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INTERVENÇÃO CLÍNICA NA

INFÂNCIA
Joana Proença Becker
pbeckerjoana@gmail.com

2020/2021
Melanie Klein (1882-1960)

• Nasceu em Viena;
• Precursora da análise de crianças;
• Centrou seus estudos na função materna;
• Jogo como meio de obter acesso ao inconsciente;
• Destacou a necessidade de permitir a livre expressão da
criança, desde que interpretando os sentimentos por ela
manifestados:
• Confrontar os sentimentos negativos;
• Abordar a angústia inconsciente;
PERSONALIDADE PARA MELANIE KLEIN
• Melanie Klein parte de obras freudianas, concordando que os instintos básicos são a
agressão e a libido. Suas divergências começam pela existência de um ego (arcaico) desde o
nascimento, uma das bases da teoria kleiniana.

• Principais conceitos para a teoria da personalidade (Klein, 1957):

posição esquizoparanoide e posição depressiva.

• Inicialmente, a posição esquizoparanoide predomina na criança, “fase persecutória”.


Caracterizada pela relação de objeto parcial, angústia persecutória e mecanismos de defesa
primitivos (negação, idealização, identificação projetiva). A passagem dessa posição para a
posição depressiva é, para Melanie Klein, o ponto central do desenvolvimento do sujeito.

• A posição depressiva se caracteriza pela relação de objeto total, angústia depressiva (perda
do objeto; culpa), mecanismos de defesa mais desenvolvidos (repressão, reparação).

• De acordo com Klein, essas posições podem ser encontradas na vida adulta, como defesas.
Quer que o seio,
posteriormente a
PERSONALIDADE PSICÓTICA mãe, faça
desaparecer os
impulsos
destrutivos e a
dor da ansiedade
- Consequência da relação mãe-bebê, seio bom-seio mau persecutória.

- Luta entre as pulsões de vida e de morte, e a resultante ameaça de aniquilamento


do self

- Resultado do mecanismo de defesa identificação projetiva*


- Inveja (primária) excessiva (despoja o objeto daquilo que ele possui e o estraga)

*fantasia onipotente de que partes indesejáveis da personalidade e


objetos internos podem ser separados, projetados e controlados no
objeto para o qual foram projetados. Faz parte das defesas iniciais,
primeiros meses de vida. Seu funcionamento normal conduz à formação
de símbolos e à comunicação. Determina a relação empática com o objeto.
Esse mecanismo atua intensamente no período inicial da vida e sua
função é aliviar o ego de suas partes ruins e preservar as partes boas,
protegendo-as do seu mundo interno “mau”.
Ex.: Para nos defender da ansiedade, do que gera conflito, de desejos
inaceitáveis, colocamos em outra pessoa, objeto ou causa.
ESTRUTURAÇÃO DA PERSONALIDADE

neurose
Objeto bom Objetivo: preservar objeto bom
para, mais tarde, capacitar o ego
CLIVAGEM
a sintetizar os dois aspectos do
= INTEGRAÇÃO
Objeto mau objeto

Objeto idealizado psicose


Se origina da ansiedade
persecutória - prevalência da
CLIVAGEM = DESINTEGRAÇÃO
posição esquizoparanoide
Objeto nos estágios iniciais.
extremamente mau

Quando a clivagem
normal fundamental não
é bem sucedida, pode borderline
surgir confusão do que é
objeto bom e objeto Fuga para evitar
mau. sentimentos hostis, para Intensidade e duração desses estados
preservar o objeto. determinam se o Ego será capaz de se
reintegrar.
A ANÁLISE DE CRIANÇAS
“Em geral, na análise das crianças, não podemos superestimar a importância da
fantasia e da tradução em ação como resultado da compulsão de repetir.
Naturalmente, as crianças usam muito mais o recurso da ação, mas mesmo as
crianças mais velhas recorrem constantemente a esse mecanismo primitivo,
especialmente quando a análise anulou algumas de suas repressões. Para realizar a
análise, é imprescindível que as crianças obtenham o prazer que está vinculado a esse
mecanismo, mas o prazer deve seguir sendo sempre apenas um meio para um fim. É
precisamente aqui que vemos a predominância do princípio do prazer sobre o
princípio da realidade. Não podemos apelar para o senso de realidade em pacientes
jovens como podemos fazer em pacientes mais velhos.

Assim como os meios de expressão das crianças diferem dos adultos, também a
situação analítica na análise das crianças parece ser totalmente diferente. No entanto,
é essencialmente o mesmo em ambos os casos. Interpretações apropriadas, resolução
gradual de resistências e descoberta persistente pela transferência de situações
anteriores: isto constitui tanto nas crianças como nos adultos a situação analítica
correta” (Klein, 1926, p. 9).
A Técnica do Brincar

▪ Associação livre;

▪ Interpretação das palavras e das atividades expressas no brincar;

▪ Exploração do inconsciente através da análise da transferência;

▪ Entender e interpretar fantasias, sentimentos, ansiedades e experiências expressas;

▪ Visa capacitar a criança para tolerar frustrações;

▪ Visa a adaptação exitosa à realidade;


Caso Rita – 2 anos e 9 meses
▪ Terrores noturnos e fobias de animais; Ambivalente em relação à mãe; Neurose
obsessive acentuada e depressão; Jogo inibido; Incapacidade de tolerar frustrações;

▪ Interpretação da transferência negativa;

▪ Interpretação do brincar;

▪ Uma pré-condição para a psicanálise de uma criança é compreender e interpretar as


fantasias, sentimentos, ansiedades e experiências expressas pelo brincar ou, se as
atividades lúdicas forem inibidas, as causas da inibição.
A introdução dos brinquedos

▪ O atendimento de uma menina de 7 anos, com quem Klein não conseguia estabelecer
uma comunicação, a levou a criar a primeira caixa de brinquedos.

“Ficou claro que ela não gostava da escola, e pelo que ela disse timidamente, bem
como por outras observações, pude fazer algumas interpretações que produziram
algum material. Mas, minha impressão era que eu não iria muito mais longe dessa
forma” (Klein, 1955, p. 225).
Sobre a brincadeira…
“Deduzi dessa brincadeira que os brinquedos/bonecos representavam ela mesma e um
menino, um colega de escola sobre quem eu já ouvira antes. Parecia que havia algo
secreto sobre as atividades desses dois bonecos e que outras pessoas de brinquedo eram
vistas como interferindo ou observando e eram postas de lado. As atividades dos dois
brinquedos produziam catástrofes, como quedas ou choques com carros. Isso foi
repetido com sinais de ansiedade crescente. Nesse momento, interpretei, com referência
aos detalhes de sua brincadeira, que alguma atividade sexual parecia ter ocorrido entre
ela e seu amigo e que isso a deixava com muito medo de ser descoberta e, portanto,
desconfiada de outras pessoas. Observei que, enquanto jogava, ela ficava ansiosa e
parecia prestes a interromper o jogo. Lembrei-a de que ela havia abandonado a escola e
que isso poderia estar relacionado com seu medo de que a professora descobrisse sobre
sua relação com o colega de escola e a punisse. Acima de tudo, ela estava com medo e,
portanto, desconfiada de sua mãe e ela poderia sentir o mesmo por mim. O efeito dessa
interpretação sobre a criança foi impressionante: sua ansiedade e desconfiança
aumentaram primeiro, mas logo deram lugar a um alívio óbvio” (Klein, 1955, p. 226).
A escolha dos brinquedos

A experiência ajudou Klein a decidir quais eram os brinquedos adequados para a técnica
psicanalítica do brincar.

▪ Deve ser garantida a simplicidade dos brinquedos, para que a criança possa
representar diferentes situações;

▪ A sala deve conter apenas o necessário, permitindo que a criança explore todo o
ambiente;

▪ A caixa/gaveta individual indica que apenas a criança e o terapeuta conhecem o


conteúdo e as brincadeiras. Assim como para as associações do adulto, o setting é
sentido pela criança como um local seguro;

▪ Os principais brinquedos apontados por Melanie Klein: homem e mulher de madeira


(geralmente em 2 tamanhos), carros, carrinhos de mão, balanços, trens, aviões,
animais, árvores, tijolos, casas, cercas, papel, tesoura, uma faca não muito afiada,
lápis, giz ou tintas, cola, bolas e mármores, plasticina e linha.
“O pequeno tamanho de tais brinquedos, sua quantidade e variedade, permitem que a
criança expresse uma ampla gama de fantasias e experiências. É importante que os
brinquedos não sejam mecânicos e que as figuras humanas, variando apenas na cor e
no tamanho, não indiquem qualquer ocupação particular. Sua própria simplicidade
permite que a criança os use em muitas situações diferentes, reais ou fantasiosas, de
acordo com o material que surge em sua brincadeira. Mantendo a simplicidade dos
brinquedos, a sala deve ser muito simples. Não deve conter nada, exceto o que é
necessário para a psicanálise. Ter chão lavável, água corrente, mesa, algumas cadeiras,
um pequeno sofá, algumas almofadas e uma cómoda. Os brinquedos de cada criança
ficam trancados em uma gaveta particular, e ela, portanto, sabe que seus brinquedos e
suas brincadeiras, que equivalem às associações do adulto, só serão conhecidos do
psicanalista e de si mesma” (Klein, 1955, p. 226).
A análise do brincar

▪ Desenhar, pintar, recortar, escrever, dramatizar, todas as expressões e brincadeiras da


criança trazem material para o trabalho analítico;
▪ O princípio da interpretação se mantém o mesmo se as fantasias são apresentadas
através de brinquedos ou dramatizações;
▪ Ao permitir a expressão da agressividade (quebrar o brinquedo, jogar água pela sala,
etc.), deve-se se estar atento à razão para tais impulsos destrutivos/agressivos estarem a
se manifestar em determinado momento da situação transferencial. Quais são as
consequências na criança? O que se segue após a manifestação agressiva? O que o
brinquedo representa?
▪ A interpretação tem que lidar com o nível mais profundo da cena, com o material
inconsciente.
“É parte essencial do trabalho interpretativo que ele deve acompanhar as flutuações
entre amor e ódio, entre felicidade e satisfação por um lado e ansiedade e depressão
persecutórias por outro. Isso implica que o psicanalista não deve demonstrar
desaprovação pelo fato de a criança ter quebrado um brinquedo; ele não deve,
entretanto, encorajar a criança a expressar sua agressividade, nem sugerir que o
brinquedo possa ser consertado. Em outras palavras, ele deve permitir que a criança
experimente suas emoções e fantasias conforme elas surgem. Sempre fez parte da
minha técnica não usar influências educacionais ou morais, mas seguir apenas o
procedimento psicanalítico, que - em poucas palavras - consiste em compreender a
mente do paciente e transmitir a ele o que se passa nela” (Klein, 1955, p. 228-229).
▪ Conhecer os sintomas e as dificuldades da criança, bem como sua história, antes de
começar a análise, fornece material para interpretações;

▪ A interpretação pode gerar diferentes reações: uma fala que confirma as conclusões do
analista; ou que demonstre discordar; a interrupção da brincadeira; e até mesmo uma
manifestação de agressividade (como jogar os brinquedos);

▪ A reação da criança após uma interpretação pode produzir o mesmo material de modo
diferente, confirmando a interpretação do analista;

▪ Ansiedade e sentimentos de culpa podem levar à interrupção ou mudança de


brincadeira;

▪ A brincadeira pode também ser uma repetição de experiencias atuais e detalhes da rotina
da criança.
“É revelador que, por vezes, eventos reais muito importantes em sua vida não entram em sua
peça ou em suas associações e que toda a ênfase às vezes reside em acontecimentos
aparentemente menores. Mas esses menores acontecimentos são de grande importância para
ele porque estimulam suas emoções e fantasias” (Klein, 1955, p. 231).
A comunicação da interpretação

▪ Interpretar os pontos que se destacam no material;


▪ Comunicar a interpretação do modo mais sucinto e claro possível;
▪ Usar expressões da criança;
▪ Capacidade de insight das crianças, muitas vezes, é maior do que a dos adultos;
▪ As conexões entre o consciente e o inconsciente são mais
próximas;
▪ As repressões são menos poderosas;
▪ Os símbolos usados pela criança estão em conexão com o suas emoções e ansiedades
particulares; “meras traduções generalizadas de símbolos não têm sentido” (Klein,
1955, p. 234).
▪ Os símbolos permitem à criança transferir fantasias, ansiedades e culpa para objetos.
“Um resultado importante da psicanálise de crianças, com base na técnica lúdica, foi a
maior compreensão dos primeiros estágios do desenvolvimento, especialmente do papel
das fantasias, ansiedades e defesas na vida emocional do bebê. Como nesses processos
infantis estão os pontos de fixação das psicoses dos adultos, esse maior conhecimento e
a técnica lúdica com que foi adquirido trouxeram uma nova forma de tratamento
psicanalítico para pacientes psicóticos. Nos 35 anos que se passaram desde o
desenvolvimento da técnica lúdica, sua influência no desenvolvimento da psicanálise foi
profunda; pois a técnica lúdica psicanalítica acrescentou muito ao nosso conhecimento
da mente infantil e, portanto, à nossa compreensão dos adultos normais e anormais”
(Klein, 1955, p. 236).
Referências

KLEIN, M. (1957). Inveja e Gratidão. In Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-1963) –


Volume III das obras completas de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago Editora. pp.
207-261
KLEIN, M. (1926). Principios psicológicos del análisis infantil. In Obras Completas de Melanie
Klein – Bibliotecas de Psicoanálisis. Psikolibro.
KLEIN, M. (1955). The psychoanalytic play technique. American Journal of Orthopsychiatry,
25(2), 223–237. https://doi.org/10.1111/j.1939-0025.1955.tb00131.x
SÍNTESE

• IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA

• OBJETIVOS DA TÉCNICA DO BRINCAR

• A ESCOLHA DOS BRINQUEDOS/MATERIAIS


• A ANÁLISE DO BRINCAR

• A INTERPRETAÇÃO

• A COMUNICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO
Joana Proença Becker
pbeckerjoana@gmail.com

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