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Resumo: O significado das primeiras situações de angústia

No começo do seu desenvolvimento, o ego está submetido à pressão


das situações de ansiedade arcaicas. Frágil como ainda é, o ego se vê
exposto, por um lado, às violentas exigências do id e, por outro, às
ameaças de um superego cruel, e tem que exercer seus poderes ao
máximo para satisfazer os dois lados.

Nas suas brincadeiras, até mesmo a criança muito pequena tentará superar
suas experiências desagradáveis, como Freud demonstrou na brincadeira de
um rneni- ninho de um ano e meio.3 A criança arremessou um carretel de
madeira amarrado a um fio de linha, de modo que o carretel
desaparecesse, e, então, puxando-o de volta à vista, vê-lo reaparecer. Ao
fazer isso de novo e de novo, ele procurava dominar psiquicamente um
evento desagradável — a ausência temporária da mãe. Freud reconheceu
em seu comportamento uma função de importância geral no brincar das
crianças. Através do brincar, a criança transforma a experiência que ela
sofreu passivamente em uma experiência ativa e transforma o desprazer em
prazer, dando à sua experiência originalmente desagradável um final feliz.

A análise de crianças muito pequenas tem mostrado que através do brincar a


criança não apenas supera a realidade penosa, como, ao mesmo tempo,
também a usa para controlar seus medos pulsionais e perigos internos,
projetando-os no mundo externo.

Freud interpretou o arremesso do carretei também como uma expressão dos


impulsos sádicos e vingativos da criança contra a mãe que a havia
abandonado.’ Por outro lado, que a criança tenha feito o carretei
reaparecer, expressando o retorno da mãe, parece representar uma
restauração mágica6 da mãe que fora destruída na primeira parte da
brincadeira, com o arremesso sendo equacionado com matar.

Todas essas atividades que ajudam a criança a se defender do perigo,


que refutam os seus medos e que a capacitam a fazer restituição ao seu
objeto têm, da mesma forma que as primeiras manifestações do impulso de
brincar, o propósito de dominar a ansiedade relativa aos perigos tanto de
fora quanto de dentro, tanto reais quanto imaginários.

A criança agora teme que sua mãe vá morrer em conseqüência dos


ataques que ela lhe fez em fantasia e, além do mais, tem medo de ser
deixada completamente sozinha, em seu desamparo. Freud diz,1 com
relação a isso: “Ele [o bebê] não pode ainda distinguir entre a ausência
temporária e a perda permanente. Assim que perde a mãe de vista,
comporta-se como se nunca mais fosse vê-la; e são necessárias repetidas
experiências de ser confortado de que não é assim até que aprenda que
o desaparecimento dela normalmente é seguido pelo seu reaparecimento.”
A ansiedade estimula o desenvolvimento do ego.

A tentativa de efetuar um ajuste entre o superego e o id não pode ser


bem- sucedida no inicio da infância, pois a pressão do id e a correspondente
severidade do superego absorvem então toda a energia do ego.

Os jogos das crianças efetuam uma transformação da ansiedade em prazer.

No que diz respeito às crianças pequenas, o ego não pode nunca


alcançar plenamente o objetivo de controlar a ansiedade por meio do
brincar. Enquanto a ansiedade permanece operante de forma latente, ela
se faz sentir como um incentivo constante para brincar; mas, no momento
em que se torna manifesta, faz que as brincadeiras se interrompam.

Análises de crianças no período de latência mostram que não apenas


cada pormenor dos seus deveres de casa, como também todas as suas
várias atividades em trabalho manual, desenho e assim por diante, são
utilizados em fantasia para restaurar seus próprios genitais e corpo, bem como
o corpo da mãe e os seus conteúdos, o pênis do pai, os irmãos e irmãs, etc.

Descrevemos a estabilização que ocorre no período de latência corno estando


baseada em uma adaptação à realidade, efetuada pelo ego em concordância
com o superego.

A ansiedade só pode ser controlada quando o superego e o id chegaram


a um ajuste satisfatório e o ego atingiu um grau suficiente de força.

Resumindo o que foi dito: tentei iluminar o complicado processo, que


envolve todas as energias do indivíduo, por meio do qual o ego tenta dominar
suas situações de ansiedade infantis. O bom êxito desse processo é de
fundamental importância para o desenvolvimento do seu ego e um fator
decisivo para a sua saúde mental.

A observação analítica me inclina fortemente a acreditar que mesmo uma


remoção extensa das situações de ansiedade como a que o indivíduo normal
atinge não equivale a um abandono completo delas.

De modo geral, essas situações' de ansiedade, é verdade, não têm efeitos


diretos sobre ele; mas, em certas circunstâncias, esses efeitos aparecem. Se
uma pessoa normal for posta sob uma grave pressão interna ou externa, ou se
ela adoece ou falha de algum outro modo, podemos observar nela a
operação plena e direta das suas situações de ansiedade mais profundas.
Uma vez, então, que toda pessoa saudável pode sucumbir a uma doença
neurótica, segue-se daí que ela não pode nunca se livrar inteiramente das
suas velhas situações de ansiedade.
A seguinte observação de Freud parece apoiar essa visão. Na passagem
recém-citada, ele escreve: “O neurótico difere da pessoa normal no
sentido de que suas reações aos perigos em questão serão
indevidamente fortes. Por fim, ser adulto não oferece nenhuma proteção
absoluta contra um retorno da situação de ansiedade traumática original. Cada
indivíduo tem com toda a probabilidade um limite além do qual o seu
aparelho mental falha na sua função de controlar as quantidades de
excitação que exigem serem eliminadas.”

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