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Distúrbios do

Desenvolvimento
Material Teórico
Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Célia Regina da Silva Rocha

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Jane Garcia de Carvalho
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
Deficiências Sensoriais:
Auditiva e Visual

• Deficiência Auditiva;
• Desenvolvimento da Criança Surda;
• Características do Deficiente Auditivo;
• Aspectos Psicológicos do Diagnóstico
da Deficiência Auditiva;
• Deficiência Visual – Cegueira;
• Cegueira, Deficiência Visual
e o Desenvolvimento.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Estudar as deficiências sensoriais – auditiva e visual;
• Conhecer as definições, etiologias e principais características do desenvolvimento
das pessoas com deficiência auditiva ou visual.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Contextualização
As deficiências sensoriais – auditiva e visual – comprometem o desenvolvimento do
indivíduo. A primeira afeta a emissão – fala – e recepção – audição –, implicando na
falha do processo de comunicação e aquisição das habilidades da função intelectual.
A segunda compromete a apreensão do mundo externo; por outro lado, obriga o
indivíduo a lançar mão dos outros recursos sensoriais para essa aquisição.

Assim, como ser envolvido e se inserir em um mundo marcado pela comunicação


cada vez mais rápida, considerando, inclusive, o alto apelo visual?

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Deficiência Auditiva
Em seu Artigo 2º, o Estatuto da Pessoa com Deficiência diz:
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de lon-
go prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
(BRASIL, 2015).

Surdez: deficiência ou ausência do sentido da audição, comprometendo o desen-


volvimento e entrosamento social dos indivíduos. Quando mencionamos audição,
devemos ter em mente não apenas a percepção e discriminação dos diferentes tipos
de sons, mas também o reconhecimento e a compreensão da informação sonora,
aspectos que dependem do pleno funcionamento neuropsicomotor e da integridade
do sistema auditivo; ou seja, pessoas que:
• Nascem com perda auditiva suficiente para impedir a aquisição da fala;
• Ficam surdas antes do desenvolvimento da linguagem;
• Ficam surdas depois da aquisição da fala e linguagem, de modo que essas aquisi-
ções se perdem.
• Pela sua peculiaridade, a surdez compromete dois importantes canais:
• Audição: recepção, compreensão;
• Fala: emissão; função intelectual.

Figura 1
Fonte: iStock/Getty images

Além de privar os indivíduos de obter a informação completa, sobre a sua relação


com o ambiente, as ramificações sociais e psicológicas dessas alterações podem ser
profundas, trazendo consequências ao equilíbrio emocional das pessoas que por essa
deficiência são acometidas.

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Ademais, a surdez pode ser:


• Congênita: a criança nasce total ou parcialmente surda, devido a falhas no desen-
volvimento do feto, podendo ser condutiva ou neurossensorial;
• Condutiva: envolve somente as vias externas condutoras do estímulo auditivo,
havendo a possibilidade de se beneficiar a partir de tratamentos cirúrgicos ou
por meio de próteses;
• Neurossensorial: envolve as vias internas condutoras do estímulo auditivo,
sem, contudo, ganhar benefícios com a cirurgia – tais casos têm ganho limita-
do com o uso de aparelhos de amplificação sonora;
• Adquirida: implica em perda de audição, condição que incapacita o indivíduo
ao contato verbal com outros seres humanos, abrangendo ambos os ouvidos, em
grau acentuado e ocorrendo após o terceiro ano de vida. Esse tipo de surdez deve
ser considerado do mesmo grau de profundidade que a congênita e apresenta a
mesma dificuldade na reabilitação daquele que a adquiriu. Pode ser classificada
segundo a gravidade, a idade do indivíduo, a época em que foi adquirida, o caráter
da causa e as possibilidades de melhora – do ponto de vista médico.

Figura 2
Fonte: usp.br

Principais Causas de Surdez Congênita


Razões Pré-Natais:
• Displasias;
• Doenças infecciosas – rubéola, toxoplasmose, sífilis, citomegalovírus e herpes –
adquiridas pela mãe durante o período gestacional;
• Malformações congênitas de cabeça e pescoço;
• Mães dependentes de crack e/ou cocaína.
Razões Perinatais:
• Baixo peso ao nascer;

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• Apgar baixo – 0-4 no primeiro minuto, ou 0-6 no quinto minuto;
• Estresse respiratório que necessite de oxigênio ou ventilação mecânica pro-
longada;
• Infecções neonatais.

Razões pós-natais:
• Meningite bacteriana;
• Trauma craniano;
• Uso de drogas e/ou medicamentos ototóxicos – tóxicos ao ouvido;
• Doenças neurodegenerativas;
• Doenças infecciosas da infância – caxumba, sarampo;
• Otites crônicas residivantes;
• Exposição prolongada a sons de alta intensidade;
• Tumores cranianos.

Classificação Quanto ao Grau de Perda


• Leve (20 a 40 dB): pessoas com perda leve têm dificuldades em ouvir e falar a
uma distância superior a poucos metros e no acompanhamento da conversação.
Conseguem aprender a falar sem o uso de aparelhos.
• Moderada (40 a 60 dB): pessoas conseguem aprender a falar com o uso de apa-
relho e com assistência da visão – leitura orofacial e/ou labial;
• Severa (60 a 80 dB): as pessoas necessitarão de técnicas especializadas para
aprender a falar;

Figura 3
Fonte: ifrs.edu.br

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

• Profundas (acima de 80 dB): as pessoas terão mais dificuldades para aprender


a linguagem, portanto, é necessário que sejam inseridas o quanto antes em um
serviço de atendimento especializado, a fim de não haver perdas no que se refe-
re à maturação do sistema nervoso central, à finalidade da plasticidade cerebral
(ROSLYN-JENSEN, 2001, p. 138) e, conjuntamente, recomenda-se a utilização
de aparelho de amplificação sonora.

Diagnóstico Precoce
Quanto mais cedo for dado o diagnóstico, mais e melhores condições a pessoa
com a perda auditiva terá para a sua reabilitação; portanto, é de primordial importân-
cia que seja, no caso de criança, inserida em um programa de estimulação precoce.

Figura 4
Fonte: iStock/GettyImages

Deve-se levar em consideração os elementos do passado, ou seja, o diagnóstico


quantitativo e qualitativo, sendo que o primeiro diz respeito à intensidade da perda
auditiva, e o segundo às suas causas.

Igualmente, devemos levar em consideração os elementos do futuro, enfocando a


importância do diagnóstico precoce, para que tanto a criança, adolescente ou adulto,
possam estabelecer as próprias metas e expectativas quanto ao seu futuro.

Desenvolvimento da Criança Surda


Os deficientes auditivos não diferem significativamente dos ouvintes nas suas rea-
ções aos problemas e na forma como lidam com os quais. Existe um número possível
de explicação para comportamentos específicos de indivíduos com perda auditiva.
Alguns sugerem um conjunto de reações e estágios pelos quais passam as pessoas que
nasceram sem a audição ou que a perderam.

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Dessa forma, as respostas emocionais de choque, negação, lamentação, raiva,
ressentimentos, culpa e frustração podem estar presentes, principalmente, nos pais e
familiares do bebê que nasceu com a surdez ou no adulto com a perda diagnosticada.

Figura 5
Fonte: acrm.org.my

Na realidade, esses estágios podem não ser encontrados em uma sequência clara-
mente ordenada, enquanto que a duração de cada estágio particular pode variar de in-
divíduo para indivíduo e de estágio para estágio. Isto faz com tenham desenvolvimentos
diversos no tratamento, independentemente de seu prognóstico auditivo.
A pessoa que apresenta perda leve pode ser acusada de “ouvir quando quer” ou
“não prestar atenção”. Começando, assim, a perder a habilidade da audição seletiva,
o que tende a deixá-la mais nervosa e estressada, tendo, portanto, início a criação das
barreiras defensivas.
Nas perdas moderadas, há incorporação de frustração e depressão, de desenvolvi-
mento de confusão interna e insegurança à medida que o indivíduo luta para encobrir
sua perda auditiva por medo do desconhecido. Frequentemente, nesse estágio a comu-
nicação está significativamente afetada, levando a distúrbios emocionais – muitas vezes
a resistência ao assessoramento auditivo começa a surgir nessa etapa.
Comumente, naqueles casos em que não há assistência e tratamento, o indivíduo
tende a se isolar; acometido de depressão severa e ressentimento, torna-se, portanto,
difícil à pessoa com esse tipo de perda auditiva sair dessa condição sem o encorajamento
daqueles que fazem parte de seu convívio.

Características do Deficiente Auditivo


Na faixa etária de dois a sete anos, a aquisição da linguagem dá um grande salto, de
modo que a estimulação verbal dos pais é extremamente importante e fundamental ao
enriquecimento da linguagem, quando o vocabulário aumenta e a sintaxe é incorporada,
estruturando a linguagem e cognição, logo, as alterações comportamentais da criança
com deficiência auditiva é gritante, tornando-se fácil a sua identificação.

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Já na idade escolar, ou seja, dos sete aos dez anos, a criança faz uso de suas habili-
dades comunicativas para obter o entrosamento social e a aquisição de conhecimentos
que se manifestam pelo desempenho escolar.

Figura 6
Fonte: iStock/Gettyimages

Quanto aos aspectos motores: o desenvolvimento motor do deficiente auditivo


apresenta um nível normal em relação às habilidades de sentar, andar, bem como em
relação à destreza manual e sincinesia. Apresenta-se, entretanto, abaixo da média em
relação à lateralidade, coordenação locomotora, equilíbrio e rapidez motora em atos
complexos. Geralmente, pessoas que manifestam lesões no aparelho auditivo apre-
sentam prejuízos na área motora, quanto ao equilíbrio – arrastar os pés – e rapidez
– realização de testes formais.

Quanto ao desenvolvimento intelectual, os aspectos mais prejudicados são aqueles


que envolvem comportamentos verbais. Apresentam prejuízos quanto o desenvol-
vimento mental, a capacidade intelectual e o desempenho educacional, isto porque
geralmente os instrumentos utilizados dependem da linguagem, justamente a área em
que o indivíduo é mais afetado.

Apresentam também maiores dificuldades que os indivíduos ouvintes na formação


de conceitos básicos e compreensão dos mesmos, afinal, para o seu completo desen-
volvimento, a função intelectual precisa que haja recepção, compreensão, emissão
– fala – e integração das mensagens.

A formação da personalidade e o ajustamento emocional estão intimamente liga-


dos ao nível de linguagem e fala do indivíduo, principais veículos de seu relacionamen-
to com o grupo.

Dificuldade na formação do sentimento de identidade – de pensar, agir e sentir como


os elementos de seu meio –, o que pode acarretar falta de domínio da realidade, acen-
tuada afetividade, imaturidade, ansiedade, dependência e/ou rigidez de pensamento.

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O processo de aquisição e desenvolvimento da comunicação requer de qualquer
indivíduo, seja ouvinte ou não, alicerce na experiência e no sentir, aspectos estes ad-
quiridos pela criança no contato com o mundo em que vive.

Figura 7
Fonte: fiocruz.br

Tal processo está associado ao uso da audição, no qual, por meio da imitação, a
criança vai conquistando a própria linguagem e tomando consciência da linguagem
utilizada pelos outros.

O desenvolvimento da linguagem e da fala da criança com surdez é diferente


da criança ouvinte, pois aquela necessita de processos e técnicas especiais, tais
como o aproveitamento dos resíduos auditivos e de outras vias sensoriais – visual,
tátil, sinestésica –, orientação metodológica para o seu desenvolvimento linguístico,
facilitação de assimilação, conceituação, generalização e abstração.

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Figura 8
Fonte: iStock/GettyImages

No caso do adulto com deficiência auditiva, nem sempre o indivíduo procurará o


profissional, assumindo perfeitamente a sua perda auditiva e os problemas relaciona-
dos. O estágio da negação, que impossibilita o desenrolar da assessoria ao adulto, está
intimamente ligado ao seu ambiente social. O estágio final – aceitação – raramente é
completamente atingido. Embora um indivíduo use aparelho de amplificação há mais
de vinte anos, conseguindo um excelente aproveitamento com o seu uso, ainda há
questionamentos a respeito da necessidade de se continuar usando tal aparelho.

A aceitação da perda auditiva não ocorre apenas por parte do deficiente, mas tam-
bém por aqueles com quem interage. As atitudes negativas dos ouvintes afetam o
deficiente auditivo, seja nas suas oportunidades, seja no autoconceito e na autoestima,
surgindo, assim, a ansiedade – experienciando o desencorajamento.

Aspectos Psicológicos do Diagnóstico


da Deficiência Auditiva
Trata-se de uma questão complexa no Brasil, pois o início do processo se dá quan-
do os pais perceberem alguma dificuldade na comunicação – por volta de um e dois
anos de idade, se a deficiência não for profunda.

A falta de informação dos médicos, a não veiculação de informações nos meios de


comunicação, vários pediatras e otorrinos até chegar ao diagnóstico são alguns dos
complicadores constatados.

Expectativa dos Pais


Durante a gravidez, a mãe costuma ter ideias ambivalentes a respeito da criança que
nascerá, ora amando, ora rejeitando, isto devido à projeção de suas próprias fantasias.

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Se a discrepância entre os desejos maternos e a criança real for muito grande,
poderá surgir o sentimento de culpa na mãe, comumente dotado pela crença relacio-
nada à falha em produzir o bebê tão sonhado.

As defesas contra esse sentimento de fracasso correspondem à negação da defici-


ência ou superproteção.

Percepção da Deficiência pelos Pais


Há divergências sobre a época em que começam a perceber que a criança tem
deficiência. Ou seja, notam que há algo errado logo nas primeiras semanas, pois o pe-
queno pode apresentar dificuldade em estabelecer ciclos de sono e de ser confortado;
ou a constatação se dá somente após a criança completar três anos de idade, quando
seus pais percebem que o filho ainda não fala – aí começam a suspeitar que haja algo
de errado com a criança.

Se tal criança é alerta, terá o balbucio e responderá ao som pelas vibrações, tor-
nando-se difícil a suspeita, assim como a sensação de que algo vai mal – percepção
encoberta porque a deficiência nunca é total.

Ainda que conscientemente não perceba, inconscientemente a mãe nota, fazendo


adaptações com a criança, gesticulando, falando mais alto e/ou a tocando a cada vez
que quer falar.

Há maior percepção quando os pais comparam outras crianças da mesma faixa


etária de seus filhos. Ademais, muitas vezes não conseguem convencer a família de que
o filho tem algum problema dessa natureza.

Reação dos Pais ao Diagnóstico


Dependerá das expectativas dos pais sobre a criança, da forma como lidaram com o
filho quando era pequeno, como perceberam a deficiência e como foi a reação do pro-
fissional no momento do diagnóstico. Outro aspecto importante diz respeito à estrutu-
ra familiar temporariamente abalada. Posteriormente, o ajustamento à deficiência será
permeado pelo choque ou descrença – negação –, tomada de consciência da realidade
da perda da criança normal, desejada e idealizada que não aconteceu. O luto torna-se
necessário à obtenção do manejo construtivo da deficiência, de sua irreversibilidade e,
consequentemente, de suas implicações, tanto para a criança quanto aos pais.

Reação dos Profissionais


A postura do profissional, da saúde ou da educação pode retardar o processo
de reabilitação, passando do período fundamental ao desenvolvimento psicológico e
educacional. Pode ainda provocar nos pais a confusão, ansiedade, o temor, a ira e o
sentimento de culpa.

A confirmação do diagnóstico traumatizante, revelando a importância do trabalho


construtivo do profissional, tem o intuito de evitar reações inadequadas da família, já
que estas serão tão prejudiciais à criança quanto à própria deficiência.

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Pode existir também uma conspiração entre os pais e o profissional da saúde para
negar a surdez infantil. Em muitas situações, o profissional faz considerações inexatas
sobre o potencial real da fala, ou manifestações muito otimistas acerca do valor dos
aparelhos e da eficiência da leitura labial. Esse elemento ilude os pais, no sentido de
não lhes mostrar o esforço que será necessário empreender tanto por esses, como à
criança no processo de reabilitação.

A hostilidade para com o médico ou outros profissionais quanto à decepção e


frustração frente ao déficit da criança é condição que não pode ser compreendida no
momento do diagnóstico. Por outro lado, após o uso do aparelho e a reabilitação, ou
sobre as possibilidades da fala infantil, os pais também podem vir a culpar os médicos
por não serem milagrosos em possibilitar a fala e audição de seus filhos.

Deficiência Visual – Cegueira


A deficiência visual é a perda total ou parcial da visão, limitando o indivíduo que a
possui, da percepção do mundo externo, após terem sido esgotados todos os recursos
médicos para que a pessoa retome a sua visão, dificultando ainda mais a sua relação
com o meio. Por cegueira entende-se a perda total ou o resíduo mínimo de visão, le-
vando o indivíduo a necessitar do sistema Braille como meio de leitura e escrita.

Figura 9
Fonte: iStock/GettyImages

Os deficientes visuais se constituem em dois grupos: cegos e visão subnormal ou


baixa visão.

Cegos são aqueles que estabelecem apreensão do mundo externo, além de contato
com o ambiente e as pessoas, utilizando-se de outros recursos que não a visão.
A acuidade visual é de 0 a 20\200 ou menos, no olho melhor, após o uso da correção
máxima adequada.

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Já o indivíduo que tem baixa visão, apresenta:
Alteração da capacidade funcional da visão, em decorrência de inúmeros
fatores isolados, ou seja, baixa acuidade visual significativa, redução im-
portante no campo visual, alterações corticais e/ou sensibilidade aos con-
trastes que interferem ou que limitam o desempenho visual do indivíduo
(BRASIL, 2006).

A capacidade funcional da visão, chamada também de visão funcional, refere-se à


interação da percepção visual e do ambiente, incluindo muitas funções, tais como a
acuidade visual, percepção de cores, visão periférica, sensibilidade à luz, aos contras-
tes e movimentos. Assim, as eficiências visuais de duas pessoas com a mesma acuida-
de visual possuem diferentes eficiências da visão para enxergar melhor.

Quando se ensina o indivíduo a usar o resíduo visual que tem, algumas pessoas
estruturam melhor os seus recursos. É importante o treino da visão residual, ou seja,
empregá-la da melhor forma, embora isso não signifique a melhora da visão.

Figura 10
Fonte: iStock/GettyImages

Concepções populares sobre a cegueira envolvem as “crendices”, tais como cego


é aquele que vive no mundo das trevas, em eterna escuridão; contudo, como pensar
que vive no mundo das trevas se nem sempre a pessoa pôde fazer a distinção entre
o claro e escuro.

Outros acreditam que podem se imaginar “cegos”, bastando fazer o movimento


simples de fechar os olhos. Neste sentido, está presente a contradição entre dois aspec-
tos distintos: de um lado, os cegos são considerados detentores de poderes sobrenatu-
rais ou de insights; por outro lado, são dignos de piedade e indefesos, que necessitam
da caridade humana.

Ademais, a identificação de ver com o conhecer data da Antiguidade, especifica-


mente na Grécia Antiga, época que já identificava, pela linguagem, o ver e pensar.

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Quando desejamos assegurar que algo é efetivamente verdadeiro, dizemos ser


evidente e sem sombra de dúvidas, reafirmando a certeza de que o conhecimento
verdadeiro equivale à visão perfeita. Ou revisão, que significa mudanças ou corre-
ções de ideias (AMIRALIAN, 1985).

Para as pessoas com deficiência visual, o tato possibilita o contato com o mun-
do externo, transformando a proximidade em distância, proporcionando um es-
paço facilitador das transformações mentais, que podem nos remeter à ideia de
maior racionalização.

Etiologia da Cegueira no Brasil


Na infância, as principais causas são:
• Catarata Congênita: a criança já nasce com o cristalino opaco, de modo que
não forma a imagem na retina. É a primeira causa de cegueira infantil. O período
normal para detectar o problema vai de zero a três anos de idade. A catarata
congênita exige um atendimento todo especial, pois a recuperação depende de
um segmento muito próximo do médico oftalmologista;
• Glaucoma Congênito: doença em que o aumento da pressão dentro do olho,
ocasionando sofrimento nutricional do mesmo em função de tal pressão, impli-
ca aumento do tamanho do olho, fotofobia e lacrimejamento constante.

Tanto a catarata como o glaucoma podem ser recorrigíveis por tempo limitado.

Outra causa da cegueira na infância são os acidentes domésticos com objetos per-
furantes. Há também as infecções – uveítes –, entre as quais a toxoplasmose; além
das doenças neurológicas.

Nos adultos, as principais causas são:


• Catarata e glaucoma não tratados e operados;
• Degeneração senil da mácula, causada pelos raios ultravioletas;
• Diabetes que destroem os vasos sanguíneos, causando pequenas hemorragias.
Quando o indivíduo fica cego por diabetes, há redução de seu período de vida,
isto porque outros órgãos importantes são comprometidos, tais como cérebro,
coração e rins;
• Síndromes neurológicas que afetam o nervo óptico, causando a cegueira progressiva;
• Outro fator responsável pela cegueira em adultos no Brasil corresponde aos trau-
matismos e acidentes domésticos ou funcionais.

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Cegueira, Deficiência Visual
e o Desenvolvimento
Na cegueira congênita, a criança precisará organizar-se e relacionar-se com o mun-
do por meio dos outros sentidos que dispõe, isto porque já nasceu cega ou perdeu a
visão antes dos cinco anos de idade. Nesse período a memória visual é muito fluída,
não detendo as imagens visuais e mentais, em termos de organização cognitiva.
Assim, surgem as primeiras dificuldades da cegueira: a formação de conceitos
de objeto, nas crianças videntes – normais –, com o processo de identificação, dis-
criminação e elaboração do conceito de objeto, ocorrendo de forma espontânea,
afinal, a criança tem o recurso da visão. Já no caso da criança cega, terá mais
dificuldades para esse tipo de aquisição, dependendo de um intervalo bem maior
de tempo para adquirir o sentido de constância do objeto e o nível concreto de
percepção do qual.

Figura 11
Fonte: sac.org.br

Aos poucos vai aumentando a sua experiência com os objetos, de modo que a crian-
ça passará a relacioná-los em nível funcional. Ademais, para atingir o nível abstrato,
necessitará de muita estimulação e orientação se comparada às crianças não cegas.
Outra dificuldade encontrada pela criança com cegueira congênita diz respeito à
mobilidade e locomoção, pois a restrição da mobilidade parece ser uma consequên-
cia inerente à ausência do estímulo visual.

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Figura 12
Fonte: sac.org.br

A visão é um grande estímulo à mobilidade e locomoção, de modo que a busca de


objetos é a condição fundamental para uma criança começar a engatinhar e, posterior-
mente, andar. Assim, quando a prontidão para engatinhar é atingida, já desenvolve a
busca de objetos no espaço e esta é alcançada por meio da movimentação.

Nesse sentido, a falta de visão prejudica tal mobilidade infantil, pois a criança não
possui uma opinião da postura do outro, acarretando insegurança na própria mobili-
dade e, consequentemente, locomoção, comprometendo o seu controle e a relação
com o meio. Com isso, a criança cega depende intensamente da locomoção para
fazer a distinção entre o self e o mundo externo para – a partir daí – construir o seu
mundo objetal.

Conceito de espaço para a criança cega é diferente da que enxerga, isto porque a
primeira tem no tato o seu único sentido espacial original – ou seja, utiliza-se do tato
sintético para reconhecer os objetos pequenos, com uma ou ambas as mãos.

O tato analítico é empregado aos objetos maiores, que se estendem além do limite
de uma ou de ambas as mãos. Logo, quando o objeto é muito grande, todo o corpo
pode participar do processo, constituindo-se de impressões sucessivas obtidas pela
observação de partes do objeto, proporcionando uma ideia tátil unificada do qual.
Isso faz com que o cego possa reproduzir todos os tipos de objetos pequenos e gran-
des em trabalhos de modelagem, a fim de reconhecê-los e unificar percepções sepa-
radas, chegando a um conceito total do que é tocado.

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Figura 13
Fonte: fundacaodorina.org.br

Como a manipulação tátil é limitada, a pessoa não percebe com profundidade a


complexidade ou totalidade que constitui o atributo essencial do objeto, portanto, é
obrigada a percebê-lo das partes ao todo. No que se refere à distância e direção do
objeto, a audição fornece pistas – desde que produza sons.

Para crianças com cegueira congênita, necessita ser incentivada a descobrir soluções
adaptativas complexas, afinal, falhas nesse período crítico podem levar à interrupção
do desenvolvimento, provocando graves perturbações. Podem ainda apresentar com-
portamentos semelhantes aos encontrados em crianças com autismo, ou seja, posturas
estereotipadas de movimentos das mãos, balanço ou rotação corporal.

Na cegueira adquirida, o indivíduo perde a organização cognitiva e perceptiva,


além de ter uma reorganização perceptiva. Assim, a utilização das imagens visuais
deverá ser trabalhada para que possa continuar a utilizá-las.

Mas o que é oferecido para que a criança possa superar tais dificuldades e limitações en-
Explor

frentadas em seu processo de desenvolvimento?

O direito ao processo de habilitação e reabilitação está assegurado no Artigo 14 do


Estatuto da Pessoa com Deficiência, indicando que, baseado na avaliação multidiscipli-
nar das necessidades, habilidades e potencialidades de cada pessoa, algumas diretrizes
deverão ser seguidas, a saber:
I. diagnóstico e intervenção precoces;

II. adoção de medidas para compensar perda ou limitação funcio-


nal, buscando o desenvolvimento de aptidões;

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

III. atuação permanente, integrada e articulada de políticas públi-


cas que possibilitem a plena participação social da pessoa com
deficiência;

IV. oferta de rede de serviços articulados, com atuação interseto-


rial, nos diferentes níveis de complexidade, para atender às neces-
sidades específicas da pessoa com deficiência;

V. prestação de serviços próximos ao domicílio da pessoa com


deficiência, inclusive na zona rural, respeitadas a organização das
Redes de Atenção à Saúde (RAS) nos territórios locais e as normas
do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2015).

Desenvolvimento das Relações Objetais


São frequentes as dificuldades dos primeiros contatos da mãe com o seu bebê
cego, em contraste ao orgulho e prazer daquelas com os filhos que enxergam; isto
provoca o afastamento emocional do pequeno – algumas vezes, inconsciente ou
racionalmente, tais mães podem desejar a morte do próprio filho.

Figura 14
Fonte: iStock/GettyImages

Por sua vez, o bebê reage com passividade, sendo um dos períodos mais vulnerá-
veis de seu desenvolvimento. No entanto, essa passividade poderá ser irreversível ao
seu pleno desenvolvimento.

A deformação específica do ego decorre como consequência de um desenvolvimen-


to divergente, que começa por volta dos quatro meses de vida. Até essa idade os bebês
cegos e que enxergam são comparáveis em seu estado narcísico primário, autocentra-
do e indiferenciado; dito de outra forma, ambos não estabelecem diferenças entre eu e

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não eu, apenas experimentam prazer quando as suas necessidades são satisfeitas, ou
quando sentem o desprazer – caso esta última situação ocorra, a frustração age como
um incentivo ao desenvolvimento do bebê cego.

Com a maturação biológica, a criança torna-se menos passiva e experimenta o


aumento das frustrações, o que constitui uma ameaça ao seu estado narcísico original.

Ao nascer, a boca é o órgão dominante de procura/busca, enquanto no início


da segunda fase as mãos e os olhos se tornam preponderantes. Assim, a criança
começa mais e mais a usar as próprias mãos e visão como complementos nesse
movimento ao mundo externo.

Como a mão e visão ficam a serviço da boca na busca e pesquisa do mundo


externo, ambas se tornam independentes da boca e passam a ter função sobre dois
atributos da energia oral: libido e agressão.

Por sua vez, a exploração e o domínio do mundo externo progressivamente vão


se modificando, ou seja, tornando-se o prazer em si e independentes da sucção
e mordida. Assim, o centro de interesse é parcialmente removido de seu próprio
corpo para uma estimulação social direta.

A criança cega tem falha na aquisição da autonomia das mãos e uma percepção
centrada na boca, atividade fundamental nessa idade, quando os seus olhos se fi-
xam sobre um objeto ou outro – antes, agarrava com as mãos, enquanto que agora
os cata com os olhos, aspecto este que é negado à criança cega. A esta também
é denegada a opinião visual da mãe e, com isso, o bebê é levado a se concentrar
em suas próprias experiências corporais e a experimentar constante autossedução.

Assim, quanto mais cedo ocorre a cegueira, maior será a sua influência sobre o
desenvolvimento da personalidade e maior o peso concedido à ausência da visão.

Por sua vez, na cegueira adquirida posteriormente, os efeitos sociais e as condi-


ções do sujeito ao evento frustrador se tornam preponderantes.

Impacto do Diagnóstico da Cegueira nos Pais e Familiares


Vários são os sentimentos e comportamentos envolvidos frente o momento da
notícia da deficiência visual, sendo que o principal diz respeito ao papel dos elemen-
tos patológicos, presentes na estrutura dos pais e mesmo anterior ao nascimento da
criança – em alguns casais esse aspecto é determinante à separação. Além disso,
devemos considerar o valor simbólico que a deficiência tem aos quais, dado que
sentimentos como culpa e ansiedade vão, progressivamente, evoluindo para atitudes
compensatórias de rejeição, superproteção ou aceitação.

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UNIDADE Deficiências Sensoriais: Auditiva e Visual

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Vida em Movimento - Deficiência Visual
https://goo.gl/gWoC6

 Vídeos
Ritmo do Silêncio
https://youtu.be/0gXtoQaIz1o

 Leitura
O Faz de Conta em Crianças com Deficiência Visual
Considerando que o desenvolvimento da criança cega e suas aquisições são muito instigan-
tes, porque mantemos o estereótipo de que são “coitadinhas” e incapazes de se desenvol-
verem plenamente, o artigo citado identifica habilidades e leva-nos a desmistificar tais ideias
pré-concebidas e preconceituosas.
https://goo.gl/4ymsK4
Estatuto da Pessoa com Deficiência
https://goo.gl/wE3sBR

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Referências
AMIRALIAN, M. L. T. M. A reorganização perceptiva dos deficientes visuais e sua
implicação para a aprendizagem. Cadernos de Didática, n. 6, 1985.

BECKER, E. Deficiência: alternativas de intervenção. São Paulo: Casa do Psicó-


logo, 1997.

BRASIL. Casa Civil. Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência –


Estatuto da Pessoa com Deficiência. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/Ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>.
Acesso em: 20 set. 2018.

BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça. A classificação indicativa na Língua


Brasileira de Sinais. Brasília, DF, 2009.

FONSECA, V. R. J. R. M. Surdez e deficiência auditiva: trajetória da infância à


idade adulta. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

LEITÃO, J. C.; FERNANDES, C. T. Inclusão escolar de sujeitos com deficiência


visual na rede regular de ensino brasileira: revisão sistemática. Linhas Críticas,
Brasília, DF, v. 17, n. 33, p. 273-289, 2011.

NICOLUCCI, D.; LIMA PARDO, M. B.; DIAS, T. A inclusão sob um olhar espe-
cial: a vez e a palavra do educando surdo. Revista Temas Sobre Desenvolvimen-
to, v. 13, n. 76, p. 19-24, 2004.

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