Você está na página 1de 5

2.2.

O gênero no ambiente enxadrístico

2.2.1 A chegada da Rainha

No início a representação feminina era nula no tabuleiro de xadrez, na


Índia, Pérsia e nas terras árabes aonde foi seu berço do jogo, todas as peças
humanas eram figuras masculinas. Representadas pelo rei, seu general ou
conselheiro - chefe chamado vizir e uma linha de soldados a pé. O vizir no
Shatranj era considerado uma peça sem valor, pois andava uma casa pelas
diagonais tornando a Rainha mais tarde. (YALOM, 2004) Existiam outras peças
que representavam uns verdadeiros exércitos indígenas, carruagens ou barcos,
cavalos e elefantes.
De acordo com Yalom (2004) foi só depois dos árabes terem invadido o
sul da Europa no século VIII e trazido o xadrez com eles que a rainha apareceu
no tabuleiro. Por volta do ano 1000, ela começou a substituir o vizir
(conselheiro do rei), por volta de 1200, ela podia ser encontrada em toda a
Europa Ocidental.
O surgimento da rainha do xadrez e do conde (Elder) futuro bispo da
Itália, por volta do ano 1000, possui relação direta com o cenário histórico
europeu consagrado pelo poder elevado da realeza, da rainha e da Igreja; já na
Alemanha, nesta época, os reis e as rainhas se transformavam em
imperadores e imperatrizes, manifestavam a sua autoridade de todas as formas
possíveis. As representações eram apresentadas pelas coroas, tronos, cetros,
orbes, selos, faixas, procissões, exibições públicas de grandeza e cerimônias
de vassalagem eram todos sinais de realeza crescente. (YALOM, 2004)
Mediante as afirmações de Yalom (2004) houve alterações nas posições
ocupadas pelas mulheres da realeza durante a Idade Média. O vizir era o
segundo no comando do xá já a rainha europeia era a outra metade do rei, sua
companheira de confiança no comando do reino quando o monarca estava
ausente ou incapacitado ela exercia sua função.

O sucesso ou fracasso dos reinos cristãos foi em grande parte


determinado pelo caráter de seus governantes. Um rei de sucesso
tinha que ser primeiro um guerreiro, e uma rainha também, não podia
encolher vendo sangue. Muitas vezes se esperava que ela
acompanhasse seu esposo à frente de um exército ou, se necessário,
liderasse as tropas para a batalha por conta própria. Tanto reis como
rainhas tiveram que ser políticos hábeis, formando alianças com
membros da nobreza e do clero influente, e administrando seus
reinos com incansável vigilância. 1(YALOM, 2004, p.12) NOSSA
TRADUÇÂO.

As tradições cristãs de casamento entre um homem e uma mulher


divergia com as possibilidades de poligamias permitidas aos homens
muçulmanos, e o compartilhamento de rei e rainha no tabuleiro de xadrez
simbolizava uma parceria mais significante e mais duradoura do que a de um
rei e seu principal ministro ou conselheiro. (YALOM, 2004)
Esse padrão cristão também quase veio interferir em uma regra que o
jogo ganha mais tarde, a promoção do peão à rainha, podendo ter em uma
partida do jogo de xadrez até 9 rainhas dentro do tabuleiro. (YALOM, 2004) A
presença feminina já era fato consumado, porém dar o poder a rainha poderia
ser uma conquista pelo empoderamento da peça com o passar dos tempos.

A proibição de promover um peão a uma rainha enquanto a rainha


original ainda estava no tabuleiro era uma tentativa de preservar a
singularidade da esposa do rei, seu único cônjuge permitido de
acordo com a doutrina cristã. O jogo árabe não tinha que enfrentar
esse problema porque um governante muçulmano poderia
teoricamente ter tantas esposas quanto quisesse. (YALOM, 2004,
p.18) Tradução nossa.

O jogo sofreu transformações por séculos, todavia acredita-se que foi


por volta do século XV que consolidou o formato que perpetua até hoje. Foi
diante da influência feminina na sociedade da época e valorização da mulher
neste período de grande ascensão da monarquia, que ocorreu inclusão no jogo
de xadrez da peça da Rainha (Dama) que inicialmente tinha seu poder
reduzido e com o tempo acabou se tornando a peça mais poderosa do jogo,
passando a ser dotada da combinação de forças da torre e do bispo.
(WERNER, 2016)
Uma vertente que corroborou com a representatividade da mulher dentro
do tabuleiro foi a ascensão a devoção a Nossa senhora Mãe do menino Jesus.
1
The success or failure of the Christian kingdoms was largely determined by the character of
their rulers. A successful king had to be a warrior first, and a queen too, could not shrink by
seeing blood. It was often expected that she would accompany her husband at the head of an
army or, if necessary, lead the troops into battle on their own. Both kings and queens had to be
skilled politicians, forming alliances with members of the nobility and influential clergy, and
managing their kingdoms with relentless vigilance.
Igrejas começaram a ser dedicadas a ela, representações em escultura com
mãe e filho, pinturas murais e vitrais. Em sua posição privilegiada maternal,
Maria poderia ser apelada à intercessão do Senhor, ou poderia produzir
milagres por conta própria. Maria em suas várias encarnações como Mãe de
Deus, Esposa de Cristo e Rainha do Céu tornou-se um objeto de culto
inigualável em toda a cristandade medieval. (YALOM, 2004)

FIGURA 18 - Rainha Izabel de Castela

Fonte: Castela,2019

Dessa forma, possivelmente a peça feminina entra no jogo de xadrez pelo


destaque de grandes Rainhas da Europa, incluindo a rainha espanhola que se
destacou na época medieval, Izabel de Castela (figura 18) juntamente com seu
esposo Fernando II de Aragão reinou a Espanha e eram conhecidos também
por apreciar este jogo (YALOM, 2004).
Segundo Yalom (2004), a rainha do xadrez atingiu o cume do seu poder
sob o domínio de Isabel de Castela, a mais famosa rainha espanhola de todos
os tempos. Eventos políticos e culturais devem ser levados em conta,
considerando o período de cem anos entre a tímida emergência da rainha do
xadrez e a sua elevação ao mais alto nível do jogo durante os séculos XI e XII
favorecendo à ideia de poder feminino.

Segundo Yalom (2004) obras de arte persas, compunha no jogo peças


simbólicas de acordo com a (figura 5) que é uma das rainhas mais exóticas
carregando o globo a outra (figura 6) uma rainha segura a fivela do cinto
ambas com atendentes, peças do Sul da Itália (1080-1100) estão alojadas na
Biblioteca Nacional Francesa.
FIGURA 5 - Rainha com o globo na mão, Sul da Itália

Fonte: Yalom, 2004, p.32

FIGURA 6 - Rainha segurando, Sul da Itália


Fonte: Yalom, 2004, p.32

Você também pode gostar