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LINHA DE SEBENTAS
História do Direito
Índice
1.Imaginários da Sociedade e do Poder ......................................................................................................................... 3
1.1. O Imaginário Corporativista ........................................................................................................................ 3
1.1.1. Ordem e criação ..................................................................................................................................... 4
1.1.2. Ordem oculta, ordem aparente ........................................................................................................ 5
1.1.3. Ordem e vontade .............................................................................................................................. 6
1.1.4. Ordem e desigualdade ...................................................................................................................... 7
1.1.5. Ordem e “estados” ............................................................................................................................ 8
1.1.6. Ordem e pluralismo político............................................................................................................ 10
1.2. O Imaginário Individualista ....................................................................................................................... 11
1.3. A dissolução do corporativismo e o advento do paradigma individualista ............................................... 13
2.1. Tradição romanística ................................................................................................................................ 17
2.2. Épocas históricas do direito romano ........................................................................................................ 19
2.3. A recepção do direito romano .................................................................................................................. 23
Fontes do direito canónico ................................................................................................................................. 27
2.4. O lugar do direito canónico no seio do direito comum ............................................................................ 27
2.5. O direito canónico como limite da validade dos direitos temporais. ....................................................... 28
2.6. 2.6 Influência do direito canónico ............................................................................................................ 30
2.7. Âmbito de aplicação da jurisdição eclesiástica ......................................................................................... 30
Porque é que o Direito canónico vigora? ........................................................................................................... 31
2.8. Direito canónico e direito civil .................................................................................................................. 31
2.9. Direito romano e direito canónico ............................................................................................................ 31
2.10. Direitos próprios e direito romano ...................................................................................................... 32
2.11. Direitos dos reinos e direitos dos corpos inferiores ............................................................................. 33
2.12. Direito comum e privilégios ................................................................................................................. 34
2.13. Direito anterior e direito posterior ...................................................................................................... 34
2.14. Normas de conflito de «geometria variável» ....................................................................................... 35
2.15. Uma ordem jurídica flexível ................................................................................................................. 36
2.16. Direitos infra-reinícolas ........................................................................................................................ 38
2.17. Direito recebido e direito tradicional ................................................................................................... 39
De toda esta conjuntura, resulta o pluralismo jurídico. ..................................................................................... 40
Conclusão: existe um sistema jurídico medieval? .............................................................................................. 40
2.18. Escola dos Glosadores .......................................................................................................................... 41
2.19. Escola dos comentadores .................................................................................................................... 44
2.20. A crise do século XVI (180 a 190) ......................................................................................................... 48
3. O Pensamento Jurídico jusnaturalista ................................................................................................................ 50
3.1. O Jusnaturalismo da Escolástica Tomista ................................................................................................. 50
3.2. A Escola Ibérica do Direito Natural ........................................................................................................... 52
Repercussões da Escola de Salamanca ............................................................................................................... 54
Principais autores: .............................................................................................................................................. 54
3.3. O Jusnaturalismo Moderno ...................................................................................................................... 58
O jusnaturalismo racionalista ............................................................................................................................. 59
O jusnaturalismo individualista .......................................................................................................................... 60
3.4. A teoria dos direitos subjectivos ............................................................................................................... 62
3.5. Voluntarismo ............................................................................................................................................ 63
3.6. Cientificismo ............................................................................................................................................. 66
A tradição do jusnaturalismo objectivista .......................................................................................................... 67
3.7. O direito racionalista e as suas repercussões ........................................................................................... 68
4. O Direito na época contemporânea ................................................................................................................... 69
4.1. O Positivismo Legalista : A Escola da Exegese ........................................................................................... 69
Fontes do positivismo legalista: ......................................................................................................................... 70
Vantagens da orientação exegese: ..................................................................................................................... 70
Desvantagens da orientação exegese: ............................................................................................................... 71
Romantismo Jurídico: A Escola Histórica Alemã ................................................................................................. 71
O Positivismo Conceitual : Os Dogmas do Conceitualismo ..................................................................................... 74
Os dogmas do conceitualismo ............................................................................................................................ 77
Características: ........................................................................................................................................................ 78
6. As Escolas Críticas do Direito .............................................................................................................................. 82
6.1. O Sociologismo marxista clássico no domínio do Direito ......................................................................... 82
6.2. O Marxismo ocidental dos anos sessenta ................................................................................................. 85
6.3. A Crítica do Direito .................................................................................................................................... 86
6.4. O Uso alternativo do Direito ..................................................................................................................... 87
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realidade política, os estados eram muito mais numerosos. Nos distintos planos do
direito, constituíam-se estatutos pessoais ou estados, correspondentes aos grupos de
pessoas com um mesmo estatuto jurídico.
• Pluralidade de estados de cada pessoa:
A conceção do universo dos titulares de direitos como um universo de «estados»
(status) leva à «personificação» dos estados. A considerar que uma mesma pessoa tem
vários estados e que, como tal, nela coincidem várias pessoas – pluralidade de pessoas
num indivíduo.
• Pessoa como papel social e não como substrato físico
Frente a esta multiplicidade de estado, a materialidade física e psicológica dos
homens desaparece.
Sendo os papéis sociais qualidades, e não os seus suportes corporais e
biológicos, que contam como sujeitos de direitos e obrigações, estes podem
multiplicar-se, dando carne e vida jurídica autónoma a cada situação ou veste em que
os homens se relacionam uns com os outros. A sociedade, para o direito, enche-se de
uma pletora infinita de pessoas, na qual se espelha e recebera ao ritmo das suas
multiformes relações mútuas, o mundo, esse finito, dos homens. A mobilidade dos
estados em relação aos suportes físicos é tal que se admite a continuidade ou
identidade de uma pessoa, ainda que muda a identidade do indivíduo físico que a
suporta. (morte) A relação entre estado e indivíduo chega a aparecer invertida,
atribuindo-se ao estado o poder de mudar o aspeto físico do indivíduo.
Nestes casos, a realidade jurídica decisiva, a verdadeira pessoa jurídica é esse
estado, que é permanente; e não os indivíduos, transitórios, que lhe conferem
momentaneamente uma face. Homem que não tenha estado não é pessoa. De facto,
há pessoas, que por serem desprovidas de qualidades juridicamente atendíveis, não
tem qualquer status e, logo, carecem de personalidade (escravos). Tal é a sociedade de
estados (Ständesgesellschaft) característica do Antigo Regime e que antecede a atual
sociedade.
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é, em certa medida, um dever para com Deus e, logo, o tal direito natural acaba por
ser um direito divino.
Mas também a ideia de que o carácter natural da ordem fazia com que ela se
manifestasse de muitas formas – pelas tendências naturais (amores), com o tempo
concretizadas em costumes (consuetudines vel mores, practicae, styli), pelas virtudes
morais (amicitia, liberalitas), pela revelação e também pelo direito formalizado pelos
juristas, como peritos na observação e memória das coisas sociais, ou mesmo pela
vontade do rei, como portador de um poder normativo de origem divina.
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O que provocou esta mudança que pôs termo ao paradigma corporativista e que
deu início ao paradigma individualista?
o Guerras por toda a Europa, que perturbavam a ordem estabelecida e
despertavam o descontentamento das pessoas;
o A Época dos Descobrimentos. O contacto com povos, culturas e ordens sociais
diferentes suscitou dúvidas nas pessoas, nos povos europeus, que começaram
a aperceber-se que não existia uma só ordem imutável. Povos, que nem sequer
conheciam Deus, mostraram ser possível existir ordem social de origem
humana;
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quais a sua natureza não pudesse ser integralmente apreendida – como queriam os
«realistas». Sendo antes meros «nomes», externos à essência, e que, portanto, podem
ser deixados de lado na consideração desta, sendo consideradas qualidades
descartáveis, que podem ser esquecidas pela teoria social e política. Se o fizermos,
obtemos uma série de indivíduos «nus», incaracterísticos, intermutáveis, abstratos,
«gerais», iguais. Ao mesmo tempo que desapareciam do proscénio as pessoas
concretas, ligadas essencialmente às outras por vínculos naturais; e, com elas,
desapareciam os grupos e a sociedade.
Para completar a revolução intelectual da teoria política moderna só faltava desligar
a sociedade de qualquer realidade metafísica, laicizando a teoria social e libertando o
indivíduo de quaisquer limitações transcendentes. Esta laicização da teoria social –
levada a cabo pelo pensamento jurídico e político desde Hugo Grócio a Tomás Hobbes
– que a liberta de todas as anteriores hipotecas à teologia moral, do mesmo passo que
liberta os indivíduos de todos os vínculos em relação a outra coisa que não sejam as
suas evidências racionais e os seus impulsos naturais.
Esta laicização da teoria social e a colocação no seu centro do indivíduo geral, igual,
livre e sujeito a impulsos naturais, tem consequências centrais para a compreensão do
poder:
Este não pode mais ser tido como fundado numa ordem objetiva das coisas; vai ser
concebido como fundado na vontade, na perspetiva:
(i) Providencialismo (direito divino dos reis) – na vontade soberana de deus,
manifestada na Terra, também soberanamente, pelo seu lugar-tenente. Daqui se
extrai que Deus pode enviar tiranos para governar os homens, aos quais estes
devem, apesar de tudo obedecer.
(ii) Contratualismo – pela vontade dos homens que, levados ou pelos perigos e
insegurança da sociedade natural, ou pelo desejo de maximizar a felicidade e o
bem-estar, instituem, por um acordo de vontades, por um pacto, a sociedade
civil. Extrai-se também que as leis fundamentais, como todos os pactos, são
disponíveis, i.e., factíveis e alteráveis pelos homens, num dado momento
histórico.
Também no domínio do direito privado, o individualismo vem a ter as suas
consequências. Desde logo, a dissolução de que os pactos e contratos tinham uma
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natura indisponível, ligada à própria natureza das coisas. Depois que as mesmas coisas,
de que o homem se serviam, tinham usos naturais que não podiam ser ignorados e,
portanto, que a propriedade tinha limites, podendo, assim, ser objeto de «abuso»
(exemplo: o não uso absoluto, privando a comunidade das utilidades que decorriam do
normal uso das coisas, das suas «funções sociais»).
O caracter corporativista estava mais presente no direito germânico, enquanto
que o direito romano têm uma natureza mais igualitária (exceto escravos e
estrangeiros). Para a conceção do direito comum, os juristas tentaram misturá-los ou,
pelo menos, definir o seu âmbito de aplicação.
1) Direito Comum
Direito Comum – doutrina jurídica escrita pelos jurisconsultos romanos e
jurisconsultos posteriores, que vigorou nos séculos XV, XVI e XVII, que se aplica
comummente na Europa ocidental e engloba uma série de ordenamentos autónomos,
apresentando como característica primeira a unidade:
(i) Quer enquanto unifica as várias fontes do direitos (direito justinianeu,
direito canónico, direitos locais) – baseado numa grande pluralidade, i.e., a
doutrina jurídica unificou as diferentes fontes de Direito, mantendo-os sempre a
vigorar tem como consequência uma ordem jurídica pluralista;
(ii) Quer enquanto constitui um objeto único de todo o discurso jurídico
europeu (admitindo, porém, as contradições que as diferentes fontes
comportavam e pretendia justificar estas contradições – passava por conciliar os
diferentes direitos, encontrando semelhanças entre eles ou regras comuns);
(iii) Quer ainda enquanto «trata» deste objeto segundo métodos e estilos de
racionar comuns (todos os textos doutrinais das diferentes fontes foram alvo dos
mesmos meios de interpretação, análise e estudo);
(iv) Forjados num ensino universitário do direito que era idêntico por toda a
Europa;
(v) Vulgarizado por uma literatura escrita num língua então universal – latim.
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Para a formação desta comunidade jurídica europeia, i.e. certa tendência para a
unidade dos vários ordenamentos jurídicos europeus, contribuem uma constelação de
fatores:
(i) A reconstrução do Império (primeiro o Império de Carlos Magno, século IX, e
depois o Sacro Império Romano-Germânico, século X), unidade política inspirada,
(1) quer pela memória do «império universal» que era o Império Romano, (2)
quer pela existência, no plano religioso, de uma Igreja ecuménica que reunia
toda a cristandade. Quer o Império quer a Igreja tinham ordenamentos jurídicos
unificados, embora coexistissem paralelamente. Daí que a tríade «uma religião,
um império, um direito» parecesse apontar para algo de natural organização do
género humano – uma certa comunidade de governo (republica christiana) e
uma certa unidade do direito (ius commune).
(ii) A homogeneidade da formação intelectual dos agentes a cargo de quem
esteve a criação do saber jurídico medieval – juristas letrados – suscitou um
sentimento de unidade do direito. A disposição intelectual comum dos
universitários era modelada por vários fatores:
a) O uso da mesma língua técnica – o latim – o que lhes criava, para além
daquele «estilo» mental que cada língua traz consigo, um mesmo
horizonte de textos de referência (tradição literária romana);
b) Formação metodológica comum, adquirida nos estudos preparatórios
universitários, pela leitura dos grandes «manuais» de lógica e de
retórica utilizados nas Escolas de Artes de toda a Europa;
c) O ensino universitário do direito incidir unicamente sobre o direito
romano (nas Faculdades de Leis) ou sobre direito canónico (nas
Faculdades de Cânones).
O direito comum surge do trabalho combinado destes fatores: a unificação dos
ordenamentos jurídicos suscitando e possibilitando um discurso jurídico comum, este
último potenciando as tendências unificadoras já latentes no plano legislativo e
judiciário.
Na idade Média surgem entidades políticas que pretendem reconstruir o
Direito Romano. Esta ideia está associada a uma ideia Religiosa, que acredita que o
Império Romano tinha sido criado para facilitar a expansão do Cristianismo. O Direito
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Romano é, por isso, considerado como um teto de unidade, fator muito importante de
unificação do território europeu. Todos estes ideais religiosos acabam por convergir
num ideal jurídico: num só religião, um só Direito, uma Europa unida a vários níveis.
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da resolução dos casos é muito criativo, pois a lei não amarra, de modo nenhum, a
inventiva do magistrado, que fica bastante livre para imaginar soluções específicas
para cada situação. Designam-se a si mesmos como técnicos na distinção entre o justo
e o injusto, sabedores práticos do direito e produzem, na época áurea da sua atividade
(entre 130 a.C. e 230 a.C.) centenas de milhares de páginas de consultas ao édito do
pretor. Fora de Roma, no entanto, este direito letrado e oficial pouca aplicação teria.
Aí, pontificavam usos locais e formas tradicionais de resolver os litígios. A
jurisprudência romana clássica se contribuiu para a unificação dos direito europeus até
aos dias hoje foi por constituir um tesouro literário em que, mais tarde, se vieram a
inspirar os juristas europeus.
A crise do Império Romano, a partir do século III d. C., e a ulterior queda do
Império do Ocidente (em 476) põem em crise esta saber jurídico, cujo rigor exigia uma
grande formação linguística, cultural e jurídica, e cujo casuísmo impedia uma
produtividade massiva. Num Império vasto, mal equipado em técnicos de direito,
longe da ação dos pretores urbanos de Roma, o que progressivamente foi ganhando
mais importância foram as leis imperiais. O direito como que se administrou. De um
saber de uma elite cultivada numa longa tradição intelectual passou para uma técnica
burocrática de aplicação, mais ou menos mecânica, de ordens do poder. Ganha em
generalidade e automatismo aquilo que perde em fineza casuística e apuramento
intelectual. Dizer o direito torna-se numa atividade menos exigente e mais
simplificada, acessível mesmo aos leigos. O saber jurídico perde o rigor e a
profundidade de análise. O direito vulgariza-se. Esta vulgarização é mais pronunciada
nas províncias, em virtude das corruptelas provocadas pela influência dos direitos
louvais. Aí, forma-se um direito romano vulgar (Vulgarrecht), que está para o direito
romano clássico como as línguas novilatinas ou românticas estão para o latim.
No Império oriental, por sua vez, o direito clássico deixou-se contaminar pelas
influências culturais helenísticas e pelas particularidades do direito local. Muitos dos
comentadores passaram a escrever em grego, a língua oficial da corte bizantina. Em
todo o caso, o gosto pela reflexão intelectual em matérias jurídicas não se perdeu,
continuando a produção doutrinal dos juristas clássicos a ser apreciada.
Continua na época justiniana.
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valores permanentes e gerais da razão humana, dotado por isso de uma força
expansiva que o tornava aplicável a todas as situações não previstas nos direitos
particulares (preencher lacunas) e, ao mesmo tempo, o tornava num critério, tanto
para julgar da razoabilidade das soluções jurídicas nestes contido, como para reduzir
as soluções, variegadas e dispersas dos direitos locais, a uma ordem «racional». Um
direito próprio pode ser contrário ao direito romano, devido a uma razão menor, mas
constitui apenas um princípio particular. O Direito Romano parecendo perder valor
ilude ao ainda ser dotado de mais relevância.
O direito geral legitima o direito próprio, pois é criado pelos juristas que leem e
interpretam o direito romano. A operação de receção do direito romano é na verdade
um processo de criação de direito.
A partir do século XIII, primeiro em Itália e, depois, um pouco por toda a parte, o
direito romano passa a estar integrado no sistema de fontes de direito da maior parte
dos reinos europeus, mesmo naqueles que não reconheciam a supremacia do
imperador, embora, nesses casos, apenas quando se verificasse não estar a matéria
em causa regulamentada pelo direito local. O mesmo aconteceu na Alemanha, onde a
receção foi mais tardia (XV/ XVI).
Ao Direito Romano denominava-se direito das gentes e aos direitos locais chamava-se
direito civil.
A razão pela qual houve essa fácil expansão do direito romano deveu-se:
Ao já prolongado processo de romanização europeia após a queda do Império;
Os territórios já haviam outrora havido submetidos à cultura romana o que
levou a que também os direitos próprios que foram surgindo tivessem grandes
semelhanças com o direito romano;
A restauração do Império ocidental, no século IX, gerara a ideia de que a
unidade política e até religiosa do Império exigia a sua unidade jurídica, e esta
não podia ser construída senão sobre o direito do Império por excelência, o
Império Romano. As fontes do direito romano eram muito mais completas e
sofisticadas do que as dos direitos germânicos alto-medievais ou dos direitos
locais. Com a sua fina e riquíssima casuística, cobria a generalidade das
situações. Tinha, além disso, sido objeto de uma elaboração doutrinal. O direito
romano respondia diretamente ou mediante interpretação extensiva à
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canónico representa, não apenas o direito da igreja e das coisas sagradas mas ainda o
direito mais recente do que o direito romano, uma especial de direito romano
reformado.
E notória a influencia canonista:
1) Em matéria de relações pessoais entre os cônjuges;
2) Na valorização da vontade (Em vez da forma) no direito dos contratos;
3) Na existência de boa-fé para a prescrição;
4) Em matéria processual, na promoção da composição amigável e da arbitragem;
5) Em matéria processual penal, no estabelecimento do processo inquisitório, como
a maior preocupação da averiguação da verdade material.
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Mais tarde, desenvolveu-se a tese segundo a qual haveria fins e assuntos que
deveria ser o Direito Civil a reger, tendo também objetivos e características próprias
(“daí a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”).
O poder temporal servia para regular o bom funcionamento da República e o
Canónico do mundo espiritual. Assim, até os clérigos estariam obrigados às leis do
Príncipe (seriam julgados com direito Civil num Tribunal Eclesiástico).
Havia sempre exceções como quando sempre que resultasse uma situação de
pecado do cumprimento do Direito Civil (p.e. a Usura era permitida pelo Civil mas não
pelo Canónico). Nestes casos, o direito aplicável seria o Canónico (“Critério do
Pecado”).
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supro ordenado aos direitos emanados de poderes inferiores do reino, o que não
acontecia com o ius commune em relação ao iura propria. Esta supro ordenação em
termos políticos não exclui a acima referida preferência do especial em relação ao
geral. A afirmação da supremacia política não excluía que, desde que esta não
estivesse em causa, pudesse valer dentro do reino, nos seus respetivos âmbitos,
direitos especiais de corpos políticos de natureza territorial ou pessoal. Esta
prevalência dos direitos particulares dos corpos tinha um apoio no direito romano. De
facto, a «lei» Omnes populi, do Digesto reconhecia que «todos os povos usam de um
direito que em parte lhes é próprio, em parte comum a todo o género humano».
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continuada por discípulos seus. Estes dispersam-se primeiro pela Itália, depois pela
França, onde, sob a influência da escolástica francesa, se elaboram as primeiras
sínteses. Por volta de 1240, Acúrsio reúne a elaboração doutrinal da Escola na célebre
Magna Glosa, Glosa Ordinária ou, simplesmente, Glosa.
As características mais salientes e originárias do método bolonhês são:
1) a fidelidade ao texto justinianeu:
Consideravam os textos justinianeus de origem quase sagrada, pelo que seria uma
ousadia inadmissível ir além de uma atividade puramente interpretativa destes textos.
A atividade dos juristas devia consistir numa interpretação cuidadosa e humilde,
destinada a esclarecer o sentido das palavras e, para além disso, a captar o sentido que
estas encerravam – interpretação anotativa.
2) O carácter analítico e pouco sistemático: os juristas faziam uma análise
independente de cada texto jurídico, realizada ao correr da sua «leitura», quer
sob a forma de glosas interlineares ou marginais quer sob a de um comentário
mais completo; sem que houvesse a preocupação de referir entre si vários textos
analisados.
3) Cabe aos glosadores o mérito de terem recriado, na Europa Ocidental, uma
linguagem técnica sobre o direito: fixar uma terminologia técnica e um conjunto de
categorias e conceitos específicos de um novo saber especializado – a jurisprudência.
4) Carácter académico e dogmático
A principal intenção dos primeiros cultores do direito romano era mais um objetivo
teórico-dogmático – o de demonstrar a racionalidade de textos jurídicos veneráveis –
do que um objetivo pragmático, como o de os tornar diretamente utilizáveis na vida
quotidiana do seu tempo. As intenções do seu trabalho não eram,
predominantemente, práticas.
Os civilistas negavam que o texto escrito (o direito doutrinal do Corpus iuris ou o
novo direito imperial do Sacro Império) necessitasse de ser confirmado pelo uso. O
que se traduzia, por exemplo, em começarem por tender a negar a vigência dos
costumes contra o direito escrito, pelo menos contra o direito «dos livros».
5) Influíram fortemente na vida jurídica e política do seu tempo devia à eficácia
da autoridade intelectual do saber que cultivavam. Justamente porque falavam como a
autoridade de um direito imperial e creditado, além disso, com um prestígio quase
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sagrado, a sua palavra acabou por ser decisiva, mesmo ao nível da alta política da
época.
6) A «glosa» era o modelo básico do trabalho desta escola. Ela cultivou uma
gama muito variada de tipos literários:
a) Simples glosa interpretativa ou remissiva
b) Curto tratado sintetizando um título ou um instituto
c) Formulação de regras doutrinais
d) Discussão de questões jurídicas controversas
e) Listagem dos argumentos utilizáveis nas discussões jurídicas
f) Análise de casos práticos
Mais:
A interpretação de conceitos contidos em textos de direito romano, muitas vezes
com referência a magistrados, problemas ou situações já inexistentes.
Para estes juristas, a legitimação das soluções decorria, não da adaptabilidade à
vida, mas da sua coerência com um modelo do mundo considerado como racional e
eterno.
A sua intenção era a de conhecer os textos, mas vão ver que eles tratam das
mesmas grandes questões com que se debatiam na época. Poder do rei – Imperador ;
Poder dos concelhos – cidades.
Os Glosas não visavam vincular a aplicação do direito, mas o seu conhecimento.
Os dois juristas mais famosos desta escola são, sem dúvida, o seu fundador – Irnério
– e Acúrsio, o compilador final de toda a sua produção doutrinal – na Magna Glosa ou
Glosa de Acúrsio (1250).
A jurisdição pena ou pleníssima apenas compete ao príncipe, mas o império mero
compete também a outros magistrados sublimes:
O Papa goza do arbítrio divino e, mas como é grande o poder do príncipe, pois pode
mesmo mudar a natureza das coisas, aplicando a substância de uma coisa a outras,
podendo tornar injusto a mesma justiça, como quando corrige algum cânone ou
lei, pois quase exprime a sua vontade, esta faz as vezes da razão. Em todo o caso,
ele deve conformar o seu poder àquilo que é exigido pela utilidade pública.
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O poder dos reis pode afastar leis, não tanto revogá-las para revogar as suas
próprias leis correspondia a uma potestas legislativa dos reis, desde cedo
geralmente reconhecida), mas, sobretudo, dispensando-as, i.e., não aplicando em
casos concretos. Era isto que permitia aos príncipes realizar autênticos milagres,
como legitimar bastardos, emancipar menores, perdoar criminosos, embora tudo
isto devesse ter em vista, não uma modificação arbitrário do direito, mas o
aperfeiçoamento da justiça nos casos concretos (flexibilização do direito por meio
da graça régia).
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particular, desde que suficientemente enraizada na coisa, não deixa de ser uma forma
de domínio, com a mesma dignidade que a propriedade.
Apesar da substância da coisa ser uma só, o facto de o direito brotar da realidade da
vida sugere-lhe que uma coisa possa ter vários donos, já que o dominium visa usos
plurais das coisas e não a sua essência.
A doutrina jurídica dos comentadores pode constituir a teoria do domínio dividido.
Aplicação especial dos ordenamentos jurídicos.
O direito alto-medieval identificava o problema da aplicação espacial do direito com
a da pertinência a uma «nação», a um grupo humano (Personenverband). O âmbito de
aplicação de um direito coincidia com o âmbito de uma tribo ou de uma comunidade
ligada por laços de sangue e de tradição. Ou seja, o direito tinha uma aplicação
pessoal.
Tende-se para uma conceção territorial do poder, segundo a qual as leis deviam
vigorar territorialmente, independentemente da naturalidade dos sujeitos a que se
devessem aplicar, da situação dos bens a que se referiam, do lugar de celebração dos
negócios jurídicos ou do direito de foro que conheciam a causa.
Os comentadores- que viviam numa época em que estes problemas se multiplicam,
ao acentuar-se a mobilidade das pessoas – vão precisamente escutar esta variedade
das situações da vida, formulando critérios casuísticos e desamarrando a questão dos
conflitos de leis dos critérios únicos da pertença «nacional» ou da sujeição política.
Embora partam da regra de que a lei só se aplica, em princípio, aos súbitos,
introduzem todavia limitações inspiradas por soluções casuísticas contidas nos textos
romanos, bem como por razão de equidade.
Teoria da naturalidade do poder político
Campo em que se manifesta a sensibilidade dos comentadores em relação à ordem
implícita na própria realidade e à variabilidade que esta comporta é o da teoria da
origem e legitimação do poder político.
Anteriormente dominava uma conceção autoritária do poder normativa e
jurisdicional, segundo a qual este era um atributo do príncipe, como sucessor do
Imperador ou como vigário de Cristo. Todos os poderes exercidos na sociedade teriam
esta fonte, sendo produtos de uma permissão ou de uma delegação da jurisdição. A
Glosa ainda insiste neste carácter publicístico do poder, ao definir a iurisdicio como
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poder introduzido pela autoridade pública com a faculdade de dizer o direito e estatuir
a equidade.
Na sociedade medieval isto não correspondia à realidade. Existiam poderes diversos
e de diferente hierarquia e âmbito, sem que se pudesse dizer que a sua existência
decorria de uma permissão do Imperador. A novidade introduzida pelos comentadores
foi a de afirmar que os poderes existentes na sociedade tinham uma origem natural,
independente de qualquer concessão superior, pois a própria existência de corpos
sociais implicaria naturalmente a sua ordenação íntima, é esta a faculdade de
autorregulação. Daí que se tenha começado a tender para uma conceção do poder
político como algo pertencente à própria ordem das coisas, que, ao instituir corpos
humanos organizados, lhes tinha, implicitamente, outorgado a faculdade de
autopromoção.
A teoria tardo-medieval da iurisdictio é levada a distinguir vários níveis e âmbitos de
poder. Assim, no seio da iurisdicio genericamente concebida, os juristas distinguem
entre:
ordinária (estabelecido pela lei ou pelo costume, abarcando a universalidade
das causas);
delegata (concebida, por rescrito ou privilégio, para um tipo especial de causas
e para certa causa individualizada).
Mas distingue ainda, segundo o âmbito de poderes que encerram, sucessivos subtipos
de iurisdicti:
• imperium (conjunto de poderes que o juiz, titular do poder político, exerce por
sua iniciativa). Este encontra-se subdividido em:
• Merum imperium – a jurisdição que se exerce por iniciativa própria ou
mediante acusação, visando a utilidade pública, englobando as faculdades
políticas superiores que visam a utilidade da comunidade no seu todo;
• Mixtum imperium – o que se exerce por iniciativa própria visando alguma
utilidade privada), abarcando as faculdades de atuação autónoma do juiz tendo
em vista a realização de um interesse, não já comum, mas particular.
Quanto à iurisictio que consistia na faculdade de dizer o direito numa causa em
que dois interesses particulares e contrapostos entravam em conflito – ela incluía
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(i) Cada vez mais independência do direito dos reinos em relação ao direito comum de
raiz romana. O abandono dos princípios da doutrina romano-civilística nestes domínios
particulares é o reflexo de uma submissão mais vasta do direito comum de base
romano-canónica (corregido pela atividade modernizadora dos Comentadores) aos
novos direitos nacionais, cuja codificação começa, a partir do século XV, a estar em
marcha, e que traduzia, no campo jurídico o fenómeno da centralização do poder real.
Os direitos dos reinos vão ficando mais completos, e cada vez menos era necessário
recorrer ao direito romano para resolver problemas (relegam o direito comum para o
plano de direito subsidiário). Muitas vezes estas compilações estavam fortemente
repassadas de princípios e instituições de direito comum.
Até aos finais do século XVII, as novas compilações não representam uma intenção
de centralização do poder monárquico, inovando o direito por meio da lei régia, mas
antes um desejo de corresponder aos pedidos dos povos de, pela redação escrita, se
tornar mais certo o direito consuetudinário tradicional (não é pluralismo medieval).
Todo o afirmado respeito pelo direito romano se tornava absurdo quando o direito
efetivamente vigente se distanciava, progressivamente, dos textos do Corpus Iuris.
(ii) O Direito Romano vigorava legitimamente pela sua racionalidade intrínseca, i. e., os
textos eram válidos porque eram a razão escrita. Os medievais situavam a razão nos
textos. Lentamente, a razão das coisas desloca-se das coisas (da ordem do mundo, dos
textos dos livros) para o homem. Agora a razão é a razão do homem. Não é a que está
na ordem das coisas, que nos é dada pela tradição, que é assim porque Deus quis.
Acredita-se cada vez mais nas potencialidades da razão (instrumento intelectual do
homem) para conhecer a ordem do mundo. A razão serve para conhecer, para criar a
ordem. O homem quer agir na ordem das coisas, nomeadamente, a ordem das
sociedades humanas. Utiliza a razão para olhar para a ordem da natureza, mas quando
olha para a ordem das sociedades, vê que há coisas que não estão bem, i. e., o homem
observa com capacidade de critica. O homem acredita que a sua razão pode alterar a
ordem das coisas. Só é possível porque a razão se desloca da ordem das coisas para o
homem.
Quando estes homens do renascimento começam a ler o Corpus Iuris Civilis com
espírito crítico, e “deitam para fora” aquilo que não lhes parece estar de acordo com a
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razão (porque era pela razão que ele vigorava), encontram nele coisas que estão de
acordo com a sua razão, mas outras não.
Antes, os homens achavam que a razão estava cristalizada na ordem do mundo e
por isso submetiam-se a ela. Agora, a razão está no homem e querem organizar as
coisas como eles acham que é racional, i. e., submetem-nas ao critério da sua razão.
Como a razão já não está nos textos, os juristas podem dizer que não precisam do
Corpus Iuris Civilis para pensar o direito, eles podem extrair as regras do justo da sua
razão. No limite, podemos extrair as regras da boa convivência humana diretamente
da nossa razão.
O homem olha para a natureza das coisas, a tradição, e encontra a razão.
Descartes (contemporâneo): à partida está tudo errado (duvida metódica). Ele quer
abstrair-se da ordem do mundo, que o induz em erro.
O método muda-se: raciocínio dedutivo (geral para particular).
Cada vez mais se acredita na capacidade do homem de distinguir o bem do mal e
organizar a sociedade segundo esse juízo.
físicas, como humanas, ordem já constatada pelos clássicos e que era confirmada
numa crença cristã num Deus inteligente e bom, criador e ordenador do mundo. Pelo
menos a teoria escolástica das «causas segundas» era neste sentido. A cada espécie
teria atribuído Deus, como «causa primeira», uma lei natural, «causa segunda». Estas
naturezas das várias espécies harmonizar-se-iam todas em função do bem supremo,
de tal modo que o mundo estaria cheio de ordem e os movimentos dos seres ou das
espécies de seres obedeceriam a uma regulação cósmica. E o mesmo se diga do
homem. Também a espécie humana teria uma determinada natureza, ou seja, estaria
integrada na ordem e no destino cósmicos. A Ideia de Direito natural parte
precisamente daqui. A partir de uma pesquisa dos fins do homem e do seu contributo
para o plano da criação, elaborar as regras que deviam presidir à prática humana, de
modo a que esta resultasse adequada aos desígnios de Deus quanto à vida em
sociedade e quanto ao lugar do homem na totalidade dos seres criados. Tais regras,
umas formuladas nas escrituras (direito divino), outras daí ausentes mas manifestadas
pela própria ordem do mundo e atingíveis pelo intelecto, se bem ordenado (reta ratio),
constituem o direito natural.
Simplesmente, S.Tomás combinava a sua confiança na capacidade do homem para
conhecer a ordem do mundo com o sentimento de que este conhecimento não podia
ser obtido por processos estritamente racionais. Por um lado, a descoberta da ordem
natural das coisas não podia provir de um acesso direto às ideias divinas, vedado ao
homem, em virtude do pecado. Por outro lado, não seria atingida por uma
especulação meramente abstrata. Começava por pressupor um trabalho de
observação dos factos, dos resultados restritos e imperfeitos da nossa experiência.
Esta observação devia ser orientada e complementada pela elaboração intelectual.
Mas o intelecto não se compunha apenas de faculdades de raciocínio (razão), mas
também de faculdades morais ( virtudes). Nomeadamente o raciocinar sobre a ordem
das coisas dependia da virtude da bondade, ou seja, da capacidade moral de perceber
o sentido global da ordem e, por isso, de distinguir o justo do injusto. Daí que a razão
tenha que ter um qualificativo moral para ser eficaz, tem que ser uma «boa razão».
Por outro lado, a mobilidade essencial das coisas humanas, despoletada pela
existência de liberdade no homem, levava a que não fosse possível encontrar
princípios invariáveis de justiça. E daí que fosse impossível estabelecer uma ciência do
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A escola parte da ideia de que a espécie humana teria uma certa natureza. Estaria
integrada, de certo modo, na ordem.
Para Tomás, haveria regras que deviam presidir à prática humana, de modo a que esta
resultasse adequado aos desígnios de Deus quanto à vida em sociedade e quanto ao
lugar do homem na totalidade dos seres criados.
No século XIV, XV e XVI dá-se uma crise da teologia escolástica medieval:
No trânsito da Idade Média à Idade Moderna operam-se profundas mudanças:
i) Rutura da Igreja Medieval (divisão da Cristandade);
ii) Época do nascimento do E Moderno (Monarquias absolutas);
iii) Nascimento das modernas ciências empíricas (nasce a escola nominalista);
iv) Renascimento e humanismo.
A Idade Média caracterizou-se pelo universalismo: todo o conhecimento humano é
ligado à figura de deus. Tudo se orienta a Deus. A filosofia Medieval permanece dentro
dos limites da Teologia – saber principal. Também não há divisão entre fé e razão. A
principal manifestação da filosofia medieval é a escola tomista (corrente dominicana
criada por S. Tomás de Aquino – segue a orientação de Aristóteles). A crise da
identidade do pensamento denunciado pela escola tomista, franciscana. São Tomás de
Aquino ensina na Universidade de Paris, centro da escolástica medieval.
No século XVIII, com a crise da escolástica, abandona-se o estuda o da Sagraa
escritura dos Santos.
A renovação teológica é o ideal/ objetivo comum a todos os membros da escola:
filiação salamanquina e filiação vitoriana. Também tem uma tradição doutrinal
comum, adotam como objetivo principal do seu estudo a Summa Teológica. Deu-se o
desenvolvimento peninsular da escola tomista, provocada pela chegada da Contra-
Reforma europeia, recebida por a Península Ibérica ser católica. Quanto à diversidade
dos objetivos de estudo nomear-se pode o estudo sobre o problema ético da
conquista da América. O professor dessa escola, José da Costa, denunciou os abusos
dos primeiros colonizadores na América.
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Principais autores:
(i) Dominicanos (Sacerdotes da ordem de S. Domingo);
-Francisco de Vitória – fundador da escola de Salamanca, impulsionador da
restauração teológica na Espanha Renascentista. Influenciado pela sua formação na
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da finalidade, de ordenação do homem para algo que o transcende (seja Deus, seja a
sociedade), este novo pensamento social fica limitado, na sua referência, ao indivíduo.
O jusnaturalismo racionalista
Os juristas europeus, que tinham começado a ler o corpus iuris, e os filósofos, que
desde há muito conviviam com os textos dos estóicos e de Cícero, encontravam-se
com outra tradição jusnaturalista, a de raiz estóica. Para os estóicos, o direito natural
era outra coisa porque também a «sua natureza» era diferente daquela de Aristóteles.
Este último fazia da natureza não só o germe a partir do qual se desenvolvem as coisas
e os seres vivos; mas também o fi para o qual estes naturalmente tendem. No caso dos
homens, a natureza é a associação com outros. Os homens são «naturalmente
políticos», pois tendem a constituir cidades, grupos, comunidades, como aqueles
existentes efetivamente. Pelo contrário, para os estóicos, a natureza é a causa, o
espírito criador e ordenador que dá movimento ao mundo e que o transforma num
mundo ordenado (cosmos). Em todos os seres e, nomeadamente, nos seres vivos há
uma parcela de logos, que constitui o seu princípio de vida. No Estado puro, , o logos
encontra-se nos deuses e também na alma dos homens , de tal modo que a razão
constitui a natureza específica do homem. É importante destacar na doutrina do
jusnaturalismo racionalista o nome de Cícero, sendo que for este que efetivamente
difundiu a moral e a doutrina jurídica estóicas no ambiente cultural romano e, mais
tarde, quando a cultura europeia ansiou por um regresso aos modelos clássicos, quem
a iniciou na doutrina moral e jurídica da stoa. Esta doutrina, que se pode encontrar
resumida no texto citado na nota anterior, pode sintetizar-se nas seguintes ideias:
i. Existe uma lei natural, eterna, imutável, promulgada pelo Ordenador do
Mundo;
ii. Tal lei está presente em todos, podendo ser encontrada por todos, desde que
sigam as evidências da boa razão, ou seja, da razão do homem que respeita
as suas inclinações naturais;
iii. Este direito é constituído por normas precisas, por leis gerais, certas e claras,
de modo a que não é preciso um técnico de direito para as interpretar. A
Declaração do Direito não é, portanto, uma tarefa árdua, precedida de uma
cuidadosa observação e ponderação de cada caso concreto, mas uma
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simples extração das regras de viver que a boa razão sugere a cada um. E
também não é uma tarefa limitada nos seus resultados, pois nem a lei
natural está sujeita à contingência dos tempos e dos lugares, nem a razão
humana tem dificuldades em conhecer.
Evidência, generalidade, racionalidade, carácter subjetivo e tendência para a
positividade, tais são as notas distintivas do jusnaturalismo moderno, as quais
encontramos no centro da filosofia moral dos estóicos.
Mas, para além destas vozes que lhe vinham do passado, o século XVII encontrou
no ambiente filosófico do seu tempo elementos que contribuíram para formar a sua
conceção de um direito natural, estável como a própria razão. Referimo-nos ao
idealismo cartesiano, embora tal conceção filosófica tenha ligações muito profundas
com uma anterior escola filosófica da Baixa Idade Média – o Nominalismo de Duns
Scotto e Guilherme d´Occam. Descartes foi um espírito profundamente atraído pela
ideia de um saber certo. A Primeira regra do seu método é a regra da evidência
racional: nada admitir como verdadeiro que não seja evidente para o espírito. As
outras três das quatro regras são complementares desta e destinam-se a tornar
evidente aquilo que à primeira vista não o é. Quer dizer, para Descartes, a chave da
compreensão estava num interrogar de si mesmo, num excogitar altivo e isolado,
pouco atento às realidades exteriores. Embora Descartes não se tenha ocupado do
Direito, o seu método influenciou, sem dúvida, os juristas que procuravam segurança.
Também estes fizeram fé nas ideias claras e distintas, na evidência racional dos
primeiros princípios do direito, na possibilidade da sua extensão através da dedução;
enfim, no poder da razão individual para descobrir as regras do justo, de um justo que
fugisse à contingência, por se radicar numa ordem racional da natureza, de que a razão
participava. E é com este direito natural racionalista que se vai avançar no sentido de
tornar mais certo o direito positivo.
O jusnaturalismo individualista
As três fontes:
1) Nominalismo de Duns Scotto e Guilherme Occam: o indivíduo – homem,
tomado isoladamente, considerado como desligado dos grupos em que está
inserido, não caracterizado pelas funções que aí desempenha – está na base do
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correspondente à livre agregação dos homens, era um estado de guerra, tendo que
se reduzir numa amplitude enorme os direitos subjetivos; para J. Locke, o «estado
natureza», correspondente à livre agregação dos homens, era um estado de
insuficiente garantia das faculdades individuais.
• Esta teoria dos direitos subjetivos (naturais), que começa por ter aplicações
importantes nos domínios do direito pública, era, na sua natureza íntima, uma
teoria de direito privado, pois dizia respeito, originariamente, ao modo de ser das
relações entre os indivíduos.
E foi nos domínios privados que ela teve consequências mais duradouras, fornecendo
a base para a construção doutrinal efetuada pela “pandectista” alemã do século XIX.
Na base de todo o direito civil vêm a estar os direitos subjetivos, definidos como
«poderes de vontade garantidos pelo direito». Exemplos: direito do credor de exigir a
prestação do devedor e de executar o seu património em caso de incumprimento; o
direito do proprietário de usar e abusar da sua propriedade com total exclusão de
terceiros.
• Pelo contrato social se criava o direito objetivo, não se criavam direitos subjetivos:
estes existiam antes da própria ordem jurídica objetiva, sendo o seu fundamento e
a sua razão de ser. A origem da sua legitimidade está no carácter naturalmente
justo do poder de vontade, através do qual o homem desdobra a sua
personalidade.
• No entanto, tendo em vista a sua própria garantia, o Estado e o direito podem
comprimir um tanto os direitos de cada um, através dos direitos objetivos, na
medida em que isso seja exigido pela salvaguarda dos direitos dos outros.
• Esta conceção individualista e voluntarista substitui a construção aristotélico-
tomista do direito privado e com base nela fizeram se os códigos civis do século
passado e que está escrita uma boa parte dos nossos manuais do direito privado.
3.5. Voluntarismo
• Exige-se um ato de vontade e de Razão por parte dos homens. Estes é que
escolhem os melhores políticos e o melhor governo para se regerem.
• O direito positivo deve ser fruto da pura vontade dos Homens. Embora seja fruto
da vontade, não é arbitrário, sendo que é limitado pelos direitos subjetivos.
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Doutrina segundo a qual o direito tem a sua fonte, não numa ordem objetiva (da
natureza, da sociedade), não em direitos naturais irrenunciáveis do homem, não numa
lógica jurídica objetiva, mas no poder da vontade. Já para o augustianismo (Santo
Agustino) tal vontade era, primeiramente, a vontade divina, embora, de forma
derivada, a própria vontade humana (dos governantes) viesse a ser revestida de igual
dignidade, já que estes eram por vontade de Deus. Duns Scotto e Guilherme d’Occam
vem retomar a tradição voluntarista, durante alguns séculos submergida pelos pontos
de vista jurídicos de São Tomás e Aristótles.
Se, para estes, o fundamento do direito consistia numa ordem do justo inerente à
comunidade humana, agora, desfeita a ideia de ordem natural, o direito não pode
basear-se senão na vontade dos homens ou de Deus. E é assim que Scotto funda a lei
positiva na convenção dos homens ou de Deus. E o Occam dá uma volta completa à
própria noção de «direito natural», equiparando-o (i) a direito estabelecido por Deus
nas Escrituras; e noutro, (ii) às consequências que decorrem racionalmente de uma
convenção (i. e., acordo entre vontades) entre os homens, ou de um uma regra jurídica
positiva. A vontade não está sequer prisioneira da lógica, pois a consequência racional
poderá ser ainda afastada pelo acordo dos interesses. O racionalismo destas correntes
é um racionalismo metodológico, ou seja, um método racional de atingir a natureza da
sociedade e do homem e de concluir daí o tipo de ordem que preside às coisas
humanas.
Concluída esta análise racional, muitos dos aurores identificam a liberdade e
autodeterminação como os traços mais característicos da natureza do homem e o
contrato como o fundamento da sociedade. -> Ou seja, um método racionalista de
averiguação, embora num modelo voluntarista da ordem social, i. e., num
voluntarismo axiólogo.
Com o jus naturalismo da Época Moderna, o voluntarismo não pode ser senão
reforçado.
Ainda no «estado de natureza», os direitos de cada um não se fundavam senão no
direito essencial do homem à manifestação da sua personalidade através de «ações
livres», sendo a liberdade o poder de «querer se limitações». Daí que os direitos
naturais andassem intimamente conexos com a manifestação desta vontade, por ora
meramente atenta ao bem-estar particular.
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3.6. Cientificismo
Esta ideia de que a direita é uma disciplina rigorosa, científica (a fonte filosófica
deste «cientismo», desta aproximação do direito em relação às ciências da natureza)
está nessa tendência dos estóicos para submeter o mundo humano às leis cósmicas. A
natureza específica do mundo humano era desconhecida; o mundo era, pelo contrário,
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devendo o jurista tentar modelar para o caso concreto uma solução que pudesse ter
sido a do legislador histórico se o tivesse previsto.
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Conjuntura:
A) Certas nações europeias – como a Alemanha e a Itália – que ocupavam lugares
centrais no panorama do saber jurídico europeu, não conheceram um Estado nacional
até ao terceiro quarto do século XIX. Nestes casos de privação da identidade política, a
consciência nacional não apenas se manifestou de forma mais intensa, cunhando
muito fortemente todas as áreas da cultura, como reagiu contra a ideia de que o
Estado e o seu direito (legislado) pudessem ser a única forma de manifestar a
identidade política e jurídica de uma nação.
A recusa ao Estado deste papel de demiurgo político e jurídico da sociedade leva a
valorizar as formas tradicionais e espontâneas de organização política, nomeadamente
aquelas mais presentes na tradição nacional, como as antigas formas comunitárias de
vida ou as comunas e concelhos medievais.
B) Inconvenientes das formas de Estado (e «Código»):
a) Não estarem disponíveis em todo o lado;
b) O seu universalismo e artificialismo.
O Estado, tal como surgira dos movimentos políticos contratuais, era uma
abstração. Produto de um contrato idealizado, realizado entre sujeitos puramente
racionais, cujo conteúdo decorria das regras de uma Razão a-história. O Estado não
tem lugar nem tempo. São formas universais indiferentes a quaisquer particularidades
culturais ou nacionais. Era isto que uma cultura de raízes nacionalistas, ancorada nas
especificidades culturais dos povos, não podia aceitar. Uma organização política e
jurídica indiferenciada, exportável, universalizante, aparecia, quando confrontada com
os particularismos das tradições nacionais, como um artificialismo a rejeitar.
Este artificialismo decorria precisamente do papel estruturante atribuído à vontade
política dos soberanos ou das assembleias representativas, que se consideravam
depositários exclusivos dos destinos nacionais. Esta pretensão pan-normativa dos
órgãos do Estado era arrogante.
Na Alemanha, é uma sensibilidade cultural e político-jurídica deste tipo que esta na
origem da Escola Histórica Alemã, que domina o panorama do saber jurídico alemão
durante a primeira metade do século XIX e que, no seu desenvolvimento pandectista,
o influência até aos inícios do século XX.
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Consequências:
(i) Antiliberalismo e sobretudo, a da reação contra o movimento de
codificação. A lei (o código sistemático) é encarada como fatores, não de
construção do direito, mas da sua destruição, porque: (i) induziam um elemento
conjuntural e decisionista num mundo de normas orgânicas, indisponíveis e
duráveis; (ii) congelam a evolução natural do direito que, como toda a tradição, é
uma realidade viva, em permanente transformação espontânea.
(ii) Valorização dos elementos consuetudinários e doutrinais do direito. Quanto
ao primeiro, isso aparece como normal, dado que o costume é a forma
paradigmática de o direito se manifestar espontaneamente. Já para
compreender o papel outorgado à doutrina é preciso recordar a função que esta
escola atribuía aos intelectuais e literatos na revelação organizada e sistemática
do espírito do povo. Embora com outros pressupostos metodológicos, o saber
jurídico universitário alemão vinha desenvolvendo, desde o século XVII, em
relação à tradição romanística, um trabalho muito semelhante ao que a Escola
Histórica propunha se fizesse em relação ao direito alemão. Com base no
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Os dogmas do conceitualismo
Dada a influência que vão ter na evolução subsequente da dogmática jurídica
contemporânea, é útil destacar alguns dos resultados mais característicos da doutrina
pandectista.
a) A teoria da subsunção
Teoria segundo a qual a realização da justiça nos casos concretos seria assegurada
subsumindo os «factos» ao «direito», nos termos de um raciocínio de tipo silogístico,
em que a premissa maior era um princípio de direito e a premissa menor a situação de
facto a resolver. A teoria da subsunção tende a reduzir a atividade jurisprudencial a
uma tarefa estéril de aplicação automática dos princípios jurídicos. Mas, por outro
lado, teve um importante papel na contenção do arbítrio e do subjetivismo
jurisprudencial.
b) Dogma da plenitude lógica do ordenamento jurídico
O carácter geral dos conceitos e a possibilidade de, por meio de operações lógicas,
obter deles outros conceitos torna-os elásticos. Construindo o sistema e definidas as
suas regras de transformação, pode-se projetá-lo sobre qualquer caso jurídico
imaginável, por meio de uma jurisprudência «criadora» ou «construtiva».
O juiz, perante uma lacuna da lei, deveria estender, por dedução e combinação
conceitual, o sistema normativo, de modo a cobrir o caso sub judice.
c) A interpretação «objetivista»
A ideia de que o direito formava um sistema coerente de conceitos, auridos do
material legislativo empírico, fazia com que o sentido decisivo das normas jurídicas
fosse o seu sentido sistemático. Por isso, o sentido de qualquer norma decorria da sua
referência ao sistema normativo em que se integrasse. O positivismo conceitualista
pressupõe o recurso à ficção de um legislador «razoável», de um legislador que vai
integrando continuamente cada uma das normas no seu contexto sistemático, de
modo a que o ordenamento jurídico conserve sempre a sua integridade e coerência
como sistema conceitual. O sentido da norma decorre dos sentidos objetivos do seu
contexto (não das intenções subjetivas).
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Características:
a) O indivíduo não era um ser livre e autodeterminado, mas um ser dependente e
que só sobrevivia em virtude da solidariedade social.
b) A sociedade não era um conjunto de indivíduos autónomos e auto-regidos, mas
uma constelação de relações inter-individuais forçosas e indisponíveis, justamente
porque baseadas nesse carácter incompleto e fraco do indivíduo e na necessidade,
daí decorrente, de especialização, divisão e complementarização do trabalho.
c) A ordem social e política não se fundava num acordo de vontades que melhor
garantissem os direitos naturais e prévios dos indivíduos, mas nas condições e
exigências objetivas da vida social concretizadas em instituições como a família, a
paróquia, o município, a província, a nação, a federação de povos e, finalmente, a
Humanidade.
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que filiam no positivismo, influenciadas pela insistência posta por algum positivismo na
função reguladora do Estado, como expressão política de um organismo social
superior, acabam por conceder à lei um papel determinante na constituição do direito,
nos quadros de um estadualismo arbitrário, de que é exemplo o fascismo.
(iii) Momento anti-individualista
O positivismo armou metodologicamente a critica aos fundamentos
ideológicos individualistas e contratualistas da pandectista, tano no domínio do direito
pública, como no domínio do direito privado. Mas também contribuiu para novidades
no plano da dogmática, quer do direito público quer do direito privado: A) no domínio
público, o positivismo orienta-se para a crítica da forma individualista, democrática e
liberal do Estado, baseada no sufrágio e nos direito naturais dos indivíduos, propondo
formas de organização política baseadas no primado dos grupos sobre os indivíduos:
corporativismo. A solidariedade e organicidade sociais exigiram que o despique
destrutivo entre forças económicas e sociopolíticas desse lugar a formas de
organização económica e política que promovessem a coesão social. B) no domínio
privado, o positivismo tende a moderar o primado do princípio da vontade: reintroduz
a ideia da existência de estruturas normativas objetivas (como a família, a empresa)
que escapavam ao poder da vontade. Estes pontos de vista adequavam-se bem às
tendências políticas antiliberais, de matriz socialista ou conservadora, que pretendiam
corrigir a competição individual desenfreada instituída pelo capitalismo «selvagem».
Assim, o direito subjetivo passa a ser definido, não como o «poder de vontade», mas
como «um interesse juridicamente protegido». E, sobretudo, passa a ser realçado
como a concessão de direitos subjetivos visa a realização de uma certa ordem social,
pelo que tais direitos estão sempre limitados pela sua função social. Além disso, no
âmbito do direito privado, o positivismo teve ainda influências na teoria das fontes do
direito. Neste domínio, criticou o legalismo, revalorizando a ideia de que há fontes
extralegais do direito, sejam elas o costume, sejam as ideias jurídicas vigentes numa
certa comunidade e averiguados pela doutrina jurídica.
Tanto na privatística como na publicista, o positivismo está na origem tanto na
reação antiliberal nas primeiras décadas do século XX, normalmente designada por
advento do estado social, como dos regimes autoritários, antidemocráticos, com o
fascismo ou o estado novo português.
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Como se sabe, Marx levou a cabo aquilo que se chamou um estudo científico das
sociedades humanas do qual concluiu que o processo histórico era explicável pela
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Do ponto de vista político, o marxismo é, por isso, para além de uma teoria social,
uma proposta social revolucionária centrada na crítica da sociedade capitalista e no
objetivo da sua substituição por uma sociedade socialista. É neste quadro geral que se
insere a crítica que o marxismo dirige ao pensamento jurídico estabelecido. Nesta
crítica, há que considerar dois aspetos:
Quanto à questão da natureza social do direito, o marxismo aplica aqui a sua teoria
geral de que todas as manifestações da vida social são determinadas pela organização
social da produção, ou seja, pelo modo como os homens se relacionam para levar a
cabo a produção de bens materiais (« materialismo histórico» ). O Direito, tal como a
cultura ou a arte, refletiria esse nível fundamental da organização social, defendendo
os interesses e exprimindo os pontos de vista das classes domínios. Ou seja, o direito
não seria algo de natural ou de ideal, mas antes de uma ordem socialmente
comprometida, um instrumento de classe.
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Por outro lado, o direito estabelece diretamente o domínio de classe, ao impor normas
de conduta que favorecem diretamente os dominantes e subjugam os dominados. De
outro modo, o direito burguês funcionaria também como ideologia de cobertura, ou
seja, criaria uma imagem falseada das relações de poder, ocultando sob a capa de
igualdade jurídica, garantida, nomeadamente pela generalidade e abstração da lei. Ao
dispor em geral e abstrato, o direito burguês estava a criar a forma mais eficaz de
ocultar o facto de que, na realidade, os indivíduos concretos não eram iguais, mas
antes inevitavelmente hierarquizados pelas respetivas condições económicas e
políticas. Mas esta função ideológica de ocultamento era completada pela ficção
jurídica da liberdade, nomeadamente da liberdade negocial. O exemplo típico esta
mistificação era o do contrato de trabalho assalariado, nas condições sociais do
capitalismo oitocentista, em que o patrão, economicamente forte e dispondo de uma
grande capacidade de escolha entre uma grande oferta de trabalho, se confronta com
um assalariado economicamente débil e com escassas possibilidades de encontrar
quem o admita. A Crítica marxista dirige-se assim tanto contra o conteúdo como
contra a forma do direito burguês.
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i. Permitiu uma análise marxista da sociedade e do poder que não reduziria tudo
ao «económico», permitindo dar conta da complexidade dos mecanismos de
criação e de reprodução das relações de poder.
ii. Problematizou a ideia de um sistema rígido e monótono nas relações sociais,
introduzindo não só a ideia de sistemas sociais com vários centros, abertos ao
ambiente e à indeterminação, como a da importância da prática política
concreta e individual;
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Mas, por outro lado, compete à crítica do Direito revelar os processos por meio
dos quais o Direito colabora na construção das relações de poder. De que modo, por
exemplo, contribuiu para criar a imagem social da mulher como ser fraco, menos capaz
e subordinado, que fundamenta os processos sociais de discriminação social.
Por um lado, o domínio das classes dominantes seria sempre incompleto, pois os
grupos dominados conseguiam fazer valer, em espaços limitados, pontos de vista
próprios. A Sociedade seria, assim, irredutivelmente contraditória, partilhada entre
projetos e valores político-sociais divergentes, embora hegemonizados pelas
classes dominantes. O Direito e o Estado, esses resumos da luta de classes, como
lhes chamara Karl Marx seriam também caracterizados por essa natureza
contraditória da sociedade. Embora globalmente dominados pelos poderes
socialmente estabelecidos e funcionalizados aos seus interesses, não deixariam de
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Repetitório de Perguntas
1. Qual o interesse pedagógico da disciplina?
2. Define imaginação social e regulação social.
3. O que caracteriza o pensamento social e político medieval?
4. Na perspetiva do conceito de Criação, distingue o pensamento finalístico (realista e
nominalista) do pensamento jusnatural na idade média.
5. De que modo estavam incutidos determinados princípios (bondade, verdade, honra,
honestidade) na ordem jurídica medieval?
6. Qual o papel da vontade dos homens no estabelecimento da ordem jurídica medieval?
7. A desigualdade e o “estado” de cada indivíduo eram tidas como princípios estruturais da
estratificação social do Antigo Regime. De que forma?
8. Define os conceitos de iurisdictio, officium, direito natural, costumes e virtudes morais no
contexto do pluralismo político medieval.
9. Define os conceitos de contrato social e vontade individual. De que forma estes conceitos
formaram um novo paradigma alternativo à ordem jurídica medieval?
10. O que distingue o individualismo do corporativismo?
11. Quais as correntes típicas do paradigma individualista e voluntarista da conceção da
sociedade e do poder?
12. O que é o direito comum? De que forma a unidade e a pluralidade são características
principais coexistentes?
13. Enumera as principais heranças da tradição romanística presentes no direito comum.
14. Distingue as principais épocas históricas do direito romano. Quais foram as principais
obras (i.e. compilações e textos)?
15. Quais as características do direito romano?
16. Em que medida a expansão do Império Romano na Europa originou uma adoção da
tradição romanística por parte dos povos dominados?
17. Define direitos próprios e distingue-os do direito geral.
18. No âmbito do direito comum, qual o papel do direito canónico? Descreve a sua evolução,
da sua época primitiva à idade contemporânea.
19. Quais as fontes do direito canónico?
20. Relaciona os seguintes conceitos, quando possível: direito canónico, direito romano,
direito civil, direitos próprios, direitos dos reinos, direitos dos corpos inferiores, direito
comum, privilégios, direito anterior e direito posterior.
21. Em que consistiam as Escolas dos Glosadores e dos Comentadores? Qual a diferença
entre as duas?
22. Explica as razões da crise normativa do século XVI.
23. Caracteriza a escola de Salamanca. Quais os principais autores desta escola?
24. O que é o jusnaturalismo individualista? Quais as suas fontes?
25. Explicita a teoria dos direitos subjetivos.
26. O que é o jusnaturalismo objetivista? Qual a sua relação com as conceções iluministas?
27. Quais as razões da origem do legalismo? Quais as consequências ao nível das fontes de
direito?
28. Qual o papel da Escola Histórica Alemã e principais correntes filosóficas e jurídicas?
29. Define pandectística (jurisprudência dos conceitos).
30. Caracteriza o formalismo conceitualista e os seus principais dogmas.
31. O que é o positivismo sociológico? Qual a sua posição crítica face à pandectística?
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