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MATEMÁTICA PARA A VIDA:

UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO NUM CURSO EFA

Patrícia Alexandra da Silva Ribeiro


Sampaio Escola EB 2,3 Gil Vicente
patisampaio@gmail.com

Resumo: A Educação e Formação de Adultos através do Programa Novas


Oportunidades está a familiarizar-se nas nossas escolas, embora ainda surjam muitas
dúvidas sobre a sua operacionalização, pois só alguns docentes têm experiência neste
campo, salientando-se alguma “falta” e/ou divulgação de material didáctico disponível
para os formadores. Apresenta-se uma experiência de trabalho na área de Matemática
para a Vida, nível B3, equivalente ao 9º ano de escolaridade, sobre a unidade de
competência “Raciocinar matematicamente de forma indutiva e de forma dedutiva”, no
âmbito do tema de vida “Alimentação”.
Palavras-chave: Matemática para a Vida, Álgebra.

1. Introdução

Os cursos de Educação e Formação de Adultos apresentam o propósito de elevar


as qualificações dos adultos, desenvolvendo-se através de percursos de dupla
certificação ou apenas de habilitação escolar para formandos com mais de 18 anos. No
âmbito das Novas Oportunidades, a Matemática é perspectivada segundo uma vertente
relacional com o quotidiano dos formandos, tal como o próprio nome da área de
competência indica: Matemática para a Vida, surgindo a necessidade de adaptação dos
critérios de evidência existentes nas unidades de competência à comunidade educativa.
A escolha do Tema de Vida e a adequação dos critérios de evidência a cada curso e, em
particular, a cada formando, permite criar um clima onde os formandos têm sentimentos
positivos sobre a escola e sobre a aprendizagem.

A Educação e Formação de Adultos está cada vez mais presente nas nossas
escolas! Temos de nos adequar a este modelo de ensino/aprendizagem, por unidades de
competência, com adultos. Apresenta-se uma proposta de trabalho no âmbito da
Matemática para a Vida, nível básico 3, com o Tema de Vida “Alimentação” sobre o
tema “Álgebra” e, em particular, o tópico “Equações do 1º grau a uma incógnita”, pela
exploração do Índice de Massa Corporal de um indivíduo.
2. Educação e Formação de Adultos

Tendo em conta as baixas qualificações escolares e profissionais dos adultos em


Portugal, surgiram os primeiros cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) em
2000/2001 tendo sido inicialmente realizados 13 estudos piloto (Oliveira, 2003, p.76): 5
cursos na região Norte, 2 no Centro, 3 em Lisboa e Vale do Tejo, 2 no Alentejo e 1 no
Algarve. Neste momento, no âmbito do programa “Novas Oportunidades” o regresso
dos adultos à escola já não parece tão estranho! Já são muitas as instituições abertas às
solicitações dos adultos, proporcionando o “Reconhecimento, Validação e Certificação
de Competências” (RVCC) e os cursos de Educação e Formação de Adultos.

Através do processo de Reconhecimento e Validação de Competências (RVC),


os formandos evidenciam as competências que possuem com as suas histórias de vida,
participando activamente no processo, propondo validações às diversas áreas de
competência que serão certificadas, após um processo de negociação, em Júri, podendo
ou não frequentar um curso EFA.

Já relativamente à concretização da formação de base, num curso EFA, a Equipa


Pedagógica, formada pelo Mediador e pelos Formadores, deve construir um desenho
curricular elaborado de acordo com o(s) Tema(s) de Vida escolhido(s) pelos formandos
e tendo em conta o Referencial de Competências-Chave das diversas áreas de
competência, combinando o conhecimento académico/profissionalizante com os
interesses e necessidades dos adultos.

Neste caso, iremos abordar o nível básico 3, B 3, equivalente ao 9º ano de


escolaridade dos cursos EFA, que tem por base um Referencial de Competências-Chave
para a componente escolar e outro para a componente profissionalizante, sendo a parte
académica constituída por cinco módulos: Linguagem e Comunicação – Língua
Portuguesa (LP), Cidadania e Empregabilidade (CE), Matemática para a Vida (MV),
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e Linguagem e Comunicação –
Língua Estrangeira (LE).

A Matemática para a Vida tem como finalidade formar cidadãos mais activos,
inseridos numa sociedade matematicamente mais exigente. Nesta perspectiva, Gerardo
(2008, p. 6) afirma que é possível “incutir nos alunos o interesse por questionar,
reflectir, analisar, criticar e propor transformações em torno de assuntos do seu
contexto, e estabelecer elos de ligação entre os conteúdos matemáticos que se trabalham
dentro da sala de aula com problemas económicos, sociais, políticos e culturais”.

3. Uma experiência de ensino num curso EFA

A Escola EB 2,3 Gil Vicente e o Centro Novas Oportunidades Gil Vicente


iniciaram a Educação e Formação de Adultos no ano lectivo transacto, 2007/2008, com
apenas dois cursos EFA, nível básico 3, equivalente ao 9º ano de escolaridade, tendo já
terminado o seu percurso escolar, existindo, neste momento, oito novos cursos, quer do
nível básico quer do nível secundário. Neste caso, vamos abordar as aulas de
Matemática para a Vida, nível básico 3. Trata-se de uma experiência em duas turmas
EFA, com aproximadamente 10 alunos cada, no âmbito do tema de Vida
“Alimentação”, escolhido pelos formandos. Apresenta-se parte da construção curricular
deste Tema de Vida (tabela 1) com as Questões Geradoras, as Actividades Integradoras,
a Avaliação e a Duração do Tema de Vida.

Tabela 1: Parte da construção curricular do Tema de Vida “Alimentação”.

Questões geradoras Actividades integradoras Avaliação Duração


Participação nas Jornadas da Saúde:  Diário
O que é a “Roda dos de
- Lazer e Nutrição;
Alimentos”? Acompanhamento: tarefas
- Estilos de Vida Saudável.
definidas, executantes e
Conhecer os hábitos alimentares dos progressos verificados.
Como estão os nossos formandos.
hábitos alimentares?  Discussão no grupo
Participação no Arraial Minhoto. e auto-avaliação.
Sensibilização para os riscos de uma  Grelhas de Registo
“má” alimentação. 250 horas
Quais as “doenças” que escrito.
podem resultar de uma
Visita ao “Continente” para uma
alimentação incorrecta?  Mudança
explicação do programa “Siga as
de atitudes,
cores”.
consciencialização e
interiorização.
Visita à Horta Pedagógica.
Que podemos fazer para  Impacto/Receptivid
dar o exemplo? ade exterior.
Livro de receitas saudáveis.

 Grelha de
Avaliação
Individual por Área
e Formando.
Para concretizar as Actividades Integradoras, a Equipa Pedagógica, formada
pelos Formadores de todas as áreas curriculares e o Mediador, reuniu-se
quinzenalmente, de forma voluntária, ao longo de todo o Tema de Vida, isto é,
aproximadamente, durante 4 meses. Este trabalho colaborativo foi e é indispensável
para uma concretização efectiva de uma formação relevante para os adultos.

Procurando responder à questão geradora “Quais as doenças que podem resultar


de uma alimentação incorrecta?” elaborou-se uma actividade com alguns dos critérios
de evidência da unidade de competência D (Raciocinar matematicamente de forma
indutiva e de forma dedutiva) cujo tema era “Álgebra” e o tópico era “Equações do 1.º
grau a uma incógnita” (tabela 2).

Tabela 2: Questão geradora e critérios de evidência de uma actividade.

Tema de vida Questão geradora

Quais as “doenças” que podem resultar de uma alimentação


Alimentação incorrecta?

Unidade de competência Critérios de evidência

D2: Revelar competências de cálculo.


D
D3: Estabelecer conjecturas a partir da observação e testar
conjecturas utilizando processos lógicos de pensamento.

Raciocinar matematicamente D4: Usar argumentos válidos para justificar afirmações


de forma indutiva e de forma matemáticas.
dedutiva
D6: Reconhecer as definições como critérios necessários a
uma clara comunicação matemática.

O propósito da aula prendeu-se com o desenvolvimento nos formandos do


pensamento algébrico, começando-se a mesma com a apresentação dos objectivos aos
formandos: 1 - simplificar expressões; 2 - resolver equações; 3 - usar a álgebra na vida
real. Como introdução pediu-se aos formandos que dessem alguns exemplos de
expressões e equações, permitindo uma clara distinção entre ambas e o desenvolvimento
da linguagem algébrica. Ainda nesta fase introdutória da aula, os adultos simplificaram
algumas expressões com variáveis, pré-requisito indispensável à resolução de equações.
Para tornar a aula um pouco mais interactiva e deste modo interessante utilizaram-se
duas actividades denominadas “Expressões equivalentes” e “Descobre o número” do
“Boardworks Lta (2004)”, exemplificadas em Sampaio e Coutinho (2008). Estas
actividades/jogos didácticos podem estimular a cooperação entre colegas e a
flexibilidade cognitiva na aprendizagem da Matemática. Através do uso do Quadro
interactivo, estas potencialidades dos jogos são realçadas, propiciando-se um debate na
turma e uma motivação acrescida para participar. Após uma pequena discussão sobre a
simbologia matemática, já estávamos preparados para introduzir as equações, tendo-se
resolvido alguns problemas sobre valores desconhecidos, através do cálculo mental e da
resolução de equações.

Agora que já se fez uma pequena abordagem do tópico das “Equações do 1º grau
a uma incógnita”, passou-se para a interligação da Álgebra com o quotidiano dos
formandos. A relação da Matemática com a realidade é um dos objectivos gerais do
ensino desta área, em particular, na Educação e Formação de Adultos, com a
Matemática para a Vida. Nesta altura, pediu-se exemplos aos formandos dos seus
quotidianos que utilizassem equações, como o cálculo de velocidades e distâncias
percorridas em função do tempo, as simulações de acidentes de automóveis, a previsão
da meteorologia, …

Enquadrou-se o tópico das equações no tema de vida dos formandos,


“Alimentação”, através da interpretação da notícia do “Diário de Notícias”, “Manequins
demasiado magras proibidas de desfilar em Madrid”, de 19 de Setembro de 2006 (figura
1). Procurou-se contribuir para a resposta à questão geradora da tabela 2 ao referir, neste
exemplo, os distúrbios alimentares: bulimia e anorexia, que provocam excessiva
magreza.
Figura 1: Notícia no “Diário de Notícias” de 19/09/2006.

Pela exploração da notícia, discutiu-se o caso concreto da modelo portuguesa


(figura 2), Diana Pereira, com 1,71 metros de altura e determinou-se o suposto peso
mínimo, em kg, que esta deveria ter para poder participar no dito desfile. Equacionou-se

18=p1,712 e resolveu-se o problema, concluindo-se que a modelo portuguesa teria de

ter, no mínimo, 52,6338 kg para poder participar no desfile de moda realizado em


Madrid.
Figura 2: Índice de Massa Corporal (IMC).

Para terminar a aula procedeu-se a uma pequena discussão sobre o Índice de


Massa Corporal (IMC) e o grau de Obesidade de um indivíduo (figura 3),
determinando-se o IMC dos alunos voluntários, que foram todos.

Figura 3: Grau de obesidade.

Pela determinação do IMC dos alunos verificou-se que a maioria estava com o
“peso normal”, mas muito perto do valor máximo (24,9) e alguns já apresentavam
“sobrepeso”. Procedeu-se a uma pequena discussão procurando-se contribuir para a
resposta à questão geradora da tabela 2 ao referir o problema da obesidade.

4. Conclusão

Apresenta-se uma experiência de ensino em duas turmas EFA, nível B3, no


âmbito do tema de vida “Alimentação”, tentando-se enquadrar a Matemática para a
Vida no quotidiano dos formandos. Para Sampaio e Coutinho (2009, p. 526), a
Matemática para a Vida permite a transformação dos formandos em seres críticos e
intervenientes na sociedade. “Neste sentido, a adequação dos critérios de evidência da
MV a temas de vida propostos pelos formandos, torna-os activos nas suas próprias
aprendizagens”. Segundo Quintas (2007, p. 343), a construção curricular desenvolvida
por toda a equipa pedagógica dos cursos EFA permite “a auto-criação de formas de
aprender; ir ao encontro dos interesses dos formandos; a criação de itinerários
formativos individualizados; a participação dos formandos na construção curricular; um
trabalho mais criativo; a operacionalização de uma perspectiva construtivista do
currículo”. Trata-se de um exemplo de adequação dos critérios de evidência à realidade
e aos interesses dos formandos, tornando a Matemática mais acessível e interessante.

5. Bibliografia

ANEFA (2002). Referencial de Competências-Chave – Educação e Formação de


Adultos – Nível básico. Lisboa: Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos.

GERARDO, Helena (2008). Ler o mundo com a Matemática: a intencionalidade em


acção. In ProfMat2008. Elvas: APM. Actas em CD, S5, C15.

OLIVEIRA, Raquel (2003). Almejando o alargamento da participação dos adultos em


actividades de educação e formação: o caso do modelo EFA. In FORUM. Braga:
Universidade do Minho, Unidade de Educação de Adultos. 34. pp. 63-89.

QUINTAS, Helena (2007). “Pertinência” e “Democratização” nos processos educativos


destinados a públicos adultos: o caso dos cursos EFA. In Rui Castro, Paula Guimarães,
Michal Bron Jr, Ian Martin, Raquel Oliveira (org.). Changing Relationships between the
State, the Civil Society and the Citizen: Implications for Adult Education and Adult
Learning. Proceedings of the 2007 Active Democratic Citizenship and Adult Learning
Network Seminar. Braga: Unit for Adult Education of the University of Minho &
European Society for Research on the Education of Adults. pp. 325-354.

SAMPAIO, Patrícia; COUTINHO, Clara (2008). Aplicação do Quadro Interactivo na


Aprendizagem de Equações. In XVII Encontro de Investigação em Educação
Matemática – XVII EIEM. Vieira de Leiria: Secção de Educação Matemática da
Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. pp. 354-366.

SAMPAIO, Patrícia; COUTINHO, Clara (2009). As TIC com a Matemática para a Vida
nas Novas Oportunidades: “Nós somos o que comemos”. In VI Conferência
Internacional de Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação – Challenges
2009. Braga: Centro de competência Nónio século XXI da Universidade do Minho. pp.
515-528.

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