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Publicado – Clínica Psicanalítica de Crianças e Adolescentes. J. Outeiral. Ed. Revinter, 2006. Rio de
Janeiro. 2ª edição.
* Sigmund Freud,10 Anna Freud, 9 Melanie Klein, 12-15 D.W. Winnicott, 30,31 Erik Erikson, 7
Arminda Aberastury, 1,2,3 e Piaget. 4,19 Considero útil incluir Piaget embora ele não tenha orientação
psicanalítica, pela importância de seu trabalho para a compreensão do desenvolvimento cognitivo. As
contribuições de Arminda Aberastury são fundamentais nesse texto 1,2,3.
** Utilizo para iniciar a revisão da literatura o título de um artigo de D.W. Winnicott (1942)3 “Por que
brincam as crianças?” por dois motivos: primeiro, porque esta é a pergunta que surge de imediato na
mente de quem se interessa pela atividade lúdica infantil, e, em segundo lugar, pela importância do autor
na compreensão do acontecer psíquico da criança normal.
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utilizava seus brinquedos para brincar com eles de ‘estar fora’. Mais tarde
presenciei algo que confirmou minha suposição: a criança tinha um carre-
tel de madeira atado a um cordão e não lhe ocorreu jamais levá-lo arrastado
pelo solo, isto é, ‘brincar de carro’, mas tendo-o amarrado pelo extremo do
cordão, o jogava com grande habilidade por cima da guarda da sua cama,
forrada de tela, fazendo-o desaparecer. Lançava, então, seu significativo
–o-o-o-o- e puxava a corda até trazer de volta o carretel, saudando sua rea-
parição com um alegre ‘aqui’ (da). Este era, pois, o brinquedo completo:
desaparição e reaparição, jogo do qual quase nunca leva a cabo mais que a
primeira parte, a qual era incansavelmente repetida por si só, apesar de o
maior prazer estar indubitavelmente ligado ao segundo ato”.
“A interpretação do brinquedo ficava assim facilitada. Ele se achava em
conexão com a mais importante função de cultura do menino, isto é, com a
renúncia ao instinto (renúncia à satisfação do instinto) por ele levada a cabo
ao permitir, sem resistência alguma, a saída da mãe. O menino elaborava a
situação dramatizando a desaparição e o retorno da mãe com objetos que
encontrava a seu alcance”.
Freud, como criador da Psicanálise, foi, sem dúvida, quem estabeleceu os marcos
referenciais básicos que permitem entender a natureza e a função da atividade lúdica na
criança, sendo possível dizer que a compreensão do brinquedo só é possível a partir da
noção do inconsciente.
Ele mostrou assim que a criança brinca não somente para viver situações satisfatórias
mas também para elaborar as que lhe foram dolorosas e traumáticas.
Melanie Klein, segundo Freud,16 realizou uma das contribuições mais importantes
para a compreensão do brinquedo infantil ao descrever o mecanismo de Splitting, no
qual os objetos internos são projetados sobre os brinquedos. Assim, em um trabalho
intitulado A personificação nos jogos das crianças (1929),12 ela relatou as
personificações introduzidas pelas crianças em seus brinquedos e as relações entre os
personagens lúdicos, estudando estes mecanismos com exemplos de diferentes tipos de
enfermidades. Ela observou ainda que as crianças gravemente enfermas são incapazes
de brincar:
Arminda Aberastury,1 em seu livro A Criança e seus jogos (1992), realizou uma
excelente síntese do processo lúdico e vale a pena relê-la:
“O brinquedo possui muitas das características dos objetos reais, mas, pelo
seu tamanho, pelo fato de que a criança exerce domínio sobre ele, pois o
adulto outorga-lhe a qualidade de algo próprio e permitido, transforma-se
no instrumento para o domínio de situações penosas, difíceis, traumáticas,
que se engendram na relação com objetos reais. Além disso, o brinquedo é
insubstituível e permite que a criança repita, à vontade, situações prazerosas
e dolorosas que, entretanto, ela por si mesmo não pode reproduzir no mundo
real”.
“Ao brincar, a criança desloca para o exterior os seus medos, angústias e
problemas internos, dominando-os por meio da ação. Repete no brinquedo
todas as situações excessivas para o seu ego e isto lhe permite, devido ao
domínio sobre os objetos externos a seu alcance, modificar um final que lhe
foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na vida real, tanto
interna como externamente, e também repetir à vontade situações prazerosas”.
“Usando o mecanismo da identificação projetiva, as crianças fazem
transferências positivas e negativas para os objetos conforme estes excitem ou
aliviem sua ansiedade, e este mecanismo é a base de toda sua relação com os
objetos originários. Através das personificações no brinquedo, observa-se como
o objeto pode modificar-se com rapidez, de bom para mau, de aliado para
inimigo. Por isso, o brinquedo infantil, quando normal, progride constantemente
para identificações cada vez mais aproximadas da realidade”.
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Julgo útil referir o esquema30 apresentado por ele para exemplificar a estrutura e a
função dos conceitos expostos antes – objetos e fenômenos – e lembrar os Peanuts, de
Schulz, citados pelo próprio Winnicott,30,13 como exemplo da universalidade dos
conceitos referidos. Neste comics se pode observar claramente a relação entre o menino
e seu lençol – objeto transicional.
Em um trabalho posterior (1971),30 O jogo: Exposição Teórica, publicado como um
capítulo de O Brincar e a Realidade, ele expõe a sua Teoria do brinquedo, que acho
necessário reproduzir na íntegra, tanto na exposição teórica como no relato clínico.
Ao final deste trabalho Winnicott faz um resumo do que ele considera fundamental:
“a) O brinquedo principia, com o bebê, como uma atividade que gera pra-
zer erótico... é levado ao efeito no próprio corpo da criança (atividade auto-
erótica) ou no corpo da mãe (usualmente em ligação com a amamentação),
sem uma destruição crítica entre ambos...
b) As propriedades do corpo da mãe e do corpo do filho são transferidas
para algum objeto macio, como uma fralda, um travesseiro, um tapete, um
urso de pelúcia, que servem como objeto transicional (Winnicott, 1953), que
é catequizado com a libido narcisista e com a libido objetal.
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