago: “Astíages ordena-te que tomes esta
criança e a exponhas no lugar mais deserto dos montes, a fim de que ela venha
logo a perecer. Ordenou-me também a dizer-te que se não a fizeres morrer, se
lhe salvares a vida de qualquer forma, condenar-te-á ao suplício mais cruel.
Ainda mais: quer que eu me certifique de que cumpriste à risca as suas
ordens”.

Já crescido, Ciro retornou às terras persas e destronou seu avô. Entretanto,


mesmo tendo sido cruel com Ciro no passado, Astíages foi poupado por seu neto,
naquela altura, rei de toda a Pérsia. Em 550 a.C., Ciro, o Grande, rebelou-se contra os
medos, que ainda dominavam a Pérsia, e fundou o Império Persa. A rebelião foi bem-
sucedida, pois significou não apenas a libertação da Pérsia do domínio dos medos como
também a sujeição deles. Ciro, posteriormente, entrou em guerra com a Lídia e saiu
vencedor, fato que o tornou Senhor de toda a Ásia. A rebelião também é relatada por
Heródoto (2019, vol 1: 95):

CXXX — Astíages perdeu assim a coroa, depois de um reinado de trinta e 35


anos. Os Medos, tendo possuído durante 128 anos o império da Alta Ásia até o
rio Hális, sem incluir o tempo em que reinaram os Citas, passaram para o jugo
dos Persas por causa da desumanidade daquele soberano. É verdade que deles
se libertaram mais tarde, no reinado de Dario, mas novamente vencidos, em
combate, foram de novo subjugados. Ciro e os Persas, revoltando-se contra os
Medos, como acabamos de ver, ficaram com o domínio de quase toda a Ásia.
Quanto a Astíages, Ciro o reteve ao seu lado até a morte, não lhe havendo feito
outro mal. Pouco depois dessa sua ousada empresa, Ciro derrotou a Creso, que
lhe movera uma guerra injusta, tornando-se, assim, senhor de toda a Ásia.

Os persas, no governo de Ciro, o Grande, tinham boas relações com o povo da


Judeia e com os Fenícios. Esta boa relação tem origem na invasão persa à Babilônia,
uma vez que esta investida proporcionou a libertação dos babilônios do reinado tirânico
e abusivo do rei Nabonido. Graças a esta invasão, os judeus, que estavam cativos na
Babilônia, foram libertados. Os povos que viviam na Babilônia ou que estavam cativos
por lá, consideraram Ciro, o Grande, como um libertador. A Bíblia chega a citar Ciro, o
Grande, como uma ferramenta de Deus para a libertação dos judeus do cativeiro
babilônico, sendo ele, o herói de uma profecia de Isaias. Podemos ler na Bíblia as
seguintes passagens:

Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para
abater nações diante de sua face, e descingir os lombos dos reis; para abrir
diante dele as portas, e as portas não se fecharão. (Isaias 45:1)
No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do
Senhor proferida pela boca de Jeremias, despertou o Senhor o espírito de Ciro,
rei da Pérsia, de modo que ele fez proclamar por todo o seu reino, de viva voz e
também por escrito, este decreto. Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O Senhor Deus
do céu me deu todos os reinos da terra, e me encarregou de lhe edificar uma
casa em Jerusalém, que é em Judá. (Esdras 1:1-2)

Ciro morreu em 530 a.C., possivelmente em resultado de um ferimento causado


durante uma batalha contra as tribos dos cavaleiros nômades. Ciro foi sepultado em
Pasárgada, hoje atual província de Fars no Irã.

O CILINDRO DE CIRO: PRIMEIRA CARTA DE DIREITOS HUMANOS OU


PROPAGANDA AQUEMÊNIDA?

Fig 1 – O Cilindro de Ciro. https://www.britishmuseum.org/collection/object/W_1880-0617-1941

Há versões da história que dizem que Ciro, o Grande, não tinha o costume de
punir seus inimigos, pelo contrário, perdoava-os e nomeava-os a cargos no exército e no
seu governo. Porém, a característica mais marcante do reinado de Ciro, de acordo com
esta versão da história, foi a abolição da escravidão, a tolerância religiosa e o retorno de
povos banidos da Babilônia para as suas terras.

A regulamentação de leis que defendiam os direitos, hoje chamados de direitos


humanos, pode ser vista no Cilindro de Ciro. O Cilindro de Ciro é uma peça de argila
com escritos cuneiformes que regulamentavam leis que impediam a escravidão e
garantiam a liberdade religiosa daqueles que eram governados pelos persas. Os decretos
fazem parte da história como a primeira carta a favor de direitos humanos. Contudo,
alguns pesquisadores afirmam ser anacrônico chamar o cilindro como carta dos direitos
humanos, pois o conceito ainda não havia sido criado. Mas, é importante ressaltar que,
mesmo não existindo tal definição na época, não deixa de ser notável um Império
tolerar religiões diversas e abolir práticas escravistas em seu território, num período em
que era comum a perseguição de crenças diversas e a escravidão.

Alguns pesquisadores afirmam que o Cilindro de Ciro seria uma propaganda do


Império Aquemênida para glorificar Ciro, o Grande, como o libertador dos oprimidos,
assim como um documento para legitimar o poder persa nas novas terras conquistadas.
Podemos ver isto no livro Ancient Persia from 550 BC to 650 AD, de Josef Wiesehöfer
(1996: 49):

A inscrição do Cilindro de Ciro, por sua vez (como a outra Babilônia


testemunhos referidos) não deve ser considerado como um documento que veio
até nós por acaso, mas como uma espécie de res gestae composta para o novo
governante e apresentando suas qualidades contra um pano de fundo de sua
ostensivamente especial apreciação pelo deus da cidade da Babilônia, Marduk.
Assim, ele se encaixa na estrutura do conflito ideológico entre o novo e o
antigo rei, e diz menos sobre o caráter de Cyrus do que sobre seus esforços de
legitimação e sua habilidade usar tradições e modelos locais para servir aos
seus próprios objetivos.

Há, também, dúvidas sobre a generosidade de Ciro para com seus inimigos.
Josef Wiesehöfer, por exemplo, não acredita que o governante persa tenha sido bondoso
sempre. Podemos ver este pensamento no seguinte trecho (1996: 49):

Há indícios de que Ciro nem sempre se distinguiu por tratando seus oponentes
com tolerância e gentileza. Assim, a conquista final da mídia e sua capital
Ecbátana não foi alcançada de maneira tão suave e não violenta como as fontes
clássicas em particular nos querem fazer crer. As crônicas de Naobonido, uma
peça de propaganda a serviço de Ciro como o Cilindro de Ciro, relata que o rei
persa havia saqueado Ecbátana (o prédio do Tesouro?) e enviado o saque para
casa em Anshan.

Se Ciro tinha boas ou más intenções com o seu Cilindro, não é algo que foi
provado ainda, porém, é importante ressaltar que, embora Ciro tenha criado estes
decretos para reafirmar seu poder, o governante persa tinha noção de que manter o bem-
estar entre seus súditos era a melhor maneira de perpetuar seu legado e garantir a paz do
Império Persa.

OBSERVAÇÕES FINAIS

O Império Persa foi uma importante civilização da história da humanidade. Ciro,


o Grande, foi, sem dúvida, um grande governante e um importante personagem para a
história da Pérsia e do Oriente Médio.

Mesmo que não haja nenhuma maneira de se provar que houve intenções
verdadeiramente humanitárias por parte do imperador persa, o Cilindro de Ciro foi uma
importante carta governamental na história humana, assim como um interessante
vislumbre de direitos humanos séculos antes das Convenções de Genebra de 1949.

BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. L.C.C. -


Publicações Eletrônicas, Brasil, 2001.

HERÓDOTO. História. Volume 1/Heródoto; trad. J. Brito Broca; estudo crítico vol. 1,
Vítor de Azevedo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.

WIESENFÖFER, J. Ancient Persia from 550 BC to 650 AD. Trad. Azizeh Azodi.
Londres: I.B. Tauris Publishers, 1996.

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