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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO
MESTRADO EM DIREITO AGRÁRIO
PROF.ª. DRª. ANNE GERALDI PIMENTEL

FICHAMENTO 5ª SESSÃO: PROPRIEDADE E POSSE NO DIREITO

GILVAN DE BARROS PINANGÉ NETO

GOIÂNIA
2022
GILVAN DE BARROS PINANGÉ NETO

FICHAMENTO 5ª SESSÃO: PROPRIEDADE E POSSE NO DIREITO

Trabalho desenvolvido no Programa de Pós-


Graduação em Direito Agrário – PPGDA /
Mestrado, na disciplina de Teoria Geral do
Direito Agrário - TGDA, destinado a avaliação
parcial.
Orientador: Prof.ª. Drª. Anne Geraldi Pimentel

GOIÂNIA
2022
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FICHAMENTO 5ª SESSÃO: PROPRIEDADE E POSSE NO DIREITO

5ª SESSÃO: 26/04
TÍTULO: Propriedade e Posse No Direito
TEXTOS: CHIAVARI, J.; LOPES, C.L. Panorama dos direitos de Propriedade no Brasil
Rural. Rio de Janeiro: Núcleo de avaliação de políticas climáticas PUC- Rio, 2016.

1 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO FUNDIÁRIA

Conforme Rocha et al. (2015, p. 63) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 13) “A evolução
da legislação fundiária pode ser subdividida em quatro períodos: (i) regime de sesmarias (1500
a 1822); (ii) regime de posse (1822 a 1850); (iii) regime da Lei de Terras de 1850; e (iv) regime
republicano (1889 aos dias atuais)”.
Neste contexto, elencam-se marcos importantes nesta linha do tempo, compreendendo
os períodos do Brasil Colônia, Império e República. Igualmente importantes são os momentos
históricos vivenciados (Independência do Brasil, Proclamação da República, Regime Militar e
promulgação da Constituição Cidadã). Ou seja, os quatro grandes períodos descritos durante a
evolução da legislação fundiária brasileira não são desconexos, mas contínuos e interligados
entre si.

1.1 REGIME DE SESMARIAS (1500-1822)

O primeiro período desta linha do tempo, isto é, o regime de concessão de sesmarias


(1500-1822) teve início tão logo a colônia brasileira foi conquistada pela Coroa Portuguesa
(expedição de Martin Afonso de Souza, em 1530), perdurando até a Declaração de
Independência do Brasil. Segundo Rocha et al. (2015, p. 63) apud Chiavari e Lopes (2016, p.
13) os tratados internacionais vigentes à época (Tratado de Alcaçovas – 1479 e Tratado de
Tordesilhas – 1494) concederam pleno domínio das terras brasileiras à Coroa Portuguesa, as
quais foram incorporadas de fato e de direito ao patrimônio real.
Historicamente, Nozoe (2006, p. 588) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 14) observa
que “As sesmarias foram instituídas em Portugal em 1375 com o objetivo de solucionar a crise
agrícola e de abastecimento de alimentos, ocasionada pelo abandono de terras.”. Entretanto, a
transposição deste regime à colônia brasileira não foi perfeita, mas adaptada à realidade local.
Consistindo na doação gratuita de glebas a particulares, com o ônus de cultivo durante o período
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quinquenal, sob pena de devolução daquelas ao domínio da Coroa Portuguesa (cunhava-se o


termo “terras devolutas”).
Fausto (2002, p. 47) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 14) pondera que, conforme a
legislação vigente à época, “[...] as doações deveriam ser proporcionais à capacidade de cultivo
dos beneficiários e as sesmarias deveriam ter um limite de tamanho.”. Contudo, sendo a
economia colonial de base monocultural de exportação, dependente de mão de obra escrava e
cultivo em grandes propriedades, não era incomum a concessão de vastas extensões de terras,
muitas vezes além da capacidade de produção do beneficiário. Não obstante, a metrópole
também foi incapaz de fiscalizar as concessões, acarretando a inevitável formação de enormes
latifúndios improdutivos.
Para o autor, sendo as terras concedidas apenas aos “amigos do rei”, os homens
rústicos e pobres ficavam com a menor parcela, isto é, marginalizadas das grandes propriedades
e longes dos núcleos de povoamento, ocasionando verdadeiro caos fundiário no Brasil do fim
do século 18.

1.2 REGIME DE POSSE (1822-1850)

Chiavari e Lopes (2016, p. 15) aduzem que a Constituição Imperial de 1824 limitou-
se à declaração da plena garantia do direito de propriedade. Outrossim, tal período corresponde
ao que os autores denominaram “vácuo legislativo”, isto é, predomínio do regime de posse. A
fiscalização precária incentivou ainda mais a formação do “espírito latifundiário”. Apenas com
a edição da Lei de Terras em 1850 houve o fim deste período de vácuo legal.

1.3 LEI DE TERRAS DE 1850

Para Silva (1996, p. 75) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 15) a Declaração da
Independência do Brasil em 1822 estabeleceu um novo momento sociopolítico econômico
(perspectiva da abolição da escravatura e da imigração estrangeira como mão de obra
abundante), o qual deveria se refletir na legislação e nas instituições. Destarte, sob a égide dos
interesses da classe dominante (especialmente fazendeiros latifundiários), foi editada a Lei de
Terras de 1850.
De acordo com Chiavari e Lopes (2016, p. 15) “A Lei de Terras rompeu com o sistema
sesmarial de doação gratuita de terras públicas e instituiu a compra como único meio de
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aquisição de terras virgens.”. Outrossim, a fim de tornarem-se propriedades legítimas, as posses


deveriam ser registradas e tituladas. Objetivando a formação de cadastro das posses ao longo
de todo território Imperial, mais uma inovação da Lei de Terras foi a criação do registro de
terras possuídas.

O Registro Paroquial não conferia título de domínio aos declarantes, de modo que era
necessário que a posse fosse legitimada e titulada através de um longo e burocrático
processo administrativo. O processo de legitimação incluía a medição e demarcação
da posse, além do pagamento de direitos de chancelaria, para então ser expedido o
respectivo título de domínio. Devido aos altos custos para o procedimento
administrativo de legitimação, muitas possessões não foram regularizadas e
continuaram sua vida extralegal, sendo apenas registradas nos livros paroquiais.
(ZENHA, 1952, p. 444 apud CHIAVARI e LOPES, 2016, p. 16).

Fonseca (2005, p. 109) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 16, grifos do autor) aduz que
“Um dos objetivos da Lei de Terras era a separação de terras públicas das particulares através
da medição e demarcação de terras devolutas [...].”. Nesta esteira, foi criada a Repartição Geral
de Terras Públicas, órgão registral cujo objetivo consistia na medição, demarcação e venda das
terras devolutas. Entretanto, o autor observa que tal objetivo jamais foi efetivado pois, além da
fiscalização ineficiente e da cartografia e inventários inexistentes, a própria Lei de Terras previa
a exigência prévia da regularização de posses e registro de terras particulares (interpretada pelos
posseiros como facultativa e não obrigatória), a fim de proceder com a demarcação das terras
devolutas.
A lição de Costa (1999, p. 172-173) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 17) demonstra
que “A Lei de Terras de 1850 instituiu então a concepção moderna de propriedade, isto é, a
terra passou a ser uma mercadoria que poderia ser adquirida por qualquer pessoa, desde que
tivesse recursos financeiros suficientes para comprá-la.”. Portanto, a posse de terra passaria da
condição de prestígio social ao prestígio econômico.

1.4 PERÍODO REPUBLICANO (1889 AOS DIAS ATUAIS)

1.4.1. A Primeira República (1889 a 1930)

Chiavari e Lopes (2016, p. 17) prelecionam que, tal qual a Constituição Imperial de
1822, a Carta Republicana de 1891 garantiu plenamente o direito de propriedade, com a
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previsão de desapropriação apenas mediante extraordinário interesse público e a prévia


indenização.

Com a instituição do modelo federativo republicano, a Constituição passou para os


estados as terras devolutas situadas em seus respectivos territórios, permanecendo sob
o domínio da União apenas áreas que fossem indispensáveis para a defesa das
fronteiras, para as construções militares e para as estradas de ferro. (CHIAVARI e
LOPES, 2016, p. 17).

Conforme Chiavari e Lopes (2016, p. 18), em 1913 o governo instituiu nova


regulamentação de terras devolutas da União através do Decreto nº 10.105 onde, semelhante a
Lei de Terras de 1850, previa a promoção da discriminação entre os domínios público e
particular (medição, demarcação e averbação de terras públicas em livro especial). Também
foram estabelecidas regras de revalidação de concessão e legitimação de posses, onde o título
de domínio definitivo deveria ser registrado no sistema Torrens (registro especial, apenas para
imóveis rurais, o qual garante ao interessado o título de propriedade protegido por presunção
iuris et de iuri) em no máximo quatro anos.
No pensamento de Chiavari e Lopes (2016, p. 18) “O Código Civil de 1916, fortemente
influenciado pelo liberalismo político-econômico, definiu o direito de propriedade como o
direito de usar, gozar e dispor da propriedade, sem impedimentos [...]”. Todavia, tal legislação
foi omissa às questões agrárias, normatizando apenas os contratos agrários, usucapião e direitos
de vizinhança. Destarte, a inefetiva política fundiária foi característica marcante da Primeira
República.

1.4.2. O Estado Getulista (1930-1945) e o período democrático (1945-1964)

O início de um novo período político no Brasil foi marcado pela Revolução de 1930.
Neste diapasão, Chiavari e Lopes (2016, p. 19, grifos do autor) entendem que “[...] a
Constituição de 1934 dispôs que o direito de propriedade não poderia ser exercido contra o
interesse social ou coletivo. Pela primeira vez uma constituição brasileira declarava que a
propriedade não era um direito absoluto.”.
Igualmente, durante a era Vargas foram promulgadas legislações importantes que
modificavam o regime jurídico das propriedades privadas (Código Florestal e Código de Águas
de 1934 e Código de Minas de 1940). Durante o período do Estado Novo (1937-1945) também
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foi outorgada a Constituição de 1937 (sua redação apenas garantia o direito de propriedade,
com seus limites definidos em legislação específica).
Vargas promoveu ainda a “Marcha para o Oeste”, a fim de realizar a integração
nacional e ocupar o que denominou de grandes “espaços vazios” nas regiões Norte e Centro-
Oeste do Brasil. Neste sentido, Chiavari e Lopes (2016, p. 19) traduzem essa política
expansionista como “[...] um conjunto de ações governamentais que incluíam a implantação de
colônias agrícolas em terras devolutas e a implantação de infraestrutura necessária para o
desenvolvimento econômico como estradas, aeroportos, hospitais e escolas.”. Entretanto, não
eram estranhos os conflitos e a insegurança acerca dos direitos de propriedade pois, em sua
maioria, tais ocupações ocorreram em terras já apossadas (comunidades tradicionais, agrícolas
e ribeirinhos).
Acerca da redemocratização nacional ocorrida em 1945, Silva (1997, p. 19) apud
Chiavari e Lopes (2016, p. 19) pondera que “A Constituição de 1946 dispunha que o uso da
propriedade era condicionado ao bem-estar social e que a lei poderia promover a justa
distribuição de terras.”. Desta feita, a maior inovação da nova Carta foi o estabelecimento de
duas modalidades de desapropriação, isto é, por utilidade pública ou interesse social.
Neste momento tornaram se acirrados os movimentos sociais camponeses e os debates
sobre a reforma agrária. Em 1964, após iniciar as reformas de base (sua agenda previa a
desapropriação de terras sem prévia indenização), o presidente João Goulart foi deposto pelo
golpe militar.

1.4.3. O Regime Militar (1964 a 1985) e o Estatuto da Terra

O presidente Castelo Branco contornou o problema do pagamento em dinheiro nas


desapropriações por interesse social através de uma emenda constitucional que
instituiu títulos da dívida pública como forma de indenização. Além disso, foi
promulgado o Estatuto da Terra, Lei nº 4.504/1964, estabelecendo um novo regime
jurídico da propriedade privada: a função social da propriedade (SILVA, 1997, p. 20
apud CHIAVARI e LOPES, 2016, p. 20).

Alston et al. (1999, p. 40) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 20) explicam que também
foram definidos pelo Estatuto da Terra dois instrumentos a fim de promover a reforma agrária,
ou seja, a desapropriação do latifúndio improdutivo e a tributação progressiva da terra.
Entretanto, devido a imprecisão do conceito de propriedade produtiva, tal medida beneficiou
especialmente as grandes empresas rurais. Outra inovação importante deste período foi a
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promulgação do Código Florestal de 1965, o qual instituiu os conceitos de Áreas de Preservação


Permanente (APP – preservação obrigatória de áreas ecologicamente sensíveis, por exemplo,
margens de rios) e Reserva Legal (manutenção obrigatória de determinada porcentagem da
propriedade coberta por vegetação nativa).
A Constituição de 1967 foi instituída sob a égide do regime militar, adotando a função
social da propriedade como princípio de ordem econômica e social. Semelhante à “Marcha para
o Oeste” da Era Vargas, na década de 1970 o governo militar incentivou a ocupação da
Amazônia mediante projetos de colonização. Alston et al. (1999, p. 41-42) apud Chiavari e
Lopes (2016, p. 21) observam que “No entendimento dos militares, a ocupação da região Norte
promoveria, ao mesmo tempo, a diminuição da violência no campo, o fim do êxodo rural,
crescimento econômico, proteção do território e soberania nacional.”.
Na década de 1970 também houve a criação do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), ou seja, órgão responsável pela implementação da política de
ocupação da Amazônia. Nesta esteira, Silva (1997, p. 22) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 21)
justifica que “Antes de instalar os projetos de colonização, o Incra deveria promover a
discriminação das terras devolutas federais, reconhecer as posses legítimas e reincorporar ao
patrimônio da União as terras ilegalmente ocupadas.”. Com este propósito foi editada a Lei nº
6.383/76, a qual dispunha acerca do processo discriminatório de terras devolutas da União.

Diversos projetos de colonização foram implantados ao longo das grandes rodovias


federais na Amazônia, como foi o caso dos assentamentos ao longo da rodovia BR-
163, ligando Cuiabá à Santarém, e da BR- 230, a Transamazônica. Os colonos
deveriam tornar as terras produtivas, e, com isso, a floresta foi sendo substituída pela
roça e pelo gado. O desmatamento era incentivado pela lei, pois, de acordo com
diversas instruções normativas do Incra, a produtividade de um imóvel era
diretamente proporcional à área de mata derrubada (BENATTI et al., 2008, p. 86 apud
CHIAVARI e LOPES, 2016, p. 21).

Destarte, era nítida a falta de coordenação entre as políticas de preservação ambiental


(Código Florestal de 1965) e a política de ocupação implementada pelo Incra. Segundo Alston
et al. (1999, p. 42) apud Chiavari e Lopes (2016, p. 22), diante da incapacidade do Incra em
promover a assistência social, educacional e saúde (igualmente as infraestruturas de transporte,
energia e saneamento) e da falta de recursos para desenvolvimento da política agrícola familiar,
“[...] o governo decidiu mudar a orientação da política de ocupação e incentivou a colonização
privada, com ênfase na agricultura e na pecuária em larga escala.”. Portanto, não obstante o
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caos fundiário e a promoção do desmatamento, a ocupação da região amazônica desencadeou


ainda o massacre dos povos indígenas e a invasão de suas terras.

1.4.4. A Constituição Federal de 1988

Com o término do regime militar, foi promulgada a Constituição Federal de 1988,


também denominada de Constituição Cidadã, inovando acerca dos direitos territoriais dos
povos tradicionais (indígenas e quilombolas), bem como em relação às políticas agrícola e
fundiária. Também dispõe acerca das garantias sociais e da função social da propriedade.

A Constituição de 1988 também determina que a destinação de terras públicas e


devolutas deve ser compatibilizada com a política agrícola e com o Plano Nacional de
Reforma Agrária, e condiciona a venda ou concessão de terras públicas com área
superior a 2.500 hectares à aprovação do Congresso Nacional. O texto constitucional
prevê a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, caso o imóvel
rural não cumpra sua função social. (CHIAVARI e LOPES, 2016, p. 17).

Entretanto, Chiavari e Lopes (2016, p. 23) explicam que a disputa de grupos políticos
antagônicos durante a Assembleia Constituinte acarretou contradição e ambiguidade no texto
constitucional, ainda que disponha sobre a reforma agrária. Ainda assim, os demais ramos do
direito baseiam-se nos princípios ambientais constitucionais, por exemplo, o direito de
propriedade e sua função socioambiental (art. 187, II, CF/88).
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REFERÊNCIAS

CHIAVARI, J.; LOPES, C.L. Panorama dos direitos de Propriedade no Brasil Rural. Rio
de Janeiro: Núcleo de avaliação de políticas climáticas PUC- Rio, 2016.

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