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C A D E R N O S D A

Este Caderno complementa a série de vídeos da tv escola

Deficiência Auditiva
Maria Cristina da F. Redondo &
Josefina Martins Carvalho

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

N. 1/2000
Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso SUMÁRIO
Ministro da Educação
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
Secretária de Educação Especial
Marilene Ribeiro dos Santos

Secretaria de Educação a Distância


Cadernos da TV Escola
Diretor de Produção e Divulgação
José Roberto Neffa Sadek
Coordenação Geral
Vera Maria Arantes
Projeto e Execução Editorial
Elzira Arantes (texto) e Alex Furini (arte)
Capa:
Tratamento gráfico sobre reprodução de escultura de Rodin
© 2000 Secretaria de Educação a Distância/MEC
A pessoa surda: do diagnóstico
Tiragem: 110 mil exemplares
à participação social 5
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou utilizada de qualquer
forma ou por qualquer método, eletrônico ou mecânico, sem autorização,
solicitada via carta ou fax. O bebê surdo: tornando-se independente 17
Ministério da Educação
Secretaria de Educação a Distância
A criança surda: caminhos da aprendizagem 25
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Sala 100 CEP 70047-900
Caixa Postal 9659 – CEP 70001-970 – Brasília, DF
Fax: (0XX61) 410 9158 – E-mail: seed@seed.mec.gov.br Atendimento escolar: um processo integrador 33
Internet: http://www.mec.gov.br/seed/tvescola

Adolescência: construção da identidade pessoal 45


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
O surdo adulto: do passado ao futuro 53
REDONDO, Maria Cristina da Fonseca
Deficiência auditiva-/ Maria Cristina da Fonseca Redondo,
Josefina Martins Carvalho. – Brasília : MEC. Secretaria de Educação Bibliografia
a Distância, 2000.
61
64 p.: il. (Cadernos da TV Escola 1, ISSN 1518-4706)
1. Deficiência Auditiva. 2. Integração Escolar. 3. Educação Especial.
I. Título. II. Redondo, Josefina Martins Carvalho.
CDU 376.352
Programa 1 5

A PESSOA SURDA:
DO DIAGNÓSTICO
À PARTICIPAÇÃO SOCIAL

[…] o homem pode construir seu mundo simbólico com os materiais


mais pobres e escassos. (Cassirer)

deficiência auditiva traz muitas limitações para

A o desenvolvimento do indivíduo. Consideran-


do que a audição é essencial para a aquisição
da linguagem falada, sua deficiência influi no relacio-
namento da mãe com o filho e cria lacunas nos pro-
cessos psicológicos de integração de experiências,
afetando o equilíbrio e a capacidade normal de de-
senvolvimento da pessoa.
Mesmo assim, ainda hoje, a sociedade conhece bem
pouco os portadores de deficiência. Esse desconhecimen-
to se reflete por exemplo na ausência de estatísticas bra-
sileiras tanto a respeito de seu número real quanto das
formas de assistência disponíveis, de sua integração so-
cial e de sua inclusão no mercado de trabalho.
O retrato da ausência de informação se reflete na
rara presença desse assunto em noticiários, e na pe-
quena oferta de serviços adequados a portadores de
deficiência – apesar de eles corresponderem a cerca
de 10 por cento da população de países em desenvol-
vimento, como o Brasil.
No Brasil existem muitas leis voltadas para os por-
tadores de deficiência, indicando a necessidade de di-
ferenciação em relação aos demais cidadãos. No en-
tanto, mesmo após decretadas, as leis são implanta-
das de modo lento e parcial, sendo ignoradas pela
maior parte da população. Os portadores de deficiên-
6 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 7

Como as pessoas ouvem? Ossículos auditivos


O ouvido humano possui três partes – ouvido externo, no ouvido médio
(martelo, estribo e
ouvido médio e ouvido interno –, sendo que cada uma Canais bigorna)
semicirculares
desempenha funções específicas:
• Ouvido externo: é composto pelo pavilhão auricular e Nervo auditivo
pelo canal auditivo, que é a porta de entrada do som.
Nesse canal, certas glândulas produzem cera, para pro-
Ouvido interno
teger o ouvido. (cóclea)

• Ouvido médio: formado pela membrana timpânica e


por três ossos minúsculos, que são chamados de mar-
telo, bigorna e estribo, pois são parecidos com esses
objetos. Em contato com a membrana timpânica e o Trompa de
Eustáquio,
ouvido interno, eles transmitem as vibrações sonoras que leva à
nasofaringe
que entram no ouvido externo e devem ser conduzidas
Tímpano Canal auditivo
até o ouvido interno. interno
• Ouvido interno: nele está a cóclea, em forma de caracol,
que é a parte mais importante do ouvido: é responsável Qualquer tipo de problema em uma das partes do ouvido
pela percepção auditiva. Os sons recebidos na cóclea são pode prejudicar a audição, em maior ou menor grau. Há
transformados em impulsos elétricos que caminham até diferentes tipos de perda auditiva, conforme o local afeta-
o cérebro, onde são ‘entendidos’ pela pessoa. do (ouvido médio, interno etc.).

cia precisam sempre recorrer à legislação para reivin- Se o bebê for exageradamente quieto, não virar a
dicar seus direitos de cidadão. cabeça procurando a origem de algum barulho forte
– como um trovão, por exemplo – ou continuar o cho-
ro, mesmo que a mãe tente acalmá-lo apenas com a
Como detectar a
perda auditiva em uma criança? voz, talvez seja o caso de se preocupar. A mãe precisa
comentar isso com o pediatra, para que ele avalie a
Sempre é mais fácil descobrir a perda severa ou pro- necessidade de encaminhamento a um especialista.
funda do que a leve ou moderada. De qualquer for- Quando a perda auditiva é detectada precocemen-
ma, é importante que os familiares e o pediatra se- te, o profissional se preocupa inicialmente em forne-
jam observadores e atentos, para detectar eventuais cer informações aos pais, para que eles saibam o que
sinais de perturbação, desde as primeiras semanas fazer e, principalmente, possam acolher esse filho e
após o nascimento. aprender a lidar com a situação inesperada.
8 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 9

Idealmente, a surdez deve ser diagnosticada o época em que ocorreu a surdez e grau de prejuízo;
mais cedo possível, mas não é o que acontece na tipo de atendimento reabilitacional recebido, oral ou
maior parte das vezes. Com freqüência a criança fica oral com sinais/gestos; estimulação feita para a aqui-
sem atendimento até o momento de ir para a escola. sição da linguagem; aproveitamento dos resíduos
Quanto mais tempo se passa, maiores são as dificul- auditivos –, bem como o trabalho com a família,
dades de desenvolvimento – tanto no campo da lin- auxiliando-a a aprender a lidar com a diferença do
guagem quanto nos níveis social, psíquico e cognitivo. filho, têm contribuído para que a pessoa com surdez
Quando há problemas, o diagnóstico precoce per- ocupe seu lugar na sociedade.
mite que a família seja orientada desde o primeiro
momento, recebendo informações de profissionais Como evitar ou prevenir a perda auditiva?
(médico, psicólogo, fonoaudiólogo) e tendo apoio • Todas as mulheres devem ser vacinadas contra a ru-
para cuidar do desenvolvimento da criança. béola, que constitui uma das principais causas de
Depois de o médico diagnosticar uma perda au- surdez congênita em nosso País.
ditiva, e identificar o grau dessa perda, ele precisa en- • A criança jamais deve tomar remédio sem receita
caminhar a criança para um tratamento fonoaudioló- médica; um antibiótico, por exemplo, pode conter
gico integrado, a ser feito pelo fonoaudiólogo, com a aminoglicosídeo, substância que geralmente preju-
equipe que for considerada necessária. Dependendo dica a audição de forma irreversível. (Corrêa, 1999)
do caso, o profissional competente indicará o uso de
um aparelho auditivo.
Primeiras medidas
As causas da surdez
Inicialmente, a linguagem oral não é a mais impor-
Em muitos casos, o diagnóstico médico consegue tante na comunicação de qualquer criança com sua
identificar a causa mais provável da perda auditiva, família; o contato depende mais da sensibilidade,
mas nem sempre isso é possível. A ocorrência de ges- que se traduz em um toque, uma expressão de feli-
tações e partos com histórico complicado, bem como cidade ou de tristeza. No caso da deficiência auditi-
a manifestação de doenças maternas no período pró- va, os pais não devem se desesperar, mas sim apren-
ximo ao nascimento da criança, podem inviabilizar a der como participar da educação de sua criança. O
identificação dessa causa. futuro dela vai depender muito da atuação deles, em
Por isso mesmo, em cerca de 50 por cento dos parceria com profissionais como fonoaudiólogo e
casos, a origem da deficiência auditiva é atribuída a otorrinolaringologista.
‘causas desconhecidas’. Quando se consegue desco- Existe uma diferença significativa no desenvolvimen-
brir a causa, o mais freqüente é que ela se deva a to da linguagem e da comunicação de crianças que so-
doenças hereditárias, rubéola materna e meningite. frem perda auditiva antes dos 2 anos de idade, em com-
O conhecimento da história de cada pessoa – paração com as que ficam surdas após ter adquirido a
10 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 11

linguagem (por exemplo, no caso de surdez causada por tiva; as respostas são dadas em decibéis (medida de
meningite, depois dos 4 anos de idade). As maiores já som, cujo símbolo é dB).
tiveram a oportunidade de estruturar a memória auditi- Já a criança maior pode cooperar e, nesse caso, é
va e um sistema lingüístico próprio. feito o exame audiométrico, que identifica seu nível
Saber em que momento se instalou a surdez é mínimo de audição. Esse exame permite avaliar a audi-
fundamental para planejar as necessidades de ção das diferentes freqüências de tons puros – do grave
estimulação da criança, seja qual for a idade. Mas tam- ao agudo –, com especial atenção para a ‘zona da pala-
bém são necessárias outras informações, tais como: vra’, que fica nas freqüências de 500 a 4 mil hertz (Hz).
• se a surdez se instalou antes ou depois do nas-
Com base no trabalho de Roeser & Downs,
Martinez (2000) propõe a seguinte classificação dos
cimento, ou durante o parto;
limiares de audição:
• se foi detectada nos primeiros anos de vida, e
Limiares tonais*
em que fase isso aconteceu;
Audição normal 0 a 15 dB
• qual o grau da perda auditiva – leve, moderada,
severa ou profunda; Deficiência auditiva suave 16 a 25 dB
• se a criança recebeu atendimento especializado
Deficiência auditiva leve 26 a 40 dB
(e foi indicada a utilização de aparelho de am-
plificação sonora individual); Deficiência auditiva moderada 41 a 55 dB
• como a audição foi estimulada, desde o início; Deficiência auditiva moderadamente severa 56 a 70 dB
• qual a reação da família e que tipo de assistên-
Deficiência auditiva severa 71 a 90 dB
cia ela recebeu;
• se a surdez está ou não associada a outra defi- Deficiência auditiva profunda acima de 91 dB
ciência, ou a problemas de saúde. * Média dos limiares tonais em 500, 1.000 e 2.000 Hz.

Há mais de uma forma de fazer a avaliação


Deficiente auditivo ou surdo?
audiológica, para constatar se houve perda de audi-
ção. E os graus de perda também variam bastante. Há Deficiente auditivo é como se autodenominam mui-
pessoas que escutam muito pouco, sendo incapazes tos dos surdos adultos, principalmente aqueles que
de ouvir um avião passando; outras conseguem ou- apresentam perda auditiva de leve a moderada, que
vir a voz humana, mas não chegam a discriminar o não se consideram totalmente surdos. Essa atitude
que está sendo dito. resulta do processo educacional e reabilitacional a
Quando a criança é bem pequena, se realiza o di- que foram submetidos, nos anos 70 e 80, época em
agnóstico objetivo, como o Bera (Brain Stam Evocated que era dada grande ênfase ao oralismo.
Response: respostas evocadas do tronco cerebral). Esse Na abordagem oralista, ainda hoje adotada por
teste permite avaliar a perda de audição por via audi- algumas instituições, a comunicação se baseia na fala:
12 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 13

Audiometria tonal: audição normal no ouvido Audiometria tonal: perda auditiva severa no
esquerdo e perda leve no ouvido direito ouvido esquerdo e profunda no direito
250 500 1K 2K 4K 8K Hz 250 500 1K 2K 4K 8K Hz
-10 -10
0 0
○○ ○○ ○
10 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○ ○ ○
○ ○ 10
○○
○○
○ ○ X
20 ○
○ X 20

○○
30 ○○ ○ ○
○ ○ ○
X 30
○ ○ ○ X ○ ○ ○
X
40 X○ 40
50 50
60 60
70 70 ○ ○ ○ ○ ○○
80 80 ○ ○ ○ ○○
○ ○ ○ ○ ○○
X X ○

○ ○ ○ ○○
90 90 ○
○○
○ ○ ○ ○
X ○
100 100 ○

○ ○ ○ ○ ○ ○
X X
110 110
120 120
dB dB
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
(vermelho) Ouvido direito (vermelho) Ouvido direito
○ ○ ○ ○
X (azul) Ouvido esquerdo ○ ○
X ○ ○
(azul) Ouvido esquerdo

Audiometria tonal: perda Audiometria tonal: perda auditiva


auditiva moderada em ambos os ouvidos profunda em ambos os ouvidos
250 500 1K 2K 4K 8K Hz 250 500 1K 2K 4K 8K Hz
-10 -10
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
○○
60 ○○ ○ ○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ X ○ ○ ○
X
○○
60
X○ ○ ○ ○ ○○ ○ ○ ○ X
○ ○
○ ○ X ○ ○ ○ ○ ○ ○
70 ○ X ○

○ ○ 70
○ ○ ○
○ ○ ○
80 80
90 90
X○ ○
○○
100 100 ○○ ○○
X ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○



110 110 ○


○ ○
○ ○ ○○

120 120 X ○ ○ ○ ○○
X ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
X X
dB dB
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
(vermelho) Ouvido direito (vermelho) Ouvido direito
○ ○ ○ ○
X (azul) Ouvido esquerdo ○ ○
X ○ ○
(azul) Ouvido esquerdo
14 Programa 1 A pessoa surda: do diagnóstico à participação social 15

não se aceita a utilização de gestos ou sinais para re- surdez vem obtendo oportunidades cada vez mais
presentar ou indicar coisas, objetos etc. No oralismo, amplas e melhores de ser vista como um cidadão
os resíduos de audição servem como parâmetro para comum e de freqüentar escolas comuns, além das clas-
a aquisição da fala e da linguagem, sendo associados ses ou escolas especiais. A inclusão do portador de
à leitura da expressão facial. deficiência no sistema escolar pode permitir que ele
Entre os mais jovens, e particularmente entre gradualmente passe a contar com os mesmos benefí-
aqueles que apresentam perdas auditivas severas e cios oferecidos aos demais educandos.
profundas, existe um movimento para que assumam Seja qual for o tipo de educação recebida, espe-
a própria surdez. Lutam por seus direitos e buscam cial ou não, o surdo não precisa apenas de escola. É
divulgar a Língua de Sinais Brasileira (LSB), mostran- indispensável que lhe seja oferecido atendimento nos
do que se trata de uma língua com regras próprias, aspectos médicos relacionados com a surdez, bem
como a língua portuguesa. como orientação familiar e suporte emocional, pro-
Os que adotam essa linha valorizam sua fala, le- curando facilitar o desenvolvimento de suas
vando em conta que é uma fala diferente, e valorizam potencialidades, levando-o a fazer escolhas e respon-
também seu direito de usar recursos variados para se sabilizar-se por elas e oferecendo-lhe as mesmas
comunicar, na busca de uma melhor participação so- oportunidades disponíveis para as pessoas que não
cial. Rejeitam o termo ‘deficiente’, que embute um são portadoras de deficiência.
conceito de déficit, e defendem uma atitude na qual Mas a luta por sua participação social não é uma
seja dado valor ao indivíduo, e não à deficiência da luta apenas do surdo e de seus familiares. Ao se falar
qual ele é portador. em integração (ou, atualmente, em inserção), é fun-
damental que a sociedade faça sua parte, usando de
Para que a sociedade possa melhor conhecer as pes- todos os meios para atenuar as dificuldades impos-
soas que têm perda de audição, é importante pensar tas pela surdez.
em cada indivíduo como um ser único, repleto de Receber o surdo e facilitar seu acesso a todos os
possibilidades. espaços sociais (escola, parques, festas, empresas,
teatros, cinema, museus etc.) é a contrapartida para
Os recursos de comunicação adotados pelo surdo, que exista realmente integração e participação.
seja ele mais ou menos oralizado, não podem ser
usados para caracterizá-lo como pessoa. É preciso Se o surdo não pode ficar esperando que a sociedade
levar em conta seu percurso de vida e a forma pela faça tudo por ele, também não pode lutar sozinho e
qual seu modo de se comunicar possibilita sua competir com os ouvintes, como se fosse ouvinte.
integração nos diferentes meios sociais que freqüen-
ta, fazendo com que se sinta mais feliz.
No tocante à escolaridade, a pessoa portadora de
Programa 2 17

O BEBÊ SURDO: TORNANDO-SE


INDEPENDENTE

[…] o bebê precisa de alguém que, por um tempo, o coloque


em primeiro lugar numa lista de prioridades. (D.W. Winnicott)

ssim que nasce, e ao longo dos primeiros me-

A ses de vida, o bebê ainda não é capaz de esta-


belecer ligações entre suas emoções e o signi-
ficado delas. Ele depende totalmente da mãe, para ser
compreendido e para ser atendido em suas necessi-
dades básicas.
Em sua mente adulta, a mãe elabora um significa-
do simbólico daquilo que o bebê necessita. Em segui-
da, ela transmite – pelo olhar, na voz, na maneira
como o segura e o amamenta – ‘algo’ que permite tam-
bém a ele construir um significado simbólico das
emoções que experimenta.
Assim, nos momentos em que o bebê vive um des-
conforto, uma tensão, é a mãe que decodifica a ori-
gem do problema e oferece o alívio necessário para
restabelecer o equilíbrio.
A repetição constante dessas vivências com signi-
ficado é uma condição para o desenvolvimento da
capacidade de pensar – daí a importância da relação
mãe-bebê. O conhecimento real e verdadeiro vem da
experiência com o outro.
O bebê abandonado a seu próprio entendimento,
deixado a sós, certamente criará significados estra-
nhos para suas vivências.
É freqüente que a surdez seja descoberta pelos pais
apenas quando a criança tem 1 ou 2 anos. Isso implica
18 Programa 2 O bebê surdo: tornando-se independente 19

uma dificuldade maior na transmissão de significados sim- aspecto a ser lembrado é que a criança surda, em seus
bólicos às experiências do bebê. Um exemplo: o bebê cho- primeiros meses de vida, é um bebê com necessida-
ra, e a mãe procura acalmá-lo conversando com ele – sem des peculiares, pois a ausência da audição, interferin-
que ela saiba, sua voz não chega até ele para tranqüilizá- do na aquisição da linguagem e na maneira de conhe-
lo, acalmá-lo e marcar a presença materna. Somente ao vê- cer o mundo, deixará marcas para o resto da vida.
la ele pode se assegurar de sua proximidade. Principalmente nos casos em que se pode suspei-
À medida que se repetem experiências desse tipo, tar desse tipo de quadro – como nascimento de alto
o bebê pode desenvolver sentimentos de inseguran- risco, casos de surdez hereditária na família, casamen-
ça e abandono, o que talvez traga como conseqüên- tos consangüíneos, ocorrência de rubéola na gravidez
cia uma auto-estima rebaixada. ou um quadro de meningite após o nascimento – é
Por outro lado, quando descobre a surdez do fi- fundamental que o bebê seja encaminhado para ava-
lho, a grande maioria das mães passa a usar menos a liação médica o quanto antes.
voz para se comunicar com ele. Outras diminuem suas
falas diretas com o filho, ou até deixam de se utilizar Aprender a falar
da palavra. Todos caem no silêncio. Por meio da audição, e do ambiente familiar adequa-
As atitudes maternas de acentuado desalento ou de do, a criança ouvinte aprende naturalmente o modelo
superproteção podem ser compreensíveis, mas não de sua língua, processo que ocorre em três estágios:
servem para incentivar o desenvolvimento da criança. Linguagem receptiva: a recepção ocorre por intermé-
Os pais (e, principalmente, a mãe, pois ela tem con- dio da audição: a criança recebe a linguagem de seu
tato mais intenso e freqüente com o bebê) devem com- ambiente lingüístico; ao ouvir a palavra muitas ve-
preender que há muitas formas de comunicação com o zes, acaba por armazená-la.
bebê, além da linguagem oral: toques, sorrisos, carinhos. Linguagem compreensiva: a criança passa a compre-
Todas essas linguagens devem ser utilizadas no trato ender que a palavra ‘papai’ se refere a determinada
com o bebê, inclusive a oral. Deve-se falar sempre de pessoa (relaciona significante e significado).
frente para a criança, olhando para ela, permitindo que
Linguagem expressiva: a criança emite a palavra ‘papai’,
ela perceba a existência dessa forma de comunicação.
quando já possui a segurança de seu significado.

O diagnóstico precoce
Ninguém nasce falando. Esses estágios fazem parte
É de grande importância que a surdez seja diagnosti- da natureza humana e se sucedem em um espaço
cada o mais cedo possível. E que, assim que for cons- mínimo de um ano após o nascimento, quando a
tatada, se inicie o atendimento especializado, que não criança passa a emitir as primeiras palavras.
se resume ao trabalho com a criança — deve incluir Nos primeiros meses de vida, a criança não precisa da
também os pais. audição para falar. É a fase de balbucio (primeiro estágio
No trabalho de estimulação precoce, o primeiro da linguagem expressiva), na qual ela emite sons
20 Programa 2 O bebê surdo: tornando-se independente 21

inarticulados de sensação de prazer e desprazer. É como se pelos familiares, ignorando a compreensiva, invisível mas
estivesse treinando a emissão de sons, sem perceber o que dedutível? Pensamos que, desde os primeiros choros e
interações com a mãe, a linguagem começa a despontar
está fazendo – não precisa da audição, para essa atividade.
como um todo. (Solange Issler, in Corrêa, 1999, pp. 23-24)
O bebê com perda auditiva interrompe o balbu-
cio devido à falta de audição normal; não escuta os
próprios sons, e assim seu desenvolvimento lingüís-
O aparelho auditivo
tico não tem estímulos. Em alguns casos, o exame audiométrico indica a pos-
sibilidade de adoção de um aparelho de amplificação
Apoio e orientação à família
sonora individual (A.A.S.I.). Trata-se de um equipamen-
Identificada a surdez, o primeiro passo consiste em to pequeno, colocado junto ao ouvido da criança, que
dar apoio à família e orientá-la em relação às neces- amplia a intensidade dos sons e os traz para um nível
sidades de seu bebê. A estimulação precoce realizada confortável para quem precisa usá-lo. Atualmente, há
no ambiente doméstico, aliada ao trabalho educacio- aparelhos com alto nível de sofisticação, que ampliam
nal de profissionais, permitirá que a criança adquira o som de maneira cada vez mais seletiva. Por exem-
condições de se comunicar da melhor forma possível, plo, nos momentos de comunicação, os sons da fala têm
situando-se de modo adequado na sociedade. ‘prioridade’ sobre os ruídos ambientais.
No trabalho com os pais, não basta orientá-los em Os benefícios advindos do uso do aparelho audi-
relação à melhor forma de estimular a audição dos tivo não são percebidos de imediato; é necessário um
filhos. Eles precisam ter a oportunidade de manifes- período de aprendizagem e de adequação auditiva
tar suas preocupações e receber esclarecimentos su- que, às vezes, desanima a criança e seus familiares.
ficientes para que se sintam mais seguros. É impor- Mas os pais precisam entender o que esse aparelho
tante que possam falar de suas angústias por ter um pode representar para o filho, os benefícios que pode
filho diferente do esperado. trazer e suas limitações. O uso do aparelho pode ser
Os pais precisam aprender a escutar os sons emi- comparado com o dos óculos, para quem tem deficiên-
tidos pelo bebê, sabendo que eles contêm significa- cias de visão, embora neste último caso a aceitação seja
dos, ou seja, constituem uma linguagem. Essa atitude mais fácil, pois o resultado – ver melhor – é imediato.
equivale à da mãe da criança ouvinte: quando o bebê O aparelho de surdez costuma gerar grandes ex-
emite ‘pá’, a mãe dá um sentido ao som, completando pectativas, como se fosse capaz de realizar milagres.
a palavra de acordo com o que entendeu – ‘papai’, Muitos pais imaginam que, a partir do uso do apare-
‘papa’, ‘você quer comer’ etc. lho, seu filho deixará de ser surdo e se transformará
em ouvinte. Mas não é assim.
As crianças adquirem a linguagem, obviamente. A questão
agora é a que tipo de linguagem nos referimos quando di- Para saber quando a criança vai aprender a perceber
zemos que só aos 24 meses a criança ‘tem’ linguagem. os sons com o aparelho auditivo, deve-se levar em conta
Referimo-nos à linguagem expressiva, ouvida e percebida a perda auditiva e, mais ainda, a estimulação recebida.
22 Programa 2 O bebê surdo: tornando-se independente 23

res, que precisam valorizar tais manifestações como


O desenvolvimento auditivo não acontece logo após
uma forma de comunicação e mostrar compreensão.
a colocação e o uso do aparelho. Depende de um pro-
A criança não vai desenvolver a linguagem oral es-
cesso, que vai ocorrendo com o passar do tempo: os
pontaneamente, sem estímulos.
pais e profissionais não podem desanimar.
Com o início da escolaridade em creches e insti-
tuições de educação infantil – comum, ou especial –
Quando os pais não têm oportunidade de discutir
a criança começa a partilhar com outras as brincadei-
suas expectativas e de receber esclarecimentos, às ve-
ras, as conversas e a atenção do professor.
zes se cria uma sensação de decepção e frustração. E
esses sentimentos trazem grandes prejuízos ao desen-
Para que possa expressar seus desejos e suas neces-
volvimento emocional, cognitivo e social da criança.
sidades, utilizando gestos e/ou sons, a criança surda
Há crianças que passam a não querer usar o apare-
deve ser exposta a uma linguagem compreensível
lho, ao perceber que essa sua diferença traz sofrimen-
para ela, como contribuição a sua socialização.
to para os pais.
Algumas famílias deixam às vezes de colocar o
Os pais e professores precisam colaborar para que
aparelho na criança pelos mais diversos motivos:
a criança com deficiência auditiva se comunique com
porque ela acordou chorando, porque a babá não
os colegas e com outros adultos. Para isso, é impor-
chegou… ou seja, há sempre uma desculpa para não
tante deixar claro quais são suas limitações e quais
utilizá-lo. Há casos em que o aparelho fica mais tem-
suas possibilidades.
po na gaveta do que no ouvido da criança.
O desafio do trabalho precoce com a criança sur-
Não é suficiente usar o aparelho auditivo durante
da está em criar situações de comunicação que favo-
algumas horas por dia. Ele precisa ser colocado ao
reçam sua expressão e sua interação contínua com as
acordar e só pode ser retirado para tomar banho e
pessoas, utilizando-se do olhar, dos gestos, dos sinais,
para dormir. Seu uso é tão importante quanto o hábi-
da linguagem oral etc.
to de se alimentar.
Toda criança adquire a linguagem naturalmente,
por meio da interação; a fala é uma das manifesta-
O aprendizado do convívio
ções da linguagem, tal como os sinais, os gestos e a
A partir de 2 a 3 anos toda criança, mesmo que seja escrita – são formas de estabelecer a comunicação e
surda, busca conhecer o mundo, se torna cada vez possibilitar a representação do pensamento.
mais consciente de si mesma como pessoa, no conví- O atendimento precoce à família e à criança per-
vio com outras crianças e com adultos. mite diminuir as dificuldades dos pais em aceitar seu
Para a criança surda o contato é feito por meio de filho diferente, ajudando-os a ter uma visão mais re-
sinais espontâneos e expressões faciais, cujo signifi- alista e positiva das verdadeiras possibilidades de
cado deve ser compreendido pelos pais e professo- desenvolvimento de seu filho surdo.
Programa 3 25

A CRIANÇA SURDA:
CAMINHOS DA APRENDIZAGEM

[…] Agora que eu tenho 6 anos, sou o mais


esperto dos espertos. Então, acho que vou
continuar com 6 anos pra sempre. (A.A. Milne)

objetivo central da educação infantil é favorecer

O o desenvolvimento físico, motor, emocional,


cognitivo e social de todas as crianças – ouvin-
tes ou surdas. As experiências e os conhecimentos são
promovidos e ampliados, por meio de jogos e brinca-
deiras, bem como do convívio com outras crianças e
outros adultos, fora do ambiente doméstico.
A socialização, que se inicia antes dos 3 anos, vai
se consolidando entre os 4 e os 6 anos de idade. A
criança escolhe com quem quer brincar e conversar,
de quem quer ser amiga.
A educação da criança surda em fase de socializa-
ção precisa se adequar a suas características pesso-
ais. A observação de suas respostas aos primeiros
atendimentos escolares e clínicos (estimulação audi-
tiva, socialização etc.), serve para indicar o caminho
a seguir: optar pelo ensino especializado (escola e
classe especial), ou pelo ensino comum.

Cada criança deve receber atendimento de acordo com


sua realidade e suas condições, para vivenciar e ex-
plorar ao máximo suas potencialidades.

Algumas crianças surdas têm possibilidade de


adquirir e desenvolver a linguagem oral, utilizando a
fala para se comunicar. Outras, por características pes-
26 Programa 3 A criança surda: caminhos da aprendizagem 27

soais e também em decorrência do ambiente familiar leitura da escrita, enfim, tudo aquilo que sirva de meio
em que cresceram, apresentam linguagem oral míni- para ajudar a desenvolver o vocabulário, linguagem e
ma, que deve ser complementada com outras formas conceito de idéias entre o indivíduo surdo e o outro”.
de comunicação (escrita e por sinais). (Marta Ciccone, in Corrêa, p. 22)
A criança também pode desenvolver a leitura oro- Bilingüismo: essa abordagem pretende que ambas as
facial, isto é a leitura labial e a fisionômica, capaci- línguas – os sinais (LSB, a Língua de Sinais Brasileira)
dade de ler os lábios e a expressão facial de quem fala. e a oral (português) – sejam ensinadas e usadas sem
Mesmo quando usam um aparelho auditivo adequa- que uma interfira/prejudique a outra. Elas se desti-
do, os deficientes auditivos em geral fazem também a nariam a situações diferentes.
leitura labial, para compreender melhor a fala do
outro. A leitura labial é uma capacidade inata em to- A comunicação com a criança surda
das as pessoas, mas apenas aquelas que têm perda
auditiva desenvolvem tal habilidade. Muitas vezes os pais, professores e outros adultos
tomam atitudes inadequadas em relação a crianças
Métodos de treinamento com perda auditiva, ignorando suas reais limitações.
Por exemplo:
Há vários métodos para o desenvolvimento da lingua- • Com freqüência tratam a pessoa com deficiência
gem de deficientes auditivos empregados no Brasil: auditiva como se ela fosse incapaz de compreen-
Método oral unissensorial: usa apenas a pista auditi- der. Falam de maneira pouco natural, apenas com
va. Por meio do aparelho auditivo, integra a audição gestos; se usam palavras, falam ‘como índio’, sem
à personalidade da criança com perda auditiva; não artigos ou frases completas, utilizando apenas
enfatiza a leitura labial, nem utiliza a língua de sinais. palavras soltas, como se o outro fosse incapaz de
Exemplos: método Pollack e método Perdoncini. entender as formulações completas.
• Não conseguem agir com naturalidade. Não infor-
Método oral multissensorial: usa todos os sentidos:
mam, por exemplo, o que está acontecendo: a mãe
audição com apoio de aparelhos auditivos, visão com
sai sem dizer onde está indo, como se a criança
apoio da leitura labial, tato etc.; também não utiliza a
não pudesse participar da vida em comum.
língua de sinais. Exemplos: método áudio + visual de
• Ao conversar, viram o rosto para outro interlocutor,
linguagem.
de modo que a criança não perceba o que está
Método de comunicação total: “É uma filosofia, não sendo falado. Além de ser uma falta de respeito,
simplesmente um outro método, cuja premissa básica é diminui a auto-estima da criança.
utilizar tudo o que seja necessário para o indivíduo com • Alguns pais enfatizam a deficiência auditiva, es-
deficiência auditiva como meio de comunicação: quecendo que a criança tem um potencial a de-
oralização, prótese auditiva, gestos naturais, linguagem senvolver. Já outros cobram excessivamente dos
de sinais, expressão facial, alfabeto digital, leitura labial, filhos, achando que devem compensar a defi-
28 Programa 3 A criança surda: caminhos da aprendizagem 29

ciência com atitudes perfeccionistas. Ambos os teúdo que queremos transmitir a ela. Toda situação é
extremos são prejudiciais. boa para falarmos de assuntos variados, de coisas que
podem acontecer ou aconteceram.
O desenvolvimento da linguagem Por exemplo: quando a criança come, se lava, se
veste, ou passeia pela rua se oferecem ótimas oca-
A escola, comum ou especializada, deve preparar a
siões para falar com ela a respeito das coisas que está
criança surda para a vida em sociedade, oferecendo-
vendo, de como as pessoas estão agindo, das sensa-
lhe condições de aprender um código de comunica-
ções dela e das nossas.
ção que permita seu ingresso na realidade sociocul-
tural, com efetiva participação na sociedade.
O trabalho de linguagem, tanto em língua portu- É indispensável interagir com a criança surda a cada
guesa (oral) quanto na Língua de Sinais Brasileira momento, utilizando perguntas e respostas que vão
(LSB), é desenvolvido de forma a dar à criança surda se tornando conhecidas e que ela vai aprendendo.
um instrumento lingüístico que a torne capaz de se
comunicar. A partir dessas situações espontâneas de relacio-
Os principais recursos utilizados nesse trabalho são namento, o professor e os pais podem realizar ativi-
atividades de imitação, jogos, desenhos, dramatizações, dades e brincadeiras que estimulem a interação com
brincadeiras de faz-de-conta, histórias infantis etc. Tais a criança, mantendo sua atenção e ajudando-a a se
atividades possibilitam, ao mesmo tempo, a aquisição expressar a partir de gestos, sinais, atitudes corporais
de linguagem e a aprendizagem de conceitos e regras e linguagem oral.
de um código de comunicação, aspectos importantíssi- Pela repetição das palavras e pela vivência no dia-
mos para o processo de integração escolar. a-dia, as crianças aprendem a compreender uma lín-
A criança surda adquire sua linguagem ao relacio- gua e a usá-la. Isso vale tanto para as crianças ouvin-
nar a experiência que está vivendo com a verbalização tes quanto para aquelas com perda auditiva. No en-
e/ou os sinais que ela observa em outra pessoa (co- tanto, as que têm perda auditiva precisam de mais
legas, pais, professores etc.), bem como ao relacionar estímulos, de mais repetições e de mais vivências. A
o que está sendo falado pelo outro com suas próprias partir do momento em que a criança surda percebe
experiências e também ao comunicar seus pensamen- que cada coisa ou pessoa tem um nome, seu progres-
tos e experiências de forma oral, escrita ou com sinais. so se torna mais rápido.
Para Piaget, a linguagem é um sistema para repre- O jogo, o brincar de faz-de-conta e o relato de his-
sentar a realidade. É ela que torna possível a comu- tórias infantis são experiências que permitem ampliar
nicação entre os indivíduos, a transmissão de infor- seu âmbito de informações e ajudá-la a buscar, a pe-
mações e a troca de experiências. dir, a fazer perguntas, enriquecendo cada vez mais sua
A situação comunicativa em um contexto espon- comunicação.
tâneo ajuda a criança a compreender melhor o con- Qualquer situação corriqueira, em particular quan-
30 Programa 3 A criança surda: caminhos da aprendizagem 31

do vinculada às idéias e aos interesses da criança meta. É fundamental conversar com os pais a respei-
surda, pode ser útil para estimular e desenvolver seu to desses objetivos e adequar o programa, de manei-
processo de comunicação. Por exemplo: se ela gosta ra a permitir que a família colabore, aproveitando os
de carros, de motos, ou de bonecas, seu brinquedo contextos naturais e cotidianos para estimular a lin-
predileto pode servir de motivação para a aprendiza- guagem do filho.
gem. Ela irá se interessar por saber seus nomes, re- A intervenção do professor no campo da comuni-
produzir o ruído que fazem, sentir as vibrações dos cação e da linguagem com a criança surda pequena não
veículos que passam pela rua, observar as cores das pode partir de programas rígidos quanto ao conteúdo
diferentes motos, ou reproduzir com suas bonecas o – como por exemplo listas preestabelecidas de pala-
cuidado materno, dando nome aos sentimentos – ‘eu vras. Sempre devemos ter presente o interesse de cada
gosto’, ‘eu choro’, ‘eu estou triste’, ‘eu estou alegre’ etc. criança, ‘conversando’ com ela sobre o que vivenciou
A compreensão e a realização de uma tarefa exi- em casa, com os colegas ou com outros adultos.
gem da criança surda um grande esforço de atenção. Precisamos abordar o desenvolvimento da lingua-
Por isso, é compreensível que ela não goste de fazer gem de uma criança surda em toda sua variedade e
exercícios de articulação durante muito tempo. O ide- em todas suas possibilidades, dando um papel signi-
al é apresentar esses exercícios disfarçados, na forma ficativo às funções comunicativas que ela realiza com
de jogos e brincadeiras. suas próprias expressões e ao vínculo comunicativo
É conveniente aproveitar situações lúdicas para que ela estabelece com o outro (adulto ou criança).
favorecer a aquisição lingüística. Mas não se pode Para a criança, não é importante apenas ‘falar algo’,
esquecer que essa estimulação não tem por objetivo mas ser capaz de utilizar a linguagem para transmitir
criar um ouvinte falante, suprimindo ou ignorando as diferentes intenções, como pedir, afirmar, perguntar etc.
características peculiares da criança surda. Devemos ainda evitar transmitir apenas o nome
dos objetos, procurando sempre mencionar outros
Levar em conta as potencialidades e limitações da aspectos importantes que suscitem a curiosidade da
criança surda permite que ela manifeste sua espon- criança, levando-a a perguntar (por quê? para quê? o
taneidade e suas diferenças. Diferenças que não a tor- que é?) e a expressar seus sentimentos (eu quero, eu
nam um ser inferior ou menos capaz, mas apenas di- não quero, eu gosto). Isso permitirá estabelecer uma
ferente – como todo ser humano. comunicação mais completa, natural e próxima à da
criança ouvinte, sem se limitar à mera nomeação ver-
bal de objetos.
O papel do professor É importante utilizar os mais variados recursos de
comunicação: além da linguagem oral, recorrer sem
O trabalho do professor deve estar marcado pelos
restrições aos gestos, às expressões faciais e corporais
objetivos que ele pretende alcançar na área da lingua-
e a um sistema estruturado de sinais.
gem e por um programa concreto para cumprir essa
Programa 4 33

ATENDIMENTO ESCOLAR:
UM PROCESSO INTEGRADOR

Deixe uma criança comigo até os 7 anos, e então qualquer


pessoa poderá cuidar dela. (Inácio de Loyola)

artindo do princípio de que a educação é um

P direito de todos, o atendimento educacional às


pessoas com necessidades especiais, em am-
biente escolar comum ou em grupos especializados,
está assegurado na Constituição Brasileira.
Ações como a proposta no capítulo V – “A educa-
ção especial” – da Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDB 9.394/96), vêm demonstrando a
abertura do processo de atendimento educacional e
a garantia de introduzir nele inovações, objetivando
assegurar maiores possibilidades de integração do
portador de deficiência à sociedade.
Nessa nova visão, a inclusão social passa a ser vista
como um processo de adaptação da sociedade, que in-
clui as pessoas com necessidades especiais em todos os
ambientes sociais. Isso torna possível que, ao mesmo
tempo, essas pessoas se preparem para assumir seu lu-
gar na sociedade, e para desempenhar os papéis ade-
quados a cada situação (Ver Sassaki, 1997, p. 41).

A inclusão da criança com surdez na escola regular


requer uma boa preparação tanto do aluno quanto da
escola, para que ambos se sintam capacitados a par-
ticipar dessa integração.

Para pedagogos como Frazão de Sousa (1999, pp.


65-68), a inclusão no ambiente escolar consiste em:
34 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 35

• possibilitar à criança um desenvolvimento den- todo seu potencial de comunicação.


tro de seus limites pessoais, e não de padrões Antigamente, a criança surda freqüentava a esco-
impostos socialmente; la comum e se convertia em uma ‘grande copiadora’;
• acreditar que a criança portadora de necessida- mas essa atitude não pode servir de exemplo para as
des especiais é capaz de uma aprendizagem rica novas vivências.
e construtiva.

As crianças portadoras de necessidades educacionais


Integração à escola
especiais, que outrora iam para escolas especializadas, Na proposta atual, mais inclusiva, a criança com sur-
têm atualmente direito de ser matriculadas em qual- dez participa do sistema educacional, não está fora
quer escola da rede regular. Essa mudança gerou um dele. É esperado que ela, bem como os professores e
intercâmbio de experiências, de profissionais e de toda a escola, conte com dispositivos que auxiliem seu
material, provocando a aproximação dos dois sistemas pleno desenvolvimento escolar, sem sacrifícios.
educacionais: o especial e o regular. No entanto, a inclusão na escola comum deve
A integração, verbalizada como a melhor prática constituir um processo gradativo, que respeite as di-
no processo de educação de crianças portadoras de ferentes necessidades e interesses de cada criança.
necessidades especiais, implica reciprocidade. Mas o Antes de tudo, é necessário verificar se ela está pre-
processo pedagógico baseado na integração deve ser parada para freqüentar uma classe comum, na qual as
gradual e dinâmico, adequado às necessidades de diferenças (principalmente as que se referem à lingua-
cada indivíduo. gem) serão evidenciadas pela comparação com os
Na verdade, a integração efetiva implica uma colegas ouvintes.
mudança total de atitude. Implica desmistificar a
questão do convívio e da educação da criança porta- A integração da criança com surdez em classe comum
dora de necessidades especiais e, para isso, é da má- da escola regular terá mais chances de sucesso se for
xima importância o papel dos profissionais e espe- gradativa e resultar de um estudo de cada caso, indi-
cialistas. vidualmente.
Quando o professor recebe em sua classe (de ou-
vintes) um aluno surdo, é freqüente que sua primeira A família precisa fornecer aos professores os da-
reação seja pensar: Como vou falar com esse aluno? dos necessários para que eles entendam melhor tudo
Não sou especialista! Como posso assisti-lo? que a falta de audição pode acarretar e possam pre-
Não se pode ‘jogar’ a criança surda em uma esco- ver o tipo de reação da criança no ambiente escolar.
la ou em uma classe comum, alegando a necessidade Esses dados incluem parecer médico, resultados das
de ‘inseri-la’ na escola regular; isso corresponderia a avaliações audiológicas periódicas, informações da
ignorar sua necessidade de ter um atendimento cui- fonoaudióloga etc.
dadoso, capaz de possibilitar o desenvolvimento de Como condição para participar de uma classe co-
36 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 37

mum, o aluno surdo precisa ter adquirido um nível programático escolar e adquirir conhecimento do mun-
de linguagem (incluindo um bom vocabulário) sufi- do e de si mesmo (social/escolar/psíquico).
ciente para permitir um diálogo, mesmo que simples,
com professores e colegas, além de certo domínio de O que caracteriza o aluno (surdo ou não) é sua capa-
leitura e escrita. Só assim ele poderá expressar seus cidade de aprendizagem, e não a deficiência que
pensamentos e sentimentos, e conseguir compreen- apresenta. Existe um sujeito com potencial, no qual
der e aplicar os conceitos utilizados nas diferentes se deve investir.
disciplinas.
A escola comum, por sua vez, também precisa dis- Conforme expõe Marques (1999, p. 38) , o obstá-
por de recursos que tornem viável o processo de in- culo sensorial cria situações comunicativas específi-
clusão, como por exemplo: cas para o surdo, sem impedi-lo de adquirir uma lin-
• assessoria em relação à língua de sinais, se a guagem e desenvolver sua capacidade de representa-
criança tiver linguagem oral restrita, e às estra- ção. Os mecanismos mentais envolvidos nesse proces-
tégias adequadas para propiciar o diálogo, na so também não são os mesmos da pessoa ouvinte; por
linguagem oral e/ou escrita. isso, tornam-se responsáveis pela construção de es-
• material concreto e visual que sirva de apoio quemas de pensamento e de estratégias intelectuais
para garantir a assimilação de conceitos novos. que dependem da natureza do desenvolvimento
linguístico-cognitivo de cada um.
• contato com professores que tenham vivenciado
situações semelhantes. Tanto no ensino comum quanto no especializado
o aluno precisa se sentir envolvido no processo de
• orientação de professores de educação espe-
aprendizagem, participar de fato e ser capaz de fazer
cial – itinerantes ou de salas de recursos. Po-
escolhas com responsabilidade, programando-se para
dem ser feitas reuniões para trocar experiên-
cias, discutir diferentes enfoques do conteúdo o futuro.
e esclarecer dúvidas a respeito dos planos de O conteúdo curricular a ser desenvolvido pelo
atuação e de avaliação. professor de escola comum é exatamente o mesmo
trabalhado com os alunos ouvintes, com base nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). E o mes-
O processo de aprendizagem
mo ocorre com a metodologia de ensino.
Em todos os níveis escolares (infantil, fundamental, O uso de materiais variados (jornais, revistas, pro-
médio e superior), e principalmente quando o aluno pagandas, noticiários de TV, computadores etc.) con-
apresenta perda auditiva severa ou profunda, é neces- tribui para motivar os alunos, mantê-los atualizados
sário levar em conta, tanto para o atendimento escolar em relação aos acontecimentos do mundo e dar-lhes
comum quanto para o especializado, que existe um su- uma visão ampla dos conhecimentos.
jeito que precisa se desenvolver, aprender o conteúdo Todos os alunos serão beneficiados se o profes-
38 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 39

sor proporcionar atividades a partir de centros de tos humanos e sociais. A construção da subjetividade
interesse, integrando diferentes disciplinas. ocorre no contato com uma pluralidade de existênci-
Uma sugestão interessante de um trabalho desse as. Portanto, a proposta de integração não permite
tipo consiste em planejar um estudo do bairro. Os apenas o acesso democrático; a ‘troca’ de experiências
professores de Matemática e de Estudos sociais po- promove desafios que interferem tanto no comporta-
dem discutir e trabalhar juntos, organizando várias mento acadêmico quanto no social.
atividades relacionadas com o assunto, como: locali- O envolvimento da família é fundamental para a
zar bairros diferentes (em relação à escola ou à resi- integração do aluno surdo na escola ou na classe comum.
dência), calcular distâncias, enumerar locais comer- Participando do processo escolar, os pais acompanham
ciais, hospitais, fábricas etc. Trata-se de uma ativida- o desenvolvimento de seu filho e colaboram para que ele
de que pode ser desenvolvida satisfatoriamente tan- se entrose e se sinta valorizado pessoalmente.
to pelos alunos surdos quanto pelos ouvintes. À medida que se integra, a criança se torna mais
O principal papel do professor consiste em pro- participativa e consegue cursar o ensino fundamen-
mover a compreensão das informações para todos os tal sem que ocorra muita defasagem em relação aos
alunos. As propostas dos Parâmetros curriculares na- alunos ouvintes.
cionais e o próprio conteúdo curricular favorecem a Ao primeiro indício de descompasso da criança surda
integração, pois se baseiam na interação dos alunos em relação à média da classe, o professor deve buscar for-
entre si ao longo das atividades – no grupo, na clas- mas de atenuar as dificuldades (indicar a procura de refor-
se, na escola e na comunidade. ço escolar, orientação da psicóloga ou da coordenação).

Faz parte do processo educacional aprender a respei- A avaliação contínua permite ponderar se é o caso de
tar as diferenças e a exercer atividades solidárias. manter a criança na escola comum, ou se seria me-
lhor que ela freqüentasse um ensino especializado.

O processo de integração
Se não existir entrosamento da família e da crian-
Integrar pressupõe o encontro de diversidades, quer ça surda com a escola e com o professor do ensino
sejam pessoas, idéias, ou culturas. Ora, para que o regular, o risco de fracasso é grande, principalmente
diferente seja identificado como tal, é preciso que haja para o surdo. As conquistas serão lentas e os resulta-
um padrão considerado ‘normal’. Que padrão é esse? dos exigirão muito sacrifício (para ambos os lados).
Para a pedagoga Frazão de Sousa (1999, p. 69), No final, podem ser levantadas questões do tipo: Va-
considera-se como normalidade a capacidade de cada leu a pena? Será que este aluno está aprendendo? O ‘fa-
um, dentro de suas possibilidades, ser produtivo para lar bem’ significa uma aprendizagem efetiva?
a sociedade em que vive, demonstrando talento, ap- Na visão inclusiva, que depende do compromis-
tidão, e inteligência em relação a determinados aspec- so de todos, a criança com perda auditiva deve ser
40 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 41

acolhida dentro de uma proposta globalizadora, que idéias, seus pensamentos e sentimentos. Em termos
valorize a escolaridade, os hábitos e as atitudes pre- educacionais, o profissional deveria enfatizar apenas
paratórios para a vida adulta e que possibilite ao alu- a pista auditiva (abordagem unissensorial), ou recor-
no se tornar responsável pelo próprio processo esco- rer à leitura oro-facial, a gestos, à pista auditiva e à
lar e consciente de seus direitos (que são os mesmos escrita, tendo sempre como apoio a fala (abordagem
dos ouvintes). Também os aspectos cognitivos, emo- multissensorial).
cionais e afetivos devem ser considerados. Na verdade, poucos conseguiam bom desempe-
nho na linguagem oral – em geral, isso era possível
As escolas vêm buscando adotar métodos e técnicas apenas para aqueles que podiam contar com atendi-
que propiciem ao aluno com surdez a aquisição ne- mento especializado de outros profissionais, o que
cessária de conhecimentos e habilidades, bem como não faz parte da realidade da maioria da população
a formação de valores que o identifiquem como pes- brasileira.
soa única e como parte integrante da sociedade. Em função dos resultados obtidos no oralismo e das
pesquisas que reconhecem a língua de sinais como lín-
Não existe uma metodologia única, específica para gua, os sinais começaram a ser adotados na educação
a educação de surdos, mas são necessárias adaptações dos surdos na forma sintática da língua portuguesa, no
curriculares para atender às especifidades da cliente- método denominado Comunicação Total.
la, seja na escola especial ou na regular. Os educado- A Comunicação Total é uma filosofia segundo a qual
res devem considerar, além da metodologia, as neces- os surdos devem ter acesso a todas as modalidades de
sidades específicas dos alunos, com o objetivo de fa- comunicação disponíveis, escolhendo aquela, ou aque-
vorecer sua adaptação e sua integração. las, que atende melhor a suas necessidades:
• fala;
A educação especial
• escrita;
Ao longo do tempo, a educação especial tem adotado • pista auditiva: aproveitamento dos resíduos de
diferentes abordagens para atender às necessidades audição, por meio de aparelhos de amplificação
das pessoas com surdez e instrumentalizá-las para sonora;
atuar socialmente. • leitura oro-facial: leitura dos movimentos dos
No entanto, apesar da posição individual dos pro- lábios e dos músculos do rosto;
fissionais, os pais das crianças surdas devem ser in-
• expressão corporal;
formados e orientados em relação às vantagens e li-
mitações de cada uma das diferentes abordagens, para • sinais: movimentos com as mãos representando
que eles possam participar da decisão. idéias, usados por comunidades de surdos;
Até recentemente, acreditava-se que o surdo de- • alfabeto digital: movimentos com as mãos que
via fazer uso exclusivo da fala para transmitir suas representam as letras de nosso alfabeto.
42 Programa 4 Atendimento escolar: um processo integrador 43

Os sinais são extraídos da Língua de Sinais Brasilei- guesa, o surdo tem a seu alcance um leque mais am-
ra: o professor, ao ler um texto, se expressa em sinais. plo de recursos lingüísticos, que atendam melhor a
A língua de sinais não segue a mesma organização da suas necessidades.
língua portuguesa, pois não possui a mesma sintaxe,
nem as mesmas regras gramaticais. Por exemplo:
O alfabeto manual
Língua de Sinais aula, ir

Língua Portuguesa (eu) vou à aula


Fonte: Quadros, 1997, p. 74.

A reivindicação dos surdos para ter assegurado o


direito de usar a língua de sinais em sua vida e na
educação fez com que algumas escolas especiais para
surdos propusessem o bilingüismo na educação.
No bilingüismo, a criança surda é exposta à língua
de sinais desde pequena, por uma pessoa que domi-
ne essa forma de comunicação, de preferência um
surdo. A língua portuguesa, em sua forma oral e/ou
escrita, é ensinada como segunda língua.
O impedimento na audição faz com que as pes-
soas surdas tenham maior acesso ao canal visual,
tornando a língua de sinais biologicamente natural
para elas.
A língua de sinais, que sempre existiu, tem passa-
do de geração para geração de pessoas surdas. Ficou
esquecida e desvalorizada por muito tempo, em vista
da valorização da língua oral, que é a falada pela co-
munidade ouvinte majoritária.
Naquela época, a linguagem de sinais não era vis-
ta como língua, mas sim como mímica, sem uma or-
ganização. Essa perspectiva predominou até 1960,
quando os estudos lingüísticos comprovaram que se
trata de uma língua, com regras próprias.
Ao ter acesso à língua de sinais e à língua portu-
Programa 5 45

ADOLESCÊNCIA: CONSTRUÇÃO
DA IDENTIDADE PESSOAL

— Eu quero ser EU.


— A vida é minha.
— Quero ter vida própria.
— Confie em mim.
(Falas de um adolescente)

desenvolvimento do ‘eu’ e da identidade pes-

O soal é o tema mais importante na adolescên-


cia, pois se refere tanto ao mundo interno da
pessoa quanto a seu comportamento (no mundo ex-
terno). Esse processo se vincula estreitamente à his-
tória pessoal de cada adolescente.
Nos primeiros anos de vida, até o momento da en-
trada na escola, a família constitui para a criança o
grupo mais importante e quase único de referência.
Na adolescência, as interações sociais se expandem de
maneira extraordinária, para além da referência fami-
liar, nos diferentes grupos aos quais o adolescente
pertence – dança, teatro, escola, igreja ou esportes.
Muitas vezes, o adolescente surdo vive sob os cui-
dados de pais superprotetores, que não acreditam nas
potencialidades do filho e vêem a surdez como uma
doença, imaginando que o surdo é incapaz de se cui-
dar e de pensar. Nesses casos, a liberdade e a auto-
nomia do adolescente são seriamente prejudicadas e
ele sente insegurança para se comunicar e conviver
com pessoas ouvintes.
A precariedade das referências familiares diminui
a capacidade de iniciativa do jovem para buscar no-
vas referências fora de casa, podendo gerar uma ima-
turidade emocional, associada a um enrijecimento
46 Programa 5 Adolescência: construção da identidade pessoal 47

geral da personalidade – que se traduz em padrões ção sexual enfoca diferentes temas: direito à sexuali-
infantis, carentes da elaboração correspondente a sua dade, iniciação, responsabilidade, necessidade de
idade cronológica e física. proteção (em relação a doenças e gravidez), casamen-
Muitos adolescentes com surdez – tal como mui- to etc. A abordagem dos temas tanto é feita de forma
tas pessoas, ouvintes ou não – fazem uma associação específica quanto associada a determinadas discipli-
errônea entre inteligência e boa comunicação oral, ou nas, como as referências biológicas ao conhecimento
seja, à capacidade de falar bem. do próprio corpo dadas em Ciências.
Tal atitude equivocada é prejudicial para o jovem Hoje, a educação sexual é vista com maior natu-
que, diante de sua dificuldade de comunicação oral, ralidade, pois o interesse infantil pelo assunto é re-
começa a se sentir menos competente. conhecido como um aspecto positivo do desenvolvi-
mento sadio, tanto quanto as dúvidas e questões vi-
A baixa estima pode levar à acomodação, ao desâni- vidas pelos adolescentes.
mo e ao conformismo, induzido pelo medo de enfren-
tar situações novas e conflitos. A preparação para o trabalho
É comum os adultos se queixarem de que o adoles-
O próprio surdo com comunicação restrita tende
cente se sente perdido, sem interesses em relação a
às vezes a delegar mais status ao colega que ‘fala bem’
seu futuro profissional; que sua auto-imagem é defor-
(produz fala mais compreensível) e a elegê-lo como
mada e confusa; que ele apela para soluções pouco
representante e porta-voz de seus interesses.
refletidas, ou influenciadas por amigos e familiares;
A orientação sexual que dá prioridade ao retorno financeiro e deixa de
lado valores como ‘gostar’ e ‘poder’.
Tema sempre presente na adolescência, a orientação Para contornar essas dificuldades se torna ne-
sexual busca hoje tratar o assunto de um ponto de cessário, ao longo do ensino fundamental e médio,
vista cultural, com base na aceitação de diferentes um processo de orientação educacional que colo-
valores, e não mais como um modelo padronizado de que à disposição do adolescente, surdo ou não, re-
comportamento. Apesar de ser abordado com maior cursos para combater o desconhecimento de si pró-
liberdade, o assunto ainda provoca conflitos entre as prio, a incapacidade para identificar o que ele pre-
gerações. fere e o que são escolhas dos outros. O adolescente
Algumas escolas, com o apoio dos familiares, cos- precisa aprender a compatibilizar suas aspirações
tumam convidar médicos e especialistas para ofere- pessoais com as oportunidades sociais e as condi-
cer palestras aos alunos adolescentes, buscando am- ções familiares.
pliar o nível de informações disponíveis e sanar mui- O adolescente portador de surdez sofre também
tas dúvidas. as conseqüências de outras circunstâncias: poucas
Tratando o assunto com naturalidade, a orienta- oportunidades de cursos profissionalizantes, desin-
48 Programa 5 Adolescência: construção da identidade pessoal 49

formação generalizada sobre as exigências e as opções mitações e potencialidades e ao reconhecimento das


do mercado de trabalho, pouca visualização das pos- condições reais do mercado de trabalho.
sibilidades profissionais em campos de trabalho não
muito conhecidos e ainda restritos. Um processo de orientação profissional efetivo per-
O ideal é que o jovem possa ser ativo em suas mitirá que o adolescente surdo encontre elementos
escolhas, baseando-se na auto-análise, na compreen- para vir a competir profissionalmente com trabalha-
são pessoal, no reconhecimento das vantagens e das dores ouvintes, em condições semelhantes.
exigências de cada ocupação e de seu interesse por
ela. É preciso, ainda, que identifique os requisitos A questão da capacitação profissional é outro as-
profissionais e analise as próprias características pes- pecto importante a ser analisado na educação do ado-
soais, para que possa escolher o que fará e venha a lescente com surdez. Embora muitos tenham acesso
ser feliz com sua decisão. a cursos profissionalizantes, com freqüência tendem
Para que o surdo possa ampliar seu conhecimen- a se concentrar na área de informática. É compreen-
to sobre o mundo do trabalho, que a cada dia se tor- sível, já que, cada vez mais, as tarefas do dia-a-dia
na mais competitivo, é imprescindível que ele, como dependem da informatização.
qualquer outro adolescente, vivencie diferentes re- No entanto, o mercado de trabalho está em cons-
alidades do universo ocupacional, por meio de vi- tante transformação e é preciso tomar consciência
sitas a empresas, observação e entrevista com pro- dessas mudanças, antes de qualquer decisão. Por
fissionais no próprio ambiente de trabalho e está- exemplo: nos anos 70, o surdo foi apontado como um
gios visando a sondagem de habilidades e interes- ótimo profissional para operar máquinas de perfurar,
ses profissionais. dado o intenso ruído advindo dessa operação, preju-
dicial para as pessoas ouvintes.
O processo escolar deve propiciar ao adolescente, Mais recentemente, ele foi considerado um
surdo ou não, oportunidades de discutir as diferen- digitador muito produtivo, por sua maior capacidade
tes situações conflitantes, procurando amadurecê-lo de concentração. Mas, qual será seu futuro se essas
para superá-las ou, pelo menos, atenuá-las. funções desaparecerem, tal como já vem acontecendo?
Será que o surdo poderá competir no mercado de
trabalho de igual para igual, uma vez que suas opor-
É fundamental que a escola crie condições para
tunidades dependem da lacuna deixada pelos traba-
ampliar as possibilidades dos jovens para que eles
lhadores ouvintes?
planejem sua carreira profissional durante o proces-
so de ensino fundamental e médio.
A opção escolar
O plano de vida de cada aluno se enriquecerá ao
ser compartilhado com seus colegas de classe, ajudan- Cursar uma escola especializada, ou encaminhar-se
do a conduzi-lo à identificação de suas aspirações, li- para uma de ensino regular? Esta é uma das escolhas
50 Programa 5 Adolescência: construção da identidade pessoal 51

que o adolescente surdo precisa fazer. o jovem possa obter maiores chances de qualificação
As escolas de educação básica de nível médio profissional e, conseqüentemente, consiga desempe-
especializadas no atendimento ao surdo são exceções nhar uma ocupação mais eficiente e produtiva.
regionais (existem, por exemplo, no Rio Grande do
Sul, no Rio de Janeiro e em São Paulo), constituindo Vida pessoal
experiências isoladas.
Ainda está cristalizada a crença de que o surdo Mesmo com diferentes níveis escolares e profissio-
necessita de uma sólida base escolar e comunicativa nais, a pessoa com surdez precisa ter uma leitura de
na educação fundamental, para poder se integrar na vida que lhe permita acompanhar as mudanças rápi-
escola comum de ensino médio. Porém, do ponto de das no mercado de trabalho e no mundo a sua volta.
vista da individualidade, essa não é a única possibi- Reconhecer as possibilidades pessoais e acompa-
lidade para todos. Acreditamos que cada sujeito se nhar o ritmo das mudanças tecnológicas envolve o
desenvolve a partir de seus recursos pessoais e das conhecimento das coordenadas que afetam a vida de
oportunidades que o ambiente lhe oferece. cada um no lazer, na escolaridade, no trabalho, nas
Tal como a maioria da população brasileira, uma relações sociais e na vida em sociedade em geral.
parcela significativa de surdos não consegue concluir Os tabus, valores morais e ‘leis’ do meio social e
o ensino fundamental e médio. Outros iniciam o en- cultural em que o adolescente – surdo ou não – vive
sino médio e logo desistem, alegando dificuldades em definem suas atitudes, seus comportamentos e suas
manter um curso pago, dificuldade em dominar algu- curiosidades em relação a seu amadurecimento e à
mas matérias, preferência por trabalhar, ou necessi- vida adulta. As questões mais sérias dizem respeito,
dade de fazê-lo, e incompatibilidade do horário es- particularmente, à sexualidade (mudanças físicas e
colar com o trabalho. emocionais, vida sexual, escolha do parceiro etc.).
Todos esses obstáculos são também enfrentados
pelos ouvintes. O jovem surdo precisa combater o A capacidade de comunicação (oral ou por sinais)
desânimo que se manifesta diante das primeiras difi- do adolescente surdo é a condição fundamental
culdades. Por meio de esforço e motivação pessoal, para que ele se desenvolva de maneira mais segu-
ele pode atingir maiores níveis escolares (médio e ra, de acordo com os demais jovens de seu grupo,
superior), um fator decisivo para seu futuro, uma vez ouvintes ou não.
que a escolaridade é cada vez mais uma exigência
importante do mercado de trabalho. Com relação à vida afetiva, é freqüente que os
As vivências de inclusão, com o aluno surdo fre- jovens portadores de surdez estabeleçam laços amo-
qüentando classes que contam com a orientação de pro- rosos dentro da própria comunidade em que vivem,
fissionais especializados, mostram avanços nos estudos ou seja, é grande a quantidade de surdos que namo-
do ensino médio e do superior. Espera-se com isso que ra entre si. No entanto, a proporção dos namoros en-
52 Programa 6 53

tre surdos e ouvintes vem aumentando. Será reflexo


de uma integração maior na sociedade? O SURDO ADULTO:
É possível, mas é provável que isso se deva tam- O PASSADO E O FUTURO
bém à ampliação da informação a respeito das pes-
soas com surdez, graças aos esforços empreendidos
no sentido de integrar os surdos e desenvolver sua
socialização com as pessoas ouvintes. Em conse-
qüência, tem sido maior a abertura para sua parti-
cipação, nos diferentes segmentos sociais, em ati- tualmente, devem ser rejeitadas as visões
vidades religiosas, esportivas, recreativas, escolares
e profissionais.
A paternalistas e assistencialistas, bem como as
limitadoras, que vêem com restrições a com-
O surdo não pode ficar esperando uma atitude petição do portador de deficiência no mercado de tra-
paternalista e assistencialista para enfrentar as barrei- balho. Hoje em dia, esses profissionais ocupam cada
ras que surgem pela vida. É preciso encontrar recur- vez mais seus espaços sociais em situação equivalen-
sos internos, educacionais e sociais que possibilitem te à dos demais cidadãos.
uma atuação próxima à do ouvinte, mantendo o res- Essa nova realidade depende de um compromis-
peito a suas limitações auditivas. so social, que precisa ser assumido não só pelo por-
As atitudes mais firmes que o surdo assume hoje, tador de deficiência, mas também por sua família e
reivindicando seu espaço na sociedade, já começam sua comunidade, pelas entidades educacionais, pelas
a mostrar seus efeitos, como a criação de serviços de empresas públicas e privadas e pela sociedade civil
intérprete, os programas legendados, a maior oferta como um todo.
escolar, o aumento do emprego e, enfim, sua maior
valorização como pessoa. É preciso olhar para o surdo como uma pessoa capaz,
Conforme a colocação de Antonio de Campos repleta de possibilidades (e não apenas para sua sur-
Abreu, presidente da Federação Nacional de Surdos dez) e concebê-lo como um cidadão que pode pro-
(Feneis), é importante que o surdo represente ‘sua duzir e deve ser aceito em todos os meios sociais:
própria comunidade’, em primeiro lugar, como agen- empresa, escola, cinema, clube etc.
te e sujeito de transformação e de luta” (Revista da
Feneis, ano I, n o 4, outubro/dezembro de 1999, p. 5). As reivindicações atuais das pessoas portadoras de
deficiência auditiva têm caráter de urgência, voltan-
do-se para a valorização de suas potencialidades e
para a garantia de seus direitos de cidadão, conside-
rando que, por lei, todos os cidadãos são iguais entre
si. Nesse movimento, estão obtendo um progressivo
54 Programa 6 O surdo adulto: o passado e o futuro 55

acesso a concursos públicos (Lei 8.112/90) e a empre- Mesmo as empresas que se abrem à contratação do
sas privadas de médio e grande porte (Lei 8.213/91). trabalhador com surdez questionam suas
Não há dúvida de que a comunicação é um aspec- potencialidades, dando excessivo valor às dificuldades
to essencial em todas as relações humanas. E a ver- de comunicação (pela fala ou por gestos), sem levar
dade é que raramente os surdos com perdas severas tanto em conta a valorização de suas capacidades.
e profundas apresentam uma habilidade de comuni- A exagerada preocupação com as restrições de co-
cação – pela fala ou por escrito – semelhante à dos municação dos surdos tem feito com que, com freqüên-
ouvintes. Mas o surdo pode utilizar outros recursos cia, esse trabalhador deixe de ser aproveitado, apesar de
para estabelecer uma comunicação efetiva, além da sua evidente qualificação. É importante esclarecer que,
linguagem verbal, como a leitura oro-facial e o uso de embora muitos surdos apresentem linguagem oral pou-
sinais (ou gestos). co inteligível, essa fala diferente tende a ser compreen-
dida com maior facilidade no convívio diário, diminu-
O mercado de trabalho indo aos poucos o impacto decorrente dessa diferença.
Uma das restrições efetivas para o trabalho de
O desconhecimento das possibilidades profissionais pessoas portadoras de surdez pode ser o ruído exces-
das pessoas que portam alguma deficiência tem di- sivo no ambiente. Na verdade, esse ruído pode cau-
ficultado seu acesso ao mercado de trabalho. Por sar a perda dos resíduos auditivos, que são muito
isso, é importante divulgar, junto aos diferentes seg- úteis para alguns portadores de surdez, bem como
mentos sociais, dados atualizados e confiáveis a res- ocasionar dor. Evidentemente, tais fatores dificultam
peito da experiência profissional de portadores de a adaptação ao trabalho.
deficiência auditiva que participam do mercado de Além do ambiente ruidoso, há outras ocupações
trabalho. contra-indicadas: as que exigem elaboração ou exe-
Estudos recentes, como o de Ribas (1966), junto a cução de textos com domínio extenso da língua por-
empresários paulistanos, revelam a avaliação positi- tuguesa e as que dependem da audição para operar
va dos profissionais portadores de deficiência. Eles máquinas, ou para identificar ruídos que tragam ris-
dispensam tratamento especial, têm bom desempe- co de vida, como o de empilhadeiras.
nho e realizam trabalho de qualidade, além de serem
assíduos e demonstrarem estabilidade emocional. Não se pode dizer que o trabalhador surdo tenha um
A ampla divulgação dessas informações pode in- maior potencial, ou seja mais produtivo que os ou-
fluir no aprimoramento dos processos educacionais vintes em determinadas funções. Mas ele tampouco
e no desenvolvimento de novas propostas de reabili- pode ser considerado menos capaz.
tação. Trata-se de uma ótima maneira de reduzir atos
preconceituosos e discriminatórios por parte da po- Cada indivíduo precisa ser visto como realmente
pulação em geral. é, como uma força de trabalho com potencial produ-
56 Programa 6 O surdo adulto: o passado e o futuro 57

tivo a ser desenvolvido. Na análise da adaptação e do Essa conquista resulta da valorização do surdo
desempenho do trabalhador se deve observar sua como profissional e do fato de as escolas
possibilidade de demonstrar seus interesses e habili- especializadas estarem adotando a língua de sinais
dades e, principalmente, seu ajustamento à função nas abordagens educacionais, abrindo o campo do
que está exercendo, seja surdo ou não. ensino de crianças surdas.
De modo geral, as pessoas portadoras de surdez têm
procurado se preparar melhor para atender às exigên- As inúmeras barreiras impostas pela sociedade
cias do mercado de trabalho, no que se refere à escola- desestimulam a participação do surdo no mercado de
ridade, avançando em seus estudos e se empenhando trabalho. Sabendo das dificuldades de competir em
em concluir cursos do ensino médio e do superior. igualdade de condições, ele se sente discriminado,
A procura de cursos ligados a Processamento de Da- diferente e diminuído diante do ouvinte, desacredi-
dos é acentuada, pois muitos surdos costumam encontrar tando de seu futuro profissional.
trabalho nessa área: digitação, operação de computador,
serviços auxiliares de administração e contabilidade. É importante que fique claro para a sociedade e,
Entre os que já ocupam essas funções, muitos particularmente para as empresas: será que as restri-
buscam ascender profissionalmente cursando facul- ções impostas ao candidato surdo se devem ao fato
dades que oferecem habilitações em Tecnologia de de ele não atender ao perfil exigido pelo cargo, ou elas
Processamento de Dados e Análise de Sistemas. resultam apenas do desconhecimento das reais limi-
Mas o estudante com surdez enfrenta várias bar- tações criadas pela surdez?
reiras para ingressar no ensino superior. Além das que Mesmo o surdo que já venceu o obstáculo do aces-
são comuns a todos os jovens que fazem vestibular, so à vaga e da manutenção do emprego não vê grandes
existem aquelas que são impostas ao surdo ao longo chances de ascensão profissional. Isso acontece porque,
de seu percurso educacional, influenciando o desen- em geral, as empresas não sabem que podem contar
volvimento de sua fala e de sua escrita. com a assessoria de entidades especializadas, ou de
Ações como as propostas pelo MEC (Aviso Circu- intérpretes da língua de sinais, para facilitar a participa-
lar 277/96) vêm buscando maior igualdade de opor- ção do surdo em cursos de treinamento, atualização e
tunidades para eles no ensino superior, com o uso de reciclagem profissional, dentro da própria empresa.
intérpretes de sinais e maior flexibilidade na avalia- Muitos dos profissionais surdos apontam o traba-
ção das redações dos estudantes com surdez. lho como fonte de realização, satisfeitos por terem
São raros os universitários surdos formados em tido uma chance de mostrar sua capacidade de traba-
engenharia, biblioteconomia ou química. Os que cur- lho, por terem muitos amigos na empresa e gostarem
saram a faculdade de pedagogia esperaram por lon- do ambiente de convívio. Assim, eles podem se sentir
go tempo uma oportunidade – e apenas recentemen- realizados profissionalmente, demonstrando que al-
te conseguiram se colocar, em escolas especializadas. guns trabalhos independem da comunicação oral.
58 Programa 6 O surdo adulto: o passado e o futuro 59

Para muitos outros predomina o descontentamento (telefone com teclado numérico e alfabético, no qual
trazido pelos baixos salários, pela realização de tarefas as mensagens são digitadas, permitindo o diálogo
incompatíveis com seus interesses, pela sensação de entre as pessoas que o possuem) contribuem muito
poder produzir melhor em outras ocupações e também para facilitar as conversas a distância entre surdos, ou
pelas dificuldades de ascensão profissional. mesmo entre surdos e ouvintes. Mas a colaboração
A interação social oferecida ao portador de surdez dos filhos cujos pais são surdos continua a ser básica
no ambiente de trabalho propicia a ampliação de seu para a diminuição de barreiras na comunicação.
núcleo de relações, graças ao convívio com colegas ou- A cada dia, as pessoas portadoras de surdez se
vintes, bem como com seus familiares e amigos. A par- mostram mais ativas, participando das mais diversas
ticipação em atividades esportivas e de lazer dentro da atividades: muitas freqüentam clubes, principalmente
empresa é outro fator que fortalece a integração. os esportivos, ou são membros atuantes de associações
O resultado da inclusão da pessoa com surdez em de surdos e de grupos religiosos. Tal como os outros
comunidades variadas se reflete nos casamentos com jovens, os surdos também gostam de passear com
colegas de trabalho ou da escola. Outro exemplo dessa amigos ou familiares, viajar, ir a cinemas e a festas.
aproximação é a ocorrência de casamentos entre pro- O fato de não ficarem confinados em atividades
fessores e portadores de surdez. segregadas, restringindo-se à família ou apenas a gru-
pos de surdos (escolas e clubes) revela seu grande in-
Integração crescente teresse em alcançar um melhor entrosamento social.
O desenvolvimento das atividades escolares e,
Embora os casamentos entre surdos e ouvintes venha
principalmente, a participação no mercado de traba-
aumentando significativamente, em comparação com
lho, fazem do próprio surdo o grande divulgador das
as gerações anteriores, ainda é comum encontrarmos
possibilidades do cidadão portador de surdez nas
surdos que namoram e se casam entre si.
mais diversas e qualificadas ocupações.
O resultado disso é a alta proporção de pais sur-
Sua eficiência e sua satisfação contribuem para di-
dos com filhos ouvintes, situações nas quais os filhos
minuir os preconceitos e a discriminação, estimulan-
desempenham um papel fundamental. Desde peque-
do a maior absorção de mão-de-obra e ampliando o
nas, tais crianças se tornam intérpretes naturais de
quadro que os representa no mercado de trabalho.
seus pais, convivendo naturalmente com ambas as
línguas: a língua portuguesa e a língua de sinais.
O Decreto-Lei no 3.298, de 20 de dezembro de 1999,
É de grande valia seu papel na participação dos
dispondo sobre a Política Nacional para a Integração
pais na sociedade; desde cedo, essas crianças se tor-
da Pessoa Portadora de Deficiência, compreende um
nam mensageiras de recados e informantes para seus
conjunto de orientações normativas que objetivam
pais surdos, mantendo-os informados a respeito dos
assegurar o pleno exercício dos direitos individuais
fatos importantes e dos acontecimentos do dia-a-dia.
e sociais das pessoas portadoras de deficiência.
Os aparelhos eletrônicos como o fax, ou o TTD
61

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SP), em São Paulo, que possui uma biblioteca téc- Deficiência)
nica especializada em Comunicação humana e seus www.mj.gov.br/webcorde.htm
distúrbios. www.mec.gov.br
Tel.: (0XX11) 549-9488 / 549-9113 www.saci.org.br
E-mail: bsderdic@pucsp.br

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