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HISTÓRIA DO DIREITO

LINHA DE SEBENTAS
História do Direito

Índice
1.Imaginários da Sociedade e do Poder ......................................................................................................................... 3
1.1. O Imaginário Corporativista ........................................................................................................................ 3
1.1.1. Ordem e criação ..................................................................................................................................... 4
1.1.2. Ordem oculta, ordem aparente ........................................................................................................ 5
1.1.3. Ordem e vontade .............................................................................................................................. 6
1.1.4. Ordem e desigualdade ...................................................................................................................... 7
1.1.5. Ordem e “estados” ............................................................................................................................ 8
1.1.6. Ordem e pluralismo político............................................................................................................ 10
1.2. O Imaginário Individualista ....................................................................................................................... 11
1.3. A dissolução do corporativismo e o advento do paradigma individualista ............................................... 13
2.1. Tradição romanística ................................................................................................................................ 17
2.2. Épocas históricas do direito romano ........................................................................................................ 19
2.3. A recepção do direito romano .................................................................................................................. 23
Fontes do direito canónico ................................................................................................................................. 27
2.4. O lugar do direito canónico no seio do direito comum ............................................................................ 27
2.5. O direito canónico como limite da validade dos direitos temporais. ....................................................... 28
2.6. 2.6 Influência do direito canónico ............................................................................................................ 30
2.7. Âmbito de aplicação da jurisdição eclesiástica ......................................................................................... 30
Porque é que o Direito canónico vigora? ........................................................................................................... 31
2.8. Direito canónico e direito civil .................................................................................................................. 31
2.9. Direito romano e direito canónico ............................................................................................................ 31
2.10. Direitos próprios e direito romano ...................................................................................................... 32
2.11. Direitos dos reinos e direitos dos corpos inferiores ............................................................................. 33
2.12. Direito comum e privilégios ................................................................................................................. 34
2.13. Direito anterior e direito posterior ...................................................................................................... 34
2.14. Normas de conflito de «geometria variável» ....................................................................................... 35
2.15. Uma ordem jurídica flexível ................................................................................................................. 36
2.16. Direitos infra-reinícolas ........................................................................................................................ 38
2.17. Direito recebido e direito tradicional ................................................................................................... 39
De toda esta conjuntura, resulta o pluralismo jurídico. ..................................................................................... 40
Conclusão: existe um sistema jurídico medieval? .............................................................................................. 40
2.18. Escola dos Glosadores .......................................................................................................................... 41
2.19. Escola dos comentadores .................................................................................................................... 44
2.20. A crise do século XVI (180 a 190) ......................................................................................................... 48
3. O Pensamento Jurídico jusnaturalista ................................................................................................................ 50
3.1. O Jusnaturalismo da Escolástica Tomista ................................................................................................. 50
3.2. A Escola Ibérica do Direito Natural ........................................................................................................... 52
Repercussões da Escola de Salamanca ............................................................................................................... 54
Principais autores: .............................................................................................................................................. 54
3.3. O Jusnaturalismo Moderno ...................................................................................................................... 58
O jusnaturalismo racionalista ............................................................................................................................. 59
O jusnaturalismo individualista .......................................................................................................................... 60
3.4. A teoria dos direitos subjectivos ............................................................................................................... 62
3.5. Voluntarismo ............................................................................................................................................ 63
3.6. Cientificismo ............................................................................................................................................. 66
A tradição do jusnaturalismo objectivista .......................................................................................................... 67
3.7. O direito racionalista e as suas repercussões ........................................................................................... 68
4. O Direito na época contemporânea ................................................................................................................... 69
4.1. O Positivismo Legalista : A Escola da Exegese ........................................................................................... 69
Fontes do positivismo legalista: ......................................................................................................................... 70
Vantagens da orientação exegese: ..................................................................................................................... 70
Desvantagens da orientação exegese: ............................................................................................................... 71
Romantismo Jurídico: A Escola Histórica Alemã ................................................................................................. 71
O Positivismo Conceitual : Os Dogmas do Conceitualismo ..................................................................................... 74
Os dogmas do conceitualismo ............................................................................................................................ 77
Características: ........................................................................................................................................................ 78
6. As Escolas Críticas do Direito .............................................................................................................................. 82
6.1. O Sociologismo marxista clássico no domínio do Direito ......................................................................... 82
6.2. O Marxismo ocidental dos anos sessenta ................................................................................................. 85
6.3. A Crítica do Direito .................................................................................................................................... 86
6.4. O Uso alternativo do Direito ..................................................................................................................... 87

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1.Imaginários da Sociedade e do Poder


Imaginários Políticos

Assente que o direito se fundamenta em imaginários sociais profundos,


descrevem-se, agora, os dois imaginários da sociedade e do poder que acompanharam
a história da cultura jurídica europeia. Durante quase toda a história do pensamento
social e político europeu, o panorama imaginário foi, em grande parte, da
responsabilidade dos próprios juristas.
Conceitos a reter:
(A) Imaginação social:
Ideia que todas as ordens têm um imaginário igual e que todas estas ordens são
dignas. Têm que existir governantes e governados para que a sociedade funcione e
para que se realizem os fins metafísicos.
Antes de a criar, o direito imagina a sociedade. Cria moldes mentais do homem e das
coisas, dos vínculos sociais, das relações políticas e jurídicas. E depois, paulatinamente,
dá corpo institucional a este imaginário, criando também os instrumentos conceptuais
adequados. Neste sentido, o direito cria a própria realidade com que opera. Exemplo:
o «facto» não existe antes e independentemente do «direito».
O Direito constitui uma atividade cultural e socialmente tão criativa como a arte, a
ideologia ou a organização da produção económica. Isto está presente na doutrina
aristotélico-tomista: o direito é uma arte, dirigida por regras, apenas prováveis, de
encontrar o justo e o injusto. Certezas, não as havia, daí decorrendo esse constante
confronto das opiniões.
(B) Regulação social:
A eficácia criadora (poiética) do direito é considerável. Ele cria a paz e a segurança,
como também cria em boa medida, os valores sobre os quais essa paz e segurança se
estabelecem.

1.1. O Imaginário Corporativista


Descreve-se um modelo de representação da sociedade e do poder que, sendo
comum a outras culturas, dominou a cultura europeia até ao séc. XVII, embora tenha
voltado a influenciar, de forma mais localizada, algumas escolas do pensamento
jurídico contemporâneas.

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O pensamento social e político medieval é dominado pela ideia da existência de


uma ordem universal (cosmos), abrangendo os homens e as coisas que orientava todas
as criaturas para um objetivo último que o pensamento cristão identificava como o
próprio Criador. Assim, tanto o mundo físico como o mundo humano, não eram
explicáveis sem a referência a esse fim que os transcendia, a essa causa final. Há a
ideia de que existe uma ordem das coisas, pré-estipulada, acima de Deus, pois quando
este criou o mundo já este obedecia a uma ordem/ direito, que encaminha os seres
para um fim supraterrestre. A palavra ordem é vinculativa e expressa.

1.1.1. Ordem e criação


Conceitos a reter:
A. Organização funcional (ou finalista) das criaturas:
O primeiro elemento é a ideia de ordem criada por Deus, natural e indisponível,
que ordenava as coisas de umas para outras, atribuindo-lhes um “lugar”, uma
“função”, com os respetivos direitos e deveres. Numa sociedade profundamente
cristã, o próprio relato da Criação (Génesis, I) não pode ter deixado de desempenhar
um papel estruturante. Aí, Deus aparece, fundamentalmente, dando ordem às coisas.
Esta narrativa da Criação – ela mesma resultante de uma antiquíssima imagem
do carácter espontaneamente organizado da natureza – inspirou seguramente o
pensamento social medieval e moderno, sendo expressamente evocado por textos de
então para fundamentar as hierarquias sociais. Também a filosofia grega e romana
confirmavam este carácter naturalmente organizado do universo natural e humano.
Para Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.), o mundo estava finalisticamente organizado. As
coisas continham na sua própria natureza uma inscrição que «marcava» o seu lugar na
ordem do mundo e que condicionava, não somente o seu estado atual mas também o
seu futuro desenvolvimento considerando as finalidades do todo. Esta inscrição criva
nas coisas «apetites» (affectus, amor, philia) internos que as encaminhavam
espontaneamente para a ocupação dos seus lugares naturais e para o desempenho
das suas funções no todo. Exemplo: isto determinava nos homens a sua natureza
essencialmente política. Era legítimo falar de um equilíbrio natural ou de um justo por

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natureza. Os estóicos insistiam na existência de um poder criador e ordenador, que


daria movimento ao mundo e que o transformaria num mundo ordenado (cosmos).

B. Direito natural - Justiça como restabelecimento da ordem (suum cuique


tribuere)
O direito tinha como fundamento a ordem divina da Criação. Por isso, os juristas
identificavam a justiça com a natureza e esta com Deus. O direito natural é a natureza
das sociedades humanas. Digesto define o «direito natural é o que a natureza ensinou
a todos os animais» e definia a prudência (saber prático) do direito como uma «ciência
do justo e do injusto, baseada no conhecimento das coisas divinas e humanas». E foi
por isso também que os juristas foram tidos quase como sacerdotes.

1.1.2. Ordem oculta, ordem aparente


O segundo elemento é a ideia de que a ordem oculta e inatingível se manifesta
parcialmente nas coisas visíveis, bem como nas tendências naturais. Para além das
conceções refletidas dos filósofos e dos juristas, a ideia de uma ordem objetiva e
indisponível das coisas dominava o sentido da vida, as representações do mundo e da
sociedade e as ações dos homens. Antes de ser uma norma de direito formal, a ordem
era uma norma espontânea da vida.
Revelar a ordem é obedecer aos instintos naturais de bondade, de verdade, de
honra e de honestidade, bem como observar e interpretar as coisas e a sua história
(tradição). Estas palavras eram centrais na linguagem política e jurídica da época
(preceitos básicos do direito), remetiam para esta ideia corrente de que o
comportamento justo era o que guardava a proporção, o equilíbrio, o modo
(moderação) ou a verdade do mundo, das pessoas e das coisas.
Deste imperativo de honestidade e de verdade resulta a importância atribuída
aos dispositivos que visam tornar aparente a ordem essencial das coisas e das pessoas:
títulos e tratamentos, trajes «estatuários» ligados a estatutos, hierarquia de lugares,
precedência, etiqueta cortesã. As cortes e sociedades ibéricas eram justamente
célebres pelo seu pontilhismo formalista e classificatório. A linguagem corrente das
sociedades de Antigo Regime é, por isso, muito rica nas formas de tratamento.

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1.1.3. Ordem e vontade


O terceiro elemento é a ideia de que a ordem é indisponível: ou seja, de que
apenas minimamente pode ser alterada pela vontade. Era condenável reinventar uma
ordem para o governo do mundo, a golpes de imaginação política ou de textos legais.
Conceitos a reter:
• Constituição natural ou tradicional:
Daqui decorre a ideia de que o direito é sobretudo produto de um equilíbrio
natural e não da vontade (do povo ou do soberano). Sendo assim, a sociedade não é
constituída por um pacto entre os cidadãos, mas pelo direito inscrito na natureza da
sociedade. Ou seja, salientava-se a ideia do carácter natural da constituição social – de
que a organização social depende da natureza das coisas e de que está para além do
poder de disposição da vontade. As leis fundamentais («constituição») de uma
sociedade dependeriam tão pouco da vontade como a fisiologia do corpo humano ou a
ordem da natureza. A constituição natural conserva-se sempre como um critério
superior para aferir a legitimidade do direito estabelecido pelo poder, sendo tão
vigente e positiva como este.
Outra ideia-chave deste corporativismo é a de que existe uma constituição
natural das coisas. Um direito natural que preside à ordem das coisas. Esta
constituição natural, este direito natural existem todos os poderes que faz com que os
homens pactuem, não literalmente (pactos voluntaristas). Este direito natural existe
independentemente da vontade dos homens.
Os juristas percebiam/ interpretavam o direito natural e as Constituições
naturais. Distinguia-se como os Prudentes Respeitam as seguintes máximas: (i) dar a
cada um aquilo que é seu; (ii) não prejudicar os outros; (iii) viver honestamente.
Se há uma ordem natural, o rei deve observar a ordem das coisas. O rei tem de
obedecer às leis antigas, uma vez que nesta sociedade o que é antigo é bom. Ideia do
rei cristão tem de obedecer às normas da Igreja. O rei tem um poder limitado, não
pode fazer o que quer. Limites do poder do rei: (i) observar o direito e (ii) respeitar o
direito dos particulares.
• Direito civil e direito natural - Finalidade do governo legítimo fazer justiça
O direito – todo ele, mas sobretudo o natural – desempenha uma função
constitucional. Impõe-se a todo o poder. Não pode ou pelo menos não deve ser

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alterado. E isto porque se funda nos princípios necessários de toda a convivência


humana (affectio societatis) – não porque se fundamenta num pacto primitivo ou num
pacto histórico estabelecido. Em virtude desta função constitucional do direito, toda a
atividade política aparece subsumida ao modelo «jusnaturalista» - toda a atividade dos
poderes superiores (mesmo o supremo) é tida como orientada para a resolução de um
conflito entre esferas de interesse (impede a tirania).
A intervenção da imaginação e da vontade nas coisas do governo, ainda que não
estivesse excluída de princípio, deveria ser mínima. Neste contexto, o princípio só
excecionalmente se devia desviar da razão dos conselheiros, peritos e letrados, pelos
quais – e não pela sua vontade impetuosa e arbitrária – devia correr o governo
ordinário.

1.1.4. Ordem e desigualdade


O quarto elemento é a ideia de que a ordem implica diversidade de funções de
cada parte do todo e, por isso, desigualdade de estatutos. Relaciona-se esta ideia com
a natureza inigualitária do direito do Antigo Regime, marcado pelo princípio da
desigualdade de estatutos jurídicos.
A unidade dos objetos da criação não exigia que as funções de cada uma das
partes do todo, na consecução dos objetivos globais da criação, fossem idênticas às
das outras. Pelo contrário, o pensamento medieval sempre se manteve firmemente
agarrado à ideia de que cada parte do todo cooperava de forma diferente na
realização do destino cósmico – a unidade da criação pressupunha (não comprometia)
a especificidade e irredutibilidade dos objetivos de cada uma das «ordens da criação»
e, dentro da espécie humana, de cada grupo ou corpo social.
Nesta ordem hierarquizada, a diferença não significa (numa perspetiva muito
global) imperfeição ou menos perfeição de uma parte em relação às outras. Significa
antes uma diferente inserção funcional, uma cooperação, a seu modo específica, no
destino final do mundo. Assim, em rigor, subordinação não representa menor
dignidade, mas antes apenas um específico lugar na ordem do mundo, que importa a
submissão funcional a outras coisas.
Esta ideia de que todos os seres se integram, com igual dignidade, na ordem
divina, apesar das hierarquias aí existentes, explica a especialíssima relação entre

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humildade e dignidade que domina o pensamento social e político da Europa medieval


e moderna. O humilde deve ser mantido na posição subordinada e de tutela que lhe
corresponde, designadamente na ordem e governo políticos. Mas a sua aparente
insignificância esconde uma dignidade igual à do poderoso. E, por isso, o duro
tratamento discriminatória no plano social é acompanhado de uma profunda
solicitude no plano espiritual. Este pensamento explica, ao lado das drásticas medidas
de discriminação social, jurídica e política dos mais humildes, a proteção jurídica e a
solicitude paternalista dos poderes para com eles, proteção que inclui uma especial
tutela do príncipe sobre os seus interesses. Todos são dignos e todos são
indispensáveis.

1.1.5. Ordem e estados


O quinto elemento é a ideia de que, em virtude da desigualdade de funções
entre as várias categorias de pessoas, mais importante do que uma pessoa
determinada, era a categoria à qual pertencia, pois era essa categoria, e não cada
indivíduo, que desempenhava uma função na ordem do todo e, assim, que gozava de
um estatuto jurídico definido. Perspetiva de que a criação era como que um corpo, em
que a cada órgão competia uma função, e que estas funções estavam hierarquizadas
segundo a sua importância para a subsistência do todo. Isto dá origem à noção de
“estado”, sobre a qual se funda a ordem jurídica de Antigo Regime.
As criaturas eram diferentes e também mais ou menos dignas em função da
dignidade do ofício que naturalmente lhes competia. Existindo na Criação um modelo
de perfeição que é o próprio Deus, este modelo não se refletia igualmente em todas as
criaturas.
• Pluralidade de pessoas em cada estado:
No plano do direito, as diferenças entre pessoas eram traduzidas pelas noções de
«estado» e de «privilégio», ou direito particular. O estado (equilíbrio) corresponde a
um lugar na ordem, a uma tarefa ou dever social. Na sociedade tradicional europeia,
identificavam-se três ofícios sociais: a milícia, a religião e a livrança. Mas esta
classificação das pessoas podia ser mais diversificada e, sobretudo, menos rígida. Ela
era apenas uma fórmula, muito antiga na cultura ocidental de representar a
diversidade dos estatutos jurídicos e políticos das pessoas. Já noutros planos da

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realidade política, os estados eram muito mais numerosos. Nos distintos planos do
direito, constituíam-se estatutos pessoais ou estados, correspondentes aos grupos de
pessoas com um mesmo estatuto jurídico.
• Pluralidade de estados de cada pessoa:
A conceção do universo dos titulares de direitos como um universo de «estados»
(status) leva à «personificação» dos estados. A considerar que uma mesma pessoa tem
vários estados e que, como tal, nela coincidem várias pessoas – pluralidade de pessoas
num indivíduo.
• Pessoa como papel social e não como substrato físico
Frente a esta multiplicidade de estado, a materialidade física e psicológica dos
homens desaparece.
Sendo os papéis sociais qualidades, e não os seus suportes corporais e
biológicos, que contam como sujeitos de direitos e obrigações, estes podem
multiplicar-se, dando carne e vida jurídica autónoma a cada situação ou veste em que
os homens se relacionam uns com os outros. A sociedade, para o direito, enche-se de
uma pletora infinita de pessoas, na qual se espelha e recebera ao ritmo das suas
multiformes relações mútuas, o mundo, esse finito, dos homens. A mobilidade dos
estados em relação aos suportes físicos é tal que se admite a continuidade ou
identidade de uma pessoa, ainda que muda a identidade do indivíduo físico que a
suporta. (morte) A relação entre estado e indivíduo chega a aparecer invertida,
atribuindo-se ao estado o poder de mudar o aspeto físico do indivíduo.
Nestes casos, a realidade jurídica decisiva, a verdadeira pessoa jurídica é esse
estado, que é permanente; e não os indivíduos, transitórios, que lhe conferem
momentaneamente uma face. Homem que não tenha estado não é pessoa. De facto,
há pessoas, que por serem desprovidas de qualidades juridicamente atendíveis, não
tem qualquer status e, logo, carecem de personalidade (escravos). Tal é a sociedade de
estados (Ständesgesellschaft) característica do Antigo Regime e que antecede a atual
sociedade.

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1.1.6. Ordem e pluralismo político


O sexto elemento é a ideia de que o poder estava, por natureza, repartido; pelo
que, numa sociedade bem governada, esta partilha natural deveria traduzir-se na
autonomia político-jurídica (iurisdictio) dos corpos sociais.
Ligada à ideia da indispensabilidade de todos os órgãos da sociedade, o poder
era, por natureza, repartido; e, numa sociedade bem governada, esta partilha natural
deveria traduzir-se na autonomia político-jurídica (iurisdictio) dos corpos sociais. Os
poderes que hoje pretendem ao Estado estavam dispersos por estas diferentes
corporações (Poder repartido). O rei era a figura mais importante. A função da cabeça
era a de manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a cada qual o
seu estatuto = realizando justiça. E assim é que a realização da justiça (a justiça é a
vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu) – considerado o primeiro
ou único fim do poder político – se acaba por confundir com a manutenção da ordem
social e política objetivamente estabelecida. Não manda quem pode, mas quem já
nasceu com essa vocação e isso sabe-se pela sua condição. Sociedade orientada pela
tradição (“O mérito é transmitido pelo sangue”)
Faz parte deste património doutrinal a ideia de que cada corpo social, como
órgão corporal, tem a sua própria função (officium), de modo que a cada corpo deve
ser conferida a autonomia necessária para que a possa desempenhar. A esta ideia de
autonomia funcional dos corpos anda ligada a ideia de autogoverno que o pensamento
jurídico medieval designou por iusidicto e na qual englobou o poder de fazer leis e
estatutos, de constituir magistrados e de julgar os conflitos e emitir comandos.
A Igreja cobrava os seus próprios impostos, tem os seus próprios impostos
(poderes que atualmente são da competência do Estado). A autonomia funcional, ex:
reinos cristãos, os judeus vivem nos seus guetos, onde praticam os seus cultos. Todos
os corpos sociais têm uma quota-parte de autogoverno (podiam fazer leis e estatutos,
constituir magistrados, poder de julgar conflitos).
A ordem tem várias fontes de manifestação, não podendo ser reduzida ao direito
formal. As relações estabelecidas nessa ordem estabeleciam deveres, logo, a ordem
institui um direito, um direito natural. E como a soma dos deveres das criaturas entre
si é também devida à ordem, ou seja, a Deus, o cumprimento dos deveres recíprocos

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é, em certa medida, um dever para com Deus e, logo, o tal direito natural acaba por
ser um direito divino.
Mas também a ideia de que o carácter natural da ordem fazia com que ela se
manifestasse de muitas formas – pelas tendências naturais (amores), com o tempo
concretizadas em costumes (consuetudines vel mores, practicae, styli), pelas virtudes
morais (amicitia, liberalitas), pela revelação e também pelo direito formalizado pelos
juristas, como peritos na observação e memória das coisas sociais, ou mesmo pela
vontade do rei, como portador de um poder normativo de origem divina.

1.2. O Imaginário Individualista


Descreve-se o modelo de representação da sociedade que subjaz à
generalidade das escolas do pensamento jurídico contemporâneo (séc. XVIII-XX). De
acordo com este paradigma a ordem social não existe. Esta é criada através da vontade
dos homens, que se organizam voluntariamente.
Quem cria a ordem são os indivíduos. São os homens num ato de razão que
percebem que têm de viver em sociedades e criam um contrato. A ordem é produto
de um contrato entre Homens racionais que querem viver felizes. A ordem é um
produto construído.
Se são os Homens que fazem a ordem, logo eles pode revê-la. Os Homens
querem ordenar a sociedade para que se sintam seguros e felizes.
No Estado de Natureza eram todos iguais. Ideia de mobilidade (eram todos iguais
e todos faziam parte do contrato).
A ideia de contrato social e do indivíduo favorece a ideia de concentração dos
poderes na mesma pessoa.
• Vontade e ordem social.
É preciso um soberano que crie, através de leis positivas, a ordem social. A
ordem, agora, já não resulta de constituições naturais, mas sim da vontade do
soberano. O Direito que existe na lei é o Direito que existe (positivismo – direito
legítimo) e não pode ser apreciado à luz de uma ordem anterior. Desde que o Direito
seja um produto de pactos é justo (conceção voluntarista, positivista e,

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eventualmente, legalista do Direito). Via do contratualismo que conduz ao


absolutismo. Já não há pluralismo, o direito provê do soberano.
Laicização - estudar o mundo independentemente de Deus, isto é, da sua causa
primeira.
O paradigma individualista tem estado em vigência até aos nossos dias,
embora, por vezes, surjam neocorporativismos, como aconteceu com o Estado Novo.

O que é que distingue o individualismo do corporativismo?


A) No individualismo, existe um estado de grande desordem, pois os indivíduos vivem
em constante competição entre si; todos querem as mesmas coisas. As teorias
contratuais surgem com o individualismo. No individualismo, os homens podem
escolher a ordem e o modo de governo. Ao escolherem a ordem e o modo de governo,
tem o direito de mudar a sociedade sempre que o quiserem. O individualismo
promove o voluntarismo, em que a ordem social é fruto da vontade do Homem e não
de Deus.
Com o contratualismo pede-se a alguém para fundar a ordem da sociedade. Com o
início do individualismo e do contratualismo, é o soberano que passa a reconhecer o
que é o Direito e valoriza a Lei como a principal fonte do Direito. Surge o positivismo,
teoria que se refere à lei como aquilo que é justo. (Nicolau Maquiavel) Do contrato
social resulta um soberano absoluto.
De acordo com o individualismo, os indivíduos não nascem dentro de uma
sociedade, mas no Estado Natureza, e podem escolher viver em sociedades através de
um contrato social.
O liberalismo vai tornar-se numa ramificação do individualismo, tal como o
demo-liberalismo. Hobbes refere que os indivíduos têm uma natureza humana de que
todos partilham. Restam, por isso, indivíduos ambiciosos e altamente competitivos.
Segundo Thomas Hobbes, os homens não conseguem desenvolver novos projetos ou
atividades como a agricultura e a indústria no Estado Natureza, devido ao facto de
viverem com medo uns dos outros. Recorrem ao contrato social em busca de paz e
segurança. Segunda Locke, antes de haver sociedade política, os homens já têm alguns
direitos, como direito à liberdade e à propriedade, na sociedade natural. Os homens
recorrem ao contrato social para criar um soberano que assegure os direitos naturais.

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O soberano está, por isso, limitado aos direitos naturais (Demo-liberalismo). No


contexto social de Thomas Hobbes, o soberano pode interferir nos direitos das
pessoas, pode limitar a liberdade e a propriedade. No contrato social de Locke, o
soberano não pode interferir de maneira alguma nos direitos naturais das pessoas. O
soberano segundo Hobbes é, por isso muito mais absoluto do que o soberano de
Locke.
B) O corporativismo é anti-individualista, pois não há indivíduos, mas corpos ou órgãos
que formam a sociedade; o que interessa é o todo. No corporativismo há uma ordem.
No corporativismo as pessoas não podiam escolher o seu modo de governo,
respeitando as suas circunstâncias e contextos, sendo que nem todos os modos de
governo se adotavam a todas as sociedades. No corporativismo, os indivíduos já
nascem dentro de uma sociedade.

O que provocou esta mudança que pôs termo ao paradigma corporativista e que
deu início ao paradigma individualista?
o Guerras por toda a Europa, que perturbavam a ordem estabelecida e
despertavam o descontentamento das pessoas;
o A Época dos Descobrimentos. O contacto com povos, culturas e ordens sociais
diferentes suscitou dúvidas nas pessoas, nos povos europeus, que começaram
a aperceber-se que não existia uma só ordem imutável. Povos, que nem sequer
conheciam Deus, mostraram ser possível existir ordem social de origem
humana;

1.3. A dissolução do corporativismo e o advento do paradigma individualista


Embora se lhe possam encontrar antecedentes mais recuados, a genealogia mais
direta do paradigma individualista da sociedade e do poder deve buscar-se na
escolástica franciscana quatrocentista. É com ela que se põe em dúvida se não é
legítimo, na compreensão da sociedade, partir do indivíduo e não dos grupos. Passou a
entender-se que aqueles atributos ou qualidades ( «universais») que se predicam dos
indivíduos e que descrevem as relações sociais em que estes estão integrados não são
qualidades incorporadas na sua essência, não são «coisas» sem a consideração das

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quais a sua natureza não pudesse ser integralmente apreendida – como queriam os
«realistas». Sendo antes meros «nomes», externos à essência, e que, portanto, podem
ser deixados de lado na consideração desta, sendo consideradas qualidades
descartáveis, que podem ser esquecidas pela teoria social e política. Se o fizermos,
obtemos uma série de indivíduos «nus», incaracterísticos, intermutáveis, abstratos,
«gerais», iguais. Ao mesmo tempo que desapareciam do proscénio as pessoas
concretas, ligadas essencialmente às outras por vínculos naturais; e, com elas,
desapareciam os grupos e a sociedade.
Para completar a revolução intelectual da teoria política moderna só faltava desligar
a sociedade de qualquer realidade metafísica, laicizando a teoria social e libertando o
indivíduo de quaisquer limitações transcendentes. Esta laicização da teoria social –
levada a cabo pelo pensamento jurídico e político desde Hugo Grócio a Tomás Hobbes
– que a liberta de todas as anteriores hipotecas à teologia moral, do mesmo passo que
liberta os indivíduos de todos os vínculos em relação a outra coisa que não sejam as
suas evidências racionais e os seus impulsos naturais.
Esta laicização da teoria social e a colocação no seu centro do indivíduo geral, igual,
livre e sujeito a impulsos naturais, tem consequências centrais para a compreensão do
poder:
Este não pode mais ser tido como fundado numa ordem objetiva das coisas; vai ser
concebido como fundado na vontade, na perspetiva:
(i) Providencialismo (direito divino dos reis) – na vontade soberana de deus,
manifestada na Terra, também soberanamente, pelo seu lugar-tenente. Daqui se
extrai que Deus pode enviar tiranos para governar os homens, aos quais estes
devem, apesar de tudo obedecer.
(ii) Contratualismo – pela vontade dos homens que, levados ou pelos perigos e
insegurança da sociedade natural, ou pelo desejo de maximizar a felicidade e o
bem-estar, instituem, por um acordo de vontades, por um pacto, a sociedade
civil. Extrai-se também que as leis fundamentais, como todos os pactos, são
disponíveis, i.e., factíveis e alteráveis pelos homens, num dado momento
histórico.
Também no domínio do direito privado, o individualismo vem a ter as suas
consequências. Desde logo, a dissolução de que os pactos e contratos tinham uma

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História do Direito

natura indisponível, ligada à própria natureza das coisas. Depois que as mesmas coisas,
de que o homem se serviam, tinham usos naturais que não podiam ser ignorados e,
portanto, que a propriedade tinha limites, podendo, assim, ser objeto de «abuso»
(exemplo: o não uso absoluto, privando a comunidade das utilidades que decorriam do
normal uso das coisas, das suas «funções sociais»).
O caracter corporativista estava mais presente no direito germânico, enquanto
que o direito romano têm uma natureza mais igualitária (exceto escravos e
estrangeiros). Para a conceção do direito comum, os juristas tentaram misturá-los ou,
pelo menos, definir o seu âmbito de aplicação.

2. A Ordem Jurídica do Direito Comum

1) Direito Comum
Direito Comum – doutrina jurídica escrita pelos jurisconsultos romanos e
jurisconsultos posteriores, que vigorou nos séculos XV, XVI e XVII, que se aplica
comummente na Europa ocidental e engloba uma série de ordenamentos autónomos,
apresentando como característica primeira a unidade:
(i) Quer enquanto unifica as várias fontes do direitos (direito justinianeu,
direito canónico, direitos locais) – baseado numa grande pluralidade, i.e., a
doutrina jurídica unificou as diferentes fontes de Direito, mantendo-os sempre a
vigorar tem como consequência uma ordem jurídica pluralista;
(ii) Quer enquanto constitui um objeto único de todo o discurso jurídico
europeu (admitindo, porém, as contradições que as diferentes fontes
comportavam e pretendia justificar estas contradições – passava por conciliar os
diferentes direitos, encontrando semelhanças entre eles ou regras comuns);
(iii) Quer ainda enquanto «trata» deste objeto segundo métodos e estilos de
racionar comuns (todos os textos doutrinais das diferentes fontes foram alvo dos
mesmos meios de interpretação, análise e estudo);
(iv) Forjados num ensino universitário do direito que era idêntico por toda a
Europa;
(v) Vulgarizado por uma literatura escrita num língua então universal – latim.

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História do Direito

Para a formação desta comunidade jurídica europeia, i.e. certa tendência para a
unidade dos vários ordenamentos jurídicos europeus, contribuem uma constelação de
fatores:
(i) A reconstrução do Império (primeiro o Império de Carlos Magno, século IX, e
depois o Sacro Império Romano-Germânico, século X), unidade política inspirada,
(1) quer pela memória do «império universal» que era o Império Romano, (2)
quer pela existência, no plano religioso, de uma Igreja ecuménica que reunia
toda a cristandade. Quer o Império quer a Igreja tinham ordenamentos jurídicos
unificados, embora coexistissem paralelamente. Daí que a tríade «uma religião,
um império, um direito» parecesse apontar para algo de natural organização do
género humano – uma certa comunidade de governo (republica christiana) e
uma certa unidade do direito (ius commune).
(ii) A homogeneidade da formação intelectual dos agentes a cargo de quem
esteve a criação do saber jurídico medieval – juristas letrados – suscitou um
sentimento de unidade do direito. A disposição intelectual comum dos
universitários era modelada por vários fatores:
a) O uso da mesma língua técnica – o latim – o que lhes criava, para além
daquele «estilo» mental que cada língua traz consigo, um mesmo
horizonte de textos de referência (tradição literária romana);
b) Formação metodológica comum, adquirida nos estudos preparatórios
universitários, pela leitura dos grandes «manuais» de lógica e de
retórica utilizados nas Escolas de Artes de toda a Europa;
c) O ensino universitário do direito incidir unicamente sobre o direito
romano (nas Faculdades de Leis) ou sobre direito canónico (nas
Faculdades de Cânones).
O direito comum surge do trabalho combinado destes fatores: a unificação dos
ordenamentos jurídicos suscitando e possibilitando um discurso jurídico comum, este
último potenciando as tendências unificadoras já latentes no plano legislativo e
judiciário.
Na idade Média surgem entidades políticas que pretendem reconstruir o
Direito Romano. Esta ideia está associada a uma ideia Religiosa, que acredita que o
Império Romano tinha sido criado para facilitar a expansão do Cristianismo. O Direito

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Romano é, por isso, considerado como um teto de unidade, fator muito importante de
unificação do território europeu. Todos estes ideais religiosos acabam por convergir
num ideal jurídico: num só religião, um só Direito, uma Europa unida a vários níveis.

2.1. Tradição romanística


O direito romano é tratado apenas como mais um direito histórico, e não como
um modelo jurídico-intelectual, discute-se o sentido do estudo do direito romano na
atualidade.
1º Elemento do Direito Comum (ordem normativa)
Na base de umas poucas leis – desde a arcaica Lei das XII Tábuas (meados do
século v a. C.) até às leis votadas nos comícios no último período da República (séculos
I e II a.C.) – e das ações que elas concediam para garantir certas pretensões jurídicas, o
pretor magistrado encarregado de administrar a justiça nas causas civis, desenvolvera
um sistema mais completo e maleável de ações, baseado na averiguação das
circunstâncias específicas de cada caso típico e na imaginação de um meio judicial de
lhes dar uma solução adequada.
Nesta tarefa de extensão e de afinação do arcaico «direito dos cidadãos», ius
civile – formalista, rígido, desadaptado às novas condições sociais -, os pretores criam
um direito próprio, o «direito dos pretores», ius praetorium. Inicialmente, socorrem-se
dos seus poderes de magistrados, dando às partes ordens que modificam as
circunstâncias de facto e que, por isso, excluíam a aplicação de uma norma indesejável
ou possibilitavam a aplicação de outra mais adequada à justiça material do caso. Mais
tarde, a partir da Lex Aebutia de formulis (149 a. C.), o pretor adquire a possibilidade
de criar ações não previstas na lei. Cada ação consiste numa fórmula, espécie de
programa de averiguação dos factos e da sua valorização jurídica. A partir daí, é a
fórmula especificada de cada situação, e não a lei, que dita a solução para o caso em
análise. Com isto, a jurisprudência dos pretores autonomiza-se completamente das leis
e torna-se numa fonte imediata de direitos. A partir dos meados do século II d. C., os
pretores completam a sua tarefa de renovação do velho ius civile. O Edictum
perpetuum (c. 125-138 d.C.) codifica as ações do direito pretório.
O direito ganha, desta forma, um carácter casuístico que incentiva uma
averiguação muito fina da justiça de cada caso concreto. Para além disso, o momento

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da resolução dos casos é muito criativo, pois a lei não amarra, de modo nenhum, a
inventiva do magistrado, que fica bastante livre para imaginar soluções específicas
para cada situação. Designam-se a si mesmos como técnicos na distinção entre o justo
e o injusto, sabedores práticos do direito e produzem, na época áurea da sua atividade
(entre 130 a.C. e 230 a.C.) centenas de milhares de páginas de consultas ao édito do
pretor. Fora de Roma, no entanto, este direito letrado e oficial pouca aplicação teria.
Aí, pontificavam usos locais e formas tradicionais de resolver os litígios. A
jurisprudência romana clássica se contribuiu para a unificação dos direito europeus até
aos dias hoje foi por constituir um tesouro literário em que, mais tarde, se vieram a
inspirar os juristas europeus.
A crise do Império Romano, a partir do século III d. C., e a ulterior queda do
Império do Ocidente (em 476) põem em crise esta saber jurídico, cujo rigor exigia uma
grande formação linguística, cultural e jurídica, e cujo casuísmo impedia uma
produtividade massiva. Num Império vasto, mal equipado em técnicos de direito,
longe da ação dos pretores urbanos de Roma, o que progressivamente foi ganhando
mais importância foram as leis imperiais. O direito como que se administrou. De um
saber de uma elite cultivada numa longa tradição intelectual passou para uma técnica
burocrática de aplicação, mais ou menos mecânica, de ordens do poder. Ganha em
generalidade e automatismo aquilo que perde em fineza casuística e apuramento
intelectual. Dizer o direito torna-se numa atividade menos exigente e mais
simplificada, acessível mesmo aos leigos. O saber jurídico perde o rigor e a
profundidade de análise. O direito vulgariza-se. Esta vulgarização é mais pronunciada
nas províncias, em virtude das corruptelas provocadas pela influência dos direitos
louvais. Aí, forma-se um direito romano vulgar (Vulgarrecht), que está para o direito
romano clássico como as línguas novilatinas ou românticas estão para o latim.
No Império oriental, por sua vez, o direito clássico deixou-se contaminar pelas
influências culturais helenísticas e pelas particularidades do direito local. Muitos dos
comentadores passaram a escrever em grego, a língua oficial da corte bizantina. Em
todo o caso, o gosto pela reflexão intelectual em matérias jurídicas não se perdeu,
continuando a produção doutrinal dos juristas clássicos a ser apreciada.
Continua na época justiniana.

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2.2. Épocas históricas do direito romano


Época arcaica (753 a.C. - 130 a.C.):
A época do Direito Romano designa-se por não haver distinção entre Direito, Religião e
costume – Indistinção ius-fas-mos.
Uma das instituições eram os Orgálios, estes julgavam quem era culpado dos crimes.
• Verificava-se o primado do costume e a natureza apenas explicitadora das
leis. A Lei das XII Tábuas, c. 450 a.C. foi o primeiro documento legislativo escrito.
Passa a ser Direito. Tratava sobretudo de questões relacionadas com o processo.
As pessoas deviam tentar resolver os litígios antes de recorrer aos órgãos
judiciais. Nesta lei dizia-se, por exemplo, que se um homem fosse assaltado
durante a noite podia matar o ladrão. A retaliação era, por isso, legítima. Se as
pessoas não conseguissem resolver os litígios entre si, devia recorrer-se a um
magistrado.
O carácter sacral do direito:
Rituais jurídicos - a emptio venditio fundi – O magistrado era responsável pelo
cumprimento dos rituais que que constituíam o direito. O magistrado concedia as
ações às pessoas que proferiam bem as palavras dos rituais.
• Fórmulas mágicas - a stipulatio – os magistrados romanos não podiam evitar
injustiças. À medida que este carácter “mágico” desaparece, surgem os
formalismos. Os magistrados não podiam mudar o Direito, mas tinham o poder
de dar ordens.
• Inderrogabilidade e formalismo dos instrumentos jurídicos - as legis actiones.
O saber jurídico prudencial:
• A natureza oracular do discurso jurídico - pontífices (pontem facere) e juristas;
• A aprendizagem do direito pela prática junto dos peritos.
Sistemas das ações de lei: as ações de lei eram concedidas às pessoas pelos
magistrados quando estas os procuravam em busca de solução. O papel do magistrado
era averiguar se perante um negócio jurídico se tinham proferido as palavras corretas.
O que importava era a forma e não a vontade das pessoas.

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Época clássica (130 a.C. - 230 d.C.):


Verifica-se a ascensão e auge do direito pretório e surge a lei das fórmulas. Os
pretores (Antigo magistrado romano) já elaboravam fórmulas de resolução de litígios.
Estas fórmulas eram, depois, aplicadas ao caso concreto.
O juiz, nomeado pelo pretor, avaliava o caso concreto. Enquanto os pretores
julgavam, criavam-se leis e direitos através da jurisprudência. O juiz era a pessoa a
quem o pretor encarregava de averiguar os factos, tendo sempre em conta a opinião e
a forma do pretor.
Vendo que uma situação deve ter proteção jurídica, o pretor deve criar ações novas
que se adequem a esta nova situação e que não estava prevista no direito civil. O
pretor consegue, por isso, criar direito, adaptando as leis às novas situações que vão
surgindo.
Papianus foi um importante jurisconsulto.
A jurisprudência passa a ser fonte autónoma do Direito Romano, ao lado das leis e
dos costumes. Esta jurisprudência está associada à emergência de outra fonte de
direito: a doutrina. Para fazer fórmulas era preciso pensar muito nos casos que
ocorriam. Para ajudar os magistrados a fazer as fórmulas, surgem, assim, os
jurisprudentes. Quando as situações se revelam muito complicadas, era preciso
recorrer a estas pessoas para distinguir de forma mais rigorosa o bem e o mal, para
que o direito se tornasse mais justo.
O direito torna-se numa arte, a arte de encontrar a solução correta para cada caso
concreto.
É a partir da situação que existe que se faz a regra. Não é a partir do direito (regra
geral); a qual pode ser derrogada sempre que uma situação à qual a regra não se pode
aplicar.
Características da época clássica:
• É a época em que vigora o direito romano casuístico (Discussão de casos
através de raciocínios ou argumentos subtis). Os romanos chamavam
jurisprudência à doutrina.
• É também a época que se testemunha a decadência do direito pretóno. (i) A
ossificação do direito pretório (o Edictum perpetuum 130 d. C.). Os pretores
começavam a ter demasiada liberdade para legislar. Por isso, o imperador da

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época codificou as leis, limitando o poder de criação e a liberdade de imaginação


dos pretores. Tornou as leis rígidas. (ii) A generalização da cidadania romana –
Caracala, 212 d.C.. António Pio generalizou a cidadania romana. Enquanto antes
só os habitantes de Roma eram considerados cidadãos romanos, a partir desta
época todos os habitantes do Império eram considerados cidadãos romanos,
trouxe como consequência a perda da característica casuística, que passa só a
ser possível em pequenas localizações do Império. Se o Império vai crescendo e
os cidadãos romanos são generalizados, as pessoas começam a ter litígios com
estrangeiros. (iii) Há outro fator que provocou o declínio do casuísmo e da
doutrina: com a progressiva concentração de poder no Imperador, esta
concentra igualmente, na sua figura a capacidade de exercer o direito. O Direito
concentra-se na vontade do Imperador, que estava cada vez mais insatisfeito
com o facto de haver cada vez mais pessoas (pretores e juízes) capazes de
inventar e criar direito.
Época pós-clássica (230-530)
Características:
• Vulgarização - helenização;
• Cristianização;
• Oficialização (lei e critérios oficiais de valorização da doutrina): nesta época os
magistrados exercem o direito com a autorização do Imperador. Este último
podia, inclusivamente, decidir as opiniões que eram realmente importantes e as
que não o eram. A doutrina passa, assim, a ser uma fonte derivada do Direito. Os
jurisconsultos já não podiam opinar sobre tudo e não podiam criar direito
aplicado às situações concretas. Estes dependiam da vontade do Imperador e do
que este considerava válido e inválido.
• Codificação (Codex Theodosianus, 438 d.C.);
• A ratificação imperial (i.e., pelo imperium) da autoridade (auctoritas) dos
juristas:
o o ius respondendi ex auctoritate principis (Augusto, c. 25 a.C.)); a
equiparação da doutrina à lei (Adriano, c. 120 d.C.);
o a Lei das Citações (426 d.C.).
Época justinianeia (530-565).

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Vindo já de trás, vinha a vulgarização do direito romano. Começam a resumir-se


os documentos, a doutrina romana (Digesto). São pequenas sumas, algumas regras-
base. A este processo de resumo dá-se o nome de vulgarização do direito romano.
Verifica-se a simplificação do direito e uma mestiçagem deste com outros
direitos diferentes, como aconteceu com os povos bárbaros que invadiram o Império e
que adotaram o direito romano, fundindo-o com o seu. Os povos germânicos não
chegam à parte oriental do Império, onde o grego é a língua oficial. Ocorre uma
helenização do direito. O Direito não é simplificado mas, pelo contrário, aprofundado e
complexado.
Sendo o Imperador Justiniano Cristão, dá-se a cristianização do direito romano.
Surgem preocupações no direito relacionado com as intenções das pessoas.
A Cristianização do direito transporta consigo a ideia de que a mulher era um ser
que deveria desempenhar um papel de submissão. A mulher vê a sua liberdade muito
limitada, tal como o seu papel em sociedade.
Justiniano procedeu à primeira tentativa de reconquista do Império do Ocidente,
alargando um pouco o Império do oriente. Procura restaurar a cultura do antigo
Império Romano Clássico.
Corpo do Direito Civil: é o conjunto de livros, a que a partir do século XVI se dá o nome
de Corpus iuris civilis, elaborado na parte oriental europeia (não muito conhecido na
parte ocidental de início mas depois muito estudada até ao século XVIII) que vai
constituir a memória medieval e moderna do direito romano, pois a generalidade das
obras dos jurisconsultos clássicos, que continuava a existir nas grandes bibliotecas do
Próximo oriente (Beirute, Alexandria, Constantinopla), perdeu-se posteriormente,
nomeadamente com a conquista árabe desses centros. Composto pelos seguintes
livros:
• Digesto (resumo, seleção) ou Pandectas (obra enciclopédica) – compilação
de obras dos juristas romanos clássicos – 533 d.C..
• “Codez Justitiani – compilação da legislação imperial dos seus antecessores –
529 d.C..
• Institutiones – manual de introdução que completou a sua obra de recolha –
530 d.C..

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• Novellae – compilação póstuma, i.e. as «constituições novas» promulgadas


pelo próprio Justiniano depois da saída do Código – 565 d.C..

2.3. A receção do direito romano


Com a restauração do Império do Ocidente (Carlos Magno, 800 d.C. [Sacro
Império Romano-Germânico], surge a ideia de que o antigo Império Romano
revivescera, sendo os seus atributos políticos nomeadamente a universalidade do seu
poder político, transferidos para os novos imperadores. O Império parecia como uma
criação providencial destinada a ser o suporte politico da Igreja, correspondendo a
universalidade do Império à catolicidade da Igreja.
Os resíduos de direito romanos então conhecidos e, sobretudo, os seus
principais livros, redescobertos no Norte de Itália no século XII, são então tidos como
direito do Império, de vocação universal: como direito comum.
O Direito Romano é recebido e legítimo porquê?
Por constituir um teto para a unificação europeia, i.e., um direito único que
conseguiria regular todas as relações no Império e fora dele;
Vigora em “Razão do Império”, em virtude da submissão política à autoridade
universal do Imperador;
Vigora por “imperativo da Razão”, em virtude da crença na sua racionalidade
intrínseca, na sua consonância com a “ordem das coisas”, por uma aceitação
voluntária da sua razoabilidade, potenciada pelos juristas das Escolas medievais
(Glosadores e Comentadores).
2) Direito Próprio
A tentativa de unificação jurídica do espaço gerou tensões entre unidade e
diversidade.
2º Elemento do Direito Comum: O território do Império não era um espaço
juridicamente vazio. Nos jovens reinos medievais, nas cidades, nos senhorios e noutras
corporações de base pessoal (universidades, corporações religiosas, corporações de
artífices) existiam e continuavam em pleno desenvolvimento direitos próprios
fundados em tradições jurídicas romano-vulgares, canónicas e germânicas ou
simplesmente nos estilos locais de normação e de resolução de litígios. O direito local

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é constituído pelas normas próprias das distintas comunidades e reinos da Europa


central e ocidental: (i) Costumes locais de terras e reinos (Legislação dos reis; Direito
dos senhores (direito feudal); Praxes de julgar dos tribunais) e Coleções de fórmulas
notariais. Assim, a pretensão da validade universal do direito comum do Império
defendida pelo Imperador e pelos juristas universitários que o ensinavam não podia
deixar de originar tensões.
O que legitimava a vigência dos Direitos próprios?
Vigoram em virtude da lei Omnes Populi (Digesto, 1,1,1,9), que reconhece que
os povos (governados autonomamente) têm, naturalmente, a capacidade de
estabelecer o seu próprio direito – central na forma de conceber as relações
entre direito comum e direitos próprios;
Vigoram em virtude da permissão (permissio) ou reconhecimento tácito (tacitus
consensus) do Imperador, no Livro da Paz de Constança (1184);
Vigoram em virtude da submissão política à autoridade dos reis (“O rei que não
conhece superior é Imperador no seu Reino”, rex superiorem non recognoscens
in regno suo est imperator, Azo, séc. XII), com isso justificando a pretensão das
grandes monarquias da Europa ocidental (França, Inglaterra, Sicília, depois
Castela e Portugal) a não reconhecerem a supremacia imperial nem,
consequentemente, a obrigatoriedade política do seu direito.
A vigência do direito comum (suscetível de ser aplicado em todo o lado) tem, assim,
que se compatibilizar com a vigência/ coexistência de todas estas ordens jurídicas
reais, municipais, corporativas ou mesmo familiares.
Âmbito de aplicação dos direitos próprios
Em virtude do princípio segundo o qual “o particular prefere ao geral”, os
direitos próprios prevaleciam sobre o direito comum. Este tinha, face àquele, o
estatuto de direito subsidiário.
Apesar da regra anterior, a capacidade normativa dos corpos políticos “infra-
reinícolas” não podia ultrapassar o âmbito do seu autogoverno (princípio da
especialidade).
No domínio particular de aplicação, os direitos próprios têm primazia sobre o
direito comum, ficando este a valer, não apenas como direito subsidiário, mas também
como direito modelo (é o ponto de partida para formular leis gerais), baseado nos
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valores permanentes e gerais da razão humana, dotado por isso de uma força
expansiva que o tornava aplicável a todas as situações não previstas nos direitos
particulares (preencher lacunas) e, ao mesmo tempo, o tornava num critério, tanto
para julgar da razoabilidade das soluções jurídicas nestes contido, como para reduzir
as soluções, variegadas e dispersas dos direitos locais, a uma ordem «racional». Um
direito próprio pode ser contrário ao direito romano, devido a uma razão menor, mas
constitui apenas um princípio particular. O Direito Romano parecendo perder valor
ilude ao ainda ser dotado de mais relevância.
O direito geral legitima o direito próprio, pois é criado pelos juristas que leem e
interpretam o direito romano. A operação de receção do direito romano é na verdade
um processo de criação de direito.
A partir do século XIII, primeiro em Itália e, depois, um pouco por toda a parte, o
direito romano passa a estar integrado no sistema de fontes de direito da maior parte
dos reinos europeus, mesmo naqueles que não reconheciam a supremacia do
imperador, embora, nesses casos, apenas quando se verificasse não estar a matéria
em causa regulamentada pelo direito local. O mesmo aconteceu na Alemanha, onde a
receção foi mais tardia (XV/ XVI).
Ao Direito Romano denominava-se direito das gentes e aos direitos locais chamava-se
direito civil.
A razão pela qual houve essa fácil expansão do direito romano deveu-se:
Ao já prolongado processo de romanização europeia após a queda do Império;
Os territórios já haviam outrora havido submetidos à cultura romana o que
levou a que também os direitos próprios que foram surgindo tivessem grandes
semelhanças com o direito romano;
A restauração do Império ocidental, no século IX, gerara a ideia de que a
unidade política e até religiosa do Império exigia a sua unidade jurídica, e esta
não podia ser construída senão sobre o direito do Império por excelência, o
Império Romano. As fontes do direito romano eram muito mais completas e
sofisticadas do que as dos direitos germânicos alto-medievais ou dos direitos
locais. Com a sua fina e riquíssima casuística, cobria a generalidade das
situações. Tinha, além disso, sido objeto de uma elaboração doutrinal. O direito
romano respondia diretamente ou mediante interpretação extensiva à

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generalidade das questões. Devido a esta perfeição ou racionalidade, o direito


podia valer não apenas em virtude da submissão política, mas também pela
aceitação da sua razoabilidade. Esta crença na perfeição do direito romano era
ainda potenciada pelo empenhamento dos juristas letrados, formados no saber
jurídico universitário baseado no direito romano.
3) Direito Canónico
2º Elemento do Direito Comum: É o direito da Igreja Cristã. O direito da Igreja é uma
das outras componentes fundamentais da tradição jurídica europeia, pelo menos até
aos finais do séc. XVIII. O seu contributo fez-se sentir, sobretudo, no direito da família
e na valorização dos aspetos internos dos atos jurídicos. O Direito Canónico foi, na era
Medieval, até ao século XVIII, um direito da Igreja, totalmente independente das suas
fontes.
O Direito canónico trata-se da Cristianização de algumas instituições romanas.
Ex: o casamento passa a ser da irreversível. A mulher torna-se submissa e é
considerada culpada pela decadência da sociedade; interdita-se a presença da mulher
a cargos públicos e reuniões de homens. Reconhece-se judicialmente, os tribunais
eclesiásticos, próprios da Igreja. Ao longo dos séculos, a Igreja consegue com que as
matérias relacionadas com assuntos espirituais fossem julgadas nos tribunais
eclesiásticos. Isto traz muito poder à Igreja católica. No século IV, os clérigos são
obrigados a ser julgados nos tribunais eclesiásticos, independentemente da matéria.
Os mais pobres também podiam recorrer aos tribunais eclesiásticos. A Igreja afirmava
que conseguia proteger melhor as partes mais fracas.
A Igreja ganha muito mais poder. Muitos reis cristianizam-se incluindo os reis
bárbaros, o que promove a expansão do poder eclesiástico e a Igreja trata-se no poder
mais bem organizado. Como a Igreja ganhava tanto prestígio, os Imperadores passam a
dirigir-se à Igreja para ver o seu poder legitimado. Todas cerimónias têm a presença de
um representante da Igreja. Os mais letrados pertencem ao corpo da Igreja, o que lhe
conferia ainda mais poder e influência.
Com a codificação começa a existir pluralismo, não de fontes de direito, mas de
Tribunais:
• Inquisições – a Igreja punia através destes tribunais matérias de heresia e
feitiçaria.

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História do Direito

• A Igreja também julgava aquilo que estava relacionado com a família e o


casamento.
• A Igreja julgava quaisquer questões relacionadas com a cobrança da dízima.
• Responsável pelo julgamento dos crimes de que perturbam a ordem terrena e a
ordem espiritual.
• Nas matérias de foro misto surge o conflito entre os tribunais eclesiásticos e os
tribunais laicos. Desde sempre os tribunais laicos reivindicavam o julgamento de
determinadas matérias.
A Igreja estava muito mais bem organizada, o que fazia com que as pessoas
recorressem aos tribunais eclesiásticos. Quando os tribunais laicos se demoravam ou
não mostravam eficiência na resolução de determinado caso, os tribunais eclesiásticos
podiam intervir.
Os romanos eram pagãos e não são tão intolerantes. Facilmente assimilavam um novo
deus. Sendo que os Cristãos eram monoteístas, os conflitos que surgiam entre estas
duas fações justificava-se pelo facto de os Cristãos serem mais intolerantes.

Fontes do direito canónico


Sagradas escrituras (fonte fundamental – direito divino, Evangelhos e doutores da
Igreja);
Legislação canónica (toda a legislação produzida pelas autoridades da Igreja. Inclui:
• decretos ou cânones – normas resultantes dos concílios;
• Decretais pontifícias (dos papas). Muitas vezes completam os cânones.
• Costumes (não é uma fonte muito importante). Para ser legítimo como fonte
de direito canónico, o costume tinha de ter mais de 30 anos e tinha de ser
razoável.

2.4. O lugar do direito canónico no seio do direito comum


O direito comum foi basicamente um direito romano-canónico, apesar de nele
estarem também inseridos institutos dos direitos tradicionais dos povos europeus. No
seu seio, o direito canónico desempenhou um papel menos importante do que o
direito romano. Em todo o caso a sua influência foi determinante em alguns pontos,
que nem sempre se relacionavam com a religião ou com a fé. Na verdade, o direito

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canónico representa, não apenas o direito da igreja e das coisas sagradas mas ainda o
direito mais recente do que o direito romano, uma especial de direito romano
reformado.
E notória a influencia canonista:
1) Em matéria de relações pessoais entre os cônjuges;
2) Na valorização da vontade (Em vez da forma) no direito dos contratos;
3) Na existência de boa-fé para a prescrição;
4) Em matéria processual, na promoção da composição amigável e da arbitragem;
5) Em matéria processual penal, no estabelecimento do processo inquisitório, como
a maior preocupação da averiguação da verdade material.

2.5. O direito canónico como limite da validade dos direitos temporais.


A teoria canónica das fontes de direito proclamava a subordinação dos direitos
humanos (secular e eclesiástico) ao direito divino, revelado pelas escrituras ou pela
tradição. Estes direitos humanos eram considerados como dois modos
complementares de realizar uma ordem querida por Deus.
Este precário equilíbrio entre os dois direitos terrenos rompeu-se com as
grandes lutas que opuseram o imperador e o papa (século X a XII), o primeiro tentando
estabelecer uma tutela sobre a igreja, o segundo procurando salvaguardar o
autogoverno eclesiástico. Na teoria canónica das fontes de direito esta corruptora não
podia deixar de ser no sentido de estabelecer a sua supremacia do direito canónico
que, pela sua própria origem e destino, estaria mais próximo do direito divino. E, assim
o papa Gregório XVII estabelece, no conjunto de proposições normativas (dictatus
papaie, 1075), o primado do papa da igreja de Roma sobre os bispos; autonomia da
igreja e dos clérigos face aos poderes temporais; bem como a sujeição desses a tutela
de Roma, estes dois últimos pontos eram do ponto de vista das relações entre os
direitos canónico e civil, os mais importantes. A autonomia da igreja e do clero em face
dos poderes temporais, se excluía a nomeação e deposição dos bispos e padres pelos
leigos, fundava a isenção dos clérigos em relação ao foro temporal e a consequente
reclamação de um foro especial para os eclesiásticos. A sujeição dos poderes

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temporais ao poder eclesiástico atribuía ao papa o poder de depor os reis ou de


libertar os súbditos do dever de lhes obedecer.
Em todo o caso, esta supremacia do direito canónico é posto em causa no século
XIII quando a teologia começa a insistir na ideia de que, na esfera temporal, se
prosseguem fins próprios, que não tem a ver com a salvação post-mortem, mas apenas
com a boa ordem terrena.
Começa então a ser claro que a intervenção corretiva do direito canónico apenas
deveria verificar-se quando a regulamentação temporal pusesse em causa aspetos
decisivos da ordem sobrenatural. Na sequência disto, canonistas e civilistas procedem
a uma elaboração mais cuidada da questão e, embora afirmando a independência
mútua dos ordenamentos civil e canónico (nem o papa se deve imiscuir nas matérias
temporais, nem o imperador nas espirituais), reconhecem que, nos casos em que entre
eles surge um conflito grave, a última palavra pertencia ao ordenamento da igreja.
Assim, o direito canónico apenas vigoraria, como padrão superior, nos casos em que
da aplicação das fontes jurídicas terrenas resulta-se pecado. Critério do pecado:
quando da aplicação da lei temporal se incorrer em pecado, isso põe em causa a
salvação daquele homem, mas também a de todos os homens, pois quanto mais o
Homem pecasse e os pecadores ficassem sem castigo menor as possibilidade de
salvação da humanidade. Por isso aplica-se o direito canónico.
O direito romano era temporal, vigora para assegurar a ordem na esfera
terrena, sendo válido pela sua racionalidade. O Direito Canónico era espiritual,
assegurar a ordem na esfera espiritual, i. e., assegurar o fim último e superior da
salvação.
A igreja deve existir especial parentesco constituíram fatores muito poderosos no
sentido de uniformização dos direitos locais, a sombra do modelo único que, sobre
este aspeto focado, era mais o direito canónico do que o direito romano. (ou, dado
que o direito romano fornecia ou satura do canónico, continuava a ser o direito
romano através do modelo do canónico).
Para ir a tribunal era “necessário escolher entre o Tribunal Eclesiástico e o Tribunal
Temporal (Laico), sendo que o Eclesiástico podia optar entre aplicar o Direito Canónico
ou o Civil.

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2.6. 2.6 Influência do direito canónico


A valorização dos aspetos internos dos atos jurídicos:
o a valorização do simples vontade:
o os limites morais do consenso:;
o a valorização dos contextos morais subjetivos (a “boa fé”):
A oposição entre equidade e rigor do direito:
A influência sobre o direito penal:
A instituição do processo inquisitório:
A nova hierarquia das fontes de direito:
o critério do pecado (Bártolo, s. XIV).
aplicações: usura, prescrição aquisitiva de má fé;

2.7. Âmbito de aplicação da jurisdição eclesiástica


Jurisdição eclesiástica: jurisdição dos tribunais da Igreja, aplicando ou não direito
canónico.
Competência em razão da matéria:
o disciplina interna da Igreja;
o matérias de natureza espiritual (sacramentos, pactos ajuramentados, lesa
majestade divina).
Competência em razão das pessoas:
o eclesiásticos (seculares, regulares, cavaleiros das ordens militares,
estudantes).
Jurisdição voluntária:
o Casos de foro misto (jogo, usura, adultério, crimes sexuais, etc., Ord. Fil.,
II,9)).
Poder sobre crentes em matéria espiritual, sendo que nenhum soberano podia
legislar sobre este domínio. Também se tentava regular canonicamente os contratos
jurados (gerar conflitos).
A partir do século XI a Igreja tenta também regular os assuntos temporais,
afirmando a supremacia do Espiritual e a importância única da outra vida. Podia-se
sempre pedir recurso ao Direito Canónico, mas só se podia pedir um recurso ao civil.

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História do Direito

Mais tarde, desenvolveu-se a tese segundo a qual haveria fins e assuntos que
deveria ser o Direito Civil a reger, tendo também objetivos e características próprias
(“daí a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”).
O poder temporal servia para regular o bom funcionamento da República e o
Canónico do mundo espiritual. Assim, até os clérigos estariam obrigados às leis do
Príncipe (seriam julgados com direito Civil num Tribunal Eclesiástico).
Havia sempre exceções como quando sempre que resultasse uma situação de
pecado do cumprimento do Direito Civil (p.e. a Usura era permitida pelo Civil mas não
pelo Canónico). Nestes casos, o direito aplicável seria o Canónico (“Critério do
Pecado”).

Porque é que o Direito canónico vigora?


Vigora em virtude da autoridade universal do Papa;
Vigora porque tem como fonte primeira as Sagradas Escrituras;
Vigora em virtude da Razão; era um Direito baseado numa extensa doutrina.

2.8. Direito canónico e direito civil


Num plano superior, está o direito canónico que, como direito diretamente ligado à
autoridade religiosa, pretende um papel de critério último da validação das outras
ordens jurídicas, em obediência ao princípio da subordinação do governo terreno aos
fins sobrenaturais de salvação individual. Embora esta superioridade dos cânones não
fosse automática, antes se regulando pelo critério do pecado.

2.9. Direito romano e direito canónico


Ideal de concórdia: direito romano e direito canónico formavam um único
ordenamento normativo mas com duas faces, uma temporal e a outra espiritual,
resultando isso do especial parentesco (specialis coniunctio) que existia entre os
dois poderes universais;
Constituíam duas formas complementares de realizar a ordem querida por Deus
(utrunque Iuris);

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Cada um destes ordenamentos jurídicos segue caminhos diferentes, mas


completam-se;
Existia uma razão mais profunda entre estes dois direitos que o Homem, embora
imperfeito e sem capacidade para compreender tudo, consegue estabelecer.
Âmbito de aplicação dos direitos romanos e canónico
o O direito romano vigorava como direito comum à Europa nas questões
temporais;
o O direito canónico vigorava como direito comum à Europa nas questões
espirituais;
o O direito canónico podia intervir nas questões temporais quando a
regulamentação temporal pusesse em causa a salvação (de acordo com o
critério de pecado, elaborado por Bártolo de Sassoferrato no século XIII).

2.10. Direitos próprios e direito romano


Os direitos próprios estavam em constante diálogo com o direito romano. Este
completava, muitas vezes, as lacunas dos direitos locais, sendo que era razoável.
Como “direito geral”, vigora o ius commune, constituído por um enorme
conjunto de normas tidas como provenientes da razão natural. O facto de provirem da
razão não garantia a estas normas uma vigência superior, pois da mesma razão
decorria a faculdade de cada cidade ou de cada nação corrigir ou adaptar, em face da
sua situação concreta, o princípio estabelecido em geral pela razão. Pois, embora a
razão natural tenha em vista aquilo que resulta justo na generalidade dos casos, a
realidade é tão multiforme que bem se pode conceber que alguma utilidade particular
exija a correção da norma geral.
Assim, o direito comum vigoraria apenas para os casos em que um direito
particular não o tivesse afastado; ou seja, como direito subsidiário. Mas sendo fundado
na razão, dispunha de uma vigência potencialmente geral. Isto queria dizer que se
aplicava a todas as situações não cobertas pelos direitos próprios e particulares.
Mesmo estes, não deixavam de sofrer as consequências da sua contradição com o
direito comum. Não deviam ser aplicados a casos neles não previstos (por analogia);
não podiam constituir fundamento para regras jurídicas gerais. E, embora existisse o

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princípio da especialidade, o certo é que os juristas, formados na dogmática do direito


comum e crentes na sua intrínseca racionalidade, tendiam a aplicar ao direito
particular os cânones interpretativos e conceituais do direito comum.
O próprio direito comum não era único. Pois, ao lado deste direito comum
geral, existiam direitos comuns especializados, referentes a certas matérias. Tal é o
caso do direito canónico, que era comum em matérias atinentes à religião, ou o direito
mercantil, que era comum no que respeitava a regulação da atividade mercantil. Entre
os direitos comuns, nem tudo era harmonia, existindo entre eles, princípios
contraditórios.
O direito comum coexistia, em equilíbrio indeciso, com os direitos próprios.
Completava-os nas suas lacunas. Pertencia ao direito comum (à doutrina nele fundada)
a constituição do fundamental aparelho dogmático do direito.
«Direitos próprios» são uma realidade também plural, já que sob este conceito
podem ser subsumidos: (i) direitos dos reinos; (ii) estatutos das cidades; (iii) costumes
locais; (iv) privilégios territoriais ou corporativos.

2.11. Direitos dos reinos e direitos dos corpos inferiores


Desde o século XI que os direitos dos reinos pretendem, no domínio territorial da
jurisdição real, uma validade absoluta semelhante à do direito do Império, definindo-
se como «direito comum do reino». O fundamento doutrinal desta ideia pode
encontrar-se num texto do Digesto que afirma que «o que agrada ao príncipe tem o
valor de lei; na medida em que pela Lei regia, que foi concedida ao príncipe sobre o
seu poder político, o povo lhe conferiu todo o seu poder e autoridade.
O ius commune não vigorava internamente por força de critérios políticos, mas
apenas por força de critérios políticos, mas apenas por força da sua racionalidade
intrínseca, o que eventualmente acabaria por conduzir à distinção entre normas do
direito comum conformes à boa razão e outras que não o eram.
A estreita relação entre o direito dos reinos e o poder real fazia com que nas
relações entre o direito real e os direitos locais inferiores vigorassem normas que não
decorria da superioridade política, mas do seu enraizamento na natureza. “ a lei
inferior não pode impor-se à lei superior”. Assim, o direito do reino é, politicamente,

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supro ordenado aos direitos emanados de poderes inferiores do reino, o que não
acontecia com o ius commune em relação ao iura propria. Esta supro ordenação em
termos políticos não exclui a acima referida preferência do especial em relação ao
geral. A afirmação da supremacia política não excluía que, desde que esta não
estivesse em causa, pudesse valer dentro do reino, nos seus respetivos âmbitos,
direitos especiais de corpos políticos de natureza territorial ou pessoal. Esta
prevalência dos direitos particulares dos corpos tinha um apoio no direito romano. De
facto, a «lei» Omnes populi, do Digesto reconhecia que «todos os povos usam de um
direito que em parte lhes é próprio, em parte comum a todo o género humano».

2.12. Direito comum e privilégios


Abaixo do plano do reino, proliferavam as ordens jurídicas particulares já
referidas, todas elas protegidas pela regra da preferência do particular sobre o geral.
Em alguns casos, vigoravam ainda normas suplementares que asseguravam o respeito
pelos direitos particulares:
1. As normas que privilegiam os estatutos;
2. As normas que protegiam o costume;
3. O regime de proteção dos privilégios.
Ainda que as normas particulares não pudessem valer contra o direito comum do
reino enquanto manifestação de um poder político, podiam derrogá-lo enquanto
manifestação de um direito especial, válido no âmbito da jurisdição dos corpos de que
provinham. E, nessa medida, eram intocáveis.

2.13. Direito anterior e direito posterior


A própria sucessão das leis no tempo não implicava a cessação da vigência de umas
quando sobrevivessem leis novas em contrário. A lógica da combinação temporal das
normas jurídicas era menos exclusiva, pois permitia que as leis antigas conservassem
uma certa vigência no presente. De facto, considere-se que as leis antigas sobrevivem
nas mais recentes e que as mais recentes devem ser tornadas pertinentes em relação
às mais antigas, a menos que abertamente as contradigam. Logo, direito novo e direito
antigo, ainda que divergentes, acumulam-se em camadas sucessivas, podendo ser
conjuntamente chamados a resolver um certo caso.

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2.14. Normas de conflito de «geometria variável»


A ordem jurídica apresenta-se como um conglomerado de normas de proveniência
diversa, eventualmente incompatíveis, desprovido de um conjunto fixo de normas de
conflitos, i.e., de regras que decidam qual a norma a aplicar num caso concreto.
Na arquitectura do ius commune, a primeira preocupação é tornar a pluralidade de
pontos de vista harmónicos, sem que isso implique que alguns deles devam ser
absolutamente sacrificados aos outros. Todas as normas devem valer integralmente,
umas nuns casos, outras nos outros. Cada norma acaba por funcionar como uma
perspetiva de resolução do caso mais forte ou mais fraca segundo ela se adapte
melhor ao caso em exame. As normas funcionam como «sedes de argumentos», como
apoios provisórios de solução; que, no decurso da discussão em torno da solução, irão
ser admitidos ou não, segundo a aceitabilidade da via de solução que abrem.
A regra mais geral de conflitos no seio desta ordem jurídica pluralista é o arbítrio do
juiz na apreciação dos casos concretos. É ele que, caso a caso, ponderando as
consequências respetivas, decidirá do equilíbrio entre as várias normas disponíveis.
Este arbítrio é, no entanto, guiado: pelos princípios gerais a que já nos referimos e,
sobretudo, pelos usos dos tribunais ao julgar questões semelhantes, usos que, assim,
se vêm a transformar num elemento decisivo de organização do complexo normativo
deste direito pluralista.
É sobre este ordenamento que vai incidir a atividade de uma doutrina jurídica
europeia, obedecendo aos mesmos cânones metodológicos, e potenciando, portanto,
a tendência para a unificação.
Grande liberdade de atuação dos juízes (grande margem de discricionariedade).
Apesar de existirem regras para se saber qual o ordenamento jurídico a se aplicar, na
maior parte dos casos havia uma grande margem de manobra. Os juízes deviam seguir,
saber e disciplinar-se segundo a opinião comum. Tendencialmente o critério da
qualidade foi prevalecendo, concedendo-se a alguns uma autoridade superior (àqueles
em cuja razão se acredita mais).

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História do Direito

2.15. Uma ordem jurídica flexível


A flexibilidade é a primeira característica da ordem jurídica pluralista do direito
comum.
Flexibilidade por meio da graça
A flexibilidade jurídica não decorria apenas da pluralidade de ordens normativas e
do carácter aberto e casuístico da sua hierarquização.
Resultava também da ideia de que o território do direito era uma espécie de «jardim
suspenso», entre o domínio sobrenatural da religião e o domínio das normas jurídicas
terrenas.
As normas jurídicas, as máximas doutrinais e as decisões judiciais constituíam as
regras da vida quotidiana. Tal como a lei que Deus imprimira na natureza para os seres
não humanos, também o direito positivado instituíra uma ordem razoavelmente boa e
justa para as coisas humanas.
Acima da lei da natureza, também como acima do direito positivo, existe a
suprema, embora frequentemente misteriosa e inexprimível, ordem da Graça,
intimamente ligada à própria divindade. Ato da graça é incausado e livre, como a
Criação. A Criação não sendo devida, sendo livre e gratuita, não é arbitrária. Pois há
com que uma ordem, uma regra, nos próprios atos arbitrários.
Para além deste ato primeira da criação, pelo qual deus estabeleceu a ordem do
mundo, esta ficou a valer, tanto em relação às coisas não humanas, como às coisas
humanas. E, dentro destas, deu origem a um direito – o direito natural, que já os
juristas romanos tinham definido como «aquele que a natureza ensina a todos os
animais».
No nível político-constitucional, os atos incausados (como as leis ou os atos de graça
do príncipe), reformatando ou alterando a ordem estabelecida são prerrogativas
extraordinárias e muito exclusivas dos vigários de Deus na Terra – os príncipes. Usando
este poder extraordinário, eles imitam a Graça de deus, fazendo como que milagres e,
como fontes dessa graça terrena, introduzem uma flexibilidade quase divina na ordem
humana.
Como senhores da graça, os príncipes:
Criam novas normas ou revogam as antigas;
Tornam pontualmente ineficazes normas existentes (dispensa da lei);

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História do Direito

Modificam a natureza das coisas humanas (emancipando menores, legitimando


bastardos, concedendo nobreza a plebeus, perdoando penas);
Modificam e redefinem o «seu» de cada um (concedendo prémios ou mercês).
De certo modo, esta prerrogativa constitui a face mais visível do poder
taumatúrgico dos reis, que a tradição europeia tanto recorre.
Esta passagem do mundo da Justiça para o mundo da Graça não nos induz num
mundo de absoluta flexibilidade. A graça é um ato livre e absoluto, mas não é uma
decisão arbitrária, pois tem que corresponder a uma causa justa e elevada.
Este tipo de flexibilidade correspondia à existência de vários e sucessivos níveis de
ordem. Quanto mais elevados eles estivessem, tanto mais escondidos, inexplicáveis e
não generalizáveis seriam. A flexibilidade era a marca da insuficiência humana para
esgotar, pelo menos por meios racionais e explicáveis, o todo da ordem da natureza da
humanidade.

Flexibilidade por meio de equidade


A equidade era um outro fator de flexibilidade. A equidade aparece como «justiça
especial», não geral e não igual, mas mais perfeita do que a justiça igual (da qual a
equidade seria mãe). Aristóteles – a equidade era uma virtude anexa à justiça.
Ao passo que a justiça geral era o produto de uma forma menos refinada e profunda
de conhecimento, a justiça particular (ou equidade) decorria dessa forma superior de
entendimento das coisas que alcançava níveis superiores e mais escondidos da ordem
do mundo – a gnome.
O conceito de equidade teve uma evolução e impacto muito particulares no direito
inglês.
Considerava-se que a via dos sentimentos, ligados à religiosidade, era uma forma de
conhecimento superior à via da razão, que permitiam a quem julga uma aplicação
equitativa. Quando confrontado com o caso concreto, para que a solução seja justa e
equitativa, mesmo que para isso se tenha de se derrogar a norma geral, é preciso
passar para um nível superior do conhecimento, uma forma de entendimento mais
refinada, mais profunda. Exige-se que se considerem todas as particularidades do caso,
abstraindo da regra geral – um forma tosca de ler os casos, que ignora muitos
pormenores.

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História do Direito

O princípio da equidade era discutido e teorizado. Os textos romanos diziam que os


juristas eram aqueles que eram capazes de ser equitativos, de destingiu o justo do
injusto.

2.16. Direitos infra-reinícolas


Os direitos infra-reinícolas surgem dentro dos próprios direitos locais. Este tipo
de direitos estava inserido nos direitos próprios, sendo que regulavam pequenas áreas
dentro dos reinos, como as cidades, os municípios, os senhorios, etc.
O direito do reino (direito local) tornava-se subsidiário dos direitos infra-
reinícolas.
Em virtude do princípio segundo o qual “ o particular prefere ao geral”, os
direitos próprios prevaleciam sobre o direito comum. Este tinha face àqueles, o
estatuto de direito subsidiário.
Apesar da regra anterior, a capacidade normativa dos cargos políticos “infra-
reinícolas” não podiam ultrapassar o âmbito do seu autogoverno (princípio da
especialidade).
Os governos infra-reinícolas tinham direito à sua legislação, pois eram de
carácter natural, mas só se podia resumir ao autogoverno. Os direitos infra-reinícolas
estão, por isso, mais limitados aos direitos dos reinos.
Os direitos dos reinos sobrepõem-se cada vez mais aos direitos infra-reinícolas,
com o intuito de se afirmarem e não terem limitações, já que os direitos infra-
reinícolas constituíam um limite à ação dos reinos.
Para além do princípio da especialidade, havia outros princípios que protegiam
os direitos infra-reinícolas, como o Digesto. Neste estava escrito, por exemplo, que o
direito praticado na cidade de Roma se sobrepunha a todos os outros, protegendo o
Direito singular, contra o Direito geral.
O direito próprio do reino estava para os direitos infra-reinícolas, como o direito
comum estava para os direitos próprios.
Direito Tradicional: Vivia-se numa sociedade de privilégios e, por isso, cada estado
(Nobreza, clero, etc.) tinha os seus privilégios. Havia privilégios que o Rei não podia
regular. O rei tinha sempre de respeitá-los, principalmente quando estes constituíam
pagamento por um serviço prestado ao reino pelo indivíduo do estado em causa.

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Desigualdade de “estados” (Stände); Vinculação familiar e sucessória da terra;


Patrimonialização do poder.

2.17. Direito recebido e direito tradicional


Por muito forte que tivesse sido a romanização dos direitos dos povos europeus
durante a Alta Idade Média, os costumes gerais ou locais dos vários povos europeus
contrastavam fortemente, em muitos domínios, com o direito romano.
Exemplo:
Domínio do direito das pessoas: direito europeu alto-medieval caracterizava-se pela
diferenciação dos estatutos jurídicos pessoais, típica daquilo a que se tem chamado
uma sociedade de estados. Entre as pessoas podiam estabelecer-se laços de
dependência que limitavam o estatuto jurídico dos subordinados. / Em contrapartida,
o direito romano, embora conhecesse o instituto da escravidão e diferenciasse os
estrangeiros dos cidadãos era basicamente igualitária quanto aos estatutos destes
últimos, mesmo no que diz respeito ao tratamento relativo de homens e mulheres.
Domínio dos direitos patrimoniais: caracterizava-se por estabelecerem fortes
restrições à disponibilidade do património, nomeadamente da terra. Este encontrava-
se frequentemente vinculado a uma família, não podendo ser dela alienado inter vivios
sem o consentimento dos parentes e estando reservado para estes na altura da
sucessão por morte do seu detentor. O proprietário acabava por ser apenas um
administrador vitalício de uma massa de bens que devia manter íntegra para um
sucessor prefixado. Mas um bem podia ainda estar sujeito a pessoas diferentes que
dele usufruíam rendas ou outras utilidades. Como todos tinham um certo poder de
disposição sobre a mesma coisa, esta estava sob o domínio de vários e não podia ser
usufruída ou alienada plenamente por ninguém. A liberdade contratual e
testamentária de bens imóveis estava, por isso, fortemente ilimitada. / O direito
romano atribuía ao proprietário uma capacidade de plena disposição, sendo o
dominium definido como o direito de usar e de abusar da coisa. O direito de
propriedade presumia-se não dividido e liberto de quaisquer servidões a favor de
outrem ou da coletividade. A liberdade de testar era a regra e a ordem sucessória, na

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História do Direito

falta de testamento, estava estabelecida em geral e não dependia da natureza dos


bens.
Domínio das relações patrimoniais: o direito medieval conhecia uma íntima relação
entre o domínio sobre as coisas e o domínio político sobre as pessoas. Referimo-nos
àquilo a que se costuma chamar a “patrimonialização dos direitos políticos”. Os
direitos políticos são concedidos como atribuições patrimoniais dos senhores,
incorporados no seu património e suscetíveis de serem objeto de negócios jurídicos. A
titularidade de direitos sobre a terra incorpora, frequentemente, atribuições de
natureza político. / O direito romano mantinha uma distinção nítida entre as
prerrogativas públicas e os direitos dos particulares sobre os seus bens, não
concebendo que as primeiras pudessem ser objeto de negócios jurídicos de direito
privado.

De toda esta conjuntura, resulta o pluralismo jurídico.

Conclusão: existe um sistema jurídico medieval?


Na sociedade europeia medieval conviviam diversas ordens jurídicas: (i) direito
comum temporal, (ii) o direito canónico e (iii) os direitos próprios.
Pluralismo jurídico: coexistência de ordens jurídicas diversas no seio do mesmo
ordenamento jurídico.
Policentrismo: não se pode falar de uma, mas de várias ordens jurídicas, espécie de
“subsistemas”, com o seu espírito próprio, com proveniências diversas, com fontes de
legitimidade diversas.
Atualmente, a nossa sociedade e o sistema jurídico centra.se em torno da
Constituição; é monista e fechado.
Características:
• Ausência de princípios axiomáticos, de “verdades primeiras”, do princípio da “não
contradição”: cada ordenamento constitui um “ponto de vista normativo” próprio;
• Abertura a outras ordens normativas: a teologia, a moral, o “senso comum”;
• Flexibilidade, graça e equidade (decorria da existência de uma pluralidade de fontes
de manifestação da ordem, de entre as quais o intérprete devia, acaso a caso,
identificar a preferente; No plano da aplicação da norma de decisão, a flexibilidade
decorria da possibilidade de temperar a rigidez do direito (rigor iuris) com a

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consideração de normas adequadas ao particularismo de cada caso. A este direito


especial, particular, de superior perfeição, chamava-se equidade).
Processo complexo: Muitas vezes os princípios estabelecidos não eram
suficientes para decidir entre normas contraditórias.
Há várias verdades e não só uma. Os juristas devem aplicar aquilo que as
escrituras referem e não usufruir da sua arbitrariedade.
A doutrina baseava-se na opinião dos doutores, académicos, acerca de
determinados casos. Mas como as opiniões diferem umas das outras, o juiz tinha de
decidir qual aplicar. O juiz tinha de ter em conta os conflitos dentro da própria
doutrina. Em casa de conflito, o juiz tinha de ver em qual dos lados de ambas as
opiniões havia os melhores juristas. A opinião dos melhores juristas era a mais justa e
aceitável.
Mesmo que a maioria dos juristas estava convicta de uma opinião, pode haver
um “juristas melhor” que partilha de uma opinião diferente. Nestes casos, era a
opinião do melhor e mais prestigiado jurista que prevalecia. Este critério revela uma
mudança de mentalidade, dado que já se valorizava a opinião de um indivíduo em
confronto com a maioria.
Os doutores discutiam muito, de forma a criar uma opinião comum, mas nunca
se chegava a nenhuma conclusão sobre o que era a opinião comum.
O rei podia agir por graça, por boa-fé. Por exemplo, na época natalícia, podia ilibar
alguns criminosos. Outro ato de graça é a possibilidade que o Rei tem de conceder
nobreza.
Embora existissem vários ordenamentos jurídicos, podia referir a um só direito, o
Direito Comum. Havia uma comunidade jurídica europeia que estudava estes
ordenamentos jurídicos e que procurava princípios comuns a todos.
É de importante destacar como escolas de pensamento jurídico medieval a Escola dos
Glosadores e a Escola dos Comentadores.

2.18. Escola dos Glosadores


Na primeira metade do século XII, o monge Irnerius começou a ensinar o direito
justinianeu em Bolonha, dando origem à “escola dos glosadores”, posteriormente

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História do Direito

continuada por discípulos seus. Estes dispersam-se primeiro pela Itália, depois pela
França, onde, sob a influência da escolástica francesa, se elaboram as primeiras
sínteses. Por volta de 1240, Acúrsio reúne a elaboração doutrinal da Escola na célebre
Magna Glosa, Glosa Ordinária ou, simplesmente, Glosa.
As características mais salientes e originárias do método bolonhês são:
1) a fidelidade ao texto justinianeu:
Consideravam os textos justinianeus de origem quase sagrada, pelo que seria uma
ousadia inadmissível ir além de uma atividade puramente interpretativa destes textos.
A atividade dos juristas devia consistir numa interpretação cuidadosa e humilde,
destinada a esclarecer o sentido das palavras e, para além disso, a captar o sentido que
estas encerravam – interpretação anotativa.
2) O carácter analítico e pouco sistemático: os juristas faziam uma análise
independente de cada texto jurídico, realizada ao correr da sua «leitura», quer
sob a forma de glosas interlineares ou marginais quer sob a de um comentário
mais completo; sem que houvesse a preocupação de referir entre si vários textos
analisados.
3) Cabe aos glosadores o mérito de terem recriado, na Europa Ocidental, uma
linguagem técnica sobre o direito: fixar uma terminologia técnica e um conjunto de
categorias e conceitos específicos de um novo saber especializado – a jurisprudência.
4) Carácter académico e dogmático
A principal intenção dos primeiros cultores do direito romano era mais um objetivo
teórico-dogmático – o de demonstrar a racionalidade de textos jurídicos veneráveis –
do que um objetivo pragmático, como o de os tornar diretamente utilizáveis na vida
quotidiana do seu tempo. As intenções do seu trabalho não eram,
predominantemente, práticas.
Os civilistas negavam que o texto escrito (o direito doutrinal do Corpus iuris ou o
novo direito imperial do Sacro Império) necessitasse de ser confirmado pelo uso. O
que se traduzia, por exemplo, em começarem por tender a negar a vigência dos
costumes contra o direito escrito, pelo menos contra o direito «dos livros».
5) Influíram fortemente na vida jurídica e política do seu tempo devia à eficácia
da autoridade intelectual do saber que cultivavam. Justamente porque falavam como a
autoridade de um direito imperial e creditado, além disso, com um prestígio quase

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História do Direito

sagrado, a sua palavra acabou por ser decisiva, mesmo ao nível da alta política da
época.
6) A «glosa» era o modelo básico do trabalho desta escola. Ela cultivou uma
gama muito variada de tipos literários:
a) Simples glosa interpretativa ou remissiva
b) Curto tratado sintetizando um título ou um instituto
c) Formulação de regras doutrinais
d) Discussão de questões jurídicas controversas
e) Listagem dos argumentos utilizáveis nas discussões jurídicas
f) Análise de casos práticos

Mais:
A interpretação de conceitos contidos em textos de direito romano, muitas vezes
com referência a magistrados, problemas ou situações já inexistentes.
Para estes juristas, a legitimação das soluções decorria, não da adaptabilidade à
vida, mas da sua coerência com um modelo do mundo considerado como racional e
eterno.
A sua intenção era a de conhecer os textos, mas vão ver que eles tratam das
mesmas grandes questões com que se debatiam na época. Poder do rei – Imperador ;
Poder dos concelhos – cidades.
Os Glosas não visavam vincular a aplicação do direito, mas o seu conhecimento.
Os dois juristas mais famosos desta escola são, sem dúvida, o seu fundador – Irnério
– e Acúrsio, o compilador final de toda a sua produção doutrinal – na Magna Glosa ou
Glosa de Acúrsio (1250).
A jurisdição pena ou pleníssima apenas compete ao príncipe, mas o império mero
compete também a outros magistrados sublimes:
O Papa goza do arbítrio divino e, mas como é grande o poder do príncipe, pois pode
mesmo mudar a natureza das coisas, aplicando a substância de uma coisa a outras,
podendo tornar injusto a mesma justiça, como quando corrige algum cânone ou
lei, pois quase exprime a sua vontade, esta faz as vezes da razão. Em todo o caso,
ele deve conformar o seu poder àquilo que é exigido pela utilidade pública.

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O poder dos reis pode afastar leis, não tanto revogá-las para revogar as suas
próprias leis correspondia a uma potestas legislativa dos reis, desde cedo
geralmente reconhecida), mas, sobretudo, dispensando-as, i.e., não aplicando em
casos concretos. Era isto que permitia aos príncipes realizar autênticos milagres,
como legitimar bastardos, emancipar menores, perdoar criminosos, embora tudo
isto devesse ter em vista, não uma modificação arbitrário do direito, mas o
aperfeiçoamento da justiça nos casos concretos (flexibilização do direito por meio
da graça régia).

2.19. Escola dos comentadores


Surge com a emergência dos direitos próprios e a necessidade de os integrar, bem
como ao direito canónico, na construção jurídica (o novo direito comum). A influência
da escolástica como método intelectual - realismo e racionalismo.
O fundador da escola foi Cino de Pistóia, jurista, pré-humanista e poeta do dolce stil
nuovo. Mas o jurista mais influente nele inserido foi o seu discípulo Bártolo de
Sassoferrato, de Perugia, jurista ímpar na história do direito ocidental que, numa vida
de pouco mais de trina anos, produziu uma obra monumental. A sua influência na
tradição jurídica europeia durou até ao século XVIII.
São estes juristas que, debruçando-se pela primeira vez sobre todo o corpo do
direito (direito romano, direito canónico, direito feudal, estatutos das cidades) e
orientados por finalidades marcadamente práticas, vão procurar unificá-lo e adaptá-lo
às necessidades normativas dos fins da Idade Média.
Na raiz da nova atitude intelectual dos Comentadores, nesta equiparação do direito
«vivido» aos direitos contidos nas fontes da tradição, está uma nova atitude perante a
tensão entre verdade e realidade, que podemos relacionar com o advento da
escolástica tomista.
No século XII, verifica-se uma profunda mutação no panorama cultural e filosófico,
conhecida como «renascimento do século XII» ou «revolução escolástica», provocada
imediatamente, pela descoberta de novos textos lógicos de Aristóteles.
Esta descoberta, juntamente com o progressivo reconhecimento de que os textos
das Escrituras são insuficientes para a resolução de todos os novos problemas sociais e

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História do Direito

culturais, vem provocar o restabelecimento da crença na razão e o renascimento das


ciências profanas.
Instaura-se uma atitude filosófica que poderemos classificar de realista e de
racionalista. De realista porque se propõe investigar, não o que os textos sagrados ou
da autoridade dizem das coisas, mas a própria natureza das coisas. De racionalista
porque procura levar a cabo esta investigação com o auxílio de processos racionais,
processos estes cuidadosamente disciplinados por regras de «pensar corretamente»
aprendidas dos filósofos clássicos (sobretudo, Aristóteles).
Todavia, a ideia de que o direito consiste num conjunto de normas que o intérprete
pouco poderá alterar fazia com que, para os Comentadores, como para os Glosadores,
a ordem jurídica representasse um dado basicamente indiscutível, ainda quando ela se
mostrasse contraditória e desatualizada.
Foi a rutura no plano dos instrumentos intelectuais (ao serviço da interpretação são
agora colocados meios lógico-dogmáticos imponentes, a maior parte deles
proveniente da renovação lógica subsequente à redescoberta de importantes textos
aristotélicos) que permitiu aos comentadores criar inovações dogmáticas que, por
corresponderem também às aspirações normativas do seu tempo, vieram a tornar-se
dados permanentes da doutrina posterior.
Este novo modelo de pensar sobre o direito esteve na origem de teorias e figuras
dogmáticas novas:
A teoria da pluralidade das situações reais (i.e., das relações entre os homens e
as coisas)
Ao contrário do que hoje acontece, em que a relação entre o homem e os bens é
configurada como uma relação exclusiva e absoluta entre o sujeito e a coisa, o direito
medieval concebia o dominium (o direito sobre uma coisa) como podendo ser não
exclusivo, podendo coexistir com outros direitos de outros titulares incidindo sobre a
mesma coisa.
As coisas, se têm uma substância única, têm, em contrapartida, diversas utilidades.
São suscetíveis de vários planos de utilização, entre si compatíveis. Sobre cada um
destes planos pode existir um direito absoluto a favor de uma pessoa. Embora o
domínio sobre todas as utilidades da coisa (propriedade) seja a situação mais real mais
completa e de hierarquia superior, a faculdade de usufruir de alguma utilidade

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particular, desde que suficientemente enraizada na coisa, não deixa de ser uma forma
de domínio, com a mesma dignidade que a propriedade.
Apesar da substância da coisa ser uma só, o facto de o direito brotar da realidade da
vida sugere-lhe que uma coisa possa ter vários donos, já que o dominium visa usos
plurais das coisas e não a sua essência.
A doutrina jurídica dos comentadores pode constituir a teoria do domínio dividido.
Aplicação especial dos ordenamentos jurídicos.
O direito alto-medieval identificava o problema da aplicação espacial do direito com
a da pertinência a uma «nação», a um grupo humano (Personenverband). O âmbito de
aplicação de um direito coincidia com o âmbito de uma tribo ou de uma comunidade
ligada por laços de sangue e de tradição. Ou seja, o direito tinha uma aplicação
pessoal.
Tende-se para uma conceção territorial do poder, segundo a qual as leis deviam
vigorar territorialmente, independentemente da naturalidade dos sujeitos a que se
devessem aplicar, da situação dos bens a que se referiam, do lugar de celebração dos
negócios jurídicos ou do direito de foro que conheciam a causa.
Os comentadores- que viviam numa época em que estes problemas se multiplicam,
ao acentuar-se a mobilidade das pessoas – vão precisamente escutar esta variedade
das situações da vida, formulando critérios casuísticos e desamarrando a questão dos
conflitos de leis dos critérios únicos da pertença «nacional» ou da sujeição política.
Embora partam da regra de que a lei só se aplica, em princípio, aos súbitos,
introduzem todavia limitações inspiradas por soluções casuísticas contidas nos textos
romanos, bem como por razão de equidade.
Teoria da naturalidade do poder político
Campo em que se manifesta a sensibilidade dos comentadores em relação à ordem
implícita na própria realidade e à variabilidade que esta comporta é o da teoria da
origem e legitimação do poder político.
Anteriormente dominava uma conceção autoritária do poder normativa e
jurisdicional, segundo a qual este era um atributo do príncipe, como sucessor do
Imperador ou como vigário de Cristo. Todos os poderes exercidos na sociedade teriam
esta fonte, sendo produtos de uma permissão ou de uma delegação da jurisdição. A
Glosa ainda insiste neste carácter publicístico do poder, ao definir a iurisdicio como

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História do Direito

poder introduzido pela autoridade pública com a faculdade de dizer o direito e estatuir
a equidade.
Na sociedade medieval isto não correspondia à realidade. Existiam poderes diversos
e de diferente hierarquia e âmbito, sem que se pudesse dizer que a sua existência
decorria de uma permissão do Imperador. A novidade introduzida pelos comentadores
foi a de afirmar que os poderes existentes na sociedade tinham uma origem natural,
independente de qualquer concessão superior, pois a própria existência de corpos
sociais implicaria naturalmente a sua ordenação íntima, é esta a faculdade de
autorregulação. Daí que se tenha começado a tender para uma conceção do poder
político como algo pertencente à própria ordem das coisas, que, ao instituir corpos
humanos organizados, lhes tinha, implicitamente, outorgado a faculdade de
autopromoção.
A teoria tardo-medieval da iurisdictio é levada a distinguir vários níveis e âmbitos de
poder. Assim, no seio da iurisdicio genericamente concebida, os juristas distinguem
entre:
ordinária (estabelecido pela lei ou pelo costume, abarcando a universalidade
das causas);
delegata (concebida, por rescrito ou privilégio, para um tipo especial de causas
e para certa causa individualizada).
Mas distingue ainda, segundo o âmbito de poderes que encerram, sucessivos subtipos
de iurisdicti:
• imperium (conjunto de poderes que o juiz, titular do poder político, exerce por
sua iniciativa). Este encontra-se subdividido em:
• Merum imperium – a jurisdição que se exerce por iniciativa própria ou
mediante acusação, visando a utilidade pública, englobando as faculdades
políticas superiores que visam a utilidade da comunidade no seu todo;
• Mixtum imperium – o que se exerce por iniciativa própria visando alguma
utilidade privada), abarcando as faculdades de atuação autónoma do juiz tendo
em vista a realização de um interesse, não já comum, mas particular.
Quanto à iurisictio que consistia na faculdade de dizer o direito numa causa em
que dois interesses particulares e contrapostos entravam em conflito – ela incluía

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também os mesmos seis graus, definidos agora a partir da importância da causa em


questão.
• Em suma, esta conceção naturalista e hierarquizada do poder político permitem dar
conta da pluralidade e coexistência de poderes numa sociedade corporativa, como
a medieval; permitindo que eles coexistam harmoniosamente dentro das
respetivas esferas de vigência.
• O impacto mais decisivo da atividade e do saber dos comentadores sobre a vida
jurídica, política e social europeia foi constituído, mais do que pelas suas inovações
dogmáticas, pelo seu contributo para a constituição de uma categoria social, à qual
passou a ficar cometida a resolução dos diferendos sociais com recurso a uma
técnica racional, embora suficientemente hermética para estar fora do alcance do
homem comum. A categoria de jurista passa a desempenhar um papel central e na
diplomacia, lidando com as grandes questões políticas da sociedade; mais tarde, na
administração local e na aplicação da justiça, assumindo então um papel arbitral no
quotidiano da vida social.

2.20. A crise do século XVI (180 a 190)


No século XVI, o advento de uma nova realidade normativa, bem como o
desenvolvimento interno do sistema do saber jurídico, vêm provocar uma grande crise
na doutrina europeia do direito.
Início do desmantelamento do sistema jurídico medieval do Direito Comum. O
século XIV, a que corresponde a atividade dos Comentadores, é a altura em que os iura
propria são plenamente integrados no ius commune romano-justinianeu e em que o
saber jurídico procura reduzir este cumula a uma unidade. Todavia, a evolução social e
o progresso do movimento de centralização do poder político acaba por modificar o
equilíbrio do sistema de fontes de direito, abrindo para uma aberta supremacia do
direito reinícola (que passa a ser o verdadeiro direito comum) sobre o ius commune
elaborado pelos juristas do século XIV.
Isto acontece, antes de mais, naqueles ramos em que o direito romano não podia
trazer grande contributo (dada a maior evolução do estilo de vida) – como o direito
público, o direito criminal e o direito comercial.
Fatores:

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(i) Cada vez mais independência do direito dos reinos em relação ao direito comum de
raiz romana. O abandono dos princípios da doutrina romano-civilística nestes domínios
particulares é o reflexo de uma submissão mais vasta do direito comum de base
romano-canónica (corregido pela atividade modernizadora dos Comentadores) aos
novos direitos nacionais, cuja codificação começa, a partir do século XV, a estar em
marcha, e que traduzia, no campo jurídico o fenómeno da centralização do poder real.
Os direitos dos reinos vão ficando mais completos, e cada vez menos era necessário
recorrer ao direito romano para resolver problemas (relegam o direito comum para o
plano de direito subsidiário). Muitas vezes estas compilações estavam fortemente
repassadas de princípios e instituições de direito comum.
Até aos finais do século XVII, as novas compilações não representam uma intenção
de centralização do poder monárquico, inovando o direito por meio da lei régia, mas
antes um desejo de corresponder aos pedidos dos povos de, pela redação escrita, se
tornar mais certo o direito consuetudinário tradicional (não é pluralismo medieval).
Todo o afirmado respeito pelo direito romano se tornava absurdo quando o direito
efetivamente vigente se distanciava, progressivamente, dos textos do Corpus Iuris.
(ii) O Direito Romano vigorava legitimamente pela sua racionalidade intrínseca, i. e., os
textos eram válidos porque eram a razão escrita. Os medievais situavam a razão nos
textos. Lentamente, a razão das coisas desloca-se das coisas (da ordem do mundo, dos
textos dos livros) para o homem. Agora a razão é a razão do homem. Não é a que está
na ordem das coisas, que nos é dada pela tradição, que é assim porque Deus quis.
Acredita-se cada vez mais nas potencialidades da razão (instrumento intelectual do
homem) para conhecer a ordem do mundo. A razão serve para conhecer, para criar a
ordem. O homem quer agir na ordem das coisas, nomeadamente, a ordem das
sociedades humanas. Utiliza a razão para olhar para a ordem da natureza, mas quando
olha para a ordem das sociedades, vê que há coisas que não estão bem, i. e., o homem
observa com capacidade de critica. O homem acredita que a sua razão pode alterar a
ordem das coisas. Só é possível porque a razão se desloca da ordem das coisas para o
homem.
Quando estes homens do renascimento começam a ler o Corpus Iuris Civilis com
espírito crítico, e “deitam para fora” aquilo que não lhes parece estar de acordo com a

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História do Direito

razão (porque era pela razão que ele vigorava), encontram nele coisas que estão de
acordo com a sua razão, mas outras não.
Antes, os homens achavam que a razão estava cristalizada na ordem do mundo e
por isso submetiam-se a ela. Agora, a razão está no homem e querem organizar as
coisas como eles acham que é racional, i. e., submetem-nas ao critério da sua razão.
Como a razão já não está nos textos, os juristas podem dizer que não precisam do
Corpus Iuris Civilis para pensar o direito, eles podem extrair as regras do justo da sua
razão. No limite, podemos extrair as regras da boa convivência humana diretamente
da nossa razão.
O homem olha para a natureza das coisas, a tradição, e encontra a razão.
Descartes (contemporâneo): à partida está tudo errado (duvida metódica). Ele quer
abstrair-se da ordem do mundo, que o induz em erro.
O método muda-se: raciocínio dedutivo (geral para particular).
Cada vez mais se acredita na capacidade do homem de distinguir o bem do mal e
organizar a sociedade segundo esse juízo.

3. O Pensamento Jurídico jusnaturalista


Jusnaturalistas Positivismo
Jusnaturalistas: antes do positivo existem normas anteriores, superiores à ordem
positivada.
Jus racionalista: os princípios da razão são essas normas anteriores. Se o direito
positivo não estiver de acordo com esses princípios, pode ser derrogado. Mais
importante que os direitos positivos sãos os princípios racionais. Se não estiverem de
acordo com a razão, as normas positivas de direito podem ser derrogadas.

3.1. O Jusnaturalismo da Escolástica Tomista


Já se falou várias vezes de Direito Natural e de natureza das coisas. São Ideias que,
nascidas entre os gregos atravessaram toda a Idade Média com fortuna e sentidos
diferentes, e se reinstalaram na Época Moderna. Encontrámo-nos com o Direito
Natural quando nos referimos a S.Tomás de Aquino. Recebendo influências de
Aristóteles, S. Tomás aceitava a existência de uma ordem natural das coisas, tanto
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físicas, como humanas, ordem já constatada pelos clássicos e que era confirmada
numa crença cristã num Deus inteligente e bom, criador e ordenador do mundo. Pelo
menos a teoria escolástica das «causas segundas» era neste sentido. A cada espécie
teria atribuído Deus, como «causa primeira», uma lei natural, «causa segunda». Estas
naturezas das várias espécies harmonizar-se-iam todas em função do bem supremo,
de tal modo que o mundo estaria cheio de ordem e os movimentos dos seres ou das
espécies de seres obedeceriam a uma regulação cósmica. E o mesmo se diga do
homem. Também a espécie humana teria uma determinada natureza, ou seja, estaria
integrada na ordem e no destino cósmicos. A Ideia de Direito natural parte
precisamente daqui. A partir de uma pesquisa dos fins do homem e do seu contributo
para o plano da criação, elaborar as regras que deviam presidir à prática humana, de
modo a que esta resultasse adequada aos desígnios de Deus quanto à vida em
sociedade e quanto ao lugar do homem na totalidade dos seres criados. Tais regras,
umas formuladas nas escrituras (direito divino), outras daí ausentes mas manifestadas
pela própria ordem do mundo e atingíveis pelo intelecto, se bem ordenado (reta ratio),
constituem o direito natural.
Simplesmente, S.Tomás combinava a sua confiança na capacidade do homem para
conhecer a ordem do mundo com o sentimento de que este conhecimento não podia
ser obtido por processos estritamente racionais. Por um lado, a descoberta da ordem
natural das coisas não podia provir de um acesso direto às ideias divinas, vedado ao
homem, em virtude do pecado. Por outro lado, não seria atingida por uma
especulação meramente abstrata. Começava por pressupor um trabalho de
observação dos factos, dos resultados restritos e imperfeitos da nossa experiência.
Esta observação devia ser orientada e complementada pela elaboração intelectual.
Mas o intelecto não se compunha apenas de faculdades de raciocínio (razão), mas
também de faculdades morais ( virtudes). Nomeadamente o raciocinar sobre a ordem
das coisas dependia da virtude da bondade, ou seja, da capacidade moral de perceber
o sentido global da ordem e, por isso, de distinguir o justo do injusto. Daí que a razão
tenha que ter um qualificativo moral para ser eficaz, tem que ser uma «boa razão».
Por outro lado, a mobilidade essencial das coisas humanas, despoletada pela
existência de liberdade no homem, levava a que não fosse possível encontrar
princípios invariáveis de justiça. E daí que fosse impossível estabelecer uma ciência do

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direito natural que desembocasse na formulação de um código de regras


permanentes. Tudo o que se podia afirmar, neste domínio, era a existência de um vago
e formal princípio de que «se deve fazer o bem e evitar o mal». Se, pelo contrário, se
passasse para a regulamentação concreta, tudo seria mutável e sujeito a um contínuo
exame de ponderação. À pretensão de uma ciência do natural, substitui, portanto, São
Tomás a proposta de, em cada momento, para cada caso encontrar o justo. E nisto
também se encontrava com o ensinamento de Aristóteles.

3.2. A Escola Ibérica do Direito Natural


Constitui um desenvolvimento peninsular da escolástica aqueniana (teleológica),
provocado pelo advento da Contra-Reforma. Era uma comunidade ibérica de juristas
de vanguarda intelectual.
Esboça os novos moldes do direito natural (fundado na razão), na Época Moderna.
Muitos destes juristas refletiram sobre os direitos dos povos da América. O
encontro com outros humanistas levou-os a procurar direitos comuns à humanidade
(cum um tão grau de abstração que pudessem ser aplicados a todos. Sendo os povos
tão diferentes, e concluindo-se que eram todos humanos, quais os denominadores
comuns a toda a humanidade.
Apesar de uma fidelidade fundamental a São Tomás, esta escola integra uma boa
parte da contribuição cultural e filosófica do humanismo e não é estranha a muitos
temas da filosofia franciscana.
O contributo específico da escolástica espanhola cifra-se no seguinte:
(i) Laicização do direito
(ii) Radicação do direito na razão individual
(iii) Logicização do direito
A Escola Ibérica de Direito Natural teve enorme importância para o devir do
pensamento jurídico europeu. O racionalismo, o contratualismo e outros ingredientes
do direito moderno encontram aí os seus princípios. Daí a sua enorme influência em
zonas tão distantes, geográfica e espiritualmente, como as áreas culturais do Norte da
Europa, especialmente a Holanda e o Norte da Alemanha.

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A escola parte da ideia de que a espécie humana teria uma certa natureza. Estaria
integrada, de certo modo, na ordem.
Para Tomás, haveria regras que deviam presidir à prática humana, de modo a que esta
resultasse adequado aos desígnios de Deus quanto à vida em sociedade e quanto ao
lugar do homem na totalidade dos seres criados.
No século XIV, XV e XVI dá-se uma crise da teologia escolástica medieval:
No trânsito da Idade Média à Idade Moderna operam-se profundas mudanças:
i) Rutura da Igreja Medieval (divisão da Cristandade);
ii) Época do nascimento do E Moderno (Monarquias absolutas);
iii) Nascimento das modernas ciências empíricas (nasce a escola nominalista);
iv) Renascimento e humanismo.
A Idade Média caracterizou-se pelo universalismo: todo o conhecimento humano é
ligado à figura de deus. Tudo se orienta a Deus. A filosofia Medieval permanece dentro
dos limites da Teologia – saber principal. Também não há divisão entre fé e razão. A
principal manifestação da filosofia medieval é a escola tomista (corrente dominicana
criada por S. Tomás de Aquino – segue a orientação de Aristóteles). A crise da
identidade do pensamento denunciado pela escola tomista, franciscana. São Tomás de
Aquino ensina na Universidade de Paris, centro da escolástica medieval.
No século XVIII, com a crise da escolástica, abandona-se o estuda o da Sagraa
escritura dos Santos.
A renovação teológica é o ideal/ objetivo comum a todos os membros da escola:
filiação salamanquina e filiação vitoriana. Também tem uma tradição doutrinal
comum, adotam como objetivo principal do seu estudo a Summa Teológica. Deu-se o
desenvolvimento peninsular da escola tomista, provocada pela chegada da Contra-
Reforma europeia, recebida por a Península Ibérica ser católica. Quanto à diversidade
dos objetivos de estudo nomear-se pode o estudo sobre o problema ético da
conquista da América. O professor dessa escola, José da Costa, denunciou os abusos
dos primeiros colonizadores na América.

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Movimento humanista em Salamanca

Repercussões da Escola de Salamanca


a) Laicização do Direito – levando às últimas consequências a teoria das
«causas segundas», a natureza é de tal modo concebida como auto-regulada,
que se admite que tal regulação teria lugar mesmo se deus não existisse. –
Deus não poderia mudar as verdades da ciência do Direito. O Direito não é um
produto teológico, mas laico. Na Idade Média todos os conhecimentos eram
considerados religiosos. Diferentes povos relacionam-se entre si e Deus não
intervém nessas relações. As leis são compreensíveis e entendidas por todos os
povos.
b) Vinculação do Direito à razão individual – Retomando as formas do jus
naturalismo estóico, os peninsulares defendem a ideia de que as leis naturais
são suficientes explícitas para serem conhecidas pela razão humana. A razão
individual é promovida a fonte de direito, o «primeiro código onde estão
inscritos os princípios jurídicos eternos.
c) Logicização do direito: A Crença na razão e nos mecanismos lógicos, postos
em honra pelo nominalismo, vai fazer com que se julgue possível encontrar o
direito por via dedutiva. Suarez lança, de facto, as bases do dedutivismo que
iria reinar na metodologia do direito ao afirmar, pela primeira vez nos termos
modernos, que é possível deduzir a partir dos princípios racionais do direito,
regras jurídicas precisas, com conteúdo, eternas e imutáveis.
A Escola de Salamanca contribui para o aparecimento do racionalismo europeu
(conteúdo eterno e mutáveis).
Contratualismo europeu, pacto entre o rei e o povo que tem de ser um rei justo e
buscar o bem comum e a quem o povo deve jurar fidelidade. Teve muita influência na
Holanda e Alemanha.

Principais autores:
(i) Dominicanos (Sacerdotes da ordem de S. Domingo);
-Francisco de Vitória – fundador da escola de Salamanca, impulsionador da
restauração teológica na Espanha Renascentista. Influenciado pela sua formação na

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Universidade de Paris. Não escreveu nenhuma obra, sendo as ideias conhecidas


através dos seus alunos.
A ideia tomista revelada por Francisco de Vitória: Deus outorga o poder à comunidade;
a comunidade (intermediária) entrega-o a uma pessoa ou a um grupo de pessoas.
Defende ainda, que o rei deve cumprir a sua função de uma maneira justa, não deve
abusar do poder e tornar-se um tirano (ideia que no Direito Ibérico remonta aos
visigodos).
(ii) Franciscanos;
(iii) Jesuítas e Juristas (autores que praticam direito).

Ideia importante de Francisco da Vitória: comunidade de Estados (por isso se


considera este como o fundador do Direito Internacional). Defende o reconhecimento
de todos os Estados. Os principados indígenas tinham os mesmos direito que os países
da Europa – todos os Estados são iguais. (ius gentium) Espanha e Portugal, às
conquistas de novos territórios constituíam novas relações com esses povos, que se
deviam regular pelo direito das gentes.
Consequências: Dúvida sobre a legitimidade da conquista da América. Como os
Estados são iguais, põe-se em dúvida se Espanha tem legitimidade para conquistar
esses territórios.
Ideia medieval: papa, representante de deus na terra, era o senhor de todo o
mundo (universalismo). Ele delega ao Imperador de Espanha o direito de ser senhor de
todos os indígenas.
O Humanismo põe precisamente em causa o facto de o Papa ser o senhor do
mundo e o Imperador o senhor dos indígenas.
Problema da ética da conquista: teoria das guerras justas e polémica dos justos
títulos. Mecanismos que legitimam a colonização, as guerras são justos.
• Domingo de Las Casas, defensor dos Índios, criticou muito a situação “de las
encomendas” (exploração forte dos indígenas que trabalhavam na terra).
• Juan de Supulvora, defensor da colonização, afirmava que os índios eram
bárbaros, incultos e salvagens e mereciam ser submetidos à colonização
espanhola. Inspirava-se em Aristóteles, que terá defendido a desigualdade dos
homens. Sendo os espanhóis superiores aos índios.
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• Domingo de Soto, catedrático de “Vésperas na Universidade de Salamanca,


autor tomista, diz que todo o poder vem de Deus, que dá esse poder de modo
mediato ao rei (dá-o à comunidade que o delega). É uma teoria que defende a
monarquia. Enviou as ideias de Bartolomeu e sepultura para o tribunal e esse
teve que decidir sobre os justos títulos.
Fora da Lei Natural, existe a Lei Eterna (ideias de S. Tomás):
A Lei Natural participa na Lei Eterna – direito que provem de deus; princípios que se
aplicam a todos os povos do mundo (são princípios de inspiração divina).
A Lei Eterna e a lei de deus; é a fonte de todas as leis do mundo (conceção
medieval).
Quais as dúvidas sobre a legalidade da submissão dos índios: dúvida da ética da
colonização e dúvida se os índios estão obrigados a aceitar as ideias evangélicas.
• Bartolomeu de Medina inicia a doutrina do probabilismo (a escola de
Salamanca também se preocupou com as questões filosóficas). Tendo várias
opções, a pessoa deve escolher a ação que tem mais probabilidade de
acontecer. Pode ser oposta à opinião do povo (ideia um pouco individualista).
Movimento humanista critica a tradição.
• Domingo Banes, funda a teoria da predestinação física (probabilidade
filosófica). Deus é a origem de todo o acontecimento e tem a faculdade de
conceder a uma pessoa a graça irresistível (conceder a salvação do homem).
Graça suficiente: não concede salvação; deus quer que as pessoas se salvem.
Debate no concílio de Trento – se as pessoas se salvam pelas suas obras ou se a
sua salvação já está definida por Deus.
Limitação da guerra justa: não vê com bons olhos a ideia da guerra justa. A guerra não
tem justificação.
Lógica da teologia: dá uma justificação racional às questões teológicas. Escola de
Salamanca precursora do racionalismo europeu – as coisas verdadeiras são as que a
razão do homem diz que são.
Procura explicar racionalmente as Sagradas Escrituras. Critica as fontes do
conhecimento religioso.

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História do Direito

• Afonso de Castro – Franciscano – é um penalista, que explica a guerra por


questões de veneração (índios adoram muito Deus) e da heresia (indígenas
bárbaros que é preciso submeter).
Grupo de Juristas vanguardistas (parte da ideia da igualdade e da liberdade entre
homens):
• Fernando Vasquez de Manchata defende o princípio da liberdade dos mares. O
mar é um elemento comum a todos os países do mundo.
• Diogo de Caborobias foi um comentador italiano que seguia as ideias de bartolo
espanhol. Justifica o fortalecimento do Estado Moderno, nomeadamente do
Estado espanhol depois da unificação.
• Martim de Aspicueta foi um professor em Coimbra, orientou-se aos temas
económicos. As operações comerciais entre os países deviam respeitar
princípios morais – época do pré-mercantilismo.
• António Vieira condenava a escravatura.
• Luís de Molina explicou a intervenção de Deus nos atos livres, i. e., a maneira que
Deus controla o comportamento dos homens.
• Gabriel Vasquez define o Direito das Gentes como o direito de sociedades
diferentes. Regula as relações onde interagem sociedades diferentes.
• Padre Francisco Suarez culmina a escolástica renascentista e do barroco, última
escola de Salamanca. Defende que a comunidade recebe poder político de Deus
e o povo é o soberano. Um dos fundadores do Direito Internacional.
• Rodrigo de Arriaga defende que o direito das gentes pertence ao direito natural.
• Frei Luíz de León foi o autor da ordem agostina. Partia da igualdade de todos os
homens e defendia a paz e a concórdia entre todos os homens. O Rei é um
simples mandatário do povo (de quem recebe o poder). As leis estão ordenadas
ao bem comum (a ideia do bem comum e do Rei justo vem dos visigodos).

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3.3. O Jusnaturalismo Moderno


O novo direito natural, fundado na razão (correspondente do antigo direito natural,
fundado na teologia), vem impor-se decisivamente na cultura jurídica europeia do
século XVII.
O pensamento social e jurídico laicizara-se. Razões: (i) se ter quebrado a unidade
religiosa da Europa com a Reforma e (ii) de se ter entrado em contacto com povos
totalmente alheios à tradição religiosa europeia. Foi necessário encontrar um direito
que pudesse valer independentemente da identidade de crenças, fundamentando em
valores laicos, tão comuns a todos os homens como as evidências racionais.
Características do novo jus naturalismo: (i) emancipado de uma fundamentação
religiosa – prescindiam da omnipotência da vontade de Deus, limitando-a pela Sua
razão, ou seja, concebendo um Deus sujeito a princípios lógico-racionais que lhe
seriam «anteriores», o que corresponde a uma atitude racionalista; e (i) os
fundamentos de que partiam para encontrar uma ordem imanente na natureza
humana eram características puramente temporais, como os instintos e a capacidade
racional.
Ao prescindirem dos dados da fé, este jus naturalismo ficam a poder contar apenas
com a observação e com a razão como meios de acesso à ordem da natureza. Ao lado
da observação funcionava a razão que: (i) identificava axiomas sobre a natureza do
homem, e (ii) definia os procedimentos intelectuais capazes de deduzir desses axiomas
outras normas. Estes procedimentos eram, em geral, os que correspondiam ao
raciocínio da física ou da matemática.
O modelo geral da natureza de que partem é um modelo mecanicista, inspirado na
física do seu tempo. E, assim, a substituição de uma estrutura mental teológica por
uma outa dominada pelo novo pensamento científico manifesta-se, ainda, na
substituição de um modelo finalista para um modelo mecanista. Ou seja, neste mundo
que prescinde da dimensão sobrenatural e se concentra nas explicações ao nível
puramente temporal (físico), a natureza do homem é agora encontrada, não pela sua
finalidade última (Deus, a salvação, a vida em comum), mas pelas causas das suas
ações (a vontade, os instintos). O direito da natureza deixa de ser aquele exigido pela
preparação da cidade divina, mas aquele que decorre da manifestação das tendências
cegas naturais do homem ou da necessidade de as garantir. Ao prescindir da ideia

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da finalidade, de ordenação do homem para algo que o transcende (seja Deus, seja a
sociedade), este novo pensamento social fica limitado, na sua referência, ao indivíduo.

O jusnaturalismo racionalista
Os juristas europeus, que tinham começado a ler o corpus iuris, e os filósofos, que
desde há muito conviviam com os textos dos estóicos e de Cícero, encontravam-se
com outra tradição jusnaturalista, a de raiz estóica. Para os estóicos, o direito natural
era outra coisa porque também a «sua natureza» era diferente daquela de Aristóteles.
Este último fazia da natureza não só o germe a partir do qual se desenvolvem as coisas
e os seres vivos; mas também o fi para o qual estes naturalmente tendem. No caso dos
homens, a natureza é a associação com outros. Os homens são «naturalmente
políticos», pois tendem a constituir cidades, grupos, comunidades, como aqueles
existentes efetivamente. Pelo contrário, para os estóicos, a natureza é a causa, o
espírito criador e ordenador que dá movimento ao mundo e que o transforma num
mundo ordenado (cosmos). Em todos os seres e, nomeadamente, nos seres vivos há
uma parcela de logos, que constitui o seu princípio de vida. No Estado puro, , o logos
encontra-se nos deuses e também na alma dos homens , de tal modo que a razão
constitui a natureza específica do homem. É importante destacar na doutrina do
jusnaturalismo racionalista o nome de Cícero, sendo que for este que efetivamente
difundiu a moral e a doutrina jurídica estóicas no ambiente cultural romano e, mais
tarde, quando a cultura europeia ansiou por um regresso aos modelos clássicos, quem
a iniciou na doutrina moral e jurídica da stoa. Esta doutrina, que se pode encontrar
resumida no texto citado na nota anterior, pode sintetizar-se nas seguintes ideias:
i. Existe uma lei natural, eterna, imutável, promulgada pelo Ordenador do
Mundo;
ii. Tal lei está presente em todos, podendo ser encontrada por todos, desde que
sigam as evidências da boa razão, ou seja, da razão do homem que respeita
as suas inclinações naturais;
iii. Este direito é constituído por normas precisas, por leis gerais, certas e claras,
de modo a que não é preciso um técnico de direito para as interpretar. A
Declaração do Direito não é, portanto, uma tarefa árdua, precedida de uma
cuidadosa observação e ponderação de cada caso concreto, mas uma

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simples extração das regras de viver que a boa razão sugere a cada um. E
também não é uma tarefa limitada nos seus resultados, pois nem a lei
natural está sujeita à contingência dos tempos e dos lugares, nem a razão
humana tem dificuldades em conhecer.
Evidência, generalidade, racionalidade, carácter subjetivo e tendência para a
positividade, tais são as notas distintivas do jusnaturalismo moderno, as quais
encontramos no centro da filosofia moral dos estóicos.
Mas, para além destas vozes que lhe vinham do passado, o século XVII encontrou
no ambiente filosófico do seu tempo elementos que contribuíram para formar a sua
conceção de um direito natural, estável como a própria razão. Referimo-nos ao
idealismo cartesiano, embora tal conceção filosófica tenha ligações muito profundas
com uma anterior escola filosófica da Baixa Idade Média – o Nominalismo de Duns
Scotto e Guilherme d´Occam. Descartes foi um espírito profundamente atraído pela
ideia de um saber certo. A Primeira regra do seu método é a regra da evidência
racional: nada admitir como verdadeiro que não seja evidente para o espírito. As
outras três das quatro regras são complementares desta e destinam-se a tornar
evidente aquilo que à primeira vista não o é. Quer dizer, para Descartes, a chave da
compreensão estava num interrogar de si mesmo, num excogitar altivo e isolado,
pouco atento às realidades exteriores. Embora Descartes não se tenha ocupado do
Direito, o seu método influenciou, sem dúvida, os juristas que procuravam segurança.
Também estes fizeram fé nas ideias claras e distintas, na evidência racional dos
primeiros princípios do direito, na possibilidade da sua extensão através da dedução;
enfim, no poder da razão individual para descobrir as regras do justo, de um justo que
fugisse à contingência, por se radicar numa ordem racional da natureza, de que a razão
participava. E é com este direito natural racionalista que se vai avançar no sentido de
tornar mais certo o direito positivo.

O jusnaturalismo individualista
As três fontes:
1) Nominalismo de Duns Scotto e Guilherme Occam: o indivíduo – homem,
tomado isoladamente, considerado como desligado dos grupos em que está
inserido, não caracterizado pelas funções que aí desempenha – está na base do

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direito. Os indivíduos são considerados isolados, sem outros direitos ou deveres


senão aqueles reclamados pela sua natureza individual, ou pela sua vontade.
2) Cartesianismo: o homem é um ser que busca a verdade através da razão, ser
que intelectualmente não se desdobra senão à evidência racional. A tal ente não
podia deixar de se reconhecer dois direitos, decorrentes da sua natureza: (i) o de
usar livremente a razão (no campo teórico) e o de desenvolver (no campo
prático ou da ação) racionalmente a sua personalidade (i. e., o de pautar a sua
ação pelos princípios que lhe eram ditados pela razão.
3) Empirismo: parte da observação do homem concreto. O homem, mais do que
um ser racional, era um ser comandado pelos instintos. Estes instintos o direito
devia garantir o livre curso, podendo dizer-se que a satisfação constituía um
direito natural.
• O direito natural deriva da natureza do homem individual e da observação daqueles
impulsos que o levavam à ação. Exemplo de direito natural: direito de propriedade.
• Perante a necessidade «natural» do homem de agir racionalmente ou de agir
instintivamente, a sociedade chegava a aparecer como um obstáculo, pois nela não
era possível dar livre curso a estes impulsos sem chocar com os desígnios de ação
dos outros. Por isso é que a maior parte dos pensadores jus racionalistas defendem
que a instituição da sociedade originada (em Estado) representa o limite dos
direitos naturais, ou até a sua hipoteca a outros valores.
• Do ponto de vista das formas políticas, o jus naturalismo desdobra-se em duas
orientações:
(i) O demo-liberalismo, inaugurado por John Locke e desenvolvida pelos jus
racionalistas franceses. A constituição do estado político não cancela os direitos
de que os indivíduos dispunham no estado de natureza. Na verdade, o estado
político apenas garantiria uma melhor administração dos direitos naturais
públicos, substituindo a autodefesa e a vingança privada pela tutela de uma
autoridade pública. Por isso mesmo, o soberano, que não era a fonte nem do
direito de natureza nem dos direitos individuais daí decorrentes, estava obrigado
a respeitar o direito natural e os dos direitos políticos dos cidadãos.

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(ii) O absolutismo, com origem em Thomas Hobbes. Os perigos do «estado de


natureza» levavam a que os homens decidissem depor todos os seus direitos na
mão do príncipe, a fim que este zelasse, com pulso livre, pelo bem comum e pela
felicidade individual. A única limitação do príncipe seria a necessidade de
governar racionalmente, ou seja, de forma a adequada aos objetivos que tinham
estado na origem da instituição da sociedade política. Neste caso, o próprio
direito natural desaparece com a instituição da sociedade política, justamente
porque, uma vez instituído o soberano como único legislador, não há lugar para
qualquer direito que não tenha origem nele. Leis naturais e costumes valem
apenas enquanto não provêm da vontade positiva do soberano, provêm da sua
paciência.
A premissa básica do jus naturalismo individualista era a existência de um direito
inato de cada homem ao desenvolvimento da sua personalidade. O contrato social
visara garantir esse direito na vida social, cirando uma entidade (o Estado) que
assegurasse a cada um a satisfação dos seus direitos em toda a medida em que tal
satisfação não prejudicasse os direitos dos outros. O fim do direito positivo não é tanto
garantir o individuo em sociedade, mas garantir os direitos dos indivíduos.

3.4. A teoria dos direitos subjetivos


• Os direitos subjetivos são, na conceção jusracionalista, os direitos, atribuídos pela
natureza a cada homem, de dar livre curso aos seus impulsos instintivos ou
racionais. Estão portanto, ligados à personalidade, à sua defesa, à sua conservação,
ao seu desenvolvimento. Todo o direito privado vai ser visto como uma forma de
combinar e harmonizar o poder que cada um tem de desenvolver a sua
personalidade.
• Os jusnaturalistas pensavam que estes direitos não podiam desenvolver-se
plenamente no estado de natureza, pois o livre desenvolvimento dos direitos de
um chocaria com idêntico desenvolvimento dos direitos de outro. Constituída a
sociedade civil através do contrato social, tais faculdades ficariam restringidas, mas
os sujeitos ganhariam uma caução pública para os direitos que lhe viessem a ser
confirmados. O alcance do contrato social é a redução dos direitos inatos a fim de
tornar possível a convivência. Para T. Hobbes, o «estado natureza»,

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correspondente à livre agregação dos homens, era um estado de guerra, tendo que
se reduzir numa amplitude enorme os direitos subjetivos; para J. Locke, o «estado
natureza», correspondente à livre agregação dos homens, era um estado de
insuficiente garantia das faculdades individuais.
• Esta teoria dos direitos subjetivos (naturais), que começa por ter aplicações
importantes nos domínios do direito pública, era, na sua natureza íntima, uma
teoria de direito privado, pois dizia respeito, originariamente, ao modo de ser das
relações entre os indivíduos.
E foi nos domínios privados que ela teve consequências mais duradouras, fornecendo
a base para a construção doutrinal efetuada pela “pandectista” alemã do século XIX.
Na base de todo o direito civil vêm a estar os direitos subjetivos, definidos como
«poderes de vontade garantidos pelo direito». Exemplos: direito do credor de exigir a
prestação do devedor e de executar o seu património em caso de incumprimento; o
direito do proprietário de usar e abusar da sua propriedade com total exclusão de
terceiros.
• Pelo contrato social se criava o direito objetivo, não se criavam direitos subjetivos:
estes existiam antes da própria ordem jurídica objetiva, sendo o seu fundamento e
a sua razão de ser. A origem da sua legitimidade está no carácter naturalmente
justo do poder de vontade, através do qual o homem desdobra a sua
personalidade.
• No entanto, tendo em vista a sua própria garantia, o Estado e o direito podem
comprimir um tanto os direitos de cada um, através dos direitos objetivos, na
medida em que isso seja exigido pela salvaguarda dos direitos dos outros.
• Esta conceção individualista e voluntarista substitui a construção aristotélico-
tomista do direito privado e com base nela fizeram se os códigos civis do século
passado e que está escrita uma boa parte dos nossos manuais do direito privado.

3.5. Voluntarismo
• Exige-se um ato de vontade e de Razão por parte dos homens. Estes é que
escolhem os melhores políticos e o melhor governo para se regerem.
• O direito positivo deve ser fruto da pura vontade dos Homens. Embora seja fruto
da vontade, não é arbitrário, sendo que é limitado pelos direitos subjetivos.

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Doutrina segundo a qual o direito tem a sua fonte, não numa ordem objetiva (da
natureza, da sociedade), não em direitos naturais irrenunciáveis do homem, não numa
lógica jurídica objetiva, mas no poder da vontade. Já para o augustianismo (Santo
Agustino) tal vontade era, primeiramente, a vontade divina, embora, de forma
derivada, a própria vontade humana (dos governantes) viesse a ser revestida de igual
dignidade, já que estes eram por vontade de Deus. Duns Scotto e Guilherme d’Occam
vem retomar a tradição voluntarista, durante alguns séculos submergida pelos pontos
de vista jurídicos de São Tomás e Aristótles.
Se, para estes, o fundamento do direito consistia numa ordem do justo inerente à
comunidade humana, agora, desfeita a ideia de ordem natural, o direito não pode
basear-se senão na vontade dos homens ou de Deus. E é assim que Scotto funda a lei
positiva na convenção dos homens ou de Deus. E o Occam dá uma volta completa à
própria noção de «direito natural», equiparando-o (i) a direito estabelecido por Deus
nas Escrituras; e noutro, (ii) às consequências que decorrem racionalmente de uma
convenção (i. e., acordo entre vontades) entre os homens, ou de um uma regra jurídica
positiva. A vontade não está sequer prisioneira da lógica, pois a consequência racional
poderá ser ainda afastada pelo acordo dos interesses. O racionalismo destas correntes
é um racionalismo metodológico, ou seja, um método racional de atingir a natureza da
sociedade e do homem e de concluir daí o tipo de ordem que preside às coisas
humanas.
Concluída esta análise racional, muitos dos aurores identificam a liberdade e
autodeterminação como os traços mais característicos da natureza do homem e o
contrato como o fundamento da sociedade. -> Ou seja, um método racionalista de
averiguação, embora num modelo voluntarista da ordem social, i. e., num
voluntarismo axiólogo.
Com o jus naturalismo da Época Moderna, o voluntarismo não pode ser senão
reforçado.
Ainda no «estado de natureza», os direitos de cada um não se fundavam senão no
direito essencial do homem à manifestação da sua personalidade através de «ações
livres», sendo a liberdade o poder de «querer se limitações». Daí que os direitos
naturais andassem intimamente conexos com a manifestação desta vontade, por ora
meramente atenta ao bem-estar particular.

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A) Para alguns autores mais radicalmente individualistas, não havia riscos de


contradição entre esta vontade e a razão, pois, por um lado, os homens podiam
conhecer sem esforço a lei da natureza e, por outro, eram capazes de dominar os
seus instintos e querer apenas aquilo que estivesse conforme com ela.
B) Para outros, mais pessimistas quanto à bondade natural do homem, não
existia qualquer razão superior à vontade. Esta era desencadeada
mecanicisticamente por estímulos externos, sendo a razão apenas a capacidade
de orientar a ação para os fins apetecidos. Ou seja, a razão não era o fim, mas o
meio e, por isso, toda a vontade era racional.
Mas, se passarmos a considerar o estado político, a sua radicação na vontade é
ainda mais clara, pois o estabelecimento da própria ordem jurídica objetiva se fez
através de um ato voluntário dos homens (o contrato social), cujo conteúdo é aquele
de que eles lhe querem dar para a salvaguarda da vida em comum.
A maior parte dos autores reconhece que: estabelecido o governo civil, o poder de
criar o direito através de atos de vontade não tem limites.
Toda a diferença entre eles está no modo como concebem esta vontade que dá
origem ao direito, bem como as suas relações com a razão.
(i) Os liberais (Locke) procuram combinar a vontade e razão, com base no
carácter racional da vontade individual no estado de natureza. Isto porque, por um
lado, o advento do estado político cancelaria essa lei da natureza que iluminava a
vontade no estado de natureza e, por isso, continua a constituir um padrão para
julgar as leis políticas. Por outro lado, a vontade que está na origem das leis
políticas é essa mesma vontade dos indivíduos, de que o Estado não é senão
representante.
Locke manteve-se numa conceção tradicional do pacto político, concebendo-o
à maneira de um pacto privado. A vontade que daí resultava era o produto da soma
das vontades individuais e não uma vontade nova. Daí que aquela sabedoria moral
dos indivíduos se mantivesse no Estado, o qual podia conhecer as regras racionais
de vida em comum e querer (legislar) de acordo com elas.
(ii) Os não liberais (absolutistas, jacobinos – Pufendorf, Hobbes e Rousseau), pelo
contrário, subordinam totalmente a razão á vontade, no sentido de que não
reconhecem qualquer limite para a vontade do soberano. Para eles, a vontade

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soberana (legislativa, geral) é diferente da soma da vontade das partes. Na verdade,


o pacto social daria origem a uma entidade nova, o corpo político, que era o
detentor do poder de exprimir os comandos sobre a comunidade. Pertencente a
uma pessoa diferente, esta vontade legislativa tem características diferentes das
vontades particulares: deseja sempre o bem geral e, logo, é sempre racional.
A vontade legislativa era soberana e absoluta:
a) Impunha absolutamente a todos os súbitos, só restando a estes a
hipótese de, originalmente, não assinarem o pacto social ou de,
subsequentemente, se expatriarem.
b) Não conhecia limites materiais, ou seja, não estava subordinada a
nenhum preceito exterior a si mesma. Esta vontade pública continha em si
mesma o seu objetivo, ou seja, estava intimamente dirigida para a
consecução do interesse geral, pelo que era, por definição, sempre justa e
racional.
Hobbes sustentando a tese do primado da vontade legislativa sobre o costume,
sobre o poder judiciário, sobre a razão jurídica. A única restrição ao poder soberano –
ainda assim a ser avaliado por ele próprio - era a de que estava racionalmente
vinculado o governar de acordo com a finalidade para que o poder civil tinha sido
instituído.
O tema da coerência forçosa entre a vontade do corpo político e a razão é
desenvolvido por Jean-Jaques Rousseau.
Esta conceção da lei como norma absoluta estabelecida soberanamente pelo
Estado-legislador virá a ser decisiva até aos dias de hoje.
Voluntarismo absoluto: o direito constitui uma disciplina submetida a regras de
valor necessário e objetivo. Na qual há verdade e falsidade e não apenas opiniões e
volições.

3.6. Cientificismo
Esta ideia de que a direita é uma disciplina rigorosa, científica (a fonte filosófica
deste «cientismo», desta aproximação do direito em relação às ciências da natureza)
está nessa tendência dos estóicos para submeter o mundo humano às leis cósmicas. A
natureza específica do mundo humano era desconhecida; o mundo era, pelo contrário,

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todo da mesma natureza (monismo naturalista), obedecendo todos os seres ao mesmo


movimento.
Os juristas que, por outras razões, de há muito tinham em projeto a redução do
direito a poucos princípios, necessários e imutáveis, encontram nas conceções estóicas
sobre uma ordem geométrico-matemática do cosmos, um bom apoio teórico para
considerarem estes princípios como verdadeiros axiomas da ciência do direito, a partir
dos quais se pudessem extrair, pelos métodos da demonstração lógica, próprios das
ciências naturais, as restantes regras da convivência humana. E, na falta de axiomas
naturais, seriam as próprias normas jurídicas positivas que os substituiriam.

A tradição do jusnaturalismo objetivista


Houve, a propósito da oposição entre razão e vontade, subjetivismo e razão, quem
deslocasse o fundamento do direito natural ainda mais para o aldo da razão, mas de
uma razão objetiva, radicada não nos indivíduos, mas na ordem cósmica ou na da
convivência humana = retomar de um tema da filosofia eclética clássica.
É isso que acontece no fim do século XVIII, com autores como Montesquieu, Leibniz e
Bentham:
(i) Montesquieu revaloriza o conceito de «natureza das coisas», invocando como
fundamento do direito objetivo, não a natureza do homem ou a vontade de Deus ou
do Príncipe, mas a «necessidade natural», i. e., as consequências normativas das
relações naturais e necessárias que se estabelecem entre os homens unidos numa
associação política. Reação contra a vontade ou a inteligência individual, pertencentes
nas doutrinas subjetivistas anteriores. Considera que existe o direito natural e que este
não pode depender única e exclusivamente da vontade ou da razão do Homem.
Segundo ele, existiam limites objetivos que limitam a vontade humana. Ninguém podia
fazer o que quisesse numa sociedade.
Constata que todas as sociedades são diferentes, pois ninguém consegue concretizá-
las de acordo com as vontades.
Existem, desde logo, elementos naturais que condicionam a concretização das
vontades do Homem. (Exemplo: clima – uma sociedade do deserto não se desenvolve
da mesma maneira de uma sociedade na montanha). Para além dos fatores físicos,
também os fatores sociais (exemplo, atividades económicas) condicionam o Direito.

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Conclui que as sociedades são portadoras de espíritos muito diferentes, o que


acabava, também, por condicionar o direito e a sua aplicação.
Existem, assim, fatores objetivos que condicionam a concretização dos fatores
objetivos.
Outros autores apeladores desta teoria: Jean-Jaques Rousseau (dimensão do Estado e
liberdade).
Contrapõe-se ao direito positivo (ius voluntarium), emanado do soberano, em virtude
dos poderes tradicionais ou constitucionais de que este está revestido.
(ii) Bentham levou mais longe a ideia de objetivação do direito natural. Parte da
máxima utilitarista de que o direito justo é o que organiza a sociedade de modo a
obter máximo de bem-estar para o maior número, concebendo o direito como o
produto de um cálculo rigoroso. A legislação torna-se uma ciência muito próxima, na
natureza, das ciências físicas (principio da utilidade geral = princípio de Arquimedes).
Considera que o Direito é uma ciência. Deve partir-se de um axioma racionalmente
fundamentado para se desenvolver o Direito positivado.
Acredita que aquilo que os Homens mais querem é a felicidade. Tenta encontrar algo
comum que une as diferentes sociedades humanas.
Princípio da utilidade: garantir a maior felicidade para o maior número de pessoas. O
Direito justo é aquele que se rege por estes princípios, o que é aquilo que traz a
felicidade ao maior número de indivíduos.
Nem sempre a razão era justa, pois nem sempre a razão conduz à felicidade ao maior
número de indivíduos.
O melhor Direito positivo é aquele que trouxer mais felicidade ao maior número de
pessoas e não sofrimento.

3.7. O direito racionalista e as suas repercussões


Com o racionalismo, abrimos uma nova fase na história do direito europeu. Todavia, é
incorreto menosprezar alguns elementos de continuidade:
a) Podemos encarar os jusracionalismo uma última fase da constituição de um
direito de tendência universalista primado na fase do direito comum. Com o jus
naturalismo realça-se o carácter universal do direito. Ligado à «natureza

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humana» eterna e imutável, a regulamentação jurídica não depende de climas


nem latitudes. Exemplo: exportação dos grandes códigos
Este cosmopolitismo do direito e da própria legislação só vem atenuar-se com
o surto nacionalista do romantismo. Então, fascinados pelos elementos tradicionais
do direito nacional, os juristas vão reagir contra a importação de sistemas
jusnaturalistas.
Todavia, das conceções iluministas muito se conservou até hoje. Certos
princípios, que foram então estabelecidos, conservam um lugar central na atual
teoria do direito: v.g.a afirmação dos direitos individuais e o princípio da igualdade,
nomeadamente no domínio do direito penal.

4. O Direito na época contemporânea

4.1. O Positivismo Legalista : A Escola da Exegese


Já nos fins do século XVIII, alguns Estados europeus incorporaram em reformas
legislativas amplas os principais resultados das doutrinas jus racionalistas. Foi
sobretudo em França que a codificação, produto da Revolução, mudou mais
radicalmente a face do direito.
Os códigos napoleónicos constituíam:
(i) a consumação de um movimento doutrinal que, partindo da doutrina
tradicional francesa, fora sentido, apareciam como uma espécie de positivação da
razão;
(ii) o resultado de um processo legislativo conduzido pelos órgãos representativos
da Nação francesa – concretização legislativa da volonté generalé.
Uma coisa e outra contribuíam para lhes dar o ar de monumentos legislativos
definitivos, cientificamente fundados e democraticamente legitimados. Perante eles,
não podiam valer quaisquer outras fontes de direito. A lei (compendiada e
sistematizada em códigos) adquiria o monopólio da manifestação do direito. A isto se
chamou legalismo ou positivismo legal.
Perante isto, à doutrina apenas restava um papel ancilar – o de proceder a uma
interpretação submissa da lei, atendo-se o mais possível à vontade do legislador
histórico, reconstituída por meio dos trabalhos preparatórios, dos preâmbulos
legislativos. Quanto à integração das lacunas, a prudência devia ser ainda maior,

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devendo o jurista tentar modelar para o caso concreto uma solução que pudesse ter
sido a do legislador histórico se o tivesse previsto.

Fontes do positivismo legalista:


a) a supremacia estrita da lei sobre a doutrina e a jurisprudência já fora proposta por
Montesquieu, para quem os juízes deviam ser «a boca que pronuncia as palavras da
lei, seres inanimados que não podem moderar nem a força, nem o rigor dela.
b) Com o advento da Revolução, da legitimidade política que ela trouxera à lei e da
desconfiança que lhe é característica quanto ao corpo dos magistrados e dos juristas, a
ideia do primado da lei ganha tanta força que chega a levar à pura e simples proibição
da interpretação, obrigando os tribunais a recorrerem ao legislativo «sempre que
entendessem interpretar uma lei».
São estes os pontos de vista largamente predominantes na doutrina francesa dos
inícios do século XIX. Os grandes juristas limitam-se a fazer uma exposição e
interpretação (exegese) dos novos códigos.
A Escola da Exegese estava intimamente ligada ao ambiente político e jurídico
francês, ou seja, a um Estado nacional revolucionário, em corte com o passado, dotado
de órgãos representativos e que tinha empreendido uma importante tarefa de
codificação. Isto determina a disseminação dos princípios desta escola noutros países,
retardando-a, nomeadamente, nos casos em que estes requisitos não estivessem
realizados. É este, nomeadamente, o caso da Alemanha e da Itália, nações não só sem
código, mas também sem Estado.

Vantagens da orientação exegese:


a) Valoriza de forma adequada a medida em que a ideia de um código «civil» feral (dos
cidadãos) reflete o pathos da ideia de igualdade dos cidadãos, típica dos novos Estados
pós-revolucionários, igualdade que os códigos pretendiam garantir justamente pela
sua generalidade e pela estrita subordinação dos juízes aos seus preceitos.
b) Ideia de um código compacto, organizado e claro, visava facilitar a democratização
do direito, por generalização do seu conhecimento, evitando que os juristas tivessem
que ser os mediadores forçosos entre o direito e o povo.

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c) Impediu o desenvolvimento de um direito jurisprudencial bastante autónomo em


relação aos códigos. Sem uma jurisprudência criativa, era impossível manter em vigor,
praticamente inalterado no decurso dos últimos 200 anos, o Code Napoléon.

Desvantagens da orientação exegese:


a) A aceitação da lei como produto da vontade do povo pressupunha transparência
democrática do Estado, ou seja, que a lei fosse, de facto a expressão, tanto quando
possível direta, da vontade geral dos cidadãos. Ora, o carácter restrito da base social
das democracias representativas, a partidocracia, a manipulação da vida política pelos
governantes, a erupção da mediação dos burocratas, destruíam estes pressupostos.
Com o progresso alargamento do universo dos cidadãos em contacto com o direito
oficial torna-se mais evidente que este é uma ordem estranha às convenções sociais de
justiça.
b) A progressiva complexificação e tecnificação do discurso legislativo destruíram esse
ideal de colocar, por meio de leis claras e códigos sintéticos, o direito ao alcance do
povo.
c) As correntes exegéticas limitaram drasticamente a inovação doutrinal. A inovação
só podia provir de modificações da vontade política, e esta competia exclusivamente
ao legislador. Os códigos contemporâneos são um trabalho final de síntese de ciclos
doutrinais muito longos, neste caso, o ciclo jus racionalista do século XVII e XVIII. Por
uma razão e por outra, a doutrina perde a sua função de experimentação, de
orientação e de inovação.
d) A inovação legislativa faz se de jato. Por este mesmo facto, depositando o direito na
vontade mutável dos legisladores, convida a soluções dependentes das maiorias
parlamentares, nem sempre muito amadurecidas e frequentemente inspiradas por
uma arrogância legislativa pouco atenta aos limites da regulação social por meio da lei.
A lei banaliza-se e torna-se efémera. O Poder Politico fica dependente das maiorias
parlamentares, tornando-se perigosamente vizinho da política. Tudo isto dá origem a
uma perda de prestígio do direito, quando não a uma desconfiança em relação a ele.

Romantismo Jurídico: A Escola Histórica Alemã


Os pressupostos políticos do legalismo era a existência de um Estado-Nação que os
cidadãos reconhecem como portador dos valores jurídicos da comunidade.

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Conjuntura:
A) Certas nações europeias – como a Alemanha e a Itália – que ocupavam lugares
centrais no panorama do saber jurídico europeu, não conheceram um Estado nacional
até ao terceiro quarto do século XIX. Nestes casos de privação da identidade política, a
consciência nacional não apenas se manifestou de forma mais intensa, cunhando
muito fortemente todas as áreas da cultura, como reagiu contra a ideia de que o
Estado e o seu direito (legislado) pudessem ser a única forma de manifestar a
identidade política e jurídica de uma nação.
A recusa ao Estado deste papel de demiurgo político e jurídico da sociedade leva a
valorizar as formas tradicionais e espontâneas de organização política, nomeadamente
aquelas mais presentes na tradição nacional, como as antigas formas comunitárias de
vida ou as comunas e concelhos medievais.
B) Inconvenientes das formas de Estado (e «Código»):
a) Não estarem disponíveis em todo o lado;
b) O seu universalismo e artificialismo.
O Estado, tal como surgira dos movimentos políticos contratuais, era uma
abstração. Produto de um contrato idealizado, realizado entre sujeitos puramente
racionais, cujo conteúdo decorria das regras de uma Razão a-história. O Estado não
tem lugar nem tempo. São formas universais indiferentes a quaisquer particularidades
culturais ou nacionais. Era isto que uma cultura de raízes nacionalistas, ancorada nas
especificidades culturais dos povos, não podia aceitar. Uma organização política e
jurídica indiferenciada, exportável, universalizante, aparecia, quando confrontada com
os particularismos das tradições nacionais, como um artificialismo a rejeitar.
Este artificialismo decorria precisamente do papel estruturante atribuído à vontade
política dos soberanos ou das assembleias representativas, que se consideravam
depositários exclusivos dos destinos nacionais. Esta pretensão pan-normativa dos
órgãos do Estado era arrogante.
Na Alemanha, é uma sensibilidade cultural e político-jurídica deste tipo que esta na
origem da Escola Histórica Alemã, que domina o panorama do saber jurídico alemão
durante a primeira metade do século XIX e que, no seu desenvolvimento pandectista,
o influência até aos inícios do século XX.

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O programa da Escola Histórica era o de buscar as fontes não estaduais e não


legalistas do direito. A sua pré-compreensão da sociedade – subsidiária da filosofia da
cultura organicista e evolucionista de Herber e do ambiente cultural e político do
romantismo alemão – levava-a a conceder a sociedade como um todo orgânico, sujeito
a uma evolução histórica semelhante à dos seres vivos, que no presente se leem os
traços do passado e em que este condiciona naturalmente o que vem depois. Em toda
esta evolução, peculiar a cada povo, manifestar-se-ia uma lógica própria, um espírito
silenciosamente atuante, o «espírito do povo», que estaria na origem e, ao mesmo
tempo, daria unidade e sentido a todas as manifestações histórico-culturais de uma
nação.
O espírito do povo revelar-se ia nas produções da sua cultura. Nas manifestações
culturais, pela qualidade intelectual dos seus autores, se conseguia atingir, com uma
maior profundidade, sistematicidade e plenitude, o espírito de uma nação. Na sua
«inocência» (ignorância), o povo exprimir-se-ia numa «multiplicidade» de registos, que
só as elites culturais conseguiam reduzir a um «sistema científico».

Consequências:
(i) Antiliberalismo e sobretudo, a da reação contra o movimento de
codificação. A lei (o código sistemático) é encarada como fatores, não de
construção do direito, mas da sua destruição, porque: (i) induziam um elemento
conjuntural e decisionista num mundo de normas orgânicas, indisponíveis e
duráveis; (ii) congelam a evolução natural do direito que, como toda a tradição, é
uma realidade viva, em permanente transformação espontânea.
(ii) Valorização dos elementos consuetudinários e doutrinais do direito. Quanto
ao primeiro, isso aparece como normal, dado que o costume é a forma
paradigmática de o direito se manifestar espontaneamente. Já para
compreender o papel outorgado à doutrina é preciso recordar a função que esta
escola atribuía aos intelectuais e literatos na revelação organizada e sistemática
do espírito do povo. Embora com outros pressupostos metodológicos, o saber
jurídico universitário alemão vinha desenvolvendo, desde o século XVII, em
relação à tradição romanística, um trabalho muito semelhante ao que a Escola
Histórica propunha se fizesse em relação ao direito alemão. Com base no

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História do Direito

trabalho das escolas medievais, os juristas do usus modernus pandectarum


vinham induzindo dos textos categorias dogmáticas gerais que manifestariam o
espírito do direito romano. Isto explica que o resultado do trabalho desta escola
«germanista» venha a ser conhecido como «pandectista», o que realça o peso
que nela acaba por ter o legado da tradição romanística alemã e, mais em geral,
europeia.
(iii) Revalorização da história do direito e do seu papel dogmático, como
revelador, de um passado que, pela tradição, fecundava o presente. Daí que a
historiografia influenciada por esta escola, se bem que também tenha os seus
monumentos antiquaristas, revele evidentes preocupações dogmáticas.
(iv) Sistematicidade e organização da jurisprudência.

O Positivismo Conceitual : Os Dogmas do Conceitualismo


O ramo da Escola Histórica Alemã, a pandectística ou jurisprudência dos conceitos,
desenvolveu particularmente uma das componentes do historicismo: a construção
sistemática do direito.
A sistematicidade do direito decorre do facto de ele ser uma emanação de um todo
orgânico, o espírito do povo. As instituições jurídicas teriam uma «alma», sentidos ou
princípios orientadores que lhe dariam unidade. Princípios esses que, induzidos a partir
da observação das normas jurídicas concretas, permitiriam que a exposição dos
institutos e de todo o direito nacional fosse feita de forma orgânica e sistemática,
organizada por princípios gerais. Destes princípios extrairiam depois, agora por
dedução, outros, princípios inferiores, bem como soluções para casos concretos.

Esta ideia de uma exposição e conhecimento do direito, orientados por princípios


gerais, baseia-se em movimentos de ideias típicas desta época:
a) Ideia de um mundo orgânico de conceitos, apreensível por observação e
indução, uma evocação das novas ciências da vida. As novas ciências da vida
induziam conceitos e taxonomias a partir da observação dos seres vivos. As
ciências da vida lidavam com os seres vivos – totalidades orgânicas, harmónicas e
coerentes, dotadas de uma alma e capazes de gerar novas entidades.

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b) Este conceitualismo jurídico não se pode explicar sem referência a um novo


ideal de ciência, oriundo do formalismo kantiano, que destaca a função
estruturante das categorias e dos princípios no conhecimento científico. O que
garantiria a verdade científica seria a coerência interna das categorias do sistema
de saber. (Transposta para o domínio do direito, esta conceção redunda numa
estratégia científica de desvalorização relativa, tanto da lei, como dos factos
sociais envolventes).
Ou seja, o trabalho intelectual dos juristas devia consistir sobretudo na construção
de um sistema de conceitos jurídicos. Mas não se tratava de conceitos obtidos pela
reflexão puramente abstrata, como no jusracionalismo. Tratava-se de conceitos
obtidos por indução a partir das máximas do direito positivo.
Fases de proceder dos juristas:
1. «Jurisprudência inferior» - ligação imediata à forma com que o direito aparece
na lei, graças a uma relação puramente recetiva em relação às fontes.
2. «Jurisprudência superior» - produção, por destilação e síntese da matéria-
prima antes obtida, «uma matéria absolutamente nova», o conceito.
Função do conceito:
a) Facilitar a apreensão do direito, já que ele se torna sintético e intuitivo;
b) Tornar possível a produção de novas soluções jurídicas por meio do
desenvolvimento conceitual, do chamado «poder genético dos conceitos».
Os princípios e os conceitos obtidos pelo tratamento formal do material histórico
explicariam e gerariam consequências normativas, solução que seriam não apenas
formalmente lógicas, mas ainda materialmente justas, porque os princípios de que elas
decorriam existiriam, de facto, embora a um nível não explicito, na realidade cultural
de que o direito se alimentava.
Justamente porque eram princípios realmente existentes (embora implícitos na
miríade de normas de que tinha sido destilados), o jurista, ao formulá-los, não estava a
criá-los arbitrariamente, em função dos seus pontos de vista filosóficos, morais ou
políticos. O saber jurídico devia garantir a sua cientificidade por meio deste
formalismo, ou seja, desta recusa de, na construção jurídica, ultrapassar as
preocupações de rigor conceitual, envolvendo-se em considerações de fundo sobre a
justiça material dos resultados.

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Do ponto de vista dos valores subjacentes, este formalismo corresponde ao papel


que ao direito é reservado no sistema ético de Kant – ao direito não compete
estabelecer padrões éticos de conduta, mas garantir a liberdade que possibilita uma
avaliação ética das condutas. E neste medida, o formalismo conceitualista traduz, do
ponto de vista histórico-cultural, uma posição (i) individualista e (ii) relativista.
(i) Individualista, na medida em que os seus dogmas decorrem logicamente do
princípio de que a sociedade resulta de uma combinatória de atos de vontade de
indivíduos livres e titulares de um direito originário a essa liberdade.
(ii) Relativista e formalista porque, depois do fracasso dos grandes sistemas
ético-políticas da base religiosa ou racionalista, a pandectista se limita a atribuir
ao poder a função de estabelecer uma forma de organização política que melhor
possa garantir a liberdade individual (não formular conteúdo axiológico).
Pelos mesmos motivos, o formalismo regia também contra a instrumentalização do
direito pelas políticas e pelo Estado. Fundando-se o saber jurídico numa ordenação
formal ou científica da realidade legislativa empírica, a lei ou seja, a vontade do poder
político, constituía apenas o objeto de elaboração. Já as categorias dessa elaboração
dependiam totalmente do esforço intelectual dos juristas doutrinais. Daí que o saber
jurídico não fosse apenas independentemente do poder, como ainda tivesse
legitimidade para impor os seus critérios de processamento doutrinal do material
legislativo. Com isto, o direito doutrinal readquire a sua tradicional indisponibilidade
perante o poder e pode legitimamente reclamar aquele papel de árbitro entre
governantes e governados que se incorporou tão duradouramente na ideologia
espontânea dos juristas e na auto-representação que eles tinham do seu papel
sociopolítico. Foi isto que deu origem à imagem contemporânea de um Estado dirigido
por juízes como ideal de organização.
O legado pandectista marcou decisivamente a cultura política e jurídica dos nossos
dias. A pandectista teve uma grande expansão, na Europa e fora dela. Na Europa, está
na origem do Código Civil alemão de 1900.

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Os dogmas do conceitualismo
Dada a influência que vão ter na evolução subsequente da dogmática jurídica
contemporânea, é útil destacar alguns dos resultados mais característicos da doutrina
pandectista.
a) A teoria da subsunção
Teoria segundo a qual a realização da justiça nos casos concretos seria assegurada
subsumindo os «factos» ao «direito», nos termos de um raciocínio de tipo silogístico,
em que a premissa maior era um princípio de direito e a premissa menor a situação de
facto a resolver. A teoria da subsunção tende a reduzir a atividade jurisprudencial a
uma tarefa estéril de aplicação automática dos princípios jurídicos. Mas, por outro
lado, teve um importante papel na contenção do arbítrio e do subjetivismo
jurisprudencial.
b) Dogma da plenitude lógica do ordenamento jurídico
O carácter geral dos conceitos e a possibilidade de, por meio de operações lógicas,
obter deles outros conceitos torna-os elásticos. Construindo o sistema e definidas as
suas regras de transformação, pode-se projetá-lo sobre qualquer caso jurídico
imaginável, por meio de uma jurisprudência «criadora» ou «construtiva».
O juiz, perante uma lacuna da lei, deveria estender, por dedução e combinação
conceitual, o sistema normativo, de modo a cobrir o caso sub judice.
c) A interpretação «objetivista»
A ideia de que o direito formava um sistema coerente de conceitos, auridos do
material legislativo empírico, fazia com que o sentido decisivo das normas jurídicas
fosse o seu sentido sistemático. Por isso, o sentido de qualquer norma decorria da sua
referência ao sistema normativo em que se integrasse. O positivismo conceitualista
pressupõe o recurso à ficção de um legislador «razoável», de um legislador que vai
integrando continuamente cada uma das normas no seu contexto sistemático, de
modo a que o ordenamento jurídico conserve sempre a sua integridade e coerência
como sistema conceitual. O sentido da norma decorre dos sentidos objetivos do seu
contexto (não das intenções subjetivas).

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5. As Escolas anti-conceitualistas e anti-formalistas. Naturalismo,


Vitalismo e Organicismo.
A primeira manifestação de um positivismo sociológico «científico»
(obedecendo aos modelos epistemológicos das novas ciências sociais da segunda
metade do século XIX) decorre do sociologismo de Auguste Comte.
Comte participa de um modelo de ciência para o qual só existe uma ciência
geral. Só que, agora «geral» não se opõe apenas a «particular», mas também a
individual. Assim, as ciências sociais deviam visar a explicação do todo social,
compreendida como o complexo global e orgânico das relações inter-individuais. O
indivíduo isolado deixa de constituir o ponto de focagem do saber social e passa a ser
tido como uma abstração «metafísica», realmente inexistente. Real, feral e positiva,
eram as sociedades, como complexo global de relações entre indivíduos, em que estes
apareciam como determinados por constrangimentos objetivos e independentes da
sua vontade. Só dirigindo para ela o seu esforço cognitivo, o saber social poderia,
portanto, ganhar a generalidade e a positividade das ciências.
O positivismo sociológico de A. Comte (estes saberes só teriam adquirido o
estatuto de ciência ao abandonar a pretensão de explicar as origens ou as finalidades
últimas da sociedade e do homem) constitui (sobretudo pelo seu organicismo) uma
crítica direta ao individualismo, voluntarismo e contratualismo da pandectista.

Características:
a) O indivíduo não era um ser livre e autodeterminado, mas um ser dependente e
que só sobrevivia em virtude da solidariedade social.
b) A sociedade não era um conjunto de indivíduos autónomos e auto-regidos, mas
uma constelação de relações inter-individuais forçosas e indisponíveis, justamente
porque baseadas nesse carácter incompleto e fraco do indivíduo e na necessidade,
daí decorrente, de especialização, divisão e complementarização do trabalho.
c) A ordem social e política não se fundava num acordo de vontades que melhor
garantissem os direitos naturais e prévios dos indivíduos, mas nas condições e
exigências objetivas da vida social concretizadas em instituições como a família, a
paróquia, o município, a província, a nação, a federação de povos e, finalmente, a
Humanidade.

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Enquanto não surgissem estas duas últimas formas supremas de organização, o


Estado representava o cume da organização social. Ele, como instituição orgânica, não
era um mero garante de direitos e liberdades individuais, mas um portador dos
interesses do organismo social mais elevados e, por isso, uma agende de
racionalização social, de educação «científica». Colaborando com a ciência e com uma
nova religião racional, na criação de um consenso social em torno dos princípios de
uma política científica e positiva. No domínio do direito, o aplicador das receitas
metodológicas do comtismo é Émile Durkheim, que leva a cabo a crítica da panteística,
tanto sobre o ponto de vista da sua teoria social implícita (individualismo
contratualista), como sob o ponto de vista da sua teoria do conhecimento jurídico (o
formalismo). Do ponto de vista da sua teoria social, Durkheim considerava que a
ordem social, política e jurídica não repousava nem no acordo de vontades individuais
(como se vinha defendendo desde o jusracionalismo), nem na vontade disciplinadora
do Estado (como queriam o legalismo e o estadualismo), mas nas solidariedades
sociais objetivas geradas pela especialização e pela divisão das funções sociais. As
normas jurídicas, corporizadas em instituições, seriam «coisas objetivas», indisponíveis
e transindividuais.
A crítica positivista à pandectista teve consequências muito importantes na
configuração que o saber jurídico ganha nos finais do século XIX e primeiras décadas
do século XX:
(i) Momento anti formalista
Ao aproximar o saber jurídico em relação às ciências sociais, dá origem a
disciplinas jurídicas novas, como a sociologia do direito, a antropologia jurídica ou a
criminologia, todas elas permitindo uma compreensão do lugar do direito nos
processos de normação e de disciplinas sociais, e chamando a atenção dos juristas
para o direito vivo, espontâneo e praticado. b) num plano mais recuado, o positivismo
chamou a atenção para a importância do conhecimento das circunstâncias concretas
da vida do direito no estabelecimento das soluções jurídicas ou legislativas.
(ii) Momento antilegalista e antiestadualista
O positivismo recusou a identificação entre direito e lei, chamando a atenção
para um direito surgido das próprias instituições sociais, existente para além da
vontade estadual expressa na lei e num plano que lhe era superior. Algumas correntes

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que filiam no positivismo, influenciadas pela insistência posta por algum positivismo na
função reguladora do Estado, como expressão política de um organismo social
superior, acabam por conceder à lei um papel determinante na constituição do direito,
nos quadros de um estadualismo arbitrário, de que é exemplo o fascismo.
(iii) Momento anti-individualista
O positivismo armou metodologicamente a critica aos fundamentos
ideológicos individualistas e contratualistas da pandectista, tano no domínio do direito
pública, como no domínio do direito privado. Mas também contribuiu para novidades
no plano da dogmática, quer do direito público quer do direito privado: A) no domínio
público, o positivismo orienta-se para a crítica da forma individualista, democrática e
liberal do Estado, baseada no sufrágio e nos direito naturais dos indivíduos, propondo
formas de organização política baseadas no primado dos grupos sobre os indivíduos:
corporativismo. A solidariedade e organicidade sociais exigiram que o despique
destrutivo entre forças económicas e sociopolíticas desse lugar a formas de
organização económica e política que promovessem a coesão social. B) no domínio
privado, o positivismo tende a moderar o primado do princípio da vontade: reintroduz
a ideia da existência de estruturas normativas objetivas (como a família, a empresa)
que escapavam ao poder da vontade. Estes pontos de vista adequavam-se bem às
tendências políticas antiliberais, de matriz socialista ou conservadora, que pretendiam
corrigir a competição individual desenfreada instituída pelo capitalismo «selvagem».
Assim, o direito subjetivo passa a ser definido, não como o «poder de vontade», mas
como «um interesse juridicamente protegido». E, sobretudo, passa a ser realçado
como a concessão de direitos subjetivos visa a realização de uma certa ordem social,
pelo que tais direitos estão sempre limitados pela sua função social. Além disso, no
âmbito do direito privado, o positivismo teve ainda influências na teoria das fontes do
direito. Neste domínio, criticou o legalismo, revalorizando a ideia de que há fontes
extralegais do direito, sejam elas o costume, sejam as ideias jurídicas vigentes numa
certa comunidade e averiguados pela doutrina jurídica.
Tanto na privatística como na publicista, o positivismo está na origem tanto na
reação antiliberal nas primeiras décadas do século XX, normalmente designada por
advento do estado social, como dos regimes autoritários, antidemocráticos, com o
fascismo ou o estado novo português.

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No domínio do direito, esta ambivalência também se verificou, dando lugar a


apropriações tanto de sentido liberal, como a outras de sentido conservados e mesmo
reacionário.
Se o positivismo denunciou o formalismo e o abstracionismo da igualdade, tal como
vinha a ser construída pelo direito das luzes e da pandectista, o certo é que, ao insistir
na desigualdade natural dos homens, abriu uma caixa de pandora de onde saíram, por
exemplo, justificações jurídicas do sexismo, do racismo e do expansionismo europeu.
Aspetos positivos: (i) No domínio do direito privado o positivismo procurou
temperar o individualismo e o liberalismo ferozes, protegendo as partes mais fracas
das relações jurídicas (trabalhadores, crianças). (ii) Permitiu e deu voz a sujeitos
jurídicos coletivos (como os sindicados) destinados a reforçar o poder negocial de
certos sujeitos individuais. (iii) Laicizou a constituição da família e introduziu medidas
no sentido da igualdade dos conjugues.
Mas a tudo isto subjazia uma conceção organicista, que tendia anular o individuo
perante a tutela do grupo ou, mesmo, do estado, como garante da harmonia social.
Isto tornou-se particularmente nítido como os desenvolvimentos corporativistas
destas ideias, nomeadamente sob os regimes conservadores e autoritários
estabelecidos no centro e sul da europa. Os sindicados são colocados sob tutela do
estado (sindicalismo de estado) e a família, como «célula social básica», é rodeada de
cuidados públicos para garantir não apenas o seu bem-estar económico mas também a
sua sanidade moral.
No que respeita as fontes do direito, o sociologismo valoriza: (i) A pluralidade
de instancias normativas da sociedade e reage contra o monopólio estadual da edição
do direito (legalismo); (ii) Ao inserir o papel regulador do estado, na sua missão de
garantir a solidariedade nacional, acaba por atribuir além a categoria de fonte última e
decidida do direito.
Desta política de sacralização do estado e da subordinação a ele do direito e da
justiça faz ainda parte duma relação mais estrita da justiça: estatuados judiciários que
amarram completamente o juiz à lei, controlo das organizações profissionais dos
advogados, nomeadamente atribuindo-lhes poderes de natureza pública e sujeitando-
as a tutela legal.

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Finalmente, embora tenha introduzindo muitos elementos válidos para a


análise do direito como fenómeno social e para o traçado de políticas de direito, o
naturalismo positivista tendeu a «coisificar» o homem, transformando-o num mero
objeto de influências causais. Por outras palavras, ignorou a dimensão «interior», a
capacidade de escolha e, consequentemente a ética da liberdade e da
responsabilidade que se liga a ela. Isso foi particularmente nítido no direito penal.
Exemplo: O criminoso ser desresponsabilizado pessoalmente, mas, ao mesmo tempo,
privado da sua dignidade de ser autónomo. A punição passa a ser um problema de
mera polícia científica.
Mas esta codificação do homem e das relações sociais instaurou, em geral um
instrumentalismo jurídico em que o direito – como simples técnica de engenharia
social – pode ser posto ao serviço de uma qualquer política. Exemplos dramáticos
desta instrumentalização produziram-se nos regimes totalitários europeus deste
século; menos chocantes são as tecnocracias contemporâneas.

6. As Escolas Críticas do Direito


As aqui denominadas de escolas críticas do Direito têm como assunção
fundamental de que as normas jurídicas não constituem proposições universais,
necessárias ou, sequer, politicamente neutras. Pelo que, antes de tudo, importa
compreender o funcionamento do direito e do saber jurídico em sociedade, para
desvendar os seus compromissos sociais e políticos, bem como a violência e
discriminação a ele inerentes.

6.1. O Sociologismo marxista clássico no domínio do Direito


Karl Marx foi, desde o passado século até hoje, o inspirador mais contínuo da
crítica ao pensamento jurídico dominante. Marx não foi, de todo, um jurista, nem
sequer se dedicou à crítica do Direito. Foi, isso sim, um cientista social ou pensador
político que, nos quadros de uma interpretação global da sociedade, fortemente crítica
do status quo, se pronunciou também sobre o direito.

Como se sabe, Marx levou a cabo aquilo que se chamou um estudo científico das
sociedades humanas do qual concluiu que o processo histórico era explicável pela

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dinâmica gerada pela oposição de grupos sociais («classes») , cuja existência


conflitual era explicada pelo facto de o controlo da produção dos bens materiais
estar desigualmente repartido entre os homens.
Do facto de uns possuírem esse controlo e outros estarem dele privados decorreria
uma dinâmica social («luta de classes»), na qual a classe dominante tentava
manter e perpetuar a sua hegemónica, contra os esforços da classe dominada para
se emancipar.
Nesta luta «total», todos os meios, desde o poder económico até à ideologia, eram
utilizados. Pelo que, em última instância todas as manifestações da história do
homem se explicariam por esta tensão fundamental gerada pela forma de
organizar socialmente a produção. A luta de classes só teria fim com uma
repartição igualitária do controlo da produção, garantida por uma apropriação
coletiva dos meios de produção ( « socialismo» ) . Como isto se atingiria uma
sociedade sem classes de onde estaria excluído o domínio de uns homens sobre os
outros.

Do ponto de vista político, o marxismo é, por isso, para além de uma teoria social,
uma proposta social revolucionária centrada na crítica da sociedade capitalista e no
objetivo da sua substituição por uma sociedade socialista. É neste quadro geral que se
insere a crítica que o marxismo dirige ao pensamento jurídico estabelecido. Nesta
crítica, há que considerar dois aspetos:

a) Um deles, de recorte mais teórico, lida, em termos globais com a questão da


explicação social do direito.

Quanto à questão da natureza social do direito, o marxismo aplica aqui a sua teoria
geral de que todas as manifestações da vida social são determinadas pela organização
social da produção, ou seja, pelo modo como os homens se relacionam para levar a
cabo a produção de bens materiais (« materialismo histórico» ). O Direito, tal como a
cultura ou a arte, refletiria esse nível fundamental da organização social, defendendo
os interesses e exprimindo os pontos de vista das classes domínios. Ou seja, o direito
não seria algo de natural ou de ideal, mas antes de uma ordem socialmente
comprometida, um instrumento de classe.

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b) Outro, de sentido pragmático, com a crítica do direito capitalista (ou


«burguês»)

Por outro lado, o direito estabelece diretamente o domínio de classe, ao impor normas
de conduta que favorecem diretamente os dominantes e subjugam os dominados. De
outro modo, o direito burguês funcionaria também como ideologia de cobertura, ou
seja, criaria uma imagem falseada das relações de poder, ocultando sob a capa de
igualdade jurídica, garantida, nomeadamente pela generalidade e abstração da lei. Ao
dispor em geral e abstrato, o direito burguês estava a criar a forma mais eficaz de
ocultar o facto de que, na realidade, os indivíduos concretos não eram iguais, mas
antes inevitavelmente hierarquizados pelas respetivas condições económicas e
políticas. Mas esta função ideológica de ocultamento era completada pela ficção
jurídica da liberdade, nomeadamente da liberdade negocial. O exemplo típico esta
mistificação era o do contrato de trabalho assalariado, nas condições sociais do
capitalismo oitocentista, em que o patrão, economicamente forte e dispondo de uma
grande capacidade de escolha entre uma grande oferta de trabalho, se confronta com
um assalariado economicamente débil e com escassas possibilidades de encontrar
quem o admita. A Crítica marxista dirige-se assim tanto contra o conteúdo como
contra a forma do direito burguês.

No plano das alternativas, no entanto, o pensamento marxista foi menos produtivo.

Quanto às alternativas de conteúdo, propunha, naturalmente, um direito que


protegesse as classes trabalhadoras e os mais desprotegidos. Isso foi surgindo
justamente por influencia do movimento operário, a partir do século XIX,
nomeadamente no domínio do direito do trabalho.
Mais tarde, em 1917, com o advento da URSS, criou-se aí um direito que protegia
os interesses que o Partido Comunista defendia como sendo os das “classes
trabalhadoras” e que, em contrapartida, sujeitava os «inimigos da classe» à
«ditadura do proletariado». O Direito passa a ser entendido como uma arma
política ao dispor da classe operária e dos seus aliados na sua luta pela construção
do socialismo.

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Quanto às alternativas no plano da forma, a insistência no carácter burguês das


características da generalidade e da abstração da norma jurídica fez com que se
tendesse para considerar o direito como um modelo burguês de regular a
sociedade. Isto explica a desconfiança dos regimes socialistas perante qualquer
formalização jurídica e genérica e a preferência por uma regulação casuísta e
decisionista, baseada em diretivas concretas, pontuais, provenientes da
ponderação política de cada situação individual.

6.2. O Marxismo ocidental dos anos sessenta


O marxismo ocidental distanciou-se claramente, a partir dos finais da década
de sessenta do determinismo economicista que caracterizava a o marxismo da Terceira
Internacional. O Estado e o Direito seriam, decerto, quando globalmente considerados,
instrumentos de classe servindo os interesses globais dos grupos dominantes. A sua
funcionalização político-social não seria, porém, absoluta. A Sociedade era
irremediavelmente complexa e contraditória. As classes dominantes não conseguiam
estender o seu domínio a todos os recantos da vida social. Existiam sempre espaços
sociais, quer no domínio das relações sociopolíticas, quer no domínio das
representações e do imaginário social, espaços dominados por lógicas diferentes e
contraditórias com os interesses e mundividências dominantes.

Do ponto de vista teórico, a existência deste relativo pluralismo político-social


justificou-se por um entendimento novo da ideia de determinações da vida social pela
lógica das relações económico-sociais. Autores marxistas como António Gramsci, Louis
Althusser ou Nicos Poulantzas vêm propor, com diversas apresentações teóricas, a
ideia de que o «nível económico» apenas exerce uma determinação «em última
instância, permitindo que nos restantes níveis ( como o político, o jurídico, o cultural,
o da relação entre os sexos), se desenvolvam lógicas de organização ou imaginários
sociais relativamente autónomos e, até, provisoriamente contraditórios com a lógica
global do sistema. O Sistema social global seria determinado pelo «económico», mas
sobre determinado pelas relações sociais específicas que se desenvolveriam em cada
um dos restantes níveis da prática humana.

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Outros pegam na ideia modo de produção e aplicam-na autonomamente a cada


um dos níveis específicos da produção social ( produção jurídica, produção cultural). O
Resultado é uma imagem teórica do social como constituído por diversos sistemas de
produção, cada qual dominado por uma lógica autónoma e interagindo todos uns com
os outros no seio de um mesmo espaço social, embora o conjunto acabasse por ser
dominado pela lógica do nível mais decisivo, aquele em que se produziam as relações
económicas de poder. As consequências da evolução do marxismo ocidental no
domínio do pensamento social e das próprias práticas políticas foi muito grande. De
facto:

i. Permitiu uma análise marxista da sociedade e do poder que não reduziria tudo
ao «económico», permitindo dar conta da complexidade dos mecanismos de
criação e de reprodução das relações de poder.
ii. Problematizou a ideia de um sistema rígido e monótono nas relações sociais,
introduzindo não só a ideia de sistemas sociais com vários centros, abertos ao
ambiente e à indeterminação, como a da importância da prática política
concreta e individual;

No domínio Jurídico esta corrente de ideias valoriza de novo o direito permitindo


encará-lo, não apenas como um reflexo inerte das determinações económicas, mas
como um nível autónomo, que devia ser explicado em si mesmo e a partir do qual se
podia influir no desenho das relações sociais e políticas.

6.3. A Crítica do Direito


O Primeiro aspeto que leva a uma nova preocupação de compreender o modo
como o direito cria sistemas de classificação e de hierarquização, normas e imagens,
que condicionam e que até instituem relações de poder na sociedade. Trata-se das
escolas de «crítica do direito» que se desenvolvem sobretudo em França, nos Estados
Undos e na Alemanha a partir dos meados da década de 70.

Embora os movimentos da crítica do Direito, sobretudo em França tenham


dependido muito da crítica marxista do Direito pode encontrar-se neles uma
inspiração mais específica no pensamento da Escola de Frankfurt que, nos anos
sessenta, empreendeu uma desmontagem bastante sistemática dos pressupostos

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ideológicos da cultura do mundo ocidental. No Plano mais especificamente político, a


escola de Frankfurt procurou identificar as raízes mais profundas do modelo ocidental
das relações de poder, tais como os sistemas de conceptualização e de classificação, as
modalidades da comunicação, os modos de produção do saber, a geometria dos
afetos, a organização familiar, o sistema social, etc.

Todos estes níveis de produção do poder são concebidos como artefactos


culturais, ou seja, como produto de uma organização ou construção local da realidade
social levada a cabo por grupos sociais num certo momento histórico. Também o
direito é o resultado de uma produção arbitrária, local, histórica, de grupos sociais.
Mas para além disso, ele é também um instrumento de construção de representações,
desmistificando os pontos de vista de que o direito é uma ordem social, neutra e
fundada objetivamente na realidade social, na natureza das coisas.

Mas, por outro lado, compete à crítica do Direito revelar os processos por meio
dos quais o Direito colabora na construção das relações de poder. De que modo, por
exemplo, contribuiu para criar a imagem social da mulher como ser fraco, menos capaz
e subordinado, que fundamenta os processos sociais de discriminação social.

6.4. O Uso alternativo do Direito


Como se viu, o neomarxismo insistiu no carácter complexo do sistema
sociopolítico. No domínio do Direito, isso levou a pensá-lo como uma ordem não
absolutamente vinculada aos interesses das classes dominantes, mas relativamente
contraditória e, portanto, passível de vários usos políticos. Este carácter contraditório
decorreria de dois aspetos.

Por um lado, o domínio das classes dominantes seria sempre incompleto, pois os
grupos dominados conseguiam fazer valer, em espaços limitados, pontos de vista
próprios. A Sociedade seria, assim, irredutivelmente contraditória, partilhada entre
projetos e valores político-sociais divergentes, embora hegemonizados pelas
classes dominantes. O Direito e o Estado, esses resumos da luta de classes, como
lhes chamara Karl Marx seriam também caracterizados por essa natureza
contraditória da sociedade. Embora globalmente dominados pelos poderes
socialmente estabelecidos e funcionalizados aos seus interesses, não deixariam de

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refletir o carácter incompleto das relações de dominação e os compromissos a que


os grupos dominantes tinham, por isso, sido obrigados. Este carácter
compromissório do direito seria ainda mais forte pelo facto de a própria ideia de
direito estar orientada para um ideal de igualdade, de equilíbrio, de justiça, de
proscrição da violência aberta ou da opressão explícita de uns sobre os outros. E
de, consequentemente, o jurista tender a imaginar o direito como a ponderação
justa de interesses políticos contraditórios e a imaginar-se a si mesmo como o
agente neutro dessa ponderação.
Acresce que nessa tarefa de ponderação, o jurista dispõe de uma grande margem
de liberdade dado o critério genérico das proposições jurídicas. Liberdade que,
então, devia ser utilizada para contradizer, corrigir e compensar, nos planos
doutrinal e sobretudo jurisprudencial, os pressupostos classistas do direito. São
fundamentalmente estas ideias que estão na base da proposta de um uso
alternativo do direito.

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Repetitório de Perguntas
1. Qual o interesse pedagógico da disciplina?
2. Define imaginação social e regulação social.
3. O que caracteriza o pensamento social e político medieval?
4. Na perspetiva do conceito de Criação, distingue o pensamento finalístico (realista e
nominalista) do pensamento jusnatural na idade média.
5. De que modo estavam incutidos determinados princípios (bondade, verdade, honra,
honestidade) na ordem jurídica medieval?
6. Qual o papel da vontade dos homens no estabelecimento da ordem jurídica medieval?
7. A desigualdade e o “estado” de cada indivíduo eram tidas como princípios estruturais da
estratificação social do Antigo Regime. De que forma?
8. Define os conceitos de iurisdictio, officium, direito natural, costumes e virtudes morais no
contexto do pluralismo político medieval.
9. Define os conceitos de contrato social e vontade individual. De que forma estes conceitos
formaram um novo paradigma alternativo à ordem jurídica medieval?
10. O que distingue o individualismo do corporativismo?
11. Quais as correntes típicas do paradigma individualista e voluntarista da conceção da
sociedade e do poder?
12. O que é o direito comum? De que forma a unidade e a pluralidade são características
principais coexistentes?
13. Enumera as principais heranças da tradição romanística presentes no direito comum.
14. Distingue as principais épocas históricas do direito romano. Quais foram as principais
obras (i.e. compilações e textos)?
15. Quais as características do direito romano?
16. Em que medida a expansão do Império Romano na Europa originou uma adoção da
tradição romanística por parte dos povos dominados?
17. Define direitos próprios e distingue-os do direito geral.
18. No âmbito do direito comum, qual o papel do direito canónico? Descreve a sua evolução,
da sua época primitiva à idade contemporânea.
19. Quais as fontes do direito canónico?
20. Relaciona os seguintes conceitos, quando possível: direito canónico, direito romano,
direito civil, direitos próprios, direitos dos reinos, direitos dos corpos inferiores, direito
comum, privilégios, direito anterior e direito posterior.
21. Em que consistiam as Escolas dos Glosadores e dos Comentadores? Qual a diferença
entre as duas?
22. Explica as razões da crise normativa do século XVI.
23. Caracteriza a escola de Salamanca. Quais os principais autores desta escola?
24. O que é o jusnaturalismo individualista? Quais as suas fontes?
25. Explicita a teoria dos direitos subjetivos.
26. O que é o jusnaturalismo objetivista? Qual a sua relação com as conceções iluministas?
27. Quais as razões da origem do legalismo? Quais as consequências ao nível das fontes de
direito?
28. Qual o papel da Escola Histórica Alemã e principais correntes filosóficas e jurídicas?
29. Define pandectística (jurisprudência dos conceitos).
30. Caracteriza o formalismo conceitualista e os seus principais dogmas.
31. O que é o positivismo sociológico? Qual a sua posição crítica face à pandectística?

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