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Capital humano e crescimento econômico

The human capital theory and the economic growth


La théorie du capital humain et la croissance économique
La teoría del capital humano y el crecimiento económico

Giomar Viana*
Jandir Ferrera de Lima**
Recebido em 2/2/2010; revisado e aprovado em 28/4/2010; aceito em 17/6/2010

Resumo: Esse artigo faz uma revisão de literatura e analisa os principais elementos da teoria do capital humano,
principalmente sua influência no crescimento econômico. Para a teoria do capital humano, a educação torna as
pessoas mais produtivas, aumenta seus salários e influencia o progresso econômico. Além da análise dos possíveis
benefícios que a educação propicia ao sistema econômico e à sociedade como um todo, existem algumas restrições ou
situações que podem inibir seu pleno desempenho. Dentre elas, há o diferencial existente entre quantidade e qualidade
da educação, uma vez que, mesmo com um possível aumento contínuo da educação, ela pode não refletir um nível
qualitativo suficiente para dinamizar a produtividade e o progresso econômico e social da população.
Palavras-chaves: Capital humano. Desenvolvimento econômico. Educação.
Abstract: This paper reviews the literature and discusses the main elements of human capital theory, especially its
influence on economic growth. For the human capital theory, the education makes people more productive increasing
their salaries and influence on economic progress. Besides the analysis of the possible benefits that education brings to
the economic system and society as a whole, there are any restrictions or conditions that may inhibit their full
performance. Among them, there is a difference between quantity and quality of education, since, even with a possible
increase in continuous education; it may not reflect a sufficient quality to boost productivity and economic progress
and social aspects of population.
Key-words: Human capital. Economic development. Education.
Résumé: Cet article fait une revision de la littérature et discute les principaux éléments de la théorie du capital
humain, en particulier son influence sur la croissance économique. Pour la théorie du capital humain, l’éducation rend
les gens plus productifs, en augmentant leurs salaires en train de stimuler le progrès économique. Malgré les avantages
éventuels que l’éducation apporte au système économique et à la société dans son ensemble, il y a des restrictions ou
des conditions qui mai inhibent leur plein rendement. Parmi eux, il y a une différence entre la quantité et la qualité de
l’éducation, car même avec une augmentation possible de l’éducation continue, il faut une qualité suffisante pour
stimuler la productivité et le progrès économique et social de la population.
Mots-clés: Capital humain. Développement économique. Éducation.
Resumen: Este artículo revisa la literatura donde se analizan los principales elementos de la teoría del capital
humano, especialmente su influencia en el crecimiento económico. Para la teoría del capital humano, la educación
hace con que las personas sean más productivas, lo que aumenta sus ingresos y su influencia en el progreso
económico. Además del análisis de los posibles beneficios que la educación aporta al sistema económico y la sociedad
en su conjunto, existen restricciones o condiciones que pueden inhibir su desempeño. Entre ellos, hay una diferencia
entre la cantidad y calidad de la educación, ya que, incluso con un posible aumento de la formación continua, no
puede reflejar una calidad suficiente para impulsar la productividad y el progreso económico y social de la populación.
Palabras clave: Capital humano. Desarrollo econômico. Educación.

Introdução do justificar seu desequilíbrio entre países e


regiões. Até meados da década de 1950, vá-
O estudo da teoria do crescimento eco- rios estudos, influenciados pela economia
nômico tem sido um dos principais desafios clássica, consideravam que o crescimento
para os teóricos da Ciência Econômica. Esse estava em função dos fatores de produção
ramo da ciência econômica busca entender (recursos naturais, capital e trabalho) exis-
os principais fatores e mecanismos que deter- tentes em cada país ou região (SOLOW,
minam o crescimento econômico, procuran- 1956). Porém, com a evolução dos estudos

* Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná


(UNIOESTE)/Campus de Toledo. Agente administrativo da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).
E-mail: gviana@unicentro.br
** Ph.D em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec (UQAC). Professor Adjunto do Programa de
Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio UNIOESTE/Campus de Toledo. Pesquisador do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPQ) do GEPEC/UNIOESTE. E-mail:
jandir@unioeste.br.

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relacionados à teoria do crescimento econô- a educação torna as pessoas mais produti-


mico, notou-se a existência de certa incon- vas, aumenta seus salários e influencia o pro-
gruência nessa análise, uma vez que os rendi- gresso econômico. Entretanto, essa teoria faz
mentos de alguns países eram desuniformes os seguintes questionamentos: qual a rela-
em relação ao capital físico. ção existente entre crescimento econômico e
Nesse sentido, com a publicação dos capital humano? Como mensurar o capital
estudos de Mincer (1958), Schultz (1964) e humano? Até que ponto o capital humano
Becker (1964), constatou-se que, além da pode influenciar no desempenho de uma
atribuição do capital físico à teoria do cresci- região? Buscando responder a esses questio-
mento econômico, havia outra variável im- namentos, será efetuada a revisão da litera-
plícita nos modelos estudados ainda não atri- tura sobre a teoria do capital humano,
buída a essa teoria: o capital humano. Para elencando sua relação com o crescimento
esses estudos, a abordagem clássica dos mo- econômico, suas formas de distinção e
delos de crescimento econômico, que incor- mensuração, sua relação com a educação,
porava os fatores de produção, era insufici- além das externalidades por ela geradas.
ente para explicar a elevação da produtivida-
de e do crescimento que ocorria em alguns 1 Fatores determinantes do crescimento
países e regiões. econômico
Não obstante, várias evidências publi-
cadas na literatura mais recente indicam for-
A concepção dos fatores que determi-
te relação entre crescimento econômico e o
nam o crescimento econômico está enrai-
nível de capital humano existente em deter-
zada nos estudos clássicos da economia, os
minados espaços geográficos. Como exem-
quais justificam que os fatores de produção
plo, podem-se citar alguns trabalhos empíri-
como terra, (terras cultiváveis, urbanas e re-
cos realizados por Benhabib e Spiegel, (1994),
cursos naturais) capital (edificações, máqui-
Souza (1999), Martin e Herranz (2004), en-
nas e equipamentos) e trabalho (faculdades
tre outros. Nesses estudos, o capital huma-
físicas e intelectuais dos seres humanos) são
no, dimensionado pelo nível de educação e
os elementos básicos para a produção de
conhecimento da população, passa a ser
bens e serviços, gerando riquezas e influen-
uma variável importante no conceito e nos
ciando o desempenho econômico. Por isso,
modelos de crescimento econômico, pois o
aumento da produtividade da população Kliksberg (1999) classifica os fatores que de-
está relacionado não somente à acumulação terminam o crescimento econômico nos se-
de capital físico, mas também de capital hu- guintes tipos de capital: a) capital natural,
mano, que serviria de suporte para constituído pelos recursos naturais existentes
minimizar os rendimentos decrescentes em cada país ou região, bem como a propor-
advindos do capital físico. A educação, de- ção de terras com boas condições de cultivo,
terminada pelo nível de qualificação da po- extração vegetal e mineral, entre outros as-
pulação, surge como alternativa para a re- pectos; b) capital construído (capital físico), o
dução das disparidades econômicas e ao for- qual inclui a infraestrutura, bens de capital,
talecimento das economias regionais, influ- capital financeiro e comercial; c) capital hu-
enciando ganhos à população, elevando a mano, caracterizado pelos níveis de nutrição,
produtividade do capital humano e também saúde e educação da população, além dos
o nível de produtividade do capital físico. investimentos inseridos nessa área; d) capital
Isso se deve à aplicação de novas técnicas e social, determinado pelo nível de associação
novas ferramentas de gestão, fazendo com entre os indivíduos, estudado recentemente
que esse tipo de investimento diminua os cus- como uma forma determinada do crescimen-
tos de produção, possibilite retornos crescen- to econômico, tanto de base local, quanto re-
tes no processo produtivo e estimule cada gional. Dentre tais variáveis, o autor ressal-
vez mais o crescimento da economia. ta que o capital humano e o capital social
Assim, a análise da influência do capi- têm obtido participação majoritária no de-
tal humano sobre o crescimento econômico sempenho econômico-regional.
pode ser estudada numa perspectiva econô- Posteriormente, Solow (1956) publicou
mica. A teoria do capital humano relata que um artigo analisando os fatores clássicos do

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crescimento econômico (estoque dos fatores capital natural e capital construído existente
capital e trabalho). Nesse trabalho, o autor entre regiões e países.
demonstra que um modelo de crescimento Becker (1993), da mesma forma, alega
econômico poderia ser dividido em capital, que o capital humano é um conjunto de ca-
trabalho e tecnologia, baseando-se na in- pacidades produtivas que uma pessoa pode
fluência da poupança, da depreciação e na adquirir, devido à acumulação de conheci-
variação populacional para explicar a varia- mentos gerais ou específicos, que podem ser
ção do crescimento da economia. Nessa li- utilizados na produção de riqueza. Assim,
nha, o crescimento econômico é determinado sua principal preocupação é decorrente de
por fatores exógenos, tais como o crescimento que os indivíduos tomam a decisão de investir
populacional e o progresso tecnológico. No em educação, levando em conta seus custos
entanto, mesmo a variável tecnologia fazen- e benefícios, atribuindo, entre estes melho-
do parte do modelo, tal elemento não é expli- res rendimentos, maior nível cultural e outros
cado no modelo, deixando uma lacuna para benefícios não-monetários. Desse modo, o
inserção de inúmeras pesquisas sobre a ori- nível de capital humano de uma população
gem do progresso tecnológico das nações. influencia o sistema econômico de diversas
Diante disso, inúmeros trabalhos surgiram, formas, com o aumento da produtividade,
com o intuito de justificar a existência do pro- dos lucros, do fornecimento de maiores co-
gresso técnico a partir do capital humano. nhecimentos e habilidades, e também por re-
Assim, o próximo tópico apresentará a rela- solver problemas e superar dificuldades re-
ção existente entre capital humano e cresci- gionais, contribuindo com a sociedade de for-
mento econômico. ma individual e coletiva.
Essa ideia também é defendida por
2 Capital humano e crescimento Hirschman (1961), ao afirmar que uma das
justificativas do crescimento ser desequilibra-
econômico
do se dá em função de um progresso desigual
em áreas específicas, tais como o setor educa-
O precursor da teoria do capital huma-
cional. Desse modo, o autor afirma que uma
no foi Mincer (1958), que indicou a existên-
das alternativas para minimizar as dispari-
cia de correlação entre o investimento para
dades regionais seria a realização de investi-
a formação das pessoas (trabalhadores) e a mentos que produzissem efeitos positivos ao
distribuição de renda pessoal. Para o autor, crescimento econômico, bem como no setor
era necessário decidir de forma individual e educacional, ou seja, no capital humano.
racional entre gastar tempo para obter novos Na contracorrente, alguns trabalhos
conhecimentos e aplicá-los posteriormente evidenciam que não há relação associativa
em atividades profissionais ou manter-se no entre capital humano e crescimento econô-
trabalho sem novas formas de treinamento mico, como, por exemplo, o trabalho empí-
e estudo de novos conhecimentos. Dessa for- rico desenvolvido por Pritchett (2001), que
ma, o autor conclui que a dispersão entre os considera não haver correlação entre tais
rendimentos pessoais estava associada ao variáveis. Essa afirmação é combatida a par-
volume de investimento efetuado em capital tir dos trabalhos efetuados por Lucas (1988),
humano, os quais impactariam na produti- Romer (1986, 1989), Mankiw, Romer e Weil
vidade e no crescimento da economia. (1992), Bergheim (2005), e estudos brasilei-
De acordo com Schultz (1964), a quali- ros, como os de Pereira (2001), Ferreira,
ficação e o aperfeiçoamento da população, Nakabashi e Santos (2003), Nakabashi e
advindos do investimento em educação, ele- Figueiredo (2008) e Kroth e Dias (2008), os
variam a produtividade dos trabalhadores e quais avaliam os diferentes canais em que o
os lucros dos capitalistas, impactando na capital humano afeta o nível e a taxa de cres-
economia como um todo. Diante disso, a in- cimento por trabalhador. Para Nakabashi e
clusão do capital humano nos modelos de Figueiredo (2008), a divergência entre alguns
crescimento econômico é uma questão chave autores está fundamentada em erros de
para se compreender a dinâmica da econo- especificação dos modelos e, até mesmo, em
mia no longo prazo, uma vez que, até então, relação aos seus dados, os quais podem ser
esse fenômeno era explicado somente pelo pouco consistentes ou de baixa qualidade.

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Outro exemplo da influência e da im- apresentam duas categorias de indicadores


portância do capital humano para o cresci- do crescimento econômico, quais sejam: os
mento econômico encontra-se no trabalho efeitos alavancadores e os efeitos redutores
desenvolvido por Gould e Ruffin (1993), que da atividade, detalhados no Quadro 1.

Alavancadores do crescimento Redutores do crescimento


Escolaridade Gastos do governo em consumo
Investimentos em educação Instabilidade social e política
Investimento em equipamentos Barreiras ao comércio
Nível de capital humano Socialismo

Quadro 1 – Determinantes do crescimento econômico


Fonte: Gould e Ruffin (1993)

A partir do Quadro 1, dimensiona-se 2.1 Distinção e mensuração do capital


a influência que o capital humano exerce humano
sobre o crescimento econômico, uma vez que,
de quatro fatores positivos, três estão atrela- Para Schultz (1973), há duas formas
dos à teoria do capital humano. Dessa forma, de se mensurar ou dimensionar o capital
ao partir do pressuposto de que o capital hu- humano entre diferentes regiões: quantitati-
mano, dimensionado pelo nível de educação, va e qualitativa. A forma quantitativa ba-
influencia significativamente no desempe- seia-se no número de pessoas. Por exemplo,
nho regional, considera-se que regiões que sua proporção inserida na população econo-
têm populações com maiores níveis de edu- micamente ativa e no número de horas no
cação certamente terão maiores probabilida- trabalho. A forma qualitativa aborda aspec-
des de prosperidade. Em contrapartida, re- tos como a capacitação técnica, os conheci-
giões com níveis inferiores tendem a ser mais mentos e atributos específicos que afetam as
estagnadas. Assim, o incentivo ao equilíbrio habilidades humanas e sua produtividade.
do capital humano entre as regiões diminui A partir dessa análise, Schultz (1973,
as disparidades econômico-regionais. p. 42-43) passa a utilizar um conjunto de
Para Almeida e Pereira (2000), a fatores para mensurar e compreender o pro-
melhoria do nível de educação ou de habili- cesso de formação de capital humano, consi-
dades dos trabalhadores, adquiridas por derando cinco categorias de maior importân-
meio de treinamento ou de conhecimentos cia: recursos relativos à saúde e serviços; trei-
específicos, são fatores importantes para o namento realizado no local do emprego; edu-
crescimento econômico. Para os autores, a cação formalmente organizada nos níveis
inserção do capital humano no espaço geo- elementar, secundário e de maior elevação;
gráfico têm sido um dos principais métodos, programas de estudos para os adultos; mi-
politicamente utilizados, para a redução da gração de indivíduos e de famílias. Para me-
pobreza e dos diferenciais de renda. Assim, dir o estoque de educação (capital humano),
além da redução das desigualdades sociais, o autor leva em conta três aspectos: 1) Anos
o capital humano é um importante disposi- de escola completados, porém tal medida dei-
tivo para amenizar as disparidades regionais, xa de considerar o aspecto qualitativo da
homogeneizando o crescimento e o desenvol- educação; 2) anos escolares completados cons-
vimento socioeconômico entre regiões. tantes em um período de tempo, que leva em
conta períodos de estudo das populações, em
diferentes momentos do tempo; 3) os custos
de educação como medida, que leva em consi-
deração as diferentes proporções de investi-
mento em cada categoria de estudo, além de
apresentar a diferente proporção de investi-
mento per capita em cada região.

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Becker (1993), por sua vez, afirma que 3 Capital humano e educação
o capital humano de um indivíduo é forma-
do pelos investimentos, com intuito de me- De acordo com Schultz (1964), o inves-
lhorar a sua habilidade produtiva e seu esto- timento básico no ser humano se dá por meio
que de conhecimentos adquiridos ao longo da educação. Segundo o autor, as pessoas
do tempo, especialmente pelo seu nível de valorizam as suas capacidades, tanto como
escolarização, de aprendizado, entre outros. produtores, quanto como consumidores, pelo
Dessa forma, o autor justifica a razão pela investimento que fazem em si mesmas. Sen-
qual esse capital é considerado como de cará- do a educação a melhor forma de se investir
ter humano, uma vez que o fato de ser huma- em capital humano, pois, enquanto o nível
no é devido à impossibilidade de separar do de bens de produção tem declinado em rela-
indivíduo o seu conhecimento, sua habilida- ção à renda, o capital humano tem aumenta-
de, saúde e outras formas que podem definir do. A caracterização da educação se dá por
esse tipo de capital. Entre os principais fato- meio do “ensino” e do “aprendizado”, sendo
res que integram o capital humano estão a que seu significado decorre da extração de
saúde, a migração e, de forma especial, a algo potencial ou latente de uma pessoa,
educação. Como exemplo, o autor refere-se aperfeiçoando-a, moral e mentalmente, a fim
aos diversos estudos e pesquisas empíricas de torná-la suscetível a escolhas individuais
quantitativas, que evidenciam a disparidade e sociais. Preparando-a para uma profissão,
de rendimento entre pessoas mais qualifica- por meio de instrução sistemática e exerci-
das e menos qualificadas, argumentando que tando-a na formação de habilidades.
a maioria dos estudos atribui ao capital hu- Diferente da educação, a instrução
mano a explicação de grande parte do cres- decorre de serviços educacionais ministrados
cimento econômico de longo prazo de al- em escolas primárias e secundárias, abran-
guns países ou regiões. gendo o esforço de aprender. Já a educação
Corroborando com os apontamentos é um conceito mais amplo, pois, além de pro-
de Schultz e Becker, Blaug (1975) reitera que duzir a instrução, ela progride nos conheci-
a economia da educação está atrelada não mentos, por meio da pesquisa. A instrução
somente aos problemas de custeio e finan- pode produzir e causar benefícios no pre-
ciamento das escolas, mas também a ques- sente ou no futuro, sendo que, no último caso,
tões como a migração dos trabalhadores, ela passa a ter característica de investimen-
estrutura da força de trabalho, treinamento to, afetando tanto as futuras despesas quanto
no próprio trabalho, formas de seleção e as futuras rendas, passando a assemelhar-
promoção dos empresários, distribuição da se a investimento em outros bens de produ-
renda pessoal e da perspectiva de crescimen- ção. Sempre que a instrução, associada com
to econômico. a educação, eleva as rendas futuras, há uma
Entre os indicadores mais utilizados ampliação da produtividade, considerando-
para se mensurar capital humano, estão a se como resultado do investimento em capi-
média de escolaridade por região e faixa tal humano (SCHULTZ, 1964). Blaug (1975)
etária, o percentual da população que possui também ressalta o impacto que a educação
o nível primário, secundário, médio ou supe- exerce sobre a economia, levando em conta
rior e o número de matrículas por categoria diversos fatores, tais como: a influência na
de estudo. A exemplo disso, podem-se citar composição e utilização na força de trabalho;
os trabalhos de Benhabid e Spiegel (1994) e a distribuição de renda pessoal e poupança;
Souza (1999), os quais mensuram a influên- e as formas e padrões de comércio internacio-
cia que o capital humano exerce sobre a ati- nal, influenciando nas expectativas do cresci-
vidade econômica, atribuindo-lhe um im- mento econômico.
portante papel na análise das diferenças Blaug (1975), assim como Schultz, bus-
entre países e regiões. O próximo tópico dis- ca mostrar os benefícios advindos da educa-
corre sobre a relação direta existente entre ção, tomando como exemplo a variação nos
capital humano e educação. rendimentos dos trabalhadores. Para ele, em
todas as economias, existem diferentes pro-
porções de remunerações entre indivíduos

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da mesma idade com diferentes níveis de uma alternativa para a redução das desigual-
escolaridade. Mesmo diante dos possíveis dades econômicas.
benefícios futuros advindos de um maior Existe, ao longo do tempo, uma forte
nível de educação, é importante ressaltar seu conexão entre investimento em capital hu-
custo para adquiri-la. Segundo Schultz mano e o valor econômico do homem, uma
(1964), esse custo é o custo de oportunidade, vez que, quanto mais investimentos em edu-
ou seja, o custo de deixar de ser remunerado cação, maior a tendência de elasticidade de
por um período de tempo, além do seu pró- sua produtividade, refletindo em maiores
prio custo com a educação, para buscar no- rendimentos, maior eficiência, influencian-
vos conhecimentos e aumentar suas chances do na dinâmica e no desempenho do cresci-
de obter melhores resultados/rendimentos mento econômico nacional. O capital huma-
no futuro. Ainda é importante considerar no permite ao trabalhador obter rendimentos
que esse futuro é incerto, uma vez que não e melhorar sua condição de vida.
se consegue obter precisão em sua previsão. Além disso, Schultz (1987) afirma que
A educação é considerada de duas for- aumentos nas aptidões adquiridas pelas pes-
mas distintas: consumo, num primeiro mo- soas no mundo inteiro e avanços em conheci-
mento, pois, a curto prazo, sempre demanda- mentos úteis detêm a chave da futura produ-
rá gastos para sua execução; e investimento, tividade econômica, bem como de suas con-
num segundo momento, devido à possibili- tribuições ao bem-estar humano. Assim, o
dade de elevar as rendas futuras dos estudan- investimento em capital humano determina
tes, resultando em crescimento econômico. as futuras perspectivas da humanidade, sen-
Diante disso, pode-se compreender a do que os fatores decisivos de produção para
importância que o investimento em capital a melhoria do bem-estar das pessoas pobres
humano, especificamente na educação, exer- são os avanços em seus conhecimentos. In-
ce sobre a atividade econômica. Melhorando vestimentos na assistência à infância, expe-
seu nível de produtividade, amenizando as riência no lar e no trabalho, na aquisição de
discrepâncias salariais, reduzindo as desi- informações e aptidões por meio do ensino
gualdades econômicas e impactando no sis- escolar, investimentos na saúde e na educa-
tema econômico como um todo. ção melhoram significativamente as perspec-
O próximo tópico discorre brevemen- tivas econômicas e o bem-estar das pessoas
te sobre alguns apontamentos levantados por pobres, impactando numa melhor condição
Schultz, em relação ao valor econômico da de vida para toda a população.
educação. Para Schultz (1987), para que ocorra
a dinâmica do desenvolvimento econômico,
3.1O Valor econômico da educação faz-se necessária a existência de aptidões
humanas, pois uma economia dinâmica só
Para Schultz (1973), a investigação do pode ser lançada e sustentada por meio do
valor econômico da educação revela partes esforço humano, a partir de todos os níveis
suplementares importantes do processo da sociais que apresentem tanto as aprendiza-
acumulação do capital e crescimento, influ- gens convencionais, quanto aptidões mais
enciando na sua mensuração e na possibili- aperfeiçoadas, decifrando problemas e elimi-
dade de planejamento dos países para o seu nando erros de novos processos.
progresso econômico. Para analisar essa A partir do pressuposto de que o capi-
questão, faz-se necessário entender se há al- tal humano é representado pelo nível de edu-
gum benefício de crescimento aos países cação de uma sociedade, influenciando di-
oriundos do investimento na educação. Nos reta ou indiretamente no crescimento eco-
estudos de Schultz (1973), são identificadas nômico de uma região, também se pode di-
pesquisas que demonstram indícios de forte mensionar seus benefícios ou externalidades
associação entre nível de educação e aumen- gerados para a sua população. A educação
to nos rendimentos individuais e nacionais. é vista não somente como um determinante
Esse nível de associação é a chave para equi- do crescimento e progresso econômico, mas
librar a distribuição da renda pessoal. Dessa também como um dinamizador de externali-
forma, o investimento em educação seria dades positivas para a sociedade, pois ala-

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vanca maior consciência ao indivíduo, seja o diferencial existente entre quantidade e


de caráter político, ético, moral ou social, qualidade, uma vez que, mesmo com um pos-
minimizando fatores de risco à população e sível aumento contínuo da educação, pode
proporcionando maior bem-estar coletivo. ser que esta não esteja refletindo num nível
Para Becker (1993), é mais fácil quan- qualitativo suficiente para dinamizar a pro-
tificar o lado monetário, bem como os resul- dutividade e o progresso econômico-social
tados ou benefícios advindos do capital hu- na população.
mano. Porém há outros aspectos a conside- Assim, a teoria do capital humano pre-
rar, pois a educação promove resultados cisa estar atrelada a outros fatores, que pro-
positivos na área da saúde, por exemplo, uma piciem um efeito multiplicador positivo no
vez que indivíduos mais conscientes tendem sistema socioeconômico, tornando-se um ele-
a desenvolver atividades de prevenção a mento quantitativo e qualitativo. Mesmo as-
doenças. Há, também, resultados positivos sim, o capital humano no Brasil tem sido o
no nível de democracia da sociedade, fazendo fator preponderante para o crescimento do
com que os indivíduos interajam de forma Produto Interno Bruto entre os Estados
mais consciente com seus governantes, maior Brasileiros (IPEA, 2006).
conhecimento de políticas de controle de nata-
lidade. Enfim, a educação propicia resultados 4 Críticas à teoria do capital humano
positivos tanto no contexto econômico (bene-
fícios monetários), quanto no político, social De acordo com Schultz (1973), diver-
e cultural, (não-monetários). sos autores são contrários à sua teoria, pois
Para Barros, Henriques e Mendonça consideram desaconselhável tratar o homem
(1997), o impacto de investimentos na edu- como capital humano, aplicando conceitos
cação não influencia apenas aqueles que se de investimento e de capital, sendo que, para
educam, mas também aqueles que os rodei- eles, esta é uma atitude moralmente errada.
am, pois impacta na produtividade, aumenta A exemplo disso, há os estudos de Sen
a expectativa de vida das pessoas, devido à (1999) que menciona que a Economia do
maior disponibilidade de recursos, além de, Bem-Estar fundada na moral utilitária com-
possivelmente, fazer com que os indivíduos bina uma fase informacional pobre, uma
reduzam o número de filhos, aumentando a análise estreita do comportamento humano
qualidade de vida e reduzindo a pobreza no e uma falta de distinção entre os meios e os
futuro. A exemplo disso, os autores apresen- fins, bem como da relação entre eles. Nesse
tam alguns exemplos da influência da educa- caso, as análises de desenvolvimento econô-
ção em diversos aspectos, como na mortali- mico feitas sob essa ótica não distinguem os
dade infantil, a partir dos estudos de Barros meios (instrumentos para o bem-estar) dos di-
e Sawyer (1993), na fecundidade, como ferentes fins humanos (elementos constitu-
apontam Lam e Dureya (1995), e nos tivos do bem-estar), refletindo uma racionali-
salários, conforme pesquisa de Barros e dade técnico-econômica comprometida com
Mendonça (1996). a importância instrumental das diversas
Diante desses apontamentos, torna-se análises, exemplificando uma das alternati-
possível perceber que a educação pode ofere- vas para resolver os problemas econômicos.
cer externalidades positivas diretas e indire- Sen (1997) enfatiza o equívoco de en-
tas na economia. A externalidade direta re- tender o desenvolvimento da educação ou
fere-se aos melhores rendimentos do indiví- da saúde, por exemplo, como somente uma
duo, proporcionando, num caráter coletivo, forma de tornar as pessoas mais produtivas,
maior crescimento econômico. Enquanto a considerando somente a melhoria dos recur-
externalidade indireta pode vir a proporcio- sos humanos, levando em conta que as pes-
nar maior equidade e justiça social. soas são apenas os meios de produção e des-
Além da análise dos possíveis benefí- considerando que elas são os fins últimos do
cios que a educação propicia ao sistema eco- processo de melhoria na educação e saúde.
nômico e à sociedade como um todo, existem Nesse caso o autor considera que o melhora-
algumas restrições ou situações que podem mento em variáveis como educação e saúde
inibir seu pleno desempenho. Entre elas, há não é apenas uma forma de geração do

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crescimento econômico (valor instrumental), to a favor do capital.


mas também um elemento constitutivo das Existem ainda outras teorias que dis-
capacitações das pessoas (valor intrínsico). cutem o capital humano como uma forma
Diante disso, Sen (2000) caracteriza a de selecionar os indivíduos, pouco contribu-
diferença entre o capital humano e a capaci- indo para a redução das desigualdades socio-
tação humana, apresentando a distinção de econômicas e para o aumento dos rendimen-
valor que se relaciona com a diferença entre tos pessoais como um todo. A exemplo disso,
os meios e os fins humanos, pois para o au- pode-se citar a teoria da socialização, da
tor, o uso do conceito de “capital humano”, segmentação, a teoria credencialista (Screening
por representar um alargamento na consi- Hipothesis), e a teoria do “filtro”. Para
deração dos recursos produtivos, é certa- Almeida e Pereira (2000), a teoria da sociali-
mente enriquecedor. No entanto, os seres hu- zação pressupõe que as pessoas sejam socia-
manos não são meramente meios, mas o fim lizadas, principalmente, na escola, com in-
do exercício. tuito de que sejam trabalhadoras e se com-
Essa análise também é exposta por portem de maneira conformada, estando
Crawford (1994) e Pereira (2001), quando sempre dispostas a aceitar e cumprir ordens,
mencionam que a principal crítica à teoria sendo pontuais e sabendo os momentos de
do capital humano decorre da recusa de tra- falar e de se calar. Em contraposição, outras
tar o homem como “capital”, uma vez que pessoas são educadas com intuito de se tor-
tal argumento contraria questões éticas e narem independentes e criativas, a fim de
morais aos seres humanos. No entanto, esse tomarem decisões adequadas diante dos pro-
paradigma começa a ser desconsiderado, a blemas propostos. Essa teoria pressupõe que
partir da década de 1960, principalmente em a educação prepararia as pessoas de
função dos trabalhos realizados por diferentes origens para exercer papéis dis-
Theodore Schultz. tintos na vida, sendo as escolas uma forma
Assim, entre as diversas críticas sobre de agência da socialização.
essa teoria, as principais consideram-na sob Já em relação à teoria da segmentação,
duas formas: a primeira seria que a educa- Sadeck Filho (2001) comenta que ela pode
ção significa somente uma forma de qualifi- ser observada a partir de dois indivíduos di-
cação da mão-de-obra para inserção no mer- ferentes, em que ambos possuem as mesmas
cado de trabalho, servindo como uma ferra- características em relação à sua escolarida-
menta para aproveitar o excedente do tra- de, produtividade e até mesmo o tempo de
balhador ao sistema capitalista; a outra con- serviço, mas que, mesmo assim, recebem sa-
sidera que existem outros fatores que influen- lários diferentes. Tal situação é baseada em
ciam na renda dos indivíduos, além da esco- diversas variáveis associadas à análise da
laridade, como sua própria inteligência indi- estrutura no mercado de trabalho, podendo
vidual, seu nível social e, até mesmo, a ocorrer no setor público ou no privado. O
segmentação dos mercados (LIMA, 1980; autor considera que a teoria credencialista
ALMEIDA e PEREIRA, 2000). apenas mantém a divisão de classes já exis-
Becker (1993) menciona que, mesmo tentes na sociedade, não contribuindo para
havendo diversas pesquisas que evidenciam a redução das disparidades de renda, mas
as contribuições positivas do capital humano sim para sua continuidade. Para Lima
ao indivíduo e à população, alguns autores (1980), as escolas selecionam estudantes e
argumentam que a teoria do capital humano oferecem a eles credenciais que facilitam o
não é concisa, uma vez que essa forma de trabalho dos empregadores, no momento da
capital também é um mecanismo de explora- escolha de seus empregados. Nesse sentido,
ção do trabalho pelo capital. Assim, os deten- a educação seria considerada como um ins-
tores do capital “físico” e “financeiro” utili- trumento de seleção dos trabalhadores, de
zariam esse outro tipo de capital “humano” acordo com seu nível de escolaridade, que
como mais uma alternativa de exploração direcionaria o tipo de trabalho mais apro-
da mão-de-obra trabalhadora, fazendo com priado e adequado ao seu nível de educação.
que o capital humano seja somente uma O diploma seria apenas uma credencial.
ferramenta de manipulação do conhecimen- Para Almeida e Pereira (2000), a teoria

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ACapital humano e crescimento econômico 145

credencialista abrange dois grupos princi- A teoria da sinalização evidenciou que


pais: o primeiro considera que a única fun- a expansão da escolarização não teria, neces-
ção da escola é “selecionar” estudantes, de sariamente, um impacto sobre os diferenciais
acordo com sua origem familiar, seu status de renda, mas sim passaria a elevar o nível
socioeconômico e outras características indi- de exigência das empresas, em sua contrata-
viduais, não ocorrendo socialização alguma. ção. Nesse caso, uma pessoa teria que estu-
Já o segundo grupo considera que as escolas dar mais para obter o mesmo salário que seu
selecionam, mas também socializam, sendo pai recebia num período anterior, exercen-
que os estudantes seriam selecionados de do a mesma atividade. Desse modo, o maior
acordo com sua origem familiar e status nível de escolaridade não teria a finalidade
socioeconômico, adquirindo experiência e específica de aumentar seu nível de renda,
tornando-se socializados em um determina- mas sim mantê-la na mesma proporção em
do tipo de atividade futura, de acordo com que ocorria em períodos anteriores
suas características. (WALTENBERG, 2002).
De acordo com Almeida e Pereira Já a teoria do filtro considera que a
(2000), os marxistas, críticos da teoria do habilidade dos indivíduos pode ser incremen-
capital humano, concordam que o aumento tada pelo treinamento dentro das próprias
da escolarização contribui para elevar a pro- empresas, sendo que o fundamental seria
dutividade no trabalho, mas não por propor- identificar no indivíduo seu nível potencial
cionar novos conhecimentos e habilidades. de habilidade que pudesse ser desenvolvido.
Isso se deve a três fatores: a) fornecer creden- Diante disso, a correlação existente entre
ciais, situação que facilitaria a supervisão nível de escolaridade e salários é somente o
autoritária, já que a escola moldaria o indiví- reflexo de uma relação mais sutil entre esco-
duo para a disciplina, tornando-o mais pre- laridade e atributos produtivos pouco obser-
parado para desenvolver as atividades, de váveis em um indivíduo. A teoria do filtro
acordo com as normas do sistema capitalista; passa a ser um sinalizador, ao mercado de
b) a escolarização aumentaria o leque de trabalho, de que o indivíduo possui certo po-
opções do empregador para a escolha de seus tencial produtivo. Nesse caso, o diploma se-
empregados; c) o indivíduo com maior grau
ria um filtro para possíveis ocupações a que
de escolaridade, ao receber um maior nível
ele teria possibilidade de progredir
de remuneração, estaria segmentado, de
(WALTENBERG, 2002).
acordo com sua renda e status, fato que im-
A partir desses pressupostos, Alves
pediria a formação de coalizões, de trabalha-
(2005) afirma que essas duas teorias tentam
dores contra o sistema capitalista.
responder a dois pontos específicos: uma
A existência do credencialismo é corro-
delas defende que outros aspectos, ineren-
borada por Becker (1993), quando menciona
tes ao nível de escolaridade, interferem na
que o credencialismo, obviamente, existe.
escolha entre indivíduos; a outra, postula
Mas, mesmo assim, poucas evidências apre-
sentam de que não há associação positiva que o desempenho profissional não depen-
entre rendimentos e escolaridade. Para ele, de, única e exclusivamente da formação aca-
o principal problema do credencialismo é o dêmica.
desinteresse das empresas no desempenho Além desses trabalhos, é importante
escolar dos indivíduos, privilegiando apenas elencar a contribuição crítica à teoria do ca-
as habilidades específicas e seu desempenho pital humano, efetuada por Rossi (1978).
na vida profissional, como agradar clientes, Para o autor, a educação tem sido utilizada
relacionamento entre colegas, entre outras como um meio que privilegia o progresso
questões. econômico e social, somente para alguns in-
A partir da teoria do credencialismo, divíduos da sociedade. Na visão do autor,
surge a Teoria do Sinal e a Teoria do Filtro, não é na educação que se encontrará a solu-
frutos da identificação de várias inconsistên- ção para os problemas da desigualdade e
cias nos diversos trabalhos, que tinham por miséria, já que esse mecanismo não altera a
objetivo calcular as taxas de retorno de inves- distribuição da riqueza e da renda nem as
timento em capital humano, tanto de forma classes sociais. Pois, da mesma forma esta-
individual, quanto coletiva (ALVES, 2005). belecida, os trabalhadores continuam sendo

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146 Giomar Viana; Jandir Ferrera de Lima

trabalhadores, e os capitalistas permanecem entre os estudiosos e críticos da teoria do


sendo capitalistas. Assim, mesmo aumentan- capital humano, concorda-se que o nível de
do a capacidade produtiva do trabalhador, capital humano existente em um país ou re-
seu excedente gerado valorizaria o “capital” gião exerce grande influência na sociedade,
e não o “capital humano”, já que agregaria criando condições para um ambiente
valor aos meios de produção cada vez mais favorável ao crescimento e ao progresso eco-
aperfeiçoados e eficientes, e que estão em nômico.
poder do capitalista.
Com as críticas apresentadas à teoria Conclusão
do capital humano, observa-se que, mesmo
atribuindo pontos negativos em relação à Essa pesquisa teve por objetivo anali-
teoria, credenciando ou filtrando alguns indi- sar a influência do capital humano no cres-
víduos em situações distintas, admite-se a cimento econômico, bem como a possibili-
existência de indícios de que o capital huma- dade de utilizá-lo como uma alternativa na
no, dimensionado pela educação, num con- desconcentração desse crescimento.
texto específico, é um importante meio de A ideia de investir em capital humano
ampliação do conhecimento e da capacida- parte do princípio que uma força de trabalho
de produtiva do trabalhador. E, num con- instruída, com qualidade de vida, com acesso
texto amplo, é uma ferramenta para se am- aos serviços sociais básicos e plena cidadania
pliar a produtividade econômica. será mais produtiva e eficaz nas suas ativi-
Assim, há fortes evidências de que a dades. Ou seja, a teoria do capital humano
educação é um meio de contribuição muito complementa a ideia da divisão social do tra-
eficaz, no sentido de preparar trabalhado- balho como instrumento de qualificação e
res para a estrutura de trabalho, melhoran- especialização do trabalhador no processo
do seus conhecimentos e suas habilidades, a produtivo. Porém, os ganhos de produtivi-
fim de gerar maiores lucros e retornos. No dade da divisão social do trabalho têm um
entanto, deve-se considerar, também, os múl- limite, que só pode ser vencido via investi-
tiplos benefícios do capital humano tanto do mentos na população, que vão desde sua qua-
ponto de vista empresarial quanto do traba- lificação profissional até seu bem estar social.
lhador, uma vez que ele possibilitará vanta- Tanto que as regiões cujo investimento em
gens para ambos. educação, saúde e acesso à alimentação são
Entre a maioria dos autores existe o mais significativos tendem a auferir ganhos
consenso de que quanto maior o nível de es- de produtividade ao longo do tempo. Além
colaridade maior a tendência de se elevarem disso, se não houver incentivo ao equilíbrio
os rendimentos individuais e, por conse- do capital humano entre as regiões, haverá
quência, o crescimento econômico. Contudo, uma continuidade das disparidades econô-
é prudente atentar para a tendência de se mico-regionais.
tomar os benefícios individuais da educação Outro aspecto importante a salientar
e extrapolá-los para toda a sociedade. Tal sobre a teoria do capital humano é seu cará-
ideia é denominada, segundo o IPEA (2006), ter endógeno. Enquanto os modelos de cres-
de “falácia da composição”, caracterizando cimento econômico neoclássicos viam as va-
que o que é verdade para um indivíduo, por riações no estoque dos fatores de produção
exemplo, um maior nível de educação refle- (capital e trabalho) como o único instrumen-
tir-se em maior renda, pode não ser real para to capaz de mover a economia, a teoria do
todos os indivíduos da sociedade, uma vez capital humano vai bem mais além, pois o
que nem todos estão inseridos no mesmo progresso tecnológico em muito depende da
cenário econômico-social. Cabe lembrar que, qualificação profissional e do nível de ins-
num contexto geral, as pesquisas empíricas trução da população. Nesse sentido, a variá-
evidenciam que quanto maior o nível de edu- vel tecnologia por si só não aufere ganhos se
cação de um grupo, ou região, maior tem a capacidade humana de gerenciar o uso
sido o seu Produto Interno Bruto (PIB). dessa tecnologia e inovar não estiver sendo
Diante do cenário ora apresentado, ob- utilizada. Paralelo ao empreendedorismo, a
serva-se que, mesmo não havendo consenso capacidade de inovar com as novas

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ACapital humano e crescimento econômico 147

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