Tema de discussão: O inconsciente Kleiniano: Vida emocional e mundo interno:
fantasia, cisão, projeção, introjeção, identificação projetiva. Bibliografia: Klein, M. (1991) in Inveja e Gratidão. Notas sobre alguns mecanismos esquizoides (1946).
Mecanismos esquizoides.
Em “Notas sobre alguns mecanismos esquizoides” Melanie Klein trata sobre a
importância dos mecanismos e ansiedades arcaicas de natureza paranoide (perseguição) e esquizoide (divisão). Após desenvolver teorias sobre os processos depressivos na criança, da posição depressiva infantil, a autora passa a refletir e se preocupar com a fase precedente. Contudo, o objetivo do texto é de formular algumas hipóteses sobre as ansiedades e mecanismos arcaicos, iniciais do desenvolvimento. “As hipóteses sobre as ansiedades arcaicas foram extraídas por meio de inferências de materiais obtidos em análises de adultos e crianças e algumas hipóteses parecem estar de acordo com observações familiares ao trabalho psiquiátrico. Sustentar aos fatos exigiria um acúmulo de material clínico pormenorizado, para o qual não há espaço nos limites deste artigo”. (KLEIN 1946/1991) A autora compreende que surgem na infância ansiedades características das psicoses, que forçam ao ego a desenvolver mecanismos de defesa específicos. É nesse período que se encontra pontos de fixação de todos os distúrbios psicóticos. Klein expressa com frequência que o ego, as relações de objetos, os impulsos libidinais e destrutivos surgem desde o nascimento. Sobre o ego arcaico, Klein considera útil dar ênfase a noção dada por Winnicott à não integração do ego arcaico (situação patológica de não integração descrito por Winnicott de uma paciente que não podia distinguir entre sua irmã e ela mesma). Nesse sentido, o bebê não reconhece a existência de mais ninguém a não ser a de si mesmo (o seio da mãe para ele simplesmente uma parte de si mesmo – apenas uma sensação no início), e ele espera que todos seus desejos sejam satisfeitos. Ao descobrir que não pode suprir suas necessidades, põe a chorar e a gritar, torna-se agressivo. Nessa tríade ego, objeto e instintos, surgem as fantasias. Para autora, as fantasias são representantes das pulsões (vida x morte) libidinais e destrutivas com as quais a criança nasce, essas fantasias correspondem e dão certa figurabilidade mínima aos objetos da pulsão, é originaria, a criança nasce com a capacidade de criar fantasia que darão expressão a seus impulsos e suas reações instintivas. Para elaborar essa ideia de fantasia Klein se apoiou na ideia Freudiana de “realização alucinatória de desejo. A pulsão de morte seria, então, uma ameaça de aniquilação em abstrato, logo passa a manifestar-se em conexão com os objetos primários, vindo então a se tornar uma angústia persecutória, a aniquilação deixa de ser um perigo de uma ameaça abstrata e se transforma em um medo de ser aniquilado pelo objeto, perseguidor concreto que provoca terror. “Desde o início os impulsos destrutivos voltam-se para o objeto e se expressa em fantasias sádicos orais ao seio materno, os quais logo evoluem para ataques contra o corpo materno com todos meios sádicos. Os medos persecutórios decorrentes dos impulsos sádicos do bebê, de assaltar o corpo materno e retirar os conteúdos bons, bem como dos impulsos sádicos orais de pôr dentro da mãe os próprios excrementos (inclusive colocar seu corpo dentro da mãe e controlá-la), são de grande importância para o desenvolvimento da paranoia e da esquizofrenia”. (Klein -1946/1991). Nesse sentido, Klein sugeriu que essa relação com os objetos primários se dá através de introjeção e projeção entre os objetos e situações internas e externas. A introjeção ao lado da projeção, é um dos mecanismos de defesa mais fundamentais, ambos são responsáveis pela constituição do aparelho psíquico e dos objetos internos; São reguladores do prazer e desprazer do aparelho psíquico. A introjeção tem significante de incorporar, de trazer para dentro é internalizar. Essa imagem do objeto externo é mais ou menos distorcida pelas fantasias do bebê, na sua mente, o objeto internalizado é sempre mais ou menos distorcida pelas suas próprias fantasias. A projeção é uma operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que desconhece e recusa nele. “Ela é a primeira e mais fundamental dentre as nossas garantias ou medidas de segurança contra as sensações de sofrimento, de ser atacado, ou desamparado - da qual tantas outras decorrem – é esse processo que chamamos de projeção. Através desse processo, todas sensações ou sentimentos penosos e desagradáveis existentes na mente são automaticamente banidos para fora de nós, na expressão psicologicamente exata, culpamos alguém mais por eles.” Para um bebê a distinção entre os seus estados de prazer e desprazer, entre os sentimentos bons e mais dentro de si, refletem-se no mundo externo e influência sua diferenciação entre as coisas e pessoas boas e más no mundo externo. A projeção é a primeira reação do bebê ao sofrimento, e provavelmente permanece em todos nós como reação espontânea a qualquer sentimento penoso ao longo de toda nossa vida. O subsequente desenvolvimento mental permite cada um de nós, em grau variável, controlar ou refrear essa reação primitiva e subjetiva, substituindo-a por outros processos mais bem adaptados à verdade e à realidade objetiva da situação em que nos encontramos. (Joan Rivieri 1937). Segundo a autora, os medos persecutórios dos impulsos sádico-orais do bebê são de grande importância para o desenvolvimento da paranoia e da esquizofrenia. Por outro lado, postula que as ansiedades, mecanismos de defesas do ego, de tipo psicótico, possuem grande influência no desenvolvimento do ego e superego, como também, nas relações de objeto. Nesse sentido todo ego em seu estado inicial sofre estados transitórios de despedaçamento, entretanto, quando estes se ampliam, predominam e persistem, provavelmente estamos diante um caso de esquizofrenia. A posição paranoide precede a posição depressiva, que por sua vez, pode ser impedida devido ao excesso de perseguição. O fracasso de um ego frágil pode levar a um reforço regressivo dos medos persecutórios, e pode fortalecer a fixação para psicoses graves (esquizofrenias). Klein postula sobre a importância da introjeção do objeto bom, da necessidade de estabelecer objetos bons internos para segurança da criança em seu mundo interior e superação da fase depressiva. As fantasias de envenenamento e de ser devorado, como a maioria dos fenômenos que prevalecem nos primeiros meses de vida, são encontrados depois em quadros sindrômicos da esquizofrenia. (A esquizofrenia possui significado de fragmentação da alma, divisão do cérebro). No decurso do texto Klein enumerou diversas defesas típicas de um ego arcaico, tais como o mecanismo de cisão de objetos e de impulsos, idealização, negação da realidade interna (consiste em negar aspectos da realidade psíquica que provocam um aumento excessivo das excitações, tanto de ódio como de amor intensos) e externa, e abafamento das emoções. Sobre a cisão, em conexão com a projeção e a introjeção. De acordo com Freud, ela concorda que a projeção se origina da deflexão da pulsão de morte para fora, e ajuda o ego a superar a ansiedade livrando-o perigo e de coisas más. No que diz respeito a cisão do objeto, devemos lembrar que, nos estados de gratificação, os sentimentos amorosos se voltam para o seio gratificador, ao passo que nos estados de frustração o ódio e a ansiedade persecutória se ligam ao seio frustrador. A cisão de objetos é responsável pela criação de objetos bons e maus, a cisão dos impulsos é o que separa o amor e ódio. A idealização, fragmentação, dissociações são defesas esquizoides com significante de cisão (divisão), uma espécie de confusão do mundo interno e externo. Com seu desenvolvimento, interação (interno x externo) essa cisão dos bom e mau formados na mente do bebê resultam em uma introjeção de um objeto real. Neste processo a idealização (superestimação do objeto) é operante e faz com que o objeto se torne um perseguidor aterrorizante ou um objeto ideal, por exemplo, o seio bom inexaurível, disponível, sempre gratificador ou o seio mau que envenena. A idealização também é uma defesa contra a ansiedade persecutória, a introjeção do seio bom é fundamental para a integração do bebê, ele precisa conservar a crença da existência e presença do seio bom, pois somente assim poderá sentir-se seguro com estabilidade e segurança necessárias para suportar frustrações e privações. “A idealização está ligada à cisão do objeto, pois os aspectos bons do seio são exagerados como uma salvaguarda contra o medo do seio perseguidor”. Outra defesa primitiva é a identificação projetiva que se caracteriza por uma “evacuação” de conteúdos intoleráveis para o Eu atribuídos a um outro Eu/individuo. Assim, o sujeito projeta aspectos intoleráveis em si, são atribuídos a outros indivíduos, ocorre então um processo de “excisão” (partes), trata-se de uma visão seguida de projeção do aspecto cindido, dissociado, separado, expulso de si mesmo. Já a identificação introjetiva, identificação com outra pessoa através da internalização de suas características, ou parte delas. Controle onipotente do objeto, a palavra “onni”, no latim tem significante de tudo, portanto poder tudo. Por volta do quarto mês de vida, ocorre uma mudança significativa de relações de afeto do bebê, ele deixa de se relacionar com o objeto parcial e passa a se relacionar com o objeto total (mãe). Reconhece a mãe como semelhante, passa então a considerá-la, demonstra preocupação, inclusive teme sua perda. Mas para chegar a esta integração do eu com as pulsões, o bebê passa por diversas ansiedades advindas das pulsões que envolvem o eu obrigando-o a se defender. Em conclusão Melanie Klein (1946/1991) destaca algumas das relações de objeto perturbadas que são encontradas em personalidades esquizoides. A cisão violenta do self e a projeção excessiva tem por efeito fazer o objeto um perseguidor, uma vez que a parte odiada e destrutiva do eu é projetada e sentida como perigosa ao objeto amado, portanto, a origem da culpa também tem origem no processo de projeção.
Fonte: Klein, M. (1991). Notas sobre alguns mecanismos esquizoides.
Em Inveja e gratidão e outros trabalhos (pp. 17-43). Rio de Janeiro, Imago (Trabalho original publicado em 1946).