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AS IDÉIAS DE DONALD WINNICOTT SOBRE A ADOLESCÊNCIA

( material preliminar , não revisado, exclusivamente para circulação em seminário - SP/


19 de fevereiro de 2000 )

J.Outeiral

Durante todo o tempo, desde o início em 1923, quando iniciei minha própria análise pessoal, estive ligado à
psicanálise, sendo candidato do Instituto de Psicanálise ao final da década de vinte e psicanalista habilitado
no começo da década de trinta. Por aproximadamente de dez anos analisei , principalmente, crianças.
Entretanto, depois da guerra concentrei meu trabalho analítico com adultos e, depois, passei a tratar
adolescentes.
Carta a Robert Tod, 6 de novembro de 1969

Donald Winnicott ( DWW ) escreveu bastante sobre o adolescer , teórica e clinicamente,


tanto em artigos específicos sobre este momento evolutivo como desenvolvendo idéias
sobre a adolescência que constam de trabalhos sobre outros temas. O dicionário de
Alexander Newman, Non-compliance in Winnicott´s words. A Companion to the Writings
and Work of D. W. Winnicott ( Newman, 1995 ) no vocábulo “ adolescence “ nos remete a
cada texto , com o nome do livro onde está o trabalho ou o capítulo onde determinada idéia
é desenvolvida e as páginas das referências, oferecendo um atalho ao exegeta que, desta
maneira, terá seu esforço mitigado... Alexander Newman considera que os trabalhos mais
importantes que DWW escreveu sobre “ adolescência “ são dos anos sessenta.

Este texto abordará, inicialmente, os trabalhos mais significativos de DWW sobre o tema do
(1) desenvolvimento da adolescência , para, depois, incluir os (2) relatos clínicos do autor
sobre pacientes nesta etapa. Ao final, procurarei estabelecer uma (3) síntese das idéias de
DWW sobre o adolescer.

1. Os principais artigos de DWW sobre o tema “ desenvolvimento da


adolescência “

(A) A ADOLESCÊNCIA: A LUTA CONTRA A INÉRCIA

Um dos textos mais conhecidos de DWW sobre a adolescência foi escrito , como um
capítulo do livro The Family and Individual Development ( 1965 ), levando o título de
Adolescence:Struggling through the Doldrums. . Inicialmente estas idéias foram expostas
em um trabalho lido para o Senior Staff of the London Country Council Children´s
Department , em fevereiro de 1961 , e , posteriormente, publicado no New Era in Home
and School , em fevereiro de 1962 , e no New Society , em abril de 1963, com algumas
modificações , com o título Struggling Through the Doldrums. Struggling significa, segundo
o dicionário Webster , very strong fight , uma luta muito forte ou um esforço muito grande, e
Doldrums , segundo o mesmo dicionário, unhappy state of mind, inaction, ou como tem sido
traduzida, inércia.
DWW escolheu para este texto um subtítulo significativo para descrever o adolescer ,
Struggling through the Doldrums , (ao qual eu agregaria o Sturm and Drang de W. Goethe,
especialmente com o jovem Werther e com Wilhelm Meister , personagens do
buildingroman ) nos convidando a percorrer com ele suas observações.

Aceitemos a empreitada e, “ en passant “, sigamos com DWW.


DWW inicia comentando o interesse crescente ( recordemos que ele escrevia nos anos
sessenta, período em que efetivamente os jovens começaram a se fazer “ ouvir “ ) sobre os
temas relacionados à adolescência, que gerou uma numerosa produção cultural sobre o
assunto, tanto de estudos sobre esta fase do desenvolvimento como de escritos literários
envolvendo adolescentes como personagens importantes .

Fazendo uma observação similar a que fora desenvolvida por , Erik Erikson, um outro
importante psicanalista e um estudioso desta etapa evolutiva, que considerou que na
adolescência era necessária uma “ moratória “, DWW escreveu:

“ ( O remédio para a adolescência ... ) Existe um só remédio efetivo para a adolescência,


mas que, evidentemente, não possui o menor interesse, para o rapaz ou para a moça que a
está vivendo: o transcurso do tempo e os processos de maturação, fatores que atuando de
forma conjunta conduzem, por fim, ao surgimento da pessoa adulta ... “.

DWW termina a parte introdutória fazendo um comentário sobre determinadas afirmações


feitas, por parte da “ mídia “ ou mesmo de pessoas “ importantes “, de que os adolescentes “
são um problema “, referindo que a maioria deles irá tornar-se em um adulto “ responsável e
sociabilizado “. Ele segue, neste momento, a tradição “ hope “ que acompanha, muitas
vezes, suas idéias.

No íten seguinte, que denomina “ Formulação Teórica “ , ele descreve o que podemos
considerar sua visão geral desta etapa:

“ Durante esta fase o adolescente está dedicado a tarefa de experimentar suas mudanças
pessoais inerentes à puberdade. Cada um deles chega ao desenvolvimento de sua
capacidade sexual e às manifestações sexuais secundárias com uma história pessoal, que
compreende um padrão pessoal na organização das defesas contra diversos tipos de
ansiedade. Em particular, e quando se trata de indivíduos saudáveis, , cada um deles viveu
a fundo, antes do período de latência, a experiência do Complexo de Édipo, isto é, das duas
posições principais na relação triangular com ambos os progenitores ( ou seus substitutos )
e também já existem formas organizadas de evitar a ansiedade ou de aceitar e tolerar os
conflitos inerentes a essas circunstâncias essencialmente complexas. Ocorre também,
como consequência das experiências da infância, determinadas características e
tendências pessoais herdadas e adquiridas, fixações a tipos pré-genitais de experiência
instintiva, resíduos de dependência e crueldade infantís e, além disso, todo o tipo de
padrões patológicos vinculados com falhas de maturação nos níveis edípico e pré-edípico.
Assim, o rapaz ou a moça, chegam a puberdade com todos os seus padrões pré-
determinados, que correspondem a experiências da infância ; e é muito o que permanece
inconsciente e muito o que se desconhece porque ainda não foi experimentado “.

Este apanhado sintetisa sua visão da adolescência seguindo, no essencial, as postulações


de Sigmund Freud: particularmente as idéias expostas nos Tres Ensaios sobre uma Teoria
Sexual ( 1905 ) e nos estudos metapsicológicos que se seguiram, assim como nos casos
clínicos ( Dora, Katharina e A Mulher homossexual ) onde o criador da psicanálise
apresenta seu trabalho com tres moças de “ dezoito anos “, nas dezenas de vinhetas
clínicas onde utiliza descrições de situações com adolescentes e, podemos incluir também,
o relato do tratamento do jovem Noé Bertrand em Gradiva ( Freud, 1907 ) .
Suas colocações sobre o desenvolvimento psicosexual e a importância que confere ao
Complexo de Édipo , situam mais uma vez DWW na tradição freudiana e como o mais
freudiano dos analistas ingleses.
Ele comenta ainda, nesta parte do texto, os seguintes aspectos:

(1) “uma consideração especial à importância do meio ambiente para o desenvolvimento e


as dificuldades que sofre o adolescente com as falhas ambientais;

(2) a existência, isoladamente ou de forma concomitante, de “ uma independência


desafiante e uma dependência regressiva “ ;

(3) DWW considera que o adolescente, assim como as crianças, tende a ser “ um indivíduo
isolado “ , repudiando inicialmente o que é não-eu ( not-me ) até que possa ser capaz de
aceitar “ os objetos externos ao self e fora da área do controle onipotente “; predomina no
início, desta forma, “ uma natureza subjetiva do meio “ e “ do princípio do prazer-dor
sobre o príncipio de realidade “ ( DWW considera, também, que há uma tendência dos
adolescentes a constituirem agrupamentos “ pela adoção de interêsses identicos “ e que
quando se sentem “ atacados “ buscam organizações grupais de características paranóides
e que diminuida a perseguição há novamente uma tendência ao isolamento ) ;

(4) (4) Ele comenta também que o desejo sexual , prévio a maturidade sexual, favorece a
dúvida quanto “ ao fato de não saberem ainda se serão homossexuais, heterossexuais ou,
simplesmente, narcisistas “. A descarga da tensão sexual se dará fundamentalmente
através da masturbação compulsiva “.

O trabalho continua com DWW tecendo considerações sobre “ o momento para a


adolescência “, fazendo articulações com a cultura e enfatizando a dificuldade dos adultos,
que não tiveram a experiência de adolescer , de conviver com “ a resplandecente
adolescência “ dos jovens. Ele escreve :

“ (... ) Não constitue, por acaso, uma prova de saúde de uma sociedade o fato de que seus
adolescentes possam sê-lo no momento adequado, ou seja, no período que corresponde
ao crescimento puberal ? Entre os povos primitivos, estas mudanças se ocultam com tabus
ou o adolescente se converte em adulto, no transcurso de poucas semanas ou meses,
fazendo-o passar por ritos e provas. Na sociedade atual os adultos se formam mediante
processos naturais a partir de adolescentes que marcham para a frente impulsionados
pelas tendências do crescimento; o que poderia, talvez, significar que os novos adultos de
hoje possuem fortaleza, estabilidade e maturidade. Naturalmente tudo isto tem um preço.
As numerosas crises adolescentes requerem tolerância e tratamento; ainda mais, este novo
desenvolvimento provoca tensões na sociedade, pois aos adultos a quem não se permitiu
passar por este período tem muitas dificuldades de se perceberem rodeados por rapazes e
moças que atravessam por um estado de resplandecente adolescência “.

DWW prossegue comentando “ as três mudanças sociais “ que, em sua opinião, “


modificaram todo o clima para os adolescentes neste período “: (1) a cura das doenças
venéreas ( “ As enfermidades venéreas deixaram de ser um fantasma ameaçador. As
espiroquetas e os gonococos já não são emissários de um Deus punitivo, como eram tidos
há cinquenta anos, e podem ser tratados com penicilinas e antibióticos “ ), (2) o
desenvolvimentos das técnicas anticoncepcionais e (3) a ameaça da guerra nuclear. Estas
“ mudanças sociais “ evidentemente tinham lugar na década quando o trabalho foi escrito.
Hoje, com o retorno das doenças venéreas, particularmente da AIDS, com o avanço dos
novos métodos de anticoncepção e com o fim da Guerra Fria, novas questões se colocam
despertando as ansiedades e fantasias dos adolescentes, seus pais e da sociedade. A
velocidade das comunicações, a banalização da violência, a introdução do ciberespaço, do
espaço virtual, da era das imagens, da fragmentação, da crítica a muitos dos paradigmas da
modernidade, entre muitos outros aspectos, configurados sob a denominação, controversa ,
de condição pós-moderna ( “ A lógica cultural do capitalismo tardio “, Jamelson ) estão a
propor novas formas de pensar e de conduta.

Um ponto interessante, que DWW aborda é o que ele denomina “ a não aceitação ( pelos
adolescentes ) de soluções falsas “ por eles adotarem uma feroz moralidade “. Ele
novamente retoma o que havia postulado no início do texto, a necessidade de “ tempo ” por
parte do adolescente e comenta :

“ Uma característica básica dos adolescentes consiste em que não aceitam soluções
falsas. Esta feroz moralidade, baseada no real e no falso, pertence também a inf^^ncia e à
enfermidade do tipo esquizofrenico... O único remédio para a adolescêcnia é o transcurso
do tempo, fato que para o adolescente carece de um sentido maior. O adolescente busca
uma solução imediata porém, ao mesmo tempo, rechaça uma tentativa após a outra,
porque percebe nela algum elemento de falsidade... Quando o adolescente já está em
condições de tolerar uma forma de transação, pode descobrir diversas maneiras de atenuar
o caráter inexorável das verdades essenciais. Por exemplo, uma possível solução é a
identificação com as figuras parentais; outra, uma maturidade prematura em termos de
sexo, ou, ainda, um deslocamento da enfase da esfera sexual ao desempenho atlético, ou
das atividades corporais ao desenvolvimento intelectual. Em geral, os adolescentes
rechaçam estes recursos e, em troca, , tem de pssar por um tipo de áreas de calmaria
( interregno ), uma fase em que se sentem inúteis ( fúteis ) e na qual ainda não encontraram
a si mesmos. Temos de observar isto acontecer... (... ) Podemos ver os jovens procurando
uma forma de identificação que não lhes falhe em sua luta, a luta por se sentir real, a luta
por uma identidade pessoal, para não enquadrar-se em um papel pré-determinado e para
passar por tudo o que tem de ser passado. Eles não sabem no que vão tornar-se. Não
sabem onde estão e o que esperam. Eles se sentem irreais porque tudo está suspenso e
isto os levam a fazer determinadas coisas que lhes parecem reais, e que são bastante reais
no sentido de que afetam a sociedade... ( ... ) Aqueles que cuidam de adolescentes se
encontrarão perplexos ao ver como que rapazes e moças podem ser desafiadores até um
certo grau e, ao mesmo tempo, dependentes ao ponto de serem infantís, até mesmo de
agirem como bebês, mostrando padrões de dependência infantís que datam dos primeiros
meses de vida ... “.

DWW busca estabelecer alguns aspectos que ele considera “ necessidades do adolescente
“, pontuando ( e de certa maneira retomando algumas idéias ) :

- A necessidade de evitar soluções falsas.

- A necessidade de sentir-se real ou de tolerar não sentir absolutamente nada.

- A necessidade de desafiar em um meio onde a dependência é afrontada e onde se


pode confiar a ponto de poder afrontar esta dependência.

- A necessidade de afrontar repetidamente a sociedade, de modo que o antagonismo


desta se torne manifesto e possa ser respondido com antagonismo.
A última parte deste trabalho toma uma interessante questão que DWW denomina “ A
adolescência sadia e os padrões patológicos “. Ele considera que o adolescente normal
apresenta características que se observam em diversos tipos de pessoas enfermas.

A necessidade de evitar situações falsas corresponde à incapacidade do paciente psicótico


de aceitar uma fórmula de transação; é comparável também à ambivalência psiconeurótica
e a atitude enganosa e auto-enganosa das pessoas sadias. A necessidade de se sentirem
reais, ou de não sentirem nada, está associada à depressão psicótica com
despersonalização. A necessidade de desafiar corresponde à tendência anti-social que
aparece na delinquência.

Fazendo um comentário sobre o funcionamento grupal nesta etapa, DWW escreve :

Disto podemos concluir que, em um grupo de adolescentes, as várias tendências estão


sujeitas a ser representadas pelos membros mais doentes do grupo. Por exemplo, um
membro de um grupo toma uma overdose de uma certa droga, um outro fica deitado na
cama com depressão, um outro está à solta com um canivete. Em cada caso, o agregado
de seres isolados agrupa-se por detrás do indivíduo doente, cujo sintoma extremo foi
imposto à sociedade. Além disso, para a maioria dos indivíduos que estão envolvidos não
há energia suficiente atrás da tendência existente para fazer o sintoma se manifestar
inconvinientemente e produzir a reação social.

No que se refere à psicopatologia , específicamente, DWW comenta a depressão


adolescente e a tendência anti-social.

Abordando a depressão, DWW esclarece:

“ Repetindo: se queremos que o adolescente passe por essa fase do desenvolvimento,


seguindo um processo natural, então inevitavelmente devemos esperar um fenômeno que
poderia chamar-se depressão típica do adolescente . A sociedade precisa aceitá-la como
um fator permanente, e tolerá-la, para que possa reagir ativamente contra ela, ou a vir a seu
encontro, mas não curá-la “.

Ele comenta que devemos atentar para o fato de que muitos indivíduos são de tal maneira
enfermos que não podemos considerar que, de fato, atinjam a adolescência, ou, então,
chegam até ela de maneira muito distorcida .

Será útil esclarecermos melhor o conceito que DWW tem de “ depressão “,. Sua idéia de “
depressão “ cobre um amplo espectro, desde uma aquisição do desenvolvimento normal
até uma desordem psicopatológica ( ligada à interrupção do desenvolvimento ).

Jan Abram ( Abram, 1996 ), em seu “ dicionário winnicottiano “, ao explicitar o verbete “


depressão “, escreve que “ ... a forma com que a depressão, aqui compreendida como um
estado de ãnimo, é encarada por cada indivíduo, depende daquilo que ocorreu entre a mãe
e o bebê, particularmente no período de desmame, que é quando o bebê passa a poder
estabelecer as diferenças entre o Eu e o Não-Eu. Poderemos ir adiante, comentando,
então, que DWW, ao definir o estágio de “ concern “ ( “ preocupação “ ) o relacionou “a
Posição Depressiva de Melanie Klein e que , portanto, ao longo da vida, nos diferentes
momentos do desenvolvimento, a “ preocupação “ com a sobrevivência do objeto se fará
presente, quando nos defrontaremos com a “ depressão “ no sentido de aquisição ( ou
realização, e que eu preferiria chamar de “ tristeza “ ao invés de “ depressão “ ) da
experiência do self.
No tocante a psicopatologia teremos , especialmente quanto ao desmame, a questão
relacionada com a “ depressão psicótica “. Esta situação clínica, abordada por vários
autores, como Margarete Mahler , levou DWW a considerar que quando o desmame ocorre
precocemente ( na “ falha ambiental “ , ocasionada , por exemplo, na depressão materna ou
por diferentes tipos e graus de “ intrusão “ , o que nos remete ao conceito freudiano de
trauma e ao conceito de trauma acumulativo de Masud Kahn [ Outeiral, 1999 ] ) o bebê não
perde apenas o seio, mas também partes de seu próprio self .

É necessário ressaltar que dois anos antes deste trabalho de DWW, Anna Freud publicou o
clássico “ Adolescence “ ( Freud, A , 1958 ) comentando os processos depressivos e de
luto na adolescência normal , mas DWW, como é sabido, nunca reinvindicou “ originalidade
“ para suas idéias. Os trabalhos clássicos de Arminda Aberastury e Maurício Knobel sobre
os lutos da adolescência e a Síndrome da Adolescência Normal são do início da década de
setenta e, portanto, posteriores a este texto de DWW.

É, entretanto na relação entre a adolescência e a tendência anti-social que DWW se


estende mais. Em vários trabalhos, mas particularmente na coletânea que leva o título de
The Antisocial Tendency , publicada em 1956, DWW estabelece as bases do que entende
por tendência anti-social .

Jan Abram ( Abram, 1996 ) comenta sobre este tema, nos refrescando, mais uma vez, a
memória :

Tendência anti-social é uma expressão intrínsicamente vinculada à deprivação. O ato anti-


social ( roubo, enurese noturna, etc. ) constitui-se em um imperativo relativo a uma falha no
período de dependência relativa. De acordo com Winnicott, a tendência anti-social indica
que o bebê pode experimentar um ambiente suficientemente-bom à época da dependência
absoluta, mas que foi perdido posteriormente. Assim , o ato anti-social é um sinal de
esperança de que o indivíduo venha a redescobrir aquela experiência boa anterior à perda.
A tendência anti-social não deve ser vista como um diagnóstico, e pode ser aplicada tanto à
crianças como a adultos. Winnicott estabelece uma distinção entre a tendência anti-social e
a delinquência, mesmo que ambas brotem do mesmo tronco – a deprivação.

Embora não tenhamos , em nosso idioma, a distinção que na língua inglesa é possível
estabelecer entre privation ( “ ausência de cuidado materno “ e, por consequência, o
desencadeamento de patologias graves como as psicoses e o Autismo Infantil Precoce) e
deprivation ( “ existiu um certo grau de cuidado materno que, posteriormente foi perdido “ ,
raiz da tendência anti-social ), podemos , considerando o idioma um organismo vivo e à
maneira de Guimarães Rosa, utilizar privação e deprivação .

DWW explicita que a distinção entre as dificuldades da adolescência normal e “ a


anormalidade que pode ser chamada de tendência anti-social “ ,não está no quadro clínico
mas , sim, na dinâmica, na etiologia, de cada uma destas situações. Ele escreve :

Na raiz da tendência anti-social existe sempre uma carência. Pode ser simplesmente que a
mãe, em um momento crítico, tenha se encontrado em um estado de introspecção ou
depressão, ou pode ser que a família tenha se desmembrado . Mesmo uma carência
menor, se ocorrer em um momento difícil, pode ter um resultado duradouro, porque
sobrecarrega as defesas disponíveis. Atrás da tendência anti-social há sempre uma saúde
seguida de uma interrupção, depois da qual as coisas nunca mais foram as mesmas.
A criança anti-social procura, de um modo ou de outro, violenta ou gentilmente, fazer com o
mundo reconheça seu débito; ou tenta fazer o mundo reconstruir a moldura que foi
quebrada.

Uma das contribuições mais importantes que, a meu ver, DWW faz neste artigo diz respeito
as idéias que desenvolve sobre o grupo de adolescentes .

Na raiz da adolescência, em geral, não é possível dizer que haja inerentemente uma
carência, e ainda assim há algo que é o mesmo, mas, sendo em menor grau e difuso,
simplesmente evita sobrecarregar as defesas disponíveis. Deste modo, no grupo, que o
adolescente escolhe para se identificar, ou no agregado de seres isolados que formam um
grupo para se opor a uma perseguição, os membros extremistas do grupo estão agindo
pelo grupo total. Todo tipo de coisas que existe na luta dos adolescentes – o roubo, as
facas, as quebradeiras e vandalismos e tudo o mais – todas essas coisas tem que ser
contidas na dinâmica deste grupo, seja sentar por aí ouvindo jazz, ou dar uma festa com
bebidas e, se nada acontecer, os membros começam a sentir-se inseguros da realidade de
seu protesto e, mesmo assim, não estão perturbados suficientemente para executar o ato
anti-social que poria as coisas no lugar. Mas, se no grupo existe um membro anti-social ou
dois ou tres dispostos a fazer coisas anti-sociais que produzam uma reação social, isto faz
todos os outros membros aderir, sentir-se reais, e temporariamente estruturam o grupo.
Cada membro do grupo será leal e apoiará aquele que agirá pelo grupo, embora nenhum
deles tenha aprovado aquilo que a personalidade extremamente anti-social fez.

Suas idéias sobre a dinâmica do grupo de adolescentes aborda também as questões


relacionadas à depressão e ao suicídio. Dando continuidade ao tema anterior ele comenta:

A tentativa de suicídio de um dos membros é muito importante para todos os outros. Poderá
acontecer que um membro do grupo não consegue sair da cama; ele está paralisado pela
depressão e toca na eletrola as músicas mais dolentes; tranca-se no quarto e ninguém
pode chegar perto. Todos os outros sabem que isto está acontecendo e de vez em quando
ele sai para uma festa ou para qualquer outra coisa e isto pode continuar por todas as
noites ou por dois ou tres dias. (...) Tais acontecimentos pertencem ao grupo inteiro e o
grupo é inconstante e os indivíduos trocam de grupo ; mas, às vezes, os indivíduos
membros do grupo usam os extremistas para ajudá-los a sentirem-se reais, em sua luta
para ultrapassar este período de depressão.

Neste trecho além de comentar as questões vinculadas à depressão ( ao que eu


acrescentaria a utilização das defesas maníacas ( 1935 ) e a questão da atuação, não
apenas como rememorização mas também como comunicação ) DWW dá ao grupo , pelo
que posso compreender, um lugar fundamental no processo adolescente. Um espaço de
transicionalidade, do viver criativo e expontâneo, da experimentação para a vida, para
buscar o que no inglês quinhentista de Shakespeare era o thou art ou o tu és ( you are ),
ou alguém só é quando existe art ..
Marilia Pineiro Ayres ( Ayres, 1998 ), em um trabalho intitulado O Grupo Como Espaço
Transicional no Processo Adolescente: Abordagem a Partir de Um Caso Clínico ,
desenvolve o seguinte comentário:

Neste espaço transicional ( o grupo ) o jovem pode vivenciar o imaginário como real. Deste
modo o grupo o tranquiliza ao lhe permitir experimentar certo manejo onipotente dos
objetos e, com isto, ir obtendo gradativamente a aceitação da realidade e a perda das
fantasias infantís. O grupo, como contexto de descobrimento, permite ao adolescente
perceber o todo como unidades relacionais em permanente transformação... O destino do
grupo de iguais, semelhante ao destino dos objetos transicionais “ permitir ser
progressivamente descatexizado, de maneira que, com o curso dos anos, se torne não
tanto esquecido, mas relegado ao limbo... Não é esquecido e não é pranteado. Perde o
significado “ ( Winnicott ).

DWW conclui este trabalho com os seguintes comentários :

É tudo um problema de como ser um adolescente durante a adolescência. Isto é uma coisa
extremamente corajosa para qualquer um, e que algumas destas pessoas estão tentando
realizar. Não significa que nós adultos temos de dizer : “ Olhe para aqueles queridos
adolescentes tendo sua adolescência; devemos aguentar tudo e deixar nossas janelas
serem quebradas “. Esta não é a questão. A questão é que nós somos desafiados, e
enfrentamos o desafio como parte das funções da vida adulta. Porém enfrentamos o
desafio, mais do que partimos para curar o que é essencialmente sadio.

O grande desafio da adolescência é para aquela pequena parte de nós que não viveu a
adolescência. Esta pequena parte de nós mesmos nos faz sentir ressentimento daquelas
pessoas que são capazes de viver sua fase de depressão e nos faz querer encontrar uma
solução para elas. Há centenas de soluções falsas. Qualquer coisa que falemos ou façamos
está errada. Damos apoio e estamos errados, tiramos apoio e isto é errado também. Não
ousamos ser “ compreensíveis “. Mas, no correr do tempo, descobrimos que o adolescente
saiu da fase de depressão e é agora capaz de começar a se identificar com a sociedade,
com os pais, e com todos os tipos de grupos maiores, sem sentir-se ameaçado de extinção
pessoal.

A Adolescência: a luta contra a inércia , referido por Newman como um dos textos mais
importantes de DWW sobre a adolescência, como vimos antes, é escrito no estilo habitual
do autor, particularmente quando se dirigia a leigos: direto, simples, coloquial e, digamos,
um pouco “ desestruturado e naive “. Nos reportando aos anos sessenta, quando o
trabalho foi apresentado, é possível constatar que houve neste período um grande
interesse pelo estudo psicanalítico desta etapa do desenvolvimento e no conjunto dos
textos escritos, ( particularmente os de Anna Freud, Erik Erikson, Peter Blos e outros ) , a
meu ver, as idéias de DWW não trazem “ novidades “ , da mesma forma que “ não são
originais “ ( coisa que , aliás, ele nunca pretendeu ). Temos, então, um conjunto de
reflexões, um puzzle, para encontrarmos nossas próprias idéias sobre a adolescência; na
verdade , da maneira como cada um for capaz , segundo, quem sabe ?, conforme suas
próprias experiências adolescentes.
(B) CONCEITOS CONTEMPORÂNEOS DE DESENVOLVIMENTO ADOLESCENTE E
SUAS IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR

Este é o segundo texto referido por Newman como constituindo uma das contribuições
mais importantes de DWW sobre a adolescência. Ele foi apresentado em um Simpósio
realizado na 21ª Reunião Anual da British Student Health Association, em 1968, e consta
no livro Playing and Reality ( 1971 ; capítulo XI ). Parte deste trabalho, foi publicado em
uma revista de pediatria ( Pediatrics, 44:5, part 1, 1969 ), com o título “ Adolescent Process
and the Need for Personal Confrontation “.

DWW, a meu ver , como contribuições mais significativas neste artigo, aborda os seguintes
pontos: (1) “ A confusão “, (2) “ Morte e Assassinato na Adolescência “ e ( 3) “ A imaturidade
do Adolescente “. Considero, entretanto, que a tese central e fundamental deste trabalho é
a “ Morte a Assassinato no Processo Adolescente “.

Vejamos...

O trabalho inicia com DWW enumerando um conjunto de observações que envolvem o


processo adolescente. Ele escreve :

o desenvolvimento emocional do indivíduo;

o papel da mãe e dos pais;

a família como um desenvolvimento natural, em função das necessidades da infância;

o papel das escolas e outros grupamentos, vistos como extensões da idéia familiar e como
realce dos padrões familiares estabelecidos;

o papel especial da família em sua relação com as necessidades dos adolescentes;

a imaturidade do adolescente;

a consecução, pelo indivíduo, de uma identificação com grupamentos sociais e com a


sociedade, sem perda excessiva de espontaneidade pessoal ;

a estrutura da sociedade, sendo essa palavra utilizada como substantivo coletivo, sociedade
composta de unidades individuais, maduras ou imaturas;

as abstrações da política, da economia, da filosofia e da cultura vistas como culminação de


processos naturais de crescimento;

o mundo como superposição de um bilhão de padrões individuais, uns sobre os outros.

Após esta “ listagem “ de fatores ligados ao processo de desenvolvimento, DWW aaborda o


que constitui, como podemos facilmente perceber, a série complementar de Sigmund
Freud ( aliás, é no capítulo VII do mesmo livro que ele escreveu “ ... quando vim a tornar-
me freudiano ... “ , reafirmando sua filiação, lembrança que me parece pertinente... ) .
Articulando este enlace, vejamos o que diz o Vocabulário de Psicanálise ( Laplanche &
Pontalis, 1982 ) de J. laplanche e J. B. Pontalis, sobre a série complementar e, logo a
seguir, comparemos este conceito com as idéias de DWW .

J. Laplanche e J. B. Pontalis escrevem :

( Série Complementar )... Expressão utilizada por Freud para explicar a etiologia das
neuroses e superar a alternativa que obrigaria a escolher entre fatores exógenos ou
endógenos: na realidade estes fatores são complementares, pois cada um deles pode ser
tanto mais fraco quanto o outro é mais forte, de modo que um conjunto de casos pode ser
classificado numa escala em que dois tipos de fatores variam em sentido inverso... É nas “
Conferências Introdutórias sobre Psicanálise ( 1916-17 )“.

Sigmund Freud , nesta formulação, deixa evidente que não se enclausurou no conflito entre
externo e interno ; nuirture ou nature ; ambiente ou inato; objeto externo ou objeto
interno.

Vejamos como DWW articula esta questão ( neste texto, pois sua noção de objeto
transicional deixa bem claro como ele pensa... ) :

A dinâmica é o processo de crescimento, sendo este herdado por cada indivíduo. Toma-se
como certo, aqui, o meio ambiente facilitador e suficientemente bom, que, no início do
crescimento e desenvolvimento de cada indivíduo, constitui um sine qua non . Há genes
que determinam padrões, e uma tendência herdada a crescer e a alcançar a maturidade;
entretanto, nada se realiza no crescimento emocional, sem que esteja em conjunção ao
ambiente facilitador, que tem de ser suficientemente bom. Observe-se que a palavra “
perfeito “ não figura nesse enunciado ; a perfeição é própria das máquinas, e as
imperfeições, características da adaptação humana à necessidade, constituem qualidade
essencial do meio ambiente que a facilita.

DWW deixa muito clara sua idéia e escreve com uma “ humildade e humanidade “, sobre a
perfeição das máquinas e as imperfeições humanas , que merece ser destacada.

Ele considera que fundamental a tudo isso é a noção da evolução da dependência


absoluta inicial até ao caminho na direção do sentido de independência , através do
estágio de dependência relativa . Esta linha do desenvolvimento do self , desde um início
de absoluta dependência e indiscriminação do objeto, até a busca incessante da
independência , passando pela dependência relativa tenho exemplificado com um exemplo
de W. Bion ( se não é dele, na verdade, é de algum outro poeta ... ). Este autor comentou
que um navegante orienta seu curso por uma estrela, embora sabendo que nunca chegará
lá ...

DWW conclui :

independência não se torna absoluta e o indivíduo visto como unidade autônoma nunca, de
fato, é independente do meio ambiente, embora existam maneiras pelas quais, na
maturidade, ele possa sentir-se livre e independente, tanto quanto contribua para a
felicidade e o sentimento de estar de posse de uma identidade pessoal. Através das
identificações cruzadas, a linha nítida existente entre o Eu e o Não-Eu é toldada .
O conceito de identificações cruzadas é abordado no capítulo anterior ( capítulo X ) do
Playing and Reality , e retomaremos esta questão ao discutir o material clínico de uma
paciente de DWW : Sarah, de 16 anos .

Como acontece sempre com quem trabalha com adolescentes, DWW se pergunta : “
Doença ou saúde ? “.

DWW considera que embora a Sociedade seja estruturada por seus membros sadios ,
necessita conter seus membros enfermos , enumerando-os :

Os imaturos ( imaturos em idade );

os psicopatas ( produto final da privação; pessoas que, quando esperançosas, têm de fazer
a Sociedade reconhecer o fato de que sua privação quer um objeto bom ou amado, uma
estrutura satisfatória, na qual possam confiar, que resista às tensões originárias do gesto
espontâneo );

os neuróticos ( atormentados pela motivação e ambivalência inconscientes );

os de humor variável ( pairando entre o suicídio e alguma outra alternativa, que pode incluir
as mais elevadas realizações em termos de contribuições );

os esquizóides ( que tem o trabalho de toda uma vida já definido e o estabelecimento de si


mesmos, cada um como um indivíduo dotado de um sentimento de identidade e de um
sentimento de ser real );

os esquizofrênicos ( que não podem, pelo menos nas fases de doença, sentir-se reais e que
podem, na melhor das hipóteses, atingir algo na base de um viver por procuração ).

Ele cita um grupo importante, mas de diagnóstico nem sempre simples: àqueles indivíduos
“ dominados por um sistema de pensamento “, os paranóicos. Expressa, também, que
considera a Psiquiatria difícil de ser entendida e que “ nenhuma denominação psiquiátrica
designa exatamente o caso e, muito menos, a denominação normal ou sadio “ .

Nos interessa agora o que DWW chama de “ A tese Principal “.

O que DWW considera A Tese Principal é uma reafirmação da importância da mãe


suficientemente-boa ( ou do ambiente facilitador ) para o desenvolvimento do indivíduo em
geral e, no caso presente, do desenvolvimento sadio do adolescente.

Adequadamente e de maneira brincalhona o íten seguinte é chamado de “ Mais confusão “.

Essa “ fonte de confusão “ é descrita por DWW como “ a suposição corrente “ de que se os
pais “ criarem bem seus bebês e filhos, haverá menos problemas “...
... Longe disso ! Isso é muito afim de meu tema principal, pois desejo colocar a implicação
de que, durante a adolescência, onde os sucessos e fracassos do bebê e da criança
retornam para acomodar-se, alguns dos problemas mais atuais são próprios dos elementos
positivos da educação moderna e das atitudes modernas em relação aos direitos do
indivíduo.

Se fizermos tudo o que pudermos para promover o crescimento pessoal em nossa


descendência, teremos que ser capazes de lidar com resultados espantosos. Se nossos
filhos vierem a se descobrir, não se contentarão em descobrir qualquer coisa, mas sua
totalidade em si mesma, e isso incluirá a agressividade e os elementos destrutivos nela
existentes, bem como os elementos que podem ser chamados de amorosos. Haverá uma
longa luta, à qual precisaremos sobreviver .

As observações de DWW são bastante interessantes e nos possibilitam perceber a


importância que ele designa para a questão da agressividade em sua clínica: ele não
subestima o papel deste movimento pulsional e, tampouco, como alguns de seus críticos
destilam, é “ um terapeuta ingênuo “. Não tendo tido filhos em nenhum de seus dois
casamentos, sua experiência clínica lhe possibilitou ter um feeling bastante aguçado para
fazer observações tão pertinentes sobre crianças, adolescentes e seus pais.

Continuando a desenvolver seus pensamentos sobre a “ confusão “ da adolescência, DWW


comenta:

Com alguns de nossos filhos teremos sorte se nossa ajuda lhes permitir o pronto uso de
símbolos, o brincar e o sonhar, ser criativo de maneiras satisfatórias; entretanto, mesmo
assim a estrada que leva até aí pode ser pedregosa. Em qualquer caso, cometeremos
equívocos, e esses equívocos serão vistos e sentidos como desastrosos, e nossos filhos
tentarão fazer-nos sentir responsáveis por contratempos, mesmo quando não o formos
realmente. Nossos filhos dirão simplesmente: não pedimos para nascer.

DWW conclui o tema da “ confusão “, de maneira coloquial, dentro de sua tradição “ hope “,
numa forma quase literária e bastante profunda .

Nossas recompensas chegam até nós na riqueza que pode gradativamente aparecer no
potencial pessoal deste rapaz ou daquela moça. E, se tivermos sucesso, precisamos estar
preparados para sentir ciúmes de nossos filhos, que estão obtendo melhores oportunidades
de desenvolvimento pessoal do que nós próprios tivemos. Nos sentiremos recompensados
se, algum dia, nossa filha nos pedir para tomarmos conta de seu filho, demonstrando com
isso sua confiança em que podemos fazê-lo satisfatoriamente, ou se nosso filho, de algum
modo, quizer ser como nós, ou enamorar-se de uma moça de quem poderíamos nos
enamorar se fossemos mais jovens. As recompensas chegarão indiretamente. E,
naturalmente, sabemos que não nos agradecerão.

Ao falar de “ ciúmes “ penso que DWW se refere também à questão da “ inveja “,


sentimento que penso ocupar mais intensamente, ou tão intensamente como o “ ciúmes “,
as relações dos mais velhos com os mais jovens. A questão da inveja, vale ressalvar, como
sabemos, é bem desenvolvida por DWW no Psycho-Analytic Explorations ( Winnicott,
1989 ) ao falar do Melannie Klein e seu conceito de inveja.
A última parte deste artigo leva o subtítulo de “ Morte e Assassinato no Processo
Adolescente “ . É , a meu entendimento como referi antes, junto, talvez, com “ As
Confusões “, uma das melhores abordagens do texto. Novamente somos levados às raízes
freudianas de DWW, pois , evidentemente, suas idéias estão em seguimento ao exposto
por Sigmund Freud em “ Totem e Tabu “ ( Freud, 1912 ).

Neste livro Sigmund Freud , como sabemos, desenvolve suas idéias relacionando o
conhecimento psicanalítico com a antropologia social; embora alvo de muitas críticas, como
assinala, entre outros, Peter Gay em sua biografia do descobridor da psicanálise, os temas
expostos são muito interessantes para os objetivos de nossas reflexões de agora, a
adolescência. O terror ao incesto; a exogamia ; o animismo, a magia e a onipotência do
pensamento; o retorno do totemismo na infância; as fobias; o complexo de Édipo e o
parricídio. Estes são temas que nos interessam profundamente ao estudarmos o
adolescer .

DWW escreve, então, sobre “ o conteúdo da fantasia adolescente “ :

Na época do crescimento adolescente, meninos e meninas, canhestra e


desordenadamente emergem da infância e se afastam da dependência, tateando em busca
do status adulto. O crescimento não é apenas questão de tendência herdada; é também
questão de um entrelaçamento altamente complexo com o meio ambiente facilitador. Se a
família ainda tem disponibilidade para ser usada, ela o é em grande escala, mas se não
mais se encontra disponível para esse fim, ou para ser posta de lado ( uso negativo ) torna-
se necessária, então, a existência de pequenas unidades sociais, para conter o processo de
crescimento adolescente. Espreitam a puberdade os mesmos problemas presentes nos
estádios primitivos quando essas mesmas crianças eram bebês vacilantes e relativamente
inofensivos. É importante observar que, embora tenhamos cumprido bem nossa tarefa
durante os estágios primitivos e observado resultados positivos, não podemos contar com
um melhor funcionamento da máquina. Na verdade, podemos esperar por problemas.

Neste trecho é colocada a questão da regressão que realiza ( ou sofre ) o adolescente aos
primeiros estágios do desenvolvimento e a necessidade que tem de “ continência “ ou “
limite “ para as experiências que este momento evolutivo demanda.

Abordando mais claramente a questão da “ Morte e Assassinato “, DWW esclarece :

Nos é de grande valia comparar as idéias adolescentes com as da infância. Se, na fantasia
do crescimento primitivo estiver contida a morte, então, na adolescência, ver-se-á contido o
assassinato . Mesmo quando o crescimento, no período da puberdade, progride sem
maiores crises, é possível que nos defrontemos com agudos problemas de manejo, porque
crescer significa ocupar o lugar do genitor. E realmente o é. Na fantasia inconsciente,
crescer é, inerentemente um ato agressivo. E a criança agora já não é pequena.

O grifo é meu , porque considero necessário destacar estas afirmações mais uma vez. A
agressividade e seus derivados é um elemento fundamental na pensamento de DWW.

DWW ilustra estas idéias comentando sobre o jogo “ Eu sou o Rei do Castelo “, um jogo de
situações de vida, e escreve:
Não precisamos supor que a natureza humana tenha sofrido qualquer alteração.
Precisamos procurar o duradouro no efêmero. Precisamos traduzir esse jogo da infância na
linguagem da motivação inconsciente da adolescência e da Sociedade. Se a criança tem de
tornar-se adulta, então essa transformação se faz sobre o cadáver de um adulto. Sou
obrigado a tomar como evidente que o leitor sabe que me refiro à fantasia inconsciente ( o
material que fundamenta o brincar ). Sei, naturalmente, que rapazes e moças podem
conseguir atravessar esse estádio de crescimento num acordo contínuo com os pais reais e
sem manifestarem necessariamente qualquer rebelião em casa. Mas lembremo-nos de que
a rebelião é própria da liberdade que concedemos a nossos filhos, criando-os de tal
maneira, que ele ou ela existem por seu próprio direito. Em certo casos, se poderia dizer: “
Semeamos um bebê e colhemos uma explosão “. Isso é sempre verdadeiro, mas nem
sempre o parece.

... e DWW continua, descrevendo esse “ obituário “...

Na fantasia inconsciente total, própria do crescimento na puberdade e na adolescência, há


a morte de alguém. Muita coisa pode ser manejada através da brincadeira e dos
deslocamentos, e com base nas identificações cruzadas, mas, na psicoterapia do
adolescente individual ( e falo como terapeuta ), se encontrará morte e triunfo pessoal como
algo inerente ao processo de maturação e à aquisição do status social. Isso o torna
bastante difícil para pais, mestres ou tutores, e difícil também para os próprios adolescentes,
individualmente, que chegam tímidamente ao assasssinato e ao triunfo próprios da
maturação neste estágio decisivo. O tema inconsciente pode tornar-se manifesto como
experiência de um impulso suicida ou como suicídio real. Os pais quase não podem ajudá-
los; o melhor que podem fazer é sobreviver, sobreviver incólumes e sem alterar-se, sem o
abandono de qualquer princípio importante. Isso não quer dizer que eles próprios não
possam crescer.

DWW observa, a seguir, que um certo número de jovens sofrerá “ baixas “ e que outros
não atingirão a “ vida adulta “: advertência fundamental em um país onde as tres primeiras
causas de morte são relacionadas à violência ( homicídios, acidentes e suicídios ) e onde
cêrca de 21 milhões de crianças e adolescentes vivem em estado de abandono , segundo
dados da Folha de São Paulo de 14 de dezembro de 1999. O leitmotiv da época de DWW
para referenciar nestes aspectos a questão dos adolescentes era a Guerra, enquanto que
em nosso país, hoje , é a exclusão social e o desamparo afetivo.

Na adolescência, uma certa proporção se transformará em baixas ou alcançará um certo


tipo de maturidade em função do sexo e do casamento, tornando-se talvez pais, como os
próprios pais. Isso pode bastar. Mas em algum lugar, ao fundo, existe um combate de vida e
morte. Faltará à situação sua plena riqueza se houver uma fuga demasiado fácil e bem
sucedida ao embate das armas.

A questão que é abordada ao final é relativa ao tema da “ Maturidade “ e DWW faz a


observação de que os adultos além de necessitar reconhecer a “ imaturidade “ dos
adolescentes terão de acreditar e atuar sua maturidade como nunca.

O q eu estou afirmando ( dogmaticamente , a fim de ser sucinto ) é que o adolescente é


imaturo. A imaturidade é um elemento essencial da saúde na adolescência. Só há uma
cura para a imaturidade, e esta é a passagem do tempo, e o crescimento em maturidade
que o tempo pode trazer.
DWW retoma aqui a questão “ curativa “ da passagem do tempo, o que havia referido,
como já vimos no trabalho anterior ( DWW, 1961 ). O paradoxo também está presente ao
referir que imaturidade na adolescência significa saúde.

A imaturidade é uma parte preciosa da adolescência. Nela estão contidos os aspectos mais
excitantes do pensamento criador, sentimentos novos e diferentes, idéias de um novo viver.
A Sociedade precisa ser abalada pelas aspirações daqueles que não são responsáveis. Se
os adultos abdicam, o adolescente torna-se prematuramente, e por um falso processo,
adulto. ( ... ) O triunfo pertence a essa consecução da maturidade através do processo de
crescimento, não à falsa maturidade baseada na fácil personificação do adulto. Fatos
terríveis estão encerrados nessa afirmação.

Ao falar sobre a “ natureza da imaturidade “ , DWW diz da importância de que o desafio do


adolescente seja aceito, evidentemente, pelos adultos e define o conceito de “ confrontação
“. Ele esclarece:

Imagine-se alguém falando a adolescentes, dizendo-lhes: “ A parte emocionante de vocês é


a imaturidade ! “ Este seria um exemplo grosseiro de fracasso na aceitação do desafio
adolescente. Talvez essa expressão “ aceitação do desafio “ represente um retorno à
sanidade, porque a compreensão se vê substituida pela confrontação. A palavra “
confrontação “ é aqui empregada para significar que um adulto se ergue e reivindica o
direito de expressar um ponto de vista pessoal, um ponto de vista que pode ter o apoio de
outras pessoas adultas.

A “ natureza da Imaturidade “ na adolescência envolve também um “ potencial “ : um


potencial não só para a saúde como também para a doença. DWW disserta sobre várias
situações que podem desembocar em patologias, algumas bastante severas. Neste
período, por outro lado, deve o adolescente desenvolver “ a construção, a reparação e a
restituição “ como elementos fundamentais na busca para buscar a saúde como uma
realização do self. O “ idealismo “ também recebe uma referência especial.

DWW conclui este artigo com as seguintes palavras:

O principal é que a adolescência é mais do que a puberdade física, embora se baseie


sobretudo nesta. A adolescência implica crescimento, e esse crescimento leva tempo. E,
enquanto o crescimento se encontra em progresso, a responsabilidade tem de ser
assumida pelas figuras parentais. Se estas figuras abdicam de seus papéis, então os
adolescentes têm de passar para uma falsa maturidade e perder sua maior vantagem: a
liberdade de ter idéias e agir segundo o impulso.

Resumo

Em resumo, é emocionante que a adolescência se tenha tornado vocal e ativa, mas a luta
do adolescente que hoje se faz sentir no mundo inteiro tem de ser enfrentada, precisa
receber realidade através de um ato de confrontação. A confrontação é própria da
contenção que não é retaliatória, nem vingativa, mas possui sua própria força. É salutar
lembrar que a atual inquietação estudantil e sua expressão manifesta podem ser, em parte,
produto da atitude que nos orgulhamos de Ter atingido em relação aos cuidados dos bebês
e ao cuidado infantil em geral. Que os jovens modifiquem a sociedade e ensinem aos
adultos a ver o mundo com olhos novos, mas onde houver o desafio do rapaz ou da moça
em crescimento, que haja um adulto para aceitar o desafio. Embora ele não seja
necessariamente belo.

a fantasia inconsciente, essas são questões de vida e de morte.


Remate

Minha proposição se baseia na existência de um estádio no desenvolvimento dos seres


humanos que precede a objetividade e a perceptividade. Teoricamente, pode-se dizer, de
início, que o bebê vive num mundo subjetivo e conceptual. A mudança do estágio primitivo
para um estado em que a percepção objetiva é possível não é apenas uma questão de um
processo de crescimento inerente ou herdado; necessita, além disso, de uma mínima
provisão ambiental e relaciona-se a todo o imenso tema do indivíduo a deslocar-se da
dependência no sentido da independência.

Esse hiato concepção-percepção fornece amplo material para estudo. Postulo um paradoxo
essencial, que deve ser aceito e não se destina à solução. Esse paradoxo, central ao
conceito, precisa ser aceito, e aceito durante certo tempo , no cuidado de cada bebê.

Considero este texto bem mais importante que o anterior , por desenvolver idéias mais
importantes e mais específicas sobre o adolescer.

( C ) A JUVENTUDE NÃO DORMIRÁ

Este artigo, de poucas páginas, foi escrito em 1964 para uma palestra na New Society e
publicado como um capítulo do livro Deprivation and delinquency ( 1984 ). DWW utilizou
algumas citações de Shakespeare para ilustrar suas idéias. Uma delas , de Um Conto de
Inverno, é bastante reproduzida em livros sobre adolescentes, como eu mesmo fiz em
Adolescer .

Gostaria de que não existisse idade alguma entre os dezesseis e vinte e três anos ou que
os jovens dormissem todo esse tempo; pois nada existe nesse meio tempo senão
promiscuidade com crianças, ultrajes com os anciãos, roubos, brigas .

A uma referência explícita a questão do tempo nesta citação .

DWW comenta, também, como Adolfo Hitler tentou resolver, da noite para o dia, o
problema do adolescente oferecendo para os jovens o papel de superego da comunidade.
Uma solução falsa a que estão expostos a Sociedade e os jovens, ainda hoje.

Perguntando e respondendo, DWW escreve:

Todos perguntam: qual é a solução ? Pessoas importantes oferecem soluções. Subsiste,


entretanto , o fato de que não há solução, exceto que cada adolescente, rapaz ou moça,
com o passar do tempo ( a menos que esteja doente ), crescerá e se tornará um adulto.
Uma reação doentia parte daqueles que não entendem, como Shakespeare muito bem
entendeu, que está envolvido um fator tempo. Com efeito, a maior parte das vociferações
provém daqueles que são incapazes de tolerar a idéia de uma solução com o tempo, em
vez de uma solução através da ação imediata.

Fazendo parte do livro sobre deprivação e delinquência, este artigo trata de aspectos
relacionados aos ato anti-sociais. Leiamos.
O fato de existir um elemento positivo nos atos anti-sociais pode realmente ajudar na
consideração do elemento anti-social, que é concreto em alguns adolescentes, e potencial
em quase todos. Esse elemento positivo pertence a história pessoal total do indivíduo anti-
social; e, quando e onde a atuação é fortemente compulsiva relaciona-se com uma
decepção ambiental, relaciona-se com uma decepção ambiental na experiência particular
do indivíduo. Tal como no furto existe ( se levarmos em conta o inconsciente ) um momento
de esperança de se retomar, por sobre o hiato, uma reinvidicação legítima endereçada a
um dos pais, também na violência há uma tentativa para reativar um domínio firme, o qual,
na história do indivíduo, se perdeu num estágio de dependência infantil. Sem esse domíniio
firme, uma criança é incapaz de descobrir o impulso, e só o impulso que é encontrado é
assimilado e passível de autocontrôle e socialização.

Acredito que esse é um ponto extremamente importante para discussão. DWW comenta
que a atividade pulsional ( penso que se pode usar pulsão em lugar de impulso ) precisa
ser experienciada para que se adquira contrôle sobre ela; se não houver possibilidade da
vida pulsional, em todas as suas variantes, ser conhecida e vivida nos arriscamos a
situações difíceis.

O artigo termina com o seguinte comentário, que justifica o título .

Quando a violência começa num bando por causa de atividades compulsivas de alguns
rapazes e moças que realmente sofreram privação, então há sempre a violência potencial
do adolescente leal ao grupo, aguardando a chegada da idade que Shakespeare ( na
citação ) define como 23 anos.. Hoje em dia, desejaríamos provavelmente que “ o jovem
dormisse “ dos 12 aos 20 anos, e não dos 16 aos 23. Mas o jovem não dormirá, e a tarefa
permanente da sociedade em relação a ele é deter e conter, evitar tanto a falsa solução
quanto a indignação moral causada por ciúme da juventude. O potencial infinito é a
possessão preciosa e fugaz do jovem. Isso gera inveja no adulto, que está descobrindo em
sua própria existência as limitações do real.

(D ) A TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL

Este trabalho resulta de uma conferência proferida na British Psycho-Analytical Society, em


20 de junho de 1956 , e publicada no Deprivation and Delinquency .

Ao longo deste artigo DWW desenvolveu suas principais idéias sobre a tendência anti-
social e apresenta dois casos clínicos, bastante interessantes e vale a pena ( “ se a alma
não for pequena “ ) acompanhá-lo.

Para a minha primeira análise escolhi um delinquente. Esse menino compareceu


regularmente, durante um ano, e o tratamento foi suspenso por causa dos distúrbios que
causou na clínica. Eu poderia dizer que a análise estava correndo bem e sua interrupção
afligiu tanto o menino quanto a mim mesmo, apesar de, em numerosas ocasiões, eu Ter
sido seriamente mordido nas nádegas. Certa vez o menino fugiu para cima do telhado;
outra vez, derramou tanta água que o andar térreo ficou imundado. Arrombou meu carro
trancado e arrancou em primeira, na partida automática. A clínica ordenou que o tratamento
cessasse, para o bem dos outros pacientes. Ele foi para um reformatório.. Devo dizer que
hoje ele está com 36 anos e tem ganho a vida num emprego que se adapta à sua natureza
irrequieta . está casado e tem vários filhos. No entanto, receio acompanhar o seu caso por
temer envolver-me de novo com um psicopata, e prefiro que a sociedade continue se
encarregndo de cuidar dele.

DWW com este exemplo buscou definir sua opinião de que na delinquência o atendimento
ambiental ( internação neste caso ) era a indicação mais adequada e que a psicanálise só
faria sentido dentro desta condição . O material clínico que vem a seguir ilustra a situação
de um menino que pode ser auxíliado facilmente recebendo tratamento associado ao
suporte ambiental.

Fui solicitado por uma amiga a examinar o caso de seu filho, o primogênito de uma família
de quatro. Ela não podia trazer-me John abertamente por causa do marido, que faz
objeções à psicologia por motivos religiosos. Tudo que ela pode fazer foi Ter uma conversa
comigo sobre a compulsão do menino para roubar, o que estava se tornando um problema
muito sério; ele roubava em grande escala, em lojas e em casa. Por razões práticas, a única
coisa possível combinarmos um almoço rápido num restaurante, durante o qual ela me
contou o problema e pediu meu conselho. Eu só tinha aquele momento e aquele lugar para
fazer alguma coisa. Portanto, expliquei-lhe o significado do roubo e sugeri que ela
encontrasse um bom momento em suas relações com o menino e lhe desse uma
interpretação. Ao que parecia, John e a mãe tinham alguns momentos de boas relações
mútuas todas as noites, depois que ele ia para a cama; então, geralmente ele gostava de
contemplar e afalar sobre as estrelas e a lua. Esse momento poderia ser usado.

Sugeri: “ Por que não dizer a John que você sabe que, quando ele rouba, ele não está
querendo as coisas que rouba mas procura algo a que tem direito; está protestando contra
a mãe e o pai porque se sente privado do amor de ambos “. recomendei-lhe que usasse
uma linguagem que o menino pudesse entender. Devo dizer que eu conhecia
suficientemente essa família, em que os pais são músicos, para perceber que esse menino,
em certa medida sofrera privação, embora tivesse um bom lar.

Algum tempo depois recebi dessa amiga uma carta dizendo-me que fizera o que eu havia
sugerido. “ Disse-lhe que o que ele realmente queria quando roubava dinheiro, alimentos e
outras coisas era sua mãe; devo dizer que realmente não esperava que ele entendesse
isso, mas parece que entendeu.. Perguntei-lhe se achava que não o amávamos por ele ser
às vezes tão travesso, e ele respondeu, sem pestanejar, que achava que nós não o
amávamos muito. Pobre crianças ! Eu me senti tão mal, nem posso lhe explicar. Então eu
lhe disse para nunca, nunca mais, duvidar e disse-lhe que se alguma vez ele sentisse
dúvida me fizesse lembrar de dizer outra vez. Mas é claro que não precisarei ser lembrada
por muito tempo, foi um choque tão grande. Parece que todos nós precisamos desses
choques. Assim, estou sendo muito mais demonstrativa, para tentar evitar que ele volte a ter
dúvidas. E até agora não houve mais nenhum roubo “.

A mãe conversara com a professora de John, explicando-lhe que o menino necessitava de


amor e compreensão, e obtivera a colaboração dela, embora o menino desse muito
trabalho na escola.

Agora, depois de oito meses, é possível informar que não houve recaída no roubo, e as
relações entre o menino e a família melhoraram muito.

Ao considerar este caso, devo lembrar que eu conhecera muito bem a mãe durante sua
adolescência e, em certa medida, vira-a superar uma fase anti-social própria. Ela era a
primogênita de uma família numerosa. Tinha um lar muito bom, mas o pai exercera uma
disciplina férrea, especialmente na época em que ela era pequena. Portanto, o que eu fiz
teve o efeito de uma dupla terapia, tornando essa jovem mulher capaz de adquirir insight
sobre suas próprias dificuldades através da ajuda que pode prestar ao filho. Quando
conseguimos ajudar os pais a ajudarem seus filhos, na verdade estamos ajudando-os a
respeito de si mesmos.

A leitura deste relato me lembrou o trabalho de Sigmund Freud com os pais do pequeno
Hans, o que me faz, mais uma vez, inserir no mesmo campo, com muitas interfaces, o
criador da psicanálise e o mais freudiano dos analistas ingleses. DWW deixa claro também
sua forma simples e objetiva e , ao mesmo tempo profunda e analítica de trabalhar o
material clínico : “ Quando posso fazer análise o faço, senão faço algo orientado
analíticamente “, frase de DWW nossa conhecida, se revela aqui, com a valorização do
encontro humano, da mutualidade, da experiência humana compartida.

Deprivation and Delinquency , coletânea de artigos sobre este tema tão contemporâneo,
trata quase todo ele sobre crianças e adolescentes e sua leitura será sempre oportuna para
quem se ineressar sobre estas etapas do desenvolvimento humano.

Outros artigos de DWW sobre adolescência

Existem outros artigos , que não possuem a mesma importância, mas vale a pena referí-
los.

No livro publicado póstumamente, D. W. Winnicott – Thinking Abouth Children ( 1996 ), o


Winnicott Trust publicou dois artigos que envolvem diretamente situações com adolescentes
: O Que sai da Boca dos Adoilescentes ( 1966 ) e A Adolescência das Crianças
Adotadas. ( 1955 ).

O Que Sai da Boca dos Adolescentes é uma curta resenha de um livro, escrito por E.
Eppel e M. Eppel com o título de Adolescents and Morality , e penso que não nos aporta
nenhuma idéia importante.

A Adolescência de Crianças Adotadas é um texto que nos oferece considerações


importantes sobre as adoções ( DWW tem outros escritos sobre este tema ). Inicialmente
ele considera que a (1) adoção “ é uma coisa boa e, com muita frequência , bem-sucedida “
e que (2) quanto mais cedo a criança for informada da situação será melhor e, ainda, que “
(3) a estabilidade e a continuidade dos cuidados no lar “ é importante fator de
desenvolvimento saudável .

Este texto resultou de uma conferência, de maneira que sua estrutura tem uma tonalidade
bastante coloquial . São incluídas idéias que resultam das observações clínicas de DWW e
material clínico é apresentado. No final é reproduzida a parte das perguntas do público para
DWW e as respostas que ele dá, com elementos muito interessantes.
Ele escreve:

A adolescência de crianças adotadas não é igual à das outras crianças, embora possamos
querer fingir que é. Elas tendem a perder os delicados estágios iniciais da fase adolescente,
e passar muito rapidamente para a idéia adulta dos relacionamentos sexuais, socializados
pelo casamento. Alternativamente, elas podem reagir a isso e exagerar no desafio,
associando-se a outros meninos e meninas desafiadores da mesma idade, num grupo que
acaba se tornando muito incômodo. As crianças adotadas consideram a adolescência um
esforço maior do que as outras crianças; e, na minha experiência, isso se deve a ignorância
de sua origem pessoal. Isso tem vários efeitos adversos. Primeiro, esta ignorância se
mistura ao mistério usual das relações sexuais, fertilização, gravidez e nascimento, e
interfere na natureza delicada dos jogos sexuais adolescentes, tornando a criança
autoconsciente e desajeitada. Em segundo lugar, isso pode levar a uma ênfase excessiva
nos processos de socialização – os vários ritos de iniciação, exames para matrícula, e
assim por diante; e quando a idéia do casamento começa a aparecer, surge a dúvida sobre
se o parceiro escolhido vai ser capaz de suportar as notícias quando finalmente recebe-las.
Por último, quando surge o desejo de ter filhos, a criança adotada fica muito preocupada
com a hereditariedade e a transmissão de fatores genéticos desconhecidos. Portanto os
problemas comuns que afligem todos os adolescentes ficam distorcidos; questões
secundárias tornam-se questões essenciais.

O material clínico apresentado neste artigo é de uma moça de 18 anos, Miriam, que é
trazida para DWW, por um oficial da condicional, a pedido dela. DWW havia entrevistado
esta moça dez anos antes e, discordando da opinião dos pais, comunicara a ela de que
havia sido adotada. Ela reagiu negativamente a esta informação e disse de, desde então,
nunca mais fora feliz. Ela considerava de DWW “ tinha perturbado toda sua vida “, mas,
escreve DWW, “ no entanto, quando precisou de ajuda, ela pensou em mim “. Ela perdera
a mãe biológica muito cedo e uma mulher, com bastante idade, passara cuidar dela. O pai,
alcoolista, se casara novamente e vivia próximo. O manejo que DWW faz da situação é
bastante interessante.

Eu sugeri ao oficial da condicional que visitasse o pai e pedisse a ele alguma coisa que
tivesse pertencido à mãe biológica para dar à filha. Ele conseguiu uma fotografia e e um
colar. Eu avisei o oficial da condicional que talvez Miriam não se permitisse ficar muito
entusiasmada ao receber essas lembranças, e que o resultado de recebê-las poderia
inclusive ser um período de prostração por experienciar tristeza; pois Miriam está tentando
encontrar sua mãe biológica, para poder fazer o luto por ela. Quando ela recebeu as
lembranças colocou-as diretamente no bolso, sem abrir o envelope. No entanto, tem havido
mudanças em sua vida desde este episódio. Uma delas, bem importante, é que
anteriormente ela estava angustiada, tendo perdido sua fé e ficando com medo de ir dormir
sem dizer suas preces, agora recuperara sua vida religiosa, que sempre fora muito
importante para ela. Ela ainda está longe de estar bem, mas atualmente está trabalhando
com outras jovens, mas atualmente está trabalhando com outras jovens de sua idade e a
situação presente é satisfatória.

Vários comentários são apresentados por DWW a partir da situação de Miriam e não quero
me antecipar a leitura que será feita do próprio artigo. A situação de adoção é, penso, uma
questão complexa pois, entre vários aspectos, ao mesmo tempo que busca preencher uma
ausência ( do filho biológico ), a presença do filho adotivo é uma denúncia constante da
esterilidade ( partindo da situação de dificuldade de concepção, pois existem outras
motivações, conscientes e inconscientes )..
As questões edípicas da adolescência , na ausência dos “ laços de sangue “, incrementam
fantasias incestuosas no grupo familiar e não apenas no jovem: é uma característica do
Édipo Adolescente a reedição do Édipo da Infância, com a peculiaridade de que agora o
incesto é possível . Necessitamos ter presente , também, seguindo C. Lévi-Strauss, que a
cultura se instala a partir da interdição do incesto, propiciada pelos “ laços elementares de
parentesco “ ( Lévi-Strauss, 1949 )

DWW , como sabemos, desenvolve a idéia de que na raiz da tendência antisocial está a
deprivação, o que Miriam experienciou em sua infância. Este material nos remete a este
tema diretamente. A questão da consulta terapêutica também está desenvolvida, assim
como a importância que DWW consigna à criação cultural, no caso a religião..

Caso haja interêsse do leitor, quero sugerir além da leitura dos artigos de DWW sobre
adoção, o texto de Sigmund Freud sobre “ A Novela familiar do Neurótico “ ( Freud, 1909 )
: outros dois trabalhos são muito oportunos a quem estuda o tema, “ Adoção: Perspectivas
Psicanalíticas para a Compreensão das Características de Pais Adotantes e Filhos Adotivos
“ de Alffredo Lulhier ( Lulhier, 1998 ) e “ Travessia da Adoção- A Ferida na Alma do Bebê “
de Alícia Lisondo ( Lisondo, 1999 ).

2. os relatos clínicos de DWW sobre a adolescência

O Psycho-Analytic explorations tem um setor que aborda, sob o título Psicoterapia


Psicanalítica com Crianças e Adolescentes , relatos clínicos sobre adolescentes, que nos
interessam particularmente : dois deles são bastante importantes, Deduções a Partir de
Uma Entrevista Psicoterapêutica com uma Adolescente ( 1964 ) e Distúrbios Físicos e
Emocionais em uma Adolescente ( 1968 ).

Em Playing and Reality , no capítulo Inter-relacionar-se Independentemente do Impulso


Instintual e em Função de Identificações Cruzadas ( 1971 ), encontramos o relato de Sarah,
uma adolescente de 16 anos ( Hughes, 1989 ; Newman, 1995 ) .

Therapeutic Consultation in Child Psychiatry ( 1971 ) apresenta o relato de consultas


terapêuticas com vários adolescentes ( Asthon, 12 anos; Hesta, 16 anos; Mark, 12 anos;
Peter, 13 anos; e George, 13 anos ).

Evidentemente , todos sabemos, que DWW trabalhou com um grande número de


adolescentes e seus pais ( e pediatras, professores, Assistentes Sociais, etc. ). Vamos,
entretanto, comentar apenas alguns deles, mais como um mote para “ elaborações “...

JANE, 17 anos.

O relato da história de Jane está no artigo Deduções a Partir de Uma Entrevista Terapêutica
Com Uma Adolescente ( 1964 )e, como o título obviamente refere, é um relato sobre a
técnica da consulta terapêutica .
Jane foi encaminhada por um clínico geral para uma entrevista com DWW. No
encaminhamento que DWW recebeu estava escrito:

Entendo que Jane sempre foi um grande problema, embora tenha de admitir que a acho
uma pessoa muito encantadora e inteligente. Houve aparentemente algum distúrbio – sobre
o qual nada me foi dito – e isso foi o começo do atual desarranjo. Jane afastou-se
completamente de todos os relacionamentos familiares. Não penso existir qualquer dúvida
de que ela tem uma imensa antipatia e sente um ciúme razoável da irmã, que,
superficialmente, é a mais graciosa das duas irmãs. Há uma história familiar de doença e
instabilidade mentais (...)

DWW optou por entrevistar Jane por primeiro, explicando porque procede desta forma.
Posteriormente ele fez contato com os pais de Jane por telefone e carta, sabendo que esta
maneira de proceder poderá deixar os pais inseguros. Ele a viu em cinco consultas ( sendo
a quarta seis meses após a primeira ).

O artigo nos apresenta um detalhado relato ( ele tomou notas , ocasionalmente, durante as
consultas ) do encontro entre ambos, de uma forma quase dialogada e com observações de
DWW sobre o que aconteceu.

SARAH, 16 anos

Sarah veio à consulta com DWW aos dezesseis anos. Ele a havia visto pela primeira vez
quando ela estava com dois anos de idade.

Os pais a trouxeram de sua casa de campo; recebi-os conjuntamente durante tres minutos,
ocasião em que renovamos contacto. Não me referi ao objetivo da consulta. Os pais
passaram então para a sala de espera; entreguei ao pai a chave da porta da frente e disse-
lhe que não sabia quanto tempo ficaria com Sarah.

A sessão que DWW descreve longamente terminou por levar Sarah a buscar um
tratamento psicanalítico. DWW ao escrever sobre “ o atendimento sob demanda “ ( a
consulta terapêutica, por exemplo ) , esclareceu que quando era possível e indicado ele e o
paciente realizavam um tratamento analítico e que quando isto não era possível, ele fazia
“ outra coisa “ orientada psicanalíticamente até que p paciente pudesse realizar um
tratamento analítico “ standart “. Foi o que aconteceu nesta experiência. Sarah não retornou
à escola e analizou-se por cêrca de três a quatro anos. DWW nos relata que Sarah, aos 21
anos , estava em progresso nos seus estudos universitários e “ dirigindo sua vida de
maneira a demonstrar que se sentia livre de intrusões paranóides que a haviam compelido
a estragar bons relacionamentos “.

No capítulo X do Playing and Reality DWW descreve com riqueza de detalhes a consulta
terapêutica com Sarah. Eles iniciam com o Squiggle Game e, somente após algum “
rabiscos, começa uma “ comunicação verbal “. Em algum momento DWW pergunta sobre
sonhos e assim se abre um novo espaço entre eles. Aparentemente a sessão é longa.

Após descrevê-la, DWW faz um comentário final, que é útil compartir, pois embora não dirija
suas idéias para a adolescência especificamente, nos coloca em contato com suas opiniões
sobre consultas terapêuticas, tratamento analítico, intervenções do terapeuta e o “ papel de
espelho “ do analista.
Poderia fazer um comentário sobre meu próprio comportamento nessa sessão isolada.
Grande parte da verbalização, como se demonstrou, foi desnecessária, mas é preciso
lembrar que, na ocasião, eu não sabia se aquela seria ou não a única oportunidade que
teria para proporcionar auxílio à Sarah. Houvesse sabido que ela viria a fazer tratamento
psicanalítico, teria dito muito menos, exceto na medida em que era preciso deixá-la saber
que eu a escutara, notara o que estava sentindo e mostrara, por minhas reações, que podia
conter suas ansiedades. Eu teria sido mais semelhante a um espelho humano.

O capítulo segue com um desenvolvimento sobre “ a intercomunicação em termos da


capacidade ou ausência de capacidade para o uso dos mecanismos psíquicos projetivos e
introjetivos “, ou, como diz DWW em outros momentos, o inter-relacionamento em termos
de “ identificações cruzadas “.

Embora, novamente, não haja uma referência explícita ao processo adolescente, será
interessante relermos algumas idéias que DWW expõe neste capítulo, pois, para ele assim
como para todos os autores psicanalíticos, as bases da adolescência se estabelecem na
infância.

O desenvolvimento gradual da relação de objeto constitui uma realização, em termos do


desenvolvimento emocional do indivíduo. Num dos extremos, a relação de objeto dispõe de
apoio instintual e o conceito de relação de objeto abrange aqui toda a gama ampliada que é
permitida pelo uso do deslocamento e do simbolismo. No outro extremo, está a condição
cuja existência é presumível no começo da vida do indivíduo, na qual o objeto ainda não
está separado do sujeito. Trata-se de uma condição à qual a palavra “ fusão “ é aplicada,
quando há um retorno a ela, a partir de um estado de separação, mas pode-se presumir
que, no início, há pelo menos um estágio teórico anterior à separação entre o não-eu e o eu
( Milner, 1969 ). A palavra “ simbiose “ já foi aplicada a essa àrea ( Mahler, 1969 ), mas,
para mim, ela está por demais enraizada na biologia para ser aceitável. Do ponto de vista
do observador, pode parecer que exista uma relação de objeto no estado de fusão primário,
mas é preciso lembrar que, de início, o objeto é um “ objeto subjetivo “. Em perguei o termo
“ objeto subjetivo “ para permitir uma divergência entre o que é observado e o que está
sendo experimentado pelo bebê ( Winnicott, 1962 ).

No decurso do desenvolvimento emocional do indivíduo chega-se a um estágio no qual se


pode dizer que o indivíduo se tornou uma unidade. Na linguagem que utilizei, este é o
estágio do “ eu sou “ ( Winnicott, 1958 ), e ( seja como for que o denominemos ) o estágio
possui significação devido à necessidade do indivíduo de chegar ao ser antes do fazer. “
Eu sou “ tem de preceder “ eu faço “, pois, de outra maneira, “ eu faço “ torna-se desprovido
de significado para o indivíduo. Esses estágios de desenvolvimento, como supomos,
aparecem em forma tenra em estágios muito primitivos, mas recebem reforço do ego
materno e, portanto, têm, nos primeiros estágios, uma intensidade que se relaciona ao fato
de que a adaptação da mãe às necessidades do bebê. Já tentei demonstrar que essa
adaptação à necessidade não é apenas uma relação de satisfação de instintos, mas há
que pensar nela primariamente em função do segurar ( holding ) e do manejar ( handling ).

Gradativamente, no desenvolvimento sadio, a criança torna-se autônoma e é capaz de


assumir responsabilidades por si mesma, independentemente de um apoio de ego
altamente adaptativo. Existe, ainda, naturalmente, vulnerabilidade no sentido de que um
fracasso ambiental grosseiro pode resultar na perda da nova capacidade do indivíduo de
manter integração na independência.
Esse estágio a que refiro em termos de “ eu sou “ é estreitamente a fim do conceito de
Melanie Klein ( 1934 ) de posição depressiva. Nele, a criança pode dizer: “ Aqui estou. O
que está dentro de mim é eu e o que está fora é não-eu “. As palavras “ dentro “ e “ fora “,
aqui, referem-se simultaneamente a psique e a soma, pois estou presumindo uma parceria
psicossomática satisfatória, a qual, naturalmente, é questão também de um
desenvolvimento sadio. Há também a questão da mente, na qual é preciso pensar
separadamente, em especial na medida em que se torna um fenômeno dissociado e
expelido ( split-off ) do psique-soma ( Winnicott , 1949 ).

Na medida em que o menino ou a menina, individualmente, chegam a uma organização


pessoal da realidade psíquica interna, esta última é constantemente comparada com
exemplos da realidade externa ou compartilhada. Desenvolve-se uma nova capacidade de
relação de objeto, a saber, uma capacidade baseada num intercâmbio entre a realidade
externa e exemplos oriundos da realidade psíquica pessoal. Essa capacidade se reflete no
uso de símbolos pela criança, no brincar criativo e, como tentei demonstrar, na capacidade
gradativa da criança de utilizar o potencial cultural, na medida da disponibilidade deste, no
meio ambiente social imediato.

Examinemos agora o novo e importante desenvolvimento relacionado a esse estágio, a


saber, o estabelecimento de inter-relacionamentos baseados emm mecanismos de
projeção e introjeção, mais estreitamente afins ao afeto do que ao instinto. Embora as idéias
a que me refiro sejam, oriundas de Freud, tivemos nossa atenção chamada para elas,
entretanto, por Melanie Klein, que estabeleceu distinção entre identificação projetiva e a
introjetiva, e deu ênfase à importância desses mecanismos.

Ao fazer este recorrido em sua teoria do desenvolvimento, a propósito da questão do


quanto em nossas vidas nos comunicamos ( ou nos inter-relacionamos ) em termos de
identificações cruzadas, DWW conclui o capítulo da seguinte maneira e preparando o
capítulo seguinte do Playing and Reality , que comentei anteriormente, Conceitos
Contemporâneos de Desenvolvimento Adolescente e Suas Implicações Para a Educação
Superior .

Desejo agora referir-me aos relacionamentos específicos à área de manejo, por parte dos
pais, rebelião adolescente .

VERONIQUE, 13 anos

O material de Veronique , na verdade, nos é oferecido por Masud R. Kahn, no capítulo que
dá o nome ao seu livro Quando a Primavera Chegar ( Khan, 1988 ). Esta adolescente foi
atendida por Masud Khan, encaminhada por DWW que já a conhecia.. Na verdade
podemos ler este material como “ uma supervisão constante “, ou um diálogo, entre
ambos. Sugiro ao leitor que chegou até aqui a releitura deste capítulo, do livro de Masud
Kahn. Vejamos alguns pontos interessantes ao nosso presente objetivo.

Masud Khan estava auxiliando DWW a editorar o Playing and Reality quando, numa
manhã de novembro de 1969, DWW disse-lhe:
Sabe, khan, eu atendi essa garota, Veronique, ontem. Ela tem treze anos. Recusa-se a
comer e a ir a escola porque, como diz, ficou “ ridiculamente magra “ ( como ela diz, Khan ).
Eu disse a seu médico e a seus pais, com quem conversei na semana passada, que eu não
poderia tratar da filha deles, mas gostaria de vê-la e ajudá-la a encontrar o tipo certo de
ajuda.

Masud Khan descreve este atendimento, em que DWW esteve envolvido diretamente, com
seu tradicional estilo literário e sugiro ao leitor desfrutar da leitura deste artigo, o que eu não
conseguiria oferecer se tentasse uma “ síntese “ da história.

COMENTÁRIOS

Após termos visitado ( o autor e o leitor ), alguns dos artigos mais importantes de DWW
sobre o processo adolescente e alguns relatos de sua experiência clínica, penso que é
possível fazer uma síntese de suas idéias sobre o tema.

(1) Para DWW o desenvolvimento adolescente está estreitamenteligado a existência , nas


etapas inicias do desenvolvimento de uma “ experiência suficientemente boa “ com o casal
parental. Embora DWW tenha, efetivamente, escrito de maneira mais profunda e original
sobre a relação mãe/bebê, penso que sua noção de “ mãe suficientemente boa “ pressupõe
a existência do pai, (a) inicialmente no imaginário da mãe, (b) a seguir fazendo uma “ função
materna “ para a “ unidade mãe/bebê e, (c) por último, “ apresentando a realidade das ruas
“ para a mãe e para o bebê.

Em um trabalho intitulado Sobre a Concepção de Pai na Obra de D.W. Winnicott ( Outeiral


& Abadi, 1997; Outeiral & Abadi, 1999 ) , abordei importância que DWW confere à situação
edípica, ao pai e à função paterna no desenvolvimento da criança, reconhecendo entretanto
que sua contribuição original é , neste campo, no relacionamento mãe/bebê . Assim, penso
que se poderia falar no “ casal parental suficientemente bom “, e não apenas na “ mãe
suficientemente boa “...

DWW , no conjunto de suas idéias relativas às funções paternas, consigna importância ao


fato de que o pai apresenta ao filho “ a vida como é nas ruas “, isto é , a meu ver, o Princípio
de Realidade freudiano , o fazer winnicotianno, elementos fundamentais ao
desenvolvimento e, especialmente, ao desenvolvimento adolescente.

Ana Rita Taschetto ( Taschetto, 1999 ) no artigo Adolescência: Criatividade, Desafio e


Maturidade. Uma Abordagem Winnicottiana , expõe a questão da criatividade relacionada
com a relação mãe/bebê, a importância do desafio e do confronto entre o adolescente e seus
pais e a questão da imaturidadexmaturidade nesta etapa evolutiva. Estes tres aspectos
constituem, de certa forma, os pontos desenvolvidos por DWW no estudo do processo
adolescente.
Ao abordar a relação mãe/bebê e experiência criativa , base do viver criativo e do gesto
espontâneo, as diéias de DWW sobre o desenvolvimento emocional primitivo são
retomadas.

(2) O segundo ponto que representa um enfoque importante nas idéias de DWW sobre o
desenvolvimento adolescente se refere ao desafio que o jovem faz aos pais e à Sociedade e
a necessidade que ele tem de ser confrontado . Desafio e confronto, encontro do
adolescente com seus pais e a Sociedade, nos leva a relembrar as contribuições de
Sigmund Freud, em Totem e Tabu , como vimos antes, mas também com as idéias de
DWW sobre a agressividade e a sobrevivência do objeto. O gesto agreessivo permite que o
bebê ( ou o adolescente ) descubra a exterioridade, ou a alteridade, ou a “ outridade “ ou,
ainda e no mesmo sentido a “ M/Other “ ( a mãe como Outro ). Neste momento
encontramos uma diferença entre a concepção freudiana de que a descoberta do objeto
desencadeia o ódio e a de DWW de que é a a gressão que permite descobrir o objeto,
divergência com implicações não apenas no que tange ao desenvolvimento como também
com repercurssões na técnica.

O tema do desafioXconfronto nos leva ao conceito de DWW acêrca da sobrevivência do


objeto. Uma poesia do próprio DWW, no s conduzirá neste caminho .

“ Encontro você;

Você sobrevive ao que lhe faço à medida que

A reconheço como um não eu;

Uso você;

Você, no entanto , se lembra de mim;

Estou sempre me esquecendo de você;

Perco você;

Estou triste . “

( Donald W. Winnicott, 1968 )

DWW, em seu trabalho Breastfeeding as Comunication ( 1968 ), situa sua maneira de


pensar a agressividade, o que nos será útil retomar neste momento. É importante ressaltar
que, seguindo novamente a Sigmund Freud, uma série de elementos das primeiras etapas
do desenvovimento se re-editam, agora , na adolescência: particularmente os elementos
perversos-polimorfos e a situação edípica , entre outros aspectos.
Vejamos o que DWW escreve:

Chego, afinal, ao que considero a observação mais importante neste campo, e que diz
respeito à existência da agressividade no bebê. Com o passar do tempo, o bebê começa a
chorar, gritar e arranhar. Na situação de alimentação havia, no início, uma atitude vigorosa
da gengiva, um tipo de atividade que pode facilmente resultar em rachaduras no mamilo;
alguns bebês realmente aderem ao seios com as gengivas e o machucam bastante. Não
se pode afirmar que estejam tentando ferir, porque o bebê ainda não está suficientemente
desenvolvido para que a agressividade já possa significar alguma coisa. Com o passar do
tempo, porém, os bebês já tem um impulso para morder. Trata-se do início de algo muito
importante , que diz respeito à crueldade, aos impulsos e à utilização de objetos
desprotegidos. Muito rapidamente os bebês passam a proteger o seio, e na verdade é
muito raro que mordam com o objetivo de ferir, mesmo quando já possuem dentes.

Isto não acontece pelo fato de eles não terem o impulso, mas sim devido a algo que
corresponde á domesticação do lobo em cão, ou de um leão em gato. Com os bebês
humanos, porém, há um estágio muito difícil, que não pode ser evitado. A mãe pode
perceber facilmente o que se passa com o bebê nesse estágio em que ela está sendo
destruida por ele, se tiver conhecimento da situação e proteger-se sem se valer de
retaliação e vingança.

Em outras palavras, ela tem uma função a cumprir sempre que o bebê morder, arranhar,
puxar os cabelos e chutar, e esta função é sobreviver. O bebê se encarregará do resto. Se
ela sobreviver, o bebê encontrará um novo significado para a palavra amor, e uma nova
coisa surgirá em sua vida: a fantasia. É como se o bebê agora pudesse dizer para sua
mãe: “ Eu a amo por ter sobrevivido à minha tentativa de destruí-la. Em meus sonhos e em
minha fantasia eu a destruo sempre que penso em você, pois a amo “.

Neste breve trecho, como em outros encontrados em diferentes artigos ( Abram, 1996 ),
DWW relaciona a questão da sobrevivência do objeto com a passagem da relação de
objeto com o uso do objeto . Esta experiência, descrita na relação mãe/bebê ( e, a meu
entender, com o pai no imaginário da mãe e exercendo o holding da unidade mãe/bebê )
se reedita na adolescência e DWW , penso, chama de desafio e confronto estes
acontecimentos.

Jan Abram comenta ( Abram, 1996 ):

O bebê que está apto a perceber o mundo objetivamente experienciou o objeto que
sobrevive a sua destrutividade ( agressão primária ) . Isso significa que o objeto permanece
sendo, de certa forma, o mesmo, uma vez que não sofre qualquer retaliação por rejeição
ou punição. A mãe que não for suficientemente boa e que não puder responder aos sinais
espontâneos emitidos pelo bebê corre o perigo de desenvolver uma complacência, um
falso self ou coisa muito pior.
(3) Vejamos agora a questão da imaturidadeXmaturidade . Não devemos esquecer que
adolescência , tal como a entendemos hoje, é uma “ descoberta do século XX “ e, como tal,
quando DWW fala em “ imaturidade “ se refere a um conjugado de fenômenos. Novamente
somos remetidos a Sigmund Freud e a seus escritos sobre a adolescência e a outros
autores psicanalíticos. Em seu clássico trabalho sobre a adolescência ( On Adolescence,
1957; Apud Outeiral, 1994 ),

Anna Freud escreve:“... as medidas defensivas que o medo da força dos próprios instintos
o impele a adotar ( o adolescente ), têm por objetivo manter a diferenciação entre o ego e o
id e garantir a recém estabelecida organização do ego. .. Direi que considero normal que
um adolescente se comporte durante um longo período de maneira incoerente e
imprevisível; que se oponha a seus impulsos e os aceite; que consiga evitá-los e se sinta
submetido a eles; que ame seus pais e os odeie; que se rebele contra eles e que dependa
deles; que se sinta envergonhado de reconhecer sua mãe frente aos demais e que,
inesperadamente, deseja de todo o coração falar com ela; que busque a imitação e a
identificação com os outros, enquanto busca sem cessar sua própria identidade; que seja
idealista, amante da arte, generoso e desinteressado como nunca voltará a sê-lo, porém
será também o contrário, egocêntrico, controlador e calculista. Estas flutuações entre
extremos opostos seriam altamente anormais em qualquer outra época da vida; porém,
neste momento, significam simplesmente que é necessário um largo período para que
surja a estrutura adulta da personalidade que o ego do indivíduo não cessa de
experimentar e que não deseja fechar-se prematuramente a novas possibilidades... Em
minha opinião é ncessário dar-lhe tempo e meios para que elabora suas próprias soluções.
Talvez sejam seus pais que devam receber ajuda e orientação... existem poucas situações
na vida que sejam mais difíceis de enfrentar que a de um filho ou uma filha adolescente
que luta por liberar-se.

Cabe ao interessado, agora, buscar os artigos originais para construir suas próprias idéias.
Alguns pontos estão expostos neste texto.

BIBLIOGRAFIA

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Abordagem a Partir de Um Caso Clínico. In. Outeiral, J. et alii. Clínica Psicanalítica de
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Khan, M. ( 1988 ). Quando a Primavera Chegar. Escuta. São Paulo. 1991

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