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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTANCIA

Departamento de Ciências de Educação


Curso de Licenciatura em Ensino de Português

Análise da Africanidade, o Nacionalismo e a Negritude no poema «Hino à minha Terra» de


José Craveirinha

Saibo Saibo Mussa - 91210225


Pemba, Junho, 2022
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTANCIA
Departamento de Ciências de Educação
Curso de Licenciatura em Ensino de Português

Análise da Africanidade, o Nacionalismo e a Negritude no poema «Hino à minha Terra» de


José Craveirinha

Trabalho de campo a ser submetido na


coordenação do curso de Licenciatura em
Ensino de Português do ISCED.
Tutor: Amândio Paulito

Saibo Saibo Mussa - 91210225


Pemba, Junho, 2022

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Índice
Introdução.................................................................................................................................... 3

Análise da Africanidade .............................................................................................................. 4

Análise do Nacionalismo ............................................................................................................ 7

Análise da Negritude ................................................................................................................... 9

Conclusão .................................................................................................................................. 11

Referências bibliográficas ......................................................................................................... 12

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Introdução
Neste presente trabalho de campo, objectivou analisar as marcas da africanidade e da negritude
presentes nos poemas de José Craveirinha. Sobre a negritude e as influências na formação da
identidade negra, Munanga (2008) argumenta que o conceito de negritude surgiu como resultado
de um movimento de intelectuais negros, e existindo para ele três acepções: de carácter
biológico, psicológico e cultural. Nesse sentido, o conceito de Negritude tem como base a
afirmação dos valores negros, como o desejo de recuperar o orgulho de ser negro ou como
afirmação e reabilitação da identidade negra, não somente no plano da raça como também no da
cultura.
Portanto, através da análise de um trecho do poema Hino à minha terra do poeta moçambicano
José Craveirinha, este trabalho busca fazer uma breve investigação e Análise entre esse fazer
poético e da Africanidade, o Nacionalismo e a Negritude.
Nesse trabalho a técnica de pesquisa qualitativa e bibliográfica serárealizada com base nos
estudos das teorias voltadas às questões do pan-africanismo, da negritude, da africanidade.

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Análise da Africanidade
Em «Hino à minha terra», encontramos um bom exemplo da exacerbação da referencialidade
toponímica (cerca de 60 topónimos), demarcando a territorialidade da terra moçambicana:
simbolização do país (do pré-país); louvor da cultura étnica, do homem natural;
Moçambicanidade: «áfrico País». Note-se o surgir, por duas vezes, da palavra «País»
maiusculada, na época em que Moçambique era colónia, subvertendo o estatuto administrativo,
logo, político, do território, criando, assim, um espaço imaginário novo. (Laranjeira:1995, p.281).
HINO À MINHA TERRA
O sangue dos nomes
é o sangue dos homens.
Suga-o tu também se és capaz tu que não nos amas.
Amanhece
sobre as cidades do futuro.
E uma saudade cresce no nome das coisas e digo Metengobalame e Macomia
e é Metengobalame a cálida palavra que os negros inventaram
e não outra coisa Macomia.
E grito Inhamússua, Mutamba, Massangulo!!!
E torno a gritar Inhamúss ua, Mutamba, Massangulo !!
E outros nomes da minha terra
afluem doces e altivos na memória filial
e na exacta pronúncia desnudo-lhes a beleza. Chulamáti! Manhoca!
Chinhambanine!
Morrumbala, Namaponda e Namarroi
e o vento a agitar sensualmente as f olhas dos canhoeiros eu grito Angoche,
Marrupa, Michafutene e Zóbuè
e apanho as sementes do cutlho e a raíz da txumbula e mergulho as mãos na terra
fresca de Zitundo.
Oh, as belas terras do meu áfrico País e os belos animais astutos
ágeis e fortes dos matos do meu País
e os belos rios e os belos lagos e os belos peixes e as belas aves dos céus do meu
país
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e todos os nomes que eu amo belos na língua ronga macua, suaíli, changana,
xitsua e bitonga
dos negros de Camunguine, Zavala, Meponda, Chissibuca Zongoene, Ribáuè e
Mossuril.
Quissimajulo! Quissimajulo!– Gritamos
Nossas bocas autenticadas no hausto da terra.
Aruángua! – Responde a voz dos ventos na cúpula das micaias.

E no luar de cabelos de marfim nas noites de Murrupula


e nas verdes c ampinas das terras de Sofala a nostalgia sinto das cidades
inconstruídas de Quissico
dos chindjiguiritanas no chilro tropical de Mapulanguene das árvores de
Namacurra, Muxilipo, Massinga
das inexistentes r uas largas de Pindagonga
e das casas de Chinhanguanine, Mugazine e Bala-Bala nunca vistas nem jamais
sonhadas ainda.
Oh! O côncavo seio azul-marinho da baía de Pemba
e as correntes dos rios Nhacuaze, Incomáti, Matola, Púnguè e o potente espasmo
das águas do Limpopo.
Ah! Eum cacho das vinhas de espuma do Zambeze coalha ao sol e os bagos
amadurecem fartos um por um
amuletos bantos no esplendor da mais bela vindima.

E o balir pungente do chango e da impala o meigo olhar negro do xipene


o trote nervoso do egocero assustado
a fuga desvairada do inhacoso bravo no Funhalouro
o espírito de Mahazul nos poentes da Munhuana
o voar das sécuas na Gorongoza
o rugir do leão na Zambézia
o salto do leopardo em Manjacaze

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a xidana-kata nas redes dos pescadores da Inhaca a maresia no remanso idílico de
Bilene Macia
o veneno da mamba no capim das terras do régulo Santaca a música da timbila e
do xipendana
o ácido sabor da nhantsuma doce
o su mo da mampsincha madura
o amarelo quente da mavúngua
o gosto da cuácua na boca
o feitiço misterioso de Nengué-ua-Suna

O POEMA “HINO À MINHA TERRA” representa um dos textos fundadores da literatura


moçambicana. Foi escrito entre 1950 e 1964, isto é, naquele momento crucial da existência das
letras do país – na fase da sua própria constituição. O texto é excepcional por uma celebração
visceral de Moçambique e da África, como um manifesto da singularidade e identidade do país e
do continente. Ao mesmo tempo trata-se de um marco radical no que toca à emancipação da
literatura moçambicana do ponto de vista da língua. Quer dizer, os setenta e nove versos do
poema contêm perto de oitenta palavras de origem autóctone, nomeadamente na língua ronga.
O ronga pertence às línguas dos Bantos centrais, os que representam a população de
Moçambique. Convirá precisar que a situação étnico - linguística do país é muito pouco
homogénea. Distinguem-se pelo menos dez grupos étnicos importantes, mas a maioria destes
dividem-se em sub-grupos, que no total alcançam um número entre 80 e 90.
Esta situação, aliás, reflectir-se-á claramente no poema de Craveirinha, pois uma passagem é nele
dedicada à enumeração das línguas mais importantes do país. Quanto ao ronga, não é a língua da
etnia mais numerosa; é utilizado apenas por um 20 por cento da população, que habitam o Sul de
Moçambique. Esta zona, em que se situa a capital, conheceu a maior influência europeia. Deste
modo, os Rongas puderam aproveitar a rede de escolas e missões desconhecidas em outras partes
em Moçambique, e até hoje em dia possuem o maior peso político. Assim, igualmente, a língua
autóctone que dominavam os literários activos no período da formação das letras moçambicanas,
era o ronga.

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Análise do Nacionalismo
Além desta especificidade lexical, o texto caracteriza-se por o que poderia intitular-se duma
“monumentalidade primitiva”, isto é, por uma oralidade que chega até a alguns casos “limites”:
hipertrofia das construções substantivas, relações pouco precisas entre os elementos dos
enunciados, significantes vagos, emprego erróneo de cultismos ou intelectualismos de origem
grego-latina. […]
Quanto às palavras de origem autóctone que aparecem no poema, a situação não é homogénea.
São presentes, por um lado, expressões autenticamente autóctones. É o caso dos topónimos, dos
nomes próprios e das 23 denominações, em ronga, que significam animais, plantas, instrumentos
de música e vários costumes.
A grande especificidade formal destas expressões autenticamente autóctones é, claro está, o
aspecto sonoro, eventualmente rítmico (topónimos, nomes próprios). Pela sua abundância no
texto, as palavras criam numerosas aliterações (em b, m, w, g, n, nh, ch, os sons nasais). É de
notar, antes de mais, a força sugestiva da estrofe V, em que a presença de palavras em ronga é
fundamental.
Por outro lado, o texto contém expressões em português africano. Quer dizer, palavras que
possuem uma raiz autóctone, mas são criadas pelos meios de formação de palavras do português
(sufixação). Cabe observar o carácter fónico destas palavras, que faz coabitar traços do português
(-o, ou, ei) e das línguas autóctones (nomeadamente os sons nasais): canhoeiro (verso 15),
egocero (48), inhacoso (49), Funhalouro (49). É evidente que as expressões de origem autóctone
adquirem, para um leitor não familiarizado com o léxico e a realidade moçambicanos, uma índole
por excelência enigmática. Mais, mesmo com os apoios paratextuais, revela-se muito pouco
possível decifrar a totalidade de valores simbólicos que as expressões presentes no poema
representariam para um Moçambicano.
Um traço muito particular destas “palavras enigmáticas” é a importância que no texto possuem as
próprias denominações, as formas. Estas apresentam-se como a essência, o fundamento do
mundo africano: basta lembrar-se como no início do poema “uma saudade cresce no nome das
coisas.” E são estes nomes, palavras, precisamente, que fazem surgir as coisas mesmas, o mundo
africano em toda a sua amplitude e riqueza. O autêntico mundo africano, então autónomo, livre
(“meus nomes puros dos tempos... de homens completamente livres!”- VI). As expressões locais
têm, pois, um carácter de encantamento - “esconjuro milenário” (74). […]
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O poema tem, sim, uma forma nitidamente oral: versos longos, prolixidade, repetição,
enumerações, parataxe e ausência de relações entre distintos acontecimentos ou acções. […]
(Mariana Kunešová, “Africanidade, poesia e tradução (caso do poema Hino à minha terra, de
José Craveirinha)”, Universidade Masaryk, 2003,

Observamos nos versos a angústia expressa pela constatação de uma nação que ainda não existe,
uma nação que se faz necessária, mesmo sentimento perceptível já no início do poema “Hino à
minha terra”:

Amanhece
sobre as cidades do futuro.
E uma saudade cresce no nome das coisas
e digo Metengobalame e Macomia
e é Metengobalame a cálida palavra
que os negros inventaram
e não outra coisa Macomia.
(CRAVEIRINHA, 2010, p.22).
Nos versos do “Hino à minha terra” percebemos uma perspectiva diferente do mesmo tema.
Agora existe a expectativa de cidades que irão surgir.

O crítico moçambicano, Gilberto Matusse (1993), em A Construção da Imagem de


Moçambicanidade em José Craveirinha, Mia Couto e Ungulani Ba Ka Khosa, define
moçambicanidade como:

uma prática deliberada através da qual os autores moçambicanos, inseridos num sistema
primariamente gerado numa tradição literária portuguesa em contexto de semiose
colonial, movidos por um desejo de afirmar uma identidade própria, produzem estratégias
textuais que representam uma atitude de ruptura com essa referência. Esta imagem
consumase fundamentalmente na forma como se processa a recepção, adaptação,
transformação, prolongamento e contestação de modelos e influências literárias
(MATUSSE, 1993, p. 64).

Neste primeiro momento de negritude, Craveirinha trata, pois de procurar uma identidade, uma
nacionalidade, a fim de, no sentimento dum solo firme de que se alimente e de onde extraia o

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húmus da sua poesia, poder realizar-se e exprimir simultaneamente uma cultura e uma
personalidade artística e humana (BALTAZAR, 2002, p. 91-92).

No apego tão firme a esse patrimônio cultural, pode-se ler mais sobre o itinerário poético e
existencial de Craveirinha. Lê-se, por exemplo, que sua origem mestiça não esbateu a consciência
de que a dignificação do negro era um dos pressupostos para a libertação nacional, o que vem
explicar a ligação de seu nome ao movimento da Negritude. Teria sido, aliás, um dos
representantes de Moçambique no célebre caderno Poesia negra de expressão portuguesa, editado
no começo da década de 50, em Lisboa, pela combativa Casa dos Estudantes do Império. Consta
da história oral da edição que sua ausência foi motivada apenas pelo atraso com que sua
contribuição chegou a Portugal, problema incontornável naquele tempo de urgências.

Cumpre esclarecer que da Negritude, Craveirinha não apreende a dimensão metafísica dos textos
teóricos de Senghor. Mais afinado com Césaire, vê a afirmação dos valores negros como um ato
imprescindível no combate ao racismo e ás injustiças sociais. A opressão cabal contra o
continente pressupunha uma resposta à medida, como observaria Fanon em seu artigo”Sobre a
cultura nacional”:

“O colonialismo não acreditou ser necessário perder o seu tempo para negar, uma após outra, as
culturas das diferentes nações. A resposta do colonizado será também subitamente continental.
(…) O conceito de „negritude‟, por exemplo, era a antítese afectiva, senão lógica, desse insulto
que o homem branco fazia à humanidade. Essa „negritude‟ oposta ao desprezo do branco revelou-
se em certos sectores como a única capaz de suprimir proibições e maldições. (… ) À afirmação
incondicional da cultura europeia, sucedeu a afirmação incondicional da cultura africana.”

Análise da Negritude
Sobre a negritude e as influências na formação da identidade negra, Munanga (2008) argumenta
que o conceito de negritude surgiu como resultado de um movimento de intelectuais negros,
e existindo para ele três acepções: de carácter biológico, psicológico e cultural. Nesse sentido, o
conceito de Negritude tem como base a afirmação dos valores negros, como o desejo de
recuperar o orgulho de ser negro ou como afirmação e reabilitação da identidade negra, não
somente no plano da raça como também no da cultura.

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Outras discussões pertinentes, focadas nos conceitos de africanidade e no movimento da
negritude e do pan-africanismo, seguem as consequências desses pensamentos para a
ressignificação das práticas culturais africanas edas múltiplas identidades que surgiram no
contexto pós-colonial na África. Nesse processo de crise identitária, que obteve uma dimensão
internacional, por terem tomado como base a questão da raça, tanto o Pan-africanismo quanto o
movimento da Negritude organizaram-se fora do continente africano sem deixar de considerar
as peculiaridades do contexto social de cada país

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Conclusão
A questão da negritude e Introdução a Literatura Negra ; Bhabha (2007) O local da cultura ; Bosi
(1993 e 2002),O ser o e tempo na poesia e Literatura e resistência ; Appiah (1997), Na casa de
meu pai : a África na filosofia da cultura; Duarte (2005), com o texto Literatura e afro-
descendência , Literatura, política, identidades : ensaios; Cândido (2000), com o texto Literatura
e cultura de 1900a 1945, em Literatura e sociedade : estudos de teoria e história
literária;Fonseca (2001), “Visibilidade e ocultação da diferença”: imagens de negro na cultura
brasileira, em Brasil afro-brasileiro ; Gomes (2006), Sem perder a raiz: Corpo e Cabelo Como
Símbolos da Identidade Negra; Munanga (2008 e 2012)com Negritude : usos e sentidos e
Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra; Cabaço
(2009), Moçambique : Identidades, Colonialismo e Libertação; Cuti (2010), em Literatura Negro
- brasileira ; Ribeiro (1995), O povo brasileiro ; Schwarcz (1993), formação e osentido de O
espectáculo das raças : cientistas, instituições e questão racial noBrasil 1870 – 1930. Estes
referenciais teóricos são apenas uma mostra da metodologia bibliográfica utilizada para
a pesquisa.

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Referências bibliográficas
DEUS, L. P. S. E. Msaho e a proposta de renovação da linguagem literária. In: SILVA, F. C.
Literaturasafricanas: narrativas, identidades, diásporas. Colatina: Clock-Book, 2016. p. 53-87
CRAVEIRINHA, José. Obra Poética I. Lisboa, Ed. Caminho, 1999.

MATUSSE, G. A Construção da Imagem de Moçambicanidade em José Craveirinha, Mia Couto


e Ungulani Ba Ka Khosa. Maputo: Livraria Universitária - UEM, 1993.

FIGUEIREDO, Maria do Carmo Lanna; FONSECA, Maria Nazareth Soares (orgs.). Poéticas
Afro-Brasileiras. Belo Horizonte : Mazza : PUC Minas, 2002.

––––––. Literatura negra, Literatura Afro-brasileira: Como responder a polémica? In: Literatura
Afro-brasileira. Centro de estudos afro-ocidentais fundação Palmares, 2006.

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