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J.Outeiral
Durante todo o tempo, desde o início em 1923, quando iniciei minha própria análise pessoal, estive ligado à
psicanálise, sendo candidato do Instituto de Psicanálise ao final da década de vinte e psicanalista habilitado
no começo da década de trinta. Por aproximadamente de dez anos analisei , principalmente, crianças.
Entretanto, depois da guerra concentrei meu trabalho analítico com adultos e, depois, passei a tratar
adolescentes.
Carta a Robert Tod, 6 de novembro de 1969
Este texto abordará, inicialmente, os trabalhos mais significativos de DWW sobre o tema do
(1) desenvolvimento da adolescência , para, depois, incluir os (2) relatos clínicos do autor
sobre pacientes nesta etapa. Ao final, procurarei estabelecer uma (3) síntese das idéias de
DWW sobre o adolescer.
Um dos textos mais conhecidos de DWW sobre a adolescência foi escrito , como um
capítulo do livro The Family and Individual Development ( 1965 ), levando o título de
Adolescence:Struggling through the Doldrums. . Inicialmente estas idéias foram expostas
em um trabalho lido para o Senior Staff of the London Country Council Children´s
Department , em fevereiro de 1961 , e , posteriormente, publicado no New Era in Home
and School , em fevereiro de 1962 , e no New Society , em abril de 1963, com algumas
modificações , com o título Struggling Through the Doldrums. Struggling significa, segundo
o dicionário Webster , very strong fight , uma luta muito forte ou um esforço muito grande, e
Doldrums , segundo o mesmo dicionário, unhappy state of mind, inaction, ou como tem sido
traduzida, inércia.
DWW escolheu para este texto um subtítulo significativo para descrever o adolescer ,
Struggling through the Doldrums , (ao qual eu agregaria o Sturm and Drang de W. Goethe,
especialmente com o jovem Werther e com Wilhelm Meister , personagens do
buildingroman ) nos convidando a percorrer com ele suas observações.
Fazendo uma observação similar a que fora desenvolvida por , Erik Erikson, um outro
importante psicanalista e um estudioso desta etapa evolutiva, que considerou que na
adolescência era necessária uma “ moratória “, DWW escreveu:
No íten seguinte, que denomina “ Formulação Teórica “ , ele descreve o que podemos
considerar sua visão geral desta etapa:
“ Durante esta fase o adolescente está dedicado a tarefa de experimentar suas mudanças
pessoais inerentes à puberdade. Cada um deles chega ao desenvolvimento de sua
capacidade sexual e às manifestações sexuais secundárias com uma história pessoal, que
compreende um padrão pessoal na organização das defesas contra diversos tipos de
ansiedade. Em particular, e quando se trata de indivíduos saudáveis, , cada um deles viveu
a fundo, antes do período de latência, a experiência do Complexo de Édipo, isto é, das duas
posições principais na relação triangular com ambos os progenitores ( ou seus substitutos )
e também já existem formas organizadas de evitar a ansiedade ou de aceitar e tolerar os
conflitos inerentes a essas circunstâncias essencialmente complexas. Ocorre também,
como consequência das experiências da infância, determinadas características e
tendências pessoais herdadas e adquiridas, fixações a tipos pré-genitais de experiência
instintiva, resíduos de dependência e crueldade infantís e, além disso, todo o tipo de
padrões patológicos vinculados com falhas de maturação nos níveis edípico e pré-edípico.
Assim, o rapaz ou a moça, chegam a puberdade com todos os seus padrões pré-
determinados, que correspondem a experiências da infância ; e é muito o que permanece
inconsciente e muito o que se desconhece porque ainda não foi experimentado “.
(3) DWW considera que o adolescente, assim como as crianças, tende a ser “ um indivíduo
isolado “ , repudiando inicialmente o que é não-eu ( not-me ) até que possa ser capaz de
aceitar “ os objetos externos ao self e fora da área do controle onipotente “; predomina no
início, desta forma, “ uma natureza subjetiva do meio “ e “ do princípio do prazer-dor
sobre o príncipio de realidade “ ( DWW considera, também, que há uma tendência dos
adolescentes a constituirem agrupamentos “ pela adoção de interêsses identicos “ e que
quando se sentem “ atacados “ buscam organizações grupais de características paranóides
e que diminuida a perseguição há novamente uma tendência ao isolamento ) ;
(4) (4) Ele comenta também que o desejo sexual , prévio a maturidade sexual, favorece a
dúvida quanto “ ao fato de não saberem ainda se serão homossexuais, heterossexuais ou,
simplesmente, narcisistas “. A descarga da tensão sexual se dará fundamentalmente
através da masturbação compulsiva “.
“ (... ) Não constitue, por acaso, uma prova de saúde de uma sociedade o fato de que seus
adolescentes possam sê-lo no momento adequado, ou seja, no período que corresponde
ao crescimento puberal ? Entre os povos primitivos, estas mudanças se ocultam com tabus
ou o adolescente se converte em adulto, no transcurso de poucas semanas ou meses,
fazendo-o passar por ritos e provas. Na sociedade atual os adultos se formam mediante
processos naturais a partir de adolescentes que marcham para a frente impulsionados
pelas tendências do crescimento; o que poderia, talvez, significar que os novos adultos de
hoje possuem fortaleza, estabilidade e maturidade. Naturalmente tudo isto tem um preço.
As numerosas crises adolescentes requerem tolerância e tratamento; ainda mais, este novo
desenvolvimento provoca tensões na sociedade, pois aos adultos a quem não se permitiu
passar por este período tem muitas dificuldades de se perceberem rodeados por rapazes e
moças que atravessam por um estado de resplandecente adolescência “.
Um ponto interessante, que DWW aborda é o que ele denomina “ a não aceitação ( pelos
adolescentes ) de soluções falsas “ por eles adotarem uma feroz moralidade “. Ele
novamente retoma o que havia postulado no início do texto, a necessidade de “ tempo ” por
parte do adolescente e comenta :
“ Uma característica básica dos adolescentes consiste em que não aceitam soluções
falsas. Esta feroz moralidade, baseada no real e no falso, pertence também a inf^^ncia e à
enfermidade do tipo esquizofrenico... O único remédio para a adolescêcnia é o transcurso
do tempo, fato que para o adolescente carece de um sentido maior. O adolescente busca
uma solução imediata porém, ao mesmo tempo, rechaça uma tentativa após a outra,
porque percebe nela algum elemento de falsidade... Quando o adolescente já está em
condições de tolerar uma forma de transação, pode descobrir diversas maneiras de atenuar
o caráter inexorável das verdades essenciais. Por exemplo, uma possível solução é a
identificação com as figuras parentais; outra, uma maturidade prematura em termos de
sexo, ou, ainda, um deslocamento da enfase da esfera sexual ao desempenho atlético, ou
das atividades corporais ao desenvolvimento intelectual. Em geral, os adolescentes
rechaçam estes recursos e, em troca, , tem de pssar por um tipo de áreas de calmaria
( interregno ), uma fase em que se sentem inúteis ( fúteis ) e na qual ainda não encontraram
a si mesmos. Temos de observar isto acontecer... (... ) Podemos ver os jovens procurando
uma forma de identificação que não lhes falhe em sua luta, a luta por se sentir real, a luta
por uma identidade pessoal, para não enquadrar-se em um papel pré-determinado e para
passar por tudo o que tem de ser passado. Eles não sabem no que vão tornar-se. Não
sabem onde estão e o que esperam. Eles se sentem irreais porque tudo está suspenso e
isto os levam a fazer determinadas coisas que lhes parecem reais, e que são bastante reais
no sentido de que afetam a sociedade... ( ... ) Aqueles que cuidam de adolescentes se
encontrarão perplexos ao ver como que rapazes e moças podem ser desafiadores até um
certo grau e, ao mesmo tempo, dependentes ao ponto de serem infantís, até mesmo de
agirem como bebês, mostrando padrões de dependência infantís que datam dos primeiros
meses de vida ... “.
DWW busca estabelecer alguns aspectos que ele considera “ necessidades do adolescente
“, pontuando ( e de certa maneira retomando algumas idéias ) :
Ele comenta que devemos atentar para o fato de que muitos indivíduos são de tal maneira
enfermos que não podemos considerar que, de fato, atinjam a adolescência, ou, então,
chegam até ela de maneira muito distorcida .
Será útil esclarecermos melhor o conceito que DWW tem de “ depressão “,. Sua idéia de “
depressão “ cobre um amplo espectro, desde uma aquisição do desenvolvimento normal
até uma desordem psicopatológica ( ligada à interrupção do desenvolvimento ).
É necessário ressaltar que dois anos antes deste trabalho de DWW, Anna Freud publicou o
clássico “ Adolescence “ ( Freud, A , 1958 ) comentando os processos depressivos e de
luto na adolescência normal , mas DWW, como é sabido, nunca reinvindicou “ originalidade
“ para suas idéias. Os trabalhos clássicos de Arminda Aberastury e Maurício Knobel sobre
os lutos da adolescência e a Síndrome da Adolescência Normal são do início da década de
setenta e, portanto, posteriores a este texto de DWW.
Jan Abram ( Abram, 1996 ) comenta sobre este tema, nos refrescando, mais uma vez, a
memória :
Embora não tenhamos , em nosso idioma, a distinção que na língua inglesa é possível
estabelecer entre privation ( “ ausência de cuidado materno “ e, por consequência, o
desencadeamento de patologias graves como as psicoses e o Autismo Infantil Precoce) e
deprivation ( “ existiu um certo grau de cuidado materno que, posteriormente foi perdido “ ,
raiz da tendência anti-social ), podemos , considerando o idioma um organismo vivo e à
maneira de Guimarães Rosa, utilizar privação e deprivação .
Na raiz da tendência anti-social existe sempre uma carência. Pode ser simplesmente que a
mãe, em um momento crítico, tenha se encontrado em um estado de introspecção ou
depressão, ou pode ser que a família tenha se desmembrado . Mesmo uma carência
menor, se ocorrer em um momento difícil, pode ter um resultado duradouro, porque
sobrecarrega as defesas disponíveis. Atrás da tendência anti-social há sempre uma saúde
seguida de uma interrupção, depois da qual as coisas nunca mais foram as mesmas.
A criança anti-social procura, de um modo ou de outro, violenta ou gentilmente, fazer com o
mundo reconheça seu débito; ou tenta fazer o mundo reconstruir a moldura que foi
quebrada.
Uma das contribuições mais importantes que, a meu ver, DWW faz neste artigo diz respeito
as idéias que desenvolve sobre o grupo de adolescentes .
Na raiz da adolescência, em geral, não é possível dizer que haja inerentemente uma
carência, e ainda assim há algo que é o mesmo, mas, sendo em menor grau e difuso,
simplesmente evita sobrecarregar as defesas disponíveis. Deste modo, no grupo, que o
adolescente escolhe para se identificar, ou no agregado de seres isolados que formam um
grupo para se opor a uma perseguição, os membros extremistas do grupo estão agindo
pelo grupo total. Todo tipo de coisas que existe na luta dos adolescentes – o roubo, as
facas, as quebradeiras e vandalismos e tudo o mais – todas essas coisas tem que ser
contidas na dinâmica deste grupo, seja sentar por aí ouvindo jazz, ou dar uma festa com
bebidas e, se nada acontecer, os membros começam a sentir-se inseguros da realidade de
seu protesto e, mesmo assim, não estão perturbados suficientemente para executar o ato
anti-social que poria as coisas no lugar. Mas, se no grupo existe um membro anti-social ou
dois ou tres dispostos a fazer coisas anti-sociais que produzam uma reação social, isto faz
todos os outros membros aderir, sentir-se reais, e temporariamente estruturam o grupo.
Cada membro do grupo será leal e apoiará aquele que agirá pelo grupo, embora nenhum
deles tenha aprovado aquilo que a personalidade extremamente anti-social fez.
A tentativa de suicídio de um dos membros é muito importante para todos os outros. Poderá
acontecer que um membro do grupo não consegue sair da cama; ele está paralisado pela
depressão e toca na eletrola as músicas mais dolentes; tranca-se no quarto e ninguém
pode chegar perto. Todos os outros sabem que isto está acontecendo e de vez em quando
ele sai para uma festa ou para qualquer outra coisa e isto pode continuar por todas as
noites ou por dois ou tres dias. (...) Tais acontecimentos pertencem ao grupo inteiro e o
grupo é inconstante e os indivíduos trocam de grupo ; mas, às vezes, os indivíduos
membros do grupo usam os extremistas para ajudá-los a sentirem-se reais, em sua luta
para ultrapassar este período de depressão.
Neste espaço transicional ( o grupo ) o jovem pode vivenciar o imaginário como real. Deste
modo o grupo o tranquiliza ao lhe permitir experimentar certo manejo onipotente dos
objetos e, com isto, ir obtendo gradativamente a aceitação da realidade e a perda das
fantasias infantís. O grupo, como contexto de descobrimento, permite ao adolescente
perceber o todo como unidades relacionais em permanente transformação... O destino do
grupo de iguais, semelhante ao destino dos objetos transicionais “ permitir ser
progressivamente descatexizado, de maneira que, com o curso dos anos, se torne não
tanto esquecido, mas relegado ao limbo... Não é esquecido e não é pranteado. Perde o
significado “ ( Winnicott ).
É tudo um problema de como ser um adolescente durante a adolescência. Isto é uma coisa
extremamente corajosa para qualquer um, e que algumas destas pessoas estão tentando
realizar. Não significa que nós adultos temos de dizer : “ Olhe para aqueles queridos
adolescentes tendo sua adolescência; devemos aguentar tudo e deixar nossas janelas
serem quebradas “. Esta não é a questão. A questão é que nós somos desafiados, e
enfrentamos o desafio como parte das funções da vida adulta. Porém enfrentamos o
desafio, mais do que partimos para curar o que é essencialmente sadio.
O grande desafio da adolescência é para aquela pequena parte de nós que não viveu a
adolescência. Esta pequena parte de nós mesmos nos faz sentir ressentimento daquelas
pessoas que são capazes de viver sua fase de depressão e nos faz querer encontrar uma
solução para elas. Há centenas de soluções falsas. Qualquer coisa que falemos ou façamos
está errada. Damos apoio e estamos errados, tiramos apoio e isto é errado também. Não
ousamos ser “ compreensíveis “. Mas, no correr do tempo, descobrimos que o adolescente
saiu da fase de depressão e é agora capaz de começar a se identificar com a sociedade,
com os pais, e com todos os tipos de grupos maiores, sem sentir-se ameaçado de extinção
pessoal.
A Adolescência: a luta contra a inércia , referido por Newman como um dos textos mais
importantes de DWW sobre a adolescência, como vimos antes, é escrito no estilo habitual
do autor, particularmente quando se dirigia a leigos: direto, simples, coloquial e, digamos,
um pouco “ desestruturado e naive “. Nos reportando aos anos sessenta, quando o
trabalho foi apresentado, é possível constatar que houve neste período um grande
interesse pelo estudo psicanalítico desta etapa do desenvolvimento e no conjunto dos
textos escritos, ( particularmente os de Anna Freud, Erik Erikson, Peter Blos e outros ) , a
meu ver, as idéias de DWW não trazem “ novidades “ , da mesma forma que “ não são
originais “ ( coisa que , aliás, ele nunca pretendeu ). Temos, então, um conjunto de
reflexões, um puzzle, para encontrarmos nossas próprias idéias sobre a adolescência; na
verdade , da maneira como cada um for capaz , segundo, quem sabe ?, conforme suas
próprias experiências adolescentes.
(B) CONCEITOS CONTEMPORÂNEOS DE DESENVOLVIMENTO ADOLESCENTE E
SUAS IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR
Este é o segundo texto referido por Newman como constituindo uma das contribuições
mais importantes de DWW sobre a adolescência. Ele foi apresentado em um Simpósio
realizado na 21ª Reunião Anual da British Student Health Association, em 1968, e consta
no livro Playing and Reality ( 1971 ; capítulo XI ). Parte deste trabalho, foi publicado em
uma revista de pediatria ( Pediatrics, 44:5, part 1, 1969 ), com o título “ Adolescent Process
and the Need for Personal Confrontation “.
DWW, a meu ver , como contribuições mais significativas neste artigo, aborda os seguintes
pontos: (1) “ A confusão “, (2) “ Morte e Assassinato na Adolescência “ e ( 3) “ A imaturidade
do Adolescente “. Considero, entretanto, que a tese central e fundamental deste trabalho é
a “ Morte a Assassinato no Processo Adolescente “.
Vejamos...
o papel das escolas e outros grupamentos, vistos como extensões da idéia familiar e como
realce dos padrões familiares estabelecidos;
a imaturidade do adolescente;
a estrutura da sociedade, sendo essa palavra utilizada como substantivo coletivo, sociedade
composta de unidades individuais, maduras ou imaturas;
( Série Complementar )... Expressão utilizada por Freud para explicar a etiologia das
neuroses e superar a alternativa que obrigaria a escolher entre fatores exógenos ou
endógenos: na realidade estes fatores são complementares, pois cada um deles pode ser
tanto mais fraco quanto o outro é mais forte, de modo que um conjunto de casos pode ser
classificado numa escala em que dois tipos de fatores variam em sentido inverso... É nas “
Conferências Introdutórias sobre Psicanálise ( 1916-17 )“.
Sigmund Freud , nesta formulação, deixa evidente que não se enclausurou no conflito entre
externo e interno ; nuirture ou nature ; ambiente ou inato; objeto externo ou objeto
interno.
Vejamos como DWW articula esta questão ( neste texto, pois sua noção de objeto
transicional deixa bem claro como ele pensa... ) :
A dinâmica é o processo de crescimento, sendo este herdado por cada indivíduo. Toma-se
como certo, aqui, o meio ambiente facilitador e suficientemente bom, que, no início do
crescimento e desenvolvimento de cada indivíduo, constitui um sine qua non . Há genes
que determinam padrões, e uma tendência herdada a crescer e a alcançar a maturidade;
entretanto, nada se realiza no crescimento emocional, sem que esteja em conjunção ao
ambiente facilitador, que tem de ser suficientemente bom. Observe-se que a palavra “
perfeito “ não figura nesse enunciado ; a perfeição é própria das máquinas, e as
imperfeições, características da adaptação humana à necessidade, constituem qualidade
essencial do meio ambiente que a facilita.
DWW deixa muito clara sua idéia e escreve com uma “ humildade e humanidade “, sobre a
perfeição das máquinas e as imperfeições humanas , que merece ser destacada.
DWW conclui :
independência não se torna absoluta e o indivíduo visto como unidade autônoma nunca, de
fato, é independente do meio ambiente, embora existam maneiras pelas quais, na
maturidade, ele possa sentir-se livre e independente, tanto quanto contribua para a
felicidade e o sentimento de estar de posse de uma identidade pessoal. Através das
identificações cruzadas, a linha nítida existente entre o Eu e o Não-Eu é toldada .
O conceito de identificações cruzadas é abordado no capítulo anterior ( capítulo X ) do
Playing and Reality , e retomaremos esta questão ao discutir o material clínico de uma
paciente de DWW : Sarah, de 16 anos .
Como acontece sempre com quem trabalha com adolescentes, DWW se pergunta : “
Doença ou saúde ? “.
DWW considera que embora a Sociedade seja estruturada por seus membros sadios ,
necessita conter seus membros enfermos , enumerando-os :
os psicopatas ( produto final da privação; pessoas que, quando esperançosas, têm de fazer
a Sociedade reconhecer o fato de que sua privação quer um objeto bom ou amado, uma
estrutura satisfatória, na qual possam confiar, que resista às tensões originárias do gesto
espontâneo );
os de humor variável ( pairando entre o suicídio e alguma outra alternativa, que pode incluir
as mais elevadas realizações em termos de contribuições );
os esquizofrênicos ( que não podem, pelo menos nas fases de doença, sentir-se reais e que
podem, na melhor das hipóteses, atingir algo na base de um viver por procuração ).
Ele cita um grupo importante, mas de diagnóstico nem sempre simples: àqueles indivíduos
“ dominados por um sistema de pensamento “, os paranóicos. Expressa, também, que
considera a Psiquiatria difícil de ser entendida e que “ nenhuma denominação psiquiátrica
designa exatamente o caso e, muito menos, a denominação normal ou sadio “ .
Essa “ fonte de confusão “ é descrita por DWW como “ a suposição corrente “ de que se os
pais “ criarem bem seus bebês e filhos, haverá menos problemas “...
... Longe disso ! Isso é muito afim de meu tema principal, pois desejo colocar a implicação
de que, durante a adolescência, onde os sucessos e fracassos do bebê e da criança
retornam para acomodar-se, alguns dos problemas mais atuais são próprios dos elementos
positivos da educação moderna e das atitudes modernas em relação aos direitos do
indivíduo.
Com alguns de nossos filhos teremos sorte se nossa ajuda lhes permitir o pronto uso de
símbolos, o brincar e o sonhar, ser criativo de maneiras satisfatórias; entretanto, mesmo
assim a estrada que leva até aí pode ser pedregosa. Em qualquer caso, cometeremos
equívocos, e esses equívocos serão vistos e sentidos como desastrosos, e nossos filhos
tentarão fazer-nos sentir responsáveis por contratempos, mesmo quando não o formos
realmente. Nossos filhos dirão simplesmente: não pedimos para nascer.
DWW conclui o tema da “ confusão “, de maneira coloquial, dentro de sua tradição “ hope “,
numa forma quase literária e bastante profunda .
Nossas recompensas chegam até nós na riqueza que pode gradativamente aparecer no
potencial pessoal deste rapaz ou daquela moça. E, se tivermos sucesso, precisamos estar
preparados para sentir ciúmes de nossos filhos, que estão obtendo melhores oportunidades
de desenvolvimento pessoal do que nós próprios tivemos. Nos sentiremos recompensados
se, algum dia, nossa filha nos pedir para tomarmos conta de seu filho, demonstrando com
isso sua confiança em que podemos fazê-lo satisfatoriamente, ou se nosso filho, de algum
modo, quizer ser como nós, ou enamorar-se de uma moça de quem poderíamos nos
enamorar se fossemos mais jovens. As recompensas chegarão indiretamente. E,
naturalmente, sabemos que não nos agradecerão.
Neste livro Sigmund Freud , como sabemos, desenvolve suas idéias relacionando o
conhecimento psicanalítico com a antropologia social; embora alvo de muitas críticas, como
assinala, entre outros, Peter Gay em sua biografia do descobridor da psicanálise, os temas
expostos são muito interessantes para os objetivos de nossas reflexões de agora, a
adolescência. O terror ao incesto; a exogamia ; o animismo, a magia e a onipotência do
pensamento; o retorno do totemismo na infância; as fobias; o complexo de Édipo e o
parricídio. Estes são temas que nos interessam profundamente ao estudarmos o
adolescer .
Neste trecho é colocada a questão da regressão que realiza ( ou sofre ) o adolescente aos
primeiros estágios do desenvolvimento e a necessidade que tem de “ continência “ ou “
limite “ para as experiências que este momento evolutivo demanda.
Nos é de grande valia comparar as idéias adolescentes com as da infância. Se, na fantasia
do crescimento primitivo estiver contida a morte, então, na adolescência, ver-se-á contido o
assassinato . Mesmo quando o crescimento, no período da puberdade, progride sem
maiores crises, é possível que nos defrontemos com agudos problemas de manejo, porque
crescer significa ocupar o lugar do genitor. E realmente o é. Na fantasia inconsciente,
crescer é, inerentemente um ato agressivo. E a criança agora já não é pequena.
O grifo é meu , porque considero necessário destacar estas afirmações mais uma vez. A
agressividade e seus derivados é um elemento fundamental na pensamento de DWW.
DWW ilustra estas idéias comentando sobre o jogo “ Eu sou o Rei do Castelo “, um jogo de
situações de vida, e escreve:
Não precisamos supor que a natureza humana tenha sofrido qualquer alteração.
Precisamos procurar o duradouro no efêmero. Precisamos traduzir esse jogo da infância na
linguagem da motivação inconsciente da adolescência e da Sociedade. Se a criança tem de
tornar-se adulta, então essa transformação se faz sobre o cadáver de um adulto. Sou
obrigado a tomar como evidente que o leitor sabe que me refiro à fantasia inconsciente ( o
material que fundamenta o brincar ). Sei, naturalmente, que rapazes e moças podem
conseguir atravessar esse estádio de crescimento num acordo contínuo com os pais reais e
sem manifestarem necessariamente qualquer rebelião em casa. Mas lembremo-nos de que
a rebelião é própria da liberdade que concedemos a nossos filhos, criando-os de tal
maneira, que ele ou ela existem por seu próprio direito. Em certo casos, se poderia dizer: “
Semeamos um bebê e colhemos uma explosão “. Isso é sempre verdadeiro, mas nem
sempre o parece.
DWW observa, a seguir, que um certo número de jovens sofrerá “ baixas “ e que outros
não atingirão a “ vida adulta “: advertência fundamental em um país onde as tres primeiras
causas de morte são relacionadas à violência ( homicídios, acidentes e suicídios ) e onde
cêrca de 21 milhões de crianças e adolescentes vivem em estado de abandono , segundo
dados da Folha de São Paulo de 14 de dezembro de 1999. O leitmotiv da época de DWW
para referenciar nestes aspectos a questão dos adolescentes era a Guerra, enquanto que
em nosso país, hoje , é a exclusão social e o desamparo afetivo.
A imaturidade é uma parte preciosa da adolescência. Nela estão contidos os aspectos mais
excitantes do pensamento criador, sentimentos novos e diferentes, idéias de um novo viver.
A Sociedade precisa ser abalada pelas aspirações daqueles que não são responsáveis. Se
os adultos abdicam, o adolescente torna-se prematuramente, e por um falso processo,
adulto. ( ... ) O triunfo pertence a essa consecução da maturidade através do processo de
crescimento, não à falsa maturidade baseada na fácil personificação do adulto. Fatos
terríveis estão encerrados nessa afirmação.
Resumo
Em resumo, é emocionante que a adolescência se tenha tornado vocal e ativa, mas a luta
do adolescente que hoje se faz sentir no mundo inteiro tem de ser enfrentada, precisa
receber realidade através de um ato de confrontação. A confrontação é própria da
contenção que não é retaliatória, nem vingativa, mas possui sua própria força. É salutar
lembrar que a atual inquietação estudantil e sua expressão manifesta podem ser, em parte,
produto da atitude que nos orgulhamos de Ter atingido em relação aos cuidados dos bebês
e ao cuidado infantil em geral. Que os jovens modifiquem a sociedade e ensinem aos
adultos a ver o mundo com olhos novos, mas onde houver o desafio do rapaz ou da moça
em crescimento, que haja um adulto para aceitar o desafio. Embora ele não seja
necessariamente belo.
Esse hiato concepção-percepção fornece amplo material para estudo. Postulo um paradoxo
essencial, que deve ser aceito e não se destina à solução. Esse paradoxo, central ao
conceito, precisa ser aceito, e aceito durante certo tempo , no cuidado de cada bebê.
Considero este texto bem mais importante que o anterior , por desenvolver idéias mais
importantes e mais específicas sobre o adolescer.
Este artigo, de poucas páginas, foi escrito em 1964 para uma palestra na New Society e
publicado como um capítulo do livro Deprivation and delinquency ( 1984 ). DWW utilizou
algumas citações de Shakespeare para ilustrar suas idéias. Uma delas , de Um Conto de
Inverno, é bastante reproduzida em livros sobre adolescentes, como eu mesmo fiz em
Adolescer .
Gostaria de que não existisse idade alguma entre os dezesseis e vinte e três anos ou que
os jovens dormissem todo esse tempo; pois nada existe nesse meio tempo senão
promiscuidade com crianças, ultrajes com os anciãos, roubos, brigas .
DWW comenta, também, como Adolfo Hitler tentou resolver, da noite para o dia, o
problema do adolescente oferecendo para os jovens o papel de superego da comunidade.
Uma solução falsa a que estão expostos a Sociedade e os jovens, ainda hoje.
Fazendo parte do livro sobre deprivação e delinquência, este artigo trata de aspectos
relacionados aos ato anti-sociais. Leiamos.
O fato de existir um elemento positivo nos atos anti-sociais pode realmente ajudar na
consideração do elemento anti-social, que é concreto em alguns adolescentes, e potencial
em quase todos. Esse elemento positivo pertence a história pessoal total do indivíduo anti-
social; e, quando e onde a atuação é fortemente compulsiva relaciona-se com uma
decepção ambiental, relaciona-se com uma decepção ambiental na experiência particular
do indivíduo. Tal como no furto existe ( se levarmos em conta o inconsciente ) um momento
de esperança de se retomar, por sobre o hiato, uma reinvidicação legítima endereçada a
um dos pais, também na violência há uma tentativa para reativar um domínio firme, o qual,
na história do indivíduo, se perdeu num estágio de dependência infantil. Sem esse domíniio
firme, uma criança é incapaz de descobrir o impulso, e só o impulso que é encontrado é
assimilado e passível de autocontrôle e socialização.
Acredito que esse é um ponto extremamente importante para discussão. DWW comenta
que a atividade pulsional ( penso que se pode usar pulsão em lugar de impulso ) precisa
ser experienciada para que se adquira contrôle sobre ela; se não houver possibilidade da
vida pulsional, em todas as suas variantes, ser conhecida e vivida nos arriscamos a
situações difíceis.
Quando a violência começa num bando por causa de atividades compulsivas de alguns
rapazes e moças que realmente sofreram privação, então há sempre a violência potencial
do adolescente leal ao grupo, aguardando a chegada da idade que Shakespeare ( na
citação ) define como 23 anos.. Hoje em dia, desejaríamos provavelmente que “ o jovem
dormisse “ dos 12 aos 20 anos, e não dos 16 aos 23. Mas o jovem não dormirá, e a tarefa
permanente da sociedade em relação a ele é deter e conter, evitar tanto a falsa solução
quanto a indignação moral causada por ciúme da juventude. O potencial infinito é a
possessão preciosa e fugaz do jovem. Isso gera inveja no adulto, que está descobrindo em
sua própria existência as limitações do real.
(D ) A TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL
Ao longo deste artigo DWW desenvolveu suas principais idéias sobre a tendência anti-
social e apresenta dois casos clínicos, bastante interessantes e vale a pena ( “ se a alma
não for pequena “ ) acompanhá-lo.
DWW com este exemplo buscou definir sua opinião de que na delinquência o atendimento
ambiental ( internação neste caso ) era a indicação mais adequada e que a psicanálise só
faria sentido dentro desta condição . O material clínico que vem a seguir ilustra a situação
de um menino que pode ser auxíliado facilmente recebendo tratamento associado ao
suporte ambiental.
Fui solicitado por uma amiga a examinar o caso de seu filho, o primogênito de uma família
de quatro. Ela não podia trazer-me John abertamente por causa do marido, que faz
objeções à psicologia por motivos religiosos. Tudo que ela pode fazer foi Ter uma conversa
comigo sobre a compulsão do menino para roubar, o que estava se tornando um problema
muito sério; ele roubava em grande escala, em lojas e em casa. Por razões práticas, a única
coisa possível combinarmos um almoço rápido num restaurante, durante o qual ela me
contou o problema e pediu meu conselho. Eu só tinha aquele momento e aquele lugar para
fazer alguma coisa. Portanto, expliquei-lhe o significado do roubo e sugeri que ela
encontrasse um bom momento em suas relações com o menino e lhe desse uma
interpretação. Ao que parecia, John e a mãe tinham alguns momentos de boas relações
mútuas todas as noites, depois que ele ia para a cama; então, geralmente ele gostava de
contemplar e afalar sobre as estrelas e a lua. Esse momento poderia ser usado.
Sugeri: “ Por que não dizer a John que você sabe que, quando ele rouba, ele não está
querendo as coisas que rouba mas procura algo a que tem direito; está protestando contra
a mãe e o pai porque se sente privado do amor de ambos “. recomendei-lhe que usasse
uma linguagem que o menino pudesse entender. Devo dizer que eu conhecia
suficientemente essa família, em que os pais são músicos, para perceber que esse menino,
em certa medida sofrera privação, embora tivesse um bom lar.
Algum tempo depois recebi dessa amiga uma carta dizendo-me que fizera o que eu havia
sugerido. “ Disse-lhe que o que ele realmente queria quando roubava dinheiro, alimentos e
outras coisas era sua mãe; devo dizer que realmente não esperava que ele entendesse
isso, mas parece que entendeu.. Perguntei-lhe se achava que não o amávamos por ele ser
às vezes tão travesso, e ele respondeu, sem pestanejar, que achava que nós não o
amávamos muito. Pobre crianças ! Eu me senti tão mal, nem posso lhe explicar. Então eu
lhe disse para nunca, nunca mais, duvidar e disse-lhe que se alguma vez ele sentisse
dúvida me fizesse lembrar de dizer outra vez. Mas é claro que não precisarei ser lembrada
por muito tempo, foi um choque tão grande. Parece que todos nós precisamos desses
choques. Assim, estou sendo muito mais demonstrativa, para tentar evitar que ele volte a ter
dúvidas. E até agora não houve mais nenhum roubo “.
Agora, depois de oito meses, é possível informar que não houve recaída no roubo, e as
relações entre o menino e a família melhoraram muito.
Ao considerar este caso, devo lembrar que eu conhecera muito bem a mãe durante sua
adolescência e, em certa medida, vira-a superar uma fase anti-social própria. Ela era a
primogênita de uma família numerosa. Tinha um lar muito bom, mas o pai exercera uma
disciplina férrea, especialmente na época em que ela era pequena. Portanto, o que eu fiz
teve o efeito de uma dupla terapia, tornando essa jovem mulher capaz de adquirir insight
sobre suas próprias dificuldades através da ajuda que pode prestar ao filho. Quando
conseguimos ajudar os pais a ajudarem seus filhos, na verdade estamos ajudando-os a
respeito de si mesmos.
A leitura deste relato me lembrou o trabalho de Sigmund Freud com os pais do pequeno
Hans, o que me faz, mais uma vez, inserir no mesmo campo, com muitas interfaces, o
criador da psicanálise e o mais freudiano dos analistas ingleses. DWW deixa claro também
sua forma simples e objetiva e , ao mesmo tempo profunda e analítica de trabalhar o
material clínico : “ Quando posso fazer análise o faço, senão faço algo orientado
analíticamente “, frase de DWW nossa conhecida, se revela aqui, com a valorização do
encontro humano, da mutualidade, da experiência humana compartida.
Deprivation and Delinquency , coletânea de artigos sobre este tema tão contemporâneo,
trata quase todo ele sobre crianças e adolescentes e sua leitura será sempre oportuna para
quem se ineressar sobre estas etapas do desenvolvimento humano.
Existem outros artigos , que não possuem a mesma importância, mas vale a pena referí-
los.
O Que Sai da Boca dos Adolescentes é uma curta resenha de um livro, escrito por E.
Eppel e M. Eppel com o título de Adolescents and Morality , e penso que não nos aporta
nenhuma idéia importante.
Este texto resultou de uma conferência, de maneira que sua estrutura tem uma tonalidade
bastante coloquial . São incluídas idéias que resultam das observações clínicas de DWW e
material clínico é apresentado. No final é reproduzida a parte das perguntas do público para
DWW e as respostas que ele dá, com elementos muito interessantes.
Ele escreve:
A adolescência de crianças adotadas não é igual à das outras crianças, embora possamos
querer fingir que é. Elas tendem a perder os delicados estágios iniciais da fase adolescente,
e passar muito rapidamente para a idéia adulta dos relacionamentos sexuais, socializados
pelo casamento. Alternativamente, elas podem reagir a isso e exagerar no desafio,
associando-se a outros meninos e meninas desafiadores da mesma idade, num grupo que
acaba se tornando muito incômodo. As crianças adotadas consideram a adolescência um
esforço maior do que as outras crianças; e, na minha experiência, isso se deve a ignorância
de sua origem pessoal. Isso tem vários efeitos adversos. Primeiro, esta ignorância se
mistura ao mistério usual das relações sexuais, fertilização, gravidez e nascimento, e
interfere na natureza delicada dos jogos sexuais adolescentes, tornando a criança
autoconsciente e desajeitada. Em segundo lugar, isso pode levar a uma ênfase excessiva
nos processos de socialização – os vários ritos de iniciação, exames para matrícula, e
assim por diante; e quando a idéia do casamento começa a aparecer, surge a dúvida sobre
se o parceiro escolhido vai ser capaz de suportar as notícias quando finalmente recebe-las.
Por último, quando surge o desejo de ter filhos, a criança adotada fica muito preocupada
com a hereditariedade e a transmissão de fatores genéticos desconhecidos. Portanto os
problemas comuns que afligem todos os adolescentes ficam distorcidos; questões
secundárias tornam-se questões essenciais.
O material clínico apresentado neste artigo é de uma moça de 18 anos, Miriam, que é
trazida para DWW, por um oficial da condicional, a pedido dela. DWW havia entrevistado
esta moça dez anos antes e, discordando da opinião dos pais, comunicara a ela de que
havia sido adotada. Ela reagiu negativamente a esta informação e disse de, desde então,
nunca mais fora feliz. Ela considerava de DWW “ tinha perturbado toda sua vida “, mas,
escreve DWW, “ no entanto, quando precisou de ajuda, ela pensou em mim “. Ela perdera
a mãe biológica muito cedo e uma mulher, com bastante idade, passara cuidar dela. O pai,
alcoolista, se casara novamente e vivia próximo. O manejo que DWW faz da situação é
bastante interessante.
Eu sugeri ao oficial da condicional que visitasse o pai e pedisse a ele alguma coisa que
tivesse pertencido à mãe biológica para dar à filha. Ele conseguiu uma fotografia e e um
colar. Eu avisei o oficial da condicional que talvez Miriam não se permitisse ficar muito
entusiasmada ao receber essas lembranças, e que o resultado de recebê-las poderia
inclusive ser um período de prostração por experienciar tristeza; pois Miriam está tentando
encontrar sua mãe biológica, para poder fazer o luto por ela. Quando ela recebeu as
lembranças colocou-as diretamente no bolso, sem abrir o envelope. No entanto, tem havido
mudanças em sua vida desde este episódio. Uma delas, bem importante, é que
anteriormente ela estava angustiada, tendo perdido sua fé e ficando com medo de ir dormir
sem dizer suas preces, agora recuperara sua vida religiosa, que sempre fora muito
importante para ela. Ela ainda está longe de estar bem, mas atualmente está trabalhando
com outras jovens, mas atualmente está trabalhando com outras jovens de sua idade e a
situação presente é satisfatória.
Vários comentários são apresentados por DWW a partir da situação de Miriam e não quero
me antecipar a leitura que será feita do próprio artigo. A situação de adoção é, penso, uma
questão complexa pois, entre vários aspectos, ao mesmo tempo que busca preencher uma
ausência ( do filho biológico ), a presença do filho adotivo é uma denúncia constante da
esterilidade ( partindo da situação de dificuldade de concepção, pois existem outras
motivações, conscientes e inconscientes )..
As questões edípicas da adolescência , na ausência dos “ laços de sangue “, incrementam
fantasias incestuosas no grupo familiar e não apenas no jovem: é uma característica do
Édipo Adolescente a reedição do Édipo da Infância, com a peculiaridade de que agora o
incesto é possível . Necessitamos ter presente , também, seguindo C. Lévi-Strauss, que a
cultura se instala a partir da interdição do incesto, propiciada pelos “ laços elementares de
parentesco “ ( Lévi-Strauss, 1949 )
DWW , como sabemos, desenvolve a idéia de que na raiz da tendência antisocial está a
deprivação, o que Miriam experienciou em sua infância. Este material nos remete a este
tema diretamente. A questão da consulta terapêutica também está desenvolvida, assim
como a importância que DWW consigna à criação cultural, no caso a religião..
Caso haja interêsse do leitor, quero sugerir além da leitura dos artigos de DWW sobre
adoção, o texto de Sigmund Freud sobre “ A Novela familiar do Neurótico “ ( Freud, 1909 )
: outros dois trabalhos são muito oportunos a quem estuda o tema, “ Adoção: Perspectivas
Psicanalíticas para a Compreensão das Características de Pais Adotantes e Filhos Adotivos
“ de Alffredo Lulhier ( Lulhier, 1998 ) e “ Travessia da Adoção- A Ferida na Alma do Bebê “
de Alícia Lisondo ( Lisondo, 1999 ).
JANE, 17 anos.
O relato da história de Jane está no artigo Deduções a Partir de Uma Entrevista Terapêutica
Com Uma Adolescente ( 1964 )e, como o título obviamente refere, é um relato sobre a
técnica da consulta terapêutica .
Jane foi encaminhada por um clínico geral para uma entrevista com DWW. No
encaminhamento que DWW recebeu estava escrito:
Entendo que Jane sempre foi um grande problema, embora tenha de admitir que a acho
uma pessoa muito encantadora e inteligente. Houve aparentemente algum distúrbio – sobre
o qual nada me foi dito – e isso foi o começo do atual desarranjo. Jane afastou-se
completamente de todos os relacionamentos familiares. Não penso existir qualquer dúvida
de que ela tem uma imensa antipatia e sente um ciúme razoável da irmã, que,
superficialmente, é a mais graciosa das duas irmãs. Há uma história familiar de doença e
instabilidade mentais (...)
DWW optou por entrevistar Jane por primeiro, explicando porque procede desta forma.
Posteriormente ele fez contato com os pais de Jane por telefone e carta, sabendo que esta
maneira de proceder poderá deixar os pais inseguros. Ele a viu em cinco consultas ( sendo
a quarta seis meses após a primeira ).
O artigo nos apresenta um detalhado relato ( ele tomou notas , ocasionalmente, durante as
consultas ) do encontro entre ambos, de uma forma quase dialogada e com observações de
DWW sobre o que aconteceu.
SARAH, 16 anos
Sarah veio à consulta com DWW aos dezesseis anos. Ele a havia visto pela primeira vez
quando ela estava com dois anos de idade.
Os pais a trouxeram de sua casa de campo; recebi-os conjuntamente durante tres minutos,
ocasião em que renovamos contacto. Não me referi ao objetivo da consulta. Os pais
passaram então para a sala de espera; entreguei ao pai a chave da porta da frente e disse-
lhe que não sabia quanto tempo ficaria com Sarah.
A sessão que DWW descreve longamente terminou por levar Sarah a buscar um
tratamento psicanalítico. DWW ao escrever sobre “ o atendimento sob demanda “ ( a
consulta terapêutica, por exemplo ) , esclareceu que quando era possível e indicado ele e o
paciente realizavam um tratamento analítico e que quando isto não era possível, ele fazia
“ outra coisa “ orientada psicanalíticamente até que p paciente pudesse realizar um
tratamento analítico “ standart “. Foi o que aconteceu nesta experiência. Sarah não retornou
à escola e analizou-se por cêrca de três a quatro anos. DWW nos relata que Sarah, aos 21
anos , estava em progresso nos seus estudos universitários e “ dirigindo sua vida de
maneira a demonstrar que se sentia livre de intrusões paranóides que a haviam compelido
a estragar bons relacionamentos “.
No capítulo X do Playing and Reality DWW descreve com riqueza de detalhes a consulta
terapêutica com Sarah. Eles iniciam com o Squiggle Game e, somente após algum “
rabiscos, começa uma “ comunicação verbal “. Em algum momento DWW pergunta sobre
sonhos e assim se abre um novo espaço entre eles. Aparentemente a sessão é longa.
Após descrevê-la, DWW faz um comentário final, que é útil compartir, pois embora não dirija
suas idéias para a adolescência especificamente, nos coloca em contato com suas opiniões
sobre consultas terapêuticas, tratamento analítico, intervenções do terapeuta e o “ papel de
espelho “ do analista.
Poderia fazer um comentário sobre meu próprio comportamento nessa sessão isolada.
Grande parte da verbalização, como se demonstrou, foi desnecessária, mas é preciso
lembrar que, na ocasião, eu não sabia se aquela seria ou não a única oportunidade que
teria para proporcionar auxílio à Sarah. Houvesse sabido que ela viria a fazer tratamento
psicanalítico, teria dito muito menos, exceto na medida em que era preciso deixá-la saber
que eu a escutara, notara o que estava sentindo e mostrara, por minhas reações, que podia
conter suas ansiedades. Eu teria sido mais semelhante a um espelho humano.
Embora, novamente, não haja uma referência explícita ao processo adolescente, será
interessante relermos algumas idéias que DWW expõe neste capítulo, pois, para ele assim
como para todos os autores psicanalíticos, as bases da adolescência se estabelecem na
infância.
Desejo agora referir-me aos relacionamentos específicos à área de manejo, por parte dos
pais, rebelião adolescente .
VERONIQUE, 13 anos
O material de Veronique , na verdade, nos é oferecido por Masud R. Kahn, no capítulo que
dá o nome ao seu livro Quando a Primavera Chegar ( Khan, 1988 ). Esta adolescente foi
atendida por Masud Khan, encaminhada por DWW que já a conhecia.. Na verdade
podemos ler este material como “ uma supervisão constante “, ou um diálogo, entre
ambos. Sugiro ao leitor que chegou até aqui a releitura deste capítulo, do livro de Masud
Kahn. Vejamos alguns pontos interessantes ao nosso presente objetivo.
Masud Khan estava auxiliando DWW a editorar o Playing and Reality quando, numa
manhã de novembro de 1969, DWW disse-lhe:
Sabe, khan, eu atendi essa garota, Veronique, ontem. Ela tem treze anos. Recusa-se a
comer e a ir a escola porque, como diz, ficou “ ridiculamente magra “ ( como ela diz, Khan ).
Eu disse a seu médico e a seus pais, com quem conversei na semana passada, que eu não
poderia tratar da filha deles, mas gostaria de vê-la e ajudá-la a encontrar o tipo certo de
ajuda.
Masud Khan descreve este atendimento, em que DWW esteve envolvido diretamente, com
seu tradicional estilo literário e sugiro ao leitor desfrutar da leitura deste artigo, o que eu não
conseguiria oferecer se tentasse uma “ síntese “ da história.
COMENTÁRIOS
Após termos visitado ( o autor e o leitor ), alguns dos artigos mais importantes de DWW
sobre o processo adolescente e alguns relatos de sua experiência clínica, penso que é
possível fazer uma síntese de suas idéias sobre o tema.
(2) O segundo ponto que representa um enfoque importante nas idéias de DWW sobre o
desenvolvimento adolescente se refere ao desafio que o jovem faz aos pais e à Sociedade e
a necessidade que ele tem de ser confrontado . Desafio e confronto, encontro do
adolescente com seus pais e a Sociedade, nos leva a relembrar as contribuições de
Sigmund Freud, em Totem e Tabu , como vimos antes, mas também com as idéias de
DWW sobre a agressividade e a sobrevivência do objeto. O gesto agreessivo permite que o
bebê ( ou o adolescente ) descubra a exterioridade, ou a alteridade, ou a “ outridade “ ou,
ainda e no mesmo sentido a “ M/Other “ ( a mãe como Outro ). Neste momento
encontramos uma diferença entre a concepção freudiana de que a descoberta do objeto
desencadeia o ódio e a de DWW de que é a a gressão que permite descobrir o objeto,
divergência com implicações não apenas no que tange ao desenvolvimento como também
com repercurssões na técnica.
“ Encontro você;
Uso você;
Perco você;
Estou triste . “
Chego, afinal, ao que considero a observação mais importante neste campo, e que diz
respeito à existência da agressividade no bebê. Com o passar do tempo, o bebê começa a
chorar, gritar e arranhar. Na situação de alimentação havia, no início, uma atitude vigorosa
da gengiva, um tipo de atividade que pode facilmente resultar em rachaduras no mamilo;
alguns bebês realmente aderem ao seios com as gengivas e o machucam bastante. Não
se pode afirmar que estejam tentando ferir, porque o bebê ainda não está suficientemente
desenvolvido para que a agressividade já possa significar alguma coisa. Com o passar do
tempo, porém, os bebês já tem um impulso para morder. Trata-se do início de algo muito
importante , que diz respeito à crueldade, aos impulsos e à utilização de objetos
desprotegidos. Muito rapidamente os bebês passam a proteger o seio, e na verdade é
muito raro que mordam com o objetivo de ferir, mesmo quando já possuem dentes.
Isto não acontece pelo fato de eles não terem o impulso, mas sim devido a algo que
corresponde á domesticação do lobo em cão, ou de um leão em gato. Com os bebês
humanos, porém, há um estágio muito difícil, que não pode ser evitado. A mãe pode
perceber facilmente o que se passa com o bebê nesse estágio em que ela está sendo
destruida por ele, se tiver conhecimento da situação e proteger-se sem se valer de
retaliação e vingança.
Em outras palavras, ela tem uma função a cumprir sempre que o bebê morder, arranhar,
puxar os cabelos e chutar, e esta função é sobreviver. O bebê se encarregará do resto. Se
ela sobreviver, o bebê encontrará um novo significado para a palavra amor, e uma nova
coisa surgirá em sua vida: a fantasia. É como se o bebê agora pudesse dizer para sua
mãe: “ Eu a amo por ter sobrevivido à minha tentativa de destruí-la. Em meus sonhos e em
minha fantasia eu a destruo sempre que penso em você, pois a amo “.
Neste breve trecho, como em outros encontrados em diferentes artigos ( Abram, 1996 ),
DWW relaciona a questão da sobrevivência do objeto com a passagem da relação de
objeto com o uso do objeto . Esta experiência, descrita na relação mãe/bebê ( e, a meu
entender, com o pai no imaginário da mãe e exercendo o holding da unidade mãe/bebê )
se reedita na adolescência e DWW , penso, chama de desafio e confronto estes
acontecimentos.
O bebê que está apto a perceber o mundo objetivamente experienciou o objeto que
sobrevive a sua destrutividade ( agressão primária ) . Isso significa que o objeto permanece
sendo, de certa forma, o mesmo, uma vez que não sofre qualquer retaliação por rejeição
ou punição. A mãe que não for suficientemente boa e que não puder responder aos sinais
espontâneos emitidos pelo bebê corre o perigo de desenvolver uma complacência, um
falso self ou coisa muito pior.
(3) Vejamos agora a questão da imaturidadeXmaturidade . Não devemos esquecer que
adolescência , tal como a entendemos hoje, é uma “ descoberta do século XX “ e, como tal,
quando DWW fala em “ imaturidade “ se refere a um conjugado de fenômenos. Novamente
somos remetidos a Sigmund Freud e a seus escritos sobre a adolescência e a outros
autores psicanalíticos. Em seu clássico trabalho sobre a adolescência ( On Adolescence,
1957; Apud Outeiral, 1994 ),
Anna Freud escreve:“... as medidas defensivas que o medo da força dos próprios instintos
o impele a adotar ( o adolescente ), têm por objetivo manter a diferenciação entre o ego e o
id e garantir a recém estabelecida organização do ego. .. Direi que considero normal que
um adolescente se comporte durante um longo período de maneira incoerente e
imprevisível; que se oponha a seus impulsos e os aceite; que consiga evitá-los e se sinta
submetido a eles; que ame seus pais e os odeie; que se rebele contra eles e que dependa
deles; que se sinta envergonhado de reconhecer sua mãe frente aos demais e que,
inesperadamente, deseja de todo o coração falar com ela; que busque a imitação e a
identificação com os outros, enquanto busca sem cessar sua própria identidade; que seja
idealista, amante da arte, generoso e desinteressado como nunca voltará a sê-lo, porém
será também o contrário, egocêntrico, controlador e calculista. Estas flutuações entre
extremos opostos seriam altamente anormais em qualquer outra época da vida; porém,
neste momento, significam simplesmente que é necessário um largo período para que
surja a estrutura adulta da personalidade que o ego do indivíduo não cessa de
experimentar e que não deseja fechar-se prematuramente a novas possibilidades... Em
minha opinião é ncessário dar-lhe tempo e meios para que elabora suas próprias soluções.
Talvez sejam seus pais que devam receber ajuda e orientação... existem poucas situações
na vida que sejam mais difíceis de enfrentar que a de um filho ou uma filha adolescente
que luta por liberar-se.
Cabe ao interessado, agora, buscar os artigos originais para construir suas próprias idéias.
Alguns pontos estão expostos neste texto.
BIBLIOGRAFIA
Freud, A ( 1958 ) . On Adolescence. In: Freud, A et alii. The Psychoanalytic Study of Child.
Vol. XIII. IUP. Inc. N.Y.. 1958. pgs. 255-278