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When the music is over,

Turn off the lights.


Cos’ music is your special friend,
Dance on fire as it intends,
Music is your only friend,
Until the end …
WHEN THE MUSIC’S OVER – THE DOORS

I – APRESENTAÇÃO
Nada mais representativo da poesia e angústia presente na música do The Doors que os
versos que abrem este trabalho. Ilustram um sentimento de solidão, de conformação com o fim, que
está sempre por perto, ideia também presente em versos como the future’s uncertain and the end is
always near ... trecho de outra música bastante conhecida do The Doors. Mas como explicar tais
temáticas sempre presentes nas canções da banda? Apenas uma coincidência ou estratégia de
marketing tão utilizada pela atual indústria da música para fabricar ídolos? A resposta para este
questionamento reside algo além de uma simples estratégia. É preciso buscar as razões desta
influência na poesia dos chamados poetas malditos, sobretudo Arthur Rimbaud (1854 – 1891),
poeta simbolista francês que bebe da fonte dos desdobramentos culturais da Comuna de Paris,
movimento que em 28 maio de 2021 completou 150 anos de seu término.

Impossível não se pensar em um transbordamento que se inicia no século XIX com a


Comuna de Paris, que nos deixa vários legados, se dissemina com Rimbaud, e se perpetua com a
música do The Doors – por meio de seu líder carismático que bebe na fonte de Rimbaud, Jim
Morrison – até os dias atuais. Um sucessão que se alastra pelos corações e toma de assalto todos os
que respiram arte, transgressão, liberdade e inconformismo.

Assim, traçar esse paralelo entre a Comuna de Paris, o legado de Rimbaud e a influência
deste na poesia e música de Jim Morrison é o que se busca aqui em poucas linhas, o que, para um
apaixonado pelo The Doors e fã de Jim Morrison, se mostra um trabalho bastante prazeroso.

II – A COMUNA DE PARIS E SEU LEGADO

Falar da Comuna da Paris apenas como um movimento que teve como objetivo reformar as
instituições francesas e organizar uma resistência contra o governo de Versalhes em 1871 seria
reduzir o movimento a um simples levante. E considerar que neste processo os artistas da época não
tiveram participação alguma pois a arte se encontra isenta de inclinações políticas e deve ser apenas
um objeto de prazer e contemplação é incorrer em erro gravíssimo. Na verdade, a Comuna de Paris
foi um período de forte engajamento dos artistas, que conjugam sua arte poética a uma práxis
política, de forma que o papel dos artistas na Comuna lança luzes sobre o lugar e o papel da arte
face a processos revolucionários, contestando o pensamento de neutralidade da arte (Laheurte,
2021).

Importante ressaltar que sob o governo de Napoleão III a arte se encontrava restrita ao
ambiente palaciano e a cânones imperiais, não sendo acessível à população em geral, algo que
desagrava aos artistas franceses, que aspiravam fazer da arte um objeto de uma experiência popular,
acessível a todos e exibida em espaços públicos. Neste sentido a Comuna de Paris Il y a un objectif
double: tout d’abord celui de généraliser l’art mais également celui d’éduquer le peuple et de lui
donner les valeurs qui sont celles de la Commune par le biais de l’art (Laheurte, 2021, p. 3).

Havia clara também expresso na Comuna a preocupação com a valorização de um novo


elemento no substrato social da época, o povo, que, com o fim de uma lógica de classe aristocrática,
emergia. Buscava-se a união pela igualdade, com o povo se reconhecendo pela solidariedade, a
qual, elemento central no pensamento da Comuna, exaltava um sentimento de união para combater
a miséria que atingia grande número de parisienses e a ameaça prussiana no território (Laheurte,
2021).

Nesse cenário encontramos Rimbaud, a quem alguns alegam, de forma equivocada, não ter
sido uma peça importante na Comuna de Paris. Estudos literários consistentes demonstram que sua
temática obscura em algumas poesias denota uma leitura política, por vezes satírica e crítica dos
acontecimentos que à época da Comuna, sendo seu poema Paris, um exemplo concreto de seu
engajamento no movimento (Reboul, 2006). O discurso direto e o apelo ao vocativo, alguns dos
traços característicos em Rimbaud, impõe a intervenção do autor no próprio texto, fato este
facilmente perceptível pelos leitores. Destaca-se também em Rimbaud a personalidade, a
transgressão, a recorrência da morte e do combate em seus poemas, como nos mostra a série de
poemas contida na obra Une Saison en Enfer, de 1873.

Por motivos de limitação espacial não cabe aqui abordarmos toda a obra de Rimbaud e seus
mais diversos nuances. Entretanto, tais pontos destacados em suas obras servem perfeitamente para
ilustrar como seu legado ecoou mundo afora chegando aos EUA do século XX e tomando de assalto
uma das mais brilhantes personalidades do mundo do rock de todos os tempos: Jim Morrison.

III – JIM MORRISON, O RIMBAUD DO ROCK

Nothing else can survive an holocaust,


But poetry and songs …

Jim Morrison
James Douglas Morrison nasceu em 8 de dezembro de 1943 e desde cedo tornou um
apaixonado pela leitura, o que certamente motivou sua paixão pelas artes e pela Filosofia. Dentre
algumas de suas influências formativas destaca-se Rimbaud, cujo estilo mais tarde influenciaria
suas composições musicais e poemas. Baudelaire, Williams Burroughs, Jack Kerouac e Allen
Ginsberg (os 3 últimos pertencentes à geração beat) também foram bastante importantes na
trajetória de Morrison, sendo constantes as referências a estes autores em algumas de suas
entrevistas. É marcante em Morrison o apreço pela perfeita combinação entre música e poesia, o
que tanto as letras das músicas compostas quanto a forma como ele as cantava demonstra de forma
brilhante.

Assim como a poesia de Rimbaud, a obra de Jim Morrison frente à banda The Doors vem
ganhando inúmeras releituras que destacam a semelhança de temática e estruturação entre Rimbaud
e Jim Morrison, o que comprova a grande influência que Rimbaud tem na trajetória de Morrison.
Neste sentido, o livro Rimbaud and Jim Morrison: The Rebel as Poet, escrito por Wallace Fowlie,
especialista em Literatura Francesa e professor na Duke University, reconstrói a vida de Rimbaud e
de Morrison sob uma perspectiva pessoal, descobrindo uma inexplicável simetria, um padrão mais
rico do que a mera concepção de que ambos viveram uma vida cheia de aventuras e fizeram poesia
de sua sede de libertação.

Em resumo, o livro de Fowlie desenvolve uma análise das conexões entre o simbolista
francês que desistiu da poesia aos vinte anos de idade, morreu jovem e do qual os poemas são até
hoje amplamente lidos, e o músico de rock norteamericano do qual sua breve carreira impulsionou
toda uma geração e continua fascinar milhões de pessoas mundo afora mesmo tantos anos após sua
morte. Interessante é o episódio que Fowlie descreve, no qual Morrison lhe escreveu uma carta
agradecendo por este ter feito a tradução completa dos poemas de Rimbaud para o Inglês já que não
era capaz de ler bem em Francês.

Maurício Salles Vasconcelos, em Rimbaud da América e Outras Iluminações, apresenta


inúmeras comparações entre a poesia de Rimbaud e a de Morrison no intuito de evidenciar que o
poeta francês foi o grande influenciador da poesia de Morrison, presente nas letras das músicas do
The Doors. Na famosa The Celebration of the Lizard aponta Vasconcelos (2000) que Morrison, à
semelhança das peregrinações descritas por Rimbaud em suas poesias, descreve a trajetória de um
individuo em fuga, um sujeito poético e típico de Rimbaud. Tal analogia pode ser aqui evidenciada:
Not to touch the earth / Not to see the sun / Nothing left to do, but / Run, run, run / Let's run, let's
run.
Sem desejar adentrar a seara das análises literárias mais aprofundadas, que não cabem neste
trabalho, destaco a música Horse Latitudes como um belo exemplo da influência de Rimbaud na
poesia de Morrison. Ela é praticamente uma poesia cantada, que retrata, à maneira de Rimbaud, a
angústia, a fuga e o fim. Por outro lado, também denota o uso de um vocativo recorrente, nos
mesmos moldes dos adotados por Rimbaud. A se destacar que esta música foi composta por
Morrison em sua adolescência, quando ainda formava suas concepções musicais:

When the still sea conspires an armor Le loup criait les feuilles
And her sullen and aborted currents En crachant les belles plumes
Breed tiny monsters. De son repas de volailles
True sailing is dead. Comme lui je me consume

HORSE LATITUDES FAIM


Jim Morrison Rimbaud

Comparando-se as obras acima, nota-se as semelhanças entre ambas, que evidenciam a


influência de Rimbaud em Morrison seja no que tange à temática presente como no sentimento
presentes em ambos os autores. Em adição, de acordo com Vasconcelos:

Efetivando no campo da música a fusão verbo/harmonia, perseguida por Rimbaud em suas


antevisões de gênero e espetáculos totalizadores, Jim Morrison e The Doors mostram que a
recriação/releitura de certos poemas, certos textos rimbaudianos, certas imagens, são ainda
hoje palavras vivas, objetos estéticos moduláveis, possuídos de teatralidade, luz, imagem e
som (Vasconcelos, 2000. P. 185)

Sem embargo, inúmeras outras músicas de Morrison, assim como seus vários poemas 1
ilustram vários semelhanças entre ambos os autores. Contudo, de forma alguma pretendo esgotar o
tema aqui abordado, o qual, dada sua riqueza, não caberia nestas poucas linhas que ora escrevo.
Tampouco sou versado na arte da Crítica Literária, mas apenas um apaixonado por The Doors, que
já foi bastante influenciado por Morrison e adora cantar suas músicas.

Assim sendo, finalizo aqui, à maneira de Rimbaud e de Morrison, minha breve exposição.

This is the end,


Beautiful friend,
This is the end,
My only friend,
The end.

Jim Morrison
(08/12/1943 – 03/07/1971)

1
Para saber mais sobre a poesia de Jim Morrison basta acessar o site https://jimmorrison.com
BIBLIOGRAFIA
REBOUL Y. Rimbaud devant Paris: deux poèmes subversifs. In: Littératures 54, 2006. P. 95 – 132.
Disponível em Rimbaud devant Paris : deux poèmes subversifs (persee.fr)
LAHEURTE B. La Comune et La Révolte des Artistes. Paris : LVSL, 2021. Disponível em La
Commune et la révolte des artistes (lvsl.fr)
VASCONCELOS, M. S. Rimbaud da América e Outras Iluminações. São Paulo: Estação
Liberdade, 2000.

MUSICOGRAFIA
The Celebration of The Lizard. The Doors. In: Waiting for The Sun, 1968. Disponível em
The Doors – Celebration of The Lizard Lyrics | Genius Lyrics.
The Soft Parade. The Doors. In: The Soft Parade, 1969. Disponível em The Doors – The Soft
Parade Lyrics | Genius Lyrics.
When the Music’s Over. The Doors. In: Strange Days, 1967. Disponível em The Doors – When the
Music's Over Lyrics | Genius Lyrics.

SITES
Jim Morrison – Official Website. Consultado em 19/05/2021.

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