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Plantas silvestres: dez tesouros que crescem na berma dos caminhos

(Fotografia: DR)
Dora Mota
30/05/2020
Encontramos plantas silvestres nos caminhos e nas estradas e é injustamente que lhes chamam daninhas
e infestantes. Essas ervas e flores são muitas vezes património da flora portuguesa, criam biodiversidade
e ajudam o solo a ser mais forte. E também se podem comer, com benefícios para a saúde. Conheça uma
mão cheia desses tesouros das bermas.

Nas últimas semanas, Fernanda Botelho tem repetido apelos para que não se cortem as plantas silvestres
que, nesta altura, enchem as bermas dos caminhos e das estradas. Para que as roçadeiras municipais que
limpam as estradas deixem estar ali esses tufos verdes, polvilhados de flores de várias cores, com formas
mais ou menos conhecidas de todos, algumas delas bem presentes nas memórias de infância, como o
popular dente de leão. “Chamam-lhes ervas daninhas, infestantes ou invasoras, mas essas plantas além
de serem exuberantemente bonitas e criarem jardins naturais, servem de alimento a insetos
polinizadores, pássaros, répteis, anfíbios e toda uma cadeia de biodiversidade onde nós também estamos
incluídos”, refere a herbalista e especialista em plantas medicinais, autora de vários livros sobre o
assunto, entre eles “Uma mão cheia de plantas que curam – 55 espécies espontâneas em Portugal”
(Dinalivro, 2015, PVP 20 euros).

Muitas delas são, além disso, comestíveis e detentoras de propriedades medicinais, além de serem
tesouros da flora portuguesa. “Têm um nome botânico e pertencem a uma família”, sublinha. Podemos
comê-las em saladas ou em estufados, cruas ou cozinhadas – como é o caso da mostarda brava, que se
encontra por todo o lado. Estas plantas têm outras virtudes, sublinha Fernanda Botelho. “Servem muitas
vezes para prevenir a erosão de solos ou melhorar a sua estrutura, com as suas raízes profundas, que
servem para descompactar terrenos mais secos e argilosos”, assinala. Por fim, elas são também plantas
forrageiras e azotantes, muito úteis para ajudar a terra em pousio a preparar-se para novas culturas.
“Nesta primavera covídica, tenho tido o imenso privilégio de desfrutar desta abundância de cores,
formas, texturas, tamanhos e perfumes”, refere Fernanda, que passa muito tempo em caminhadas pela
zona de Sintra, onde vive, e se dedica também a dar workshops sobre estas plantas, incluindo a chefs de
cozinha que as utilizam nas suas receitas. Entre as muitas plantas comestíveis e com propriedades
medicinais que se encontram nesses tufos bravios na beira dos nossa caminhos, Fernanda Botelho
escolheu estas dez que descrevemos a seguir. “Podemos até transplantar algumas para o nosso quintal,
se quisermos, para criar um jardim comestível”. Fica lançado o desafio… e ideias para enriquecer as
saladas.
MOSTARDA BRAVA

Nome científico: Sinapis arvensis

Linda e exuberante, é uma planta da família das Brasicaceae, a mesma das couves, da
rúcula e dos nabos. “Podemos dizer que é um antepassado silvestre das nossas
hortícolas domesticadas”, refere Fernanda. Isto significa que podemos comer as suas
flores e folhas, cruas ou cozinhadas, e ainda as suas sementes. Por ser picante, estimula
a digestão. A mostarda brava encontra-se na beira dos caminhos, onde tem a função
muito útil de ajudar a fixar os taludes, graças às suas grandes raízes. As borboletas e as
abelhas adoram esta planta de ramos altos.

PAPOILAS

Nome científico: Papaver rhoaes

São plantas da família das Papaveraceae, onde se inclui também a chamada “erva do
betadine” ou celidónia. A sua delicadeza icónica, que todos conhecemos, tem outra
utilidade além de ser apreciada: as semente e as pétalas das papoilas podem ser comidas
ou usadas em infusões, graças aos seus efeitos antiespasmódicos e sedativos. No
Alentejo, ainda é comum um chá de pétalas de papoila contra a tosse para ajudar as
crianças a dormir, sublinha Fernanda. Ela sugere que se adicionem as pétalas a saladas e
que se comam as sementes, tendo o cuidado de ingerir uma quantidade moderada
(menos que uma colher de café, por exemplo) porque são opiácias. As pessoas com
diverticuloses devem, contudo, evitar esta e outras sementes pequenas.
MALVA

Nome científico: Malva sylvestris

“É muito comum e está particularmente exuberante nesta primavera covídica”, assinala


Fernanda sobre as malvas – ou lavateras – que são grandes aliadas nas lavagens
ginecológicas ou para bochechar para tratar aftas ou lavar os olhos inflamados. “Ela
trata e alivia todo o topo de inflamações internas e externas”, refere a especialista. Mas
também pode ser utilizada na culinária, já que se podem consumir todas as suas partes –
como as flores, folhas, raízes e as sementes conhecidas por queijinhos, que têm um
sabor semelhante a ervilha crua e textura de quiabo.

TANCHAGEM

Nome científico: Plantago sp

Existem várias espécies de tanchagem, planta de aspeto arisco muito comum nos
campos. “Todos os Plantago são medicinais, comestíveis e deliciosos, com um sabor a
cogumelo cru e bastante adstringente”, diz Fernanda, que sugere usar as folhas tenras
em sopas e batidos. Era uma planta muito usada na Antiguidade: Alexandre o Grande
designava-a de “governante dos caminhos” e os germânicos consideravam-na sagrada.
É rica em sais minerais e ácidos gordos, tem propriedades anti-inflamatórias, calmantes
e diuréticas e fortificante dos vasos capilares. E é muito eficaz quando esmagada e
aplicada diretamente sobre a pele em picadas de mosquito.
PILRITEIRO

Nome científico: Crataegus monogina

É também conhecida por espinheiro-alvar, esta árvore de médio porte e tronco


espinhoso enquanto jovem, comum nas sebes e montes, que é muito rica em
propriedades medicinais – e que podemos plantar facilmente no nosso quintal. As suas
flores brancas e pequenas são comestíveis, tal como os seus frutinhos vermelhos – os
pilritos – que podem ser usados para fazer geleias, marmeladas e sobremesas. Com as
folhas, as flores e os frutos podem-se fazer infusões para tratar problemas de coração,
como arritmias, insuficiência cardíaca, ataques de pânico e de ansiedade. Existem à
venda, aliás, vários tipos de extrato de Crataegus.

URTIGA

Nome científico: Urtica sp

Apesar de mal amada por muitos, a urtiga é a planta preferida de Fernanda Botelho, que
diz ser uma das ervas silvestres mais completas que existem, a nível nutricional.
“Podemos fazer sopas, guisados, queijos, cerveja, sumos, pão e tudo o que a nossa
imaginação quiser. Usam-se as folhas, as inflorescências e as sementes. Convém não
incluir os caules nas sopas pois são demasiado fibrosos. Podemos desidratar as folhas e
moê-las num moinho de café para polvilhar sobre os alimentos”, refere Fernanda. “As
urtigas são tão importantes que existe mesmo uma Confraria da Urtiga em
Fornos de Algodres, à qual pertenço, que celebra a urtiga em todas as suas
vertentes, medicinais, comestíveis, hortícolas, tintureiras, no fabrico de
fibras”, refere. Os romanos fustigavam o corpo com ela para estimular a circulação; e
na Polónia e na Escócia faziam-se roupas, lençóis e toalhas de mesa com a fibra das
urtigas, que é muito resistente. Usa-se para tratar anemia, reumático, gota, alergias de
primavera.
ROSEIRA BRAVA

Nome científico: Rosa sp

Integra a família das rosáceas, cujas flores são sempre comestíveis e adstringentes. Por
essa razão, são úteis para tratar diarreia e para lavar e desinfetar feridas. “Na culinária,
podem usar-se as flores mas sobretudo os bonitos frutinhos vermelhos que surgem no
outono e são uma das maiores fontes de vitamina C disponíveis na natureza”, afirma
Fernanda. Não é à toa que as rosas eram o ingrediente básico nos tratamentos de beleza
da rainha egípcia Cleópatra e que o botânico e médico grego Plínio, o Velho, indicava
30 doenças tratáveis com rosas.

CHICÓRIA

Nome científico: Cichorium intybus

Tem alguns primos bem conhecidos esta planta da família das Asteraceae, onde se
inclui o dente-de-leão e os girassóis. “É da raiz desta planta que se faz o café de chicória
e as suas folhas tenras, assim como as flores de um azul delicado, também se podem
comer”, diz Fernanda. Os antigos egípcios conheciam-na desde o ano 4000 a.C. -,
comiam-na crua e usavam-na para tratar problemas hepáticos. No tempo dos faraós,
misturava-se sumo de chicória com óleo de rosas e vinagre para aliviar dores de cabeça.
Existe também em cor branca ou rosa, mas as flores mais comuns são as azuis. Prefere
terrenos secos e argilosos e as suas raízes profundas ajudam a descompactar a terra.
SABUGUEIRO

Nome científico: Sambucus nigra


Pertence à família das Caprifoleaceae este arbusto ou árvore de médio porte, que prefere
zonas húmidas e sombrias. As suas flores e frutos são muito apreciadas para fins
medicinais e culinários. “As flores podem ser fritas com tempura, estilo peixinhos da
horta, usadas em refrescos, champanhe, gelados e outras sobremesas, combina bem com
pétalas de rosas”, sublinha Fernanda Botelho. A infusão da flor fresca ou seca ajuda a
combater alergias, tosses, gripes e constipações, tem propriedades anti-inflamatórias e
antivíricas. As suas bagas pretas são muito ricas em antioxidantes, vitaminas e sais
minerais e apreciadas em geleias, doces e bebidas.

BORRAGEM

Nome científico: Borago officinalis

“Diz o ditado que a borragem dá coragem, porque as suas sementes são usadas na
extração de um óleo vegetal rico em ómegas 3, usado para fortalecer o sistema nervoso,
cardiovascular e para melhorar problemas cutâneos”, refere Fernanda. Os jovens
soldados romanos tomavam uma bebida de borragem quando partiam para as batalhas,
para terem mais ânimo e coragem. As flores em forma de estrela são comestíveis, com
sabor a lembrar o pepino, e Fernanda sugere usá-las também na decoração ou colocá-las
em cubinhos de gelo para as conservar. As folhas tenras mais junto da base podem ser
consumidas panadas ou adicionadas a sopas e guisados. É uma planta desintoxicante do
organismo.

A HERBALISTA

(Fotografia: Nuno Antunes)

Fernanda Botelho estudou plantas medicinais na Scottish School of Herbal Medicine.


Viveu 17 anos em Inglaterra onde fez formações em Botânica, Fitoterapia e Pedagogia.
Tem o curso de guia de jardim botânico da Universidade de Lisboa. É colaboradora do
programa Ecoescolas e autora de uma coleção de livros infantis “Salada de Flores”,
“Sementes à Solta” e “Hortas Aromáticas”. Publica anualmente desde 2010 uma agenda
de plantas medicinais, escreveu “Uma mão cheia de plantas que curam – 55 espécies
espontâneas em Portugal” e “As plantas e a saúde”. Organiza passeios e work-shops de
reconhecimento de plantas a convite de várias associações, escolas e municípios. É uma
das fundadoras do grupo Sintra sem Herbicidas. Participa em blogues e revistas e é
convidada regular da RTP. Gosta de fotografar, escrever e comunicar. Tem um blog
chamado Malva Silvestre.

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