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Caso Daniel Silveira: 5 perguntas

para o jurista Ives Gandra Martins


'Não vejo como um cidadão, em sendo
deputado, por maiores absurdos que venha a
dizer, possa ser preso', diz o advogado
19 fev 2021 - 18:53

O jurista Ives Gandra Martins | Foto: Divulgação

Na tarde desta sexta-feira, 19, a Câmara está reunida para decidir o


futuro do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), preso por ordem
do ministro Alexandre de Moraes após divulgar vídeo em que critica
os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o jurista Ives Gandra Martins, a fala de Silveira é “absolutamente


inaceitável” e o deputado deve ser punido, mas ele diverge da forma
como o Supremo agiu. “Para não ferir a Constituição, teria de ter sido
:
adotado um caminho diferente.” Oeste entrevistou o advogado e fez
cinco perguntas sobre o caso da prisão do deputado.

Leia também “O STF pode tudo?”, artigo publicado na mais


recente edição da Revista Oeste

1 — Qual sua avaliação sobre o caso envolvendo o deputado


Daniel Silveira?

O deputado é alguém que não honra seu mandato. Há um


descompasso mental na forma como ele falou, como atacou, como
desconhece a Constituição. É absolutamente inaceitável o que disse
o deputado. Não tenho dúvida de que esse sujeito deve ser punido.
Primeiramente, quero registrar que admiro profundamente os
ministros do Supremo, e o ministro Alexandre, que foi o relator, é um
dos autores mais lidos em direito constitucional. Já escrevemos
livros juntos. Mas não concordo com a forma como o caso foi
conduzido. Para não ferir a Constituição, teria de ter sido adotado
um caminho diferente. O Supremo deveria comunicar o fato ao
Congresso e pedir a punição do deputado, respeitando o que diz o
artigo 53 da Constituição Federal.

2 — Mas ele poderia ser punido com a prisão?

Aí eu esbarro na interpretação do artigo 53 da Constituição Federal,


que diz que “deputados e senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não
vejo como um cidadão, em sendo deputado, por maiores absurdos
que venha a dizer, possa ser preso. Ora, as mais absurdas
declarações estão dentro do “quaisquer” previsto em lei.

3 — Se a Constituição diz que são “invioláveis quaisquer


opiniões e palavras dos deputados”, o que embasou
juridicamente a prisão de Daniel Silveira?
:
Os ministros condenaram com base na Lei de Segurança Nacional
[Lei 7170/83]. Não aplicaram a Constituição Federal, mas uma lei
oriunda do regime militar. E mais, outro ponto importante: quem é a
parte que acusou o deputado? É o Supremo. Então o Supremo foi
parte acusatória e decisória.

4 — Existiu situação de flagrante no crime de que o deputado foi


acusado?

Flagrante é algo que vejo no momento — surpreendo um sujeito


roubando e dou um flagrante no ato, por exemplo. Agora, como
posso considerar flagrante permanente um vídeo? Daqui a um ano,
esse vídeo pode estar rodando; então a figura do flagrante
desaparece. Juridicamente, criar a figura do flagrante permanente,
como no caso do deputado, é um precedente perigosíssimo e me
preocupa.

5 — Houve invasão de competência do Poder Judiciário no


Legislativo?

Sim, de longe. Se a Constituição diz uma coisa e o Supremo decide


de forma diferente da Constituição, não é uma interpretação. Porque,
no artigo constitucional, onde está escrito “quaisquer”
manifestações, o Supremo diz: “quaisquer manifestações menos
aquelas com que nós não concordamos”. Tenho 86 anos, 63 anos de
advocacia. Tenho a impressão de que cada vez mais tenho de
aprender o Direito. Porque o que está escrito na lei não é exatamente
o que é aplicado.
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